Edição provisória
CONCLUSÕES DA ADVOGADA‑GERAL
TAMARA ĆAPETA
apresentadas em 21 de março de 2024(1)
Processo C‑399/22
Confédération paysanne
contra
Ministre de l’agriculture et de la souveraineté alimentaire,
Ministre de l’Économie, des Finances et de la Souveraineté industrielle et numérique
[pedido de decisão prejudicial apresentado pelo Conseil d’État (Conselho de Estado, em formação jurisdicional, França)]
«Reenvio prejudicial — Informação dos consumidores sobre os géneros alimentícios — Requisitos de rotulagem do país de origem — Frutas e produtos hortícolas colhidos no Sara Ocidental — Competência dos Estados‑Membros para proibir unilateralmente a importação de produtos que não ostentem um rótulo correto do “país de origem”»
I. Introdução
1. «O território do Sara Ocidental não pertence ao Reino de Marrocos; por conseguinte, um rótulo que apresente estes produtos como sendo originários de Marrocos viola os requisitos da União em matéria de rotulagem dos géneros alimentícios.»
2. Em suma, é este o argumento da recorrente no órgão jurisdicional nacional. Consequentemente, a recorrente pediu que o ministère de l’agriculture et de la souveraineté alimentaire (Ministério da Agricultura e da Soberania Alimentar, França) e o ministère de l’économie, des finances et de la souveraineté industrielle et numérique (Ministério da Economia, das Finanças e da Soberania Industrial e Digital, França) (a seguir «ministérios») adotem um despacho que proíba a importação de tomates cereja e de melões charentais (a seguir «produtos em causa») originários do território do Sara Ocidental e rotulados como sendo originários do Reino de Marrocos.
3. O litígio suscita duas questões distintas.
4. A primeira é a de saber se os Estados‑Membros podem agir unilateralmente no domínio da política comercial comum para proibir a importação de certas mercadorias de países terceiros. Embora não se trate de uma questão nova, tendo em conta as recentes medidas adotadas pelos Estados‑Membros contra as importações provenientes da Ucrânia, a questão é certamente atual numa perspetiva mais ampla (2).
5. A segunda questão a resolver diz respeito à rotulagem dos géneros alimentícios originários do território do Sara Ocidental. A questão neste caso é a de saber se esses produtos podem ser comercializados como sendo originários do Reino de Marrocos. Esta questão pode ser colocada no contexto dos Acórdãos Conselho/Frente Polisário (3) e Western Sahara Campaign UK (4), nos quais o Tribunal de Justiça reconheceu o estatuto territorial separado do território do Sara Ocidental (5).
II. Contexto jurídico e factual do presente processo e questões prejudiciais
6. O Sara Ocidental é um território situado no noroeste de África. Foi colonizado pelo Reino de Espanha no século XIX. Em 1963, durante o processo de descolonização, este território foi acrescentado pelas Nações Unidas à lista de territórios não autónomos (6). Permanece nessa lista até hoje.
7. O processo de descolonização (ainda) não foi concluído, e o Sara Ocidental continua a ser o único território não autónomo em África. A Espanha renunciou à sua responsabilidade como potência administrante colonial em 1976. Desde então, persiste um conflito, incluindo de natureza militar, a respeito deste território, entre o Reino de Marrocos, que controla cerca de 80 % do território do Sara Ocidental e reivindica a soberania sobre a sua totalidade, e a Frente Popular para a Libertação de Saguia‑el‑Hamra e Rio de Oro (a seguir «Frente Polisário»), que controla o resto do território do Sara Ocidental e afirma representar o povo sarauí. O povo sarauí foi reconhecido como titular do direito à autodeterminação pelo Tribunal Internacional de Justiça no seu Parecer Consultivo sobre o Sara Ocidental (7).
8. O conflito no Sara Ocidental não é novo para o Tribunal de Justiça. Reconhecendo que o direito à autodeterminação vincula a União Europeia na condução das suas relações externas, o Tribunal de Justiça declarou no Acórdão Conselho/Frente Polisário e no Acórdão Western Sahara Campaign UK que o território do Sara Ocidental goza de um estatuto separado e distinto do de qualquer Estado, incluindo do Reino de Marrocos (8).
9. Nesta base, o Tribunal de Justiça interpretou o Acordo de Associação e o Acordo de Parceria no Domínio da Pesca (9), cuja aplicação territorial se limitava, respetivamente, ao «território do Reino de Marrocos» e às «águas sob a soberania ou jurisdição do Reino de Marrocos», no sentido de que não incluía o território do Sara Ocidental nem as águas adjacentes ao mesmo (10).
10. O Conselho deu instruções à Comissão para dar seguimento aos Acórdãos Conselho/Frente Polisário e Western Sahara Campaign UK (11). O resultado das negociações subsequentes com o Reino de Marrocos reflete‑se, por um lado, num acordo que alarga as preferências pautais aos produtos originários do território do Sara Ocidental (12) e, por outro, no acordo e no protocolo de execução relativos à pesca sustentável nas águas adjacentes ao Sara Ocidental (13).
11. A Frente Polisário impugnou as decisões que aprovam estes acordos. Os recursos dos acórdãos do Tribunal Geral, através dos quais este anulou as referidas decisões (14), estão pendentes no Tribunal de Justiça. Paralelamente às presentes conclusões, apresentarei também hoje as minhas conclusões nestes dois recursos (15). No entanto, e independentemente de o Tribunal de Justiça seguir ou não as minhas conclusões nesses processos, o seu resultado não afetará a solução do presente processo.
12. No presente processo, a recorrente no processo principal no órgão jurisdicional de reenvio é a Confédération paysanne (Confederação de Agricultores), um sindicato agrícola francês. Pediu aos ministérios a adoção de um despacho que proíba a importação dos produtos em causa colhidos no território do Sara Ocidental. Estes produtos são importados e comercializados em França com um rótulo que indica o Reino de Marrocos como o seu local de origem (16). A recorrente alega que tal é contrário aos requisitos da União em matéria de rotulagem dos géneros alimentícios, que impõem a rotulagem do país de origem correto dos produtos. A recorrente alega que, quando os produtos em causa são importados para França, indicam erradamente o Reino de Marrocos em vez do território do Sara Ocidental como seu país de origem. A sua importação deveria, por conseguinte, ser proibida.
13. Considerando que os ministérios indeferiram tacitamente esse pedido, a recorrente interpôs recurso para o Conseil d’État (Conselho de Estado, em formação jurisdicional).
14. O órgão jurisdicional de reenvio entende que as regras aplicáveis exigem a menção do país ou território de origem dos produtos alimentares. Esta exigência, que constitui um elemento da comercialização dos produtos alimentares, tem, em princípio, de ser respeitada no momento da importação. No entanto, o órgão jurisdicional de reenvio observa igualmente que os regulamentos aplicáveis não conferem expressamente competência aos Estados‑Membros para adotar medidas que proíbam a importação de produtos que não cumpram esse requisito de rotulagem de origem. Por outro lado, o órgão jurisdicional de reenvio considera que, à luz dos Acórdãos do Tribunal de Justiça Conselho/Frente Polisário e Western Sahara Campaign UK, se coloca a questão de saber se as regras da União em matéria de rotulagem dos géneros alimentícios devem ser interpretadas no sentido de que exigem que os produtos originários do território do Sara Ocidental não podem referir o Reino de Marrocos como país de origem, devendo, em vez disso, fazer referência ao território do Sara Ocidental.
15. Nestas circunstâncias, o Conseil d’État (Conselho de Estado, em formação jurisdicional) decidiu suspender a instância e submeter ao Tribunal de Justiça as seguintes questões prejudiciais:
«1. Devem as disposições do Regulamento n.° 1169/2011, do Regulamento n.° 1308/2013, do Regulamento n.° 543/2011 e do Regulamento n.° 952/2013, ser interpretadas no sentido de que autorizam um Estado‑Membro a adotar uma medida nacional de proibição de importação de frutas e produtos hortícolas, provenientes de um determinado país, em violação dos artigos 26.° do Regulamento n.° 1169/2011 e 76.° do Regulamento n.° 1308/2013, por não mencionar o país ou território de onde são realmente originários, em especial quando essa violação apresenta um caráter massivo e que pode ser dificilmente controlada depois de os produtos terem entrado no território da União?
2. Em caso de resposta afirmativa à primeira questão, deve o Acordo sob a forma de Troca de Cartas, aprovado pela Decisão do Conselho, de 28 de janeiro de 2019, que altera os Protocolos n.° 1 e 4 do Acordo de Associação Euro‑Mediterrânico de 26 de fevereiro de 1996, que cria uma associação entre a União Europeia e os seus Estados‑Membros e Marrocos, ser interpretado no sentido de que, para efeitos de aplicação dos artigos 9.° e 26.° do Regulamento (UE) n.° 1669/2011 e do artigo 76.° do Regulamento (UE) n.° 1308/2011, por um lado, Marrocos é o país de origem das frutas e produtos hortícolas colhidos no território do Sara Ocidental e, por outro, as autoridades marroquinas são competentes para emitir os certificados de conformidade previstos pelo Regulamento n.° 543/2011 para as frutas e os produtos hortícolas colhidos nesse território?
3. Em caso de resposta afirmativa à segunda questão, a Decisão do Conselho, de 28 de janeiro de 2019, que aprova o Acordo sob a forma de Troca de Cartas, é conforme com o artigo 3.°, n.° 5, do Tratado da União Europeia, com o artigo 21.° do mesmo Tratado e com o princípio consuetudinário da autodeterminação evocado no artigo 1.° da Carta das Nações Unidas?
4. Devem os artigos 9.° e 26.° do Regulamento (UE) n.° 1669/2011 e o artigo 76.° do Regulamento (UE) n.° 1308/2011, ser interpretados no sentido de que, no estádio da importação e venda ao consumidor, a embalagem de frutas e produtos hortícolas colhidos no território do Sara Ocidental não pode mencionar Marrocos como país de origem, mas deve mencionar o território do Sara Ocidental?»
16. A Confédération paysanne, o Governo Francês, o Conselho e a Comissão apresentaram alegações escritas ao Tribunal de Justiça. Estas partes apresentaram igualmente alegações orais na audiência realizada em 24 de outubro de 2023.
III. Análise
17. Como já foi explicado, o presente reenvio prejudicial é tratado em simultâneo com dois conjuntos de recursos nos quais também apresento hoje as minhas conclusões (17). Um destes dois recursos diz respeito à validade do tratamento preferencial concedido, nomeadamente, aos produtos em causa importados do território do Sara Ocidental para a União Europeia (18).
18. Independentemente do resultado destes recursos, as duas questões sobre as quais o Tribunal de Justiça pediu que centrasse a minha análise, a saber, a primeira e quarta questões prejudiciais, continuam a ser pertinentes (19).
19. Debruçar‑me‑ei sucessivamente sobre estas duas questões. No que diz respeito à primeira questão, apreciarei se os Estados‑Membros têm competência, ao abrigo do direito da União, para proibir unilateralmente a importação de certas mercadorias para a União Europeia que alegadamente não ostentam um rótulo correto do país de origem (20). Relativamente à quarta questão, como submetida, analisarei se os produtos em causa devem mencionar o Sara Ocidental como seu país de origem e se podem mencionar igualmente o Reino de Marrocos como seu país de origem.
A. Quanto à primeira questão
1. Reformulação da questão
20. Antes de me dedicar ao mérito da primeira questão, considero necessário reformular a mesma. Isto porque o órgão jurisdicional de reenvio explica a necessidade de obter orientações relativas à primeira questão por referência ao Regulamento Informação Alimentar (21), ao Regulamento Produtos Agrícolas (22), ao Regulamento Geral sobre a Comercialização de Frutas e Produtos Hortícolas (23) e ao Código Aduaneiro da União (24) como potenciais fundamentos jurídicos para a proibição unilateral de importações solicitada pela recorrente.
21. A proibição da importação de certos produtos é uma medida política que rege o comércio de mercadorias (25), matéria que, em conformidade com o artigo 207.°, n.° 1, TFUE, é abrangida pelo âmbito da política comercial comum. Com efeito, no seu reenvio prejudicial, o órgão jurisdicional de reenvio explica que a medida requerida pela recorrente não diz respeito a uma proibição de venda ou de comercialização dos produtos em causa em França. Em vez disso, a recorrente solicitou às autoridades francesas que impusessem unilateralmente uma proibição de importação desses produtos originários do Sara Ocidental, devido à alegada violação dos requisitos da União em matéria de rotulagem dos géneros alimentícios.
22. Uma vez que a política comercial comum é uma política exclusiva da União (26), a França não tem competência para impor uma proibição de importação, a menos que a União Europeia a habilite para o fazer ou solicite que o faça.
23. Com exceção do Código Aduaneiro da União, todos os outros regulamentos mencionados pelo órgão jurisdicional de reenvio dizem respeito à rotulagem dos géneros alimentícios na União no mercado da União. Além disso, estes regulamentos não foram adotados com base nas disposições dos Tratados que regem o comércio com países terceiros e a política comercial comum (artigos 206.° ou 207.° TFUE), mais uma vez com exceção do Código Aduaneiro da União. Em vez disso, foram adotados com base nos artigos que regem a agricultura (artigo 43.° TFUE) e o mercado interno (artigo 114.° TFUE).
24. Uma vez que não regulam o comércio com países terceiros, o Regulamento Informação Alimentar, o Regulamento Produtos Agrícolas e o Regulamento Geral sobre a Comercialização de Frutas e Produtos Hortícolas não podem habilitar França a adotar a medida solicitada. De qualquer modo, nenhum destes regulamentos autoriza os Estados‑Membros a proibirem unilateralmente a importação de produtos não conformes (27).
25. A fim de dar uma resposta útil ao órgão jurisdicional de reenvio, sugiro, por conseguinte, que a primeira questão seja reformulada no sentido de perguntar se o direito da União, nomeadamente o Código Aduaneiro da União, autoriza um Estado‑Membro a adotar uma medida nacional de proibição de importação de frutas e produtos hortícolas que não ostentem um rótulo do país de origem correto.
2. Apreciação
26. Como expliquei no n.° 21 das presentes conclusões, o comércio de mercadorias é uma matéria da política comercial comum. Esta política deve ser regida por princípios uniformes (28).
27. Por força do artigo 3.°, n.° 1, alínea e), TFUE, a União Europeia dispõe de competência exclusiva no domínio da política comercial comum. Isto significa que só a União pode legislar e adotar atos juridicamente vinculativos relativos ao comércio de mercadorias com países terceiros (29).
28. O corolário desta atribuição de competências é que os Estados‑Membros estão impedidos de atuar no domínio do comércio internacional, a menos que estejam especificamente habilitados para o fazer pela União Europeia ou quando executem atos da União.
29. Por conseguinte, a questão submetida ao Tribunal de Justiça é a de saber se o direito primário ou derivado da União confere poderes autónomos aos Estados‑Membros para estabelecer o tipo de medida unilateral solicitada pela recorrente.
30. Ao nível do direito primário da União, a resposta é negativa. Os Tratados não preveem uma disposição que habilite os Estados‑Membros a estabelecerem medidas unilaterais que restrinjam ou suspendam o comércio com um Estado ou território terceiro (30).
31. Considero que a lógica subjacente a esta abordagem reside, acima de tudo, no risco de desvirtuar o caráter essencial das competências da União e das suas instituições, tal como foram previstas no Tratado (31).
32. Em segundo lugar, tais medidas constituiriam uma ameaça à uniformidade da política comercial externa da União Europeia, comprometendo assim um dos princípios fundamentais em que se baseia a política comercial comum (32).
33. Por último, além da aparência externa da União Europeia como parceiro comercial fiável, existe um risco de desencadear a responsabilidade perante o Órgão de Resolução de Litígios da OMC (33).
34. Ao nível do direito derivado da União, a resposta é mais matizada.
35. Existe, pelo menos, um precedente para as circunstâncias em que a União Europeia permite que os Estados‑Membros mantenham, sob determinadas condições, medidas nacionais específicas que, em rigor, interferem com a atribuição de competências no âmbito da política comercial comum (34). No entanto, isso é raro.
36. Mais comuns são os instrumentos específicos que permitem que a União Europeia adote certas medidas de salvaguarda relacionadas com o comércio com países ou territórios terceiros (35). Nestes casos, a União pode estabelecer determinadas medidas para regular a introdução de produtos provenientes de fora da União no território aduaneiro da União e, se necessário (36), apenas em parte deste território (37).
37. É certo, como alega o Governo francês, que tanto o Regulamento de Base das Importações como o Código Aduaneiro da União contêm disposições que preveem a possibilidade de os Estados‑Membros estabelecerem medidas comerciais unilaterais em casos excecionais. Assim, o artigo 24.°, n.° 2, alínea a), do Regulamento de Base das Importações prevê que «o presente regulamento não prejudica a adoção ou a aplicação pelos Estados‑Membros de [...] [p]roibições, restrições quantitativas ou medidas de vigilância justificadas por razões de moralidade pública, ordem pública e segurança pública». Do mesmo modo, em conformidade com o artigo 134.°, n.° 1, do Código Aduaneiro da União, «[a]s mercadorias introduzidas no território aduaneiro da União [...] podem ser submetidas a controlos aduaneiros» e, «se for caso disso, estão igualmente sujeitas às proibições e restrições justificadas, nomeadamente, por razões de moral pública, ordem pública e segurança pública».
38. No entanto, é evidente que estas disposições não constituem uma autorização permanente, ao nível do direito derivado da União, para estabelecer medidas unilaterais para suspender as importações por alegadas violações dos requisitos da União em matéria de rotulagem dos géneros alimentícios.
39. Em primeiro lugar, o tipo de medidas previstas no artigo 24.°, n.° 2, alínea a), do Regulamento de Base das Importações deve ser aplicado erga omnes, na medida em que as mesmas são dirigidas contra os membros da OMC e, portanto, dizem respeito a todas as importações do produto em causa, independentemente da sua origem (38). Por conseguinte, o tipo de medida solicitada a França contra produtos originários unicamente do Reino de Marrocos, membro da OMC, não pode ser abrangido pelo âmbito de aplicação desta disposição.
40. Além disso, as medidas previstas no artigo 24.°, n.° 2, alínea a), do Regulamento de Base das Importações devem ser impostas, nomeadamente, «por razões de moralidade pública, ordem pública e segurança pública.» Por conseguinte, esta disposição permite uma ingerência na liberdade de comércio (39) por razões específicas de interesse geral comparáveis às enunciadas no artigo 36.° TFUE (40).
41. Não excluo a possibilidade de o conceito de «moralidade pública» em especial, que remete para crenças no bem e no mal por parte de uma determinada comunidade, poder abranger a rotulagem falsa ou enganosa de produtos alimentares.
42. No entanto, tendo em conta a interpretação estrita que deve ser dada aos tipos de derrogações previstas no artigo 24.°, n.° 2, alínea a), do Regulamento de Base das Importações (41), não estou convencida de que uma violação das normas harmonizadas de comercialização da União possa constituir um motivo para restringir a importação de um certo tipo de produto para um único Estado‑Membro.
43. Com efeito, como explicou o Governo Francês, é evidente que não se pode considerar que a liberalização das importações de mercadorias provenientes de países terceiros através do Regulamento de Base das Importações e do Código Aduaneiro da União tem igualmente por objetivo ou efeito liberalizar a comercialização subsequente dessas importações.
44. Isto é lógico, uma vez que, no ciclo de vida de um produto importado para venda no mercado da União, o estádio da importação ocorre antes do estádio da comercialização.
45. Com certeza, ambos os estádios podem «completa[r]‑se mutuamente» (42).
46. No entanto, o êxito do desalfandegamento de um produto não implica necessariamente o cumprimento das regras em matéria de rotulagem para os consumidores e vice‑versa: como o Tribunal de Justiça observou no seu Acórdão Expo Casa Manta, «[d]a mesma forma que um produto legalmente fabricado na Comunidade não pode ser colocado no mercado unicamente em virtude desta circunstância, a importação legal de um produto não implica que este seja automaticamente admitido no mercado» (43).
47. Porém, mesmo admitindo (erradamente) que o desalfandegamento de um produto implica o cumprimento das regras de rotulagem para os consumidores, a medida pretendida pela recorrente seria, em todo o caso, ineficaz, uma vez que os produtos em causa, quando importados através de outros Estados‑Membros, poderiam ainda assim ser comercializados junto do consumidor francês.
48. Neste contexto, não considero justificado que um Estado‑Membro possa invocar uma razão de moralidade pública para restringir unilateralmente a importação de certos produtos provenientes de Estados terceiros (e, assim, perturbar a circulação intra‑UE desse produto) com o pretexto de sanar uma alegada violação das normas harmonizadas de comercialização da União.
49. Em segundo lugar, a fiscalização aduaneira prevista no artigo 134.°, n.° 1, do Código Aduaneiro da União não funciona como uma habilitação autónoma para autorizar que os Estados‑Membros estabeleçam, nomeadamente, proibições de importação de certos produtos.
50. Pelo contrário, o conceito de fiscalização aduaneira prevê um certo tipo de estatuto jurídico para os produtos importados para a União. É com base nesse estatuto que as autoridades aduaneiras nacionais executam depois controlos aduaneiros (44). Estes controlos incluem a verificação do tratamento aplicado às mercadorias em causa (por exemplo, o seu tratamento pautal preferencial) e o cumprimento das obrigações impostas ao importador em causa (por exemplo, o pagamento de direitos aduaneiros e de importação).
51. Além disso, o próprio tipo de medida que é controlada pela fiscalização aduaneira deve ser estabelecido pelo direito da União ou pela legislação de execução do Estado‑Membro. São estes os tipos de proibições e restrições a que se refere o artigo 134.°, n.° 1, segundo período, do Código Aduaneiro da União (45).
52. Contudo, no presente processo, a recorrente não indica nenhuma disposição do direito da União ou da legislação de execução do Estado‑Membro que habilite França a adotar as medidas requeridas aos ministérios (46).
53. Por conseguinte, daqui resulta que nem o Código Aduaneiro da União nem o Regulamento de Base das Importações podem, por si só, ser invocados para autorizar o Governo Francês a estabelecer uma proibição unilateral de importação sobre certos produtos originários do território do Sara Ocidental por não apresentarem um rótulo do país de origem correto.
54. Consequentemente, proponho que o Tribunal de Justiça responda negativamente à primeira questão.
B. Quanto à quarta questão
55. Com a sua quarta questão, o órgão jurisdicional de reenvio pergunta, em substância, se as regras pertinentes relativas à rotulagem dos géneros alimentícios na União devem ser interpretadas no sentido de que, nos estádios de importação e venda ao consumidor, a embalagem de frutas e produtos hortícolas colhidos no Sara Ocidental não deve mencionar Marrocos como país de origem, mas deve, em vez disso, mencionar o território do Sara Ocidental.
1. Quanto à admissibilidade
56. Nas suas observações escritas apresentadas ao Tribunal de Justiça, tanto o Governo francês como a Comissão contestam a admissibilidade desta questão. Ambos alegam que a resolução do litígio no órgão jurisdicional de reenvio está limitada à decisão sobre a legalidade da decisão tácita dos ministérios de não proibir unilateralmente as importações dos produtos em causa do território do Sara Ocidental. A decisão deste litígio não exige, por conseguinte, que se responda à questão de saber se os produtos importados do Sara Ocidental devem mencionar este território como sendo a sua origem.
57. Na minha opinião, não resulta claramente do pedido do órgão jurisdicional de reenvio que uma interpretação das regras relativas à rotulagem dos géneros alimentícios na União para os produtos em causa não tem nenhuma relação com a realidade ou o objeto do litígio no processo principal.
58. O artigo 267.° TFUE estabelece o processo de cooperação direta entre o Tribunal de Justiça e os órgãos jurisdicionais dos Estados‑Membros (47). Neste processo, que se baseia numa clara separação de funções, é o órgão jurisdicional nacional que decide quais os elementos de direito da União de que necessita para a resolução do litígio que lhe foi submetido, uma vez que é também esse órgão jurisdicional o único responsável pela decisão a tomar (48). Assim, as questões de um órgão jurisdicional nacional gozam de uma presunção de pertinência, sendo o Tribunal de Justiça, em princípio, obrigado a proferir uma decisão (49).
59. O Tribunal de Justiça só pode recusar pronunciar‑se sobre uma questão prejudicial submetida por um órgão jurisdicional nacional se for manifesto que a interpretação de uma regra da União solicitada não tem nenhuma relação com a realidade ou o objeto do litígio no processo principal, quando o problema for hipotético ou ainda quando o Tribunal de Justiça não dispuser dos elementos de facto e de direito necessários para dar uma resposta útil às questões que lhe são submetidas (50).
60. No presente processo, embora a primeira questão diga apenas respeito à proibição de importação, não é claro que a medida solicitada ao órgão jurisdicional de reenvio não devesse abranger tanto o estádio da importação como a colocação à disposição dos produtos em causa ao consumidor no mercado francês. A quarta questão também é colocada no despacho do órgão jurisdicional de reenvio de modo a referir‑se a ambos os estádios.
61. Embora considere que estes dois estádios não podem ser confundidos (v. também n.° 44 das presentes conclusões), é evidente que o pedido da recorrente, fundado ou não, diz igualmente respeito ao cumprimento dos requisitos da União em matéria de rotulagem dos géneros alimentícios para os produtos em causa. Por conseguinte, este elemento afigura‑se útil para a missão do órgão jurisdicional de reenvio de decidir da legalidade da decisão tácita em causa. Além disso, o órgão jurisdicional de reenvio considera que tem competência, por força do direito nacional, para impor oficiosamente a medida solicitada pela recorrente, sem precisar as situações em que essa medida pode ser ordenada. Parece ser também por esta razão que o órgão jurisdicional de reenvio considera necessário apreciar o mérito da argumentação da recorrente, que abrange as questões suscitadas na quarta questão.
62. Por conseguinte, a quarta questão é admissível.
2. Quanto ao mérito
63. A quarta questão está redigida de forma a perguntar se o direito da União impõe obrigações negativas e positivas para a correta rotulagem dos produtos em causa quando sejam originários do território do Sara Ocidental. O órgão jurisdicional de reenvio pergunta se os requisitos da União em matéria de rotulagem dos géneros alimentícios proíbem um rótulo do país de origem que contenha ou mencione o Reino de Marrocos e se, em vez disso, exigem a menção do território do Sara Ocidental como país de origem.
64. Entendo que as regras pertinentes da União em matéria de rotulagem dos géneros alimentícios exigem efetivamente que os produtos originários do território do Sara Ocidental mencionem este território como sendo o seu país de origem (a obrigação positiva), com exclusão de outras menções territoriais (a obrigação negativa). Por conseguinte, estes produtos não podem conter qualquer menção ao Reino de Marrocos.
65. A análise que me levará a esta conclusão está estruturada da seguinte forma: em primeiro lugar, estabelecerei que as regras gerais e/ou específicas relativas à rotulagem dos géneros alimentícios na União, conforme aplicáveis aos produtos em causa, impõem, antes de mais, um rótulo do país de origem (a). Em seguida, esclarecerei que o território do Sara Ocidental pode ser considerado um país de origem na aceção destas regras (b). Em terceiro lugar, explicarei por que razão a omissão do Sara Ocidental como país de origem dos produtos em causa pode induzir em erro os consumidores da União nas suas escolhas (c). Por último, analisarei a questão de saber se as regras da União em matéria de rotulagem dos géneros alimentícios proíbem uma referência adicional ao Reino de Marrocos (d).
a) Quanto à legislação relativa à rotulagem dos géneros alimentícios na União
1) Regras gerais aplicáveis aos géneros alimentícios
66. O Regulamento Informação Alimentar visa capacitar os consumidores, através de informação «correta, neutra e objetiva» para «fazer[em] escolhas informadas» em relação aos alimentos que consomem (51) e para prevenir todas as práticas que possam induzir o consumidor em erro (52). Para o efeito, exige «rótulos claros, compreensíveis e legíveis para os alimentos» (53).
67. Parte da informação que (geralmente) deve ser prestada ao consumidor é o «país de origem» ou o «local de proveniência» (54). Trata‑se do local de onde o género alimentício em causa provém (55).
68. Este requisito constitui uma expressão do princípio da proibição da informação enganosa sobre os géneros alimentícios (56).
69. O Regulamento Informação Alimentar centra‑se, portanto, especificamente na proteção dos consumidores contra a falta de informação ou a informação incorreta que represente um risco de induzir o consumidor em erro quanto à origem real do produto (57).
70. Voltarei a abordar a importância do elemento do risco de induzir o consumidor em erro (n.os 102 e segs. das presentes conclusões); contudo, há que determinar previamente que requisitos específicos decorrem da legislação relativa à rotulagem das frutas e produtos hortícolas para os produtos em causa no presente processo.
2) Requisitos específicos aplicáveis às frutas e produtos hortícolas
71. Adotados como regras adicionais ao Regulamento Informação Alimentar (58), o Regulamento Produtos Agrícolas e o Regulamento Geral sobre a Comercialização de Frutas e Produtos Hortícolas estabelecem requisitos de comercialização aplicáveis às frutas e produtos hortícolas (59).
72. As regras de comercialização do Regulamento Produtos Agrícolas devem ser cumpridas para que um produto possa ser comercializado junto dos consumidores no mercado da União (60). O legislador da União considera que o cumprimento destas normas «é do interesse de produtores, comerciantes e consumidores» (61).
73. Uma das regras de comercialização estabelecidas pelo Regulamento Produtos Agrícolas é que o local de produção e/ou país de origem devem ser indicados (62).
74. Esta indicação é exigida para as frutas e produtos hortícolas que se destinem a ser vendidos no estado fresco ao consumidor (63).
75. A obrigação de indicar a origem das frutas e produtos hortícolas é aplicável em todos os estádios da comercialização, incluindo a importação de frutas e produtos hortícolas (64). Um comerciante de frutas e produtos hortícolas só pode «pôr à venda, entregar ou comercializar esses produtos na União de uma forma que esteja em conformidade com essas normas» (65).
76. O Regulamento Produtos Agrícolas é ainda executado pelo Regulamento Geral relativo à Comercialização de Frutas e Produtos Hortícolas (66), que estabelece pormenorizadamente as normas gerais e específicas aplicáveis às frutas e produtos hortícolas (67).
77. Os tomates cereja estão sujeitos a normas de comercialização específicas (68). Estas incluem um rótulo obrigatório do país de origem (69). Este rótulo pode ser complementado por uma especificação facultativa da «zona de produção [dos tomates] ou [uma] denominação nacional, regional ou local» (70).
78. Os melões charentais estão sujeitos às normas de comercialização gerais do Regulamento Geral relativo à Comercialização de Frutas e Produtos Hortícolas (71). Também em relação a estes é exigido um rótulo obrigatório do país de origem (72). No entanto, ao contrário do que sucede com os tomates cereja, este regulamento não faz referência ao aditamento de uma especificação de origem mais pormenorizada.
79. Estes requisitos estão sujeitos a controlos de conformidade, que se aplicam em todos os estádios da comercialização (73).
80. Como a Comissão explicou na audiência, os produtos considerados não conformes não podem ser deslocados sem autorização do organismo de controlo competente. Estes produtos devem, então, ser postos em conformidade com o Regulamento Geral relativo à Comercialização de Frutas e Produtos Hortícolas. Se tal não for possível, as autoridades competentes podem exigir que os produtos sejam destinados à alimentação animal, à transformação industrial, a qualquer outra utilização não alimentar ou até à destruição (74).
81. Daqui resulta que as normas de comercialização gerais e específicas aplicáveis aos produtos em causa impõem a rotulagem do país de origem destes produtos.
b) O Sara Ocidental como país de origem das frutas e produtos hortícolas produzidos neste território
82. A explicação apresentada supra sobre as regras gerais e específicas aplicáveis à rotulagem dos géneros alimentícios na União Europeia esclarece que o legislador da União impõe que os produtos em causa mencionem o seu país de origem.
83. Para efeitos do presente processo, isto suscita naturalmente a questão de saber se o território não autónomo do Sara Ocidental constitui um país de origem na aceção destas regras.
84. A este respeito, observo que, como acontece no Regulamento Informação Alimentar e no Regulamento Produtos Agrícolas, o Regulamento Geral relativo à Comercialização de Frutas e Produtos Hortícolas não estabelece uma definição de «país de origem» (75).
85. Dito isto, o Código Aduaneiro da União, que contém normas específicas relativas à determinação da origem não preferencial das mercadorias, alarga expressamente as suas normas sobre este aspeto a outras medidas da União respeitantes à origem das mercadorias (76).
86. Como o Tribunal de Justiça explicou em relação ao Regulamento Produtos Agrícolas, este inclui o requisito de comercialização do país de origem (77).
87. Considero que o mesmo se aplica ao Regulamento Informação Alimentar e ao Regulamento Geral relativo à Comercialização de Frutas e Produtos Hortícolas. Afinal, é isso que exige uma leitura uniforme, com efeito útil e coerente do requisito de rotulagem da menção do país de origem (78).
88. Daqui resulta que a rotulagem do país de origem constante dos diferentes regulamentos da União relativos aos géneros alimentícios aplicáveis no caso em apreço deve ser interpretada por referência às regras e designações pertinentes do Código Aduaneiro da União.
89. Ao abrigo do artigo 60.° do Código Aduaneiro da União, as mercadorias inteiramente obtidas num determinado «país» ou «território» devem considerar‑se originárias desse país ou território.
90. Os produtos vegetais colhidos num «país» ou «território» consideram‑se inteiramente obtidos nesse país (79). Por conseguinte, considera‑se que são originários desse território (80).
91. No Acórdão Vignoble Psagot, o Tribunal de Justiça interpretou o conceito de «território» de modo a incluir qualquer entidade que não se enquadre na categoria de «país» ou «Estado» (81), como «espaços geográficos que, embora estejam sob a jurisdição ou a responsabilidade internacional de um Estado, dispõem, no entanto, à luz do direito internacional, de um estatuto próprio e distinto do desse Estado» (82).
92. Nos seus Acórdãos Conselho/Frente Polisário e Western Sahara Campaign UK, o Tribunal de Justiça reconheceu que o território do Sara Ocidental constitui um território separado para efeitos do direito internacional público e é distinto do território do Reino de Marrocos (83).
93. O território do Sara Ocidental deve, portanto, ser tratado como um território aduaneiro separado para efeitos do artigo 60 .° do Código Aduaneiro da União.
94. Como a Comissão explicou na audiência, este estatuto já é reconhecido nas regras da União em matéria de estatísticas do comércio externo, através da atribuição ao território do Sara Ocidental do seu próprio código do país de origem (EH) (84). É este código que a pauta aduaneira da União (TARIC) (85) adota que os importadores de produtos originários do território do Sara Ocidental devem indicar na sua declaração aduaneira e em apoio do qual devem apresentar uma declaração de origem.
95. Daqui resulta que o conceito de país de origem, como figura na legislação da União em matéria de rotulagem dos géneros alimentícios, inclui também o território do Sara Ocidental.
96. Por conseguinte, os produtos em causa no presente processo, tendo sido inteiramente obtidos no território do Sara Ocidental, devem ser rotulados em conformidade.
97. Esta conclusão não é afetada pelo facto de, na prática, a União Europeia considerar que um Estado terceiro — neste caso, o Reino de Marrocos — assumiu a responsabilidade (de facto) de administrar o território do Sara Ocidental (ou, pelo menos, as partes sobre as quais detém o controlo). Por conseguinte, para efeitos das importações para a União Europeia, são as autoridades marroquinas que verificam e certificam a origem dos produtos que alegam ser originários do território do Sara Ocidental.
98. Como explicado tanto pelo Conselho como pela Comissão, este acordo foi estabelecido porque o território não autónomo do Sara Ocidental não dispõe de autoridades aduaneiras (reconhecidas) próprias para controlar o estatuto de origem dos produtos produzidos ou cultivados neste território (86).
99. Como explico nas minhas Conclusões de hoje no processo Comissão e Conselho/Frente Polisário, o estabelecimento de relações com um território não autónomo respeita tanto o estatuto atual do direito internacional como a realidade prática, sem, contudo, entrar na questão (política) do reconhecimento do Estado (87). No entanto, não altera em nada a conclusão de que o Sara Ocidental constitui um território separado para efeitos aduaneiros.
100. Por conseguinte, há que concluir que os produtos em causa produzidos no território do Sara Ocidental devem, por força da legislação da União em matéria de géneros alimentícios aplicável, ser rotulados como sendo originários deste território.
c) A omissão de uma referência ao território do Sara Ocidental induziria o consumidor em erro
101. Uma vez que foi estabelecido que as regras da União em matéria de rotulagem dos géneros alimentícios nos setores das frutas e produtos hortícolas impõem que os produtos em causa mencionem o seu país de origem e tendo confirmado que o conceito de país de origem inclui igualmente o território não autónomo do Sara Ocidental, pode concluir‑se que estes produtos devem ostentar a menção do Sara Ocidental como país de origem. A questão adicional a resolver é, por conseguinte, a de saber se a omissão de uma referência a esse território é suscetível de induzir o consumidor da União em erro.
102. Como já observei no n.° 69 das presentes conclusões, o objetivo da indicação das menções dos géneros alimentícios na União relacionadas com a rotulagem do país de origem é proteger o consumidor, de modo que este não seja (esteja em risco de ser) «induzido em erro» quanto à origem real do produto (88).
103. Embora não seja o principal fator impulsionador do comportamento dos consumidores (89), o rótulo do país de origem de um produto influencia efetivamente as decisões de compra (90).
104. Não há dois consumidores iguais. Alguns podem interessar‑se muitíssimo pela origem dos seus produtos. Outros podem nem olhar para a proveniência da sua compra.
105. Como o Tribunal de Justiça já declarou, a apreciação do risco de induzir o consumidor em erro tem em consideração o consumidor médio, ou seja, alguém «normalmente informado e razoavelmente atento e avisado, quanto à origem, à proveniência, à qualidade ligada ao género alimentício» (91).
106. O artigo 3.°, n.° 1, do Regulamento Informação Alimentar prevê que a prestação de informação sobre os géneros alimentícios aos consumidores, incluindo informação sobre a origem de um produto, deve permitir‑lhes «fazer escolhas informadas» influenciadas, nomeadamente, por «considerações éticas» (92).
107. Poder‑se‑ia pensar que um consumidor normalmente informado e razoavelmente avisado poderia considerar importante saber que um produto é originário do Sara Ocidental. No entanto, a questão de saber de que forma a informação sobre a origem de um produto do Sara Ocidental é suscetível de influenciar a decisão de compra de um consumidor é subjetiva apenas em relação a esse consumidor (93).
108. Esta decisão não está necessariamente relacionada com a posição neutra da União Europeia relativamente à resolução do futuro estatuto do território do Sara Ocidental.
109. Ao mesmo tempo, sem a informação de que um produto é originário do Sara Ocidental, um consumidor normalmente informado e razoavelmente avisado pode ser induzido em erro quanto à origem real do produto que decide comprar.
110. De que forma são conciliadas estas posições jurídicas e políticas?
111. É evidente que, ao analisar se existe um risco de que um consumidor possa ser induzido em erro pela indicação de menções incorretas sobre o país de origem, o órgão jurisdicional nacional que decide esta questão não tem de tomar em consideração as eventuais preferências éticas diferentes dos consumidores, nem o poderia efetivamente fazer.
112. Na minha opinião, o critério que o legislador da União pretendeu estabelecer é muito mais objetivo.
113. A questão que o órgão jurisdicional deve colocar é simplesmente a seguinte: existe o risco de uma decisão de compra incorretamente informada poder resultar de um produto que contém um rótulo do país de origem referente ao território X, quando, na realidade, esse produto é originário do território Y (94)?
114. A resposta é sim: um rótulo que sugira que o alimento é originário de um local diferente do seu local de origem real é suscetível de induzir o consumidor em erro quanto à origem objetivamente (à luz do direito da União) correta desse produto (95).
115. No caso em apreço, um rótulo que sugira que um produto é de origem marroquina, quando esse produto é, na realidade, originário do território do Sara Ocidental, induz, portanto, o consumidor em erro.
116. Um rótulo deste tipo não estaria em conformidade com o requisito geral de ajudar o consumidor a fazer «uma escolha informada» sobre a sua compra, que pode estar relacionada com elementos de natureza ética, nem refletiria adequadamente a atual posição política da União Europeia.
117. Nesta base, proponho que a resposta do Tribunal de Justiça à parte da quarta questão relativa à obrigação positiva de rotulagem explique que o Regulamento Informação Alimentar, o Regulamento Produtos Agrícolas e o Regulamento Geral relativo à Comercialização de Frutas e Produtos Hortícolas exigem que os produtos em causa ostentem um rótulo do país de origem que reflita a sua proveniência do território do Sara Ocidental.
d) Há margem para uma referência ao Reino de Marrocos?
118. A conclusão supra deixa alguma margem para uma referência adicional ao Reino de Marrocos?
119. No Acórdão Vignoble Psagot, invocado no presente processo, o Tribunal de Justiça foi chamado a esclarecer se a menção correta do território de origem (neste caso, os montes Golã ou a Cisjordânia) poderia ser considerada insuficiente, por si só, para prestar informações corretas ao consumidor sobre o país de origem dos produtos provenientes desse território.
120. Por conseguinte, pode colocar‑se a questão de saber se o aditamento do «Reino de Marrocos» no rótulo do país de origem de produtos originários do território do Sara Ocidental também prestaria informações objetivamente corretas ao consumidor da União.
121. A situação específica do espaço geográfico subjacente ao Acórdão Vignoble Psagot, em que certas partes da República Árabe Síria (montes Golã) ou do território palestiniano (Cisjordânia, incluindo Jerusalém Oriental) de onde os produtos em causa nesse processo eram originários estavam ocupadas por «colonatos israelitas», levou o Tribunal de Justiça a concluir que a omissão de informações adicionais sobre o local é suscetível de induzir o consumidor em erro (96).
122. Por conseguinte, sem uma menção do local de proveniência real, os consumidores poderiam ser (erradamente) levados a pensar que um produto proviria, no caso da Cisjordânia (incluindo Jerusalém Oriental), de um produtor palestiniano ou, no caso dos montes Golã, de um produtor sírio (97).
123. Uma simples referência ao «colonato israelita» seria insuficiente para evitar este tipo de equívoco (98).
124. As circunstâncias de facto e de direito, bem como a questão com que o Tribunal de Justiça é confrontado, são diferentes no presente processo.
125. O território do Sara Ocidental é um território separado para efeitos da indicação de origem para efeitos aduaneiros e de rotulagem.
126. É certo que, atualmente, só as autoridades marroquinas podem — e são reconhecidas pela União Europeia como detentoras do mandato para — verificar a origem de um produto como sendo originário do território do Sara Ocidental (v. n.os 97 e 98 das presentes conclusões).
127. No entanto, isto não significa que a origem de um produto que provenha do Sara Ocidental mude quando este tipo de certificação ocorre.
128. No Acórdão Vignoble Psagot, a questão submetida ao Tribunal de Justiça não era a de saber se dois países ou territórios podiam ser indicados, mas sim se a menção do «local de proveniência» mais pormenorizado pode ser acrescentada à informação sobre o país/território de origem — não obstante a conjunção «ou» entre os termos «país de origem» e «local de proveniência» no Regulamento Informação Alimentar.
129. Tendo em conta que a comunidade internacional e a União Europeia se opuseram aos colonatos israelitas nesses territórios, o Tribunal de Justiça considerou que a omissão da informação sobre a proveniência real das mercadorias desses colonatos privaria os consumidores de tomar uma decisão de compra informada (99).
130. Contudo, no caso em apreço, acrescentar a menção «Reino de Marrocos» às informações sobre o país de origem dos produtos em causa não explicaria mais claramente o seu local de proveniência.
131. Em primeiro lugar, esse tipo de informação não é objetivamente correto.
132. Em segundo lugar, um consumidor informado e avisado poderia deduzir as informações necessárias sobre a origem dos produtos em causa se apenas o Sara Ocidental fosse mencionado como país de origem.
133. Qualquer que seja a posição subjetiva de um consumidor em relação à presença do Reino de Marrocos no território do Sara Ocidental, acrescentar a menção «Reino de Marrocos» a produtos não originários do mesmo é, por conseguinte, suscetível de induzir um consumidor em erro precisamente «porque não reflet[e] completamente a realidade» (100).
134. Por último, como a Comissão explicou na audiência, o conceito de país de origem, na aceção das normas de comercialização gerais e específicas aplicáveis aos produtos em causa (101) exige uma única denominação do país de origem (102).
135. Em primeiro lugar, considero que tal resulta da utilização de «país» no singular no texto e nos considerandos do Regulamento Geral sobre a Comercialização de Frutas e Produtos Hortícolas (103).
136. Em segundo lugar, esta abordagem assenta na lógica geral subjacente à determinação da «origem» ao abrigo do artigo 60.° do Código Aduaneiro da União. Em conformidade com esta disposição, «as mercadorias inteiramente obtidas [num único] país ou território» (104) só podem ser originárias de um único país ou território (105).
137. Tendo estes aspetos presentes, as mesmas razões de interpretação coerente que sustentam o alinhamento da interpretação da «origem» na legislação da União em matéria de rotulagem dos géneros alimentícios com as regras aplicáveis às estatísticas aduaneiras e do comércio externo devem também pesar a favor da adoção de um entendimento semelhante no que diz respeito à singularidade da origem para efeitos de rotulagem.
138. Se forem cumpridas essas regras, os produtos originários do território do Sara Ocidental deverão ser rotulados como tal, com exclusão de qualquer outra proveniência.
139. Esta argumentação é corroborada pela posição adotada pela Comissão na audiência, que admitiu que a aplicação dessas regras leva a concluir que é incorreto rotular os produtos em causa como sendo originários do Reino de Marrocos.
140. No entanto, como a Comissão também explicou, no âmbito do processo em curso de autodeterminação desse território, não se deve excluir nenhum resultado, uma vez que a União Europeia adotou uma posição neutra sobre o futuro do território do Sara Ocidental (106).
141. A indicação do país de origem de um produto originário do território do Sara Ocidental como «Reino de Marrocos», juntamente com uma referência ao «Sara Ocidental», seria, por conseguinte, contrária à posição declarada da União Europeia relativamente ao território do Sara Ocidental, violaria a exigência de estabelecer uma informação «correta, neutra e objetiva» (107) sobre o país de origem dos produtos em causa e violaria a decisão do legislador da União de exigir uma origem única para efeitos de rotulagem.
142. Em conclusão, o rótulo do país de origem para os produtos em causa não deve conter nenhuma designação territorial diferente da do Sara Ocidental.
IV. Conclusão
143. Tendo em conta o exposto supra, proponho que o Tribunal de Justiça responda às questões prejudiciais submetidas pelo Conseil d’État (Conselho de Estado, em formação jurisdicional, França) do seguinte modo:
1. O artigo 207.° TFUE e o artigo 134.°, n.° 1, do Regulamento (UE) n.° 952/2013 do Parlamento Europeu e do Conselho, de 9 de outubro de 2013, que estabelece o Código Aduaneiro da União
devem ser interpretados no sentido de que não autorizam, por si só, um Estado‑Membro a adotar unilateralmente uma medida nacional que proíba a importação de frutas e produtos hortícolas de um país terceiro para o seu território por falta de apresentação de um rótulo do «país de origem» correto.
2. O artigo 5.°, n.° 1, e o artigo 6.°, n.° 1, do Regulamento de Execução (UE) n.° 543/2011 da Comissão, de 7 de junho de 2011, que estabelece regras de execução do Regulamento (CE) n.° 1234/2007 do Conselho nos setores das frutas e produtos hortícolas e das frutas e produtos hortícolas transformados, os artigos 9.° e 26.° do Regulamento (UE) n.° 1169/2011 do Parlamento Europeu e do Conselho, de 25 de outubro de outubro de 2011, relativo à prestação de informação aos consumidores sobre os géneros alimentícios, que altera os Regulamentos (CE) n.° 1924/2006 e (CE) n.° 1925/2006 do Parlamento Europeu e do Conselho e revoga as Diretivas 87/250/CEE da Comissão, 90/496/CEE do Conselho, 1999/10/CE da Comissão, 2000/13/CE do Parlamento Europeu e do Conselho, 2002/67/CE e 2008/5/CE da Comissão e o Regulamento (CE) n.° 608/2004 da Comissão, e o artigo 76.° do Regulamento (UE) n.° 1308/2013 do Parlamento Europeu e do Conselho, de 17 de dezembro de 2013, que estabelece uma organização comum dos mercados dos produtos agrícolas e que revoga os Regulamentos (CEE) n.° 922/72, (CEE) n.° 234/79, (CE) n.° 1037/2001, (CE) n.° 1234/2007 do Conselho, lidos à luz do artigo 60.° do Regulamento n.° 952/2013 e do anexo I do Regulamento de Execução (UE) 2020/1470 da Comissão, de 12 de outubro de 2020, relativo à nomenclatura dos países e territórios para as estatísticas europeias sobre o comércio internacional de mercadorias e à discriminação geográfica de outras estatísticas das empresas,
devem ser interpretados no sentido de que exigem que a embalagem de tomates cereja e de melões charentais originários do território do Sara Ocidental ostentem um rótulo do «país de origem» que reflita a sua origem nesse território.
No estado atual do direito e da política da União Europeia, este tipo de rótulo não deve fazer referência ao Reino de Marrocos.