Language of document : ECLI:EU:C:2023:917

ACÓRDÃO DO TRIBUNAL DE JUSTIÇA (Décima Secção)

23 de novembro de 2023 (*)

«Recurso de decisão do Tribunal Geral — Auxílios de Estado — Medidas aplicadas pela República da Áustria a favor do aeroporto de Klagenfurt, da Ryanair e de outras companhias aéreas que utilizam este aeroporto — Decisão que declara as medidas de auxílio parcialmente incompatíveis com o mercado interno — Artigo 85.o, n.o 3, do Regulamento de Processo do Tribunal Geral da União Europeia — Elementos de prova apresentados ao Tribunal Geral após o encerramento da fase escrita do processo — Admissibilidade — Regulamento (UE) 2015/1589 — Artigo 17.o, n.os 1 e 2 — Poderes da Comissão Europeia para recuperação do auxílio — Prazo de prescrição — Grau de precisão das medidas de interrupção deste prazo — Dever de fundamentação — Desvirtuação dos elementos de prova — Dados pertinentes para determinar o montante do auxílio a recuperar»

No processo C‑758/21 P,

que tem por objeto um recurso de um acórdão do Tribunal Geral nos termos do artigo 56.o do Estatuto do Tribunal de Justiça da União Europeia, interposto em 9 de dezembro de 2021,

Ryanair DAC, com sede em Swords (Irlanda),

Airport Marketing Services Ltd, com sede em Dublim (Irlanda),

representadas por B. Byrne, solicitor, S. Rating, abogado, e E. Vahida, avocat,

recorrentes,

sendo a outra parte no processo:

Comissão Europeia, representada inicialmente por K. Blanck, A. Bouchagiar e J. Ringborg e, em seguida, por A. Bouchagiar e J. Ringborg, na qualidade de agentes,

recorrida em primeira instância,

O TRIBUNAL DE JUSTIÇA (Décima Secção),

composto por: M. Ilešič, exercendo funções de presidente de secção, I. Jarukaitis (relator) e D. Gratsias, juízes,

advogado‑geral: L. Medina,

secretário: A. Lamote, administradora,

vistos os autos e após a audiência de 18 de janeiro de 2023,

ouvidas as conclusões da advogada‑geral na audiência de 30 de março de 2023,

profere o presente

Acórdão

1        Com o presente recurso, a Ryanair DAC e a Airport Marketing Services Ltd (a seguir «AMS») pedem a anulação do Acórdão do Tribunal Geral da União Europeia de 29 de setembro de 2021, Ryanair e o./Comissão (T‑448/18, a seguir «acórdão recorrido», EU:T:2021:626), que negou provimento ao recurso, por elas interposto, de anulação dos artigos 5.o e 6.o da Decisão (UE) 2018/628 da Comissão, de 11 de novembro de 2016, relativa ao auxílio estatal SA.24221(2011/C) (ex 2011/NN) concedido pela Áustria ao aeroporto de Klagenfurt, à Ryanair e a outras companhias aéreas que utilizam o aeroporto (JO 2018, L 107, p. 1; a seguir «decisão controvertida»), bem como dos artigos 9.o a 11.o desta decisão, na parte em que lhes dizem respeito.

 Direito da União

 Regulamento (UE) 2015/1589

2        O considerando 26 do Regulamento (UE) 2015/1589 do Conselho, de 13 de julho de 2015, que estabelece as regras de execução do artigo 108.o [TFUE] (JO 2015, L 248, p. 9), enuncia:

«Por uma questão de segurança jurídica, é conveniente fixar um prazo de prescrição de dez anos para os auxílios ilegais, no termo do qual não possa ser ordenada qualquer recuperação.»

3        O artigo 2.o deste regulamento, sob a epígrafe «Notificação de novo auxílio», dispõe no seu n.o 2:

«Na notificação, o Estado‑Membro em causa deve fornecer todas as informações necessárias para que a Comissão [Europeia] possa tomar uma decisão […]»

4        O artigo 5.o do referido regulamento, sob a epígrafe «Pedido de informações apresentado ao Estado‑Membro notificante», prevê nos seus n.os 1 e 2:

«1.      Quando a Comissão considerar que as informações fornecidas pelo Estado‑Membro em causa relativamente a uma medida notificada nos termos do artigo 2.o são incompletas, solicitará as informações adicionais necessárias. […]

2.      Quando o Estado‑Membro em causa não prestar as informações solicitadas no prazo fixado pela Comissão ou as prestar de forma incompleta, a Comissão enviará uma carta de insistência, concedendo um prazo adicional adequado para a prestação das informações.»

5        O artigo 12.o do mesmo regulamento, que consta do seu capítulo III, relativo ao processo aplicável aos auxílios ilegais, tem por epígrafe «Exame, pedido de informações e injunção para prestação de informações». Dispõe o seguinte:

«1.      […] a Comissão pode, por sua própria iniciativa, examinar informações de qualquer fonte sobre um auxílio alegadamente ilegal.

[…]

2.      Se necessário, a Comissão pedirá informações ao Estado‑Membro em causa. Será aplicável, mutatis mutandis, o disposto no artigo 2.o, n.o 2, e no artigo 5.o, n.os 1 e 2.

[…]

3.      Quando, não obstante uma carta de insistência enviada nos termos do artigo 5.o, n.o 2, o Estado‑Membro em causa não fornecer as informações pedidas no prazo fixado pela Comissão ou fornecer informações incompletas, a Comissão ordenará, por via de decisão, que lhe sejam fornecidas aquelas informações […]. A decisão deve especificar quais as informações requeridas e fixar um prazo adequado para a prestação das mesmas.»

6        O artigo 17.o do Regulamento 2015/1589, sob a epígrafe «Prazo de prescrição para a recuperação dos auxílios», dispõe nos seus n.os 1 e 2:

«1.      Os poderes da Comissão para recuperar o auxílio ficam sujeitos a um prazo de prescrição de dez anos.

2.      O prazo de prescrição começa a contar na data em que o auxílio ilegal tenha sido concedido ao beneficiário, quer como auxílio individual, quer como auxílio ao abrigo de um regime de auxílio. O prazo de prescrição é interrompido por quaisquer atos relativos ao auxílio ilegal praticados pela Comissão ou por um Estado‑Membro a pedido desta. Cada interrupção inicia uma nova contagem de prazo. […]»

 Regulamento de Processo do Tribunal Geral

7        O Regulamento de Processo do Tribunal Geral, de 4 de março de 2015 (JO 2015, L 105, p. 1), no seu artigo 76.o, sob a epígrafe «Conteúdo da petição», prevê:

«A petição referida no artigo 21.o do Estatuto [do Tribunal de Justiça da União Europeia] deve conter:

[…]

f)      as provas e oferecimentos de prova, se a tal houver lugar.»

8        Nos termos do artigo 85.o deste regulamento, sob a epígrafe «Provas e oferecimentos de prova»:

«1.      As provas e os oferecimentos de prova são apresentados na primeira troca de articulados.

2.      Em apoio da sua argumentação, as partes principais podem ainda apresentar ou oferecer provas na réplica e na tréplica, desde que o atraso na apresentação desses elementos seja justificado.

3.      A título excecional, as partes principais podem ainda apresentar ou oferecer provas antes do encerramento da fase oral ou antes da decisão do Tribunal de decidir sem fase oral, desde que o atraso na apresentação desses elementos seja justificado.

4.      Sem prejuízo da decisão a tomar pelo Tribunal sobre a admissibilidade das provas apresentadas ou dos oferecimentos de prova ao abrigo dos n.os 2 e 3, o presidente dá às outras partes a oportunidade de tomarem posição sobre as mesmas.»

 Antecedentes do litígio e decisão controvertida

9        Os antecedentes do litígio e a decisão controvertida, tal como resultam dos n.os 1 a 39 do acórdão recorrido, podem ser resumidos da seguinte forma.

10      A Ryanair é uma companhia aérea. A AMS é uma filial desta, cuja atividade principal consiste em vender espaços publicitários no sítio Web da Ryanair. O aeroporto de Klagenfurt (Áustria) situa‑se na periferia da cidade com o mesmo nome, que é a capital do Land da Caríntia. A proprietária e operadora deste aeroporto é a Kärntner Flughafen Betriebsgesellschaft mbH (a seguir «KFBG»). Os detentores diretos e indiretos das participações sociais desta última sociedade variaram durante o procedimento que conduziu à adoção da decisão controvertida, mas foram sempre autoridades ou entidades públicas. A KFBG detém uma filial a 100 %, a Destinations Management GmbH (a seguir «DMG»), que presta diversos serviços ao aeroporto, nomeadamente como consultora para atrair as companhias aéreas para o aeroporto.

11      Em 22 de janeiro de 2002, foram celebrados quatro acordos relevantes para o presente processo. Primeiro, a KFBG e a Ryanair celebraram um acordo sobre serviços aeroportuários (a seguir «ASA de 2002»), que entrou em vigor em 27 de junho de 2002, por um período de cinco anos, e previa a possibilidade de prorrogação automática por mais cinco anos, sob determinadas condições. Nos termos deste acordo, a Ryanair comprometeu‑se a fornecer um serviço de transporte aéreo, pelo menos diariamente, entre o aeroporto de Klagenfurt e o aeroporto de Londres‑Stansted (Reino Unido) e a pagar à KFBG uma taxa fixa por rotação. Além disso, a Ryanair devia cobrar por cada bilhete de avião um montante fixo por cada passageiro embarcado, a título de taxas aeroportuárias, bem como a taxa de segurança, e pagar estas taxas ao aeroporto. O referido acordo previa também os serviços que este aeroporto devia prestar à Ryanair, bem como outros pagamentos a favor da KFBG e as obrigações a que esta última estava obrigada.

12      Segundo, a DMG e a Leading Verge.com Ltd (a seguir «LV»), atual FR Financing (Malta) Ltd, uma filial da Ryanair que foi entretanto encerrada, celebraram um acordo sobre serviços de marketing (a seguir «ASM de 2002 entre a DMG e a LV»), que entrou em vigor no dia da sua celebração e vigente até 26 de junho de 2007, com a possibilidade de prorrogação automática por mais cinco anos, sob determinadas condições. Neste acordo, a DMG encarregou a LV de gerar um plano promocional e providenciar o fornecimento de ligações para a página inicial do sítio Web da DMG, bem como de realizar determinadas atividades promocionais em contrapartida de um pagamento anual fixo.

13      Terceiro, a DMG e a AMS celebraram um acordo sobre serviços de marketing (a seguir «ASM de 2002 entre a DMG e a AMS»), que entrou em vigor no dia da sua celebração por um período de cinco anos. Neste acordo, a DMG encarregou a AMS, mediante a cobrança de taxas anuais, de criar e gerir, no sítio Web www.ryanair.com, duas ligações para sítios Web escolhidos pela DMG, que apresentavam as atrações do Land da Caríntia. A AMS poderia prestar serviços suplementares a um preço a acordar, se as partes assim o decidissem.

14      Quarto, a DMG e a LV celebraram um aditamento ao ASM de 2002 entre a DMG e a LV (a seguir «aditamento de 2002 entre a DMG e a LV»), que entrou em vigor no mesmo dia, através do qual as partes acordaram que, em relação a este ASM, a DMG devia efetuar um pagamento adicional à LV, por medidas de marketing adicionais e reforçadas durante a vigência deste acordo entre DMG e a LV.

15      O ASA de 2002, o ASM de 2002 entre a DMG e a LV, conforme alterado pelo aditamento de 2002 entre a DMG e a LV, e o ASM de 2002 entre a DMG e a AMS (a seguir, em conjunto, «acordos de 2002») terminaram em 29 de outubro de 2005, quando a Ryanair interrompeu os seus serviços de transporte aéreo de passageiros entre o aeroporto de Klagenfurt e o aeroporto de Londres‑Stansted.

16      Em 23 de agosto de 2006, a KFBG e a Ryanair celebraram um acordo sobre serviços aeroportuários (a seguir «ASA de 2006»), relativo a um serviço de transporte aéreo a efetuar três vezes por semana com destino ao aeroporto de Londres‑Stansted, entre 19 de dezembro de 2006 e 21 de abril de 2007. A Ryanair devia pagar as taxas aeroportuárias oficiais do aeroporto de Klagenfurt, mas beneficiava de um incentivo de 7,62 euros por cada passageiro embarcado, em conformidade com um regime de incentivo introduzido pela KFBG em setembro de 2005.

17      Em 21 de dezembro de 2006, a DMG e a AMS celebraram um acordo sobre serviços de marketing, que entrou em vigor em 28 de fevereiro de 2007 e dizia respeito à obrigação de a Ryanair operar os voos previstos no acordo mencionado no número anterior. Neste ASM, a AMS comprometia‑se a prestar todos os anos um pacote de marketing, visando, nomeadamente, a promoção do destino Klagenfurt/Caríntia.

18      O ASA de 2006 e o acordo sobre serviços de marketing celebrado em 21 de dezembro de 2006 entre a DMG e a AMS (a seguir, em conjunto, «acordos de 2006») eram aplicáveis até 21 de abril de 2007.

19      Em 11 de outubro de 2007, a Comissão transmitiu à República da Áustria uma denúncia que lhe tinha sido apresentada por um concorrente da Ryanair no mercado europeu do transporte aéreo de passageiros, alegando que a Ryanair tinha beneficiado de auxílios estatais ilegais, nomeadamente do Land da Caríntia, da Cidade de Klagenfurt e do aeroporto de Klagenfurt, por intermédio da KFBG, e solicitou informações adicionais a este Estado‑Membro. Por cartas de 15 de novembro de 2010 e de 24 de março de 2011, a Comissão solicitou informações complementares às autoridades austríacas. Estas responderam por cartas de 28 de janeiro e 30 de maio de 2011. Em 8 de abril de 2011, a Comissão solicitou informações complementares à Ryanair, que as forneceu em 4 de julho de 2011. A Comissão transmitiu‑as às autoridades austríacas em 15 de julho de 2011, as quais apresentaram observações por carta de 20 de setembro de 2011.

20      Por carta de 22 de fevereiro de 2012, a Comissão informou as autoridades austríacas da sua decisão de dar início ao procedimento previsto no artigo 108.o, n.o 2, TFUE para examinar, nomeadamente, os acordos de 2002 com a Ryanair e os acordos de 2006 com a Ryanair (JO 2012, C 233, p. 28).

21      Por cartas de 29 de maio e 20 de julho de 2012, o advogado da Ryanair solicitou o acesso ao processo da Comissão, o que esta recusou por de cartas de 19 de junho e 4 de outubro de 2012.

22      Por carta de 28 de maio de 2014, a Comissão solicitou informações adicionais à República da Áustria relativas a um acordo de marketing celebrado entre o aeroporto de Klagenfurt e a Ryanair em 22 de janeiro de 2002, tendo estas autoridades respondido em 11 de junho de 2014.

23      Em 23 de julho de 2014, a Comissão decidiu alargar o procedimento de investigação (JO 2014, C 348, p. 36).

24      Na decisão controvertida, a Comissão considerou, nomeadamente, que, através dos acordos de 2002 e de 2006 (a seguir, em conjunto, «acordos controvertidos»), a República da Áustria concedeu à Ryanair, à LV e à AMS auxílios estatais ilegais e incompatíveis com o mercado interno. Determinou os montantes dos auxílios a recuperar com base na parte negativa dos fluxos de caixa incrementais anuais previsíveis à data da celebração dos acordos controvertidos, por cada ano de vigência destes acordos. Considerou que o montante dos auxílios contidos nos acordos de 2002 e de 2006 ascendia ao montante provisório de 1 827 267 euros e 141 326 euros, respetivamente, o que declarou nos artigos 5.o e 6.o da decisão controvertida. Os artigos 9.o a 11.o desta decisão impõe à República da Áustria que proceda à recuperação destes auxílios.

 Tramitação processual no Tribunal Geral e acórdão recorrido

25      Por petição apresentada na Secretaria do Tribunal Geral, em 18 de julho de 2018, a Ryanair, a AMS e a FR Financing (Malta) Ltd (a seguir, em conjunto, «Ryanair e o.») interpuseram um recurso de anulação dos artigos 5.o e 6.o da decisão controvertida, bem como dos seus artigos 9.o a 11.o, na parte em que lhes dizem respeito. Em apoio deste recurso, estas sociedades invocaram seis fundamentos. Além disso, em 24 de agosto de 2018, apresentaram um pedido de medidas de organização do processo, pelo qual solicitaram à Comissão a apresentação de determinados documentos e, em 25 de setembro de 2020, apresentaram dois documentos a título de provas adicionais (a seguir «provas adicionais»).

26      No acórdão recorrido, o Tribunal Geral considerou, antes de mais, que estas provas adicionais eram inadmissíveis, uma vez que a Ryanair e o. não tinham justificado, na aceção do artigo 85.o, n.o 3, do Regulamento de Processo do Tribunal Geral, a sua apresentação tardia. Em seguida, julgou improcedentes todos os fundamentos invocados e, por conseguinte, negou provimento ao recurso na sua totalidade, decidindo que não havia que deferir o pedido de medidas de organização do processo que lhe tinha sido apresentado, uma vez que, atendendo aos documentos anexados pelas partes aos seus articulados, bem como as suas respostas às suas questões escritas e orais, já se considerava suficientemente esclarecido para se pronunciar sobre o recurso. Por último, condenou a Ryanair e o. nas despesas.

 Pedidos das partes no Tribunal de Justiça

27      As recorrentes concluem pedindo que o Tribunal de Justiça se digne:

–        anular o acórdão recorrido;

–        anular os artigos 5.o e 6.o da decisão controvertida, bem como os seus artigos 9.o a 11.o, na parte em que lhes dizem respeito, ou, a título subsidiário, remeter o processo ao Tribunal Geral para reapreciação; e

–        em qualquer dos casos, condenar a Comissão nas despesas dos processos nas duas instâncias.

28      A Comissão pede ao Tribunal de Justiça que negue provimento ao presente recurso e condene as recorrentes nas despesas.

 Quanto ao presente recurso

29      As recorrentes invocam quatro fundamentos de recurso. O primeiro é relativo ao facto de as provas adicionais terem sido erradamente rejeitadas por inadmissibilidade. O segundo é relativo a uma interpretação errónea do artigo 17.o do Regulamento 2015/1589 e a uma aplicação incorreta do artigo 296.o TFUE. O terceiro é relativo às desvirtuações das provas cometidas pelo Tribunal Geral ao apreciar se a Comissão aplicou legalmente o teste do operador privado numa economia de mercado. O quarto é relativo, em substância, a um erro de direito cometido pelo Tribunal Geral na sua análise da determinação do montante dos auxílios a recuperar, conforme efetuada na decisão controvertida.

 Quanto ao primeiro fundamento

 Argumentos das partes

30      Com o primeiro fundamento, as recorrentes alegam que, nos n.os 58 a 63 do acórdão recorrido, o Tribunal Geral cometeu dois erros de direito ao julgar inadmissíveis as provas adicionais apresentadas em 25 de setembro de 2020, ou seja, após o encerramento da fase escrita do processo, que teve lugar em 26 de fevereiro de 2019, mas antes do encerramento da sua fase oral, em 14 de janeiro de 2021, por não terem justificado, na aceção do artigo 85.o, n.o 3, do Regulamento de Processo do Tribunal Geral, a apresentação tardia das mesmas.

31      Afirmam que as referidas provas, que demonstravam que a decisão controvertida padecia de um erro manifesto de apreciação que justificava a sua anulação parcial, consistiam, a primeira delas, numa tabela com estimativas das receitas não aeronáuticas por passageiro embarcado para os acordos controvertidos, que foi fornecida pelo aeroporto de Klagenfurt à Comissão durante o procedimento formal de investigação (a seguir «tabela de receitas não aeronáuticas»). A segunda era uma versão não editada de um parágrafo contido num relatório elaborado pelo consultor económico da Ryanair, datado de 3 de novembro de 2014, que apresentava dados relativos ao cálculo dos custos marginais que foram ocultados na versão deste relatório anexa à petição inicial (a seguir «dados relativos aos custos»).

32      Afirmam ter alegado no Tribunal Geral que, no que respeita à tabela de receitas não aeronáuticas, não poderiam tê‑la materialmente apresentado numa fase anterior do processo, uma vez que nessa altura não disponham da mesma, que os seus pedidos de acesso ao processo da Comissão foram indeferidos, que o Tribunal Geral não respondeu ao seu pedido de medidas de organização do processo e que a cooperação do aeroporto de Klagenfurt para a disponibilizar foi dificultada por vários fatores, entre os quais a crise resultante da pandemia de COVID‑19. No que respeita aos dados relativos aos custos, não seria nem necessário nem adequado apresentá‑los numa fase anterior do processo no Tribunal Geral, uma vez que a importância dos dados em causa, inicialmente ocultados, só apareceu no momento do exame da tabela de receitas não aeronáuticas. O momento da sua apresentação estaria, por conseguinte, ligado ao momento da apresentação desta última.

33      Neste contexto, o Tribunal Geral, em primeiro lugar, violou os princípios jurídicos subjacentes ao artigo 85.o, n.os 1 a 3, do seu Regulamento de Processo, conforme identificados na jurisprudência do Tribunal de Justiça, a saber, o princípio do contraditório, o princípio da igualdade de armas, o direito a um processo equitativo e a boa administração da justiça. Com efeito, o acórdão recorrido não contém nenhuma explicação quanto à forma ou a razão pela qual a admissão das provas em causa prejudicaria estes princípios ou impediria o Tribunal Geral de decidir o litígio num prazo razoável. Pelo contrário, resulta do acórdão recorrido que estes princípios foram respeitados, uma vez que a Comissão teve a possibilidade, na audiência e nas observações escritas subsequentes, de se posicionar sobre estas provas e as suas possíveis implicações na legalidade da decisão controvertida.

34      Em segundo lugar, o Tribunal Geral, por um lado, ignorou a jurisprudência segundo a qual a apresentação tardia de provas por uma das partes pode ser justificada pelo facto de esta parte não dispor anteriormente das provas em causa, pelo que as recorrentes remetem, a este respeito, para o Acórdão de 16 de setembro de 2020, BP/FRA (C‑669/19 P, EU:C:2020:713, n.o 41). Por outro lado, ignorou a jurisprudência segundo a qual, para apreciar se o atraso na apresentação de provas é justificado, há que verificar se as provas em causa já constam dos autos em que se baseia a decisão controvertida, caso em que não há que as afastar, remetendo as recorrentes, a este respeito, para os Acórdãos do Tribunal Geral de 14 de março de 2018, Crocs/EUIPO — Gifi Diffusion (Calçado) (T‑651/16, EU:T:2018:137, n.o 17), e de 7 de junho de 2018, Schmid/EUIPO—Landeskammer für Land‑ und Forstwirtschaft in Steiermark (Steirisches Kürbiskernöl) (T‑72/17, EU:T:2018:335, n.o 23). Ora, no caso em apreço, não estavam na posse da tabela de receitas não aeronáuticas numa fase anterior do processo e os elementos de provas adicionais em causa constavam do processo da Comissão.

35      As exigências adicionais que o Tribunal Geral pretende impor, como a apresentação de correspondência entre a Ryanair e o., por um lado, e o aeroporto de Klagenfurt, por outro, são desprovidas de fundamento jurídico, uma vez que a possibilidade de o Tribunal Geral admitir provas ao abrigo do artigo 85.o, n.o 3, do seu Regulamento de Processo não está sujeita à obrigação de «apresentação de um comprovativo». Com efeito, resulta da jurisprudência que o facto de fornecer uma fundamentação pode ser suficiente para justificar a apresentação tardia de provas.

36      A Comissão alega que este fundamento é improcedente.

 Apreciação do Tribunal de Justiça

37      A título preliminar, importa recordar que o exame, pelo Tribunal Geral, da admissibilidade das provas e dos oferecimentos de prova que lhe são apresentados constitui uma questão de direito sujeita, enquanto tal, à fiscalização do Tribunal de Justiça no âmbito de um recurso de uma decisão do Tribunal Geral. (v., neste sentido, Acórdão de 16 de setembro de 2020, BP/FRA, C‑669/19 P, EU:C:2020:713, n.o 42 e jurisprudência referida).

38      No que respeita à primeira parte do primeiro fundamento, cuja argumentação está exposta no n.o 33 do presente acórdão, importa salientar que, em conformidade com o artigo 76.o, alínea f), do Regulamento de Processo do Tribunal Geral, a petição deve conter as provas e oferecimentos de prova, se a tal houver lugar, e que o artigo 85.o, n.o 1, deste Regulamento de Processo refere que as provas e oferecimentos de prova são apresentados na primeira troca de articulados.

39      Além disso, nos termos do n.o 2, deste artigo 85.o, as partes principais podem ainda apresentar ou oferecer provas na réplica e na tréplica, em apoio da sua argumentação, desde que o atraso na apresentação destes elementos seja justificado. O n.o 3 do referido artigo 85.o acrescenta que, a título excecional, as partes principais podem ainda apresentar ou oferecer provas antes do encerramento da fase oral ou antes da decisão do Tribunal de decidir sem fase oral, desde que o atraso na apresentação destes elementos seja justificado.

40      O n.o 4 do mesmo artigo 85 dispõe que, sem prejuízo da decisão a tomar pelo Tribunal sobre a admissibilidade das provas apresentadas ou dos oferecimentos de prova ao abrigo dos n.os 2 e 3, as outras partes têm oportunidade de tomarem posição sobre as mesmas.

41      A propósito das disposições do antigo Regulamento de Processo do Tribunal de Primeira Instância das Comunidades Europeias de 2 de maio de 1991 (JO 1991, L 136, p. 1), análogas às regras de princípio que passaram a constar do artigo 76.o, alínea f), e do artigo 85.o, n.o 1, do Regulamento de Processo do Tribunal Geral atualmente em vigor, o Tribunal de Justiça salientou que estas disposições, que especificam a fase do processo para oferecimento de provas, têm em conta os princípios do contraditório e da igualdade de armas, bem como o direito a um processo equitativo, no interesse de uma boa administração da justiça. Com efeito, ao exigir que as partes divulguem as suas provas e os seus oferecimentos de prova logo após a apresentação da petição ou da contestação, as referidas disposições destinam‑se a informar as outras partes dos elementos de prova apresentados em apoio das teses defendidas e permitir‑lhes preparar de uma defesa ou uma réplica úteis, em conformidade com os princípios e direito mencionados. O Tribunal de Justiça indicou também que a apresentação de provas e de oferecimentos de provas na primeira fase do processo também é justificada por um objetivo de boa administração da justiça, uma vez que permite a tramitação do processo num prazo razoável através de uma rápida preparação dos autos (v., neste sentido, Acórdão de 14 de abril de 2005, Gaki‑Kakouri/Tribunal de Justiça, C‑243/04 P, EU:C:2005:238, n.o 30).

42      Além disso, a propósito da disposição deste antigo Regulamento de Processo que consta atualmente, em substância, do artigo 85.o, n.o 2, do Regulamento de Processo do Tribunal Geral, o Tribunal de Justiça referiu que esta também traduz a exigência de um processo equitativo e, mais especificamente, de uma proteção dos direitos de defesa, uma vez que autoriza uma proposta de apresentação de prova fora das situações que passaram a constar do artigo 76.o, alínea f), e do artigo 85.o, n.o 1, do Regulamento de Processo do Tribunal Geral (v., neste sentido, Acórdão de 14 de abril de 2005, Gaki‑Kakouri/Tribunal de Justiça, C‑243/04 P, EU:C:2005:238, n.o 32).

43      Por outro lado, em relação às disposições que constam dos n.os 1, 2 e 4 do artigo 85.o do Regulamento de Processo do Tribunal Geral, o Tribunal de Justiça também já declarou que, embora em conformidade com a regra de preclusão prevista no artigo 85.o, n.o 1, deste regulamento, as partes devem justificar o atraso na apresentação das suas novas provas ou dos seus novos oferecimentos de provas, o juiz da União tem o poder de fiscalizar o mérito do motivo do atraso na apresentação destas provas ou destes oferecimentos de prova e, consoante o caso, o seu conteúdo, tendo também, se esta apresentação tardia não for justificada de forma juridicamente bastante ou fundada, o poder de as afastar. A apresentação tardia, por uma das partes, de provas ou de oferecimentos de prova pode, nomeadamente, justificar‑se pelo facto de essa parte não ter anteriormente disposto das provas em causa ou se as apresentações tardias da parte contrária justificarem que o processo seja concluído, a fim de assegurar o respeito do princípio do contraditório (Acórdão de 16 de setembro de 2020, BP/FRA, C‑669/19 P, EU:C:2020:713, n.o 41 e jurisprudência referida).

44      Estes princípios que resultam da jurisprudência recordada nos n.os 41 a 43 do presente acórdão aplicam‑se, por maioria de razão, às provas apresentadas e aos oferecimentos de prova efetuados nos termos do artigo 85.o, n.o 3, do Regulamento de Processo do Tribunal Geral. Com efeito, esta disposição não constitui, à semelhança do n.o 2 deste artigo, uma simples derrogação à regra geral enunciada no n.o 1 do referido artigo, mas uma exceção à regra de princípio e à derrogação previstas, respetivamente, nos n.os 1 e 2, estando a possibilidade constante desse n.o 3, segundo a própria redação desta disposição, prevista apenas a título excecional (v., neste sentido, Acórdãos de 14 de abril de 2005, Gaki‑Kakouri/Tribunal de Justiça, C‑243/04 P, EU:C:2005:238, n.o 33, e de 16 de setembro de 2020, BP/FRA, C‑669/19 P, EU:C:2020:713, n.o 47), e a sua aplicação pressupõe, consequentemente, que seja demonstrada a existência de circunstâncias excecionais (v., neste sentido, Acórdão de 11 de setembro de 2019, HX/Conselho C‑540/18 P, EU:C:2019:707, n.o 67).

45      Resulta de toda esta jurisprudência que é precisamente a aplicação das regras de produção da prova enunciadas no artigo 85.o do Regulamento de Processo do Tribunal Geral que permite assegurar o respeito pelos princípios do contraditório ou da igualdade de armas, o direito a um processo equitativo ou ainda a boa administração da justiça. Por conseguinte, ao aplicar a regra prevista no artigo 85.o, n.o 3, do seu Regulamento de Processo, o Tribunal Geral não violou estes princípios e direitos, ainda que tenha considerado que as provas adicionais eram inadmissíveis pelo facto de o atraso na sua apresentação não ter sido justificado de forma juridicamente bastante (v., neste sentido, Acórdão de 14 de abril de 2005, Gaki‑Kakouri/Tribunal de Justiça, C‑243/04 P, EU:C:2005:238, n.o 34).

46      Daqui também resulta que o Tribunal Geral não tem de fundamentar especificamente a sua rejeição das provas adicionais à luz de cada um dos referidos princípios e direitos ou da sua capacidade para decidir o processo num prazo razoável, sendo esta fundamentação inerente à aplicação desta disposição do Regulamento de Processo do Tribunal Geral. Pela mesma razão, também não se pode considerar que o Tribunal Geral deva, por princípio, aceitar as provas apresentadas tardiamente, a menos que determine que a rejeição destas é necessária para assegurar o respeito pelos mesmos princípios e direitos.

47      As recorrentes não podem, a este respeito, retirar nenhum argumento útil do facto de a Comissão ter tido a possibilidade de se pronunciar, perante o Tribunal Geral, sobre as provas adicionais e as suas possíveis implicações para a legalidade da decisão controvertida. Com efeito, este facto traduz apenas a correta aplicação, pelo Tribunal Geral, do artigo 85.o, n.o 4, do seu Regulamento de Processo, que prevê, aliás, expressamente, que o facto de ser dada às outras partes a possibilidade de se pronunciarem sobre as provas apresentadas ou sobre os oferecimentos de prova ao abrigo, nomeadamente, do n.o 3 deste artigo não prejudica a decisão do Tribunal Geral sobre a sua admissibilidade.

48      A primeira parte do presente fundamento deve, por conseguinte, ser julgada improcedente.

49      No que respeita à segunda parte deste fundamento, cuja argumentação está exposta no n.o 34 do presente acórdão, por um lado, é certo que, como alegam as recorrentes, e em conformidade com a jurisprudência recordada nos n.os 43 e 44 do presente acórdão, a apresentação tardia, por uma parte, de provas ou de oferecimentos de prova ao abrigo do artigo 85.o, n.o 3, do Regulamento de Processo do Tribunal Geral pode, nomeadamente, ser justificada pelo facto de esta parte não ter podido dispor anteriormente das provas em causa. No entanto, não deixa de ser certo que, por um lado, em conformidade com esta mesma jurisprudência, o Tribunal Geral tem o poder de rejeitar as provas em causa se considerar que essa apresentação tardia não está justificada de forma juridicamente bastante ou que é infundada e, por outro, a aplicação desse n.o 3 pressupõe que seja demonstrada a existência de circunstâncias excecionais.

50      No caso em apreço, nos n.os 59 a 62 do acórdão recorrido, o Tribunal Geral examinou as circunstâncias que lhe foram invocadas pela Ryanair e o. a fim de demonstrar a admissibilidade das provas adicionais e, no n.o 63 do mesmo, como já tinha indicado no n.o 58 desse acórdão, deduziu que havia de considerar que a Ryanair e o. não apresentaram os elementos suscetíveis de justificar, na aceção do artigo 85.o, n.o 3, do Regulamento de Processo do Tribunal Geral, a apresentação tardia, em 25 de setembro de 2020, ou seja, quatro dias antes da audiência, que nele ocorreu, dessas provas e que estas eram, por isso, inadmissíveis.

51      A este respeito, quanto à tabela de receitas não aeronáuticas, salientou, no n.o 59 desse acórdão, que nem o pedido dirigido à Comissão durante o procedimento administrativo nem o pedido de medidas de organização do processo submetido ao Tribunal Geral em agosto de 2018 garantiam à Ryanair e o. o acesso aos dados solicitados. Constatou também que a Ryanair e o. não expuseram as razões pelas quais foram impedidas de efetuar, ao mesmo tempo, as diligências necessárias com o aeroporto de Klagenfurt para ter acesso aos dados do processo administrativo, que também continha essa tabela.

52      Acrescentou, no n.o 60 do referido acórdão, que as explicações da Ryanair e o. relativas às consequências do surto de COVID‑19 para o bom funcionamento deste aeroporto eram vagas e impossíveis de verificar e, por conseguinte, não bastavam, por si só, para demonstrar a existência desta dificuldade em obter informações desse aeroporto que justificasse a apresentação tardia, alguns dias antes da audiência, de um documento que, como a Ryanair e o. confirmaram, tinha sido colocado à disposição da Comissão pelas autoridades austríacas vários anos antes, no decorrer do procedimento administrativo.

53      Além disso, indicou, no n.o 61 do mesmo acórdão, que, mesmo que uma referência feita pela Comissão à tabela de receitas não aeronáuticas na tréplica pudesse justificar a apresentação tardia desta tabela, esta tréplica teria sido apresentada em 25 de fevereiro de 2019, ou seja, muito antes da crise ligada à epidemia de COVID‑19. A este respeito, o Tribunal Geral salientou que a Ryanair e o. não apresentaram «nenhum elemento, proveniente, a título de exemplo, da sua correspondência com os serviços competentes do [aeroporto de Klagenfurt], para justificar a apresentação [da referida tabela] em 25 de setembro de 2020, a saber, dezoito meses após a apresentação da tréplica pela Comissão».

54      Contrariamente ao que alegam as recorrentes, foi com razão que o Tribunal Geral considerou que, ao invocar apenas estes elementos, a Ryanair e o. não fizeram prova juridicamente bastante da existência de circunstâncias que justificassem a admissibilidade da tabela de receitas não aeronáuticas ao abrigo do artigo 85.o, n.o 3, do Regulamento de Processo do Tribunal Geral, no caso em apreço, relativas à sua impossibilidade de dispor desta numa fase anterior do processo, tendo em conta o caráter excecional do n.o 3 no regime da produção de prova no Tribunal Geral.

55      Antes de mais, tendo em conta as disposições do Regulamento (CE) n.o 659/1999 do Conselho, de 22 de março de 1999, que estabelece as regras de execução do artigo [108.o TFUE] (JO 1999, L 83, p. 1), que estava em vigor quando os pedidos de acesso ao processo da Comissão foram apresentados, bem como a jurisprudência já assente do Tribunal de Justiça quanto à inexistência de direito de acesso dos interessados ao processo administrativo da Comissão no âmbito do procedimento de controlo iniciado em conformidade com o artigo 108.o, n.o 2, TFUE, quer com base neste regulamento quer, em princípio, no âmbito do Regulamento (CE) n.o 1049/2001 do Parlamento Europeu e do Conselho, de 30 de maio de 2001, relativo ao acesso do público aos documentos do Parlamento Europeu, do Conselho e da Comissão (JO 2001, L 145, p. 43), salvo em caso de refutação da presunção geral de violação da proteção dos objetivos das atividades de inquérito (v., neste sentido, Acórdão de 29 de junho de 2010, Comissão/Technische Glaswerke Ilmenau, C‑139/07 P, EU:C:2010:376, n.os 54 a 62 e 67 a 70), o Tribunal Geral teve razão quando considerou que esses pedidos eram elementos insuficientes para demonstrar que a Ryanair e o. não podiam dispor dessa tabela numa fase anterior do processo. Assim, pôde legitimamente considerar que o desfecho negativo dessas decisões era insuficiente para demonstrar a sua impossibilidade de dispor dessa tabela numa fase anterior do processo e que, tendo em conta a inexistência de explicações quanto à razão pela qual o aeroporto de Klagenfurt não foi diretamente contactado numa fase anterior, este resultado negativo não permite justificar de forma juridicamente bastante a admissibilidade da referida tabela, na aceção do artigo 85.o, n.o 3, do Regulamento de Processo do Tribunal do Tribunal Geral.

56      Em seguida, tendo em conta o período de mais de um ano que decorreu entre a data da apresentação da tréplica e o desencadeamento das consequências da epidemia de COVID‑19 na União Europeia, também procede a conclusão do Tribunal Geral que consta do n.o 61 do acórdão recorrido, relativa à argumentação da Ryanair e o. sobre estas consequências. A este respeito, tendo em conta a argumentação das recorrentes exposta no n.o 35 do presente acórdão, há que acrescentar que o Tribunal Geral, nesse n.o 61, não impôs nenhuma exigência adicional, além das que resultam do artigo 85.o, n.o 3, do seu Regulamento de Processo. Como decorre dos n.os 43 e 44 do presente acórdão, o juiz da União tem o poder de fiscalizar o mérito do motivo do atraso na apresentação de provas. Por conseguinte, neste contexto, pode considerar que a justificação apresentada por uma parte não se afigura credível, uma vez que esta parte não fundamentou as suas alegações com nenhuma prova documental, embora pudesse fazê‑lo.

57      Por último, no que respeita ao pedido de medidas de organização do processo apresentado no Tribunal Geral, era também evidente que, não existindo nenhuma obrigação de o Tribunal Geral deferir este pedido, este tinha um resultado demasiado incerto para que a Ryanair e o. pudessem basear‑se eficientemente nessa diligência para obter essa tabela, pelo que a invocação desta e do seu caráter pendente também não basta para demonstrar a existência de circunstâncias que justifiquem de forma juridicamente bastante o atraso na sua apresentação e, por conseguinte, a sua admissibilidade em aplicação do artigo 85.o, n.o 3, do Regulamento de Processo do Tribunal Geral.

58      Quanto aos dados relativos aos custos, o Tribunal Geral salientou, no n.o 62 do acórdão recorrido, que o parágrafo que continha estes dados estava incluído num estudo do consultor económico da Ryanair que foi elaborado para a Ryanair e o. no mês de novembro de 2014 e que estas não conseguiram demonstrar a razão pela qual não puderam juntar este documento à sua petição ou à sua réplica. A este respeito, considerou que o argumento delas relativo à «ligação indissociável» que existia entre a produção destes dados e a da tabela de receitas não aeronáuticas não podia ser acolhido, uma vez que a questão do cálculo, pela Comissão, dos custos de exploração incrementais que o aeroporto de Klagenfurt poderia ter previsto já tinha sido suscitada pela Ryanair e o. na petição inicial, bem como na réplica, e que esses dados já estavam, nessa altura, na sua posse.

59      Tendo em conta estas circunstâncias, que as recorrentes não contestam, e o caráter excecional que reveste o n.o 85 do artigo 3.o do Regulamento de Processo do Tribunal Geral, foi também com razão que o Tribunal Geral considerou que a Ryanair e o. não justificaram de forma juridicamente bastante a apresentação tardia destes dados e que, consequentemente, rejeitou essa prova adicional por ser inadmissível.

60      Por outro lado, as recorrentes não podem, no caso em apreço, retirar nenhum argumento útil do resultado reservado pelo Tribunal Geral às provas adicionais apresentadas pelas partes principais após o encerramento da fase escrita do processo que deu origem ao Acórdão de 15 de junho de 2022, Qualcomm/Comissão (Qualcomm — pagamentos de exclusividade) (T‑235/18, EU:T:2022:358), que invocaram na audiência no Tribunal de Justiça. Com efeito, como também salientou, em substância, a advogada‑geral nos n.os 39 e 40 das suas conclusões, as justificações apresentadas nesse processo não têm relação com as invocadas no caso em apreço.

61      Além disso, a existência de circunstâncias excecionais que justifiquem a admissibilidade de provas apresentadas ao abrigo do artigo 85.o, n.o 3, do Regulamento de Processo do Tribunal Geral deve, por hipótese, ser necessariamente objeto de uma apreciação casuística tendo em conta as circunstâncias específicas próprias de cada processo.

62      Por conseguinte, o facto de o Tribunal Geral ter podido, no processo que deu origem a esse acórdão, considerar que, nas circunstâncias deste processo, a apresentação de provas adicionais após o encerramento da fase escrita do processo se justificava por circunstâncias excecionais e que estas provas deviam, por isso, ser admitidas ao abrigo do artigo 85.o, n.o 3, do Regulamento de Processo não pode demonstrar que o acórdão recorrido, que diz respeito a diferentes circunstâncias de facto e a diferentes fundamentos de justificações apresentados, padecia de erro a este respeito.

63      As recorrentes também não podem retirar nenhum argumento útil, neste caso, da jurisprudência relativa ao contencioso do direito das marcas da União Europeia, resultante dos acórdãos do Tribunal Geral referidos no n.o 34 do presente acórdão, uma vez que estes acórdãos não têm o alcance que lhes é conferido pelas recorrentes.

64      Com efeito, no primeiro destes acórdãos referidos, não estavam em causa provas propriamente ditas, mas elementos retirados da jurisprudência do juiz da União e da jurisprudência nacional ou internacional, relativamente aos quais o Tribunal Geral já decidiu que nem as partes nem ele próprio podem ser impedidos de se inspirar na interpretação do direito da União. Além disso, a referência ao facto de estes elementos já terem sido apresentados na Câmara de Recurso do Instituto da Propriedade Intelectual da União Europeia (EUIPO) e por si examinados foi mencionada apenas por uma questão de exaustividade. Quanto ao segundo desses acórdãos, resulta do n.o 23 deste que foi também a título exaustivo que o Tribunal Geral salientou que os elementos de prova em causa não constavam dos autos do processo na Câmara de Recurso, tendo o Tribunal Geral rejeitado estes elementos de prova com o fundamento de que as partes em causa não tinham apresentado nenhuma justificação para a sua apresentação tardia.

65      A este respeito, importa também salientar que estes fundamentos exaustivos do Tribunal Geral são explicados pelas especificidades do contencioso do direito das marcas da União Europeia. Com efeito, nos termos do artigo 178.o, n.o 5, do Regulamento de Processo do Tribunal Geral, após a notificação da petição apresentada no Tribunal Geral, o EUIPO transmite‑lhe os autos do processo na Câmara de Recurso. Assim, após a notificação desta petição, o Tribunal Geral dispõe dos autos e de todos os elementos de prova neles contidos. Ora, não é esse o caso do processo administrativo da Comissão no âmbito de um procedimento de controlo de um auxílio de Estado.

66      Resulta destas considerações que a segunda parte do presente fundamento deve ser julgada improcedente e, por conseguinte, o primeiro fundamento na sua totalidade.

 Quanto ao segundo fundamento

 Argumentos das partes

67      Com o segundo fundamento, as recorrentes alegam que o Tribunal Geral, ao considerar, por um lado, que a Comissão não violou o prazo de prescrição aplicável à recuperação do auxílio no que respeita ao aditamento de 2002 entre a DMG e a LV e ao ASM de 2002 entre a DMG e a AMS e, por outro, que a decisão controvertida estava suficientemente fundamentada a este respeito, cometeu um erro de direito, respetivamente, na interpretação do artigo 17.o do Regulamento 2015/1589 e na aplicação do artigo 296.o TFUE.

68      Em primeiro lugar, as recorrentes criticam os n.os 70 a 79 do acórdão recorrido, uma vez que tornam ineficaz o artigo 17.o Resulta destes números que o Tribunal Geral considera que um pedido de informações formulado pela Comissão em termos amplos, utilizando uma fórmula «cláusula vassoura», sem que este pedido contenha uma indicação específica relativa a uma medida suscetível de constituir um auxílio de Estado, ou sem que a Comissão tenha conhecimento da existência de tal medida em relação à qual a interrupção do prazo de prescrição teria efeito, é legalmente suficiente para interromper este prazo.

69      Ora, primeiro, a própria redação do artigo 17.o, n.o 2, do Regulamento 2015/1589, que se refere ao «auxílio ilegal», impõe que os pedidos de informações digam respeito aos atos específicos que a Comissão examina.

70      Segundo, nos processos anteriores em que os órgãos jurisdicionais da União confirmaram que um pedido de informação da Comissão interrompe o prazo de prescrição, os pedidos em causa identificaram as medidas específicas que a Comissão examinava. As recorrentes remetem, a este respeito, para o Despacho de 7 de dezembro de 2017, Irlanda/Comissão (C‑369/16 P, EU:C:2017:955, n.o 42), e para os Acórdãos de 26 de abril de 2018, ANGED (C‑233/16, EU:C:2018:280, n.o 84), de 10 de abril de 2003, Département du Loiret/Comissão (T‑369/00, EU:T:2003:114, n.o 85), e de 22 de abril de 2016, Irlanda e Aughinish Alumina/Comissão (T‑50/06 RENV II e T‑69/06 RENV II, EU:T:2016:227, n.os 3, 7 e 183).

71      Terceiro, o prazo de prescrição de dez anos previsto no artigo 17.o do Regulamento 2015/1589 tem por objetivo garantir a segurança jurídica e visa, assim, nomeadamente, proteger certas partes interessadas, entre as quais o Estado‑Membro em causa e o beneficiário do auxílio. Ora, o acórdão recorrido é incompatível com este objetivo. Com efeito, se esse prazo pudesse ser interrompido por um pedido de informações que não especifique a medida examinada, por exemplo, porque a Comissão ainda ignora a sua existência, o princípio da segurança jurídica seria violado relativamente ao Estado‑Membro em causa no que respeita às medidas que concedeu e que são ainda suscetíveis de dar lugar a recuperação, bem como às que concedeu e que já não são suscetíveis de dar lugar a recuperação em aplicação desse artigo 17.o

72      Quarto, as considerações do Tribunal Geral que constam dos n.os 77 a 79 do acórdão recorrido, segundo as quais houve uma interrupção do prazo de prescrição, ainda admitindo que os pedidos de informações da Comissão não diziam especificamente respeito ao aditamento de 2002 entre a DMG e a LV, bem como ao ASM de 2002 entre a DMG e a AMS, pelo facto de esses acordos estarem «indissociavelmente ligados» a outros acordos identificados nos pedidos de informações anteriores da Comissão, também padecem de erro de direito. O facto de a Comissão, no final da sua investigação, alegar que certas medidas estavam relacionadas não pode, retrospetivamente, interromper a prescrição de um pedido de informações que, no momento da sua emissão, carecia legalmente de tal efeito.

73      Em segundo lugar, as recorrentes alegam que, nos n.os 80, 81 e 83 a 85 do acórdão recorrido, o Tribunal Geral considerou, erroneamente, que a Comissão, no que respeita ao prazo de prescrição ou à sua interrupção, fundamentou a decisão controvertida de forma juridicamente bastante. É facto assente que, durante a investigação, informaram a Comissão de que uma parte significativa do alegado auxílio não era, no entender das mesmas, recuperável devido ao termo do prazo de prescrição. Ora, os considerandos 2 a 4 da decisão impugnada, nos quais o Tribunal Geral se baseou para considerar que a Comissão respeitou o seu dever de fundamentação, não fazem referência a estes argumentos nem sequer ao prazo de prescrição ou à sua interrupção devido aos pedidos de informações. A circunstância de a Comissão não ter de responder a cada um dos argumentos que lhe foram apresentados não permitiu ao Tribunal Geral considerar que a decisão controvertida estava suficientemente fundamentada.

74      Para que as recorrentes pudessem exercer efetivamente o seu direito a uma fiscalização jurisdicional em primeira instância e para que o Tribunal Geral pudesse exercer corretamente os seus poderes de fiscalização, seria necessário que tivessem podido compreender, apenas com base no conteúdo da decisão controvertida, as razões pelas quais a Comissão rejeitou os argumentos apresentados pelas recorrentes durante a investigação quanto ao prazo de prescrição. Este entendimento era impossível apenas com base nos considerandos 2 a 4 dessa decisão, que não mencionam o único motivo pertinente a este respeito, a saber, o facto de os pedidos de informações referidos nesses considerandos terem interrompido o prazo de prescrição.

75      A Comissão defende que o segundo fundamento é improcedente.

 Apreciação do Tribunal de Justiça

76      Quanto à primeira parte do segundo fundamento, relativa a uma alegada violação do artigo 17.o do Regulamento 2015/1589 cometida nos n.os 70 a 79 do acórdão recorrido, há que salientar que o Tribunal Geral, após ter recordado, nos n.os 70 e 71 do mesmo, o conteúdo deste artigo e da jurisprudência do Tribunal Geral a ele relativa, indicou, no n.o 72 deste acórdão, que, no caso em apreço, era assente que o prazo de prescrição de dez anos previsto no n.o 1 desse artigo começou a correr em 9 de agosto de 2002.

77      Em seguida, salientou, no n.o 73 do referido acórdão, que a denúncia transmitida por carta de 11 de outubro de 2007 da Comissão às autoridades austríacas fazia referência às «condições favoráveis concedidas pelo [aeroporto de Klagenfurt]» à Ryanair a partir de 27 de junho de 2002; que, no seu pedido de informações complementares enviado a estas autoridades em 15 de novembro de 2010, a Comissão questionou sobre o acordo de cooperação entre a DMG e a Ryanair, em que se baseavam os pagamentos dos serviços de marketing e solicitou um exemplo deste acordo, bem como as informações sobre os reembolsos de taxas aeroportuárias a partir de 2000, e que o pedido de informações dirigido às autoridades austríacas de 24 de março de 2011 incluía um certo número de questões sobre os acordos de 2002, entre as quais um pedido de apresentação dos acordos originais celebrados com a Ryanair, incluindo o acordo de marketing.

78      O Tribunal Geral também salientou, no n.o 74 do mesmo acórdão, que, no seu pedido de informações complementares dirigido à Ryanair em 8 de abril de 2011, a Comissão convidou‑a a apresentar informações sobre os contratos celebrados nos últimos dez anos e pediu‑lhe, especialmente, que lhe fornecesse uma lista de todos os contratos que não foram prorrogados ou cuja execução foi interrompida durante este período e que explicasse as razões da interrupção e da não prorrogação. O Tribunal Geral indicou também nesse número que, na sua resposta à Comissão de 4 de julho de 2011, a Ryanair afirmou que todos os contratos com esse aeroporto foram prorrogados ou alterados na sequência de negociações comerciais, com exceção do ASM de 2002 entre a DMG e a LV, que foi interrompido antes do seu termo. O Tribunal Geral considerou que resulta de todos estes elementos que todos os pedidos de informação acima referidos também abrangem o ASM de 2002 entre a DMG e a AMS, bem como o aditamento de 2002 entre a DMG e a LV.

79      Em seguida, no n.o 75 do acórdão recorrido, considerou que, tendo em conta a jurisprudência recordada no n.o 70 do mesmo, estes pedidos de informação constituem atos, na aceção do artigo 17.o, n.o 2, do Regulamento 2015/1589, suscetíveis de interromper o prazo de prescrição de dez anos. Constatou, no n.o 76 do mesmo acórdão, que, uma vez que todos esses pedidos foram dirigidos pela Comissão às autoridades austríacas e à Ryanair durante o período de dez anos iniciado em 9 de agosto de 2002, não se podia considerar que os poderes da Comissão em matéria de recuperação do auxílio tinham prescrito por força do artigo 17.o, n.o 1, do Regulamento 2015/1589.

80      Por último, o Tribunal Geral acrescentou, nos n.os 77 a 79 do acórdão recorrido, em substância, que, «além disso», tendo em conta diferentes circunstâncias de facto salientadas na decisão controvertida e que demonstram a existência de uma ligação «indissociável» entre os acordos de 2002, a Comissão tinha razão em examiná‑los como uma única operação. Deduziu que, neste contexto, ainda admitindo que os pedidos de informação da Comissão não dissessem especificamente respeito ao ASM de 2002 entre a DMG e a AMS, bem como ao aditamento de 2002 entre a DMG e a LV, o prazo de prescrição previsto no artigo 17.o, n.o 1, do Regulamento 2015/1589 foi efetivamente interrompido.

81      Resulta destes elementos que, primeiro, e contrariamente ao que alegam as recorrentes, o Tribunal Geral não considerou de modo nenhum que qualquer pedido de informação dirigido pela Comissão a um Estado‑Membro, ainda que formulado de forma vaga e genérica, e sem sequer conter nenhuma indicação específica relativa a uma medida suscetível de constituir um auxílio estatal, ou mesmo sem que a Comissão tivesse conhecimento da existência de um eventual auxílio, é suficiente para interromper o prazo de prescrição previsto no artigo 17.o, n.o 1, do Regulamento 2015/1589.

82      Pelo contrário, resulta destes números, e mais especificamente dos n.os 73 e 74 do acórdão recorrido, que o Tribunal Geral considerou que só um ato “relativo ao auxílio ilegal” podia constituir uma medida de interrupção da prescrição, na aceção do n.o 2 deste artigo, e que este auxílio tinha, no caso em apreço, sido identificado a partir do momento em que a Comissão enviou à República da Áustria a denúncia de 11 de outubro de 2007, mencionada no n.o 19 do presente acórdão, alegando que a Ryanair beneficiou de auxílios estatais ilegais, nomeadamente do aeroporto de Klagenfurt, por intermédio da KFBG, a partir de 27 de junho de 2002, e posteriormente esclarecida à medida que o procedimento administrativo avançava, sempre antes do termo do prazo de dez anos previsto no n.o 1 do referido artigo.

83      Segundo, não se pode considerar que, como as recorrentes também alegam em substância, é necessário, para que uma diligência de uma investigação levada a cabo pela Comissão possa ser qualificada de um ato que interrompe a prescrição, na aceção desse n.o 2, que esta identifique de forma absolutamente específica cada um dos acordos que fazem parte do pacote contratual que constitui a medida de auxílio objeto dessa investigação.

84      É certo que, nos termos do artigo 17.o, n.o 1, do Regulamento 2015/1589, os poderes da Comissão em matéria de recuperação estão sujeitos a um prazo de prescrição de dez anos e que a segunda frase do n.o 2, deste artigo especifica que este prazo é, nomeadamente, interrompido por «quaisquer atos relativos ao auxílio ilegal praticados pela Comissão […]».

85      Além disso, resulta do considerando 26 deste regulamento que o prazo de prescrição estabelecido nesse artigo 17.o, n.o 1, foi previsto por razões de segurança jurídica e visa sobretudo proteger determinadas partes interessadas, entre as quais o Estado‑Membro em causa e o beneficiário do auxílio (v., neste sentido, Acórdão de 6 de outubro de 2005, Scott/Comissão (C‑276/03 P, EU:C:2005:590, n.o 30).

86      No entanto, importa recordar que o artigo 107.o TFUE tem por objetivo impedir que as trocas comerciais entre os Estados‑Membros sejam afetadas por vantagens dadas pelas autoridades públicas que, sob diversas formas, falseiem ou ameacem falsear a concorrência, favorecendo certas empresas ou certas produções (Acórdão de 15 de junho de 2006, Air Liquide Industries Belgium, C‑393/04 e C‑41/05, EU:C:2006:403, n.o 27 e jurisprudência referida). O controlo dos auxílios estatais exercido pela Comissão contribui assim para a preservação de condições de concorrência não falseadas no mercado interno.

87      Além disso, resulta de uma leitura conjugada do artigo 12.o, n.o 2, e do artigo 2.o, n.o 2, do Regulamento 2015/1589 que, se, no âmbito de um procedimento relativo a auxílios ilegais, a Comissão pedir ao Estado‑Membro em causa que lhe forneça informações, o Estado‑Membro deve fornecer todas as informações necessárias para que a Comissão possa tomar uma decisão nos termos dos artigos 4.o e 9.o deste regulamento. Do mesmo modo, resulta de uma leitura conjugada deste artigo 12.o, n.o 2, e do artigo 5.o, n.os 1 e 2, deste regulamento que, quando a Comissão considerar que as informações fornecidas pelo Estado‑Membro em causa relativamente a uma medida são incompletas, solicitará as informações adicionais necessárias e, quando o Estado‑Membro em causa não prestar as informações solicitadas no prazo fixado, ou as prestar de forma incompleta, a Comissão enviará uma carta de insistência, concedendo um prazo adicional adequado para a prestação das informações. O referido artigo 12.o prevê, além disso, no seu n.o 3, quando, não obstante uma carta de insistência enviada, o Estado‑Membro em causa não fornecer as informações pedidas no prazo fixado pela Comissão ou fornecer informações incompletas, esta instituição ordenará, por via de decisão, que lhe sejam fornecidas aquelas informações, especificando nomeadamente quais as informações requeridas.

88      Ora, admitir uma interpretação do conceito de «quaisquer atos relativos ao auxílio ilegal» como a que foi feita pelas recorrentes no caso em apreço prejudicaria de forma desproporcionada os poderes de investigação da Comissão e, assim, a sua capacidade para assegurar, em conformidade com a missão que lhe é confiada pelo TFUE, a preservação, através do controlo dos auxílios concedidos pelos Estados, de condições de concorrência não falseada no mercado interno. Isto é tanto mais verdade quando, como no caso em apreço, está em causa um auxílio estatal ilegal, relativamente ao qual a Comissão dispõe, por hipótese, de menos informações do que as relativas às medidas de auxílio que lhe foram notificadas em conformidade com o artigo 108.o, n.o 3, TFUE.

89      Terceiro, nenhum argumento contrário pode ser retirado dos acórdãos e do despacho invocados pelas recorrentes, mencionados no n.o 70 do presente acórdão. Com efeito, os números desses acórdãos e desse despacho a que se referem limitam‑se a constatações de natureza factual, próprias de cada um destes processos, e não contêm nenhuma consideração suscetível de corroborar a interpretação do artigo 17.o, n.o 2, do Regulamento 2015/1589 que as recorrentes propõem no caso em apreço.

90      Quarto, dado que as recorrentes criticam os n.os 77 a 79 do acórdão recorrido, cujo conteúdo se encontra reproduzido no n.o 80 do presente acórdão, basta referir que, como resulta da utilização dos termos «além disso», os fundamentos que constam destes números são exaustivos, pelo que esta parte da argumentação das recorrentes deve ser julgada inoperante. (v., neste sentido, Acórdãos de 24 de outubro de 2002, Aéroports de Paris/Comissão, C‑82/01 P, EU:C:2002:617, n.o 41, e de 12 de maio de 2022, Klein/Comissão, C‑430/20 P, EU:C:2022:377, n.o 32 e jurisprudência referida).

91      Por conseguinte, a primeira parte do segundo fundamento deve ser julgada parcialmente improcedente e parcialmente inoperante.

92      No que respeita à segunda parte deste, relativa a uma alegada violação do artigo 296.o TFUE cometida pelo Tribunal Geral nos n.os 80, 81 e 83 a 85 do acórdão recorrido, importa salientar que, após ter recordado, nos n.os 80 e 81 desse acórdão, a jurisprudência pertinente na matéria, o Tribunal Geral constatou, no n.o 82 do referido acórdão, que resulta dos considerandos 2 a 4 da decisão controvertida que a Comissão fez referência às datas em que solicitou às autoridades austríacas e à Ryanair informações adicionais sobre os contratos objeto da denúncia de 5 de outubro de 2007, com base na qual um concorrente da Ryanair denunciou à Comissão pelo facto de esta ter beneficiado de auxílios estatais ilegais relativamente ao aeroporto de Klagenfurt.

93      No n.o 83 do mesmo acórdão, considerou que a Comissão tinha assim indicado de forma suficientemente clara as datas em que o prazo de dez anos, previsto no artigo 17.o, n.o 1, do Regulamento 2015/1589, tinha sido interrompido. Acrescentou que, uma vez que as autoridades austríacas e a Ryanair conheciam, na sua qualidade de destinatárias, o conteúdo dos pedidos de informações adicionais que lhes foram enviados pela Comissão, esta só tinha que indicar os factos que revestem uma importância essencial para a economia da decisão controvertida, a saber, as datas em que tinha tomado os atos suscetíveis de interromper o prazo de prescrição.

94      Deduziu, nos n.os 84 e 85 do acórdão recorrido, que, nestas circunstâncias, a Comissão não tinha que fundamentar especificamente este ponto na referida decisão e que, por conseguinte, fundamentou suficientemente a mesma decisão a este respeito.

95      Ao decidir desta forma, o Tribunal Geral não violou o artigo 296.o TFUE. Com efeito, de acordo com a jurisprudência constante do Tribunal de Justiça, aliás recordada pelo Tribunal Geral no n.o 80 do acórdão recorrido, a fundamentação exigida pelo artigo 296.o TFUE deve ser adaptada à natureza do ato em causa e deixar transparecer, de forma clara e inequívoca, a argumentação da instituição, autora do ato, por forma a permitir aos interessados conhecer as razões da medida adotada e ao órgão jurisdicional competente exercer a sua fiscalização. A exigência de fundamentação deve ser apreciada em função das circunstâncias do caso em apreço, designadamente do conteúdo do ato, da natureza dos fundamentos invocados e do interesse que os destinatários ou outras pessoas direta e individualmente afetadas pelo ato podem ter em obter explicações. Não é exigido que a fundamentação especifique todos os elementos de facto e de direito pertinentes, uma vez que a questão de saber se a fundamentação de um ato satisfaz as exigências desse artigo deve ser apreciada à luz não somente do seu teor, mas também do seu contexto e do conjunto das normas jurídicas que regem a matéria em causa (Acórdãos de 2 de abril de 1998, Comissão/Sytraval e Brink’s France, C‑367/95 P, EU:C:1998:154, n.o 63, e de 2 de setembro de 2021, Comissão/Tempus Energy e Tempus Energy Technology, C‑57/19 P, EU:C:2021:663, n.o 198 e jurisprudência referida).

96      Há também que recordar que o procedimento de controlo dos auxílios estatais é, tendo em conta a sua economia geral, um procedimento instaurado contra o Estado‑Membro responsável, tendo em conta as suas obrigações por força do direito da União, pela concessão do auxílio. Assim, no âmbito deste procedimento, as partes interessadas diferentes do Estado‑Membro em causa não podem exigir a participação num debate contraditório com a Comissão, como o que é aberto em proveito do referido Estado‑Membro. Nenhuma disposição do referido procedimento reserva, de entre as partes interessadas, um papel especial ao beneficiário do auxílio. A este respeito, cabe salientar que o procedimento de controlo dos auxílios de Estado não é um procedimento instaurado contra o beneficiário ou beneficiários dos auxílios que implique que este ou estes últimos possam valer‑se de direitos tão amplos quanto os direitos de defesa enquanto tais (v., neste sentido, Acórdão de 11 de março de 2020, Comissão/Gmina Miasto Gdynia e Port Lotniczy Gdynia Kosakowo, C‑56/18 P, EU:C:2020:192, n.os 73 a 75 e jurisprudência referida).

97      Foi assim com razão que o Tribunal Geral considerou que, no que respeita à aplicação do prazo de prescrição previsto no artigo 17.o, n.o 1, do Regulamento 2015/1589, a decisão controvertida estava fundamentada de forma juridicamente bastante. Concretamente, não era necessário que a Comissão, para cumprir o seu dever de fundamentar a decisão controvertida a este respeito, respondesse aos argumentos das recorrentes uma vez que, em conformidade com a jurisprudência recordada no número anterior, o beneficiário do auxílio não pode exigir um debate contraditório com a Comissão como o que é aberto a favor do referido Estado‑Membro em causa e que resultava de forma pelo menos implícita desta decisão que a Comissão considerou que a argumentação que as recorrentes apresentaram perante ela não podia ser acolhida.

98      Assim sendo, a segunda parte do segundo fundamento deve ser julgada improcedente.

99      Por conseguinte, há que julgar o segundo fundamento parcialmente improcedente e parcialmente inoperante.

 Quanto ao terceiro fundamento

 Argumentos das partes

100    Com o terceiro fundamento, as recorrentes alegam que o Tribunal Geral desvirtuou as provas que lhe foram apresentadas ao apreciar se a Comissão aplicou legalmente o critério do operador privado numa economia de mercado para determinar se a Ryanair e o. receberam uma vantagem, na aceção do artigo 107.o, n.o 1, TFUE. Com efeito, para efeitos do cálculo da rendibilidade ex ante dos acordos controvertidos, a Comissão recorreu a dados incompletos, não fiáveis e inadequados, o que viciou a sua conclusão quanto à existência de uma vantagem. As desvirtuações cometidas são três.

101    Primeiro, nos n.os 331 e 332 do acórdão recorrido, relativos à análise ex ante da rendibilidade dos acordos de 2006, o Tribunal Geral desvirtuou a cláusula 7.1 do ASA de 2006, anexada como A.2.5 à petição inicial. Esta designa a taxa de segurança como sendo uma taxa que a Ryanair estava contratualmente obrigada a pagar ao aeroporto. Além disso, desvirtuou a secção 2.2.3 do relatório de 31 de agosto de 2012 preparado pelo consultor económico das recorrentes, anexado como A.3.5.1 a essa petição, bem como a tabela 2.21 que consta do relatório desse consultor de 13 de abril de 2012, anexada como A.3.4.1 à referida petição, que confirmam que a Ryanair pagou efetivamente essa taxa de segurança ao aeroporto.

102    No entanto, o Tribunal Geral aprovou o erro da Comissão que consiste em considerar que esta taxa constituía um custo marginal para o aeroporto de Klagenfurt, o que levou a Comissão a subestimar a rendibilidade esperada, do ponto de vista desse aeroporto, dos acordos de 2006. O processo não contém nenhuma prova de que essa taxa foi reembolsada à Ryanair, contrariamente ao que foi sugerido no n.o 331 do acórdão recorrido, ou que indique que a parte suportou o custo desse reembolso. Apenas os n.os 101 a 103 da tréplica da Comissão em primeira instância poderiam apoiar a apreciação do Tribunal Geral, mas a Comissão limitou‑se a alegar, sem nenhuma prova, que as autoridades austríacas confirmaram duas vezes o reembolso da taxa de segurança à Ryanair.

103    Segundo, nos n.os 301 e 302 do acórdão recorrido, o Tribunal Geral desvirtuou, por um lado, o considerando 379, alínea e), da decisão controvertida, que confirma que foi incluída uma margem de segurança na avaliação dos custos de exploração marginais que o aeroporto podia prever para os acordos de 2002 e, por outro, os n.os 2.24 a 2.27 do relatório do consultor económico de 18 de julho de 2018, anexado como A.7.6 à petição inicial, dos quais resulta que não foram fornecidos pormenores quanto ao cálculo desta margem de segurança.

104    Estas provas revelam que a estimativa dos custos marginais de exploração do aeroporto, na qual a Comissão baseou a sua análise ex ante da rendibilidade, incluía um parâmetro, a saber, esta margem de segurança, cujo cálculo nunca foi explicado nem divulgado, o que conduziu a uma estimativa dos custos de exploração marginais inexplicavelmente elevada, em especial em relação a aeroportos comparáveis que também são objeto de uma investigação relativa a um auxílio estatal. Nos números contestados do acórdão recorrido, o Tribunal Geral aprovou a utilização desta estimativa pela Comissão sem fazer referência ao relatório de 18 de julho de 2018. Há que concluir daí que o Tribunal Geral ignorou ou não considerou devidamente as provas que lhe foram apresentadas a este respeito.

105    Terceiro, no n.o 306 do acórdão recorrido, o Tribunal Geral desvirtuou, em primeiro lugar, o artigo 2.o, alínea a), do ASA de 2002, anexado como A.2.1 à petição inicial, do qual resulta que a taxa de ocupação visada era de 76 %; em segundo lugar, o considerando 382 e a tabela 10 da decisão controvertida, dos quais resulta que a Comissão recorreu a uma taxa de ocupação de 70 % para a sua análise do ASA de 2002, bem como o considerando 415, alínea a), e a tabela 11 desta decisão, dos quais resulta que a Comissão recorreu a uma taxa de ocupação de 85 % para a sua análise dos acordos de 2006; em terceiro lugar, o considerando 17 da referida decisão, do qual resulta que a aviação civil começou a operar voos no aeroporto «logo após» a sua criação em 1915; e, em quarto e último lugar, o n.o 2.14 do relatório do conselheiro económico de 18 de julho de 2018, anexado como A.7.6 à petição inicial, do qual resulta que a taxa de ocupação de 76 % estava próxima, ainda que ligeiramente abaixo, da taxa de ocupação de cerca de 80 % realizada pela Ryanair na sua rede de rotas no momento da assinatura do ASA de 2002.

106    Estas provas revelam que a taxa de ocupação de 70 % adotada pela Comissão para efetuar a sua análise da rendibilidade ex ante do ASA de 2002 era excessivamente baixa. Com efeito, demonstram, por um lado, que a taxa de ocupação era 6 pontos inferior ao objetivo acordado entre as partes e 15 pontos inferior à taxa utilizada pela Comissão na sua análise dos acordos de 2006, e, por outro, que o aeroporto tinha várias décadas de experiência na aviação civil quando assinou o ASA de 2002, o que põe em causa a tese de que a sua inexperiência com uma companhia aérea específica, neste caso, a Ryanair, teve um impacto significativo nos seus pressupostos relativos à taxa de ocupação.

107    No entanto, o Tribunal Geral confirmou a utilização pela Comissão desta taxa de ocupação de 70 %, apesar de não existir no processo nenhuma prova que apoie a apreciação do Tribunal Geral de que a inexistência de acordo prévio entre o aeroporto de Klagenfurt e a Ryanair justificava a consideração de uma taxa de ocupação prudente, nem nenhuma prova que apoie a sua apreciação de que as companhias aéreas de baixo custo não estavam suficientemente estabelecidas em 2002 para justificar uma taxa de ocupação mais elevada. Além disso, a única parte do processo suscetível de apoiar esta apreciação do Tribunal Geral é o n.o 115 da contestação da Comissão e o n.o 85 da sua tréplica. No entanto, sem provas, a Comissão alegou que a decisão de adotar a taxa de 70 % se justificava pela inexperiência do aeroporto de Klagenfurt com as recorrentes e pelo estatuto de recém‑chegado das companhias aéreas de baixo custo.

108    A Comissão alega que nenhuma das alegadas desvirtuações foi demonstrada e que, em todo o caso, nenhuma delas resulta de forma manifesta dos elementos dos autos.

 Apreciação do Tribunal de Justiça

109    Segundo jurisprudência constante do Tribunal de Justiça, quando o Tribunal Geral tiver apurado ou apreciado os factos, o Tribunal de Justiça apenas tem competência, ao abrigo do artigo 256.o TFUE, para fiscalizar a qualificação jurídica destes factos e as consequências jurídicas daí extraídas. Assim, a apreciação dos factos não constitui, salvo em caso de desvirtuação da prova apresentada no Tribunal Geral, uma questão de direito sujeita, enquanto tal, à fiscalização do Tribunal de Justiça (Acórdão de 28 de janeiro de 2021, Qualcomm e Qualcomm Europe/Comissão, C‑466/19 P, EU:C:2021:76, n.o 42 e jurisprudência referida).

110    Quando as recorrentes invocam a desvirtuação da prova pelo Tribunal Geral, devem, por força do artigo 256.o TFUE, do artigo 58.o, primeiro parágrafo, do Estatuto do Tribunal de Justiça da União Europeia e do artigo 168.o, n.o 1, alínea d), do Regulamento de Processo do Tribunal de Justiça, indicar de modo preciso as provas que entendem terem sido desvirtuadas e demonstrar os erros de análise que, na sua apreciação, levaram o Tribunal Geral a cometer esta desvirtuação. Além disso, a desvirtuação deve resultar de forma manifesta dos elementos dos autos, sem que seja necessário proceder a uma nova apreciação dos factos e da prova (Acórdão de 28 de janeiro de 2021, Qualcomm e Qualcomm Europe/Comissão, C‑466/19 P, EU:C:2021:76, n.o 43 e jurisprudência referida).

111    Por outro lado, embora uma desvirtuação da prova possa consistir numa interpretação de um documento contrária ao seu conteúdo, esta deve resultar de forma manifesta do processo submetido ao Tribunal de Justiça e pressupõe que o Tribunal Geral tenha excedido manifestamente os limites de uma apreciação razoável destes elementos de prova. A este respeito, não basta demonstrar que um documento pode ser objeto de interpretação diferente da adotada pelo Tribunal Geral (Acórdão de 28 de janeiro de 2021, Qualcomm e Qualcomm Europe/Comissão, C‑466/19 P, EU:C:2021:76, n.o 44 e jurisprudência referida).

112    É à luz destes princípios que importa examinar as três partes do terceiro fundamento.

113    No que respeita, em primeiro lugar, à primeira parte deste fundamento, dirigida contra os n.os 331 e 332 do acórdão recorrido, o Tribunal Geral considerou, no primeiro destes números, que a Comissão indicou, nos seus articulados e na audiência, que, por um lado, segundo as informações que obteve duas vezes das autoridades austríacas, essa taxa e a totalidade das taxas por rotação foram reembolsadas à Ryanair e, por outro, estas autoridades também indicaram à Comissão que o reembolso integral das taxas aeroportuárias foi efetuado ao mesmo tempo que a implementação do regime de incentivo de 2005 e constituía uma prática corrente à época para atrair novas companhias aéreas para o aeroporto de Klagenfurt.

114    No segundo desses números, o Tribunal Geral indicou que resulta desses elementos que a Comissão solicitou, de forma diligente e no interesse de uma boa administração das regras fundamentais do Tratado FUE relativas aos auxílios de Estado, ao Estado‑Membro em causa, as informações pertinentes que lhe permitiam verificar se, no que respeita aos acordos de 2006, a taxa de segurança foi reembolsada à Ryanair e concluiu que a Comissão podia, por isso, sem cometer um erro manifesto de apreciação, considerar esta taxa um custo marginal do aeroporto para efeitos da análise da rendibilidade dos acordos de 2006.

115    Além disso, resulta do n.o 328 desse acórdão que, a este respeito, perante o Tribunal Geral, a Ryanair e o., referindo‑se às cláusulas do ASA de 2006, acusavam a Comissão de ter cometido um erro ao considerar que, relativamente aos acordos de 2006, a taxa de segurança representava um custo para o aeroporto de Klagenfurt e que indicaram que os dados constantes das faturas da Ryanair demonstravam que esta pagava o montante das taxas de segurança a esse aeroporto.

116    No entanto, resulta do exposto nos n.os 113 e 114 do presente acórdão que, por um lado, nos n.os 331 e 332 do acórdão recorrido, o Tribunal Geral não fez nenhuma referência aos relatórios referidos no n.o 101 do presente acórdão. Por conseguinte, não pode ser acusado de ter desvirtuado estes relatórios nesta parte do acórdão recorrido.

117    Por outro lado, nos n.os 331 e 332 do acórdão recorrido, o Tribunal Geral não afirmou que a taxa de segurança não tinha sido faturada à Ryanair pelo aeroporto de Klagenfurt nem pôs em causa o facto de esta taxa ter sido paga por este aeroporto à Ryanair, tendo‑se limitado a indicar que a Comissão solicitou, por duas vezes, informações a esse respeito à República da Áustria e que esta indicou por duas vezes que a referida taxa e a totalidade das taxas por rotação foram reembolsadas à Ryanair. Daqui resulta que o Tribunal Geral também não desvirtuou a cláusula 7.1 do ASA de 2006.

118    Além disso, dado que, com a primeira parte do terceiro fundamento, as recorrentes contestam a força probatória que foi atribuída pelo Tribunal Geral aos diferentes elementos que foram submetidos à sua análise, a argumentação que apresentam é inadmissível, em conformidade com a jurisprudência recordada no n.o 109 do presente acórdão, uma vez que visa que o Tribunal de Justiça proceda a uma nova apreciação dos factos e dos elementos de prova.

119    Por conseguinte, a primeira parte deste fundamento deve ser julgada parcialmente improcedente e parcialmente inadmissível.

120    No que respeita, em segundo lugar, à segunda parte do referido fundamento, dirigida contra os n.os 301 e 302 do acórdão recorrido, o Tribunal Geral, no primeiro destes números, respondeu ao argumento da Ryanair e o. de que a Comissão tinha cometido um erro de apreciação ao confirmar a escolha das autoridades austríacas de acrescentar uma margem de segurança aos valores com base nos quais tinham sido calculados os custos marginais de exploração devidos ao volume de tráfego marginal esperado durante a vigência dos acordos de 2002. Salientou que resultava do considerando 379, alínea e), da decisão controvertida que os valores com base nos quais foram calculados estes custos foram estabelecidos a partir do sistema de contabilidade de custos utilizado pelo aeroporto de Klagenfurt em 2002 e que este sistema incluía a taxa de aterragem, a taxa de passageiros e a taxa de assistência às operações na pista, a taxa de assistência a aeronaves em terra, a taxa de infraestrutura e a taxa de hangar. Especificou, nesse mesmo número, que foi assinalado pela Comissão e confirmado pela Ryanair e o. na audiência que o sistema de contabilidade de custos utilizado por esse aeroporto durante o ano de 2002 permitia uma afetação menos detalhada dos custos do que o estabelecido durante o ano de 2005 e descrito no considerando 415 da decisão controvertida.

121    No n.o 302 desse acórdão, acrescentou que, como tal, a Comissão remeteu, nesse considerando 379, alínea e), para as explicações das autoridades austríacas, segundo as quais estas utilizaram as estimativas mais otimistas dos valores correspondentes aos custos marginais de exploração por rotação adicional e por tonelada de peso máximo de descolagem, bem como por passageiro adicional embarcado. Daí deduziu, nesse número, que a Comissão não podia, por isso, ser acusada de ter cometido um erro manifesto de apreciação ao validar este método de cálculo dos custos de exploração marginais, no que respeita aos contratos de 2002, uma vez que, na falta de dados detalhados e devido às estimativas de base otimistas das autoridades austríacas, a sua intenção de chegar a uma estimativa prudente era razoável.

122    Ora, por um lado, resulta destes dois números do acórdão recorrido que o Tribunal Geral não negou que as autoridades austríacas tinham incluído uma margem de segurança, como resultava da decisão controvertida, na avaliação dos custos marginais de exploração em causa. Além disso, resulta dos autos que os referidos números reproduzem precisamente o conteúdo do considerando 379, alínea e), da decisão controvertida. Por conseguinte, a alegada desvirtuação a este respeito não é procedente.

123    Por outro lado, quanto à alegação de que o relatório do consultor económico das recorrentes, invocado no n.o 103 do presente acórdão, foi desvirtuado pelo Tribunal Geral, basta salientar que o Tribunal Geral não fez nenhuma referência a este relatório nos n.os 301 e 302 do acórdão recorrido e, por conseguinte, não pode ser acusado de o ter desvirtuado nessa parte do acórdão recorrido.

124    Na realidade, com a invocação do referido relatório, as recorrentes pretendem que o Tribunal de Justiça proceda a uma nova apreciação dos factos e dos elementos de prova, o que escapa à competência do Tribunal de Justiça em sede de recurso, em conformidade com a jurisprudência recordada no n.o 109 do presente acórdão.

125    Esta segunda parte do terceiro fundamento deve, por conseguinte, ser julgada parcialmente improcedente e parcialmente inadmissível.

126    No que respeita, em terceiro lugar, à terceira parte deste fundamento, dirigida contra o n.o 306 do acórdão recorrido, o Tribunal Geral salientou neste número que, como foi corretamente indicado pela Comissão, não é incorreto que o aeroporto de Klagenfurt adote uma abordagem prudente da taxa de ocupação na avaliação dos acordos de 2002, uma vez que ainda não tinha experiência com a Ryanair e o. e que, além disso, em geral, as companhias aéreas de baixo custo estavam, na altura, menos estabelecidas do que hoje. Acrescentou que se devia concluir que a taxa de ocupação de 70 % estimada por este aeroporto não estava longe do objetivo de 76 % resultante do ASA de 2002 e que, consequentemente, a Comissão não cometeu um erro manifesto de apreciação ao fixar esta taxa de 70 %. Acrescentou ainda que isso é tanto mais verdade quanto o número de 50 000 passageiros que chegam previstos anualmente, mencionado no preâmbulo do ASA de 2002, e que implicava uma taxa de ocupação de 76 %, constituía um objetivo a atingir e não uma obrigação vinculativa.

127    Resulta destes fundamentos do acórdão recorrido que, primeiro, o Tribunal Geral não desvirtuou o ASA de 2002 como alegam as recorrentes, tendo este referido expressamente que este acordo tinha por objetivo uma taxa de ocupação de 76 %. Também não desvirtuou o considerando 382 e a tabela 10 da decisão controvertida, uma vez que salientou que a Comissão tinha considerado uma taxa de ocupação de 70 % para a sua análise do referido acordo.

128    Segundo, o Tribunal Geral também não desvirtuou, na aceção da jurisprudência recordada nos n.os 110 e 111 do presente acórdão, o considerando 415, alínea a), da decisão controvertida nem a tabela 11 desta, uma vez que o n.o 306 do acórdão recorrido nem sequer faz referência à taxa de ocupação de 85 %, sendo esta taxa, de resto, mencionada no n.o 397 do acórdão recorrido.

129    Terceiro, é certo que o considerando 17 da decisão controvertida enuncia que «[o aeroporto de Klagenfurt] foi fundado em 1915 como aeroporto militar» e que «[r]apidamente passou a ser utilizado tanto por militares como por civis, uma dupla utilização que ainda hoje se mantém». No entanto, como resulta do n.o 126 do presente acórdão, o Tribunal Geral limitou‑se, no n.o 306 do acórdão recorrido, a salientar que este aeroporto ainda não tinha, no ano 2002, experiência com a Ryanair e o., e que as companhias de baixo custo estavam, nessa altura, menos estabelecidas do que hoje. A alegada desvirtuação deste considerando 17 também não está, por conseguinte, demonstrada.

130    Quarto, quanto à alegada desvirtuação do n.o 2.14 do relatório do consultor económico das recorrentes mencionado no n.o 105 do presente acórdão, basta observar que do acórdão recorrido não consta nenhuma menção a este número e que este último não contém nenhuma afirmação que demonstre uma desvirtuação do referido número.

131    Além disso, dado que, com a sua argumentação exposta nos n.os 106 e 107 do presente acórdão, as recorrentes alegam, em substância, que as provas que invocam revelam que a taxa de ocupação adotada pela Comissão para efetuar a sua análise da rendibilidade ex ante do ASA de 2002 era excessivamente baixa, elas pretendem, na realidade, que o Tribunal de Justiça proceda, a este respeito, a uma nova apreciação dos factos e dos elementos de prova, pelo que esta parte da terceira parte do terceiro fundamento é inadmissível, em aplicação da jurisprudência recordada no n.o 109 do presente acórdão.

132    Por conseguinte, há que julgar a terceira parte deste fundamento parcialmente improcedente e parcialmente inadmissível. O terceiro fundamento não merece, por isso, acolhimento.

 Quanto ao quarto fundamento

 Argumentos das partes

133    Com o quarto fundamento, que visa os n.os 418 a 421 e 427 a 429 do acórdão recorrido, as recorrentes acusam o Tribunal Geral de cometer um erro de direito ao considerar que o montante do auxílio a recuperar, que foi calculado com base em dados ex ante, não devia ser corrigido com base nos dados ex post constantes do processo no momento em que a decisão controvertida foi adotada.

134    O Tribunal Geral considerou que, em princípio, tanto a existência como o montante do auxílio devem ser analisados tendo em conta a situação existente no momento da sua concessão. A este respeito, rejeitou a argumentação da Ryanair e o., segundo a qual deveriam ser considerados os dados ex post relativos às receitas e aos custos, com o fundamento de que teria por efeito fazer variar o montante do auxílio a recuperar em função de desenvolvimentos aleatórios, como a conjuntura económica ou os eventuais lucros obtidos pelo beneficiário do auxílio através da exploração da vantagem inicialmente concedida. Ao decidir deste modo, não respondeu aos seus argumentos.

135    Com efeito, a Ryanair e o. não invocaram elementos aleatórios, mas elementos que eram da responsabilidade da entidade concedente do auxílio, a saber, o seu próprio cálculo dos seus custos e das suas receitas, e sustentaram apenas que era necessário corrigir os erros cometidos por esta na sua avaliação das variáveis de custos e de receitas que estavam sob o seu próprio controlo. A Comissão admitiu, aliás, que, no que respeita às taxas de serviços de marketing efetivamente pagas à Ryanair ou à LV e à AMS, o montante do auxílio a recuperar podia ser corrigido com base em elementos de prova apresentados ex post pela República da Áustria. No entanto, recusou que pudessem ser efetuadas correções com base noutros dados ex post relativos às receitas e aos custos, que teriam demonstrado que os custos tinham sido sobrestimados.

136    A jurisprudência em que o Tribunal Geral se baseou, a saber, os Acórdãos de 19 de outubro de 2005, Freistaat Thüringen/Comissão (T‑318/00, EU:T:2005:363), e de 26 de março de 2020, Larko/Comissão (C‑244/18 P, EU:C:2020:238), dizia respeito ao princípio segundo o qual a existência e o montante do auxílio devem ser analisados tendo em conta a situação existente no momento da sua concessão. Contudo, estes acórdãos não proíbem a Comissão de corrigir erros na apreciação da situação existente no momento da concessão do auxílio. Também não autorizam a Comissão a aceitar uma apreciação do montante do auxílio baseada em dados incorretos. Além disso, estes acórdãos dizem respeito a garantias, a saber, um tipo de medida de auxílio em relação ao qual a distinção entre a concessão do auxílio, que consiste na intenção de conferir uma vantagem, e o seu pagamento, que diz geralmente respeito à fase subsequente de transferência dos recursos, é menos clara do que noutros tipos de medida de auxílio.

137    Ademais, ao interpretar de forma abusiva estes dois acórdãos, o Tribunal Geral e a Comissão excluíram o risco de erros nas previsões das entidades concedentes do auxílio. É, no entanto, possível que uma entidade estatal que pretende conceder um auxílio de um determinado montante cometa um erro na avaliação dos custos e lucros esperados e que o montante do auxílio que tencionava conceder não tenha sido pago no final ou não tenha sido totalmente pago.

138    Segundo as recorrentes, a Comissão deve verificar, com base em elementos que constam do processo no momento em que adota a sua decisão, se as avaliações efetuadas pela entidade concedente do auxílio relativas aos seus próprios custos e receitas não estavam erradas. Com efeito, uma ordem de recuperação do auxílio baseada em custos sobrestimados ou em receitas subestimadas enriquece esta última, uma vez que lhe seriam restituídos montantes demasiado elevados e obteria, assim, um benefício financeiro dos seus próprios erros. Tal restituição seria também contrária ao objetivo da recuperação de um auxílio ilegal, a saber, a reposição da situação existente antes do pagamento do auxílio.

139    A Comissão alega que este fundamento é improcedente.

 Apreciação do Tribunal de Justiça

140    São consideradas auxílios estatais as intervenções que, independentemente da forma que assumam, sejam suscetíveis de favorecer direta ou indiretamente empresas, ou que devam ser consideradas uma vantagem económica que a empresa beneficiária não teria obtido em condições normais de mercado (Acórdão de 6 de março de 2018, Comissão/FIH Holding e FIH Erhvervsbank, C‑579/16 P, EU:C:2018:159, n.o 44 e jurisprudência referida).

141    Assim, tendo em conta o objetivo do artigo 107.o, n.o 1, TFUE de assegurar uma concorrência não falseada, o conceito de «auxílio», na aceção desta disposição, não pode abranger uma medida concedida a favor de uma empresa através de recursos de Estado quando esta empresa obteria a mesma vantagem em circunstâncias correspondentes às condições normais do mercado. A apreciação das circunstâncias em que esta vantagem foi concedida efetua‑se assim, em princípio, por aplicação do princípio do operador privado (Acórdão de 6 de março de 2018, Comissão/FIH Holding e FIH Erhvervsbank, C‑579/16 P, EU:C:2018:159, n.o 45 e jurisprudência referida).

142    Para efeitos da análise da questão de saber se a mesma medida teria sido adotada nas condições normais do mercado por um operador privado, há que tomar como referência um operador como este que se encontre numa situação tão próxima quanto possível da do Estado (Acórdão de 26 de março de 2020, Larko/Comissão, C‑244/18 P, EU:C:2020:238, n.o 28 e jurisprudência referida).

143    É neste quadro que cabe à Comissão efetuar uma apreciação global que leve em conta todos os elementos relevantes para o caso que lhe permitam determinar se a empresa beneficiária não teria manifestamente obtido facilidades comparáveis de um tal operador privado (Acórdão de 26 de março de 2020, Larko/Comissão, C‑244/18 P, EU:C:2020:238, n.o 29 e jurisprudência referida).

144    A este respeito, deve ser considerada relevante qualquer informação capaz de influenciar de forma não despicienda o processo decisório de um operador privado normalmente prudente e diligente, que se encontre numa situação tão próxima quanto possível da do Estado. Consequentemente, para efeito da aplicação do princípio do operador privado, só são relevantes os elementos disponíveis e as evoluções previsíveis no momento em que foi tomada a decisão de proceder à concessão da medida em causa (Acórdão de 26 de março de 2020, Larko/Comissão, C‑244/18 P, EU:C:2020:238, n.os 30 e 31 e jurisprudência referida). É o que sucede, em especial, quando a Comissão examina a existência de um auxílio de Estado em relação a uma medida que não lhe foi notificada e que já foi executada pelo Estado‑Membro em causa no momento em que procede ao seu exame (v., neste sentido, Acórdão de 5 de junho de 2012, Comissão/EDF, C‑124/10 P, EU:C:2012:318, n.o 105).

145    Por conseguinte, elementos posteriores ao momento em que foi adotada a medida em causa não podem ser tidos em conta na aplicação do princípio do operador privado (Acórdão de 26 de março de 2020, Larko/Comissão, C‑244/18 P, EU:C:2020:238, n.o 32 e jurisprudência referida).

146    Como o Tribunal de Justiça já declarou, resulta da jurisprudência recordada nos n.os 142 a 145 do presente acórdão que uma argumentação que contesta o mérito da análise do Tribunal Geral relativa à avaliação dos auxílios a recuperar é inoperante quando se baseie na tomada em consideração de acontecimentos posteriores à concessão da medida de auxílio em causa (Acórdão de 26 de março de 2020, Larko/Comissão, C‑244/18 P, EU:C:2020:238, n.o 113).

147    Ora, com o quarto fundamento, as recorrentes alegam, em substância, que o Tribunal Geral cometeu um erro de direito na sua análise do montante do auxílio a recuperar, conforme determinado na decisão controvertida. Alegam, a este respeito, que este deveria ter considerado que a Comissão, para determinar este montante, devia ter em conta «dados ex post que constam do processo no momento da adoção da decisão controvertida», em vez de se basear nos «elementos de prova ex ante», a saber, como o Tribunal Geral declarou no n.o 420 do acórdão recorrido, sobre os desenvolvimentos previsíveis, para um investidor privado em economia de mercado, no momento da celebração dos acordos controvertidos.

148    Assim, o Tribunal Geral assinalou nesse número que a Comissão determinou, na decisão controvertida, o montante dos auxílios a recuperar no que respeita aos acordos controvertidos tendo em conta a «parte negativa do fluxo de caixa incremental esperado no momento da celebração da transação (receitas menos custos)». No entanto, as recorrentes alegam, em substância, que os custos e receitas esperados para o aeroporto de Klagenfurt no momento dessa celebração acabaram por se revelar diferentes dos que eram previsíveis no momento da referida celebração.

149    Além disso, é pacífico que, no caso em apreço, foi através da celebração dos respetivos acordos controvertidos que as medidas de auxílio em causa foram concedidas.

150    Assim, há que observar que, com este quarto fundamento, as recorrentes contestam o mérito da apreciação do Tribunal Geral relativa à avaliação do montante dos auxílios a recuperar, invocando acontecimentos posteriores à concessão das medidas de auxílio em causa. Por conseguinte, este quarto fundamento deve, em todo o caso, ser julgado inoperante, em conformidade com a jurisprudência recordada no n.o 146 do presente acórdão.

151    A este respeito, o argumento das recorrentes de que, em substância, esta jurisprudência não é aplicável ao presente processo, uma vez que a referida jurisprudência apenas diz respeito aos auxílios estatais sob a forma de garantia, não pode ser acolhido. Com efeito, como resulta da mesma jurisprudência, não é a natureza do auxílio em causa, mas a própria aplicação do princípio do operador privado numa economia de mercado, cuja aplicabilidade ao caso em apreço não é, aliás, contestada, que impõe que apenas sejam pertinentes, para efeitos da identificação de uma eventual vantagem, na aceção do artigo 107.o, n.o 1, TFUE, os elementos disponíveis e as evoluções previsíveis no momento em que foi tomada a decisão de concessão da medida em causa.

152    Do mesmo modo, as recorrentes não podem invocar nenhum argumento útil em apoio do presente fundamento, pelo facto de, em relação ao ASM de 2002 entre a DMG e a AMS, a Comissão indicou, no considerando 570 da decisão controvertida, que o montante do auxílio a recuperar podia ser ajustado posteriormente, com base em provas apresentadas pela República da Áustria. Com efeito, como indicou o Tribunal Geral no n.o 425 do acórdão recorrido, resulta da decisão controvertida que este Estado‑Membro alegou, durante o procedimento administrativo, que esse acordo nunca entrou em vigor, sem ter podido apresentar, durante o procedimento administrativo, um documento escrito que confirmasse a exatidão dessa declaração.

153    Os esclarecimentos prestados pela Comissão no considerando 570 da decisão controvertida pretendiam apenas, como o Tribunal Geral salientou nesse n.o 425, permitir ao referido Estado‑Membro apresentar uma prova nesse sentido e, sendo caso disso, excluir do montante do auxílio a recuperar o auxílio que devia ser pago por força do referido acordo, desde que fosse demonstrado que, não tendo este entrado em vigor, o auxílio nele contido não foi pago ao beneficiário, pelo que não foi concedido nenhuma vantagem económica por via desse mesmo acordo e que, por conseguinte, nenhum montante de auxílio deve ser recuperado ao abrigo do mesmo.

154    Em contrapartida, com a sua argumentação apresentada ao Tribunal Geral e, em substância, reiterada no âmbito do presente fundamento, as recorrentes não alegam na realidade que um auxílio contido num dos acordos controvertidos não lhes foi concedido, mas que a vantagem contida nestes acordos deveria, no momento da recuperação, ser reavaliada em função dos resultados económicos efetivos dos acordos em causa para as partes nesses acordos. Todavia, esta argumentação é contrária à jurisprudência recordada nos n.os 140 a 145 do presente acórdão, bem como, de resto, à jurisprudência constante do Tribunal de Justiça segundo a qual a recuperação de um auxílio ilegal implica a restituição da vantagem por este concedida ao seu beneficiário a fim de eliminar a distorção da concorrência provocada por esta vantagem (v., neste sentido, Acórdãos de 21 de dezembro de 2016, Comissão/Aer Lingus e Ryanair Designated Activity, C‑164/15 P e C‑165/15 P, EU:C:2016:990, n.os 91 e 92 e jurisprudência referida, e de 5 de março de 2019, Eesti Pagar, C‑349/17, EU:C:2019:172, n.o 131 e jurisprudência referida).

155    Por conseguinte, o quarto fundamento deve ser julgado inoperante.

156    Uma vez que nenhum dos fundamentos invocados pelas recorrentes em apoio do presente recurso foi julgado procedente, deve ser negado provimento ao recurso na sua totalidade.

 Quanto às despesas

157    Nos termos do artigo 184.o, n.o 2, do Regulamento de Processo do Tribunal de Justiça, se o recurso de uma decisão do Tribunal Geral for julgado improcedente, o Tribunal de Justiça decidirá sobre as despesas. Em conformidade com o disposto no artigo 138.o, n.o 1, deste regulamento, aplicável ao processo de recurso de decisão do Tribunal Geral por força do seu artigo 184.o, n.o 1, a parte vencida é condenada nas despesas se a parte vencedora o tiver requerido.

158    Tendo a Comissão pedido a condenação das recorrentes nas despesas e tendo estas sido vencidas, há que condená‑las nas despesas.

Pelos fundamentos expostos, o Tribunal de Justiça (Décima Secção) decide:

1)      É negado provimento ao recurso.

2)      A Ryanair DAC e a Airport Marketing Services Ltd são condenadas nas despesas.

Assinaturas


*      Língua do processo: inglês.