Language of document : ECLI:EU:T:2016:369

ACÓRDÃO DO TRIBUNAL GERAL (Segunda Secção)

28 de junho de 2016 (*)

«Concorrência — Acordos, decisões e práticas concertadas — Mercados português e espanhol das telecomunicações — Cláusula de não concorrência no mercado ibérico inserida no contrato para a aquisição pela Telefónica da participação detida pela Portugal Telecom no operador brasileiro de telefonia móvel Vivo — Salvaguarda legal ‘na medida do permitido por lei’ — Infração por objeto — Restrição acessória — Autonomia do comportamento da recorrente — Concorrência potencial — Infração por efeitos — Cálculo do montante da coima — Requerimento de inquirição de testemunhas»

No processo T‑216/13,

Telefónica, SA, com sede em Madrid (Espanha), representada por J. Folguera Crespo, P. Vidal Martínez e E. Peinado Iríbar, advogados,

recorrente,

contra

Comissão Europeia, representada por C. Giolito e C. Urraca Caviedes, na qualidade de agentes,

recorrida,

que tem por objeto, a título principal, um pedido de anulação da Decisão C (2013) 306 final da Comissão, de 23 de janeiro de 2013, relativa a um procedimento nos termos do artigo 101.° TFUE (processo COMP/39.839 — Telefónica/Portugal Telecom), e, a título subsidiário, um pedido de redução do montante da coima,

O TRIBUNAL GERAL (Segunda Secção),

composto por: M. E. Martins Ribeiro (relatora), presidente, S. Gervasoni e L. Madise, juízes,

secretário: J. Palacio González, administrador principal,

vistos os autos e após a audiência de 19 de maio de 2015,

profere o presente

Acórdão

 Antecedentes do litígio

1        O presente litígio, que diz respeito à Decisão C (2013) 306 final da Comissão, de 23 de janeiro de 2013, relativa a um procedimento nos termos do artigo 101.° TFUE (processo COMP/39.839 — Telefónica/Portugal Telecom) (a seguir «decisão impugnada»), tem origem na disposição da cláusula 9.ª (a seguir «cláusula») do Acordo de Compra de Ações (a seguir «acordo»), assinado entre a recorrente, Telefónica, SA (a seguir «Telefónica»), e a Portugal Telecom, SGPS SA (a seguir «PT»), em 28 de julho de 2010, que tem por objeto o controlo exclusivo, pela Telefónica, do operador brasileiro de rede móvel Vivo Participações, SA (a seguir «Vivo»). A cláusula tem a seguinte redação (considerando 1 da decisão impugnada):

«9.ª — Não concorrência

Na medida do permitido por lei, as partes abster‑se‑ão de participar ou investir, direta ou indiretamente através de qualquer filial, em qualquer projeto no setor das telecomunicações (incluindo serviços de comunicações fixas ou móveis, serviços de acesso à Internet e serviços de televisão, mas excluindo qualquer investimento e atividade detidos ou realizados à data do presente acordo) que possa ser considerado como estando em concorrência com a outra parte no mercado ibérico, por um período com início na data [da conclusão definitiva da transação em 27 de setembro de 2010] e até 31 de dezembro de 2011.»

2        A Comissão Europeia considerou, de acordo com a sua conclusão preliminar da comunicação de objeções de 21 de outubro de 2011, que, à luz do conteúdo da cláusula e de outras circunstâncias (o contexto económico e jurídico em que se inseria e o comportamento efetivo das partes), a cláusula equivalia a um acordo de partilha de mercado com o objeto de restringir a concorrência no mercado interno, constituindo uma infração ao artigo 101.° TFUE (considerandos 2 e 434 da decisão impugnada).

I –  Apresentação da Telefónica e da PT

3        A Telefónica detinha o anterior monopólio das telecomunicações do Estado espanhol, que foi totalmente privatizado em 1997, e é o maior operador de telecomunicações em Espanha. A Telefónica desenvolveu uma presença internacional em diversos países da União Europeia, da América Latina e de África e é um dos maiores grupos europeus de telecomunicações (considerandos 12 e 16 da decisão impugnada).

4        À data da adoção da decisão objeto do presente litígio, a Telefónica detinha 2% do capital da PT. À data dos factos objeto da referida decisão, a Telefónica detinha uma participação minoritária na ZON Multimédia (a seguir «ZON»), uma sociedade concorrente da PT com atividades no setor das comunicações eletrónicas, resultante da cisão, realizada em novembro de 2007, da PT Multimédia da sua empresa‑mãe PT. Além das suas participações em sociedades portuguesas, a Telefónica começou a desenvolver uma presença direta em Portugal através de duas das suas filiais e da sucursal portuguesa de uma delas (considerandos 18 a 20 e 215 da decisão impugnada).

5        Além disso, a Telefónica designava, conforme a data, um ou dois membros do conselho de administração da PT. Na data da conclusão definitiva da transação de compra da Vivo, ou seja, 27 de setembro de 2010 (v. n.° 25, infra), existiam dois membros do conselho de administração da PT designados pela Telefónica (nota de pé de página n.° 67 da decisão impugnada).

6        O grupo Portugal Telecom foi constituído em 1994, através da fusão de três empresas públicas, e privatizado em cinco fases, entre 1995 e 2000. Na sequência da quinta e última fase de privatização, em 2000, o Estado português reteve 500 ações de categoria A (a seguir «ações privilegiadas»), que lhe conferiam certos direitos especiais, entre os quais o direito de veto relativamente a alterações dos estatutos da empresa e outras decisões empresariais importantes. Em 12 de dezembro de 2000, a Portugal Telecom, SA, adotou a estrutura de sociedade gestora de participações sociais e alterou a sua denominação para Portugal Telecom, SGPS SA (considerandos 21, 22 e 23 da decisão impugnada).

7        A PT é o maior operador de telecomunicações em Portugal e tem uma presença estratégica noutros países, nomeadamente no Brasil e na África subsariana. No Brasil, o principal ativo da PT consistia na participação de 50% na empresa comum que controla a Vivo, até à respetiva aquisição pela Telefónica. Na sequência da venda da sua participação na Vivo, em 28 de julho de 2010, a PT celebrou um acordo de parceria estratégica com a Oi, um dos principais fornecedores de serviços de comunicações eletrónicas no Brasil (considerandos 24 e 25 da decisão impugnada).

8        Em 2010, a PT vendeu a sua participação de 0,20% na Telefónica e não detém o controlo de nenhuma empresa espanhola. Fornece serviços de telecomunicações aos seus clientes multinacionais portugueses que desenvolvem atividades no mercado espanhol, utilizando as redes de outros operadores, em especial a rede da Telefónica (considerandos 27, 28 e 233 da decisão impugnada).

II –  Negociações e assinatura do acordo

9        A Vivo é um dos principais operadores de telecomunicações móveis do Brasil. Na data da assinatura do acordo, em 28 de julho de 2010, a Vivo era conjuntamente controlada pela Telefónica e pela PT, através da Brasilcel NV (a seguir «Brasilcel»), uma sociedade de investimento registada nos Países Baixos (considerando 33 da decisão impugnada).

10      Em 6 de maio de 2010, a Telefónica lançou uma oferta pública de aquisição hostil no valor de 5 700 milhões de euros sobre a participação de 50% então detida pela PT na Brasilcel. A referida oferta continha, designadamente, uma disposição segundo a qual «a Telefónica não exige nenhum compromisso em matéria de não concorrência ou de não angariação de clientes por parte da Portugal Telecom». Esta primeira oferta foi rejeitada por unanimidade pelos membros do conselho de administração da PT (considerandos 35 e 36 da decisão impugnada).

11      Em 1 de junho de 2010, às 02 h 53 m, na sequência de uma reunião entre as partes, que ocorreu em 31 de maio de 2010, a PT enviou à Telefónica uma mensagem de correio eletrónico com um projeto de segunda oferta para a compra da sua participação na Vivo. A cláusula foi introduzida pela primeira vez no referido projeto (considerando 38 da decisão impugnada).

12      O primeiro projeto da cláusula tinha a seguinte redação (considerando 39 da decisão impugnada):

«Não concorrência

As partes abster‑se‑ão de participar ou investir, direta ou indiretamente, através de qualquer filial, em qualquer projeto no setor das telecomunicações (incluindo serviços de comunicações fixas e móveis, serviços de acesso à Internet e serviços de televisão) que possa ser considerado como estando em concorrência com a outra parte no mercado ibérico, por um período com início na data de aceitação da oferta, até uma das seguintes datas, consoante a que for posterior (i) 31 de dezembro de 2011 ou (ii) a data de realização da transferência da última parcela da variante B das Put Shares.»

13      Numa mensagem de correio eletrónico enviada à PT em 1 de junho de 2010, às 12 h 21 m, a Telefónica sugeriu uma alteração à cláusula para acrescentar o membro de frase «excluindo qualquer investimento ou atividade detidos ou realizados à data do presente acordo», a fim de excluir do seu âmbito de aplicação as atividades então existentes das partes nos mercados nacionais uma da outra. Esta alteração foi incluída na segunda oferta, datada de 1 de junho de 2010 (considerando 40 da decisão impugnada).

14      Além do primeiro projeto da cláusula, a segunda oferta previa um aumento do preço no valor total de 6 500 milhões de euros, uma opção de compra a favor da PT, nos termos da qual esta podia readquirir as suas ações detidas pela Telefónica, e um compromisso por parte da Telefónica no sentido de comprar as ações que a PT detinha na sociedade Dedic SA, um operador brasileiro de centros de chamadas. Além disso, a segunda oferta incluía ainda o compromisso, por parte da Telefónica, de que não exigiria «nenhum compromisso em matéria de não concorrência ou de não angariação de clientes por parte da Portugal Telecom», que já tinha figurado na primeira oferta (considerandos 41 e 42 da decisão impugnada).

15      Na noite de 1 de junho de 2010, o conselho de administração da PT anunciou que considerava que a segunda oferta da Telefónica não refletia o valor real da Vivo. No entanto, decidiu apresentar a sua decisão à assembleia‑geral da empresa de 30 de junho de 2010 (considerando 45 da decisão impugnada).

16      A segunda oferta foi tornada pública pelas partes através da sua publicação nos respetivos sítios da Internet e da sua comunicação às autoridades reguladoras da bolsa de valores espanhola e portuguesa. Além disso, o conteúdo da cláusula incluída na segunda oferta foi também disponibilizado ao público através de uma brochura distribuída, em 9 de junho de 2010, pelo conselho de administração da PT aos seus acionistas, com vista à preparação da assembleia‑geral de acionistas prevista para 30 de junho de 2010 (considerandos 128 e 129 da decisão impugnada).

17      Em 29 de junho de 2010, a Telefónica apresentou uma terceira oferta no montante de 7 150 milhões de euros, sujeita, quanto ao restante, aos mesmos termos e condições da segunda oferta (considerando 46 da decisão impugnada).

18      Em 30 de junho de 2010, a assembleia‑geral da PT aprovou a terceira oferta apresentada pela Telefónica. No entanto, o Governo português exerceu o direito inerente às ações privilegiadas que detinha na PT (v. n.° 6, supra) para bloquear a transação, e a Telefónica prorrogou a terceira oferta até 16 de julho de 2010 (considerandos 47 e 48 da decisão impugnada).

19      No seu acórdão de 8 de julho de 2010, Comissão/Portugal (C‑171/08, Colet., EU:C:2010:412), o Tribunal de Justiça considerou que, ao manter na PT direitos especiais como os previstos nos estatutos da referida sociedade a favor do Estado e de outras entidades públicas, atribuídos em conexão com ações privilegiadas do Estado na PT, a República Portuguesa não tinha cumprido as obrigações que lhe incumbiam por força do artigo 56.° CE (considerando 50 da decisão impugnada).

20      Em 16 de julho de 2010, a PT solicitou à Telefónica que prorrogasse a sua oferta até 28 de julho de 2010, mas, como a Telefónica recusou, a oferta caducou (considerando 51 da decisão impugnada).

21      Em 27 de julho de 2010, teve lugar uma nova reunião entre a PT e a Telefónica, e a Telefónica propôs à PT, por um lado, a introdução da expressão «na medida do permitido por lei», no início da cláusula, e, por outro, a fixação da duração da cláusula «com início na data [da conclusão definitiva da transação em 27 de setembro de 2010] e até 31 de dezembro de 2011» (considerandos 52 e 53 da decisão impugnada).

22      Em 28 de julho de 2010, a Telefónica e a PT celebraram o acordo, que conferiu à Telefónica o controlo exclusivo da Vivo, através da aquisição de 50% do capital da Brasilcel, pelo montante de 7 500 milhões de euros (considerando 54 da decisão impugnada).

23      O acordo incluía, enquanto cláusula 9.ª, a seguinte disposição (considerando 55 da decisão impugnada):

«9.ª — Não concorrência

Na medida do permitido por lei, as partes abster‑se‑ão de participar ou investir, direta ou indiretamente através de qualquer filial, em qualquer projeto no setor das telecomunicações (incluindo serviços de comunicações fixas ou móveis, serviços de acesso à Internet e serviços de televisão, mas excluindo qualquer investimento ou atividade detidos ou realizados à data do presente acordo) que possa ser considerado como estando em concorrência com a outra parte no mercado ibérico, por um período com início na data de [conclusão definitiva da transação em 27 de setembro de 2010] e até 31 de dezembro de 2011.»

24      Contrariamente à segunda oferta (n.° 14, supra), o acordo já não previa a opção de compra a favor da PT, nos termos da qual esta podia readquirir as suas ações detidas pela Telefónica. Em contrapartida, o acordo previa, designadamente, em primeiro lugar, a demissão dos membros do conselho de administração da PT designados pela Telefónica (cláusula 3.ª, n.° 6, do acordo), em segundo lugar, um programa de parceria industrial entre as duas empresas (cláusula 6.ª do acordo), sob reserva de estas não concorrerem no Brasil (cláusula 7.ª do acordo), e, em terceiro lugar, a possível aquisição, por parte da Telefónica, da empresa brasileira Dedic, especializada na prestação de serviços de centros de chamadas (cláusula 10.ª do acordo) (considerandos 56 a 61 da decisão impugnada).

25      A transação foi finalizada em 27 de setembro de 2010, através da assinatura de uma «escritura de transferência de ações» e de uma «escritura de confirmação» (considerando 63 da decisão impugnada).

26      Na data da assinatura do acordo, em 28 de julho de 2010, a PT anunciou que tinha celebrado, na mesma data, um memorando de entendimento que estabelecia os princípios para o desenvolvimento de uma parceria estratégica com a Oi (v. n.° 7, supra) e que esperava adquirir uma participação de 22,38% no grupo Oi, de modo a desempenhar um papel importante na sua gestão (considerando 62 da decisão impugnada).

27      A transação da Vivo foi notificada, em 29 de julho e 18 de agosto de 2010, à Agência Nacional de Telecomunicações (Anatel) e ao Conselho Administrativo de Defesa Económica (CADE), e, num artigo publicado na imprensa em 23 de agosto de 2010, a Telefónica confirmou que o acordo incluía uma cláusula de não concorrência (considerandos 103, 130 e 491 da decisão impugnada).

III –  Factos supervenientes à celebração do acordo

28      Em 26 e 29 de outubro de 2010, realizaram‑se duas conferências telefónicas entre a Telefónica e a PT (considerandos 113 e 124 da decisão impugnada).

29      Em 4 de fevereiro de 2011, na sequência do início do procedimento pela Comissão em 19 de janeiro de 2011 (v. n.° 31, infra), a Telefónica e a PT assinaram um acordo com vista a suprimir a cláusula (considerando 125 da decisão impugnada), com a seguinte redação:

«Considerandos:

Considerando que a [PT] e a Telefónica concluíram um acordo (o ‘Acordo’), em 28 de julho de 2010 relativo à venda, pela [PT] à Telefónica, de 50% (cinquenta por cento) do capital social remanescente da empresa [neerlandesa] [Brasilcel] (‘Brasilcel’ ou a ‘empresa’).

Considerando que a cláusula 9.ª do Acordo incluía uma cláusula de não concorrência segundo a qual, na medida do permitido por lei, as partes se absteriam de entrar em concorrência uma com a outra no mercado ibérico, desde a Conclusão (tal como definida no Acordo), até 31 de dezembro de 2011.

Considerando que a cláusula 9.ª do Acordo foi inicialmente discutida entre as partes no contexto do direito da PT de comprar as participações da Telefónica na PT, tendo sido conservada no Acordo final apesar de o referido direito ter sido abandonado, sem prejuízo da sua conformidade com a lei.

Considerando que as partes desejam confirmar por escrito o seu entendimento de que a cláusula 9.ª não pode ser executada, e não foi, em momento algum, executada e, por conseguinte, não afetou as respetivas decisões comerciais.

Considerando que a Telefónica e a PT foram notificadas em 24 e 21 de janeiro de 2011, respetivamente, quanto ao início, pela Comissão Europeia, de um processo formal nos que se refere à referida cláusula 9.ª

À luz do que precede, as partes acordam o seguinte:

Primeiro. Alteração do acordo e retirada de direitos

O acordo é alterado mediante supressão integral da cláusula 9.ª, que será considerada como desprovida de conteúdo em qualquer momento.

As partes confirmam de forma irrevogável e a título definitivo que a cláusula 9.ª não conferiu e não pode ter conferido quaisquer direitos nem impôs nem pode ter imposto quaisquer obrigações a qualquer delas nem a qualquer terceiro.

Segundo. Direito aplicável

O presente Acordo e qualquer questão ou litígio com ele relacionados, ou relacionados com a sua execução ou com as consequências do seu incumprimento serão regidos e interpretados em conformidade com o direito português.»

IV –  Procedimento na Comissão

30      A cláusula foi detetada em setembro de 2010 pela Autoridade de Concorrência espanhola, que informou a Autoridade da Concorrência portuguesa e a Comissão da sua existência, tendo sido decidido confiar a investigação a esta última (considerando 3 da decisão impugnada).

31      Em 19 de janeiro de 2011, a Comissão deu início a um procedimento contra a Telefónica e a PT, nos termos do artigo 11.°, n.° 6, do Regulamento (CE) n.° 1/2003 do Conselho, de 16 de dezembro de 2002, relativo à execução das regras de concorrência estabelecidas nos artigos [101.° TFUE] e [102.° TFUE] (JO 2003, L 1, p. 1), e do artigo 2.°, n.° 1, do Regulamento (CE) n.° 773/2004 da Comissão, de 7 de abril de 2004, relativo à instrução de processos pela Comissão para efeitos dos artigos [101.° TFUE] e [102.° TFUE] (JO 2004, L 123, p. 18) (considerando 5 da decisão impugnada).

32      No âmbito da investigação, a Comissão enviou pedidos de informações às partes, nos termos do artigo 18.°, n.° 2, do Regulamento n.° 1/2003, em 5 de janeiro, 1 de abril, 25 de maio, 10 de junho e 24 de junho de 2011, bem como em 5 de setembro de 2012, e a alguns dos seus clientes multinacionais, em 20 de abril de 2011. Além disso, foram realizadas reuniões com a PT, em 17 de março e 8 de setembro de 2011 e em 27 de setembro de 2012, e com a Telefónica, em 21 de março e 7 de setembro de 2011 e em 27 de setembro de 2012 (considerando 6 da decisão impugnada).

33      Em 21 de outubro de 2011, a Comissão adotou uma comunicação de objeções; em 4 de novembro de 2011, foi concedido às partes acesso à documentação do procedimento; e, em 7 de novembro de 2011, as partes receberam os documentos correspondentes. Em 13 de janeiro de 2012, a Telefónica e a PT apresentaram as suas respostas à comunicação de objeções, mas não solicitaram a realização de uma audição oral (considerandos 7, 8 e 9 da decisão impugnada).

34      Em 23 de janeiro de 2013, a Comissão adotou a decisão impugnada.

 Decisão impugnada

35      A Comissão informou que o processo na origem da decisão impugnada dizia respeito à cláusula que figurava no acordo (n.os 1, 22 e 23, supra) (considerando 1 da decisão impugnada).

36      A Comissão explicou que tinha concluído, na comunicação de objeções, que, à luz do conteúdo da cláusula e de outras circunstâncias (o contexto económico e jurídico em que aquela se inseria e o comportamento efetivo das partes), a cláusula equivalia a um acordo de partilha de mercado com o objeto de restringir a concorrência no mercado interno, constituindo uma infração ao artigo 101.° TFUE, e que confirmava essa conclusão na decisão impugnada (considerando 2 da decisão impugnada).

37      Em primeiro lugar, a Comissão analisou os antecedentes de facto das negociações entre as partes que levaram à introdução da cláusula na versão final do acordo, os factos posteriores à assinatura do mesmo (v. n.os 10 a 29, supra) e os argumentos apresentados pelas partes relativamente aos referidos antecedentes e factos (considerandos 29 a 130 da decisão impugnada).

38      Em segundo lugar, a Comissão considerou, com respeito ao âmbito de aplicação da cláusula e aos mercados relevantes, que, atendendo à redação da cláusula (n.os 1 e 23, supra), esta abrangia qualquer projeto relativo a serviços de comunicações eletrónicas, desde que a outra parte prestasse ou pudesse prestar esse serviço. Consequentemente, como decorre da sua redação, a cláusula dizia respeito aos serviços de comunicações fixas e móveis, de acesso à Internet e de televisão, bem como aos serviços de radiodifusão que são considerados serviços de comunicações, apesar de não se encontrarem referidos na cláusula. Em contrapartida, a Comissão precisou que, nos termos da redação da cláusula, qualquer investimento ou atividade detidos ou realizados anteriormente à data de assinatura do acordo, a saber, 28 de julho de 2010, ficavam excluídos do âmbito de aplicação da cláusula (considerandos 132 a 136 e 185 da decisão impugnada).

39      A respeito deste último ponto, a Comissão observou que os serviços globais de telecomunicações e os serviços grossistas de transporte internacional estavam excluídos do âmbito de aplicação da cláusula, devido à presença de ambas as partes nos mercados dos referidos serviços na Península Ibérica à data da assinatura do acordo (considerandos 173, 174, 184 e 185 da decisão impugnada).

40      Relativamente ao âmbito geográfico da cláusula, a Comissão interpretou a expressão «mercado ibérico» como fazendo referência aos mercados espanhol e português. Tendo em conta as atividades comerciais das partes, que consistiam numa presença na maioria dos mercados das comunicações eletrónicas nos seus países de origem e numa presença reduzida ou mesmo inexistente no país de origem da outra parte (n.os 3 a 8, supra), a Comissão considerou que o âmbito de aplicação geográfico da cláusula correspondia a Portugal, para a Telefónica, e a Espanha, para a PT (considerandos 137 a 140 da decisão impugnada).

41      Por conseguinte, a Comissão concluiu que a cláusula abrangia todos os mercados de serviços de comunicações eletrónicas e de televisão em Espanha e Portugal, excetuando os mercados de serviços globais de telecomunicações e dos serviços grossistas de transporte internacional (considerando 185 da decisão impugnada).

42      Em terceiro lugar, segundo a Comissão, não há dúvida de que a cláusula constitui um acordo na aceção do artigo 101.°, n.° 1, TFUE, na medida em que se trata de um acordo escrito, celebrado e assinado pelas partes, cuja existência é incontestável, e que, além disso, a cláusula foi incluída na escritura pública celebrada perante notário, cujo preâmbulo refere que uma cópia do acordo foi anexada à escritura (considerando 237 da decisão impugnada).

43      Primeiro, à luz da jurisprudência relativa às restrições da concorrência por objeto, a Comissão considerou, após ter apreciado os argumentos das partes, que a cláusula constituía uma restrição por objeto atendendo ao conteúdo do acordo, aos objetivos prosseguidos pela cláusula, ao contexto económico e jurídico em que a cláusula se inseria, ao comportamento efetivo das partes e, por último, à intenção das mesmas (considerandos 238 a 242 e 243 a 356 da decisão impugnada).

44      A Comissão concluiu, assim, relativamente ao objeto da cláusula, que, tomando em consideração o âmbito de aplicação da cláusula, esta impedia a PT de entrar em quaisquer mercados das telecomunicações em Espanha e a Telefónica de expandir a sua limitada presença nos mercados das comunicações eletrónicas portugueses, durante o período de vigência da cláusula, pelo que, em vez de concorrerem entre si e de se comportarem como rivais, como seria de esperar num mercado aberto e concorrencial, a Telefónica e a PT acordaram deliberadamente em excluir ou limitar a concorrência nos respetivos mercados nacionais, consubstanciando, por conseguinte, a cláusula um acordo de partilha de mercados (considerando 353 da decisão impugnada).

45      A respeito deste último aspeto, a Comissão referiu que, além disso, a cláusula era suscetível de atrasar o processo de integração no mercado do setor das comunicações eletrónicas, uma vez que o processo de integração nesse mercado seria gravemente prejudicado se operadores históricos, como a Telefónica e a PT, pudessem reforçar o seu já muito forte poder de mercado, através de uma colusão, no sentido de proteger os seus mercados nacionais e de evitar a entrada de outros operadores nestes últimos (considerandos 354 e 355 da decisão impugnada).

46      Segundo, após ter recordado que, em conformidade com a jurisprudência, não era necessário tomar em consideração os efeitos concretos de um acordo se se demonstrasse que este constituía uma restrição da concorrência por objeto, o que, segundo a Comissão, sucedia no caso vertente, esta referiu, todavia, em resposta aos argumentos das partes, que, antes de mais, a cláusula tinha sido celebrada entre dois concorrentes, pelo que era suscetível de produzir efeitos anticoncorrenciais; que, em seguida, mesmo que se considerasse que a cláusula não era suscetível de produzir efeitos, tal não impediria que fosse considerada uma restrição por objeto, na medida em que, se um acordo tivesse por objeto a restrição da concorrência, era irrelevante, no que se refere à existência da infração, que o acordo tivesse ou não sido celebrado no interesse comercial de um dos participantes, sendo o facto de a cláusula, que tinha por objeto a restrição da concorrência, não ser suscetível de produzir quaisquer efeitos nos interesses comerciais da Telefónica ou da PT, por conseguinte, irrelevante; e que, por último, as partes não tinham apresentado elementos de prova de novas atividades em Espanha ou em Portugal que pudessem negar que a cláusula tivesse sido executada, o que não demonstrava por si só que a cláusula tenha sido executada, mas era um indício de que tal podia ter acontecido (considerandos 240 e 357 a 365 da decisão impugnada).

47      A Comissão considerou que havia que ter em conta que, no presente caso, não era necessário demonstrar os efeitos anticoncorrenciais, visto que o objetivo anticoncorrencial da cláusula tinha sido provado, e que, por conseguinte, não era necessário realizar uma apreciação pormenorizada de cada mercado das comunicações eletrónicas em causa e dos efeitos da cláusula no âmbito de cada um desses mercados (considerando 366 da decisão impugnada).

48      Terceiro, a Comissão referiu que a cláusula não podia ser apreciada como uma restrição acessória à transação da Vivo, visto que a cláusula era relativa ao mercado ibérico, ao passo que a transação da Vivo dizia respeito a um operador cuja atividade se limitava ao Brasil, e que a cláusula não podia ser considerada necessária à realização da transação (considerandos 367 a 433 da decisão impugnada).

49      A Comissão chegou à conclusão de que a cláusula impunha uma obrigação de não concorrência às partes e consubstanciava um acordo de partilha de mercados com o objetivo de restringir a concorrência no mercado interno, constituindo, assim, uma infração ao artigo 101.° TFUE, tendo em conta o conteúdo do acordo (e, em especial, a redação da cláusula, que deixava poucas — ou nenhumas — dúvidas quando ao seu caráter de não concorrência), o contexto económico e jurídico em que o acordo se inseria (ou seja, os mercados das comunicações eletrónicas, que estavam liberalizados) e o comportamento efetivo das partes (em especial, a revogação do acordo por sua iniciativa, apenas em 4 de fevereiro de 2011, na sequência do início do procedimento pela Comissão, em 19 de janeiro de 2011, e não na sequência das conferências telefónicas de outubro de 2010, como alegaram as partes) (considerando 434 da decisão impugnada).

50      Quarto, a Comissão precisou que a cláusula não preenchia os requisitos previstos no artigo 101.°, n.° 3, TFUE (considerandos 436 a 446 da decisão impugnada) e que era suscetível de afetar o comércio entre os Estados‑Membros (considerandos 447 a 453 da decisão impugnada).

51      Quinto, relativamente à duração da infração, a Comissão concluiu que esta correspondia ao período compreendido entre a data da conclusão definitiva da transação, ou seja, 27 de setembro de 2010 (v. n.° 25, supra), e a data da supressão da referida cláusula, ou seja, 4 de fevereiro de 2011 (v. n.° 29, supra) (considerandos 454 a 465 da decisão impugnada).

52      Sexto, quanto ao cálculo do montante das coimas, a Comissão aplicou, na decisão impugnada, as disposições das Orientações para o cálculo das coimas aplicadas por força do n.° 2, alínea a), do artigo 23.° do Regulamento n.° 1/2003 (JO 2006, C 210, p. 2, a seguir «orientações»).

53      Para determinar o montante de base da coima a aplicar, a Comissão teve em consideração o valor das vendas dos serviços abrangidos pela cláusula, conforme definidos na secção 5 da decisão impugnada (v. n.os 38 a 40, supra), e, designadamente, para cada parte, apenas o valor das suas próprias vendas no seu país de origem (considerandos 478 a 483 da decisão impugnada).

54      A Comissão também recordou que, em geral, tinha em conta as vendas realizadas pelas empresas durante o último ano completo da sua participação na infração, mas que, no caso em apreço, a infração tinha tido uma duração inferior a um ano e se encontrava dividida entre 2010 e 2011. Consequentemente, a Comissão utilizou as vendas das empresas em 2011, as quais eram inferiores às vendas realizadas pelas partes em 2010 (considerando 484 da decisão impugnada).

55      Quanto à gravidade da infração, que determina a percentagem do valor das vendas a tomar em consideração para a fixação do montante de base da coima, a Comissão recordou que a infração consistia num acordo de não concorrência e de repartição dos mercados espanhol e português das comunicações eletrónicas e da televisão e que a Telefónica e a PT eram os operadores históricos nos seus países respetivos. Além disso, a Comissão referiu que tomava em consideração o facto de as partes não terem mantido a cláusula secreta (v. n.os 16 e 27, supra). Atendendo a estes elementos, a Comissão entendeu que a percentagem do valor das vendas a tomar em consideração devia ser de 2% para as duas empresas em causa (considerandos 489 a 491 e 493 da decisão impugnada).

56      No que se refere à duração da infração, a Comissão tomou em consideração o facto de a mesma se ter prolongado entre 27 de setembro de 2010 (data da escritura pública e, por conseguinte, da conclusão definitiva da transação) e 4 de fevereiro de 2011 (data do acordo através do qual as partes puseram termo à cláusula) (considerando 492 da decisão impugnada).

57      A Comissão considerou que não existiam circunstâncias agravantes e que a data de revogação da cláusula — 4 de fevereiro de 2011 — constituía uma circunstância atenuante tendo em conta o facto de que a mesma ocorreu apenas 16 dias após o início do procedimento e 30 dias após o envio do primeiro pedido de informações às partes. Por outro lado, uma vez que a cláusula não era secreta, a Comissão considerou que o montante de base da coima a aplicar às partes devia ser reduzido em 20% (considerandos 496, 500 e 501 da decisão impugnada).

58      O montante final das coimas ascendia a 66 894 000 euros para a Telefónica e a 12 290 000 euros para a PT (considerando 512 da decisão impugnada). A Comissão esclareceu que este montante não excedia 10% do volume de negócios total de nenhuma das empresas em causa (considerandos 510 e 511 da decisão impugnada).

59      O dispositivo da decisão impugnada tem a seguinte redação:

«Artigo 1.°

A [Telefónica] e a [PT] cometeram uma infração ao artigo 101.° [TFUE] ao serem partes num acordo de não concorrência constante da cláusula 9.ª no Acordo de Compra de Ações celebrado por estas empresas em 28 de julho de 2010.

A infração prolongou‑se de 27 de setembro de 2010 até 4 de fevereiro de 2011.

Artigo 2.°

Relativamente à infração referida no artigo 1.°, são aplicadas as seguintes coimas:

a)      [Telefónica]: 66 894 000 EUR

b)      [PT]: 12 290 000 EUR

[…]»

 Tramitação processual e pedidos das partes

60      Por petição entrada na Secretaria do Tribunal Geral em 9 de abril de 2013, a recorrente interpôs o presente recurso.

61      Com base no relatório do juiz‑relator, o Tribunal Geral (Segunda Secção) decidiu dar início à fase oral e, no âmbito das medidas de organização do processo previstas no artigo 64.° do Regulamento de Processo do Tribunal Geral de 2 de maio de 1991, colocou por escrito uma questão à Comissão, para resposta na audiência.

62      Em 31 de março de 2015, a recorrente apresentou um requerimento de inquirição de testemunhas, reiterando então o pedido de inquirição de testemunhas apresentado na petição inicial como «pedido suplementar». Em 24 de abril de 2015, a Comissão apresentou as suas observações sobre o referido requerimento.

63      Foram ouvidas as alegações das partes e as suas respostas às questões orais e à questão escrita colocadas pelo Tribunal Geral na audiência de 19 de maio de 2015.

64      A recorrente conclui pedindo que o Tribunal Geral se digne:

–        anular os artigos 1.° e 2.° da decisão impugnada na parte em que lhe dizem respeito;

–        a título subsidiário, declarar a nulidade parcial do artigo 2.° da decisão impugnada e reduzir o montante da sanção aplicada, «pelas razões expostas no presente articulado ou por outras razões que o Tribunal Geral possa ter em conta»;

–        condenar a Comissão nas despesas por si efetuadas no presente processo.

65      A Comissão conclui pedindo que o Tribunal Geral se digne:

–        negar provimento ao recurso;

–        condenar a recorrente nas despesas.

66      Na audiência, a recorrente esclareceu que, com a menção «declarar a nulidade parcial do artigo 2.° da decisão impugnada», que figura no seu segundo pedido, pedia a anulação parcial da decisão impugnada. Além disso, indicou que se limitava a pedir a referida anulação parcial pelas razões invocadas na petição, correspondendo a fórmula «ou por outras razões que o Tribunal Geral possa ter em conta» a uma fórmula habitual em direito espanhol.

 Questão de direito

I –  Quanto à admissibilidade

67      A título preliminar, a Comissão contesta a admissibilidade de determinados anexos da petição inicial, enquanto a recorrente contesta a admissibilidade das remissões feitas pela Comissão nos seus articulados para o recurso paralelo interposto pela PT contra a decisão impugnada no processo T‑208/13, Portugal Telecom/Comissão.

A –  Quanto à admissibilidade de alguns anexos da petição

68      A Comissão alega que alguns dos anexos juntos pela recorrente ao seu recurso não foram fornecidos durante o procedimento administrativo e devem, por conseguinte, ser declarados inadmissíveis. Este é o caso dos anexos A.25, A.37, A.55, A.56, A.57, A.58, A.59, A.60, A.61, A.62, A.63, A.65, A.67, A.69, A.70, A.71, A.72, A.74, A.75, A.76, A.77, A.78, A.79, A.80, A.81, A.82 e A.83, bem como dos artigos de imprensa enumerados no anexo A.70 que ainda não figuravam no procedimento administrativo, a saber, os anexos A.19, A.28, A.41, A.44, A.45, A.46, A.47, A.48, A.49, A.51 e A.53 e de partes dos anexos A.9, A.11, A.12, A.13, A.14, A.16, A.18, A.20, A.21, A.22, A.23, A.27, A.29, A.30, A.38, A.39, A.40, A.43 e A.52.

69      No que se refere aos anexos apresentados em apoio dos fundamentos que contestam o apuramento da infração, a Comissão sustenta que são inadmissíveis porque a legalidade de um ato da União deve ser apreciada em função dos elementos de facto e de direito existentes à data em que o ato foi adotado. Além disso, segundo a Comissão, o exame da legalidade de uma decisão deve, em princípio, ser feito com base nos elementos de facto e de direito mencionados pelas partes durante o procedimento administrativo.

70      Relativamente aos anexos apresentados em apoio dos fundamentos que contestam o montante da coima, a Comissão alega que, embora seja verdade que o Tribunal Geral pode, por força da sua competência de plena jurisdição, no momento da apreciação do montante da coima, tomar em consideração elementos complementares de informação que não foram mencionados na decisão impugnada, à luz do princípio da segurança jurídica, esta possibilidade deve, em princípio, limitar‑se à tomada em conta de elementos de informação anteriores à referida decisão que ela teria podido conhecer no momento da adoção desta. Ora, esse não é o caso dos anexos A.76 (um relatório de 4 de abril de 2013), A.77, A.80, A.81 (um relatório e documentos de 5 de abril de 2013) e, por último, A.82 (um documento de 8 de abril de 2013).

71      Por último, relativamente aos relatórios jurídicos, a saber, os anexos A.69 e A.76, a Comissão afirma que os elementos de direito contidos nestes últimos deveriam figurar no próprio texto dos articulados da recorrente ou, pelo menos, estar suficientemente identificados nesses articulados. Quanto aos relatórios económicos, a saber, os anexos A.75 e A.77, resulta da jurisprudência que estes não são pertinentes no caso de acordos cujo objeto restritivo foi demonstrado de forma incontestável.

72      Todavia, na audiência, a Comissão precisou que os relatórios jurídicos não eram inadmissíveis se as questões de direito que esses relatórios era suposto ilustrar estivessem identificados com suficiente precisão nos articulados e admitiu, em resposta a uma questão do Tribunal Geral, que era esse o caso em apreço, uma vez que a recorrente se referia a pontos bastante precisos dos relatórios em causa em apoio de elementos claramente identificados da sua argumentação nos pontos 78, 83, 85, 90, 94 e na nota de pé de página n.° 167 da petição. Além disso, a Comissão indicou que não invocava a jurisprudência segundo a qual os relatórios económicos não são pertinentes no caso de acordos cujo objeto restritivo foi demonstrado de forma incontestável para impugnar a admissibilidade dos referidos relatórios, mas para alegar que não deviam ser tidos em conta na análise de mérito da infração.

73      Segundo a recorrente, a Comissão fez uma interpretação incorreta da jurisprudência: só são considerados inadmissíveis os elementos de facto ou de direito posteriores à data da adoção da decisão, o que não é o caso dos anexos que a Comissão tenta afastar, que dizem respeito a circunstâncias anteriores à decisão. Além disso, os relatórios económicos e jurídicos especialmente preparados para contestar a decisão também são admissíveis.

74      Há que distinguir, de entre os anexos cuja admissibilidade é contestada, por um lado, os que são apresentados no âmbito da contestação do apuramento da infração e, por outro, o que são apresentados no âmbito da contestação do montante da coima.

75      Em primeiro lugar, importa fazer algumas observações. Primeiro, entre os anexos cuja admissibilidade é contestada, os seguintes foram apresentados para contestar o apuramento da infração: os anexos A.25, A.37, A.55, A.56, A.57, A.58, A.59, A.60, A.61, A.62, A.63, A.65, A.67, A.69, A.70, A.71, A.72, A.74, A.75, A.76, A.77, A.78 e A.79, bem como os artigos de imprensa referidos no anexo A.70.

76      Segundo, antes de mais, há que observar que os anexos A.56 (um quadro recapitulativo com os dados de contacto dos assessores e representantes da Telefónica e da PT durante a negociação da transação), A.69 (um parecer de direito português de M. P.), A.70 (um quadro recapitulativo dos artigos de imprensa citados no recurso), A.71 [uma certidão emitida pela Ordem dos Advogados de Madrid (Espanha) relativa às sanções disciplinares], A.75 (um relatório da PWC), A.76 (um relatório relativo ao direito brasileiro redigido por D. W. C. A.) e A.77 (um relatório da S. & R.) foram elaborados especificamente com vista à contestação da decisão impugnada. Ora, resulta da sua argumentação no âmbito da tréplica que a Comissão não contesta a admissibilidade dos elementos de prova posteriores à decisão impugnada, mas constituídos especificamente com o objetivo de impugnar ou defender essa decisão.

77      Em seguida, como a própria recorrente admitiu na audiência, a Comissão também não pode contestar a admissibilidade dos relatórios jurídicos elaborados especificamente para contestar a decisão impugnada, a saber, os anexos A.69 (um parecer de direito português de M. P.) e A.76 (um relatório relativo ao direito brasileiro redigido por D. W. C. A.), baseando‑se em que, na medida em que os anexos contêm elementos de direito em que assentam determinados fundamentos articulados na petição, esses elementos devem figurar no próprio texto do articulado ao qual esses anexos são juntos ou, pelo menos, estar suficientemente identificados nesse articulado. Com efeito, no caso em apreço, os elementos de direito que figuram nos relatórios jurídicos estão suficientemente identificados nos articulados da recorrente (v. n.° 72, supra). Nestas condições, os anexos A.69 e A.76 devem ser declarados admissíveis.

78      Por último, o mesmo sucede, como a Comissão admitiu igualmente na audiência (v. n.° 72, supra), com os relatórios económicos elaborados especificamente para contestar a decisão impugnada, a saber, os anexos A.75 (um relatório da PWC) e A.77 (um relatório da S. & R.), uma vez que a questão da pertinência desses relatórios no caso de acordos cujo objeto restritivo foi demonstrado de forma incontestável, suscitada pela Comissão, diz manifestamente respeito ao mérito do litígio, pelo que a eventual resposta a esta questão não pode ser decisiva para a admissibilidade dos anexos.

79      Terceiro, a fim de determinar com precisão os restantes anexos, apresentados com vista à contestação do apuramento da infração, cuja admissibilidade é contestada pela Comissão com o fundamento de não terem sido apresentadas durante o procedimento administrativo, importa observar que a Comissão alega que alguns desses anexos (v. n.° 75, supra) são, no todo ou em parte, complementares relativamente aos elementos apresentados durante o procedimento administrativo, sem ser contraditada pela recorrente quanto a este ponto.

80      Para determinar com precisão os anexos ou as partes de anexos que se encontram, neste caso, entre os anexos apresentadas no âmbito da contestação da legalidade da decisão impugnada cuja inadmissibilidade é suscitada pela Comissão, e excetuando os elaborados especificamente para pôr em causa a decisão impugnada (v. n.° 76, supra), há que distinguir, por um lado, os artigos de imprensa enumerados no anexo A.70 e, por outro, os outros anexos apresentados no âmbito da contestação do apuramento da infração cuja inadmissibilidade é invocada pela Comissão.

81      No que se refere, por um lado, aos artigos de imprensa enumerados no anexo A.70, a saber, os anexos A.8, A.9, A.10, A.11, A.12, A.13, A.14, A.16, A.17, A.18, A.19, A.20, A.21, A.22, A.23, A.24, A.26, A.27, A.28, A.29, A.30, A.35, A.36, A.38, A.39, A.40, A.41, A.43, A.44, A.45, A.46, A.47, A.48, A.49, A.51, A.52, A.53 e A.54, importa observar que a Comissão admitiu, na audiência, que o anexo A.70 indicava corretamente quais desses anexos figuravam já, no todo ou em parte, nos autos e quais eram complementares, o que ficou registado na ata da audiência. Daqui resulta que há que considerar que a totalidade dos anexos A.8, A.10, A.17, A.24, A.26, A.35, A.36, A.54, bem como as partes, identificadas como já figurando nos autos, dos anexos A.9, A.11, A.12, A.13, A.14, A.16, A.18, A.20, A.21, A.22, A.23, A.27, A.29, A.30, A.38, A.39, A.40, A.43 e A.52 já constavam do dossier administrativo do presente processo, pelo que a sua admissibilidade não é contestada. Em contrapartida, os anexos A.19, A.28, A.41, A.44, A.45, A.46, A.47, A.48, A.49, A.51 e A.53, bem como as partes identificadas como complementares dos anexos A.9, A.11, A.12, A.13, A.14, A.16, A.18, A.20, A.21, A.22, A.23, A.27, A.29, A.30, A.38, A.39, A.40, A.43 e A.52, não foram apresentados durante o procedimento administrativo, pelo que a sua admissibilidade é contestada.

82      No que respeita, por outro lado, aos restantes anexos apresentados em apoio da contestação da legalidade da decisão impugnada cuja inadmissibilidade é invocada pela Comissão (v. n.° 75, supra), e excetuando os elaborados especificamente para pôr em causa a decisão impugnada (v. n.° 76, supra), a saber, os anexos A.25, A.37, A.55, A.57, A.58, A.59, A.60, A.61, A.62, A.63, A.65, A.67, A.72, A.74, A.78 e A.79, resulta dos autos que só aqueles de entre estes anexos que contêm uma correspondência cuja autenticidade foi atestada por notário, com exceção do anexo A.58, a saber, os anexos A.55, A.57, A.60, A.61, A.62, A.63, A.65 e A.67, bem como o anexo A.37, contêm partes que já figuravam no dossier administrativo.

83      A este respeito, antes de mais, há que referir que a Comissão afirma, na nota de pé de página n.° 11 da contestação, que os atos notariais incluídos como anexos A.25, A.55, A.57, A.60, A.61, A.62, A.63, A.65 e A.67 são, por vezes, acompanhados de uma correspondência que já constava do dossier administrativo, como é o caso, por exemplo, do anexo A.65. Esta afirmação é confirmada pela recorrente, que responde na nota de pé de página n.° 6 da réplica que os anexos A.55 a A.63, A.65 e A.67 contêm trocas de correspondência entre as partes durante as negociações que figuravam no dossier administrativo, mas cuja data está agora atestada por notário, bem como outras trocas de correspondência que reforçam a prova de um facto que a Comissão já conhecia, a saber, a participação do Governo português nas referidas negociações. Resulta destas afirmações que, quando os anexos assim mencionados pelas partes contêm correspondência, esta já figurava no dossier administrativo, pelo que a sua admissibilidade não é contestada, enquanto os atos notariais que a acompanham são complementares, pelo que a sua admissibilidade é contestada.

84      Em seguida, importa referir que os anexos A.25 e A.59 não contêm correspondência, mas, por um lado, um ato notarial das contas anuais da PT e da C.G.D. e, por outro lado, excertos do Diário da República relativos à nomeação e à cessação de funções do chefe de gabinete do Primeiro‑Ministro português; que a própria recorrente reconheceu que não tinha apresentado o anexo A.58 durante o processo administrativo; e, por último, que o anexo A.37 já figurava no processo da Comissão, uma vez que a PT o tinha junto à sua resposta à comunicação de objeções.

85      Por último, deve deduzir‑se da leitura conjugada das notas de rodapé n.° 11 da contestação e n.° 6 da réplica (n.° 83, supra) e das constatações feitas no número anterior que o anexo A.37 e as correspondências que figuram nos anexos A.55, A.57, A.60, A.61, A.62, A.63, A.65 e A.67 já figuravam nos autos, pelo que a sua admissibilidade não é contestada. Em contrapartida, os atos notariais que figuram nesses anexos, bem como os anexos A.25, A.58, A.59, A.72, A.74, A.78 e A.79 não foram apresentados durante o procedimento administrativo, pelo que a sua admissibilidade é contestada.

86      Resulta de todas as considerações precedentes que, entre os anexos apresentados com vista à contestação do apuramento da infração, só é contestada a admissibilidade dos anexos seguintes: trata‑se, em primeiro lugar, dos anexos A.25, A.58, A.59, A.72, A.74, A.78 e A.79, em segundo lugar, dos atos notariais constantes dos anexos A.55, A.57, A.60, A.61, A.62, A.63, A.65 e A.67 e, em terceiro lugar, de entre os artigos de imprensa, dos anexos A.19, A.28, A.41, A.44, A.45, A.46, A.47, A.48, A.49, A.51 e A.53, bem como de partes dos anexos A.9, A.11, A.12, A.13, A.14, A.16, A.18, A.20, A.21, A.22, A.23, A.27, A.29, A.30, A.38, A.39, A.40, A.43 e A.52 que são identificados como complementares no quadro que figura no anexo A.70.

87      No que respeita à admissibilidade destes anexos, há que recordar que, como o Tribunal de Justiça já teve oportunidade de esclarecer em múltiplas ocasiões, o âmbito da fiscalização da legalidade prevista no artigo 263.° TFUE abrange todos os elementos das decisões da Comissão relativas aos processos de aplicação dos artigos 101.° TFUE e 102.° TFUE de que o Tribunal Geral garante uma fiscalização aprofundada, tanto de direito como de facto, à luz dos fundamentos invocados pelos recorrentes (v., neste sentido, acórdãos de 8 de dezembro de 2011, KME Germany e o./Comissão, C‑272/09 P, Colet., EU:C:2011:810, n.os 102 e 109, e Chalkor/Comissão, C‑386/10 P, Colet., EU:C:2011:815, n.os 62 e 82, e de 10 de julho de 2014, Telefónica e Telefónica de España/Comissão, C‑295/12 P, Colet., EU:C:2014:2062, n.os 56 e 59) e tendo em conta o conjunto dos elementos submetidos por estes últimos, quer sejam anteriores ou posteriores à decisão empresa, independentemente de terem sido previamente apresentados no âmbito do procedimento administrativo ou, pela primeira vez, no âmbito do recurso que o Tribunal Geral é chamado a conhecer, na medida em que estes últimos elementos sejam pertinentes para a fiscalização da legalidade da decisão da Comissão (v., neste sentido, acórdão de 1 de julho de 2010, Knauf Gips/Comissão, C‑407/08 P, Colet., EU:C:2010:389, n.os 87 a 92), recordando‑se, no entanto, que os órgãos jurisdicionais da União não podem, no âmbito da fiscalização da legalidade prevista no artigo 263.° TFUE, substituir pela sua própria fundamentação a do autor do ato em causa (v., neste sentido, acórdão de 24 de janeiro de 2013, Frucona Košice/Comissão, C‑73/11 P, Colet., EU:C:2013:32, n.° 89 e jurisprudência aí referida).

88      Daqui decorre que a exceção de inadmissibilidade aduzida pela Comissão a respeito dos anexos apresentados com vista à contestação do apuramento da infração e identificados no n.° 86, supra, deve ser rejeitada e que esses anexos devem ser declarados admissíveis.

89      Em segundo lugar, importa observar, no que se refere aos anexos apresentados para efeitos do pedido de redução do montante da coima cuja admissibilidade é contestada e com exceção dos anexos A.75 e A.77, que foram igualmente apresentados no âmbito da contestação da legalidade da decisão impugnada e que já foram declarados admissíveis (v. n.os 76 e 78, supra), a saber, os anexos A.80, A.81, A.82 e A.83, que foi declarado que o Tribunal Geral era competente para apreciar, no âmbito do poder de plena jurisdição, o caráter adequado do montante das coimas e que esta apreciação podia justificar a apresentação e a tomada em consideração de elementos complementares de informação que não foram mencionados na decisão impugnada (acórdãos de 16 de novembro de 2000, SCA Holding/Comissão, C‑297/98 P, Colet., EU:C:2000:633, n.os 53 a 55, e de 9 de julho de 2003, Cheil Jedang/Comissão, T‑220/00, Colet., EU:T:2003:193, n.° 100). Daqui se conclui que a admissibilidade dos anexos apresentados com vista à redução do montante da coima aplicada à recorrente não pode ser contestada pelo facto de que estes elementos não tinham ainda sido apresentados durante o procedimento administrativo.

90      Resulta do que precede que a exceção de inadmissibilidade aduzida pela Comissão deve ser rejeitada e que os anexos apresentados pela recorrente são admissíveis na sua totalidade.

B –  Quanto à admissibilidade das remissões para o recurso paralelo da PT contra a decisão impugnada

91      A recorrente alega que, ao fazer referência, nos n.os 10, 39, 67 e 75 da contestação, ao recurso paralelo interposto pela PT contra a decisão impugnada, a Comissão ignora o princípio fundamental do contraditório e viola os seus direitos de defesa. A Comissão não pode invocar argumentos suscitados por um terceiro num processo distinto, uma vez que a recorrente não teve acesso aos textos em causa e não se pode defender contra os argumentos que os mesmos contêm. Além disso, não se pode excluir que a Comissão faz uma interpretação enviesada e interessada das afirmações da PT, como já tinha feito no procedimento administrativo. Por último, a Comissão é parcial na medida em que só refere os argumentos da PT que apoiam a sua tese de acusação, sem citar os pontos, cuja existência se presume, em que as partes coincidem.

92      A Comissão sustenta que, na medida em que faz referência, nos seus articulados, a afirmações da PT, a recorrente pode contestá‑las, de modo que não pode haver violação dos direitos de defesa. Na audiência, a Comissão precisou que as citações dos articulados da PT não faziam mais do que recuperar elementos já apresentados durante o procedimento administrativo e que, de qualquer forma, só se referia a esses articulados a título exemplificativo.

93      Em todo o caso, há que salientar que resulta da jurisprudência que, para satisfazer as exigências relacionadas com o direito a um processo equitativo, é necessário que as partes tenham conhecimento e possam debater em contraditório tanto os elementos de facto como os elementos de direito que sejam determinantes para a decisão da causa (acórdão de 2 de dezembro de 2009, Comissão/Irlanda e o., C‑89/08 P, Colet., EU:C:2009:742, n.° 56).

94      Embora seja verdade que a recorrente pôde tomar conhecimento dos elementos apresentados pela Comissão na sua contestação e que pôde expor o seu ponto de vista relativamente a esses elementos na réplica e exprimir‑se, na audiência, relativamente aos elementos apresentados pela Comissão na tréplica, não deixa de ser verdade que, ao não ter acesso ao texto dos articulados da PT citado pela Comissão, a recorrente não pôde verificar a materialidade das citações nas quais esta instituição se baseava nem o contexto em que foram formuladas. Ora, a recorrente alega que não se pode excluir que a Comissão cite de forma seletiva e interprete de forma enviesada os excertos do articulado da PT.

95      Resulta do que precede que as remissões para os articulados da PT no processo paralelo efetuadas pela Comissão são inadmissíveis.

II –  Quanto ao mérito

96      Em apoio do seu recurso, a recorrente invoca oito fundamentos, dos quais os cinco primeiros visam a anulação da decisão impugnada, enquanto os três últimos visam a redução do montante da coima que lhe foi aplicada. O primeiro fundamento é relativo à violação do artigo 101.° TFUE, devido à aplicação, incorreta, à cláusula da jurisprudência relativa às restrições por objeto, e à violação dos princípios da presunção de inocência, do ónus da prova e in dubio pro reo. O segundo fundamento é relativo à violação do artigo 101.° TFUE em razão de um erro manifesto de apreciação dos factos e à violação do princípio de apreciação conjunta das provas relativas ao contexto, ao comportamento das partes e à finalidade da cláusula. O terceiro fundamento é relativo à violação dos princípios do ónus da prova e da boa administração, dos direitos de defesa e da presunção de inocência relativamente à prova da intervenção do Governo português nas negociações da transação e da cláusula em especial. O quarto fundamento é relativo à violação do artigo 101.° TFUE, a uma fundamentação insuficiente e à apreciação incorreta da aptidão da prática para restringir a concorrência. O quinto fundamento é relativo à violação do artigo 101.° TFUE, na medida em que a cláusula não é uma restrição por efeito, e à violação das regras sobre o ónus da prova e do princípio in dubio pro reo. O sexto fundamento é relativo a um erro manifesto no cálculo do valor inicial das vendas da Telefónica para determinar o montante de base da coima e à violação dos princípios da proporcionalidade e da fundamentação. O sétimo fundamento é relativo a um erro manifesto no cálculo do montante de base da coima em função da gravidade e à violação do princípio da proporcionalidade. Por último, o oitavo fundamento é relativo à violação do artigo 101.° TFUE e do princípio da proporcionalidade e a um erro manifesto devido à não admissão de outras circunstâncias atenuantes.

A –  Quanto aos pedidos relativos à anulação da decisão impugnada

1.     Quanto aos três primeiros fundamentos, relativos, em substância, à violação do artigo 101.° TFUE, na medida em que a cláusula não constitui uma restrição da concorrência por objeto

97      Com os seus três primeiros fundamentos, que importa examinar em conjunto, a recorrente contesta a conclusão da Comissão segundo a qual a cláusula constitui uma restrição da concorrência por objeto. A recorrente censura a Comissão por ter considerado a cláusula um acordo de não concorrência independente da transação da Vivo e por ter entendido que a expressão «na medida do permitido por lei» não tinha nenhuma finalidade útil e só tinha sido introduzida para fins puramente estéticos, para dissimular uma restrição da concorrência. Ora, segundo a recorrente, é impossível apreender a cláusula independentemente da transação da Vivo e do processo de negociação do acordo relativo à mesma, caracterizado pela intervenção permanente do Governo português, que pretendia garantir, através da cláusula, designadamente, a continuidade da PT enquanto empresa líder independente no mercado português. Nestas condições, a cláusula foi um elemento indispensável para viabilizar a transação e a salvaguarda legal «na medida do permitido por lei» transformou a obrigação de não concorrência inicialmente prevista numa obrigação de autoavaliação relativa à legalidade e ao âmbito de aplicação de uma restrição acessória à transação em causa sob a forma de um compromisso de não‑concorrência.

a)     Observações preliminares

98      Há que recordar que o conceito de acordo na aceção do artigo 101.°, n.° 1, TFUE resulta da expressão, por parte das empresas participantes, da vontade comum de se comportarem no mercado de uma forma determinada (v., no que se refere ao artigo 81.°, n.° 1, CE, acórdão de 8 de julho de 1999, Comissão/Anic Partecipazioni, C‑49/92 P, Colet., EU:C:1999:356, n.° 130; no que se refere ao artigo 65.°, n.° 1, CA, acórdão de 11 de março de 1999, Thyssen Stahl/Comissão, T‑141/94, Colet., EU:T:1999:48, n.° 262). Por conseguinte, este conceito baseia‑se na existência de uma concordância de vontades entre duas partes pelo menos, cuja forma de manifestação não é importante desde que constitua a expressão fiel das mesmas (acórdãos de 26 de outubro de 2000, Bayer/Comissão, T‑41/96, Colet., EU:T:2000:242, n.° 69; e de 19 de maio de 2010, IMI e o./Comissão, T‑18/05, Colet., EU:T:2010:202, n.° 88).

99      Além disso, importa recordar que, para ser abrangido pela proibição enunciada no artigo 101.°, n.° 1, TFUE, um acordo, uma decisão de associação de empresas ou uma prática concertada deve ter «por objetivo ou efeito» impedir, restringir ou falsear a concorrência no mercado interno.

100    A este respeito, resulta da jurisprudência do Tribunal de Justiça que determinadas formas de coordenação entre empresas revelam um grau suficiente de nocividade para a concorrência para que se possa considerar que não há que examinar os seus efeitos (v. acórdão de 11 de setembro de 2014, CB/Comissão, C‑67/13 P, Colet., EU:C:2014:22.04, n.° 49 e jurisprudência aí referida).

101    Esta jurisprudência tem em conta o facto de determinadas formas de coordenação entre empresas poderem ser consideradas, pela sua própria natureza, prejudiciais ao bom funcionamento do jogo da concorrência (v. acórdão CB/Comissão, n.° 100, supra, EU:C:2014:2204, n.° 50 e jurisprudência aí referida).

102    Assim, é pacífico que determinados comportamentos colusórios, como os que levam à fixação horizontal dos preços por cartéis, podem ser considerados de tal modo suscetíveis de terem efeitos negativos, em especial, sobre o preço, a quantidade ou a qualidade dos produtos e dos serviços que se pode considerar inútil, para efeitos de aplicação do artigo 101.°, n.° 1, TFUE, demonstrar que produzem efeitos concretos no mercado. Com efeito, a experiência mostra que esses comportamentos provocam reduções de produção e subidas de preços, conduzindo a uma má repartição dos recursos em prejuízo, especialmente, dos consumidores (v. acórdão CB/Comissão, n.° 100, supra, EU:C:2014:2204, n.° 51 e jurisprudência aí referida).

103    Se a análise de um tipo de coordenação entre empresas não apresentar um grau suficiente de nocividade para a concorrência, há que examinar, em contrapartida, os seus efeitos e, para que a mesma possa ser objeto da proibição, exigir que estejam reunidos os elementos que determinam que a concorrência foi de facto impedida, restringida ou falseada de forma sensível (v. acórdão CB/Comissão, n.° 100, supra, EU:C:2014:2204, n.° 52 e jurisprudência aí referida).

104    Segundo a jurisprudência do Tribunal de Justiça, a fim de apreciar se um acordo entre empresas ou uma associação de empresas apresenta um grau suficiente de nocividade para ser considerado uma restrição da concorrência por objeto na aceção do artigo 101.°, n.° 1, TFUE, deve atender‑se ao teor das suas disposições, aos objetivos que visa atingir, bem como ao contexto económico e jurídico em que o mesmo se insere. No âmbito da apreciação do referido contexto, há também que tomar em consideração a natureza dos bens ou dos serviços afetados e as condições reais do funcionamento e da estrutura do mercado ou dos mercados em causa (v. acórdão CB/Comissão, n.° 100, supra, EU:C:2014:2204, n.° 53 e jurisprudência aí referida).

105    Além disso, embora a intenção das partes não seja um elemento necessário para determinar o caráter restritivo de um acordo entre empresas, nada impede que as autoridades da concorrência ou os órgãos jurisdicionais nacionais e da União a tenham em conta (v. acórdão CB/Comissão, n.° 100, supra, EU:C:2014:2204, n.° 54 e jurisprudência aí referida).

106    É à luz desta jurisprudência que há que examinar se, no caso em apreço, foi com razão que a Comissão concluiu que, atendendo ao conteúdo da cláusula e às circunstâncias (o contexto económico e jurídico em que se insere e o comportamento das partes), a cláusula equivalia a um acordo de partilha de mercados com o objetivo de restringir a concorrência no mercado interno, em violação do artigo 101.° TFUE (considerandos 2 e 434 da decisão impugnada).

b)     Quanto à apreciação da cláusula enquanto possível restrição acessória à transação da Vivo

107    Há que observar que a recorrente critica a Comissão por se ter limitado a alegar que a cláusula não preenchia os critérios de uma restrição acessória à transação da Vivo quando, se fosse possível debater a questão de saber se a cláusula era uma restrição acessória stricto sensu, seria incontestável, à luz do contexto em que foi negociada, que estava subordinada ao objetivo último da conclusão de uma transação bem mais complexa, uma vez que era uma «condição sine qua non» para que a PT e, sobretudo, o Governo português não bloqueassem a transação. Além disso, a Telefónica fez todo o possível para limitar o conteúdo anticoncorrencial da cláusula, designadamente, através da inserção da expressão «na medida do permitido por lei».

108    A Comissão alega que a questão não é saber se a cláusula era independente da transação, mas se podia ser qualificada de acessória em relação a esta.

109    Na audiência, a recorrente precisou que não contestava a conclusão da Comissão, que figura nos considerandos 367 a 433 da decisão impugnada, segundo a qual a cláusula não podia ser qualificada de restrição acessória à transação da Vivo. Esta afirmação ficou registada na ata da audiência.

110    Daqui se conclui que já não há que examinar a argumentação da recorrente na perspetiva da questão de saber se a cláusula podia ser qualificada de restrição acessória à transação da Vivo.

c)     Quanto à autonomia do comportamento da recorrente

111    Na audiência, o Tribunal Geral também interrogou a recorrente sobre a questão de saber se a sua argumentação relativa à pretensa influência do Governo português devia ser entendida no sentido de que, em razão da referida influência, a Telefónica perdeu toda a autonomia na execução das decisões dos poderes públicos, o que poderia subtrair o seu comportamento à aplicação do artigo 101.°, n.° 1, TFUE (v., neste sentido, acórdão de 18 de setembro de 1996, Asia Motor France e o./Comissão, T‑387/94, Colet., EU:T:1996:120, n.os 65 e 69).

112    Em resposta a esta questão, a recorrente afirmou que continuava a ser um ator autónomo no sentido em que teria podido não assinar o acordo. No que diz respeito, mais precisamente, à cláusula, a recorrente indicou que, de acordo com as suas afirmações escritas, a sua argumentação relativa à autonomia da Telefónica durante o processo de negociação devia ser entendida da seguinte forma: por um lado, a Telefónica continuou autónoma, na medida em que pôde fazer com que a menção «na medida do permitido por lei» fosse inserida na cláusula, mas, por outro, não teria podido excluir a cláusula assim alterada na sua totalidade sem correr o risco de comprometer a transação na sua globalidade.

113    Nestas condições, é útil salientar que, na medida em que estas precisões da recorrente possam ser entendidas no sentido de que pretendia alegar que perdeu toda a autonomia na execução das decisões dos poderes públicos, o que deveria subtrair o seu comportamento à aplicação do artigo 101.°, n.° 1, TFUE, tal argumentação não pode, em todo o caso, ser acolhida.

114    A este respeito, importa recordar que resulta da jurisprudência que os artigos 101.° TFUE e 102.° TFUE se referem apenas a comportamentos anticoncorrenciais adotados pelas empresas por sua própria iniciativa. Se uma legislação nacional impõe às empresas um comportamento anticoncorrencial ou se cria um quadro jurídico que, por si só, elimina qualquer possibilidade de comportamento concorrencial da sua parte, os artigos 101.° TFUE e 102.° TFUE não são aplicáveis. Numa situação deste tipo, como resulta das referidas disposições, a restrição da concorrência não é causada por comportamentos autónomos das empresas (v. acórdão de 10 de abril de 2008, Deutsche Telekom/Comissão, T‑271/03, Colet., EU:T:2008:101, n.° 85 e jurisprudência aí referida).

115    A possibilidade de excluir um determinado comportamento anticoncorrencial do âmbito de aplicação dos artigos 101.° TFUE e 102.° TFUE, por ter sido imposto às empresas em causa pela legislação nacional existente ou por esta ter eliminado qualquer possibilidade de comportamento concorrencial da sua parte, só foi admitida de forma restritiva pelo Tribunal de Justiça (v. acórdão Deutsche Telekom/Comissão, n.° 114, supra, EU:T:2008:101, n.° 86 e jurisprudência aí referida).

116    Com efeito, embora o comportamento de uma empresa possa escapar à aplicação do artigo 101.°, n.° 1, TFUE, por falta de autonomia, daqui não decorre, todavia, que qualquer comportamento pretendido ou dirigido pelas autoridades nacionais fique fora do âmbito de aplicação desta disposição. Assim, se uma medida estatal retomar os elementos de um acordo a que tenham chegado os operadores económicos de um setor ou for adotada após consulta e com o acordo dos operadores económicos em causa, esses operadores não poderão basear‑se no carácter obrigatório da regulamentação para escapar à aplicação do artigo 101.°, n.° 1, TFUE (v. acórdão Asia Motor France e o./Comissão, n.° 111, supra, EU:T:1996:120, n.° 60 e jurisprudência aí referida).

117    Não existindo uma disposição regulamentar vinculativa que imponha um comportamento anticoncorrencial, a Comissão só pode concluir pela falta de autonomia dos operadores em causa se se verificar, com base em indícios objetivos, pertinentes e concordantes, que esse comportamento lhes foi unilateralmente imposto pelas autoridades nacionais através do exercício de pressões irresistíveis, tais como, por exemplo, a ameaça da adoção de medidas estatais suscetíveis de lhes causar grandes prejuízos (acórdãos Asia Motor France e o./Comissão, n.° 111, supra, EU:T:1996:120, n.° 65; de 11 de dezembro de 2003, Minoan Lines/Comissão, T‑66/99, Colet., EU:T:2003:337, n.° 179; e de 27 de setembro de 2012, Koninklijke Wegenbouw Stevin/Comissão, T‑357/06, Colet., EU:T:2012:488, n.° 44).

118    Além disso, para escapar à aplicação do artigo 101.°, n.° 1, TFUE, tais pressões devem ser exercidas de forma a retirar aos operadores em causa toda a autonomia na execução das decisões dos poderes públicos (v., neste sentido, acórdão Asia Motor France e o./Comissão, n.° 111, supra, EU:T:1996:120, n.os 65 e 69). Na falta de tal perda de autonomia, a circunstância de um comportamento anticoncorrencial ter sido favorecido ou encorajado pelas autoridades públicas, não tem, em si, qualquer influência quanto à aplicabilidade do artigo 101.° TFUE (v., neste sentido, acórdão Asia Motor France e o./Comissão, n.° 111, supra, EU:T:1996:120, n.° 71 e jurisprudência aí referida).

119    No caso em apreço, a recorrente não pode alegar que as pretensas atuações do Governo português lhe fizeram perder toda a autonomia. Com efeito, resulta dos autos, e designadamente da mensagem de correio eletrónico interna da Telefónica de 6 de julho de 2010 (v. n.os 152 e 338, infra), que o acordo final é fruto de um entendimento comum entre as partes. Além disso, nenhum elemento permite demonstrar que estas disposições foram impostas unilateralmente pelo Governo português (v., neste sentido, acórdão Asia Motor France e o./Comissão, n.° 111, supra, EU:T:1996:120, n.os 65 e 69).

120    Embora os argumentos da recorrente relativos à autonomia da Telefónica no momento da celebração do acordo não possam, portanto, levar o Tribunal Geral a concluir que esta perdeu toda a autonomia na execução das decisões dos poderes públicos, o que poderia subtrair o seu comportamento à aplicação do artigo 101.°, n.° 1, TFUE, há, no entanto, que examinar os demais elementos apresentados pela recorrente quanto ao contexto da introdução da cláusula e da negociação do acordo, em conformidade com o princípio segundo o qual, a fim de apreciar se um acordo entre empresas ou uma associação de empresas apresenta um grau suficiente de nocividade para ser considerado uma restrição da concorrência «por objetivo» na aceção do artigo 101.°, n.° 1, TFUE, deve atender‑se ao teor das suas disposições, aos objetivos que visa atingir, bem como ao contexto económico e jurídico em que o mesmo se insere, tendo em conta, se for caso disso, a intenção das partes (v. acórdão CB/Comissão, n.° 100, supra, EU:C:2014:22.04, n.os 53, 54 e jurisprudência aí referida).

d)     Quanto ao contexto da introdução da cláusula no acordo relativo à transação da Vivo e ao comportamento das partes

121    A recorrente alega que a circunstância de a cláusula estar ligada à transação da Vivo e ser exigida pelo Governo português e o facto de a Telefónica ter feito tudo o que lhe era possível para limitar o conteúdo anticoncorrencial da cláusula devem ser tidos em consideração na análise da cláusula e dos objetivos práticos da salvaguarda «na medida do permitido por lei» e demonstram que a referida salvaguarda transformou a cláusula numa obrigação de autoavaliação da possibilidade de uma restrição da concorrência.

 Quanto à pretensa pressão exercida pelo Governo português

122    A argumentação apresentada pela recorrente para demonstrar que a cláusula era uma «condição sine qua non» para a realização da transação da Vivo resume‑se, em substância, à alegação segundo a qual a cláusula era uma condição necessária para que o Governo português não bloqueasse a referida transação.

–       Quanto aos princípios relativos ao ónus da prova

123    Há que observar que, no caso em apreço, o litígio não respeita à existência da cláusula, que é ponto assente. Todavia, as partes opõem‑se quanto à questão de saber se os elementos apresentados pela recorrente permitem concluir que a cláusula era uma condição necessária para que o Governo português não bloqueasse a transação da Vivo. Além disso, segundo a recorrente, o reconhecimento dessa pretensa influência do Governo português permite concluir que a cláusula não continha uma obrigação de não concorrência, mas uma obrigação de autoavaliação, e não constituía, portanto, uma infração ao artigo 101.° TFUE.

124    Nestas circunstâncias, é útil recordar que resulta do artigo 2.° do Regulamento n.° 1/2003 e de jurisprudência constante que no domínio do direito da concorrência, em caso de litígio quanto à existência de uma infração, cabe à Comissão fazer prova das infrações que declara e determinar quais os elementos adequados para fazer prova bastante da existência dos factos constitutivos de uma infração (acórdãos de 17 de dezembro de 1998, Baustahlgewebe/Comissão, C‑185/95 P, Colet., EU:C:1998:608, n.° 58; de 6 de janeiro de 2004, BAI e Comissão/Bayer, C‑2/01 P e C‑3/01 P, Colet., EU:C:2004:2, n.° 62; de 22 de novembro de 2012, E.ON Energie/Comissão, C‑89/11 P, Colet., EU:C:2012:738, n.° 71; de 17 de setembro de 2007, Microsoft/Comissão, T‑201/04, Colet., EU:T:2007:289, n.° 688; e de 15 de dezembro de 2010, E.ON Energie/Comissão, T‑141/08, Colet., EU:T: 2010:516, n.° 48). Para esse efeito, tem de reunir elementos de prova suficientemente precisos e concordantes para basear a firme convicção de que a infração alegada ocorreu (v., neste sentido, acórdãos de 28 de março de 1984, Compagnie royale asturienne des mines e Rheinzink/Comissão, 29/83 e 30/83, Recueil, EU:C:1984:130, n.° 20; de 31 de março de 1993, Ahlström Osakeyhtiö e o./Comissão, C‑89/85, C‑104/85, C‑114/85, C‑116/85, C‑117/85 e C‑125/85 a C‑129/85, Colet., EU:C:1993:120, n.° 127; de 21 de janeiro de 1999, Riviera Auto Service e o./Comissão, T‑185/96, T‑189/96 e T‑190/96, Colet., EU:T:1999:8, n.° 47; e E.ON Energie/Comissão, já referido, EU:T:2010:516, n.° 48).

125    Quando a Comissão se baseia, no âmbito da determinação de uma infração ao direito da concorrência, em elementos de prova documentais, cabe às empresas em causa não apenas apresentar uma alternativa plausível à tese da Comissão, mas também suscitar a insuficiência das provas tomadas em consideração na decisão impugnada para provar a existência da infração (acórdãos de 20 de abril de 1999, Limburgse Vinyl Maatschappij e o./Comissão, T‑305/94 a T‑307/94, T‑313/94 a T‑316/94, T‑318/94, T‑325/94, T‑328/94, T‑329/94 e T‑335/94, Colet., EU:T:1999:80, n.os 725 a 728; de 8 de julho de 2004, JFE Engineering e o./Comissão, T‑67/00, T‑68/00, T‑71/00 e T‑78/00, Colet., EU:T:2004:221, n.° 187; e E.ON Energie/Comissão, n.° 124, supra, EU:T:2010:516, n.° 55). Se a Comissão se basear no comportamento das empresas em causa para declarar uma infração às regras da concorrência, o juiz da União será levado a anular a decisão em questão quando estas apresentem uma argumentação que dá uma explicação diferente dos factos provados pela Comissão e que deste modo permite substituir por outra explicação plausível dos factos a explicação que foi seguida pela Comissão para concluir pela existência de uma infração (v. acórdão E.ON Energie/Comissão, n.° 124, supra, EU:T:2010:516, n.° 54 e jurisprudência aí referida).

126    Na apreciação das provas recolhidas pela Comissão, a existência de uma dúvida no espírito do juiz deve aproveitar à empresa destinatária da decisão que constata uma infração. O juiz não pode assim concluir que a Comissão fez prova bastante da existência da infração em causa se ainda subsistir uma dúvida sobre esta questão no seu espírito, nomeadamente no âmbito de um recurso de anulação de uma decisão que aplica uma coima (acórdãos JFE Engineering e o./Comissão, n.° 125, supra, EU:T:2004:221, n.° 177; de 27 de setembro de 2006, Dresdner Bank e o./Comissão, T‑44/02 OP, T‑54/02 OP, T‑56/02 OP, T‑60/02 OP e T‑61/02 OP, Colet., EU:T:2006:271, n.° 60; e E.ON Energie/Comissão, n.° 124, supra, EU:T:2010:516, n.° 51).

127    Com efeito, nesta última situação, é necessário ter em conta o princípio da presunção da inocência, atualmente enunciado no artigo 48.°, n.° 1, da Carta dos Direitos Fundamentais da União Europeia e que se aplica aos processos relativos a violações das regras de concorrência aplicáveis às empresas que possam culminar na aplicação de coimas ou de sanções pecuniárias compulsórias (acórdãos de 8 de julho de 1999, Hüls/Comissão, C‑199/92 P, Colet., EU:C:1999:358, n.os 149 e 150; Montecatini/Comissão, C‑235/92 P, Colet., EU:C:1999:362, n.os 175 e 176; E.ON Energie/Comissão, n.° 124, supra, EU:C:2012:738, n.os 72 e 73; e JFE Engineering e o./Comissão, n.° 125, supra, EU:T:2004:221, n.° 178).

128    Além disso, resulta da jurisprudência do Tribunal de Justiça que incumbe à parte ou à autoridade que alega uma violação das regras da concorrência aduzir a respetiva prova e que cabe à empresa ou à associação de empresas que invocam um meio de defesa contra uma declaração de infração a essas regras aduzir a prova de que se encontram preenchidas as condições de aplicação da regra a partir da qual esse meio de defesa é deduzido, pelo que a referida autoridade deverá, então, recorrer a outros elementos de prova (acórdãos de 7 de janeiro de 2004, Aalborg Portland e o./Comissão, C‑204/00 P, C‑205/00 P, C‑211/00 P, C‑213/00 P, C‑217/00 P e C‑219/00 P, Colet., EU:C:2004:6, n.° 78, e de 17 de junho de 2010, Lafarge/Comissão, C‑413/08 P, Colet., EU:C:2010:346, n.° 29).

129    Mesmo que o ónus da prova incumba, segundo esses princípios, quer à Comissão quer à empresa ou à associação em causa, os elementos factuais que uma parte invoca podem ser de molde a obrigar a outra parte a fornecer uma explicação ou uma justificação, sem o que é permitido concluir que foi dado cumprimento às regras em matéria de ónus da prova (acórdãos Aalborg Portland e o./Comissão, n.° 128, supra, EU:C:2004:6, n.° 79, e Lafarge/Comissão, n.° 128, supra, EU:C:2010:346, n.° 30).

130    Por outro lado, importa sublinhar que uma empresa não pode transferir o ónus da prova para a Comissão invocando circunstâncias que não pode demonstrar. Por outras palavras, quando a Comissão se baseia em elementos de prova que em princípio são suficientes para demonstrar a existência da infração, não basta à empresa em causa evocar a possibilidade de ter ocorrido uma circunstância que possa afetar o valor probatório dos referidos elementos de prova para que a Comissão suporte o ónus de provar que esta circunstância não pôde afetar o valor probatório dos elementos de prova. Pelo contrário, excetuados os casos em que essa prova não possa ser fornecida pela empresa em causa devido ao comportamento da própria Comissão, cabe à empresa em causa fazer prova bastante, por um lado, da existência da circunstância que invoca e, por outro, que esta circunstância põe em causa o valor probatório dos elementos de prova nos quais a Comissão se baseia (v. acórdão E.ON Energie/Comissão, n.° 124, supra, EU:T:2010:516, n.° 56 e jurisprudência aí referida).

131    É à luz destes princípios que há que examinar os elementos apresentados pela recorrente.

–       Decisão impugnada

132    No caso em apreço, a Comissão indicou, no considerando 71 da decisão impugnada, que não contestava o facto de que o Governo português tinha acompanhado as negociações da transação da Vivo, que tinha proferido declarações públicas e que tinha bloqueado a terceira oferta ao exercer os direitos especiais conferidos às ações privilegiadas que detinha na PT. A Comissão reconheceu, no referido considerando, que, como fora afirmado pelas partes e demonstrado pelos numerosos artigos de imprensa juntos aos autos, a transação da Vivo era muito sensível do ponto de vista político em Portugal.

133    No considerando 72 da decisão impugnada, a Comissão assinalou que as partes pareciam ter um entendimento diferente relativamente à posição do Governo português durante as negociações. No entendimento da Telefónica, a proteção da PT (através da cláusula) permitiria que o Governo português não se opusesse à transação da Vivo. Segundo a PT, o Governo português estava principalmente preocupado em assegurar que a PT mantivesse as suas atividades no Brasil. Sobre este aspeto e segundo as declarações da PT, a celebração do memorando de entendimento que garantia a sua presença no Brasil era fundamental para tranquilizar o Governo português e assim desbloquear a situação.

134    A Comissão prosseguiu, no considerando 73 da decisão impugnada, salientando que a Telefónica não tinha fornecido qualquer declaração do Governo português que fizesse referência ao seu desejo ou à necessidade de inserir a cláusula no contexto da transação da Vivo, embora o Governo português tivesse sugerido que se oporia a qualquer aquisição da PT por parte da Telefónica, a fim de assegurar a dimensão portuguesa da PT.

135    Para concluir, a Comissão observou, no considerando 74 da decisão impugnada, que o facto de, eventualmente, a Telefónica estar convicta de que a cláusula era considerada essencial ou mesmo desejada pelo Governo português não é apoiado por nenhuma declaração deste governo e que a Telefónica não tinha fornecido quaisquer elementos de prova de que o Governo português tivesse solicitado a cláusula no âmbito das negociações da transação da Vivo.

–       Quanto aos elementos apresentados pela recorrente

136    A recorrente alega que o Governo português tinha dois objetivos relacionados, a saber, proteger a PT no Brasil e proteger a PT em Portugal, e que os instrumentos para atingir esses dois objetivos eram distintos. Por um lado, para garantir a dimensão e o papel da PT no mercado brasileiro, a solução era aumentar o mais possível o preço de venda da Vivo e substituir o investimento neste operador pelo investimento noutro operador de importância semelhante no Brasil, o que explica a pressão exercida para aumentar o preço da transação e o facto de o acordo não ter sido assinado antes de ter sido obtido um pré‑acordo para adquirir uma participação significativa na Oi. Por outro lado, para garantir a continuidade da PT enquanto empresa líder no mercado português, independente de empresas não portuguesas, a solução era a cláusula. O governo pensava, sem qualquer dúvida, que a colaboração com a Telefónica existente até então através da Vivo devia ser substituída por uma proteção contratual de não agressão no mercado ibérico. Assim, esta cláusula tornou‑se um elemento essencial para evitar o veto governamental e garantir o sucesso da transação.

137    As referências limitadas e descontextualizadas à atuação do Governo português na decisão impugnada não permitem apreender corretamente o alcance da intervenção deste para proteger a PT, tanto no Brasil como em Portugal, que consistiu numa «interlocução direta e indireta» com a Telefónica ao longo de toda a negociação da transação.

138    Embora a recorrente admita que não é fácil seguir o rasto documental destes contactos, alega que existe uma série de indícios e de elementos concordantes que, no seu conjunto, demonstram a influência do Governo português.

139    A este respeito, primeiro, a recorrente invoca as múltiplas mensagens públicas que o Governo português fez passar através da imprensa e a sintonia entre a PT, o governo e o núcleo duro dos acionistas da PT, de que a imprensa fez eco; a atuação do Governo português no processo de negociação da prorrogação da terceira oferta na manhã de 17 de julho de 2010, atestada por uma mensagem de correio eletrónico do chefe de gabinete do Primeiro‑Ministro português; e, por último, a pressão exercida por este governo durante a quarta oferta, que foi submetida à sua aprovação, como reconhece a PT no ponto 136 das suas observações sobre a comunicação de objeções.

140    Segundo, a recorrente alega que pediu expressamente à PT, em 27 de julho de 2010, para excluir qualquer acordo de não concorrência, mas que a PT se recusou, sem dúvida nenhuma, em razão da pressão do governo. Para demonstrar este ponto, a recorrente pede ao Tribunal Geral que proceda à prova testemunhal, convidando os representantes da Telefónica que participaram nessas negociações a testemunhar perante si.

141    Terceiro, a recorrente refere que a própria origem da cláusula que figura na contraproposta da PT (v. n.° 11, supra) é uma prova evidente da pressão exercida pelo Governo português, uma vez que essa cláusula surgiu nas mensagens desse governo relativas à proteção do ativo estratégico nacional que constituía a PT, no próprio momento em que começaram a se generalizar os rumores quanto a uma eventual OPA da Telefónica sobre a PT como meio para aceder à Vivo. O acordo de não concorrência surgiu claramente como uma resposta à exigência do Governo português de proteger a PT de uma eventual OPA da Telefónica.

142    Quarto, a recorrente afirma que o Governo português ameaçou constantemente a Telefónica de que bloqueava a transação exercendo o seu veto e recorda que este governo bloqueou a transação na assembleia‑geral da PT de 30 de junho de 2010; que o mesmo governo criticou os acionistas da PT e o seu conselho por não terem servido os interesses nacionais ao aceitarem a terceira oferta na assembleia‑geral de 30 de junho de 2010 e acompanhou de perto as negociações que se seguiram, o que é a única explicação para o facto de as ofertas da PT mencionarem sistematicamente os interesses «de todas as partes»; que o governo enviou mensagens pessoais à Telefónica nas suas declarações públicas, citadas nos artigos de imprensa, tais como «a Telefónica deveria ouvir‑nos» ou «[p]enso nos interesses estratégicos da PT e no meu país»; que enviou mensagens ao conselho da PT através da C.G.D., uma instituição financeira pública que era acionista da PT; e, por último, que a mensagem de correio eletrónico interna da Telefónica de 6 de julho de 2010 é particularmente reveladora da pressão exercida pelo Governo português.

143    A título preliminar, é útil observar que a Telefónica precisou na audiência, em resposta a uma questão do Tribunal Geral, que os elementos de prova apresentados para demonstrar a pretensa pressão exercida pelo Governo português para efeitos de inclusão da cláusula no acordo eram os artigos de imprensa apresentados em anexo à petição, a correspondência com o gabinete do Primeiro‑Ministro português fornecida no anexo A.58, a mensagem de correio eletrónico interna da Telefónica fornecida no anexo A.50, a resposta da PT ao pedido de informações da Comissão de 5 de janeiro de 2011 e a resposta da PT à comunicação de objeções.

144    Em seguida, há que constatar que os elementos de prova e indícios apresentados pela recorrente não são suscetíveis de demonstrar que o Governo português impôs a cláusula. Com efeito, há que distinguir o interesse do Governo português na transação da Vivo no seu todo e a sua atuação para proteger a posição da PT nesta transação da alegação de que este governo impôs a cláusula. Ora, mesmo quando invoca as pretensas atuações do Governo português relacionadas com a transação da Vivo, a recorrente não faz referência a nenhuma medida nem a nenhum ato que pudesse estar relacionado com a cláusula. Embora os elementos invocados pela recorrente demonstrem que o Governo português acompanhou as negociações relativas à transação da Vivo e se preocupou em proteger a posição da PT, o que, de resto, a Comissão reconhece na decisão impugnada, esses elementos não são suscetíveis de demonstrar que o Governo português impôs a cláusula. Por um lado, nenhum destes elementos atesta uma qualquer ação do Governo português em relação à cláusula. Por outro, e em todo o caso, como sublinha a Comissão, mesmo se o interesse do Governo português tivesse sido proteger a PT de uma OPA da Telefónica, a cláusula não era suscetível de impedir essa OPA.

145    Em primeiro lugar, importa observar que os elementos invocados pela recorrente não contêm indícios que permitam demonstrar que o Governo português impôs a cláusula.

146    Primeiro, no que se refere às mensagens públicas que o Governo português difundiu na imprensa e à sintonia entre a PT, o governo e o núcleo duro dos acionistas da PT, de que a imprensa fez eco, não se pode deixar de observar que a recorrente não cita nenhum artigo de imprensa que mencione o facto de o governo ter pretendido a cláusula e que a recorrente admitiu, na audiência, que nenhum dos artigos que tinha apresentado continha uma declaração explícita do Governo português em que se afirmasse que este exigia ou pretendia a cláusula ou que não assinaria o acordo na falta da mesma ou, pelo menos, uma referência explícita à cláusula. Esta inexistência de afirmações relativas à cláusula ou, mais genericamente, a um compromisso de não concorrência relativo ao mercado ibérico é tanto mais evidente quanto o Governo português afirmou, aliás, claramente que a sua exigência principal no que diz respeito ao acordo era a proteção da posição da PT no Brasil.

147    Segundo, no que diz respeito à correspondência fornecida como anexo A.58 da petição, a saber, uma série de SMS enviados, nomeadamente, por A. V., advogado externo da Telefónica e interlocutor nos contactos e nas negociações com o Governo português, durante o mês de julho de 2010, nos quais se aborda a questão de um pretenso acordo do Primeiro‑Ministro português no que respeita ao acordo relativo à transação da Vivo, bem como uma mensagem de correio eletrónico que o chefe de gabinete do Primeiro‑Ministro português enviou a A. V. em 17 de julho de 2010, basta observar, sem que seja necessário examinar mais aprofundadamente se a pessoa mencionada na troca de SMS era verdadeiramente o Primeiro‑Ministro português, o que a Comissão põe em dúvida, que, embora essa troca de SMS e essa mensagem de correio eletrónico possam atestar o interesse do Governo português pela transação da Vivo, não fazem nenhuma referência à cláusula, o que a recorrente confirmou na audiência em resposta a uma questão do Tribunal Geral.

148    Terceiro, no que respeita à submissão da quarta oferta a aprovação do Governo português, não se pode deixar de constatar que a PT se limita, no n.° 136 da sua resposta à comunicação de objeções, a afirmar ter consultado os seus acionistas, entre as quais o Estado, o que parece ser um procedimento normal. Em todo o caso, como afirma acertadamente a Comissão, mesmo que a proposta estivesse subordinada ao acordo do Governo português, que era acionista da PT, isso não prova nem sugere que o referido governo tenha exigido ou pretendido a cláusula.

149    Quarto, quanto à alegação de que, por um lado, a Telefónica pediu expressamente à PT, em 27 de julho de 2010, para excluir qualquer acordo de não concorrência e que, por outro, a PT recusou, mesmo admitindo que tenha havido verdadeiramente da parte da Telefónica uma tentativa de suprimir a cláusula, não se pode deduzir da suposta recusa da PT — admitindo‑a demonstrada — em proceder a essa supressão que o Governo português tivesse qualquer interesse na cláusula, de forma que o requerimento de inquirição de testemunhas quanto a este ponto (v. n.° 140, supra) não é pertinente no presente contexto. Com efeito, a recorrente não alega que as testemunhas cuja inquirição pede podem afirmar que a PT referiu que a sua suposta recusa em suprimir a cláusula se devia a uma qualquer atuação por parte do Governo português.

150    Quinto, no que diz respeito à afirmação de que a própria origem da cláusula que figura na contraproposta da PT (v. n.° 11, supra) é uma prova evidente da pressão exercida pelo Governo português, uma vez que essa cláusula surgiu nas mensagens deste último relativas à proteção do ativo estratégico nacional que era a PT e constituía, portanto, a resposta à exigência de proteger a PT de uma eventual OPA da Telefónica, não se pode deixar de observar que se trata de uma suposição que não é minimamente suportada pelas mensagens do Governo português, pelo que deve ser rejeitada.

151    Sexto, os supostos indícios referidos no ponto 107 da petição também não são suscetíveis de demonstrar que o Governo português impôs a cláusula. A ameaça deste governo de bloquear a transação e o exercício efetivo dessa ameaça através do exercício do veto inerente aos seus direitos especiais (v. n.os 6 e 18, supra) demonstram efetivamente a sua vontade de proteger PT e, designadamente, a presença desta última no Brasil, mas não demonstram que tenha pretendido a cláusula. O mesmo se diga das críticas pretensamente feitas aos acionistas da PT, das afirmações relatadas pela imprensa, bem como das mensagens pretensamente enviados ao conselho da PT através da C.G.D., enquanto o facto de as ofertas da PT mencionarem sistematicamente os interesses «de todas as partes» é desprovido de pertinência no que respeita à cláusula.

152    Por último, no que se refere à mensagem de correio eletrónico interna da Telefónica de 6 de julho de 2010, há que salientar, como fez a Comissão (considerandos 49, 68, 165 e 171 da decisão impugnada), que a recorrente transcreve de forma incorreta a referida mensagem no ponto 44 da petição. Com efeito, as opções contempladas pela Telefónica nessa mensagem de correio eletrónico interno para alterar a proposta — entre as quais a de aumentar a duração de aplicação da cláusula — não respondem unicamente ao objetivo «de incluir aspetos que, sem nos prejudicar, possam ajudar o Governo português a rever a sua posição radical», mas também ao objetivo de «reformular a oferta, sem aumentar o preço, de forma que possa ser sujeita a debate e aprovada ao nível do conselho da PT». Na mensagem de correio eletrónico não se distingue, de entre as opções, as que correspondem a um objetivo ou a outro. Além disso, nessa mensagem de correio eletrónico, a Telefónica refere que «havia que pensar sobre a liturgia/encenação das possíveis novas condições, para que pareça que, como nos foi dito, que nos sentámos à mesa das negociações e que nos ‘impuseram’ novas condições (na verdade apresentadas por nós)». Por conseguinte, não é possível inferir dessa mensagem de correio eletrónico que o Governo português impôs à Telefónica a inclusão da cláusula no acordo relativo à transação da Vivo.

153    Sétimo, a recorrente acusa a Comissão de ter rejeitado o caráter de «condição sine qua non» da cláusula para a execução da transação baseando‑se numa pretensa divergência entre a PT e a Telefónica quanto à apreciação da importância da cláusula no acordo, quando essa divergência não existia. A Comissão sublinhou pretensas incoerências entre os critérios da PT e da Telefónica tendo em conta aspetos secundários dos factos com o fim de retirar toda a credibilidade às suas alegações em matéria de defesa. Ora, a recorrente não faz referência a nenhuma declaração segundo o qual PT teria reconhecido o facto de que o Governo português impôs a cláusula, limitando‑se a invocar os n.os 48 a 51 da resposta da PT à comunicação de objeções, onde a PT afirmou, nomeadamente, que «[a] compra dos [seus] principais ativos no Brasil e a eventualidade de uma OPA da Telefónica […] eram cenários que deviam ser tratados com extrema cautela», que, «[a]lém disso, o Estado era acionista e detinha [ações privilegiadas] na empresa» e que «[o] Governo português [tinha] referido claramente não estar disposto a ceder um milímetro na [sua] defesa […] criando publicamente uma pressão sobre [o seu] conselho de administração».

154    Oitavo e último, importa igualmente observar, à semelhança da Comissão, que a recorrente não deu uma explicação satisfatória do facto de a cláusula impor uma obrigação bilateral de não concorrência, isto é, também em benefício da Telefónica, e do facto de o Governo português ter pretendido impor à PT uma obrigação de não concorrência em benefício da Telefónica. A argumentação da Telefónica a este respeito não pode ser acolhida sem que seja necessário decidir a questão, que opõe as partes, de saber se a iniciativa da bilateralidade da cláusula era da PT ou da Telefónica (considerandos 86 e 291 da decisão impugnada).

155    A este respeito, por um lado, a recorrente sustenta que, na medida em que a sua vontade era desativar a cláusula, manteve o caráter bilateral desta, uma vez que isso lhe permitiria, sendo caso disso, evitar diferendos jurídicos e dirimir facilmente e de forma expedita o teste de legalidade exigido. Ora, este argumento não pode ser acolhido, uma vez que, em todo o caso, não se pode considerar provado o facto de esse teste ter sido realizado (v. n.os 181 a 192, infra).

156    Por outro lado, a recorrente alega que a obrigação de não concorrência imposta à PT em seu benefício tinha sido introduzida pela PT por razões puramente estéticas, a fim de facilitar as negociações com ela, mas não a beneficiou de nenhuma forma, uma vez que a PT não era uma concorrente potencial em Espanha. Ora, a recorrente não demonstrou a existência de barreiras intransponíveis que impedissem a PT de entrar no mercado espanhol (v. n.os 223 e 224, infra), de forma que uma cláusula destinada a impedir essa entrada não beneficiava de modo algum a Telefónica. Por outro lado, como corretamente sublinha a Comissão, o argumento segundo o qual «a PT era o principal beneficiário da cláusula» equivale, em qualquer caso, a reconhecer a existência de uma concorrência potencial entre as partes em Portugal.

157    Em segundo lugar, no que respeita ao argumento da recorrente de que o Governo português queria proteger a PT em Portugal, evitando uma OPA da Telefónica sobre a PT, esta demonstração é desprovida de pertinência no que respeita à cláusula, na medida em que esta não proíbe a Telefónica de comprar a PT. Com efeito, não se pode deixar de observar que a cláusula proíbe as partes de concorrerem entre si (v. n.° 1, supra) e o facto de comprar a PT não equivale a fazer‑lhe concorrência.

158    Segundo a recorrente e as afirmações que apresentou, nomeadamente, na audiência, a redação da cláusula permitia à PT e ao Governo português interpretar a cláusula como uma proteção em caso de OPA, uma vez que a cláusula impedia a Telefónica de entrar no setor em que operava a PT, e a aquisição do controlo da PT implicava de entrar nos setores em que a PT estava presente. A recorrente alega que esta interpretação é coerente com a interpretação da Comissão de acordo com a qual a cláusula proibia as partes de adquirirem ou aumentarem participações noutras empresas, bem como com a vontade do Governo português de proteger o caráter português da PT. A este propósito, a recorrente insiste, designadamente, no facto de a introdução de uma cláusula de não concorrência resultar diretamente das preocupações da PT e do Governo português quanto a uma possível OPA da Telefónica sobre a PT.

159    Além disso, a recorrente alega que «a redação da cláusula não é um modelo jurídico, mas o resultado de uma negociação tortuosa sobre a qual tiveram muito peso objetivos políticos e mediáticos». Segundo a recorrente, para satisfazer o interesse do governo, bastava que ficasse claramente expressa do ponto de vista mediático a existência de uma vontade de proteger integralmente a PT e que essa vontade ficasse refletida no acordo.

160    A argumentação da recorrente não é convincente. Por um lado, mesmo admitindo que o Governo português tenha pretendido, através da cláusula, proteger PT de uma OPA da parte da Telefónica, não é credível que este governo tenha validado a cláusula sem se interessar pela redação precisa do texto, mas, pelo contrário, seria de esperar que verificasse que a cláusula que tinha imposto assegurava efetivamente a prossecução dos seus objetivos.

161    Por outro lado, há que observar que nenhum elemento dos autos permite invalidar a constatação de que resulta claramente dos termos da cláusula que esta não proibia a Telefónica de lançar uma OPA sobre a PT. Com efeito, a cláusula proíbe cada uma das partes de realizar projetos no setor das telecomunicações que possam ser considerado como estando em concorrência com a outra parte no mercado ibérico durante o período em causa, e a aquisição da PT não equivale à realização de um projeto que possa ser considerado como estando em concorrência com a PT, contrariamente à aquisição de participações noutras empresas.

162    Na medida em que a recorrente não apresentou elementos suscetíveis de demonstrar que o Governo português tinha imposto a cláusula nem demonstrou que as atuações do referido governo podiam ser interpretadas no sentido de que, através da cláusula, queria impedir o lançamento de uma OPA pela Telefónica sobre a PT, a argumentação da recorrente relativa à pressão do Governo português no que respeita à cláusula deve ser rejeitada.

–       Quanto à pretensa violação das obrigações de inquérito e do princípio da boa administração

163    Tendo em conta o facto de que a recorrente não apresentou indícios que demonstrem que o Governo português impôs a cláusula, os seus argumentos que criticam a Comissão por ter violado as suas obrigações de inquérito e, portanto, os princípios relativos ao ónus da prova devem ser rejeitados. Segundo a jurisprudência referida no n.° 130, supra, deve, com efeito, considerar‑se que os elementos apresentados pela Comissão são suscetíveis de obrigar a recorrente a fornecer uma explicação ou uma justificação, sob pena de se poder concluir que esta instituição cumpriu as obrigações que lhe incumbem quanto ao ónus da prova. Ora, na medida em que a recorrente se limitou a apresentar os elementos que acabam de ser examinados e dos quais não resulta de modo nenhum que o Governo português tenha manifestado um qualquer interesse pela cláusula, impõe‑se concluir que não cumpriu a sua obrigação de apresentar provas em apoio da sua alegação de que a cláusula tinha sido imposta pelo referido governo ou de que era, em todo o caso, uma «condição sine qua non» para que este não bloqueasse o acordo relativo à transação da Vivo (v., neste sentido, acórdão Lafarge/Comissão, n.° 128, supra, EU: C: 2010: 346, n.° 32).

164    Daqui resulta que, na falta de indícios nesse sentido, a recorrente também não pode invocar uma violação do princípio da boa administração devido à pretensa falta de utilização, pela Comissão, dos instrumentos legais à sua disposição para investigar a pressão pretensamente exercida pelo Governo português sobre a Telefónica. Com efeito, embora o princípio da boa administração imponha à Comissão a obrigação de contribuir com os seus próprios meios para a prova dos factos e das circunstâncias pertinentes e se deva examinar com cuidado e imparcialidade todos os elementos pertinentes do caso concreto (v. acórdão E.ON Energie/Comissão, n.° 124, supra, EU:T:2010:516, n.os 75, 76 e jurisprudência aí referida), no caso em apreço, a recorrente não demonstrou que a Comissão não examinou suficientemente as provas apresentadas pelas partes e a Comissão não pode ser obrigada a fazer uso dos seus poderes de inquérito para demonstrar um elemento que é apenas alegado, mas que não é suportado por nenhum indício nas provas apresentadas pelas partes (v., neste sentido, acórdão E.ON Energie/Comissão, n.° 124, supra, EU:T:2010:516, n.° 56 e jurisprudência aí referida).

165    Além disso, não pode ser acolhida a alegação da recorrente de que pensar que possa existir uma prova da intervenção de um governo para impor uma cláusula ilegal está próxima da «ingenuidade» e é «contrária ao bom senso» e de que exigir tal prova constitui uma violação dos princípios aplicáveis ao ónus da prova. Com efeito, como indica acertadamente a Comissão, se, como sustenta a recorrente, a cláusula fosse um elemento essencial para o sucesso da transação, seria então improvável que não existisse nenhum documento contemporâneo que lhe fizesse referência, tanto mais que, em contrapartida, há provas da atuação do Governo português relativas a aspetos da transação alheios à cláusula, nomeadamente no que se refere à importância da presença da PT no Brasil.

166    Por último, neste contexto, há também que salientar, como foi confirmado na audiência, que foi apenas em outubro de 2010 que a Comissão teve conhecimento da existência da cláusula, a saber, depois da assinatura e mesmo da entrada em vigor do acordo. Daqui se conclui que as críticas da recorrente relativas à inação da Comissão durante o processo de negociação deste acordo carecem de fundamento.

 Quanto à pretensa atuação da Telefónica para minimizar o conteúdo anticoncorrencial da cláusula

167    A recorrente alega que a Comissão apreciou de forma incorreta a sua atuação persistente para minimizar o alcance da cláusula e afastar qualquer risco de ilegalidade. Embora reconhecendo, no considerando 338 da decisão impugnada, que a utilização da expressão «na medida do permitido por lei» não era, em si mesma, um sinal de intenção fraudulenta, que a Telefónica tinha adotado medidas com vista a limitar o âmbito de aplicação e a duração da cláusula e que a salvaguarda «na medida do permitido por lei» era da sua iniciativa, a Comissão não tira nenhuma consequência destes elementos.

168    Em primeiro lugar, a recorrente alega que não é exato que pretendia «desde o início» uma cláusula de não concorrência. No entanto, como refere a Comissão, esta não afirmou que a Telefónica pretendia desde o início uma cláusula de não concorrência, mas limitou‑se, nos considerandos 36 e 42 a 44 da decisão impugnada, a refutar o argumento de que a Telefónica tinha excluído da primeira oferta qualquer obrigação de não concorrência.

169    A este respeito, importa observar que os dois primeiros projetos de acordo continham um compromisso da Telefónica de que esta não exigiria «nenhum compromisso em matéria de não concorrência ou de não angariação de clientes por parte da [PT]». Nos considerandos acima referidos da decisão impugnada, por um lado, a Comissão indicou que, nas suas respostas ao pedido de informações de 5 de janeiro de 2011, as partes tinham afirmado que o referido compromisso dizia respeito a qualquer cláusula de não concorrência relativa ao mercado brasileiro e não ao mercado ibérico. Por outro lado, a Comissão observou acertadamente que a segunda oferta continha tanto o compromisso acima referido da Telefónica em não impor uma cláusula de não concorrência à PT como a cláusula de não concorrência relativa ao mercado ibérico, o que milita a favor da interpretação segundo a qual o primeiro compromisso dizia respeito ao mercado brasileiro e não ao mercado ibérico.

170    Em segundo lugar, embora a recorrente rejeite a afirmação da PT que consta do ponto 164 da resposta desta à comunicação de objeções, reproduzida na decisão impugnada (considerandos 86 e 293 da decisão impugnada), segundo a qual os serviços de televisão tinham sido incluídos no âmbito de aplicação da cláusula a pedido da Telefónica, a recorrente não apresenta nenhum elemento de prova em apoio das suas alegações. Em todo o caso, mesmo admitindo que esses serviços tenham sido incluídos no referido âmbito por iniciativa da PT, daí não se pode deduzir uma «atuação persistente para minimizar o alcance da cláusula».

171    Em terceiro lugar, a recorrente nega qualquer protagonismo na determinação do caráter bilateral da cláusula. Porém, mesmo admitindo que a recorrente não desempenhou tal papel, e ainda que a Comissão não afirme que ela o desempenhou, a recorrente não contesta que a primeira versão da cláusula assim como a que foi afinal adotada tinham um caráter bilateral. A recorrente também não consegue demonstrar que a PT ou o Governo português impuseram o caráter bilateral da cláusula (v. n.° 154, supra).

172    Em quarto e último lugar, a recorrente alega que a decisão minimiza indevidamente o alcance da exceção ao âmbito de aplicação da cláusula que a Telefónica conseguiu introduzir, que consiste em excluir as atividades em curso à data acordo (v. n.° 13, supra). Com efeito, a Comissão não reconheceu que os serviços prestados em Portugal pela ZON, considerados pela recorrente como atividades realizadas à data do acordo, estavam também abrangidos por esta exceção. No entanto, a recorrente continua a não refutar as afirmações que figuram nos considerandos 156 a 164 da decisão impugnada, segundo as quais as atividades prestadas por sociedades não controladas pelas partes não estavam cobertos pela exceção introduzida no âmbito de aplicação da cláusula.

173    A este respeito, importa observar que a Comissão explicou que, embora a atividade exercida por uma sociedade na qual uma das partes detinha ações, mas que não controlava, fosse pertinente para a determinação do âmbito de aplicação da cláusula, esta deveria referir que era aplicável às atividades das sociedades que não eram controladas pelas partes. Acresce que, caso tais atividades fossem relevantes para a determinação do âmbito de aplicação da cláusula, sê‑lo‑iam também para o cumprimento das disposições desta, de modo que o desenvolvimento de atividades proibidas, por parte de uma sociedade não controlada, na qual uma das partes detivesse uma participação minoritária, constituiria uma violação da cláusula. A Comissão prosseguiu sobre este ponto, afirmando que as partes não podem pretender ter assumido qualquer obrigação por conta e em nome de empresas nas quais detinham uma participação minoritária, mas que não controlavam, visto que não teriam possibilidades de garantir o cumprimento de tal obrigação. Por conseguinte, para que uma atividade fosse excluída do âmbito de aplicação da cláusula, devia ser realizada diretamente por uma das partes ou indiretamente por uma empresa por ela controlada.

174    Na falta de elementos ou, pelo menos, de argumentos suscetíveis de pôr em causa esta conclusão, da qual decorre necessariamente que as atividades da ZON, na qual a recorrente detinha apenas uma participação minoritária (v. n.° 4, supra), não podem ser consideradas abrangidas pela exceção introduzida na âmbito de aplicação da cláusula, as pretensões da recorrente a este respeito devem ser rejeitadas.

175    Resulta das considerações precedentes, e na medida em que o requerimento de inquirição de testemunhas apresentado pela recorrente deve ser indeferido (v. n.os 357 e seguintes, infra), que esta não apresentou elementos suscetíveis de demonstrar que a cláusula era uma condição para que o Governo português não bloqueasse a transação da Vivo e que, por esse facto, a Telefónica não teve outra opção que não a de se empenhar em limitar o respetivo impacto, nomeadamente transformando‑a numa cláusula de autoavaliação através da introdução da expressão «na medida do permitido por lei».

e)     Quanto ao pretenso conteúdo material e aos pretensos objetivos práticos da salvaguarda «na medida do permitido por lei»

176    Segundo a recorrente, se o facto de a cláusula estar estreitamente ligada à transação da Vivo fosse tomado em conta, verificar‑se‑ia imediatamente que a cláusula, longe de não ter utilidade prática, cumpria uma boa parte das funções clássicas e legítimas que as cláusulas de salvaguarda legal se destinam a cumprir na prática contratual, a saber: redução dos custos de transação, alavanca estratégica para chegar ao consenso e garantia da manutenção da transação. Além disso, a interpretação da cláusula adotada pela Comissão é manifestamente contrária à sua redação.

177    A título preliminar, importa observar que esta argumentação assenta na premissa de que o Governo português impôs a cláusula como condição para a transação da Vivo, forçando, assim, a Telefónica a fazer tudo o que podia para limitar o seu impacto. Ora, decorre das considerações que figuram nos n.os 136 a 162 e 167 a 175, supra, que a recorrente não apresentou elementos que permitam demonstrar a procedência desta premissa, pelo que a sua argumentação baseada na mesma não pode ser acolhida. Em todo o caso, a recorrente também não apresenta elementos que permitam demonstrar o pretenso conteúdo material e os pretensos objetivos práticos da salvaguarda «na medida do permitido por lei».

 Quanto à pretensa função de redução dos custos de transação

178    No que respeita à função de redução dos custos de transação, a recorrente afirma que as salvaguardas legais são geralmente utilizadas quando existem dúvidas ou divergências na análise jurídica das partes e quando estas pretendem evitar perder dinheiro, energia e tempo em discussões jurídicas que se podem eternizar e atrasar o processo de negociação. Segundo a recorrente, foi precisamente o que aconteceu no caso em apreço: quando a PT introduziu a cláusula na sua contraproposta, afirmou que esta podia ser justificada enquanto restrição acessória. A Telefónica não ficou convencida, mas reconheceu que a dúvida era possível.

179    Apesar de ter dúvidas quanto às justificações da cláusula, a recorrente, atendendo à importância da cláusula para o Governo português, viu‑se constrangida a deixar prosseguir o processo de negociação aceitando a cláusula, embora introduzindo as limitações objetivas e temporais que pôde, sabendo que, em última análise, só a poderia assinar na condição de posteriormente se verificar a sua legalidade e o seu alcance. Segundo a recorrente, o acordo de não concorrência foi sanado, evitando‑se que pudesse ter efeitos no caso de, após a verificação individual — e não, como a Comissão interpretou erradamente, a verificação conjunta — da sua legalidade, se concluísse que não era legalmente admissível. Ao subordinar a restrição à verificação da sua legalidade, a Telefónica também excluía qualquer responsabilidade relativa à sua reputação social ou política em relação à PT caso esta adotasse iniciativas incompatíveis com a restrição.

180    Há que observar que resulta da posição da recorrente que estes argumentos se baseiam, em substância, na ideia de que havia dúvidas quanto à questão de saber se a cláusula podia ser qualificada de restrição acessória à transação da Vivo. Como a verificação jurídica das condições necessárias relativas a esta questão foi longa e dispendiosa, as partes inseriram a salvaguarda legal «na medida do permitido por lei», deixando para mais tarde a análise da legalidade da cláusula.

181    Ora, sem que seja necessário decidir sobre a procedência das pretensas dúvidas da PT ou da recorrente quanto à possível legalidade da cláusula, não se pode deixar de constatar que a argumentação baseada na ideia de que as partes tinham de certa forma «provisoriamente acordado» uma obrigação de não concorrência, sob reserva da verificação ulterior da sua legalidade, deve ser rejeitada, devido ao facto de a recorrente não ter, por um lado, explicado por que razão não teria sido possível clarificar esta questão antes da assinatura do acordo em 28 de julho de 2010 ou, pelo menos, antes da sua entrada em vigor no momento da conclusão definitiva da transação em 27 de setembro do mesmo ano e, por outro, demonstrado que essa verificação foi realizada após a entrada em vigor do acordo.

182    Neste contexto, há que recordar que, nos considerandos 96 a 100 da decisão impugnada, a Comissão assinalou que as partes sustentavam que a cláusula previa um exercício de autoavaliação e que esse exercício tinha sido realizado durante as conferências telefónicas de 26 e 29 de outubro de 2010 (v. n.° 28, supra). Além disso, a Comissão informou que as partes tinham apresentado diversas razões para justificar o facto de esse exercício não ter sido realizado antes da entrada em vigor do acordo no momento da conclusão definitiva da transação, em 27 de setembro de 2010 (v. n.° 25, supra), a saber:

–        uma vez que o acordo foi assinado em nome da PT, sem a autorização prévia da assembleia‑geral de acionistas desta última, a Telefónica afirma que existia o risco de o Governo português o impugnar; todavia, a Comissão rejeitou este argumento na medida em que não é corroborado pelos elementos do processo e que a cláusula 4.ª do acordo, em articulação com o anexo 4.1, estabelece que a PT garante à Telefónica que «[a] execução e concretização do presente acordo e a consumação das transações nele previstas foram devida e validamente aprovadas pelo [seu] conselho de administração [...] e [pelo] da PT Móveis, não sendo necessários quaisquer outros procedimentos internos por parte da PT nem da PT Móveis para autorizar a execução, concretização e realização do presente acordo ou a consumação da transação nele prevista»;

–        a autoavaliação e a partilha de resultados entre as partes exigiram que se encetassem discussões sobre o âmbito e os efeitos da cláusula, que podiam ter posto em risco o equilíbrio do acordo; todavia, a Comissão alega a este respeito que, se as partes tivessem acordado, a fim de deixar estas discussões para mais tarde, numa obrigação de proceder posteriormente a um exercício de autoavaliação da legalidade da cláusula, esta obrigação devia ter sido inscrita nos termos do acordo;

–        existiam incertezas acerca da transação da Oi e do desenvolvimento do «programa de parceria industrial» e só «poucas semanas» após a conclusão da transação da Vivo é que a imprensa anunciou que estava iminente a renovação da presença da PT no Brasil; todavia, a Comissão considerou que a passagem de uma fase de incerteza para uma fase de certeza no que se refere à transação da Oi em outubro de 2010 não foi provada pela Telefónica;

–        os pedidos de informações de 9 e de 30 de setembro de 2010 da Comisión Nacional de la Competencia (CNC, Comissão Nacional da Concorrência espanhola), que, entre outros, solicitavam informações de forma a investigar possíveis acordos anticoncorrenciais entre as partes no âmbito da transação da Vivo, teriam, alegadamente, reforçado as dúvidas quanto à admissibilidade do compromisso de não concorrência; ora, a Comissão salientou que o primeiro pedido de informações da CNC remontava a 9 de setembro de 2010, aproximadamente sete semanas antes das datas em que o alegado exercício de autoavaliação foi realizado, a saber, em 26 e 29 de outubro de 2010 (v. n.° 28, supra).

183    Por conseguinte, a Comissão concluiu, no considerando 98 da decisão impugnada, que as explicações da Telefónica sobre o atraso na realização do alegado exercício de autoavaliação não eram corroboradas pelos factos do processo.

184    Além disso, a Comissão rejeitou, nos considerandos 99 e 100 da decisão impugnada, os argumentos da PT baseados no facto de que a cláusula já não era uma prioridade uma vez o acordo assinado. Em primeiro lugar, PT alegou que tinha concentrado os seus esforços na conclusão das transações da Vivo e da Oi. Em segundo lugar, a cláusula de não concorrência estava subordinada à confirmação da sua legalidade e do seu alcance. Em terceiro lugar, não entrou em vigor antes da data da conclusão definitiva da transação, a saber, em 27 de setembro de 2010. Em quarto lugar, PT sustentava que não tinha sido contactada por nenhuma autoridade da concorrência. Em quinto lugar, PT considerava que o resultado da autoavaliação concluiria que a aplicação de um compromisso de não concorrência tinha poucas possibilidades de ser concretizada, independentemente do seu alcance. Foram as informações publicadas no final de agosto de 2010 no Jornal de Negócios e no Cinco Días, relativas à cláusula que vinculava as partes, e em 19 de outubro de 2010 no Diário Económico, a respeito da investigação realizada pela CNC relativamente à cláusula, que levaram as partes a entrar em contacto entre si.

185    Segundo a Comissão, estes argumentos não bastam para explicar as razões pelas quais uma obrigação contratual vinculativa, a saber, a alegada obrigação de realizar um exercício de autoavaliação, não foi respeitada. Além disso, mesmo que a cláusula tivesse sido acompanhada de uma qualquer obrigação de realizar uma autoavaliação, a observância desta obrigação deveria fazer parte integrante da conclusão da transação da Vivo, sobre a qual, ao que parece, a PT centrava toda a sua atenção. Por outro lado, o facto de o compromisso de não concorrência entrar em vigor na data da conclusão definitiva da transação, a saber, em 27 de setembro de 2010, não pode justificar o atraso verificado na realização do exercício de autoavaliação, realizado em outubro. Bem pelo contrário, seria de esperar que a avaliação da legalidade da cláusula ocorresse antes da sua entrada em vigor. Finalmente, o facto de ser pouco provável justificar o compromisso de não concorrência deveria ter favorecido mais a rápida supressão da cláusula em vez da sua manutenção.

186    Por último, a Comissão afirmou, no considerando 298 da decisão impugnada, que os elementos de prova constantes da documentação do procedimento no que se refere ao comportamento efetivo das partes relativamente à cláusula e, em especial, ao acordo de 4 de fevereiro de 2011 que revoga esta última (v. n.° 29, supra) revelavam que a cláusula não estabelecia nenhuma obrigação de autoavaliação. Quanto a este ponto, a Comissão analisou, em seguida, os correspondentes elementos de prova, a saber, em primeiro lugar, as declarações das partes relativas à natureza da cláusula previamente às suas respostas à comunicação de objeções, em segundo lugar, o acordo de 4 de fevereiro de 2011 que revogou a cláusula, em terceiro lugar, as conversas telefónicas do mês de outubro de 2010, em quarto lugar, a data de realização do pretenso exercício de autoavaliação e, em quinto lugar, outros elementos invocados pelas partes, como a publicidade da cláusula (considerandos 299 a 328 da decisão impugnada).

187    Há que constatar que a recorrente não apresenta elementos suscetíveis de pôr em causa estas conclusões da Comissão quanto ao pretenso exercício de autoavaliação destinado a verificar a legalidade da cláusula.

188    Por um lado, a recorrente limita‑se a afirmar que a Comissão tem um entendimento errado do exercício de autoavaliação, que não era necessário um exercício de avaliação comum, mas uma avaliação individual seguida de uma harmonização dos resultados, pelo que o facto de esta harmonização só ter tido lugar quatro semanas após a entrada em vigor do acordo não pode ser qualificado de prazo desmesurado. Ora, mesmo admitindo que as partes tivessem avaliado individualmente a cláusula, isso não justificaria um prazo de quatro semanas entre a sua entrada em vigor e a suposta harmonização dos resultados da pretensa autoavaliação da sua legalidade.

189    Por outro lado, embora a recorrente alegue que forneceu provas do conteúdo das conversas havidas em 26 e 29 de outubro de 2010, limita‑se a remeter para as afirmações das partes nas suas respostas à comunicação de objeções e para declarações de dois assessores jurídicos externos, de um representante da Telefónica e de um representante da PT. Ora, embora seja verdade que não há que retirar toda a credibilidade às declarações feitas por representantes das partes, nomeadamente se essas declarações são feitas perante notário, não se pode deixar de observar, como sublinha a Comissão nos considerandos 313 a 323 da decisão impugnada, que os resultados e o conteúdo das conferências invocados pela Telefónica não encontram qualquer apoio na formulação do acordo que revogou a cláusula de 4 de fevereiro de 2011, o qual explica em pormenor as circunstâncias em que as partes chegaram à decisão de suprimir a cláusula (v. n.° 29, supra).

190    Além disso, como sublinha a Comissão (considerandos 120 e 122 da decisão impugnada), as declarações não constituem uma prova contemporânea do conteúdo das conversações de outubro de 2010, o que lhes confere um valor probatório mais elevado (v., neste sentido, acórdãos de 11 de março de 1999, Ensidesa/Comissão, T‑157/94, Colet., EU:T:1999:54, n.° 312, e de 16 de dezembro de 2003, Nederlandse Federatieve Vereniging voor de Groothandel op Elektrotechnisch Gebied e Technische Unie/Comissão, T‑5/00 e T‑6/00, Colet., EU:T:2003:342, n.° 181). Além disso, embora um depoimento feito por uma testemunha direta das circunstâncias que apresentou deva, em princípio, ser qualificado como elemento de prova com elevado valor probatório (acórdão de 3 de março de 2011, Siemens/Comissão, T‑110/07, Colet., EU:T:2011:68, n.° 75), importa também tomar em consideração o facto de as declarações em causa no caso em apreço terem sido prestadas por uma pessoa que podia ter um interesse direto no processo e que não pode ser qualificada de independente da recorrente (v., neste sentido, acórdão Siemens/Comissão, já referido, EU:T:2011:68, n.os 69 e 70).

191    Daqui se conclui que, atendendo ao conjunto dos elementos em presença, estas declarações, enquanto únicos elementos de prova, não bastam para demonstrar que a cláusula continha uma obrigação de autoavaliação, cabendo recordar que, quanto ao valor probatório que há que dar aos diferentes elementos de prova, o único critério pertinente para apreciar as provas livremente apresentadas reside na sua credibilidade (v. acórdãos de 8 de julho de 2004, Mannesmannröhren‑Werke/Comissão, T‑44/00, Colet., EU:T:2004:218, n.° 84 e jurisprudência aí referida; Dalmine/Comissão, T‑50/00, Colet., EU:T:2004:220, n.° 72 e jurisprudência aí referida; e JFE Engineering e o./Comissão, n.° 125, supra, EU:T:2004:221, n.° 273) e que, segundo as regras normalmente aplicáveis em matéria de prova, a credibilidade e, portanto, o valor probatório de um documento dependem da sua origem, das circunstâncias da sua elaboração, do seu destinatário e do caráter razoável e fidedigno do seu conteúdo (acórdão de 15 de março de 2000, Cimenteries CBR e o./Comissão, T‑25/95, T‑26/95, T‑30/95 a T‑32/95, T‑34/95 a T‑39/95, T‑42/95 a T‑46/95, T‑48/95, T‑50/95 a T‑65/95, T‑68/95 a T‑71/95, T‑87/95, T‑88/95, T‑103/95 e T‑104/95, Colet., EU:T:2000:77, n.° 1053).

192    Resulta das considerações precedentes que os argumentos da recorrente baseados no pretenso exercício de autoavaliação realizado em outubro de 2010 devem ser rejeitados, assim como toda a argumentação destinada a alegar que a cláusula cumpria uma função de redução dos custos de transação.

 Quanto à pretensa função de alavanca estratégica para chegar ao consenso

193    No que respeita à pretensa função de alavanca estratégica para chegar ao consenso sobre a expressão «na medida», a Telefónica sustenta que sempre pretendeu suprimir a cláusula, mas que se deu conta, durante o processo de negociação, que, em razão da agenda política do Governo português, não poderia suprimir a cláusula sem pôr a transação em perigo, pelo que optou por a neutralizar com a ressalva «na medida». Como a sua vontade era desativar a cláusula, manteve sempre o seu caráter bilateral, uma vez que isso lhe teria permitido, sendo caso disso, evitar diferendos jurídicos e dirimir facilmente e de forma expedita o teste de legalidade exigido.

194    Por um lado, na medida em que esta argumentação se baseia no postulado de que o Governo português exigiu a cláusula, postulado que foi rejeitado nos n.os 136 a 162, supra, não pode se acolhida. Por outro lado, já se observou nos n.os 154 e 171, supra, que os argumentos da recorrente relativos ao caráter bilateral da cláusula deviam ser rejeitados.

 Quanto à pretensa função de garantia da manutenção da transação

195    Segundo a recorrente, a expressão «na medida do permitido por lei» também cumpriu a função de garantia da manutenção da transação, assegurando a sobrevivência desta mesmo em caso de contestação ou de decisão ex post. A importância que a PT dava à cláusula levava a pensar que esta a considerava essencial, de modo que existia o risco de, em caso de nulidade da cláusula, a PT tentar obter a nulidade da totalidade do acordo. Este risco foi atenuado, mas não suprimido, pela «cláusula standard de divisibilidade» que, em direito português, mais não faz do que inverter o ónus da prova quanto ao caráter essencial da cláusula para o acordo no seu todo.

196    Esta argumentação não pode ser acolhida, uma vez que se baseia na alegação segundo a qual, com a expressão «na medida do permitido por lei», a recorrente pretendia evitar que, em caso de nulidade da obrigação de não concorrência, o acordo ficasse privado de validade na sua totalidade. Ora, isto pressuporia que a cláusula fosse considerada essencial para a totalidade do acordo e, na medida em que a recorrente não alega que a cláusula era uma restrição acessória à transação da Vivo (v. n.os 107 a 110, supra) e não prova, designadamente através de um parecer jurídico apresentado em anexo, que a perceção subjetiva da Telefónica ou as pretensas preocupações da PT poderiam ser pertinentes relativamente à importância da cláusula para o acordo no seu todo, há que constatar que a recorrente não apresentou nenhum elemento suscetível de explicar por que razão uma cláusula de não concorrência no mercado ibérico poderia ser considerada objetivamente essencial para uma transação relacionada com a aquisição de participações no capital social de um operador brasileiro.

 Quanto à interpretação da redação da cláusula

197    A recorrente sustenta que a Comissão toma em consideração de forma parcial a redação da cláusula, centrando‑se na epígrafe «não concorrência» e ignorando a expressão «na medida do», violando assim os direitos de defesa e o ónus da prova que lhe incumbe. A redação verdadeiramente pertinente da cláusula está no seu dispositivo, que demonstra que a vontade não era restringir a concorrência, mas conformar‑se com a lei. A publicidade e a curta duração da cláusula são inconciliáveis no âmbito de um acordo de partilha de mercados, como alegou a Comissão. O acordo também não previa mecanismos de controlo do cumprimento da restrição e o seu âmbito de aplicação estava longe de ser claro. Os acordos «simples» de partilha de mercados não são públicos, nem submetidos a uma apreciação da legalidade, nem negociados com o governo, nem celebrados por um período limitado e, sobretudo, esses acordos são aplicados e implementados.

198    A argumentação da recorrente baseada na redação da cláusula não pode ser acolhida, uma vez que, contrariamente ao que a recorrente sustenta, a cláusula não refere claramente que a vontade das partes não era restringir a concorrência, mas conformar‑se com a lei.

199    A este respeito, é revelador que a recorrente alegue que se podia imaginar que a cláusula podia esclarecer que «[a]s partes [eram] livres de concorrer entre si em todo o mercado ibérico (a PT em Espanha e a Telefónica em Portugal), exceto nos casos em que a existência de um motivo legítimo [permitisse] a restrição legal da concorrência». A recorrente entende que, se a cláusula tivesse sido redigida desta forma, a Comissão teria chegado a uma outra decisão, o que não deveria ser o caso, porquanto a redação real e a redação alternativa são equivalentes de um ponto de vista funcional. Ora, sem que seja necessário pronunciar‑se sobre a questão de saber se a redação alternativa proposta pela recorrente é realmente equivalente à redação da cláusula, o simples facto de propor assim uma redação alternativa alegadamente equivalente de um ponto de vista funcional mostra claramente que a interpretação da cláusula não pode basear‑se unicamente na redação da mesma, mas deve ter em conta o seu contexto que, como resulta dos desenvolvimento anteriores, não corrobora a interpretação proposta pela recorrente.

200    Decorre do conjunto das considerações precedentes que a recorrente não demonstrou que, atendendo a todas as circunstâncias, a cláusula não constituía uma restrição da concorrência por objeto, uma vez que a expressão «na medida do permitido por lei» a tinha transformado numa cláusula de autoavaliação da legalidade de um compromisso de não concorrência. Por conseguinte, os três primeiros fundamentos devem ser rejeitados.

2.     Quanto ao quarto fundamento, relativo à violação do artigo 101.° TFUE, a uma insuficiência de fundamentação e à apreciação incorreta da aptidão da prática para restringir a concorrência

201    A recorrente sustenta que a Comissão cometeu um erro manifesto de apreciação relativamente à aptidão da cláusula para restringir a concorrência entre a PT e a própria recorrente e que a Comissão fundamentou insuficientemente a decisão impugnada quanto a este aspeto. A Comissão não examinou este aspeto, que foi invocado na resposta à comunicação de objeções, e não fez qualquer estudo da estrutura dos mercados afetados, do contexto económico e das possibilidades reais e concretas das partes de entrarem nos seus mercados vizinhos respetivos durante o breve período previsto na cláusula. Segundo a recorrente, se a Comissão tivesse procedido a esse exame, teria constatado que as partes não eram concorrentes potenciais. Ora, na falta de concorrência potencial suscetível de ser restringida, a cláusula não pode ser uma restrição da concorrência por objeto. Por último, segundo a recorrente, não podem ser acolhidos os elementos apresentados pela Comissão na decisão impugnada para justificar a falta de análise pormenorizada dos mercados e de responder aos argumentos das partes nas suas respostas à comunicação de objeções.

202    Por outro lado, a recorrente critica a Comissão por ter afirmado, no considerando 364 da decisão impugnada (v. n.° 46, supra), que, mesmo que se considerasse que a cláusula não era suscetível de restringir a concorrência, isso não impediria que fosse considerada uma restrição da concorrência por objeto.

203    A título liminar, deve observar‑se, em resposta a este último argumento, que não pode, com efeito, ser afirmado que, mesmo que se considerasse que a cláusula não era suscetível de restringir a concorrência, isso não impediria que fosse considerada uma restrição da concorrência por objeto. Como o Tribunal de Justiça já referiu, para ter um objetivo anticoncorrencial, basta que o acordo seja suscetível de produzir efeitos negativos sobre a concorrência, isto é, que seja concretamente apto a impedir, restringir ou falsear a concorrência no mercado interno (acórdão de 14 de março de 2013, Allianz Hungária Biztosító e o., C‑32/11, Colet., EU:C:2013:160, n.° 38).

204    Contudo, há que observar que a recorrente não refere que a Comissão citou, no considerando 364 da decisão impugnada, o acórdão de 25 de janeiro de 2007, Sumitomo Metal Industries e Nippon Steel/Comissão (C‑403/04 P e C‑405/04 P, Colet., EU:C:2007:52, n.os 44 e 45), e que afirmou que, se um acordo tiver por objeto a restrição da concorrência, é irrelevante, no que respeita à existência da infração, que seja ou não do interesse comercial dos participantes. A Comissão concluiu que, por conseguinte, o facto de a cláusula não ser suscetível de produzir quaisquer efeitos nos interesses comerciais da Telefónica ou da PT é irrelevante (v. n.° 46, supra).

205    Daqui se conclui que resulta do referido considerando que a Comissão não afirmou que, de um modo geral, era indiferente que um acordo fosse apto a produzir efeitos para o qualificar de restrição da concorrência por objeto, mas que, no caso em apreço, a argumentação da Telefónica reproduzida, designadamente, no considerando 359, alínea d), da decisão impugnada, relativa à falta de incentivo das partes a entrar no mercado da outra parte, não era pertinente, pois era indiferente, no âmbito de um acordo cujo objetivo era restringir a concorrência, que a celebração do acordo tivesse ou não sido do interesse comercial das partes.

206    Além disso, no que se refere, em primeiro lugar, à alegação relativa à insuficiência de fundamentação, resulta da argumentação da recorrente que esta não põe em causa a fundamentação da decisão impugnada propriamente dita, mas o facto de que a Comissão não realizou, segundo a recorrente, erradamente, um estudo da estrutura dos mercados afetados e das possibilidades reais de concorrência das partes nesses mercados. Com efeito, a recorrente contesta os argumentos apresentados nos considerandos 265 a 278 da decisão impugnada.

207    Em todo o caso, resulta dos referidos considerandos que a Comissão explicou as razões pelas quais não considerou necessário proceder a uma análise pormenorizada da estrutura dos mercados afetados e que respondeu aos argumentos formulados pelas partes nas suas respostas à comunicação de objeções relativamente à existência de uma concorrência potencial entre elas, conforme resumidos nos considerandos 268 a 270 da decisão impugnada. A argumentação da recorrente não pode ser acolhida na medida em que possa ser entendida no sentido de que critica uma alegada falta de fundamentação da decisão impugnada quanto a este aspeto.

208    Em segundo lugar, quanto à alegação relativa à apreciação incorreta da «aptidão» da cláusula para restringir a concorrência entre a PT e a Telefónica em razão da posição da Comissão segundo a qual, no caso em apreço, não estava obrigada a proceder a uma análise pormenorizada da estrutura dos mercados em causa, importa, como resulta da decisão impugnada, salientar três elementos nos quais a Comissão se baseou para concluir que não era necessário proceder a uma análise pormenorizada do facto de as partes serem ou não concorrentes potenciais relativamente a cada mercado específico para analisar se o acordo constituía uma restrição da concorrência por objeto (considerando 278 da decisão impugnada).

209    Antes de mais, a Comissão salientou que a participação num acordo de não concorrência ou a previsão da necessidade de realização de uma autoavaliação da legalidade e do âmbito de um compromisso de não concorrência acessório, caso fosse aceite a interpretação das partes para a cláusula, constituía um reconhecimento, pelas partes, de que eram, pelo menos, concorrentes potenciais relativamente a alguns serviços. Com efeito, na ausência de uma concorrência potencial, não haveria qualquer razão para concluir um acordo de não concorrência ou para considerar a necessidade de autoavaliar um compromisso de não concorrência (considerando 271 da decisão impugnada).

210    Em seguida, a Comissão observou que a cláusula tinha um âmbito alargado, uma vez que se aplicava a todos os serviços de comunicações eletrónicas, bem como aos serviços de televisão (considerandos 141, 265 e 278 da decisão impugnada).

211    Por último, a Comissão afirmou que os referidos serviços estavam liberalizados em conformidade com o quadro regulamentar da União, que permitia e incentivava a concorrência entre os operadores (considerando 265 da decisão impugnada), e que esse contexto liberalizado, em que a concorrência era possível e incentivada, deveria constituir o ponto de partida para a apreciação da cláusula (considerando 267 da decisão impugnada).

212    Por outro lado, importa recordar a jurisprudência já referida no n.° 104, supra, segundo a qual, a fim de apreciar se um acordo entre empresas ou uma associação de empresas apresenta um grau suficiente de nocividade para ser considerado uma restrição da concorrência por objeto no sentido do artigo 101.°, n.° 1, TFUE, deve atender‑se ao teor das suas disposições, aos objetivos que visa atingir, bem como ao contexto económico e jurídico em que o mesmo se insere. No âmbito da apreciação do referido contexto, há também que tomar em consideração a natureza dos bens ou dos serviços afetados e as condições reais do funcionamento e da estrutura do mercado ou dos mercados em causa (v. acórdão CB/Comissão, n.° 100, supra, EU:C:2014:2204, n.° 53 e jurisprudência aí referida).

213    No entanto, embora, no âmbito da interpretação do contexto de um acordo, haja que tomar em consideração as condições reais do funcionamento e da estrutura do mercado ou dos mercados em causa, a Comissão não é sempre obrigada a proceder a uma definição precisa do ou dos mercados em causa. Com efeito, a definição do mercado em causa não desempenha o mesmo papel consoante se trate de aplicar o artigo 101.° TFUE ou o artigo 102.° TFUE. No âmbito da aplicação do artigo 102.° TFUE, a definição adequada do mercado em causa é condição necessária e prévia a qualquer julgamento sobre um comportamento pretensamente anticoncorrencial (acórdãos de 10 de março de 1992, SIV e o./Comissão, T‑68/89, T‑77/89 e T‑78/89, Colet., EU:T:1992:38, n.° 159, e de 11 de dezembro de 2003, Adriatica di Navigazione/Comissão, T‑61/99, Colet., EU:T:2003:335, n.° 27), uma vez que, antes de declarar a existência de um abuso de posição dominante, é necessário estabelecer a existência de uma posição dominante num dado mercado, o que pressupõe que este mercado tenha sido previamente delimitado. Em contrapartida, resulta de jurisprudência constante que, no quadro da aplicação do artigo 101.° TFUE, é para determinar se o acordo em causa é suscetível de afetar o comércio entre Estados‑Membros e tem por objetivo ou por efeito impedir, restringir ou falsear a concorrência no mercado interno que é necessário definir o mercado em causa (acórdãos de 21 de fevereiro de 1995, SPO e o./Comissão, T‑29/92, Colet., EU:T:1995:34, n.° 74, e Adriatica di Navigazione/Comissão, já referido, EU:T:2003:335, n.° 27; v., também, acórdão de 12 de setembro de 2007, Prym e Prym Consumer/Comissão, T‑30/05, EU:T:2007:267, n.° 86 e jurisprudência aí referida).

214    Assim, no quadro do artigo 101.°, n.° 1, TFUE, não é necessária uma definição prévia do mercado relevante sempre que o acordo controvertido, em si mesmo, tenha um objeto anticoncorrencial, ou seja, sempre que a Comissão tenha podido corretamente chegar à conclusão, sem uma delimitação prévia do mercado, que o acordo em causa falseava a concorrência e era suscetível de afetar de forma sensível o comércio entre os Estados‑Membros. Trata‑se, nomeadamente, do caso das infrações mais graves, explicitamente proibidas pelo artigo 101.°, n.° 1, alíneas a) a e), TFUE (conclusões do advogado‑geral Y. Bot nos processos apensos Erste Group Bank e o./Comissão, C‑125/07 P, C‑133/07 P, C‑135/07 P e C‑137/07 P, Colet., EU:C:2009:192, n.os 168 a 175). Se o próprio objeto de um acordo for restringir a concorrência através de uma «partilha de mercados», não será assim necessário definir com precisão os mercados em causa, pois a concorrência efetiva ou potencial foi necessariamente restringida (acórdão Mannesmannröhren‑Werke/Comissão, n.° 191, supra, EU:T:2004:218, n.° 132).

215    Por conseguinte, na medida em que, no caso em apreço, a Comissão concluiu que a cláusula punida pela decisão impugnada tinha por objeto uma partilha de mercados, a recorrente não pode sustentar que era necessária uma análise pormenorizada dos mercados em causa para determinar se a cláusula constituía uma restrição da concorrência por objeto.

216    Com efeito, as empresas que celebram um acordo que tem por objeto restringir a concorrência não podem, em princípio, eximir‑se à aplicação do artigo 101.°, n.° 1, TFUE, alegando que o acordo não devia ter uma incidência considerável na concorrência (acórdão Mannesmannröhren‑Werke/Comissão, n.° 191, supra, EU:T:2004:218, n.° 130). Uma vez que o acordo punido no caso em apreço consistia numa cláusula de não concorrência, definida pelas partes como aplicável a «qualquer projeto no setor das telecomunicações (incluindo serviços de comunicações fixas ou móveis, serviços de acesso à Internet e serviços de televisão, mas excluindo qualquer investimento e atividade detidos ou realizados à data do presente acordo) que possa ser considerado como estando em concorrência com a outra parte no mercado ibérico», a sua existência só tinha sentido se houvesse uma concorrência a restringir (acórdãos Mannesmannröhren‑Werke/Comissão, n.° 191, supra, EU:T:2004:218, n.° 131, e de 21 de maio de 2014, Toshiba/Comissão, T‑519/09, EU:T:2014:263, n.° 231).

217    A este respeito, deve ser rejeitada a argumentação da recorrente segundo a qual, embora se pudesse ainda admitir que, se tivesse sido demonstrado que a vontade real das partes era restringir ilegalmente a concorrência, a cláusula constituiria um indício da existência de uma concorrência potencial, no caso em apreço, não seria assim, uma vez que a cláusula não tinha uma finalidade restritiva, mas respondia a exigências estratégicas de negociação.

218    Com efeito, não só a recorrente não demonstrou que a cláusula respondia a tais exigências estratégicas (v. n.os 121 a 175, supra), quando isso constituía a própria premissa da sua argumentação, mas além disso, impõe‑se constatar, à semelhança da Comissão, que a argumentação da recorrente padece de uma certa incoerência. Com efeito, mesmo que a cláusula só implicasse uma obrigação de avaliar se uma obrigação de não concorrência era legalmente possível e se a inclusão de tal obrigação no acordo tinha sido entendida como necessária por um dos atores envolvidos na transação da Vivo, tal constituiria um forte indício da existência de uma concorrência potencial entre as partes.

219    Por outro lado, a recorrente também não pode invocar o acórdão de 29 de junho de 2012, E.ON Ruhrgas e E.ON/Comissão (T‑360/09, Colet., EU:T:2012:332), para sustentar que, genericamente, a existência de um acordo de não concorrência não pode constituir uma prova da existência de uma concorrência potencial entre as partes.

220    Assim, no n.° 115 do referido acórdão, o Tribunal Geral limitou‑se a afirmar que, no período em que existiam num mercado barreiras à entrada e estruturas que impediam a entrada de novos concorrentes, a simples existência de um acordo de não concorrência não basta para demonstrar que existia uma concorrência potencial no mercado em causa.

221    Em contrapartida, resulta, nomeadamente, da referida jurisprudência que, em presença de um mercado liberalizado como o que está em causa no caso em apreço, a Comissão não deve proceder a uma análise da estrutura do mercado em causa e da questão de saber se a entrada nesse mercado corresponde, para cada uma das partes, a uma estratégia económica viável (v., neste sentido, acórdão E.ON Ruhrgas e E.ON/Comissão, n.° 219, supra, EU:T:2012:332, n.os 89 a 93), mas está obrigada a examinar se existem barreiras intransponíveis à entrada no mercado, que excluem qualquer concorrência potencial (v., neste sentido, acórdão Toshiba/Comissão, n.° 216, supra, EU:T:2014:263, n.° 230).

222    Ora, no caso em apreço, a Comissão não só declarou que o mercado dos serviços de telecomunicações e de televisão em Espanha e em Portugal estava totalmente liberalizado (v. n.° 211, supra) como também salientou que as partes, como elas próprias reconheceram, estavam presentes nos mercados dos serviços globais de telecomunicações e nos mercados dos serviços grossistas de transporte internacional, em todo o mercado ibérico (considerandos 173, 174 e 272 da decisão impugnada); que as partes não tinham demonstrado que a duração da cláusula se revelou insuficiente para adquirir um operador de telecomunicações existente, como forma de passar a deter certas redes sem necessidade de as implantar (considerando 273 da decisão impugnada); que as atuais condições dos mercados espanhol e português não podiam ser invocadas para excluir a possibilidade de investimento no setor, na medida em que, não obstante a crise, os investimentos nesses mercados tinham registado um crescimento ou, pelo menos, permanecido estáveis (considerando 274 da decisão impugnada); e, por último, que a própria Telefónica tinha admitido que o lançamento de uma oferta pública de aquisição sobre uma sociedade como a PT seria uma possibilidade durante as negociações da transação da Vivo, pelo que a aquisição de um concorrente da PT poderia também ser possível (considerandos 37 e 275 a 277 da decisão impugnada).

223    Na sua petição, a recorrente não apresenta nenhum elemento suscetível de indicar que, apesar destes elementos, seria necessária uma análise pormenorizada dos mercados em causa para determinar se a cláusula constituía uma restrição da concorrência por objeto ou para determinar que nenhuma barreira intransponível impedia as partes de entrarem nos seus mercados vizinhos respetivos.

224    Com efeito, há que observar que, para além da sua argumentação já tratada nos n.os 201 a 221, supra, a recorrente se limita, nos seus articulados, a contestar a argumentação da Comissão resumida no n.° 222, supra, sem que essa contestação se afigure suscetível de pôr em causa a análise da Comissão segundo a qual, no caso em apreço, não estava obrigada a proceder a uma análise pormenorizada da concorrência potencial entre as partes nos mercados afetados pela cláusula.

225    Do mesmo modo, não pode ser acolhida a argumentação adicional da recorrente, que consiste em apresentar elementos destinados a demonstrar que uma entrada nos mercados em causa não correspondia às prioridades estratégicas das partes ou não era economicamente vantajosa ou atrativa.

226    Com efeito, sem que seja necessário examinar em pormenor essa argumentação nem se pronunciar sobre a metodologia, contestada pela Comissão, de um dos relatórios económicos apresentados pela recorrente, basta referir que, embora a intenção de uma empresa de integrar um mercado seja eventualmente pertinente para averiguar se esta pode ser considerada um concorrente potencial no referido mercado, o elemento essencial no qual deve assentar essa qualificação é, no entanto, constituído pela sua capacidade para integrar o referido mercado (v. acórdão E.ON Ruhrgas e E.ON/Comissão, n.° 219, supra, EU:T:2012:332, n.° 87 e jurisprudência aí referida).

227    Resulta das considerações precedentes que não se pode afirmar que, apesar do facto de a própria existência da cláusula ser um forte indício de uma concorrência potencial entre as partes, o seu objeto consistir num acordo de partilha de mercados, ter um âmbito de aplicação alargado e se inserir num contexto económico liberalizado, a Comissão deveria ter procedido a uma análise pormenorizada da estrutura dos mercados em causa e da concorrência potencial entre as partes nesses mercados, para concluir que a cláusula constituía uma restrição da concorrência por objeto. Por conseguinte, o quarto fundamento deve ser rejeitado.

3.     Quanto ao quinto fundamento, relativo à violação do artigo 101.° TFUE, na medida em que a cláusula não é uma restrição por efeito e à violação das regras sobre o ónus da prova e do princípio in dubio pro reo

228    A recorrente alega que, na medida em que a cláusula não constitui uma restrição por objeto, cabia à Comissão provar que o comportamento alegadamente restritivo tinha ocorrido, que este comportamento tinha tido efeitos reais ou potenciais no mercado e que esses efeitos tinham sido significativos. Uma vez que a Comissão não demonstrou que a cláusula era restritiva pelos seus efeitos, o artigo 101.° TFUE foi aplicado de forma incorreta e os princípios da presunção de inocência e do ónus da prova foram violados.

229    Na medida em que esta argumentação se baseia na premissa errada de que o comportamento em causa não pode ser qualificado de restrição da concorrência por objeto, deve ser rejeitada. Decorre do próprio texto do artigo 101.°, n.° 1, TFUE que os acordos entre empresas são proibidos, independentemente de qualquer efeito, se tiverem um objeto anticoncorrencial. Consequentemente, a demonstração de efeitos anticoncorrenciais reais não é exigida quando estiver provado o objeto anticoncorrencial dos comportamentos imputados (v. acórdão de 3 de março de 2011, Siemens e VA Tech Transmission & Distribution/Comissão, T‑122/07 a T‑124/07, Colet., EU:T:2011:70, n.° 75 e jurisprudência aí referida).

230    Com efeito, para a aplicação do artigo 101.°, n.° 1, TFUE, a tomada em consideração dos efeitos concretos de um acordo é supérflua, a partir do momento em que se verifique que este tem por objeto restringir, impedir ou falsear a concorrência. Tal é nomeadamente o caso dos acordos que incluem restrições patentes à concorrência, como a fixação dos preços e a repartição do mercado (acórdão de 8 de dezembro de 2011, KME Germany e o./Comissão, C‑389/10 P, Colet., EU:C:2011:816, n.° 75).

231    Por conseguinte, o quinto fundamento, relativo ao facto de a Comissão não ter examinado os efeitos da cláusula, deve ser rejeitado.

B –  Quanto aos pedidos que visam o montante da coima

232    Com o seu sexto, sétimo e oitavo fundamentos, aduzidos a título subsidiário, a recorrente invoca diversos erros cometidos no cálculo da coima.

1.     Observações preliminares

a)     Quanto aos princípios relativos ao cálculo das coimas

233    Importa recordar que decorre de jurisprudência constante que a Comissão beneficia de um amplo poder de apreciação quanto ao método de cálculo das coimas. Este método, circunscrito pelas orientações, contém diferentes elementos de flexibilidade que permitem à Comissão exercer o seu poder discricionário em conformidade com o disposto no artigo 23.°, n.° 2, do Regulamento n.° 1/2003 (v., neste sentido e por analogia, acórdão de 3 de setembro de 2009, Papierfabrik August Koehler e o./Comissão, C‑322/07 P, C‑327/07 P e C‑338/07 P, Colet., EU:C:2009:500, n.° 112 e jurisprudência aí referida).

234    A gravidade das infrações ao direito da concorrência da União deve ser estabelecida em função de um grande número de elementos, como, designadamente, as circunstâncias específicas do caso, o seu contexto e o caráter dissuasivo das coimas, e isto sem que tenha sido fixada uma lista vinculativa ou exaustiva de critérios que devam obrigatoriamente ser tomados em consideração (acórdãos de 19 de março de 2009, Archer Daniels Midland/Comissão, C‑510/06 P, Colet., EU:C:2009:166, n.° 72, e de 3 de setembro de 2009, Prym e Prym Consumer/Comissão, C‑534/07 P, Colet., EU:C:2009:505, n.° 54).

235    Como referido no n.° 52, supra, a Comissão, no presente caso, determinou o montante das coimas mediante a aplicação do método definido nas orientações.

236    Embora estas orientações não possam ser qualificadas de regra jurídica que, em qualquer caso, a Administração está obrigada a observar, enunciam, no entanto, uma regra de conduta indicativa da prática a seguir, da qual a Administração não se pode afastar, num caso específico, sem apresentar razões compatíveis com o princípio da igualdade de tratamento (v., por analogia, acórdãos de 28 de junho de 2005, Dansk Rørindustri e o./Comissão, C‑189/02 P, C‑202/02 P, C‑205/02 P a C‑208/02 P e C‑213/02 P, Colet., EU:C:2005:408, n.° 209 e jurisprudência aí referida, e de 8 de outubro de 2008, Carbone‑Lorraine/Comissão, T‑73/04, Colet., EU:T:2008:416, n.° 70).

237    Ao adotar essas regras de conduta e ao anunciar, através da sua publicação, que as aplicará no futuro aos casos a que essas regras dizem respeito, a Comissão autolimita‑se no exercício do seu poder de apreciação e não pode afastar‑se dessas regras sob pena de poder ser sancionada, eventualmente, por violação de princípios gerais do direito, como os da igualdade de tratamento ou da proteção da confiança legítima (v., por analogia, acórdãos Dansk Rørindustri e o./Comissão, n.° 236, supra, EU:C:2005:408, n.° 211 e jurisprudência aí referida, e Carbone‑Lorraine/Comissão, n.° 236, supra, EU:T:2008:416, n.° 71).

238    Além disso, as orientações determinam, de forma geral e abstrata, a metodologia que a Comissão impôs a si própria para efeitos da fixação do montante das coimas e garantem, por conseguinte, a segurança jurídica das empresas (v., por analogia, acórdão Dansk Rørindustri e o./Comissão, n.° 236, supra, EU:C:2005:408, n.os 211 e 213).

239    Os pontos 4 e 5 das orientações preveem o seguinte:

«4. O poder da Comissão para aplicar coimas às empresas ou associações de empresas sempre que, deliberadamente ou por negligência, cometam uma infração ao disposto nos artigos [101.° TFUE] ou [102.° TFUE] constitui um dos meios atribuídos à Comissão para lhe permitir realizar o papel de vigilância que o Tratado lhe confere. Este papel não compreende unicamente a tarefa de instruir e de reprimir as infrações individuais, incluindo também o dever de prosseguir uma política geral destinada a aplicar em matéria de concorrência os princípios estabelecidos no Tratado e a orientar nesse sentido o comportamento das empresas. Para tal efeito, a Comissão deve assegurar o caráter dissuasivo da sua ação. Por conseguinte, sempre que a Comissão deteta uma infração às disposições dos artigos [101.° TFUE] ou [102.° TFUE], pode ser necessária a aplicação de uma coima aos que não respeitaram as normas jurídicas. As coimas devem ser fixadas segundo um nível suficientemente dissuasivo, não somente para sancionar as empresas em causa (efeito dissuasivo específico), mas também para dissuadir outras empresas de terem comportamentos contrários aos artigos [101.° TFUE] ou [102.° TFUE] ou de continuarem a ter tais comportamentos (efeito dissuasivo geral).

5. A fim de atingir estes objetivos, é adequado que a Comissão tenha em consideração, como base para a determinação das coimas, o valor das vendas dos bens ou serviços relacionadas com a infração. A duração da infração deve igualmente desempenhar um papel significativo na determinação do montante adequado da coima. A duração da infração tem necessariamente um impacto nas consequências potenciais da infração no mercado. Por conseguinte, é considerado importante que a coima reflita igualmente o número de anos durante o qual a empresa participou na infração.»

240    As orientações definem um método de cálculo composto por duas etapas (ponto 9 das orientações). Preveem, na primeira etapa de cálculo, a determinação pela Comissão de um montante de base para cada empresa ou associação de empresas em causa e incluem, a esse respeito, as seguintes disposições:

«12. O montante de base será fixado em função do valor das vendas de acordo com a metodologia que se segue.

[…]

13. Para determinar o montante de base da coima a aplicar, a Comissão utilizará o valor das vendas de bens ou serviços, realizadas pela empresa, relacionadas direta ou indiretamente com a infração, na área geográfica em causa no território do [EEE]. A Comissão utilizará em princípio as vendas realizadas pela empresa durante o último ano completo da sua participação na infração.

[...]

19. O montante de base da coima estará ligado a uma proporção do valor das vendas, determinado em função do grau de gravidade da infração, multiplicado pelo número de anos de infração.

20. A apreciação da gravidade será feita numa base casuística para cada tipo de infração, tendo em conta todas as circunstâncias relevantes do caso.

21. Regra geral, a proporção do valor das vendas tomada em conta será fixada num nível que pode ir até 30%.

22. A fim de decidir se a proporção do valor das vendas a tomar em consideração num determinado caso se deverá situar num nível inferior ou superior desta escala, a Comissão terá em conta certos fatores, como a natureza da infração, a quota de mercado agregada de todas as partes em causa, o âmbito geográfico da infração e se a infração foi ou não posta em prática.

23. Os acordos horizontais de fixação de preços, de repartição de mercado e de limitação de produção, que são geralmente secretos, são pela sua natureza considerados as restrições de concorrência mais graves. No âmbito da política da concorrência serão sancionados severamente. Por conseguinte, a proporção das vendas tida em conta para tais infrações situar‑se‑á geralmente num nível superior da escala.

24. A fim de ter plenamente em conta a duração da participação de cada empresa na infração, o montante determinado em função do valor das vendas (ver os pontos 20 a 23) será multiplicado pelo número de anos de participação na infração. Os períodos inferiores a um semestre serão contados como meio ano e os períodos superiores a seis meses, mas inferiores a um ano, serão contados como um ano completo.

25. Além disso, independentemente da duração da participação de uma empresa na infração, a Comissão incluirá no montante de base uma soma compreendida entre 15% e 25% do valor das vendas tal como definido na secção A a fim de dissuadir as empresas de participarem até mesmo em acordos horizontais de fixação de preços, de repartição de mercado e de limitação de produção. A Comissão pode igualmente aplicar tal montante adicional no caso de outras infrações. Para decidir a proporção do valor das vendas a ter em conta num determinado caso, a Comissão terá em conta certos fatores, em especial os identificados no ponto 22.

[…]»

241    As orientações preveem, numa segunda etapa de cálculo, que a Comissão poderá ajustar o montante de base, para cima ou para baixo, com base numa apreciação global que tenha em conta todas as circunstâncias relevantes (pontos 11 e 27 das orientações).

242    A título de circunstâncias desse tipo, o ponto 29 das orientações enuncia o seguinte:

«O montante de base da coima pode ser diminuído sempre que a Comissão verifique existirem circunstâncias atenuantes, designadamente quando:

–        a empresa em causa prova que pôs termo à infração desde as primeiras intervenções da Comissão. Tal não será aplicado aos acordos ou práticas de natureza secreta (em especial os cartéis);

–        a empresa em causa prova que a infração foi cometida por negligência;

–        a empresa em causa prova que a sua participação na infração é substancialmente reduzida e demonstra por conseguinte que, durante o período em que aderiu aos acordos que são objeto de infração, se subtraiu efetivamente à respetiva aplicação adotando um comportamento concorrencial no mercado. O simples facto de uma empresa ter participado numa infração por um período mais curto que os outros não será considerado como uma circunstância atenuante, dado que esta circunstância já se encontra refletida no montante de base;

–        a empresa em causa colabora efetivamente com a Comissão, fora do âmbito de aplicação da comunicação sobre a clemência e para além das suas obrigações legais de cooperação;

–        o comportamento anticoncorrencial foi autorizado ou incentivado pelas autoridades públicas ou pela regulamentação.»

243    Por último, como o Tribunal de Justiça recordou nos seus acórdãos KME Germany e o./Comissão, n.° 230, supra (EU:C:2011:816, n.° 129), e KME Germany e o./Comissão, n.° 87, supra (EU:C:2011:810, n.° 102), compete ao juiz da União efetuar a fiscalização da legalidade que lhe incumbe com base nos elementos apresentados pelo recorrente em apoio dos fundamentos invocados. Nesta fiscalização, o juiz não se pode apoiar na margem de apreciação de que dispõe a Comissão nem relativamente à escolha dos elementos a levar em conta no momento da aplicação dos critérios mencionados nas orientações nem relativamente à avaliação destes elementos, renunciando ao exercício de uma fiscalização aprofundada, tanto de direito como de facto.

244    A fiscalização da legalidade é completada pela competência de plena jurisdição que era reconhecida ao juiz da União pelo artigo 17.° do Regulamento n.° 17 do Conselho, de 6 de fevereiro de 1962, Primeiro Regulamento de execução dos artigos [81.° CE] e [82.° CE] (JO 1962, 13, p. 204; EE 08 F1 p. 22), e que é atualmente reconhecida pelo artigo 31.° do Regulamento n.° 1/2003, em conformidade com o artigo 261.° TFUE. Esta competência habilita o juiz, para além da simples fiscalização da legalidade da sanção, a substituir a apreciação da Comissão pela sua própria apreciação e, consequentemente, a suprimir, reduzir ou aumentar a coima ou a sanção pecuniária compulsória aplicada (acórdão KME Germany e o./Comissão, n.° 87, supra, EU:C:2011:810, n.° 103).

b)     Decisão impugnada

245    Com base nos factos expostos na decisão impugnada, a Comissão considerou que a infração tinha sido cometida deliberadamente e consistia claramente num acordo ilegal de não concorrência e numa partilha dos mercados espanhol e português das comunicações eletrónicas entre as partes. Segundo a Comissão, no que diz respeito a este tipo de infração evidente, as partes não podem alegar que não agiram deliberadamente (considerando 477 da decisão impugnada).

246    No que se refere ao valor das vendas que serve de referência à fixação do montante de base, a Comissão considerou que a cláusula de não concorrência se aplicava a todos os serviços de comunicações eletrónicas e aos serviços de televisão prestados em Espanha ou em Portugal, com exceção dos serviços globais de telecomunicações e dos serviços grossistas de transporte internacional, relativamente aos quais as partes eram concorrentes na Península Ibérica, na data da assinatura do acordo, e que, por esse facto, foram excluídos do respetivo âmbito de aplicação. Além disso, tendo em conta que a cláusula excluía do seu âmbito de aplicação qualquer investimento e qualquer atividade existentes à data do acordo, que pudessem ser considerados como estando em concorrência com as atividades e os investimentos da outra parte no mercado ibérico, a Comissão apenas tomou em consideração, para cada uma das partes, o valor das suas vendas no respetivo país de origem. Por conseguinte, não tomou em consideração, nomeadamente, o valor das vendas de cada uma das partes no país de origem da outra parte, visto que esses montantes correspondiam, em princípio, a atividades existentes anteriormente, não abrangidas pela cláusula. Tal significa que, no que diz respeito à Telefónica, o valor das vendas foi fixado pela Comissão por referência ao valor das vendas desta última sociedade em Espanha, enquanto, para a PT, o referido valor foi determinado tendo em conta o valor das vendas desta sociedade em Portugal (considerandos 482 e 483 da decisão impugnada).

247    Em seguida, a Comissão afirmou que, normalmente, tomava em consideração as vendas realizadas pelas empresas durante o último ano completo da sua participação na infração. Visto que, no caso em apreço, a infração teve uma duração inferior a um ano e se encontra dividida entre 2010 e 2011, a Comissão utilizou as vendas das empresas em 2011, as quais foram inferiores às vendas realizadas pelas partes em 2010 (considerando 484 da decisão impugnada).

248    No que respeita à gravidade da infração, que determina a percentagem do valor das vendas a tomar em consideração para fixar o montante da coima, a Comissão alegou que, no caso em apreço, a infração consistia num acordo de não concorrência e de repartição dos mercados espanhol e português das comunicações eletrónicas e da televisão entre as partes e que a Telefónica e a PT eram os operadores históricos nos seus respetivos países (considerando 489 da decisão impugnada).

249    A Comissão referiu que tomava em consideração o facto de as partes não terem mantido a cláusula secreta, desde o momento em que foi introduzida pela primeira vez na oferta de 1 de junho de 2010. Com efeito, como explicado nos considerandos 128 a 130 da decisão impugnada, a segunda oferta, que incluía o primeiro projeto de cláusula, foi publicada pelas partes nos respetivos sítios de Internet e comunicada às autoridades reguladoras da bolsa de valores espanhola e portuguesa, que também a publicaram nos seus sítios de Internet. Por outro lado, em 9 de junho de 2010, a PT distribuiu aos seus acionistas uma brochura explicativa da transação e da cláusula. Além disso, o acordo com a versão final da cláusula fazia parte integrante do processo entregue pela Telefónica e pela PT à Anatel e à CADE. Por último, num artigo publicado no Jornal de Negócios, em 23 de agosto de 2010, a Telefónica confirmou que o acordo incluía uma cláusula de não concorrência (considerando 491 da decisão impugnada).

250    No que se refere à duração da infração, a Comissão tomou em consideração o facto de a mesma se ter prolongado de 27 de setembro de 2010, data da escritura pública e, portanto, da conclusão definitiva da transação, a 4 de fevereiro de 2011, data do acordo através do qual as partes puseram termo à cláusula (considerando 492 da decisão impugnada).

251    Atendendo a estes elementos, à dimensão das empresas e à curta duração do acordo restritivo, a Comissão entendeu que constituía fator dissuasivo, proporcionado e suficiente, nas circunstâncias específicas do presente caso, tomar em consideração uma percentagem baixa do valor das vendas na fixação do montante de base das coimas. Por conseguinte, a Comissão entendeu que a percentagem do valor das vendas a tomar em consideração devia ser de 2% para as duas empresas em causa (considerando 493 da decisão impugnada). A percentagem do valor das vendas fixada para cada empresa foi multiplicada pelo coeficiente fixado a título da duração, a saber 0,33, correspondente a quatro meses de um ano completo.

252    A Comissão adotou os montantes assim calculados como montantes de base finais, pelo que há que declarar que não incluiu um montante fixo de dissuasão (direito de entrada) no caso em apreço, tal como está previsto no ponto 25 das orientações (v. n.° 240, supra), o que, de resto, confirmou na audiência.

253    No que se refere ao ajustamento do montante de base, por um lado, a Comissão considerou que, no caso em apreço, não existiam circunstâncias agravantes (considerando 496 da decisão impugnada).

254    Por outro lado, a Comissão recordou que as partes tinham decidido revogar a cláusula em 4 de fevereiro de 2011, pondo assim termo à prática anticoncorrencial em causa. Segundo a Comissão, tendo em conta que a revogação da cláusula ocorreu apenas 16 dias depois de a Comissão ter iniciado o procedimento e 30 dias após a Comissão ter enviado o primeiro pedido de informações às partes e que a cláusula não era secreta, havia que considerar que a referida revogação constituía uma circunstância atenuante que se aplicava às duas partes (considerando 500 da decisão impugnada).

255    Atendendo a estas circunstâncias, a Comissão considerou que o montante de base da coima a aplicar às partes devia ser reduzido em 20% (considerando 501 da decisão impugnada) e rejeitou a totalidade dos argumentos das partes destinados a invocar outras circunstâncias atenuantes (considerandos 502 a 507 da decisão impugnada).

256    Consequentemente, os montantes finais das coimas ascendem a 66 894 400 euros para a Telefónica e a 12 290 400 euros para a PT.

2.     Quanto ao sexto fundamento, relativo a um erro manifesto no cálculo do valor inicial das vendas da Telefónica para determinar o montante de base da coima e à violação dos princípios da proporcionalidade e da fundamentação

257    A recorrente sustenta que o volume de vendas da Telefónica tomado em consideração para determinar o montante de base da coima deve ser reduzido e equiparado ao montante mais baixo aplicado à PT e que a Comissão incluiu erradamente no volume de vendas da Telefónica serviços não sujeitos a concorrência ou excluídos do âmbito de aplicação da cláusula, a saber, as vendas realizadas em Espanha, mas fora da Península Ibérica, as vendas no âmbito dos serviços fornecidos em regime de monopólio, as vendas no âmbito de outros serviços de acesso grossista aos quais a PT não podia aceder e, por último, as vendas da Telefónica no âmbito dos serviços fornecidos através da ZON, bem como as vendas correspondentes a atividades em que as partes eram concorrentes efetivas.

a)     Quanto à primeira parte, relativa ao facto de o volume das vendas tomado em consideração para a Telefónica dever ser o mesmo que o tomado em consideração para a PT

258    A recorrente opõe‑se à tomada em consideração, no considerando 483 da decisão impugnada, dos volumes de vendas de cada parte no seu Estado‑Membro de origem, para efeitos da determinação do montante de base da coima. Por força do princípio da proporcionalidade, seria, pelo contrário, adequado que o volume das vendas tomado em consideração para a Telefónica fosse equiparado ao montante mais baixo aplicado à PT, para não penalizar injustamente a Telefónica em relação à mesma infração recíproca apenas porque o mercado espanhol era bastante maior que o mercado português.

259    Além disso, tal como no processo que deu origem ao acórdão E.ON Ruhrgas e E.ON/Comissão, n.° 219, supra (EU:T:2012:332), existem no caso em apreço circunstâncias excecionais que justificam tal redução, a saber, por um lado, o diferente papel desempenhado pelas duas empresas quanto à inserção da cláusula no contrato, que demonstra que só PT estava realmente interessada, ao passo que a Telefónica se viu constrangida pelo Governo português a aceitar a cláusula e, por outro, a falta de impacto que uma aplicação efetiva da cláusula poderia ter tido na concorrência efetiva nos mercados de telecomunicações espanhóis.

260    Porém, há que recordar, a título preliminar, que, para fixar coimas como as que estão em causa no caso em apreço, a Comissão é obrigada a respeitar os princípios gerais do direito, especialmente os princípios da igualdade de tratamento e da proporcionalidade, tal como foram desenvolvidos pela jurisprudência dos órgãos jurisdicionais da União (acórdãos de 5 de abril de 2006, Degussa/Comissão, T‑279/02, Colet., EU:T:2006:103, n.os 77 e 79, e de 8 de outubro de 2008, Schunk e Schunk Kohlenstoff‑Technik/Comissão, T‑69/04, Colet., EU:T:2008:415, n.° 41). Em especial, o princípio da proporcionalidade exige que os atos das instituições não ultrapassem os limites do que é apropriado e necessário para atingir o fim desejado (acórdãos de 27 de setembro de 2006, Jungbunzlauer/Comissão, T‑43/02, Colet., EU:T:2006:270, n.° 226, e Prym e Prym Consumer/Comissão, n.° 213, supra, EU:T:2007:267, n.° 223).

261    Resulta ainda de jurisprudência constante que a parte do volume de negócios proveniente das mercadorias objeto da infração é de natureza a proporcionar uma correta indicação da amplitude de uma infração no mercado em causa (acórdão do Tribunal de Justiça de 7 de junho de 1983, Musique Diffusion française e o./Comissão, 100/80 a 103/80, Recueil, EU:C:1983:158, n.° 121). Em especial, o volume de negócios realizado com os produtos que constituíram o objeto de uma prática restritiva constitui um elemento objetivo que dá uma justa medida da nocividade dessa prática para o jogo normal da concorrência (acórdãos de 11 de março de 1999, British Steel/Comissão, T‑151/94, Colet., EU:T:1999:52, n.° 643, e de 8 de julho de 2008, Saint‑Gobain Gyproc Belgium/Comissão, T‑50/03, EU:T:2008:252, n.° 84). A Comissão pode assim validamente optar por se basear neste volume de negócios como ponto de partida para o cálculo do montante de base da coima a aplicar por uma violação das regras de concorrência, como fez nas orientações (v., neste sentido, acórdão de 16 de junho de 2011, Putters International/Comissão, T‑211/08, Colet., EU:T:2011:289, n.° 61).

262    Por outro lado, já foi decidido que há que se basear no volume de negócios das empresas implicadas numa mesma infração para determinar as relações entre as coimas a aplicar (acórdão de 12 de julho de 2011, Toshiba/Comissão, T‑113/07, Colet., EU:T:2011:343, n.° 283).

263    No caso em apreço, como sublinha acertadamente a Comissão, o facto de utilizar, como exige a recorrente, o volume de negócios da PT para calcular o montante de base da coima a aplicar à Telefónica seria contrário tanto ao princípio da proporcionalidade como ao princípio segundo o qual a coima deve ser fixada num nível que lhe assegure um caráter suficientemente dissuasivo.

264    No que respeita à referência ao processo que deu origem ao acórdão E.ON Ruhrgas e E.ON/Comissão, n.° 219, supra (EU: T: 2012:332), deve recordar‑se que é jurisprudência constante que a prática decisória da Comissão não serve de quadro jurídico às coimas em matéria de concorrência, dado que a Comissão dispõe, no domínio da fixação do montante das coimas, de um amplo poder de apreciação e não está vinculada pelas apreciações que fez anteriormente, de modo que a simples invocação pela Telefónica da decisão que deu origem ao acórdão E.ON Ruhrgas e E.ON/Comissão, n.° 219, supra (EU:T:2012:332), é em si inoperante, na medida em que a Comissão não era obrigada a apreciar o presente caso da mesma maneira (v., neste sentido, acórdão Archer Daniels Midland/Comissão, n.° 234, supra, EU:C:2009:166, n.° 82).

265    De resto, importa observar, à semelhança da Comissão, que as circunstâncias que justificaram a aplicação do mesmo valor de vendas para as duas empresas em causa no processo que deu origem ao acórdão E.ON Ruhrgas e E.ON/Comissão, n.° 219, supra (EU:T:2012:332), não se verificam no caso em apreço. Assim, no referido processo, as duas partes participantes num acordo de partilha de mercados detinham quotas de mercado equivalentes. No entanto, dado que uma grande parte do mercado do gás francês não estava aberta à concorrência, a aplicação do critério das orientações teria conduzido a uma grande diferença entre as vendas de uma e de outra empresa. O acordo de partilha de mercados permitiu, contudo, à GDF proteger todo o mercado francês. Além disso, foi assinalado que não seria justificado que a GDF beneficiasse do facto de o processo de liberalização do mercado francês ser mais lento. Estas circunstâncias não se verificam no caso em apreço, uma vez que os mercados estão plenamente liberalizados.

266    Por último, os outros argumentos da recorrente, relativos ao facto de que que se deveria ter tomado em consideração o valor das vendas da PT para o cálculo da coima da Telefónica no caso em apreço, também devem ser rejeitados.

267    Em primeiro lugar, quanto ao pretenso papel distinto desempenhado pelas duas empresas quanto à inclusão da cláusula no contrato, suposto demonstrar que apenas a PT estava realmente interessada, enquanto a Telefónica se viu constrangida a aceitar a cláusula, este não pode ser tido em conta no cálculo do montante de base da coima, mas apenas, eventualmente, enquanto circunstância atenuante (v., a este respeito, n.os 330 e seguintes, infra).

268    Em segundo lugar, no que diz respeito à pretensa falta de impacto que uma aplicação efetiva da cláusula poderia ter tido na concorrência efetiva nos mercados de telecomunicações espanhóis, deve remeter‑se para o exame do quarto fundamento (v. n.os 201 a 227, supra), no âmbito do qual se constatou que a recorrente não tinha demonstrado que as duas empresas não deviam ser qualificadas de concorrentes potenciais durante o período abrangido pela cláusula. Por conseguinte, a recorrente não pode sustentar que uma aplicação efetiva da cláusula não teria podido ter impacto.

269    Além disso, importa recordar que um dos exemplos de acordos dados pelo artigo 101.°, n.° 1, alínea c), TFUE, declarado expressamente incompatível com o mercado interno, é precisamente o que consiste em «repartir os mercados». A prática que foi objeto da cláusula é expressamente proibida pelo artigo 101.°, n.° 1, TFUE, pois contém restrições intrínsecas à concorrência no mercado interno (v., por analogia, acórdão de 14 de março de 2013, Fresh Del Monte Produce/Comissão, T‑587/08, Colet., EU:T:2013:129, n.° 768).

270    O artigo 101.° TFUE visa, a exemplo de outras normas de concorrência enunciadas no Tratado, proteger não apenas os interesses dos concorrentes ou dos consumidores mas a estrutura do mercado e, deste modo, a concorrência enquanto tal. Por conseguinte, a declaração da existência do objeto anticoncorrencial de um acordo não pode estar sujeita à de uma conexão direta entre esta e os preços no consumo (v., por analogia, acórdãos de 4 de junho de 2009, T‑Mobile Netherlands e o., C‑8/08, Colet., EU:C:2009:343, n.os 38 e 39, e Fresh Del Monte Produce/Comissão, n.° 269, supra, EU:T:2013:129, n.° 769).

271    Resulta do sistema de punição das violações das normas de concorrência, tal como instituído pelos Regulamentos n.os 17 e 1/2003 e interpretado pela jurisprudência, que aos acordos como os cartéis devem ser aplicadas, devido à sua natureza própria, as coimas mais graves. O efeito de uma prática anticoncorrencial não é, só por si, um critério decisivo para a determinação do nível das coimas (acórdão do Tribunal de Justiça de 12 de novembro de 2009, Carbone‑Lorraine/Comissão, C‑554/08 P, EU:C:2009:702, n.° 44, e Fresh Del Monte Produce/Comissão, n.° 269, supra, EU:T:2013:129, n.° 770).

272    Além disso, há que observar que, ao contrário das Orientações para o cálculo das coimas aplicadas por força do n.° 2 do artigo 15.°, do Regulamento n.° 17 e do n.° 5 do artigo 65.° [CA] (JO 1998, C 9, p. 3), as orientações já não mencionam a necessidade, para apreciar a gravidade, de tomar em consideração «a capacidade económica efetiva dos autores da infração de causarem um prejuízo importante aos outros operadores» nem o «impacto concreto [da infração] no mercado quando este for quantificável» (acórdãos de 16 de junho de 2011, Gosselin Group/Comissão, T‑208/08 e T‑209/08, Colet., EU:T:2011:287, n.° 128, e Fresh Del Monte Produce/Comissão, n.° 269, supra, EU:T:2013:129, n.° 772). Assim, a Comissão não tinha a obrigação de tomar em consideração o impacto possível da infração para determinar a proporção do valor das vendas tido em conta para efeitos da gravidade nos termos dos pontos 19 a 24 das orientações. Ora, não resulta da argumentação da recorrente que esta põe em causa a legalidade das referidas orientações.

273    Decorre do exposto que deve ser rejeitada a primeira parte do sexto fundamento, relativa ao facto de o volume das vendas tomado em consideração para a Telefónica dever ser o mesmo que o tomado em consideração para PT.

b)     Quanto à segunda parte, relativa ao facto de o valor de certas vendas dever ser excluído do cálculo da coima

274    A recorrente alega que deveria ser excluído do cálculo do montante da coima o valor de certas vendas, correspondentes a serviços não sujeitos a concorrência ou excluídos do âmbito de aplicação da cláusula, a saber, as vendas realizadas em Espanha, mas fora da Península Ibérica, as vendas no âmbito dos serviços fornecidos em regime de monopólio, as vendas no âmbito de outros serviços de acesso grossista aos quais a PT não podia aceder e, por último, as vendas da Telefónica no âmbito dos serviços fornecidos através da ZON, bem como as vendas correspondentes a atividades em que as partes eram concorrentes efetivas. A decisão impugnada não refere as razões pelas quais não foram acolhidas as explicações dadas pela recorrente a este respeito durante o procedimento administrativo, prejudicando assim gravemente os seus direitos de defesa.

 Quanto à fundamentação

275    Há que recordar que a fundamentação deve ser adaptada à natureza do ato em causa e deixar transparecer, clara e inequivocamente, o raciocínio da instituição, autora do ato, por forma a permitir aos interessados conhecerem as razões da medida adotada e ao órgão jurisdicional competente exercer a sua fiscalização (v. acórdão de 29 de setembro de 2011, Elf Aquitaine/Comissão, C‑521/09 P, Colet., EU:C:2011:620, n.° 147 e jurisprudência aí referida). Não é exigido que a fundamentação especifique todos os elementos de facto e de direito pertinentes, na medida em que a questão de saber se a fundamentação de um ato satisfaz as exigências do artigo 296.° TFUE deve ser apreciada à luz não somente do seu teor mas também do seu contexto e do conjunto das normas jurídicas que regem a matéria em causa (v. acórdão de 2 de abril de 1998, Comissão/Sytraval e Brink’s France, C‑367/95 P, Colet., EU:C:1998:154, n.° 63 e jurisprudência aí referida).

276    No que respeita ao alcance do dever de fundamentação relativo ao cálculo do montante de uma coima aplicada por violação das regras de concorrência da União, importa observar que o artigo 23.°, n.° 3, do Regulamento n.° 1/2003 dispõe que, «[q]uando se determinar o montante da coima, deve tomar‑se em consideração a gravidade e a duração da infração». A este propósito, as orientações, bem como a Comunicação relativa à imunidade em matéria de coimas e à redução do seu montante nos processos relativos a cartéis (JO 2006, C 298, p. 17), contêm regras indicativas sobre os elementos de apreciação que a Comissão tem em conta para medir a gravidade e a duração da infração (v., neste sentido, acórdão Cheil Jedang/Comissão, n.° 89, supra, EU:T:2003:193, n.° 217 e jurisprudência aí referida).

277    Nestas condições, os requisitos da formalidade essencial que constitui o dever de fundamentação estão preenchidos quando a Comissão indica, na sua decisão, os elementos de apreciação que teve em conta em aplicação das suas orientações e, se for esse o caso, da sua Comunicação relativa à imunidade em matéria de coimas e à redução do seu montante nos processos relativos a cartéis, e que lhe permitiram medir a gravidade e a duração da infração para fins de cálculo do montante da coima (v., neste sentido, acórdão Cheil Jedang/Comissão, n.° 89, supra, EU:T:2003:193, n.° 218).

278    No caso em apreço, nas secções 5 e 6.3.3.2 da decisão impugnada e particularmente nos considerandos 153, 184, 185 e 278 da mesma, a Comissão afirmou que as partes deviam, no mínimo, ser consideradas concorrentes potenciais em todos os mercados de serviços de comunicações eletrónicas e de televisão em Espanha e em Portugal, que os seus argumentos destinados a obter a exclusão de certas atividades do âmbito de aplicação da cláusula não podiam ser aceites e que, tendo em conta a rejeição dos argumentos das partes relativos à existência de uma concorrência potencial entre elas e tomando em consideração o âmbito de aplicação alargado da cláusula, não era necessário, no caso em apreço, proceder a uma análise pormenorizada do facto de as partes serem ou não concorrentes potenciais relativamente a cada mercado específico para analisar se o acordo devia ser considerado constitutivo de uma restrição por objeto. Em seguida, a Comissão observou, no considerando 482 da decisão impugnada, sob o título «O valor das vendas», que considerava que a cláusula de não concorrência se aplicava a qualquer tipo de serviços de comunicações eletrónicas e aos serviços de televisão, com exceção dos serviços globais de telecomunicações e dos serviços grossistas de transporte internacional e que, assim, todos os serviços prestados em Espanha ou Portugal e incluídos nos mercados elencados na secção 5.3, com exceção dos serviços globais de telecomunicações e dos serviços grossistas de transporte internacional, estavam, direta ou indiretamente, relacionados com a infração.

279    Daqui se conclui que a Comissão deu explicações suficientes sobre a forma como calculou o valor das vendas a ter em conta para efeitos do cálculo da coima e sobre as razões pelas quais considerou que não era necessário examinar cada um dos serviços cuja exclusão para efeitos do cálculo da coima a recorrente havia reclamado na sua resposta à comunicação de objeções. Por conseguinte, a argumentação da recorrente deve ser rejeitada na medida em que possa ser entendida como relativa a uma violação do dever de fundamentação.

 Quanto ao mérito

–       Quanto às vendas correspondentes a atividades realizadas fora da Península Ibérica

280    A recorrente sustenta que há que excluir do cálculo da coima as vendas realizadas em Espanha fora da Península Ibérica, ou seja, nas Ilhas Canárias, em Ceuta, em Melila e nas Ilhas Baleares.

281    Este argumento deve ser rejeitado.

282    Com efeito, contrariamente ao que sustenta a recorrente, o texto da cláusula não se refere literalmente à «Península Ibérica», mas ao «mercado ibérico». Ora, afigura‑se que a referência ao «mercado ibérico» deve ser entendida não na aceção estritamente geográfica, como uma referência apenas à Península Ibérica, mas como uma referência aos mercados de Espanha e de Portugal, que incluem os mercados dos seus territórios não situados na Península Ibérica. Não há indícios e a recorrente também não apresenta argumentos para demonstrar que os territórios destes Estados situados fora da Península Ibérica estavam excluídos do âmbito de aplicação da cláusula.

283    A este respeito, importa, com efeito, observar que a recorrente se limita a criticar a interpretação do âmbito de aplicação geográfica da cláusula, adotada pela Comissão, e a recordar que as partes apenas indicaram que o domínio geográfico em causa era a Península Ibérica, mas não formula nenhum argumento destinado a pôr em causa as conclusões da Comissão em relação ao âmbito geográfico da cláusula, expostas nos considerandos 175 a 182 da decisão impugnada. Nestas condições, as suas pretensões devem ser rejeitadas.

–       Quanto às vendas correspondentes a atividades existentes anteriormente

284    Segundo a recorrente, as vendas no âmbito de serviços relativamente aos quais as partes eram concorrentes efetivas devem ser excluídas do cálculo da coima.

285    Por um lado, devem, portanto, ser excluídas do cálculo da coima as vendas dos serviços globais de telecomunicações e dos serviços grossistas de transporte internacional, relativamente aos quais as partes eram concorrentes efetivas à data da assinatura do acordo e que estavam, por esse facto, excluídos do âmbito de aplicação deste.

286    Importa observar que, na audiência, atendendo aos considerandos 482 e 483 da decisão impugnada, dos quais resulta que o valor das vendas dos serviços globais de telecomunicações e dos serviços grossistas de transporte internacional, relativamente aos quais as partes eram concorrentes efetivas à data da assinatura do acordo, não foi tido em conta no cálculo da coima, a recorrente desistiu do seu pedido inicial de exclusão desses serviços do cálculo da coima, o que ficou registado na ata da audiência.

287    Por outro lado, a recorrente alega que devem ser excluídas do cálculo do valor das suas vendas as vendas efetuadas no âmbito dos serviços prestados através da ZON. Segundo a recorrente, uma vez que detinha ações nessa sociedade concorrente da PT, ativa no setor das comunicações eletrónicas (v. n.° 4, supra), os serviços prestados pela ZON estavam excluídos do âmbito de aplicação da cláusula, que excluía «qualquer investimento e atividade detidos ou realizados à data do presente acordo» (v. n.° 1, supra).

288    Ora, a recorrente detinha apenas uma participação minoritária na ZON (5,46%) e, por conseguinte, não controlava esta sociedade. Acresce que, como já referido nos n.os 172 a 174, supra, a recorrente não refutou as afirmações que figuram nos considerandos 156 a 164 da decisão impugnada, segundo as quais as atividades prestadas por sociedades não controladas pelas partes não estavam abrangidas pela exceção introduzida no âmbito de aplicação da cláusula. Daqui decorre que não pode ser acolhido o argumento segundo o qual o valor das vendas efetuadas no âmbito dos serviços prestados através da ZON deve ser excluído do cálculo da coima.

289    Em todo o caso, importa observar que o pedido de exclusão do valor das vendas realizadas pela ZON do valor das vendas tomado em consideração para efeitos do cálculo do montante da coima da recorrente é inoperante, uma vez que as vendas da ZON eram realizadas em Portugal e que as únicas vendas tomadas em conta para efeitos do cálculo do montante da coima da Telefónica são as vendas realizadas em Espanha (v. n.os 53 e 246, supra). Por conseguinte, a exclusão do valor das vendas da ZON do âmbito de aplicação da cláusula não tem impacto no valor das vendas tomado em consideração para o cálculo da coima da recorrente.

–       Quanto às vendas correspondentes a atividades não suscetíveis de serem sujeitas a concorrência

290    A recorrente sustenta que também há que excluir do cálculo da coima o volume das vendas realizadas nos mercados ou com serviços não sujeitos a uma concorrência potencial, mesmo num plano teórico, não abrangidas pelo âmbito de aplicação da cláusula, a saber, as vendas relativas aos serviços prestados em regime de monopólio e as vendas relativas a outros serviços grossistas aos quais a PT não podia aceder.

291    Quanto a este ponto, a recorrente alega que, no período de 2010‑2011, prestou diversos serviços de telecomunicações em regime de monopólio. No caso destes serviços, a sua oferta não podia ser coberta por outras sociedades, seja por razões de exclusividade seja devido à própria natureza do serviço. Trata‑se nomeadamente, em primeiro lugar, do serviço universal, em segundo lugar, do «sistema de radiocomunicaciones digitales de emergencia del Estado» (SIRDEE, sistema de radiocomunicações digitais de emergência do Estado espanhol), em terceiro lugar, dos serviços de terminação de chamadas na sua rede fixa e na sua rede móvel e, em quarto lugar, dos serviços grossistas de aluguer de circuitos principais de certas rotas submarinas. Além disso, a PT não podia concorrer com a Telefónica nos domínios dos serviços de acesso e de originação de chamadas na rede telefónica pública num local fixo, dos serviços de acesso e de originação de chamadas nas redes públicas de telefonia móvel e dos serviços grossista de dados. Tendo em conta os fundamentos desenvolvidos pelo Tribunal Geral no processo que deu origem ao acórdão E.ON Ruhrgas e E.ON/Comissão, n.° 219, supra (EU:T:2012:332), há que excluir o montante das vendas da recorrente relativamente a esses serviços do valor das suas vendas tido em conta para o cálculo da coima.

292    Em primeiro lugar, importa observar que a Comissão remeteu, no considerando 478 da decisão impugnada, para o ponto 12 das orientações, que enuncia que o montante de base da coima será fixado em função do valor das vendas de acordo com a metodologia exposta nas pontos seguintes. No referido considerando, a Comissão explicou ainda que o montante de base das coimas a aplicar às empresas devia ser fixado em função do valor das vendas de bens ou serviços realizadas pelas empresas, relacionadas direta ou indiretamente com a infração, na área geográfica relevante da União Europeia. No considerando 482 da decisão impugnada (v. n.° 278, supra), a Comissão prosseguiu indicando que considerava que a cláusula de não concorrência se aplicava a serviços de comunicações eletrónicas e serviços de televisão, com exceção dos serviços globais de telecomunicações e dos serviços grossistas de transporte internacional, e que, assim, todos os serviços prestados em Espanha ou em Portugal e incluídos nos mercados elencados na secção 5.3, com exceção dos serviços globais de telecomunicações e dos serviços grossistas de transporte internacional, estavam direta ou indiretamente relacionados com a infração.

293    Na audiência, a Comissão, em resposta a uma questão escrita do Tribunal Geral (v. n.° 61, supra), explicou que, atendendo ao âmbito de aplicação muito amplo da cláusula, não tinha de analisar a concorrência potencial entre as partes relativamente a cada um dos serviços invocados pela recorrente para efeitos da determinação do valor das vendas a tomar em consideração no cálculo do montante da coima. No âmbito de uma infração por objeto, como a do caso em apreço, em que esse exercício não era exigido para efeitos da determinação da infração, o referido exercício também não podia ser exigido para a determinação do montante da coima. A título subsidiário, a Comissão acrescentou que os serviços referidos pela recorrente não eram mercados «autênticos», mas serviços prestados num mercado no qual as partes eram concorrentes potenciais e que, portanto, estavam abrangidos pelo âmbito de aplicação da cláusula.

294    Essa argumentação não pode ser acolhida.

295    Com efeito, a cláusula aplicava‑se, em conformidade com a sua redação, a «qualquer projeto no setor das telecomunicações (incluindo serviços de comunicações fixas ou móveis, serviços de acesso à Internet e serviços de televisão, mas excluindo qualquer investimento e atividade detidos ou realizados à data do presente acordo) que possa ser considerado como estando em concorrência com a outra parte no mercado ibérico». Além disso, para efeitos do cálculo da coima, a Comissão utilizou o valor das vendas das atividades que, em seu entender, entravam no âmbito de aplicação da cláusula e excluiu as vendas correspondentes a atividades em curso, excluídas, nos termos da cláusula, do âmbito de aplicação desta. Por conseguinte, as vendas correspondentes a atividades que não possam ser consideradas como estando em concorrência com a outra parte no período de aplicação da cláusula, também excluídas do âmbito de aplicação da cláusula por força da sua redação, deveriam ser igualmente excluídas para efeitos do cálculo da coima.

296    Daqui se conclui que, independentemente da questão de saber se os serviços cuja exclusão para efeitos do cálculo da coima a recorrente reclama eram mercados distintos em relação aos quais a Comissão devia avaliar a concorrência potencial para efeitos da declaração da infração (v. n.° 215, supra), a Comissão deveria, contudo, ter examinado se a recorrente tinha razão ao sustentar que o valor das vendas dos serviços em causa devia ser excluído do cálculo da coima em razão da inexistência de concorrência potencial das partes relativamente a esses serviços.

297    A este respeito, há que recordar que, como o Tribunal de Justiça já declarou, a Comissão deve apreciar, em cada caso concreto e tendo em conta o seu contexto e os objetivos prosseguidos pelo regime de sanções instituído pelo Regulamento n.° 1/2003, o impacto que se procura obter na empresa em questão, tendo nomeadamente em conta um volume de negócios que reflita a sua situação económica real durante o período em que a infração foi cometida (acórdãos de 7 de junho de 2007, Britannia Alloys & Chemicals/Comissão, C‑76/06 P, Colet., EU:C:2007:326, n.° 25; de 12 de novembro de 2014, Guardian Industries e Guardian Europe/Comissão, C‑580/12 P, Colet., EU:C:2014:2363, n.° 53; e de 23 de abril de 2015, LG Display e LG Display Taiwan/Comissão, C‑227/14 P, Colet., EU:C:2015:258, n.° 49).

298    É permitido, com vista à determinação da coima, atender quer ao volume de negócios global da empresa, que constitui uma indicação, ainda que aproximada e imperfeita, da sua dimensão e do seu poder económico, quer à parte desse volume que provém das mercadorias objeto da infração e que, portanto, pode dar uma indicação da amplitude desta (acórdãos Musique Diffusion française e o./Comissão, n.° 261, supra, EU:C:1983:158, n.° 121; Guardian Industries e Guardian Europe/Comissão, n.° 297, supra, EU:C:2014:2363, n.° 54; e LG Display e LG Display Taiwan/Comissão, n.° 297, supra, EU:C:2015:258, n.° 50).

299    Embora o artigo 23.°, n.° 2, do Regulamento n.° 1/2003 atribua à Comissão uma margem de apreciação, limita, no entanto, o seu exercício, instituindo critérios objetivos que esta deve respeitar. Assim, por um lado, o montante da coima suscetível de ser aplicada a uma empresa tem um limite quantificável e absoluto, de modo que o montante máximo da coima aplicável a uma dada empresa é determinável antecipadamente. Por outro lado, o exercício desse poder de apreciação está igualmente limitado pelas regras de conduta que a Comissão impôs a si própria, nomeadamente nas orientações (acórdãos Guardian Industries e Guardian Europe/Comissão, n.° 297, supra, EU:C:2014:2363, n.° 55, e LG Display e LG Display Taiwan/Comissão, n.° 297, supra, EU:C:2015:258, n.° 51).

300    Assim, quando a Comissão determina, como no caso em apreço, o montante de base da coima em conformidade com a metodologia exposta nas orientações, deve dar cumprimento à referida metodologia.

301    A este respeito, há que recordar que, nos termos do ponto 13 das orientações, «[p]ara determinar o montante de base da coima a aplicar, a Comissão utilizará o valor das vendas de bens ou serviços, realizadas pela empresa, relacionadas direta ou indiretamente [...] com a infração, na área geográfica em causa no território do [EEE]». Estas mesmas orientações precisam, no seu ponto 6, que «a combinação do valor das vendas relacionadas com a infração e da sua duração é considerada um valor de substituição adequado para refletir a importância económica da infração, bem como o peso relativo de cada empresa que participa na infração».

302    Além disso, como se recordou no n.° 261, supra, resulta da jurisprudência que a parte do volume de negócios proveniente das mercadorias objeto da infração é de natureza a proporcionar uma correta indicação da amplitude de uma infração no mercado em causa, uma vez que o volume de negócios realizado com os produtos que constituíram o objeto de uma prática restritiva constitui um elemento objetivo que dá uma justa medida da nocividade dessa prática para o jogo normal da concorrência (v., neste sentido, acórdãos Musique Diffusion française e o./Comissão, n.° 261, supra, EU:C:1983:158, n.° 121; British Steel/Comissão, n.° 261, supra, EU:T:1999:52, n.° 643; e Saint‑Gobain Gyproc Belgium/Comissão, n.° 261, supra, EU:T:2008:252, n.° 84).

303    O ponto 13 das orientações tem, assim, por objetivo fixar como ponto de partida para o cálculo da coima aplicada a uma empresa um montante que reflita a importância económica da infração e o peso relativo desta empresa na mesma (acórdãos de 11 de julho de 2013, Team Relocations e o./Comissão, C‑444/11 P, EU:C:2013:464, n.° 76; Guardian Industries e Guardian Europe/Comissão, n.° 297, supra, EU:C:2014:2363, n.° 57; e LG Display e LG Display Taiwan/Comissão, n.° 297, supra, EU:C:2015:258, n.° 53).

304    Consequentemente, o conceito de valor das vendas referido neste ponto 13 abrange as vendas realizadas no mercado afetado pela infração no EEE, sem que seja necessário determinar se essas vendas foram efetivamente afetadas por essa infração, na medida em que a parte do volume de negócios proveniente da venda das mercadorias objeto da infração é a que melhor reflete a importância económica da infração (v., neste sentido, acórdãos Team Relocations e o./Comissão, n.° 303, supra, EU:C:2013:464, n.os 75 a 78; Guardian Industries e Guardian Europe/Comissão, n.° 297, supra, EU:C:2014:2363, n.os 57 a 59; de 19 de março de 2015, Dole Food e Dole Fresh Fruit Europe/Comissão, C‑286/13 P, Colet., EU:C:2015:184, n.os 148 e 149; e LG Display e LG Display Taiwan/Comissão, n.° 297, supra, EU:C:2015:258, n.os 53 a 58 e 64).

305    No entanto, embora seja certo que não se respeitaria o objetivo prosseguido por esta disposição se o conceito de valor das vendas aí mencionado fosse entendido no sentido de que apenas se refere ao volume de negócios realizado com as vendas que se tenha demonstrado terem sido realmente afetadas pelo cartel em questão, este conceito não pode, contudo, ser alargado de forma a englobar as vendas da empresa em causa que não façam parte, direta ou indiretamente, do perímetro desse cartel (v., neste sentido, acórdãos Team Relocations e o./Comissão, n.° 303, supra, EU:C:2013:464, n.° 76, e Dole Food e Dole Fresh Fruit Europe/Comissão, n.° 304, supra, EU:C:2015:184, n.° 148).

306    Neste contexto, importa observar que, na verdade, não pode ser exigido à Comissão, em presença de uma restrição por objeto como a que está em causa no caso em apreço, que faça oficiosamente um exame da concorrência potencial para todos os mercados e serviços abrangidos pelo âmbito de aplicação da infração, sob pena de derrogação dos princípios estabelecidos pela jurisprudência referida nos n.os 213, 214 e 216, supra, e de introdução, por via da determinação do valor das vendas a tomar em conta para o cálculo da coima, da obrigação de examinar a concorrência potencial, quando esse exercício não é exigido no caso de uma restrição da concorrência por objeto (v. n.° 215, supra). A este respeito, o Tribunal de Justiça declarou, com efeito, num caso concreto regido pelas orientações de 1998 referidas no n.° 272, supra, que, no caso de uma infração que consiste numa repartição de mercados, não pode ser acolhida uma interpretação que teria como consequência impor à Comissão, a título do método de cálculo das coimas, uma obrigação a que ela não está sujeita para efeitos de aplicação do artigo 101.° TFUE, quando a infração em causa tem um objetivo anticoncorrencial (acórdão Prym e Prym Consumer/Comissão, n.° 234, supra, EU:C:2009:505, n.° 64).

307    A solução adotada no caso em apreço não consiste em impor à Comissão, no âmbito da determinação do montante da coima, uma obrigação a que ela não está sujeita para efeitos da aplicação do artigo 101.° TFUE, quando se trata de uma infração que tem um objeto anticoncorrencial, mas em retirar as consequências do facto de o valor dever abranger as vendas relacionadas direta ou indiretamente com a infração na aceção do ponto 13 das orientações e não poder englobar as vendas que não façam parte, direta ou indiretamente, do perímetro da infração punida (v. jurisprudência referida no n.° 305, supra). Daqui se conclui que, a partir do momento em que a Comissão, para determinar o montante da coima, opta por se basear no valor das vendas relacionadas direta ou indiretamente com a infração, deve determinar esse valor com precisão.

308    A este respeito, saliente‑se que, no caso em apreço, atendendo à redação da cláusula, que faz expressamente referência a «qualquer projeto no setor das telecomunicações (incluindo serviços de comunicações fixas ou móveis, serviços de acesso à Internet e serviços de televisão, mas excluindo qualquer investimento e atividade detidos ou realizados à data do presente acordo) que possa ser considerado como estando em concorrência com a outra parte no mercado ibérico», e ao facto de a recorrente ter apresentado, na sua resposta à comunicação de objeções, elementos factuais para demonstrar que o valor das vendas de certos serviços assim evocados devia ser excluído, para efeitos do cálculo da coima, em razão da inexistência de qualquer concorrência entre as partes, a Comissão devia ter procedido ao exame desses elementos para determinar o valor das vendas de bens ou serviços, realizadas pela empresa, relacionadas direta ou indiretamente com a infração.

309    Assim, no caso em apreço, na medida em que as vendas relacionadas direta ou indiretamente com a infração são as vendas dos serviços que entram no âmbito de aplicação da cláusula, a saber, as vendas relativas a qualquer projeto no setor das telecomunicações, excluindo qualquer atividade em curso, que possa ser considerado como estando em concorrência com a outra parte no mercado ibérico, a Comissão deveria, para determinar o valor dessas vendas, ter determinado os serviços em que as partes não estavam em concorrência potencial no mercado ibérico, examinando os elementos apresentados por estas últimas nas suas respostas à comunicação de objeções para demonstrar a inexistência de concorrência potencial entre elas relativamente a determinados serviços durante o período de aplicação da cláusula. Só com base nessa análise factual e jurídica é que teria sido possível determinar as vendas relacionadas direta ou indiretamente com a infração, cujo valor deveria ter servido de montante de partida para o cálculo do montante de base da coima.

310    Daqui se conclui que há que acolher a argumentação da recorrente que consiste em sustentar que a Comissão deveria ter determinado o valor das vendas relacionadas direta ou indiretamente com a infração, com base nos elementos invocados pela recorrente quanto à inexistência de concorrência potencial entre a Telefónica e a PT relativamente a certos serviços, e anular o artigo 2.° da decisão impugnada, apenas na parte em que fixa o montante da coima com base no valor das vendas considerado pela Comissão.

311    Em segundo lugar, importa também recordar que o sistema de fiscalização jurisdicional das decisões da Comissão relativas aos processos de aplicação dos artigos 101.° TFUE e 102.° TFUE consiste numa fiscalização da legalidade dos atos das instituições consagrada no artigo 263.° TFUE, o qual, em aplicação do artigo 261.° TFUE e a pedido dos recorrentes, pode ser completado pelo exercício, pelo Tribunal Geral, de uma competência de plena jurisdição no que respeita às sanções aplicadas neste domínio pela Comissão (acórdão Telefónica e Telefónica de España/Comissão, n.° 87, supra, EU:C:2014:2062, n.° 42). A este respeito, há que salientar que, no caso em apreço, a ilegalidade constatada diz respeito ao valor das vendas tomado em consideração para a determinação do montante da coima aplicada à recorrente e, por conseguinte, à própria base do cálculo da mesma.

312    Neste contexto, é útil recordar novamente que a Comissão, no considerando 482 da decisão impugnada, não procedeu a uma análise da concorrência potencial entre as partes para os serviços invocados pela recorrente. Por outro lado, em resposta a uma medida de organização do processo com vista a obter, por parte da Comissão, elementos de resposta aos argumentos da recorrente relativos à alegada inexistência de concorrência potencial entre a Telefónica e a PT relativamente a certos serviços em Espanha (v. n.os 61 e 293, supra), a Comissão limitou‑se a reiterar a sua posição segundo a qual não tinha de analisar a concorrência potencial entre as partes, para efeitos de determinar o montante da coima, e, por outro lado, contentou‑se em responder a todos os argumentos da recorrente afirmando que a PT era uma concorrente potencial da Telefónica para os serviços em causa, uma vez que poderia participar em concursos ou adquirir um operador existente.

313    Resulta do exposto que, no caso em apreço, o Tribunal Geral não dispõe de elementos suficientes para determinar o montante final da coima a aplicar à recorrente.

314    É verdade que a competência de plena jurisdição de que o Tribunal Geral dispõe por força do artigo 31.° do Regulamento n.° 1/2003 habilita o juiz, para além da simples fiscalização da legalidade da sanção, a substituir a apreciação da Comissão pela sua própria apreciação. Todavia, no caso em apreço, a Comissão não procedeu à análise dos elementos apresentados pela recorrente para demonstrar a inexistência de concorrência potencial entre as partes em relação a certos serviços, a fim de determinar o valor das vendas a tomar em consideração para o cálculo do montante da coima. Por conseguinte, a determinação do valor dessas vendas pelo Tribunal Geral implicaria que este preenchesse uma lacuna na instrução do processo.

315    Ora, o exercício da competência de plena jurisdição não pode ir ao ponto de levar o Tribunal Geral a proceder a essa instrução, que excederia a substituição da apreciação da Comissão pela apreciação do Tribunal, visto que a apreciação do Tribunal seria a única e a primeira apreciação dos elementos que a Comissão deveria ter tomado em conta na determinação do valor das vendas relacionadas direta ou indiretamente com a infração na aceção do ponto 13 das orientações e cuja análise incumbia à Comissão.

316    Daqui se conclui que, no caso em apreço, não há que exercer a competência de plena jurisdição do Tribunal Geral, pelo que incumbe à Comissão retirar todas as consequências da ilegalidade constatada no âmbito da execução do presente acórdão e pronunciar‑se de novo sobre a fixação do montante da coima. Por outro lado, o Tribunal Geral considera que há que examinar os outros fundamentos relativos ao montante da coima.

3.     Quanto ao sétimo fundamento, relativo à violação do artigo 101.° TFUE em razão de um erro manifesto no cálculo do montante de base da coima em função da gravidade e à violação do princípio da proporcionalidade

317    A recorrente alega que, no cálculo do montante de base da coima, a Comissão não teve devidamente em conta os seguintes elementos, que justificavam a aplicação de uma coima simbólica, ou, pelo menos, de uma coima reduzida em relação à que foi aplicada no caso em apreço: a título principal, a cláusula foi determinada pelo comportamento do Governo português; a cláusula não foi executada; as partes informaram por escrito, imediatamente após a intervenção da Comissão, que consideravam que a restrição não podia ser efetiva e que nunca o tinha sido; a título subsidiário, a restrição a que se refere a cláusula nunca foi executada e não teve nenhuma consequência, e a Telefónica certificou‑se de que a referida restrição não poderia ser executada se fosse ilegal; a inexistência de precedentes em que um acordo tão excecional quanto o que está em causa tivesse sido punido; e, por último, o caráter público da cláusula.

318    Recorde‑se que o montante da coima é fixado pela Comissão em função da gravidade da infração e, se for o caso, da sua duração. A gravidade da infração deve ser determinada em função de critérios como as circunstâncias específicas do caso, o seu contexto e o caráter dissuasivo das coimas. Devem ser tidos em conta elementos objetivos, como o conteúdo e a duração dos comportamentos anticoncorrenciais, o seu número e a sua intensidade, a extensão do mercado afetado e a deterioração sofrida pela ordem pública económica. A análise deve igualmente tomar em consideração a importância relativa e a quota de mercado das empresas responsáveis, bem como uma eventual reincidência (acórdãos Aalborg Portland e o./Comissão, n.° 128, supra, EU:C:2004:6, n.os 89 a 91, e Toshiba/Comissão, n.° 262, supra, EU:T:2011:343, n.° 281).

319    Deve também recordar‑se que, no caso em apreço, a Comissão tomou em consideração, a título da gravidade da infração, uma percentagem reduzida do valor das vendas das empresas em causa, a saber, 2% (v. n.° 251, supra). Além disso, importa salientar que, neste caso, a Comissão se absteve de aplicar um «direito de entrada», como previsto no ponto 25 das orientações (v. n.° 240, supra), a fim de dissuadir as empresas de participarem em acordos horizontais de fixação de preços, de repartição de mercado e de limitação de produção (v. n.° 252, supra). Por último, a Comissão referiu que tinha tido em conta, na fixação da percentagem a tomar em consideração a título da gravidade da infração, designadamente, o facto de a cláusula não ter sido mantida secreta e a curta duração prevista para a sua aplicação (v. n.os 249 e 251, supra).

320    Tendo em conta o facto de que a cláusula consubstanciava um acordo de partilha de mercados, infração normalmente considerada entre as mais graves, e tendo em conta o facto de a percentagem do valor das vendas tomada em conta ser fixada num nível que pode ir até 30% para este tipo de infração (v. pontos 21 e 23 das orientações, n.° 240, supra), constata‑se que a Comissão tomou em conta, em larga medida, elementos suscetíveis de atenuar a gravidade da infração no caso em apreço.

321    Os argumentos da recorrente destinados a sustentar que a Comissão não teve devidamente em conta outros elementos que deveriam fazer baixar a percentagem tomada em consideração a título da gravidade da infração também não podem ser acolhidos.

322    Em primeiro lugar, no que respeita à tomada em conta do alegado comportamento do Governo português para a determinação da gravidade da infração, há que referir que as orientações preveem expressamente que a circunstância de que «o comportamento anticoncorrencial foi autorizado ou incentivado pelas autoridades públicas ou pela regulamentação» pode ser tida em conta como circunstância atenuante (v., a este respeito, n.os 333 e seguintes, infra). Consequentemente, esse incentivo, admitindo‑o provado, não pode ser tido em conta também na determinação da gravidade da infração.

323    Em segundo lugar, no que se refere à execução da cláusula, há que salientar que não está demonstrado se esta foi ou não executada. A Comissão limitou‑se a observar, no considerando 365 da decisão impugnada, que, embora não se pudesse inferir diretamente da inexistência de novas atividades concorrentes que a cláusula tinha sido executada, devia ser mantida a observação segundo a qual as partes não apresentaram quaisquer elementos de prova de novas atividades em Espanha e Portugal, que viessem contradizer a execução da cláusula, como um indício (não conclusivo) de que a cláusula podia potencialmente ter sido aplicada. Tendo em conta estas circunstâncias, não se pode sustentar que a Comissão devia ter aplicado uma percentagem mais reduzida a título da gravidade da infração em razão da alegada não execução da cláusula. Além disso, não pode ser acolhido o argumento segundo o qual a Telefónica se certificou de que a cláusula não podia ser executada se se revelasse ilegal, uma vez que se concluiu no âmbito do exame dos três primeiros fundamentos (v., designadamente, n.os 121 e 176 a 199, supra) que a recorrente não tinha demonstrado que a salvaguarda «na medida do permitido por lei» tinha transformado a cláusula numa obrigação de autoavaliação da possibilidade de uma restrição da concorrência.

324    Em terceiro lugar, como a Comissão afirmou no considerando 500 da decisão impugnada (v. n.° 254, supra), esta teve em conta, a título das circunstâncias atenuantes, em conformidade com o ponto 29 das orientações (v. n.° 242, supra), o facto de as partes terem suprimido a cláusula muito pouco tempo depois da sua intervenção, pelo que não há que tê‑lo em conta também a título da gravidade da infração.

325    Em quarto lugar, a recorrente sustenta que não foi tomado em consideração de forma adequada o facto de a cláusula não ter sido mantida secreta. Importa observar que a Comissão referiu no considerando 491 da decisão impugnada que a publicidade dada à cláusula tinha sido um dos elementos suscetíveis de justificar o facto de tomar em consideração apenas uma percentagem reduzida do valor das vendas a título da gravidade da infração (v. n.os 249 e 319, supra). Se o facto de serem secretos é um elemento a ter em conta a título da gravidade dos acordos de tipo cartel (v. ponto 23 das orientações, n.° 240, supra), constata‑se que, no caso em apreço, ao tomar em consideração apenas 2% do valor das vendas a título da gravidade da infração, a Comissão teve devidamente em conta a publicidade dada à cláusula.

326    Por último, em quinto lugar, no que respeita ao caráter pretensamente excecional do acordo em causa no caso em apreço, há que recordar que a recorrente tentou justificar a existência da cláusula, designadamente, com base no facto de que a avaliação da questão de saber se esta podia ser qualificada de restrição acessória à transação da Vivo era difícil, pelo que foi deixada para mais tarde com a salvaguarda «na medida do permitido por lei» (v. n.° 178, supra). Ora, como salienta corretamente a Comissão, existem precedentes em matéria de restrições acessórias, pelo que as partes podiam perfeitamente avaliar a questão de saber se a cláusula podia constituir uma restrição acessória. Por conseguinte, uma empresa diligente como a recorrente, que, além disso, beneficia amplamente de assessores jurídicos de qualidade, não pode invocar uma margem de dúvida não razoável no que respeita à legalidade da cláusula.

327    Acresce que a recorrente não pode sustentar que a decisão impugnada estabeleceu uma nova regra de apreciação das restrições cuja execução está sujeita a uma salvaguarda legal, segundo a qual essas restrições constituem infrações por objeto salvo se, numa apreciação ex post, a Comissão considerar que havia uma dúvida razoável sobre o seu caráter restritivo e as partes procedam imediatamente a uma autoavaliação e, por consequência, suprimam ou alterem o acordo que prevê a restrição. Com efeito, afigura‑se que a Comissão, acertadamente, apenas considerou que, nas circunstâncias do caso em apreço, o facto de não existir uma grande margem de dúvida quanto à legalidade da cláusula no momento da assinatura do acordo, bem como o facto de as partes não terem procedido ao exame da legalidade da cláusula antes da entrada em vigor do acordo, que ocorreu dois meses após a sua assinatura, contradiziam a afirmação das partes de que a salvaguarda legal transformava a cláusula de não concorrência numa cláusula de autoavaliação. Se essas circunstâncias não fossem tidas em conta na apreciação de uma cláusula que contém uma salvaguarda legal, bastaria que as partes incluíssem a menção «na medida do permitido por lei» para que um acordo anticoncorrencial já não pudesse constituir uma restrição da concorrência por objeto e a Comissão fosse obrigada a examinar os respetivos efeitos. Ora, tal situação não só agravaria desmesuradamente o ónus da prova de comportamentos contrários ao artigo 101.° TFUE que incumbe à Comissão e seria, portanto, incompatível com a missão de vigilância da correta aplicação dessas disposições que lhe é atribuída pelos Tratados mas abriria a porta a todo o tipo de abusos pelas partes num acordo anticoncorrencial.

328    Em todo o caso, na medida em que consubstanciou um acordo de partilha de mercados, a cláusula não pode ficar isenta de sanção, mesmo admitindo que apresentava um caráter inédito em virtude da menção «na medida do permitido por lei». Com efeito, o facto de um comportamento que apresenta as mesmas características ainda não ter sido apreciado em decisões anteriores não isenta a empresa de responsabilidade (acórdão de 1 de julho de 2010, AstraZeneca/Comissão, T‑321/05, Colet., EU:T:2010:266, n.° 901).

329    Resulta das considerações precedentes que o sétimo fundamento deve ser rejeitado.

4.     Quanto ao oitavo fundamento, relativo à violação do artigo 101.° TFUE em razão da violação do princípio da proporcionalidade e a um erro manifesto devido à não admissão de outras circunstâncias atenuantes

330    A recorrente sustenta que a Comissão cometeu um erro manifesto, na medida em que não teve devidamente em conta, a título de circunstâncias atenuantes, a influência do Governo português na génese e na introdução da cláusula nem o papel proativo e a boa‑fé da Telefónica.

331    Importa recordar que resulta da decisão impugnada, das orientações, cujos princípios são nela aplicados e, por último, da jurisprudência que, embora a gravidade da infração seja, num primeiro momento, apreciada em função dos elementos específicos da infração, como a sua natureza, a quota de mercado agregada de todas as partes em causa, o âmbito geográfico da infração e se foi ou não posta em prática, num segundo momento, essa apreciação é modulada em função de circunstâncias agravantes ou atenuantes específicas a cada uma das empresas que participou na infração (v. acórdão de 25 de outubro de 2011, Aragonesas Industrias y Energía/Comissão, T‑348/08, Colet., EU:T:2011:621, n.° 264 e jurisprudência aí referida).

332    Como referido nos n.os 254 e 255, supra, a Comissão aplicou, no caso em apreço, uma redução de 20% a título das circunstâncias atenuantes, uma vez que as partes puseram termo à cláusula, que, além disso, não era secreta, muito pouco tempo depois da sua intervenção e rejeitou os argumentos das partes que reivindicavam a tomada em consideração de outras circunstâncias atenuantes.

333    Em primeiro lugar, a recorrente sustenta que a Comissão não teve devidamente em conta o facto de que a cláusula tinha sido imposta pelo Governo português, embora admitisse, no considerando 75 da decisão impugnada, que o comportamento desse governo era suscetível de a convencer de que a restrição era necessária à viabilidade da transação.

334    Esta argumentação não pode ser acolhida. Com efeito, há que observar que, embora as orientações prevejam expressamente, como circunstância atenuante, o facto de um comportamento anticoncorrencial ter sido autorizado ou incentivado pelas autoridades públicas ou pela regulamentação (v. n.° 242, supra), no caso em apreço, resulta dos n.os 122 a 175, supra, que a recorrente não demonstrou que o Governo português tinha incentivado a inserção da cláusula no acordo, pelo que tal incentivo não pode ser tido em conta como circunstância atenuante. Na medida em que a recorrente não apresentou nenhum indício suscetível de demonstrar um qualquer interesse do Governo português na cláusula, também não pode alegar que o comportamento deste governo a levou a acreditar que a cláusula era indispensável à execução da transação. A este respeito, importa ainda observar que, contrariamente ao que refere a recorrente, a Comissão não admitiu, no considerando 75 da decisão impugnada, que o comportamento do Governo português podia convencer a Telefónica de que a cláusula era necessária à viabilidade da operação, mas limitou‑se a observar que, mesmo que a Telefónica entendesse que era esse o caso, tal não seria suficiente para qualificar a cláusula de restrição acessória à transação da Vivo.

335    Em segundo lugar, a recorrente alega que a Comissão deveria ter tido em conta o facto de que agiu de boa‑fé e não quis intencionalmente executar um acordo de partilha de mercados; caso contrário, a expressão «na medida do» teria sido inútil e a publicidade dada ao acordo teria sido absurda. Do mesmo modo, o pretenso atraso na execução da autoavaliação da legalidade da cláusula pode, quando muito, ser considerado negligência, mas não uma vontade deliberada de restringir a concorrência.

336    Esta argumentação também não pode ser acolhida.

337    Antes de mais, resulta do exame dos três primeiros fundamentos que a recorrente não demonstrou que tinha sido obrigada a aceitar a cláusula (v. n.os 122 a 175, supra), nem que tinha tido uma atitude proativa a fim de limitar o seu impacto (v. n.os 167 a 174, supra).

338    Em seguida, tomar em consideração a suposta «boa‑fé» da recorrente enquanto circunstância atenuante não teria devidamente em conta o facto de a obrigação de não concorrência que figurava na cláusula ter um caráter bilateral, de modo que devia também beneficiar a Telefónica, bem como o facto de o acordo ter sido convencionado entre ambas as partes. A este respeito, importa ainda recordar, como fez a Comissão, a mensagem de correio eletrónico interna da Telefónica de 6 de julho de 2010, que referia que «havia que pensar sobre a liturgia/encenação das possíveis novas condições, para que pareça que, como nos foi dito, que nos sentámos à mesa das negociações e que nos ‘impuseram’ novas condições (na verdade apresentadas por nós)». À luz deste elemento, a recorrente não pode alegar que desempenhou um papel puramente defensivo nas negociações do acordo.

339    Por último, a recorrente sustenta que o atraso na alegada avaliação da legalidade da cláusula e na sua supressão pode ser considerado, no máximo, uma negligência, mas não como vontade deliberada de restringir a concorrência. Ora, tendo em conta a importância da transação da Vivo, evidenciada pela própria recorrente, não é simplesmente credível que a falta de execução em tempo útil de uma suposta obrigação contratual vinculativa pretensamente constante do acordo relativo a esta transação — a saber, avaliar a legalidade da obrigação de não concorrência que figura na cláusula — seja devida a negligência por parte de empresas como a Telefónica e a PT, que têm acesso e dispõem de assessores jurídicos sofisticados.

340    Resulta das considerações precedentes que o oitavo fundamento deve ser rejeitado.

C –  Quanto ao requerimento de inquirição de testemunhas

341    Com o seu pedido adicional, reiterado por carta de 31 de março de 2015 (v. n.° 62, supra), a recorrente pede ao Tribunal Geral, em apoio da sua alegação de que a Comissão cometeu um erro manifesto de apreciação dos factos relativos à negociação da terceira e quarta ofertas, bem como dos factos relativos à autoavaliação da cláusula feita pelas partes e à harmonização dos resultados dessa autoavaliação através de vários contactos telefónicos em 26 e 29 de outubro de 2010, para recolher o depoimento das pessoas que participaram nessas ações.

342    No seu requerimento de inquirição de testemunhas apresentado por carta separada de 31 de março de 2015, a recorrente insiste também na importância da inquirição de uma das testemunhas indicadas, ou seja, A. V., o seu advogado externo, interlocutor nos contactos e nas negociações com o Governo português.

343    Quer nos seus articulados quer na sua resposta ao requerimento de inquirição de testemunhas, a Comissão contesta a pertinência da inquirição das testemunhas propostas pela recorrente para a resolução do litígio.

344    Importa recordar que só o Tribunal Geral é que julga da eventual necessidade de completar os elementos de informação de que dispõe sobre os processos que lhe são submetidos (v. despacho de 10 de junho de 2010, Thomson Sales Europe/Comissão, C‑498/09 P, EU:C:2010:338, n.° 138 e jurisprudência aí referida).

345    Como o Tribunal de Justiça já decidiu no âmbito de um processo relativo ao direito da concorrência, mesmo quando um requerimento de inquirição de testemunhas, apresentado na petição inicial, refira com precisão os factos sobre os quais devem ser ouvidas as testemunhas e as razões que justificam a sua inquirição, compete ao Tribunal Geral apreciar a pertinência do requerimento tendo em conta o objeto do litígio e a necessidade de proceder à inquirição das testemunhas citadas (v. acórdão de 19 de dezembro de 2013, Siemens/Comissão, C‑239/11 P, C‑489/11 P e C‑498/11 P, EU:C:2013:866, n.° 323 e jurisprudência aí referida).

346    Por outro lado, o Tribunal de Justiça referiu que esse poder de apreciação do Tribunal Geral se conciliava com o direito fundamental a um processo equitativo e, em particular, com o artigo 6.°, n.° 3, alínea d), da Convenção para a Proteção dos Direitos do Homem e das Liberdades Fundamentais, assinada em Roma, em 4 de novembro de 1950 (CEDH). Com efeito, resulta da jurisprudência do Tribunal de Justiça que esta última disposição não reconhece ao acusado um direito absoluto a que as testemunhas compareçam em tribunal e que incumbe, em princípio, ao juiz decidir da necessidade ou da oportunidade de citar uma testemunha. O artigo 6.°, n.° 3, da CEDH não impõe a convocação de qualquer testemunha, mas visa uma completa igualdade de armas que garanta que o processo controvertido, considerado no seu conjunto, ofereceu ao acusado uma oportunidade adequada e suficiente para contestar as suspeitas que recaíam sobre ele (v. acórdão Siemens/Comissão, n.° 345, supra, EU:C:2013:866, n.os 324, 325 e jurisprudência aí referida).

347    A este propósito, o Tribunal Geral já declarou que não podia ser dado provimento ao requerimento de inquirição de testemunhas de uma empresa recorrente, quando as declarações que esta visava obter com esse depoimento perante o Tribunal Geral já tivessem sido prestadas à Comissão, consideradas não alicerçadas por elementos de prova documentais e mesmo desmentidas por alguns elementos dos autos (v., neste sentido, acórdão de 13 de julho de 2011, ThyssenKrupp Liften Ascenseurs/Comissão, T‑144/07, T‑147/07 a T‑150/07 e T‑154/07, Colet., EU:T:2011:364, n.os 152 e 154).

348    Além disso, importa observar que um pedido para o Tribunal Geral completar os elementos de informação de que dispõe é inoperante quando, mesmo que o Tribunal Geral deferisse esse pedido, o sentido da sua decisão não fosse infletido (v., neste sentido, despacho Thomson Sales Europe/Comissão, n.° 344, supra, EU:C:2010:338, n.° 141).

349    Se o Tribunal Geral se puder pronunciar utilmente com base nos pedidos, fundamentos e argumentos desenvolvidos quer durante a fase escrita quer durante a fase oral do processo e à luz dos documentos apresentados, deve indeferir o requerimento de inquirição de uma testemunha, apresentado pela recorrente, sem ter de justificar por meio de uma fundamentação específica a sua apreciação da inutilidade de investigar elementos de prova suplementares (v., neste sentido, despacho de 15 de setembro de 2005, Marlines/Comissão, C‑112/04 P, EU:C:2005:554, n.° 39, e acórdão de 9 de setembro de 2009, Clearstream/Comissão, T‑301/04, Colet., EU:T:2009:317, n.° 218).

350    Contudo, embora seja verdade que uma parte não tem o direito de exigir ao juiz da União a adoção de uma medida de organização do processo ou de uma medida de instrução, também é verdade que o juiz não pode extrair consequências da falta, nos autos, de determinados elementos, enquanto não tiver esgotado os meios previstos no Regulamento de Processo do órgão jurisdicional para conseguir que a parte em causa apresente esses elementos (v. despacho de 8 de outubro de 2013, Michail/Comissão, T‑597/11 P, ColetFP, EU:T:2013:542, n.° 40 e jurisprudência aí referida).

351    No caso em apreço, a recorrente pede ao Tribunal Geral que proceda à inquirição das pessoas que participaram no processo de negociação da prorrogação da terceira oferta em 16 e 17 de julho de 2010, no processo de negociação da quarta oferta em 26, 27 e 28 de julho de 2010 e nos contactos entre a Telefónica e a PT havidos em 26 e 29 de outubro de 2010.

352    No que diz respeito, por um lado, a estes contactos, importa salientar que as declarações das pessoas em causa já figuram nos autos.

353    A este respeito, há que recordar, como já foi referido no n.° 347, supra, que o Tribunal Geral declarou que não podia ser dado provimento ao requerimento de inquirição de testemunhas de uma empresa recorrente, quando as declarações que esta visava obter com esse depoimento perante o Tribunal Geral já tivessem sido prestadas à Comissão, consideradas não alicerçadas por elementos de prova documentais e mesmo desmentidas por alguns elementos dos autos.

354    No presente caso, há que recordar que a Comissão referiu, como foi observado nos n.os 189 a 191, supra, que tinha tido em conta as declarações em causa e que as tinha avaliado em conformidade com os princípios aplicáveis em matéria de apreciação da prova. A Comissão teve assim em conta o facto de que estas declarações tinham sido prestadas por pessoas que podiam ter um interesse direto no processo (considerando 122 da decisão impugnada) e procedeu a uma avaliação ponderada desses elementos relativamente aos outros elementos de prova disponíveis (considerandos 121, 124 e 308 da decisão impugnada). A Comissão nunca pôs em dúvida o facto de as pessoas na origem das referidas declarações se terem efetivamente expressado da forma consignada nessas declarações.

355    Nestas condições, o pedido destinado a ordenar a inquirição das pessoas autoras das referidas declarações perante o Tribunal Geral deve ser indeferido, uma vez que os elementos que figuram nos autos são suficientes para permitir ao Tribunal Geral pronunciar‑se sobre as conferências telefónicas de outubro de 2010 (v., neste sentido, acórdão ThyssenKrupp Liften Ascenseurs/Comissão, n.° 347, supra, EU:T:2011:364, n.os 152 e 154; v. também, neste sentido e por analogia, acórdão de 7 de outubro de 2004, Mag Instrument/IHMI, C‑136/02 P, Colet., EU:C:2004:592, n.° 77).

356    Esta conclusão não pode ser posta em causa pela afirmação da recorrente na audiência segundo a qual, por força do princípio da imediação, a inquirição de testemunhas pelo Tribunal Geral apresenta uma inegável mais‑valia relativamente à tomada em consideração de declarações consignadas por escrito. Com efeito, na medida em que o conteúdo das declarações não é posto em causa e que se trata apenas da apreensão desses elementos face ao conjunto das provas, os argumentos apresentados pela recorrente na audiência não podem pôr em causa a conclusão de que a inquirição do autor das declarações em questão perante o Tribunal Geral é supérflua.

357    No que respeita, por outro lado, aos depoimentos propostos relativamente às negociações da terceira e quarta ofertas em 16, 17, 26, 27 e 28 de julho de 2010, os requerimentos de inquirição de testemunhas devem também ser indeferidos.

358    No que se refere, em primeiro lugar, às negociações da terceira oferta em 16 e 17 de julho de 2010, importa primeiro observar que a recorrente referiu no seu requerimento de inquirição de testemunhas de 31 de março de 2015 e confirmou na audiência que A. V., o seu advogado externo, interlocutor nos contactos e nas negociações com o Governo português, era a única das testemunhas propostas que tinha tido contactos com o referido governo e, portanto, «a única testemunha direta da relação causal entre as ações do Governo português e a existência da cláusula» e o único «com conhecimento direto das ações do Governo português e da sua influência no resultado da transação posta em causa». Daqui resulta, no que respeita às negociações de 16 e 17 de julho de 2010, que não há que examinar a necessidade da inquirição das outras pessoas propostas pela recorrente, uma vez que estas não têm, segundo as suas próprias afirmações, nenhum conhecimento direto das pretensas ações do Governo português.

359    Segundo, importa observar que a recorrente alega que o conteúdo das declarações de A. V., o seu advogado externo, interlocutor nos contactos e nas negociações com o Governo português, que não aparecem em nenhum documento dos autos, é essencial para a sua defesa, uma vez que esta testemunha poderia fornecer uma prova da relação causal entre as ações do Governo português e a cláusula. Na audiência, a recorrente precisou que a inquirição da referida testemunha se destinava, nomeadamente, a esclarecer as condições que rodearam o anexo A.58 (v. n.° 147, supra), o que ficou registado na ata da audiência.

360    A este respeito, recorde‑se que já foi declarado que o anexo A.58 (v. n.° 147, supra) e, mais genericamente, todos os elementos apresentados pela recorrente para demonstrar um pretenso interesse do Governo português na cláusula (v. n.os 136 a 162, supra) não contêm nenhum indício que permita comprovar tal interesse. Com efeito, embora o interesse do Governo português pelas negociações do acordo tenha ficado comprovado, a recorrente não apresentou o menor indício para demonstrar que o referido governo impôs ou, pelo menos, pretendeu a cláusula e não explicou de que forma o testemunho do seu advogado externo, interlocutor nos contactos e nas negociações com o Governo português, relativamente às correspondências que figuram no anexo A.58, demonstraria «o nexo causal entre as ações do Governo português e a cláusula», parecendo, pelo contrário, ela própria admitir nos seus articulados que os «indícios» apresentados até então constituíam «o nível máximo de prova da […] prática [do Governo português] a que a Telefónica podia aceder, porquanto — em razão da sua própria natureza — a pressão exercida por um governo em questões delicadas é geralmente discreta e informal».

361    A este propósito, é útil assinalar que a recorrente admitiu na audiência, a fim de explicar por que razão não tinha apresentado as correspondências que figuram no anexo A.58 nem proposto o depoimento do seu advogado externo, interlocutor nos contactos e nas negociações com o Governo português, relativamente a essas correspondência, durante o procedimento administrativo, que, devido ao importante volume da documentação a passar em revista no âmbito do presente processo, só posteriormente, no decurso de uma pesquisa eletrónica, tinha encontrado as referidas correspondências — que supostamente revelam o papel fundamental que o referido advogado desempenhou nesse processo e a importância crucial do seu depoimento para provar a alegada influência do Governo português em relação à cláusula. À luz desta afirmação, como corretamente assinalou a Comissão, há que observar que, se o advogado em questão tivesse verdadeiramente desempenhado o papel fundamental que a recorrente lhe atribui e se pudesse prestar um testemunho direto sobre a atuação do Governo português relativamente à cláusula, é pouco provável que ficasse esquecido até que uma busca eletrónica revelasse correspondências comprovativas da sua alegada importância no âmbito do presente processo.

362    Ora, um depoimento que se limite a repetir os elementos que a recorrente já apresenta no âmbito do seu recurso e cuja veracidade não é contestada e a tirar as mesmas conclusões que a recorrente tira nos seus articulados (v. n.os 136 a 143, supra) não pode constituir uma prova factual suscetível de ser pertinente para a resolução do presente processo. Com efeito, não se contesta que o Governo português acompanhou de perto as negociações do acordo, mas isso não significa que tenha pretendido impor a cláusula. Por conseguinte, um depoimento que ateste factos que demonstrem genericamente o interesse do Governo português pelo acordo sem revelar factos que comprovem o alegado interesse do referido governo pela cláusula não é pertinente para verificar o mérito da argumentação da recorrente.

363    Nestas condições, não cabe ao Tribunal Geral ordenar as medidas de instrução solicitadas (v., neste sentido, acórdão Siemens/Comissão, n.° 345, supra, EU:C:2013:866, n.° 323, e de 27 de outubro de 1994, Fiatagri e New Holland Ford/Comissão, T‑34/92, Colet., EU:T:1994:258, n.° 27).

364    No que respeita, em segundo lugar, ao pedido para inquirir como testemunhas R. S. L. G.‑O., secretário‑geral e membro do conselho da Telefónica, A. V. B., diretor‑geral das finanças e do desenvolvimento da empresa da Telefónica, J. S. B., diretor das alianças industriais e filiais, M. L. M. A., vice‑secretária‑geral e membro do conselho da Telefónica, e, por último, novamente A. V., advogado externo da Telefónica, interlocutor nos contactos e nas negociações com o Governo português, a respeito da insistência da Telefónica para suprimir a cláusula e da recusa da PT em lhe dar seguimento em 27 de julho de 2010, há que declarar que este pedido é inoperante.

365    Com efeito, mesmo admitindo que as testemunhas de que a recorrente requer a inquirição afirmem que a Telefónica pediu à PT, em 27 de julho de 2010, para suprimir a cláusula e que a PT se recusou a fazê‑lo, atendendo ao conjunto dos elementos em presença e, designadamente, à bilateralidade da cláusula (v. n.os 154 e 171, supra) e à atitude da Telefónica nas negociações (v. n.os 152 e 338, supra), este elemento não permite reconhecer que a cláusula continha uma obrigação de autoavaliação nem que há que ter em conta, na determinação do montante da coima, os pretensos esforços da Telefónica para limitar o impacto da cláusula a título das circunstâncias atenuantes (v. n.os 335 a 338, supra).

366    Nestas condições, e na medida em que um pedido para o Tribunal Geral completar os elementos de informação de que dispõe é inoperante quando, mesmo que o Tribunal Geral deferisse esse pedido, o sentido da sua decisão não fosse infletido (v. jurisprudência referida no n.° 348, supra), o pedido de inquirição das testemunhas das negociações de 26 e 27 de julho de 2010 deve ser indeferido, assim como o pedido de inquirição de testemunhas no seu conjunto.

367    Resulta de todas as considerações precedentes que o sexto fundamento deve ser parcialmente acolhido na medida em que, para determinar o valor das vendas da recorrente a tomar em consideração para o cálculo do montante da coima, a Comissão devia examinar os argumentos da recorrente destinados a demonstrar a inexistência de concorrência potencial entre a Telefónica e a PT relativamente a certos serviços. Por conseguinte, o artigo 2.° da decisão impugnada deve ser anulado unicamente na parte em que fixa o montante da coima com base no valor das vendas considerado pela Comissão, devendo ser negado provimento ao recurso quanto ao restante.

 Quanto às despesas

368    Nos termos do artigo 134.°, n.° 3, do Regulamento de Processo do Tribunal Geral, se as partes obtiverem vencimento parcial, cada uma das partes suporta as suas próprias despesas. No entanto, se tal se afigurar justificado tendo em conta as circunstâncias do caso, o Tribunal pode decidir que, além das suas próprias despesas, uma parte suporte uma fração das despesas da outra parte.

369    Tendo as partes obtido vencimento parcial, far‑se‑á uma justa apreciação das circunstâncias do processo decidindo que a recorrente suportará três quartos das suas próprias despesas e um quarto das da Comissão. A Comissão suportará três quartos das suas próprias despesas e um quarto das da recorrente.

Pelos fundamentos expostos,

O TRIBUNAL GERAL (Segunda Secção)

decide:

1)      O artigo 2.° da Decisão C (2013) 306 final da Comissão, de 23 de janeiro de 2013, relativa a um procedimento nos termos do artigo 101.° TFUE (processo COMP/39.839 — Telefónica/Portugal Telecom), é anulado na parte em que fixa o montante da coima aplicada à Telefónica, SA, em 66 894 000 euros, na medida em que este montante foi fixado com base no valor das vendas considerado pela Comissão Europeia.

2)      É negado provimento ao recurso quanto ao restante.

3)      A Telefónica suportará três quartos das suas próprias despesas e um quarto das da Comissão. A Comissão suportará três quartos das suas próprias despesas e um quarto das da Telefónica.

Martins Ribeiro

Gervasoni

Madise

Proferido em audiência pública no Luxemburgo, em 28 de junho de 2016.

Assinaturas

Índice


Antecedentes do litígio

I —  Apresentação da Telefónica e da PT

II —  Negociações e assinatura do acordo

III —  Factos supervenientes à celebração do acordo

IV —  Procedimento na Comissão

Decisão impugnada

Tramitação processual e pedidos das partes

Questão de direito

I —  Quanto à admissibilidade

A —  Quanto à admissibilidade de alguns anexos da petição

B —  Quanto à admissibilidade das remissões para o recurso paralelo da PT contra a decisão impugnada

II —  Quanto ao mérito

A —  Quanto aos pedidos relativos à anulação da decisão impugnada

1.  Quanto aos três primeiros fundamentos, relativos, em substância, à violação do artigo 101.° TFUE, na medida em que a cláusula não constitui uma restrição da concorrência por objeto

a)  Observações preliminares

b)  Quanto à apreciação da cláusula enquanto possível restrição acessória à transação da Vivo

c)  Quanto à autonomia do comportamento da recorrente

d)  Quanto ao contexto da introdução da cláusula no acordo relativo à transação da Vivo e ao comportamento das partes

Quanto à pretensa pressão exercida pelo Governo português

—  Quanto aos princípios relativos ao ónus da prova

—  Decisão impugnada

—  Quanto aos elementos apresentados pela recorrente

—  Quanto à pretensa violação das obrigações de inquérito e do princípio da boa administração

Quanto à pretensa atuação da Telefónica para minimizar o conteúdo anticoncorrencial da cláusula

e)  Quanto ao pretenso conteúdo material e aos pretensos objetivos práticos da salvaguarda «na medida do permitido por lei»

Quanto à pretensa função de redução dos custos de transação

Quanto à pretensa função de alavanca estratégica para chegar ao consenso

Quanto à pretensa função de garantia da manutenção da transação

Quanto à interpretação da redação da cláusula

2.  Quanto ao quarto fundamento, relativo à violação do artigo 101.° TFUE, a uma insuficiência de fundamentação e à apreciação incorreta da aptidão da prática para restringir a concorrência

3.  Quanto ao quinto fundamento, relativo à violação do artigo 101.° TFUE, na medida em que a cláusula não é uma restrição por efeito e à violação das regras sobre o ónus da prova e do princípio in dubio pro reo

B —  Quanto aos pedidos que visam o montante da coima

1.  Observações preliminares

a)  Quanto aos princípios relativos ao cálculo das coimas

b)  Decisão impugnada

2.  Quanto ao sexto fundamento, relativo a um erro manifesto no cálculo do valor inicial das vendas da Telefónica para determinar o montante de base da coima e à violação dos princípios da proporcionalidade e da fundamentação

a)  Quanto à primeira parte, relativa ao facto de o volume das vendas tomado em consideração para a Telefónica dever ser o mesmo que o tomado em consideração para a PT

b)  Quanto à segunda parte, relativa ao facto de o valor de certas vendas dever ser excluído do cálculo da coima

Quanto à fundamentação

Quanto ao mérito

—  Quanto às vendas correspondentes a atividades realizadas fora da Península Ibérica

—  Quanto às vendas correspondentes a atividades existentes anteriormente

—  Quanto às vendas correspondentes a atividades não suscetíveis de serem sujeitas a concorrência

3.  Quanto ao sétimo fundamento, relativo à violação do artigo 101.° TFUE em razão de um erro manifesto no cálculo do montante de base da coima em função da gravidade e à violação do princípio da proporcionalidade

4.  Quanto ao oitavo fundamento, relativo à violação do artigo 101.° TFUE em razão da violação do princípio da proporcionalidade e a um erro manifesto devido à não admissão de outras circunstâncias atenuantes

C —  Quanto ao requerimento de inquirição de testemunhas

Quanto às despesas


** Língua do processo: espanhol.