Language of document : ECLI:EU:T:2016:369

(Processo T‑216/13)

Telefónica, SA

contra

Comissão Europeia

«Concorrência — Acordos, decisões e práticas concertadas — Mercados português e espanhol das telecomunicações — Cláusula de não concorrência no mercado ibérico inserida no contrato para a aquisição pela Telefónica da participação detida pela Portugal Telecom no operador brasileiro de telefonia móvel Vivo — Salvaguarda legal ‘na medida do permitido por lei’ — Infração por objeto — Restrição acessória — Autonomia do comportamento da recorrente — Concorrência potencial — Infração por efeitos — Cálculo do montante da coima — Requerimento de inquirição de testemunhas»

Sumário — Acórdão do Tribunal Geral (Segunda Secção) de 28 de junho de 2016

1.      Direito da União Europeia — Princípios — Direito a uma proteção jurisdicional efetiva — Fiscalização jurisdicional das decisões adotadas pela Comissão em matéria de concorrência — Fiscalização da legalidade e de plena jurisdição, tanto de direito como de facto — Anexos juntos ao recurso, apresentados em apoio dos fundamentos que contestam a declaração da infração e o montante da coima, não apresentados durante o procedimento administrativo de aplicação do artigo 101.° TFUE — Admissibilidade

(Artigo 263.° TFUE)

2.      Recurso de anulação — Competência do juiz da União — Interpretação da fundamentação de um ato administrativo — Limites

(Artigo 263.° TFUE)

3.      Concorrência — Coimas — Montante — Caráter adequado — Fiscalização jurisdicional — Elementos que podem ser tomados em consideração pelo juiz da União — Elementos de informação não contidos na decisão que aplica a coima — Inclusão

(Artigo 263.° TFUE; Regulamento n.° 1/2003 do Conselho, artigos 23.°, n.os 1 e 31)

4.      Direito da União Europeia — Princípios — Direitos de defesa — Princípio do contraditório — Observância no âmbito de um processo jurisdicional — Alcance — Falta de acesso do recorrente aos articulados de outra parte apresentados no âmbito de um recurso paralelo e citados pela Comissão — Violação do referido princípio

5.      Acordos, decisões e práticas concertadas — Acordos entre empresas — Conceito — Concurso de vontades quanto ao comportamento a adotar no mercado

(Artigo 101.°, n.° 1, TFUE)

6.      Acordos, decisões e práticas concertadas — Infração à concorrência — Critérios de apreciação — Teor e objetivo de um acordo, decisão ou prática concertada e contexto económico e jurídico de desenvolvimento do mesmo — Distinção entre infrações por objeto e por efeito — Intenção das partes num acordo em restringir a concorrência — Critério não necessário — Infração por objeto — Grau suficiente de nocividade — Critérios de apreciação

(Artigo 101.°, n.° 1, TFUE)

7.      Concorrência — Regras da União — Âmbito de aplicação material — Comportamento imposto por medidas estatais — Exclusão — Requisitos

(Artigo 101.° TFUE)

8.      Concorrência — Procedimento administrativo — Decisão da Comissão que declara uma infração que consiste na celebração de um acordo anticoncorrencial — Decisão baseada em provas documentais ou em elementos de prova diretos — Ónus probatório das empresas que contestam a realidade da infração

(Artigo 101.° TFUE; Regulamento n.° 1/2003 da Comissão, artigo 2.°)

9.      Direito da União Europeia — Princípios — Direitos fundamentais — Presunção de inocência — Processo em matéria de concorrência — Aplicabilidade

(Artigo 101.° TFUE; Carta dos Direitos Fundamentais da União Europeia, artigo 48.°, n.° 1)

10.    Concorrência — Procedimento administrativo — Decisão da Comissão que declara uma infração ao artigo 101.° TFUE — Obrigação de proceder a uma delimitação de mercado — Inexistência no caso de um acordo tendo por objeto a partilha de mercados

(Artigo 101.°, n.° 1, TFUE)

11.    Acordos, decisões e práticas concertadas — Infração à concorrência — Critérios de apreciação — Qualificação de uma empresa como concorrente potencial — Critérios — Elemento essencial — Capacidade da empresa para integrar o mercado pertinente

(Artigo 101.°, n.° 1, TFUE)

12.    Concorrência — Coimas — Montante — Determinação — Critérios — Gravidade da infração — Inexistência de lista vinculativa ou exaustiva de critérios — Margem de apreciação reservada à Comissão

(Artigo 101.° TFUE; Regulamento n.° 1/2003 do Conselho, artigo 23.°, n.° 2)

13.    Atos das instituições — Orientações para o cálculo das coimas aplicadas em caso de infração às regras de concorrência — Ato de alcance geral — Efeitos

(Regulamento n.° 1/2003 do Conselho, artigo 23.°, n.° 2; Comunicação 2006/C 210/02 da Comissão)

14.    Concorrência — Coimas — Montante — Determinação — Poder de apreciação da Comissão — Fiscalização jurisdicional — Competência de plena jurisdição do juiz da União — Alcance

(Artigo 261.° TFUE; Regulamentos do Conselho n.° 17, artigo 17.°, e n.° 1/2003, artigo 31.°)

15.    Concorrência — Coimas — Montante — Determinação — Respeito dos princípios da igualdade de tratamento e da proporcionalidade — Critérios — Volume de negócios

(Artigos 101.° TFUE e 102.° TFUE; Regulamento n.° 1/2003 do Conselho, artigo 23.°, n.° 2; Comunicação 2006/C 210/02 da Comissão, ponto 13)

16.    Concorrência — Coimas — Montante — Determinação — Obrigação da Comissão se ater à sua prática decisória anterior — Inexistência

(Artigos 101.° TFUE e 102.° TFUE; Regulamento n.° 1/2003 do Conselho, artigo 23.°, n.° 2; Comunicação 2006/C 210/02 da Comissão, ponto 13)

17.    Concorrência — Coimas — Montante — Determinação — Infrações qualificadas de muito graves apenas com fundamento na sua natureza própria — Necessidade de determinar o seu impacto e o seu alcance geográfico — Inexistência

(Artigos 101.° TFUE e 102.° TFUE; Regulamentos do Conselho n.° 17, artigo 15.°, n.° 2, e n.° 1/2003, artigo 23.°, n.° 2; Comunicação 2006/C 210/02 da Comissão, ponto 13)

18.    Atos das instituições — Fundamentação — Dever — Alcance — Decisão que aplica coimas — Indicação dos elementos de apreciação que permitiram à Comissão medir a gravidade e a duração da infração — Indicação suficiente

(Artigo 296.° TFUE; Regulamento n.° 1/2003 do Conselho, artigo 23.°, n.° 3; Comunicações da Comissão 2006/C 210/02 e 2006/C 298/11)

19.    Concorrência — Coimas — Montante — Determinação — Critérios — Volume de negócios global da empresa em causa — Volume de negócios realizado com as mercadorias que são objeto da infração — Respetiva tomada em consideração — Limites — Determinação do valor das vendas realizadas em relação direta ou indireta com a infração — Critérios

(Artigos 101.° TFUE e 102.° TFUE; Regulamento n.° 1/2003 do Conselho, artigo 23.°, n.os 2 e 3; Comunicação 2006/C 210/02 da Comissão, pontos 6 e 13)

20.    Direito da União Europeia — Princípios — Direito a uma proteção jurisdicional efetiva — Fiscalização jurisdicional das decisões adotadas pela Comissão em matéria de concorrência — Competência de plena jurisdição — Alcance — Fiscalização que implica atos de instrução do processo para sanar os incumprimentos da Comissão durante essa instrução — Exclusão

(Artigos 101.° TFUE, 261.° TFUE e 263.° TFUE; Carta dos Direitos Fundamentais da União Europeia, artigo 47.°; Regulamento n.° 1/2003 do Conselho, artigos 23.°, n.° 2, e 31.°)

21.    Concorrência — Coimas — Montante — Determinação — Método de cálculo definido pelas orientações fixadas pela Comissão — Ajustamento do montante de base — Obrigação de ter em conta circunstâncias individuais próprias de cada uma das empresas participantes (Regulamento n.° 1/2003 do Conselho, artigo 23.°, n.° 2; Comunicação 2006/C 210/02 da Comissão)

22.    Processo judicial — Medidas de instrução — Audição de testemunhas — Poder de apreciação do Tribunal — Impacto do princípio do direito a um processo equitativo

(Regulamento de Processo do Tribunal Geral, artigo 91.°)

1.      V. texto da decisão.

(cf. n.° 87)

2.      V. texto da decisão.

(cf. n.° 87)

3.      V. texto da decisão.

(cf. n.° 89)

4.      V. texto da decisão.

(cf. n.os 93‑95)

5.      V. texto da decisão.

(cf. n.° 98)

6.      V. texto da decisão.

(cf. n.os 100, 102‑105, 120, 212, 229, 230)

7.      Os artigos 101.° TFUE e 102.° TFUE referem‑se apenas a comportamentos anticoncorrenciais adotados pelas empresas por sua própria iniciativa. Se uma legislação nacional impõe às empresas um comportamento anticoncorrencial ou se cria um quadro jurídico que, por si só, elimina qualquer possibilidade de comportamento concorrencial da sua parte, os artigos 101.° TFUE e 102.° TFUE não são aplicáveis. Numa situação deste tipo, como resulta destas disposições, a limitação da concorrência não é causada por comportamentos autónomos das empresas. Esta possibilidade de excluir um determinado comportamento anticoncorrencial do âmbito de aplicação dos artigos 101.° TFUE e 102.° TFUE, só foi admitida de forma restritiva. Com efeito, embora o comportamento de uma empresa possa escapar à aplicação do artigo 101.°, n.° 1, TFUE, por falta de autonomia, daqui não decorre, todavia, que qualquer comportamento pretendido ou dirigido pelas autoridades nacionais fique fora do âmbito de aplicação desta disposição. Assim, se uma medida estatal retomar os elementos de um acordo a que tenham chegado os operadores económicos de um setor ou for adotada após consulta e com o acordo dos operadores económicos em causa, esses operadores não poderão basear‑se no caráter obrigatório da regulamentação para escapar à aplicação do artigo 101.°, n.° 1.

Por conseguinte, não existindo uma disposição regulamentar vinculativa que imponha um comportamento anticoncorrencial, a Comissão só pode concluir pela falta de autonomia dos operadores em causa se se verificar, com base em indícios objetivos, pertinentes e concordantes, que esse comportamento lhes foi imposto pelas autoridades nacionais através do exercício de pressões irresistíveis, tais como a ameaça da adoção de medidas estatais suscetíveis de lhes causar prejuízos importantes. Além disso, para escapar à aplicação do artigo 101.°, n.° 1, TFUE, tais pressões devem ser exercidas de forma a retirar aos operadores em causa toda a autonomia na execução das decisões dos poderes públicos. Na falta de tal perda de autonomia, a circunstância de um comportamento anticoncorrencial ter sido favorecido ou encorajado pelas autoridades públicas, não tem, em si, qualquer influência quanto à aplicabilidade do artigo 101.° TFUE.

(cf. n.os 114‑118)

8.      V. texto da decisão.

(cf. n.os 124, 125, 128‑130, 163, 164, 190, 191)

9.      V. texto da decisão.

(cf. n.os 126, 127)

10.    V. texto da decisão.

(cf. n.os 213, 214, 216)

11.    No contexto de um processo destinado a obter a declaração de uma infração às regras da concorrência, para demonstrar a existência de uma concorrência potencial no mercado em causa entre duas empresas que celebraram um acordo de não‑concorrência, em presença de um mercado liberalizado, a Comissão não deve proceder a uma análise da estrutura do mercado em causa e da questão de saber se a entrada nesse mercado corresponde, para cada uma das partes, a uma estratégia económica viável, mas está obrigada a examinar se existem barreiras intransponíveis à entrada no mercado, que excluem qualquer concorrência potencial. A este respeito, embora a intenção de uma empresa de integrar um mercado seja eventualmente pertinente para averiguar se esta pode ser considerada um concorrente potencial no referido mercado, o elemento essencial no qual deve assentar essa qualificação é, no entanto, constituído pela sua capacidade para integrar o referido mercado.

(cf. n.os 221, 226)

12.    V. texto da decisão.

(cf. n.os 233, 234, 318)

13.    V. texto da decisão.

(cf. n.os 236‑238)

14.    V. texto da decisão.

(cf. n.os 243, 244)

15.    V. texto da decisão.

(cf. n.os 260‑262)

16.    V. texto da decisão.

(cf. n.° 264)

17.    V. texto da decisão.

(cf. n.os 269‑272)

18.    V. texto da decisão.

(cf. n.os 275‑277)

19.    No que respeita à determinação do montante de base das coimas aplicadas por infração das regras de concorrência, o ponto 13 das orientações para o cálculo das coimas aplicadas por força do artigo 23.°, n.° 2, alínea a), do Regulamento n.° 1/2003, tem por objetivo fixar como ponto de partida para o cálculo da coima aplicada a uma empresa um montante que reflita a importância económica da infração e o peso relativo desta empresa na mesma. Consequentemente, o conceito de valor das vendas referido neste ponto 13 das referidas orientações abrange as vendas realizadas no mercado afetado pela infração no Espaço Económico Europeu, sem que seja necessário determinar se essas vendas foram efetivamente afetadas por essa infração, na medida em que a parte do volume de negócios proveniente da venda das mercadorias objeto da infração é a que melhor reflete a importância económica da infração.

No entanto, embora seja certo que não se respeitaria o objetivo prosseguido por esta disposição se o conceito de valor das vendas aí mencionado fosse entendido no sentido de que apenas se refere ao volume de negócios realizado com as vendas que se tenha demonstrado terem sido realmente afetadas pelo cartel em questão, este conceito não pode, contudo, ser alargado de forma a englobar as vendas da empresa em causa que não façam parte, direta ou indiretamente, do perímetro desse cartel.

Neste contexto, não pode ser exigido à Comissão, em presença de uma restrição por objeto, que faça oficiosamente um exame da concorrência potencial para todos os mercados e serviços abrangidos pelo âmbito de aplicação da infração, sob pena de introdução, por via da determinação do valor das vendas a tomar em conta para o cálculo da coima, da obrigação de examinar a concorrência potencial, quando esse exercício não é exigido no caso de uma restrição da concorrência por objeto.

Todavia, impor à Comissão que determine as vendas relacionadas direta ou indiretamente com a infração não significa impor‑lhe, no âmbito da determinação do montante da coima, uma obrigação a que ela não está sujeita para efeitos da aplicação do artigo 101.° TFUE, quando se trata de uma infração que tem um objeto anticoncorrencial. Com efeito, tal solução equivaleria apenas a retirar as consequências do facto de o valor dever abranger as vendas relacionadas direta ou indiretamente com a infração na aceção do ponto 13 das orientações e não poder englobar as vendas que não façam parte, direta ou indiretamente, do perímetro da infração punida. Daqui se conclui que, a partir do momento em que a Comissão, para determinar o montante da coima, opta por se basear no valor das vendas relacionadas direta ou indiretamente com a infração, deve determinar esse valor com precisão.

(cf. n.os 297‑299, 302‑307)

20.    No que respeita à determinação do montante de base das coimas aplicadas por infração das regras de concorrência, a competência de plena jurisdição de que o Tribunal Geral dispõe por força do artigo 31.° do Regulamento n.° 1/2003 habilita o juiz, para além da simples fiscalização da legalidade da sanção, a substituir a apreciação da Comissão pela sua própria apreciação. Todavia, numa situação em que a Comissão não procedeu à análise dos elementos apresentados pelo recorrente para demonstrar a inexistência de concorrência potencial entre as partes num acordo que tem um objeto anticoncorrencial em relação a certos serviços, a fim de determinar o valor das vendas a tomar em consideração para o cálculo do montante da coima, a determinação do valor dessas vendas pelo Tribunal Geral implicaria que este preenchesse uma lacuna na instrução do processo.

Ora, o exercício da competência de plena jurisdição não pode ir ao ponto de levar o Tribunal Geral a proceder a essa instrução, que excederia a substituição da apreciação da Comissão pela apreciação do Tribunal, visto que a apreciação do Tribunal seria a única e a primeira apreciação dos elementos que a Comissão deveria ter tomado em conta na determinação do valor das vendas relacionadas direta ou indiretamente com a infração na aceção do ponto 13 das orientações para o cálculo das coimas aplicadas por força do n.° 2, alínea a), do artigo 23.° do Regulamento n.° 1/2003, e cuja análise cabia à Comissão.

(cf. n.os 314, 315)

21.    V. texto da decisão.

(cf. n.° 331)

22.    V. texto da decisão.

(cf. n.os 344‑350)