Language of document : ECLI:EU:C:2023:915

Edição provisória

CONCLUSÕES DO ADVOGADO‑GERAL

MACIEJ SZPUNAR

apresentadas em 23 de novembro de 2023 (1)

Processo C801/21 P

Instituto da Propriedade Intelectual da União Europeia (EUIPO)

contra

Indo European Foods Ltd

«Recurso de decisão do Tribunal Geral — Marca da União Europeia — Processo de oposição — Indeferimento da oposição — Recurso de anulação — Objeto do recurso — Interesse em agir — Saída do Reino Unido da União Europeia»






I.      Introdução

1.        Com o seu recurso, o Instituto da Propriedade Intelectual da União Europeia (EUIPO) pede a anulação do Acórdão do Tribunal Geral da União Europeia, de 6 de outubro de 2021, Indo European Foods/EUIPO — Chakari (Abresham Super Basmati Selaa Grade One World's Best Rice) (T‑342/20, a seguir «acórdão recorrido», EU:T:2021:651), no qual este deu provimento ao recurso interposto pela Indo European Foods Ltd contra a Decisão da Quarta Câmara de Recurso do EUIPO, de 2 de abril de 2020 (processo R 1079/2019‑4) (a seguir «decisão controvertida»), no que respeita ao pedido de registo da marca figurativa Abresham Super Basmati Selaa Grade One World’s Best Rice.

2.        O presente processo dá ao Tribunal de Justiça a oportunidade de clarificar a problemática da extinção, no decurso da instância, do direito em que era fundado um pedido de oposição ao registo de uma marca da União, devido à saída do Reino Unido da Grã‑Bretanha e da Irlanda do Norte da União.

3.        Mais especificamente, coloca‑se a questão da incidência processual de tal extinção, uma vez que o presente recurso visa exclusivamente o exame pelo Tribunal Geral da admissibilidade do recurso de anulação da decisão que indeferiu o pedido de oposição.

II.    Quadro jurídico

A.      Direito internacional

4.        O primeiro, quarto e oitavo parágrafos do preâmbulo do Acordo sobre a saída do Reino Unido da Grã-Bretanha e da Irlanda do Norte da União Europeia e da Comunidade Europeia da Energia Atómica (2), adotado em 17 de outubro de 2019 e entrado em vigor em 1 de fevereiro de 2020, enunciam:

«Considerando que, em 29 de março de 2017, o [Reino Unido], na sequência do referendo realizado no Reino Unido e da decisão soberana deste país de saída da União Europeia, notificou a intenção de se retirar da [União] [...], em conformidade com o artigo [50.o TUE] [...],

[...]

Recordando que, nos termos do artigo [50.o TUE] [...] e sob reserva das disposições estabelecidas no presente Acordo, o direito da União [...] deixa de ser aplicável na íntegra ao Reino Unido a partir da data de entrada em vigor do presente Acordo,

[...]

Considerando que é do interesse da União e do Reino Unido determinar o período de transição ou de execução, durante o qual [...] o direito da União [...] é aplicável ao Reino Unido e no seu território, e, como regra geral, produz os mesmos efeitos em relação aos Estados‑Membros, a fim de evitar perturbações durante o período de negociação do(s) acordo(s) sobre as futuras relações.»

5.        O artigo 1.o deste acordo, sob a epígrafe «Objetivo», prevê:

«O presente Acordo estabelece as disposições para a saída do [Reino Unido] da [União] [...].»

6.        Nos termos do artigo 126.o do referido acordo, sob a epígrafe «Período de transição»:

«É estabelecido um período de transição ou de execução, com início na data de entrada em vigor do presente Acordo e termo em 31 de dezembro de 2020.»

7.        O artigo 127.o do mesmo acordo, sob a epígrafe «Âmbito de aplicação da transição», dispõe, nos seus n.os 1, 3 e 6:

«1.      Salvo disposição em contrário do presente Acordo, o direito da União é aplicável ao Reino Unido e no seu território durante o período de transição.

[...]

3.      Durante o período de transição, o direito da União aplicável nos termos do n.o 1 produz, no que respeita ao Reino Unido e no seu território, os mesmos efeitos jurídicos que produz na União e nos seus Estados‑Membros, e deve ser interpretado e aplicado em conformidade com os mesmos métodos e princípios gerais que são aplicáveis na União.

[...]

6.      Salvo disposição em contrário do presente Acordo, durante o período de transição, as referências a Estados‑Membros no direito da União aplicável nos termos do n.o 1, incluindo as disposições transpostas e aplicadas pelos Estados‑Membros, entendem‑se como incluindo o Reino Unido.»

8.        Por força do artigo 185.o, quarto parágrafo, do Acordo de Saída:

«As partes II e III, com exceção do artigo 19.o, do artigo 34.o, n.o 1, do artigo 44.o e do artigo 96.o, n.o 1, assim como a parte VI, título I, e os artigos 169.o e 181.o, são aplicáveis a partir do termo do período de transição.»

B.      Direito da União

1.      Regulamento n.o 207/2009

9.        O Regulamento (CE) n.o 207/2009 (3) foi alterado pelo Regulamento (UE) 2015/2424 (4) (a seguir «Regulamento n.o 207/2009»), que entrou em vigor em 23 de março de 2016 (5).

10.      Os considerandos 2 a 4, 6 e 7 do Regulamento n.o 207/2009 enunciam:

«(2)      Convém promover um desenvolvimento harmonioso das atividades económicas em toda a [União] e uma expansão contínua e equilibrada através da realização e do bom funcionamento de um mercado interno que ofereça condições análogas às existentes num mercado nacional. A realização de um mercado dessa natureza e o reforço da sua unidade implicam não só a eliminação dos obstáculos à livre circulação de mercadorias e à livre prestação de serviços e a instituição de um regime que assegure não haver falseamento da concorrência, mas também a criação de condições jurídicas que permitam às empresas adaptar à partida as suas atividades de fabrico e distribuição de bens ou de prestação de serviços à escala da [União]. Entre os instrumentos jurídicos de que as empresas deverão dispor para o efeito, são particularmente adequadas marcas que lhes permitam identificar os seus produtos ou serviços de forma idêntica em toda a [União], sem atender a fronteiras.

(3)      Para atingir os objetivos [da União] acima referidos, parece adequado prever um regime [de marcas da União] que confira às empresas o direito de adquirirem, segundo um procedimento único, marcas [da UE] que gozem de proteção uniforme e produzam efeitos em todo o território da [União]. O princípio do caráter unitário da marca [da UE] assim definido deverá ser aplicável salvo disposição em contrário do presente regulamento.

(4)      A aproximação das legislações nacionais é ineficaz no tocante à supressão do obstáculo da territorialidade dos direitos conferidos aos titulares de marcas pelas legislações dos Estados‑Membros. Para permitir às empresas exercerem sem entraves uma atividade económica em todo o mercado interno é necessário que existam marcas reguladas por um direito [da União] único, diretamente aplicável em todos os Estados‑Membros.

[...]

(6)      O direito de marcas [da União] não substitui, porém, os direitos de marcas dos Estados‑Membros. Com efeito, não parece justificável obrigar as empresas a depositarem as suas marcas como marcas [da UE], uma vez que as marcas nacionais continuam a ser necessárias às empresas que não pretendem que as suas marcas sejam protegidas à escala [da União].

(7)      O direito à marca [da UE] só poderá ser adquirido por registo e este deverá ser recusado nomeadamente [...] se lhe forem oponíveis direitos anteriores.»

11.      O artigo 1.o do Regulamento n.º 207/2009, sob a epígrafe «Marca da UE», dispõe no seu n.o 2:

«A marca da UE tem caráter unitário. A marca da UE produz os mesmos efeitos em toda a União: só pode ser registada, transferida, ser objeto de renúncia, de decisão de extinção de direitos do titular ou de anulação, e o seu uso só pode ser proibido, para toda a União. Este princípio é aplicável salvo disposição em contrário do presente regulamento.»

12.      O artigo 6.o deste regulamento, sob a epígrafe «Modo de aquisição da marca da UE», prevê:

«A marca da UE adquire‑se por registo.»

13.      O artigo 8.o do referido regulamento, sob a epígrafe «Motivos relativos de recusa», prevê, no seu n.o 4:

«Após oposição do titular de uma marca não registada ou de outro sinal utilizado na vida comercial cujo alcance não seja apenas local, será recusado o pedido de registo da marca quando e na medida em que, segundo a legislação [da União] ou o direito do Estado‑Membro aplicável a esse sinal:

a)      Tenham sido adquiridos direitos sobre esse sinal antes da data de depósito do pedido de marca da UE ou, se for caso disso, antes da data de prioridade invocada em apoio do pedido de marca da UE;

b)      Esse sinal confira ao seu titular o direito de proibir a utilização de uma marca posterior.»

14.      O artigo 9.o do mesmo regulamento, sob a epígrafe «Direitos conferidos pela marca da UE», dispõe, nos seus n.os 1 e 2:

«1.      O registo de uma marca da UE confere ao seu titular direitos exclusivos.

2.      Sem prejuízo dos direitos dos titulares adquiridos antes da data de depósito ou da data de prioridade da marca da UE, o titular dessa marca da UE fica habilitado a proibir que terceiros, sem o seu consentimento, façam uso, no decurso de operações comerciais, de qualquer sinal em relação aos produtos ou serviços caso o sinal seja:

[...]

b)      Idêntico ou semelhante à marca da UE e seja utilizado para produtos ou serviços idênticos ou afins àqueles para os quais a marca da UE foi registada, se existir risco de confusão no espírito do público; o risco de confusão compreende o risco de associação entre o sinal e a marca;

[...]»

15.      Nos termos do artigo 9.o‑B do Regulamento n.o 207/2009, sob a epígrafe «Data a partir da qual os direitos são oponíveis a terceiros»:

«1.      Os direitos conferidos por uma marca da UE são oponíveis a terceiros a partir da data de publicação do registo da marca.

2.      Pode ser exigida uma indemnização razoável por atos posteriores à data de publicação de um pedido de marca da UE que, após a publicação do registo da marca, sejam proibidos em virtude dessa publicação.

3.      O tribunal em que uma ação for interposta não pode decidir do mérito da causa enquanto o registo não for publicado.»

2.      Regulamento (UE) 2017/1001

16.      O Regulamento (UE) 2017/1001 (6) alterou e substituiu o Regulamento n.o 207/2009 (7) com efeitos a partir de 1 de outubro de 2017. O seu considerando 12 enuncia:

«A fim de garantir a segurança jurídica e a plena coerência com o princípio da prioridade, segundo o qual uma marca registada anterior tem precedência sobre marcas registadas posteriores, é necessário prever que o respeito dos direitos conferidos por uma marca da UE não deverá prejudicar os direitos dos titulares adquiridos antes da data de depósito ou de prioridade da marca da UE. [...]»

17.      O artigo 46.o deste regulamento, sob a epígrafe «Oposição», dispõe, no seu n.o 1:

«1.      Pode ser apresentada oposição ao registo da marca no prazo de três meses a contar da publicação do pedido de marca da UE, com o fundamento de que o registo da marca deve ser recusado por força do artigo 8.o:

[...]

c)      Nos casos referidos no artigo 8.o, n.o 4, pelos titulares de marcas ou sinais anteriores a que se refere esta disposição, bem como pelas pessoas autorizadas, por força do direito nacional aplicável, a exercer esses direitos;

[...]»

18.      O artigo 47.o do referido regulamento, sob a epígrafe «Exame da oposição», prevê, no seu n.o 5:

«Se do exame da oposição resultar a recusa do registo da marca para a totalidade ou parte dos produtos ou serviços para que foi requerida a marca da UE, o pedido é recusado em relação aos produtos ou serviços em causa. Caso contrário, a oposição é rejeitada.»

19.      O artigo 51.o do mesmo regulamento, sob a epígrafe «Registo», enuncia, no seu n.o 1:

«[...] [S]e a oposição apresentada tiver sido definitivamente abandonada devido a retirada, rejeição ou qualquer outra disposição, a marca e as informações referidas no artigo 111.o, n.o 2, são inscritas no Registo. O registo é publicado.»

20.      O artigo 66.o do Regulamento 2017/1001, sob a epígrafe «Decisões suscetíveis de recurso», prevê, no seu n.o 1:

«São suscetíveis de recurso as decisões de qualquer das instâncias decisórias do Instituto enumeradas no artigo 159.o, alíneas a) a d) [...]. Essas decisões só produzem efeitos a partir do termo do prazo de recurso referido no artigo 68.o A interposição de recurso tem efeito suspensivo.»

21.      O artigo 71.o deste regulamento, sob a epígrafe «Decisão do recurso», dispõe, no seu n.o 3:

«As decisões da Câmara de Recurso só produzem efeitos a partir do termo do prazo referido no artigo 72.o, n.o 5, ou, se tiver sido interposta uma ação perante o Tribunal Geral dentro desse prazo, a partir da data de rejeição dessa ação ou de qualquer recurso interposto no Tribunal de Justiça contra a decisão do Tribunal Geral.»

22.      O artigo 72.o do referido regulamento, sob a epígrafe «Recurso para o Tribunal de Justiça», prevê, nos seus n.os 1, 2, 3 e 6:

«1.      As decisões das Câmaras de Recurso que deliberem sobre um recurso são passíveis de recurso para o Tribunal Geral.

2.      O recurso tem por fundamento incompetência, preterição de formalidades essenciais, violação do Tratado sobre o Funcionamento da União Europeia, violação do presente regulamento ou de qualquer norma jurídica sobre a sua aplicação, ou desvio de poder.

3.      O Tribunal Geral é competente para anular e para reformar a decisão impugnada.

[...]

6.      O Instituto toma as medidas necessárias à execução do acórdão do Tribunal Geral ou, em caso de recurso contra este acórdão, do acórdão do Tribunal de Justiça.»

III. Antecedentes do litígio

23.      Os antecedentes do litígio foram expostos pormenorizadamente no acórdão recorrido para o qual, a este respeito, se remete (8). Os elementos essenciais e necessários para a compreensão das presentes conclusões podem ser resumidos da seguinte maneira.

24.      Em 14 de junho de 2017, Hamid Ahmad Chakari apresentou um pedido de registo de marca da União no EUIPO. O pedido foi publicado no Boletim de Marcas da União Europeia n.o 169/2017, de 6 de setembro de 2017.

25.      Em 13 de outubro de 2017, a Indo European Foods apresentou oposição ao registo da marca requerida. A oposição baseava‑se numa marca nominativa anterior não registada, utilizada no Reino Unido. O fundamento invocado em apoio da oposição era o previsto no artigo 8.o, n.o 4, do Regulamento 2017/1001. A Indo European Foods alegou, em substância, que podia, ao abrigo do direito aplicável no Reino Unido, impedir a utilização da marca requerida, com fundamento na forma denominada «extensiva» da ação por usurpação de denominação (action for passing off).

26.      Em 5 de abril de 2019, a Divisão de Oposição indeferiu a oposição na íntegra, com o fundamento de que os elementos de prova apresentados pela Indo European Foods não eram suficientes para demonstrar que a marca anterior tinha sido utilizada na vida comercial cujo alcance não era apenas local antes da data relevante e no território em causa.

27.      Em 16 de maio de 2019, a Indo European Foods interpôs recurso da decisão da Divisão de Oposição.

28.      Com a decisão controvertida, a Quarta Câmara de Recurso do EUIPO negou provimento ao recurso, por considerar que a Indo European Foods não tinha demonstrado que a forma denominada «extensiva» da usurpação de denominação lhe permitia proibir a utilização da marca requerida no Reino Unido.

IV.    Tramitação do processo no Tribunal Geral e acórdão recorrido

29.      Por petição apresentada na Secretaria do Tribunal Geral em 2 de junho de 2020, a Indo European Foods interpôs recurso de anulação e de reforma contra a decisão controvertida.

30.      Em apoio do seu recurso, a Indo European Foods invocou um fundamento único, relativo à violação do artigo 8.o, n.o 4, do Regulamento n.o 207/2009.

31.      Na sua resposta, o EUIPO alegou, designadamente, que, na medida em que a oposição ao registo da marca requerida se baseava numa marca anterior não registada no Reino Unido, embora a proteção conferida a esta pelo direito do Reino Unido continuasse relevante durante o período de transição previsto nos artigos 126.o e 127.o do Acordo de Saída (a seguir «período de transição»), o processo de oposição e o recurso interposto no Tribunal Geral ficaram, contudo, desprovidos do seu objeto no termo desse período. Por outro lado, o EUIPO sustentou que, uma vez que a anulação da decisão controvertida já não podia conferir nenhum benefício à Indo European Foods, esta deixou de ter interesse em agir no processo perante o Tribunal Geral.

32.      O Tribunal Geral considerou, no acórdão recorrido, que o recurso era admissível e anulou a decisão controvertida. No que respeita aos argumentos relativos à admissibilidade invocados pelo EUIPO, o Tribunal Geral decidiu, por um lado, nos n.os 17 a 23 desse acórdão, que não se pode considerar que o litígio fica desprovido de objeto quando, no decurso da instância, ocorre uma situação na sequência da qual uma marca anterior poderá perder o estatuto de marca não registada ou de outro sinal utilizado na vida comercial cujo alcance não é apenas local, nomeadamente na sequência da saída de um Estado‑Membro da União, a menos que o Tribunal Geral tenha em conta motivos que surgiram posteriormente à decisão controvertida e que não são suscetíveis de afetar o mérito dessa decisão. Por outro lado, nos n.os 24 a 27 do referido acórdão, o Tribunal Geral rejeitou os argumentos do EUIPO destinados a demonstrar a perda do interesse em agir da Indo European Foods decidindo que não se pode sustentar que, em caso de anulação da decisão controvertida, a Câmara de Recurso era obrigada a negar provimento ao recurso, perante a falta de marca anterior protegida pelo direito de um Estado‑Membro, uma vez que a Câmara de Recurso deve tomar em consideração, para a apreciação dos factos, não o momento da nova decisão, mas a fase em que o recurso se encontrava antes da decisão controvertida.

V.      Pedidos das partes e tramitação do processo no Tribunal de Justiça

33.      Por Despacho de 7 de abril de 2022, o Tribunal de Justiça admitiu o presente recurso, declarando que o pedido de recebimento do recurso apresentado pelo EUIPO demonstrava, de forma juridicamente bastante, que o recurso suscitava uma questão importante para a unidade, a coerência e o desenvolvimento do direito da União.

34.      Por Decisão de 16 de junho de 2022 do presidente do Tribunal de Justiça, a República Federal da Alemanha foi admitida a intervir em apoio do EUIPO.

35.      Por Despacho do presidente do Tribunal de Justiça de 16 de dezembro de 2022, foi indeferido o pedido de intervenção da Walsall Conduits Ltd em apoio da Indo European Foods.

36.      Com o presente recurso, o EUIPO conclui pedindo que o Tribunal de Justiça se digne:

–        anular o acórdão recorrido;

–        declarar que não há que conhecer do mérito do recurso interposto pela Indo European Foods contra a decisão controvertida;

–        condenar a Indo European Foods nas despesas do presente processo e do processo no Tribunal Geral.

37.      Na sua resposta, a Indo European Foods conclui pedindo que o Tribunal de Justiça se digne:

–        negar provimento ao recurso;

–        condenar o EUIPO nas despesas do presente processo.

38.      A República Federal da Alemanha apoia os pedidos do EUIPO.

39.      O EUIPO e a Indo European Foods foram ouvidos na audiência realizada em 14 de setembro de 2023.

VI.    Análise

40.      Em apoio do seu recurso, o EUIPO invoca um fundamento único, relativo à violação, pelo Tribunal Geral, do requisito da manutenção do interesse em agir da Indo European Foods, articulado em três partes. Na primeira parte do fundamento único, o EUIPO afirma que o Tribunal Geral cometeu um erro de direito ao confundir o conceito de «fiscalização da legalidade» e a exigência autónoma da manutenção do interesse em agir. Na segunda parte deste fundamento, o EUIPO sustenta que o Tribunal Geral cometeu um erro de direito e fundamentou insuficientemente a sua decisão ao não apreciar, concretamente, a manutenção do interesse em agir da Indo European Foods, à luz das especificidades do direito das marcas. Na terceira parte do referido fundamento, o EUIPO alega que decorre dos erros cometidos pelo Tribunal Geral uma obrigação que impõe ao EUIPO a não tomada em consideração dos efeitos jurídicos do termo do período de transição.

41.      Começarei a minha análise pelo exame da primeira parte do fundamento único, especificando as razões pelas quais considero que deve ser julgada improcedente (A). Em seguida, demonstrarei que, em meu entender, a Indo European Foods tem interesse em agir perante o Tribunal Geral, pelo que a segunda e terceira partes do fundamento único devem igualmente ser julgadas improcedentes e não podem conduzir à anulação do acórdão recorrido (B e C).

A.      Quanto à primeira parte do fundamento único: o objeto do recurso no Tribunal Geral

42.      Na primeira parte do seu fundamento único, o EUIPO sustenta que, nos n.os 15 a 21 do acórdão recorrido, o Tribunal Geral cometeu um erro de direito ao concentrar‑se, para determinar a manutenção do interesse em agir da Indo European Foods, na questão de saber se o termo do período de transição era suscetível de afetar a legalidade da decisão controvertida no momento em que foi adotada. Ao fazê‑lo, o Tribunal Geral confundiu a fiscalização da legalidade com a exigência da manutenção do interesse em agir.

43.      Parece‑me, todavia, que estes argumentos resultam de uma leitura errada do acórdão recorrido e da jurisprudência nele referida.

44.      Com efeito, saliento que, contrariamente ao que alega o EUIPO, o Tribunal Geral, nos n.os 15 a 21 do acórdão recorrido, não examinou a questão da manutenção do interesse em agir da Indo European Foods ou a da legalidade da decisão controvertida, mas a da extinção do objeto do recurso, a saber, a Decisão da Câmara de Recurso de 2 de abril de 2020, pela qual esta indeferiu o pedido de oposição apresentado pela Indo European Foods.

45.      O objeto de um recurso e o interesse em agir de quem o interpôs são duas questões distintas. O objeto de um recurso de anulação é um elemento objetivo, a saber, o ato cuja anulação é pedida. O interesse em agir é um elemento subjetivo, destinado a determinar se o recurso é suscetível, pelo seu resultado, de proporcionar um benefício à parte que o interpôs (9).

46.      É certo que estes dois elementos estão frequentemente ligados, especialmente na medida em que a existência de um interesse em agir é apreciada «tendo em conta o objeto do recurso» (10) e em que a extinção do objeto do recurso implica necessariamente a perda do interesse em agir. No entanto, pode igualmente haver perda do interesse em agir de um recorrente mesmo quando o objeto do recurso se mantém (11).

47.      A manutenção do objeto de um recurso de anulação pressupõe que a decisão visada neste continue a produzir efeitos. Assim, é jurisprudência constante que um recurso pode ficar sem objeto, designadamente, em caso de revogação ou de substituição do ato no decurso da instância (12). Do mesmo modo, um recurso de uma decisão do EUIPO relativa a um pedido de oposição é considerado desprovido de objeto quando esse pedido de oposição tenha sido retirado na sequência de um acordo entre as partes (13), quando a marca na qual se baseava a oposição tenha sido declarada nula (14), ou ainda quando o pedido de registo a que se opôs uma parte tenha sido, ele próprio, retirado (15).

48.      Saliento que, em cada uma dessas situações, o Tribunal de Justiça declarou a extinção do objeto de um recurso de anulação, quando tinha ocorrido, no decurso da instância, um evento que produziu efeitos ex tunc, pelo que a decisão visada devia ser considerada como nunca tendo existido.

49.      Nestas condições, para responder ao argumento do EUIPO relativo à extinção do objeto do recurso no Tribunal Geral, cabia a este último examinar se a extinção, após o termo do período de transição e no decurso do processo no Tribunal Geral, do direito anterior em que se fundava o pedido de oposição em causa na decisão controvertida era suscetível de ter incidência no litígio relativo ao indeferimento do pedido, tendo por efeito que este litígio devia ser considerado como nunca tendo existido.

50.      Assim, contrariamente ao que alega o EUIPO, o Tribunal Geral não procurou determinar se o termo do período de transição, na sequência da saída do Reino Unido da União, era suscetível de ter incidência na legalidade da decisão controvertida, mas apenas se esse elemento afetava a manutenção do objeto do recurso.

51.      A este respeito, decorre claramente dos n.os 20 e 21 do acórdão recorrido que o Tribunal Geral declarou que, embora resulte da jurisprudência que a extinção do direito anterior em que se funda o pedido de oposição devido à saída do Reino Unido da União é suscetível de ter incidência no resultado do pedido de oposição quando ocorra no decurso do processo perante o EUIPO, o recurso interposto no Tribunal Geral não pode, em contrapartida, ficar desprovido do seu objeto pelo simples facto de a marca em que se baseia a oposição se ter tornado inválida no decurso do processo.

52.      Segundo o EUIPO, embora seja claro que, na hipótese de a extinção do direito anterior em que se funda o pedido de oposição ter ocorrido no decurso do processo no EUIPO antes da decisão controvertida, se deve concluir pela falta de objeto do recurso devido à caducidade dessa decisão, não se pode deduzir automaticamente do facto de o direito anterior só se ter extinguido após a adoção da referida decisão que o recurso mantém o seu objeto. Em especial, o EUIPO sustenta que a possibilidade de o direito anterior constituir o fundamento de uma oposição deduzida no passado não é indicativa de que o recorrente beneficia de um interesse em agir existente, atual e real.

53.      No entanto, como referi nos n.os 42 e 43 das presentes conclusões, decorre claramente do acórdão recorrido que, pelos motivos expostos, o Tribunal Geral não se pronunciou sobre a questão da existência de um interesse em agir, mas apenas sobre a questão da manutenção do objeto do litígio, de modo que o argumento apresentado pelo EUIPO me parece inoperante.

54.      Além disso, a análise do Tribunal Geral está, a meu ver, isenta de qualquer erro de direito. O Tribunal Geral estabelece uma distinção justificada entre o objeto do pedido de oposição no EUIPO e o objeto do recurso no Tribunal Geral. O objeto do processo no EUIPO é o pedido de oposição, fundado num direito do Reino Unido. Por conseguinte, este pedido é, em teoria, suscetível de ficar sem objeto em caso de extinção do direito anterior em que se fundava no decurso do processo. Em contrapartida, o recurso interposto no Tribunal Geral tem por objeto a decisão adotada no termo do processo no EUIPO, quando o direito em que se fundava o pedido ainda era válido.

55.      A este respeito, como salienta com razão o Tribunal Geral, não podem ser tidos em conta motivos que surgem após a adoção da decisão controvertida quando esses motivos não produzem efeitos no processo de oposição que tem como culminar a instância no Tribunal Geral (16).

56.      Ora, a extinção do direito anterior devido à saída do Reino Unido da União, quando ocorre após a adoção da decisão, não pode produzir efeitos no processo perante o EUIPO uma vez que não se pode considerar que, com a sua extinção, o direito anterior é reputado como nunca tendo existido. Como salienta a Indo European Foods, nada no Acordo de Saída permite concluir que a saída do Reino Unido da União implica a extinção ex tunc dos direitos anteriores. Pelo contrário, resulta claramente deste acordo que, até ao termo do período de transição, o direito da União continua a ser aplicável ao Reino Unido. A saída deste Estado‑Membro da União não deve, portanto, ser analisada no sentido de que este nunca foi membro da União e que, consequentemente, os direitos de propriedade intelectual baseados no direito nacional nunca tiveram relevância na ordem jurídica da União, mas apenas no sentido de que esses direitos deixaram de produzir, a partir do termo do período de transição, os efeitos previstos no Regulamento 2017/1001.

57.      Nestas condições, considero que foi com razão que o Tribunal Geral declarou que o recurso nele interposto mantinha o seu objeto. Daqui resulta que a primeira parte do fundamento único deve ser julgada improcedente.

B.      Quanto à segunda parte do fundamento único: a manutenção do interesse em agir

58.      Na segunda parte do fundamento único, o EUIPO alega, em primeiro lugar, que o Tribunal Geral cometeu um erro de direito ao não examinar em concreto o interesse em agir da Indo European Foods e ao limitar‑se a rejeitar os argumentos do EUIPO que contestam a sua existência. Ao fazê‑lo, o Tribunal Geral também fundamentou insuficientemente a sua decisão. Em segundo lugar, o EUIPO sustenta que o Tribunal Geral cometeu um erro de direito ao concentrar a sua análise na questão de saber se o direito anterior é suscetível de constituir o fundamento da oposição e ao ignorar assim as especificidades do processo de oposição e do direito das marcas da União.

59.      No que respeita ao primeiro argumento formulado pelo EUIPO, com efeito, segundo jurisprudência constante, cabe ao recorrente fazer a prova do seu interesse em agir, que constitui a condição essencial e primeira de qualquer ação judicial (17).

60.      Todavia, parece‑me resultar claramente, ainda que de forma implícita, do acórdão recorrido que o Tribunal Geral considerou que o interesse em agir da Indo European Foods no momento da interposição do recurso existia e não era contestado, na medida em que a decisão controvertida lhe era contrária. O EUIPO alegou, perante o Tribunal Geral, a possibilidade da perda desse interesse em agir devido ao termo do período de transição e invocou, a este respeito, dois argumentos, que o Tribunal Geral rejeitou. Assim, o Tribunal Geral decidiu, no n.o 28 do acórdão recorrido, que o interesse em agir da Indo European Foods, que foi demonstrado, não tinha desaparecido. Nestas condições, não vislumbro que haja inversão do ónus da prova como alega o EUIPO.

61.      Com efeito, o Tribunal Geral apenas considerou que os argumentos apresentados pelo EUIPO não eram suscetíveis de pôr em causa a existência do interesse em agir da Indo European Foods, pelo que não se pode entender que tenha cometido um erro de direito ou fundamentado insuficientemente a sua decisão.

62.      Em todo o caso, sou de opinião que, admitindo‑o demonstrado, o erro de direito cometido pelo Tribunal Geral na apreciação do interesse em agir da Indo European Foods, devido a uma inversão do ónus da prova não é suscetível de levar à anulação do acórdão recorrido. Com efeito, resulta da jurisprudência do Tribunal de Justiça que se os fundamentos de uma decisão do Tribunal Geral revelarem uma violação do direito da União, mas se concluir que o seu dispositivo se baseia noutros fundamentos jurídicos, essa violação não é suscetível de acarretar a anulação dessa decisão e há que proceder à substituição da fundamentação (18). É o que sucede no caso vertente, pelas razões que vou agora expor.

63.      O interesse em agir é a condição essencial e primeira de qualquer recurso de anulação interposto ao abrigo do artigo 263.o TFUE por uma pessoa singular ou coletiva e impõe‑se da mesma forma quando o Tribunal Geral pode não só anular a decisão impugnada, mas também reformá‑la, como prevê o artigo 72.o, n.o 3, do Regulamento 2017/1001. A existência de tal interesse pressupõe que a anulação do ato impugnado seja suscetível, por si só, de ter consequências jurídicas e possa, assim, pelo seu resultado, conferir um benefício a essa pessoa (19).

64.      Além disso, como recordou o Tribunal Geral no acórdão recorrido, o interesse em agir deve não só existir no momento da interposição do recurso, mas também perdurar até à prolação da decisão jurisdicional (20).

65.      No caso em apreço, é manifesto que, no momento da interposição do recurso, a Indo European Foods tinha interesse em pedir a anulação da decisão controvertida. Com efeito, através dessa decisão, a Câmara de Recurso do EUIPO indeferiu o seu pedido de oposição deduzido ao abrigo do artigo 46.o do Regulamento 2017/1001. Deste modo, a anulação da referida decisão era suscetível, pelo seu resultado, de lhe conferir um benefício ao levar a Câmara de Recurso do EUIPO a proceder a um novo exame do pedido de oposição potencialmente favorável à Indo European Foods.

66.      Resta então determinar se a saída do Reino Unido da União é suscetível de alterar esta conclusão.

67.      Para este efeito, importa, segundo o EUIPO, determinar se o registo do pedido de marca da União contestada, apesar do termo do período de transição, pode ainda prejudicar os interesses jurídicos da Indo European Foods, o que o Tribunal Geral não fez. Ora, devido à natureza específica dos processos de oposição, à função essencial da marca, do princípio da territorialidade e do caráter unitário da marca, em caso de registo da marca da União contestada, nenhum conflito entre esta e o direito invocado pela Indo European Foods pode ocorrer, nem ratione loci, nem ratione temporis. Daqui resulta que a resposta a esta questão é necessariamente negativa e implica a extinção do interesse em agir da Indo European Foods.

68.      Contudo, sou da opinião de que a resposta a esta questão é alheia à determinação da manutenção de um interesse em agir para pedir a anulação da decisão controvertida no Tribunal Geral.

69.      Antes de mais, saliento que a existência de um interesse em agir no momento da interposição do recurso no Tribunal Geral não dependia da questão de saber se o registo da marca era suscetível de prejudicar os interesses jurídicos da Indo European Foods. Por conseguinte, tenho dificuldade em perceber por que razão deve ser o caso para a manutenção desse interesse.

70.      Em seguida, creio que a questão colocada pelo EUIPO visa, acima de tudo, determinar se a Indo European Foods tem interesse, perante o EUIPO, em deduzir oposição ao registo da marca da União. Mais precisamente, a resposta a esta questão depende da apreciação pelo EUIPO do pedido de oposição. Uma resposta negativa implica necessariamente o indeferimento do pedido pelo EUIPO, mas não pode significar que a Indo European Foods não tinha interesse em impugnar a referida decisão no Tribunal Geral e em obter a sua anulação.

71.      Por outras palavras, a questão de saber se o registo da marca da União contestada é suscetível de prejudicar os interesses jurídicos da Indo European Foods deve, desde logo, ser examinada pelo EUIPO e constitui, por isso, eventualmente, a meu ver, uma questão de mérito no âmbito de um recurso de anulação que deve ser objeto de controlo de legalidade. Esta questão não pode, todavia, condicionar a admissibilidade desse recurso.

72.      A este respeito, sublinho que o próprio EUIPO admitiu, na audiência, que um pedido de oposição a um pedido de registo de uma marca da União, apresentado após o termo do período de transição e, no entanto, fundado num direito anterior do Reino Unido, seria julgado inadmissível no EUIPO, mas que um recurso de anulação dessa decisão deveria ser julgado admissível pelo Tribunal Geral, ainda que manifestamente infundado. Nestas condições, nada justifica que se conclua pela inadmissibilidade de um recurso análogo, como o do caso em apreço, quando o direito anterior em que se funda o pedido no EUIPO não era inexistente desde o início, mas se tenha extinguido no decurso da instância.

73.      Por último, parece‑me que fazer depender a manutenção do interesse em agir da questão de saber se o registo da marca era suscetível de prejudicar os interesses jurídicos da Indo European Foods, apesar da saída do Reino Unido da União, levaria a contornar a jurisprudência do Tribunal de Justiça segundo a qual o Tribunal Geral não pode anular ou reformar uma decisão de uma Câmara de Recurso por motivos que tenham surgido posteriormente à adoção dessa decisão (21).

74.      Como alegou o EUIPO na audiência, a inadmissibilidade do recurso no Tribunal Geral teria conduzido ao registo da marca da União contestada, sem necessidade de o EUIPO adotar uma nova decisão.

75.      Daqui deduzo que, nestas condições, o registo da marca da União contestada já não decorre dos motivos em que a decisão controvertida era originalmente baseada, mas do facto de esse registo não ser suscetível de prejudicar os interesses da Indo European Foods em razão da saída do Reino Unido da União.

76.      Uma vez que este acontecimento ocorreu, porém, após a adoção da decisão controvertida, não pode, deste modo, servir para justificar a posteriori a sua adoção.

77.      Nestas circunstâncias, entendo que a segunda parte do fundamento único deve ser julgada improcedente.

78.      A título exaustivo, há ainda que precisar que, se fosse necessário, quod non, para demonstrar a manutenção do interesse em agir da Indo European Foods, determinar se o registo da marca da União contestada era suscetível de prejudicar os seus interesses jurídicos, seria igualmente necessário, contrariamente ao que alega o EUIPO, responder afirmativamente a esta questão.

79.      Com efeito, o artigo 11.o, n.o 2, do Regulamento 2017/1001 prevê que pode ser exigida uma indemnização razoável por atos posteriores à data de publicação de um pedido de marca da União Europeia que, após a publicação do registo da marca, sejam proibidos em virtude dessa publicação. Segundo a Indo European Foods, esta disposição pode permitir ao titular da marca contestada intentar no Reino Unido uma ação de contrafação por atos cometidos entre a publicação do pedido de marca contestada e o termo do período de transição.

80.      O exercício, pelo titular da marca da União contestada, do direito de pedir uma indemnização razoável nessa situação é, sem dúvida, hipotético. Contudo, a existência desse direito basta, a meu ver, para justificar o interesse em agir da Indo European Foods, na medida em que implica que esta sociedade possa ser devedora de uma indemnização razoável.

81.      Nenhum dos argumentos do EUIPO a este respeito pode pôr em causa esta conclusão. No que respeita, por um lado, ao argumento de que o pedido de uma indemnização razoável só pode ser apresentado contra partes que não eram titulares de direitos anteriores, o que exclui a Indo European Foods, parece‑me impregnado de uma certa contradição. Com efeito, isto implica que, no âmbito do processo de oposição, o EUIPO possa decidir que a Indo European Foods não é titular de direitos anteriores a fim de indeferir o pedido de oposição ao pedido de registo da marca da União, embora admitindo que, no âmbito de um processo nacional para a concessão de uma indemnização razoável, essa sociedade possa invocar a titularidade de direitos anteriores.

82.      No que respeita, por outro lado, ao argumento segundo o qual só pode ser exigida uma indemnização razoável por atos que sejam proibidos «em virtude da publicação do registo», e que isto exclui, por conseguinte, os factos que ocorreram no Reino Unido na medida em que este país já não era um Estado‑Membro da União no momento do registo, tal é, na minha opinião, um argumento contrário ao objetivo do artigo 11.o, n.o 2, do Regulamento 2017/1001.

83.      Com efeito, esta disposição visa suprir o facto de não ser possível a oponibilidade a terceiros de uma marca da União antes da publicação do pedido de registo, para permitir, ainda assim, uma certa forma de proteção a partir da data de apresentação do pedido de registo. Por outras palavras, antes da publicação do registo de uma marca da União, esta última beneficia de uma proteção jurídica que reflete, como sublinhou o advogado‑geral M. Wathelet, o facto de o legislador considerar que uma marca da União em processo de aquisição já deve ser protegida (22). O Tribunal de Justiça declarou, assim, que o artigo 11.o, n.o 2, do Regulamento n.o 2017/1001 prevê um direito a uma indemnização razoável para conceder uma certa medida de proteção ao requerente de um registo de marca no período compreendido entre a data da publicação do pedido, data a partir da qual se presume que este pedido é do conhecimento de terceiros, e a data de publicação do seu registo (23).

84.      Ora, a interpretação desta disposição proposta pelo EUIPO torna impossível a obtenção de qualquer indemnização razoável por atos cometidos antes da publicação do registo da marca da União no território de um Estado‑Membro, devido à subsequente saída desse Estado da União antes do registo, e impede assim a proteção da marca da União para o período compreendido, pelo menos, entre a apresentação do pedido e a saída do referido Estado‑Membro, numa altura em que o direito da União continua a ser aplicável, de forma contrária ao próprio objetivo da referida disposição.

85.      Por conseguinte, considero que a Indo European Foods tinha efetivamente um interesse em agir que se manteve no decurso do processo no Tribunal Geral.

C.      Quanto à terceira parte do fundamento único: os efeitos no processo perante o EUIPO

86.      Na terceira parte do seu fundamento único, o EUIPO sustenta que o Tribunal Geral cometeu um erro de direito ao impor à Câmara de Recurso, no n.o 27 do acórdão recorrido, a não tomada em consideração dos efeitos jurídicos do termo do período de transição no presente processo, na medida em que, no âmbito da sua nova apreciação após uma eventual anulação da decisão controvertida, o EUIPO é obrigado a não examinar se a Indo European Foods mantém um interesse na anulação da decisão da Divisão de Oposição objeto de recurso e, por isso mesmo, deve examinar o pedido de oposição com base num conflito entre direitos que nunca se pode produzir.

87.      No entanto, este argumento não é, a meu ver, operante nem suscetível de implicar a anulação do acórdão recorrido.

88.      Como salientei no âmbito da minha análise da segunda parte do fundamento único, a admissibilidade do recurso de anulação da decisão controvertida no Tribunal Geral não depende da questão de saber se a Indo European Foods mantém um interesse na recusa do registo da marca contestada.

89.      Esta questão só é pertinente no decurso do processo no EUIPO, mas não prejudica de modo nenhum o direito da Indo European Foods de pedir a anulação da decisão controvertida. Com efeito, o Tribunal Geral não pode antecipar o resultado do novo exame do pedido de oposição pelo EUIPO para decidir da admissibilidade do recurso de anulação, sob pena, como sublinhei, de justificar a adoção dessa decisão por motivos que surgiram posteriormente a esta, em contradição com a jurisprudência do Tribunal de Justiça (24).

90.      Assim, ainda que a saída do Reino Unido da União possa ter por efeito levar a Câmara de Recurso do EUIPO a indeferir o pedido de oposição (25), cabe a esta última, e não ao Tribunal Geral no âmbito do exame da admissibilidade de um recurso, chegar a essa conclusão (26).

91.      Por conseguinte, a terceira parte do fundamento único deve ser julgada inoperante.

VII. Conclusão

92.      À luz das considerações precedentes, proponho que o Tribunal de Justiça negue provimento ao recurso.


1      Língua original: francês.


2      JO 2020, L 29, p. 7; a seguir «Acordo de Saída».


3      Regulamento do Conselho, de 26 de fevereiro de 2009, sobre a marca da UE (JO 2009, L 78, p. 1).


4      Regulamento do Parlamento Europeu e do Conselho de 16 de dezembro de 2015 que altera o Regulamento n.º 207/2009 (JO 2015, L 341, p. 21).


5      Atendendo à data de apresentação do pedido de registo controvertido, em 14 de junho de 2017, que é determinante para efeitos da identificação do direito material aplicável, os factos do caso em apreço regem‑se pelas disposições materiais do Regulamento n.o 207/2009, conforme alterado pelo Regulamento 2015/2424.


6      Regulamento do Parlamento Europeu e do Conselho, de 14 de junho de 2017, sobre a marca da União Europeia (JO 2017, L 154, p. 1)


7      Há que salientar que a oposição ao pedido de registo da marca foi apresentada em 13 de outubro de 2017, pelo que as regras processuais do Regulamento 2017/1001, relativas aos processos de oposição e de recurso, que devem ser aplicáveis à data da sua entrada em vigor, se aplicam no caso vertente.


8      N.os 1 a 12 do acórdão recorrido.


9      Acórdãos de 4 de junho de 2015, Andechser Molkerei Scheitz/Comissão (C‑682/13 P, EU:C:2015:356, n.o 25); de 17 de setembro de 2015, Mory e o./Comissão (C‑33/14 P, EU:C:2015:609, n.o 55); e de 20 de dezembro de 2017, Binca Seafoods/Comissão (C‑268/16 P, EU:C:2017:1001, n.o 44).


10      Acórdãos de 28 de maio de 2013, Abdulrahim/Conselho e Comissão (C‑239/12 P, EU:C:2013:331, n.o 61), e de 17 de setembro de 2015, Mory e o./Comissão (C‑33/14 P, EU:C:2015:609, n.o 57).


11      V., a título de exemplo, Acórdão de 18 de março de 2010, Centre de Coordination Carrefour/Comissão (T‑94/08, EU:T:2010:98).


12      Acórdão de 1 de junho de 1961, Meroni e o./Alta Autoridade (5/60, 7/60 e 8/60, EU:C:1961:10, p. 213).


13      Despacho de 17 de abril de 2018, Westbrae Natural/EUIPO — Kaufland Warenhandel (COCONUT DREAM) (T‑65/17, não publicado, EU:T:2018:204, n.os 20 a 22).


14      Despacho de 14 de fevereiro de 2017, Helbrecht/EUIPO — Lenci Calzature (SportEyes) (T‑333/14, EU:T:2017:108, n.os 21 a 24).


15      Despacho de 14 de fevereiro de 2023, Laboratorios Ern/EUIPO — Arrowhead Pharmaceuticals (TRiM) (T‑428/22, não publicado, EU:T:2023:80).


16      Acórdão de 8 de outubro de 2014, Fuchs/IHMI — Les Complices (Estrela dentro de um círculo) (T‑342/12, EU:T:2014:858, n.o 24).


17      Acórdãos de 4 de junho de 2015, Andechser Molkerei Scheitz/Comissão (C‑682/13 P, EU:C:2015:356, n.27); de 20 de dezembro de 2017, Binca Seafoods/Comissão (C‑268/16 P, EU:C:2017:1001, n.o 45); e de 7 de novembro de 2018, BPC Lux 2 e o./Comissão (C‑544/17 P, EU:C:2018:880, n.o 33).


18      Acórdão de 6 de novembro de 2018, Scuola Elementare Maria Montessori/Comissão, Comissão/Scuola Elementare Maria Montessori e Comissão/Ferracci (C‑622/16 P a C‑624/16 P, EU:C:2018:873, n.o 48).


19      Acórdãos de 4 de junho de 2015, Andechser Molkerei Scheitz/Comissão (C‑682/13 P, EU:C:2015:356, n.o 25), e de 13 de julho de 2023, D & A Pharma/EMA (C‑136/22 P, EU:C:2023:572, n.os 43 e 44).


20      N.o 25 do acórdão recorrido. V., igualmente, Acórdãos de 4 de junho de 2015, Andechser Molkerei Scheitz/Comissão (C‑682/13 P, EU:C:2015:356, n.o 25); de 17 de setembro de 2015, Mory e o./Comissão (C‑33/14 P, EU:C:2015:609, n.o 55); e de 20 de dezembro de 2017, Binca Seafoods/Comissão (C‑268/16 P, EU:C:2017:1001, n.o 44).


21      Acórdão de 11 de maio de 2006, Sunrider/IHMI (C‑416/04 P, EU:C:2006:310, n.o 55), e Despacho de 30 de junho de 2010, Royal Appliance International/IHMI (C‑448/09 P, EU:C:2010:384, n.os 43 e 44).


22      Conclusões do advogado‑geral M. Wathelet no processo Nikolajeva (C‑280/15, EU:C:2016:293, n.o 44).


23      Acórdão de 22 de junho de 2016, Nikolajeva (C‑280/15, EU:C:2016:467, n.o 38).


24      V. n.os 70 e 71 das presentes conclusões.


25      Esta questão ainda não foi decidida pelo Tribunal de Justiça e é objeto do processo C‑337/22 P, EUIPO/Nowhere, pendente no Tribunal de Justiça.


26      Essa decisão pode ser, ela própria, objeto de um novo recurso de anulação, sem que possa ser posta em causa a sua admissibilidade, como admitiu o EUIPO na audiência.