Language of document : ECLI:EU:T:2005:265

ACÓRDÃO DO TRIBUNAL DE PRIMEIRA INSTÂNCIA (Quinta Secção)

30 de Junho de 2005 (*)

«Fundo Social Europeu – Redução da contribuição financeira – Subcontratação – Direitos adquiridos – Prazo razoável»

No processo T‑347/03,

Eugénio Branco, L.da, com sede em Lisboa (Portugal), representada por B. Belchior, advogado, com domicílio escolhido no Luxemburgo,

recorrente,

contra

Comissão das Comunidades Europeias, representada inicialmente por A. Alves Vieira e A. Weimar, seguidamente por P. Andrade e A. Weimar, na qualidade de agentes, com domicílio escolhido no Luxemburgo,

recorrida,

que tem por objecto um pedido de anulação da Decisão C (2002) 3455 da Comissão, de 23 de Outubro de 2002, que reduz a contribuição financeira do Fundo Social Europeu, a que se refere o dossier n.° 870302 P3,

O TRIBUNAL DE PRIMEIRA INSTÂNCIA DAS COMUNIDADES EUROPEIAS (Quinta Secção),

composto por: M. Vilaras, presidente, F. Dehousse e D. Šváby, juízes,

secretário: H. Jung,

vistos os autos e após a audiência de 18 de Janeiro de 2005,

profere o presente

Acórdão

 Quadro jurídico

1        O artigo 123.° do Tratado CE (actual artigo 146.° CE) institui o Fundo Social Europeu (FSE) a fim de melhorar as oportunidades de emprego dos trabalhadores no mercado interno e de contribuir assim para uma melhoria do nível de vida, nomeadamente através da formação profissional. O artigo 124.°, primeiro parágrafo, do Tratado CE (actual artigo 147.°, primeiro parágrafo, CE) encarrega a Comissão da sua administração.

2        Nos termos do artigo 5.°, n.os 1 e 2, da Decisão 83/516/CEE do Conselho, de 17 de Outubro de 1983, relativa às funções do Fundo Social Europeu (JO L 289, p. 38; EE 05 F4 p. 26), a contribuição do FSE é concedida na base de 50% das despesas elegíveis, sem que, todavia, possa ultrapassar o montante da contribuição financeira das entidades públicas do Estado‑Membro em causa.

3        Para dar execução a essa decisão, o Conselho adoptou o Regulamento (CEE) n.° 2950/83, de 17 de Outubro de 1983, que aplica a Decisão 83/516 (JO L 289, p. 1; EE 05 F4 p. 22).

4        O Conselho adoptou, em seguida, o Regulamento (CEE) n.° 2052/88, de 24 de Junho de 1988, relativo às missões dos fundos com finalidade estrutural, à sua eficácia e à coordenação das suas intervenções, entre si, com as intervenções do Banco Europeu de Investimento e com as dos outros instrumentos financeiros existentes (JO L 185, p. 9). Em execução desse regulamento, o Conselho adoptou o Regulamento n.° 4255/88, de 19 de Dezembro de 1988, que estabelece disposições de aplicação do Regulamento n.° 2052/88 no que respeita ao Fundo Social Europeu (JO L 374, p. 21). Adoptou também o Regulamento (CEE) n.° 4253/88, de 19 de Dezembro de 1988, que estabelece as disposições de aplicação do Regulamento n.° 2052/88 no que respeita à coordenação entre as intervenções dos diferentes fundos estruturais, por um lado, e entre estas e as do Banco Europeu de Investimento e dos outros instrumentos financeiros existentes, por outro (JO L 374, p. 1).

5        O n.° 2 do artigo 10.° do Regulamento n.° 4255/88 revogou o Regulamento n.° 2950/83, «sem prejuízo do disposto no artigo 15.° do Regulamento (CEE) n.° 2052/88 e no artigo 33.° do Regulamento n.° 4253/88». Por força dessas duas disposições, os pedidos de intervenção apresentados sob o regime de uma regulamentação anterior deviam ser examinados e aprovados com base nessa regulamentação.

6        O Regulamento n.° 4255/88 foi ele próprio revogado pelo artigo 11.° do Regulamento (CE) n.° 1784/1999 do Parlamento Europeu e do Conselho, de 12 de Julho de 1999, relativo ao Fundo Social Europeu (JO L 213, p. 5), cujo artigo 9.° remete para as disposições transitórias previstas pelo artigo 52.° do Regulamento (CE) n.° 1260/1999 do Conselho, de 21 de Junho de 1999, que estabelece disposições gerais sobre os fundos estruturais (JO L 161, p. 1). Esta última disposição prevê designadamente que «[o] presente regulamento não prejudica a prossecução nem a alteração, incluindo a supressão total ou parcial, de uma intervenção aprovada pelo Conselho ou pela Comissão com base […] em qualquer outra legislação aplicável a essa intervenção em 31 de Dezembro de 1999».

7        Resulta do efeito conjugado dessas disposições que o Regulamento n.° 2950/83 continuava a aplicar‑se à contribuição em causa e que a decisão impugnada devia, em particular, estar em conformidade com ele.

8        O artigo 1.° do Regulamento n.° 2950/83 enumera as despesas que podem ser objecto de contribuição do FSE.

9        A aprovação dada pelo FSE a um pedido de financiamento acarreta, em aplicação do n.° 1 do artigo 5.° do Regulamento n.° 2950/83, o pagamento, na data prevista para o início da acção de formação, de um adiantamento de 50% da contribuição. Por força do n.° 4 do artigo 5.° do Regulamento n.° 2950/83, os pedidos de pagamento do saldo incluirão um relatório pormenorizado sobre o conteúdo, os resultados e os aspectos financeiros da acção em causa. O Estado‑Membro certifica a exactidão factual e contabilística das indicações contidas nos pedidos de pagamento.

10      Segundo o n.° 1 do artigo 6.° do Regulamento n.° 2950/83, quando a contribuição do FSE não for utilizada nas condições fixadas pela decisão de aprovação, a Comissão pode suspender, reduzir ou suprimir a contribuição, depois de ter dado ao Estado‑Membro em causa a oportunidade de apresentar as suas observações. O n.° 2 desse artigo dispõe que as somas pagas que não tenham sido utilizadas nas condições fixadas pela decisão de aprovação dão lugar a repetição.

11      Em conformidade com o n.° 1 do artigo 7.° do Regulamento n.° 2950/83, tanto a Comissão como o Estado‑Membro em questão podem controlar a utilização da contribuição.

12      Por último, o artigo 7.° da Decisão 83/673/CEE da Comissão, de 22 de Dezembro de 1983, relativa à gestão do Fundo Social Europeu (JO L 377, p. 1; EE 05 F4 p. 52), impõe ao Estado‑Membro que efectua um inquérito sobre a utilização de uma contribuição por causa de presunção de irregularidade, o dever de informar imediatamente a Comissão.

 Antecedentes do litígio

13      A recorrente apresentou dois pedidos de contribuições financeiras de 11 736 792 escudos portugueses (PTE) (dossier n.° 870302 P3) e de 82 700 897 PTE (dossier n.° 870301 P1) para programas de formação destinados, respectivamente, a adultos e a jovens.

14      O recurso tem por objecto a decisão final tomada a propósito do primeiro desses dossiers.

15      Por decisão de 30 de Abril de 1987, a recorrida aceitou o primeiro pedido até ao montante de 5 809 712 PTE.

16      Em 24 de Julho de 1987, a recorrente recebeu, a título do FSE, um adiantamento de 2 904 856 PTE, em aplicação do n.° 1 do artigo 5.° do Regulamento n.° 2950/83.

17      No início do mês de Julho de 1988, ou seja, no fim das formações que decorreram entre 1 de Janeiro e 31 de Dezembro de 1987, a recorrente apresentou ao Departamento para os Assuntos do Fundo Social Europeu (a seguir «DAFSE») um pedido de pagamento do saldo da contribuição.

18      Tendo certificado a exactidão factual e contabilística das indicações contidas nesse pedido, nos termos do n.° 4 do artigo 5.° do Regulamento n.° 2950/83, o DAFSE apresentou um pedido de pagamento à Comissão em 17 de Outubro de 1988.

19      Em 22 de Agosto de 1988, o DAFSE pediu todavia à Inspecção‑Geral de Finanças (a seguir «IGF») que efectuasse, nos termos do n.° 1 do artigo 7.° do Regulamento n.° 2950/83, um controlo do pedido de pagamento do saldo.

20      A IGF concluiu, em 5 de Maio de 1989, que existiam irregularidades. Estas diziam respeito, por um lado, a uma subcontratação feita pela recorrente à «EB – Contabilidade e Estudos Económicos L.da» (a seguir «EB L.da») e, por outro, aos montantes relacionados com as amortizações de bens imobilizados e com rendas de leasing.

21      O DAFSE informou a recorrida de que tinha suspendido o pagamento do saldo nos termos do artigo 7.° da Decisão 83/673.

22      Em 16 de Maio de 1989, a IGF remeteu, para informação, o seu relatório à polícia judiciária.

23      Em 30 de Julho de 1990, o DAFSE informou a Comissão de que, na sequência dos controlos efectuados pela IGF, considerava que determinadas despesas eram inelegíveis. As críticas incidiam, por um lado, sobre os custos respeitantes à subcontratação da EB L.da, por outro, aos custos de leasing.

24      Por cartas com data do mesmo dia, o DAFSE ordenou à recorrente que lhe restituísse no prazo de dez dias os adiantamentos pagos pelo FSE e pela República Portuguesa a título da contribuição nacional.

25      A recorrente perguntou à recorrida, por carta de 30 de Maio de 1994, a razão pela qual ela ainda não tinha tomado uma decisão final relativamente aos seus dossiers.

26      Por carta de 16 de Junho de 1994, a recorrida respondeu que as autoridades portuguesas a tinham informado de que os dossiers em causa estavam a ser alvo de inquérito, nos termos do artigo 7.° da Decisão 83/673, devido a uma presunção de irregularidade.

27      A recorrente pediu a anulação de uma decisão alegadamente tomada pela recorrida, que comporta, por um lado, o indeferimento de um pedido de pagamento do saldo das contribuições financeiras concedidas pelo FSE e, por outro, a redução dessas contribuições financeiras e a repetição dos adiantamentos pagos pelo FSE e pela República Portuguesa.

28      Esse recurso foi julgado inadmissível por acórdão do Tribunal de Primeira Instância de 11 de Julho de 1996, Branco/Comissão (T‑271/94, Colect., p. II‑749), com o fundamento de que a Comissão não se pronunciou sobre o pedido de pagamento do saldo.

29      Em 25 de Outubro de 1996, a recorrida foi informada da abertura de um processo de inquérito no Tribunal de Instrução Criminal da Comarca do Porto por fraude na obtenção de subvenções e desvio destas, em relação com as acções de formação financiadas pelo FSE.

30      Por carta de 27 de Fevereiro de 1997, recebida pela Comissão em 3 de Março de 1997, a recorrente notificou a recorrida para tomar uma decisão sobre o pedido de pagamento do saldo.

31      Em 17 de Abril de 1997, a recorrida enviou ao DAFSE um projecto de decisão de suspensão da contribuição.

32      A recorrente recebeu uma cópia desse projecto em 5 de Maio de 1997 e comunicou as suas observações em duas cartas com datas de 19 e de 21 de Maio de 1997.

33      A recorrente propôs uma acção por omissão. Esse processo foi registado na Secretaria do Tribunal sob o número T‑194/97.

34      Em 17 de Fevereiro de 1998, a Comissão decidiu suspender a contribuição financeira controvertida.

35      Em 26 de Maio de 1998, a recorrente interpôs recurso de anulação dessa decisão de suspensão. Esse processo foi registado na Secretaria do Tribunal de Primeira Instância sob o número T‑83/98.

36      Por acórdão de 27 de Janeiro de 2000, Branco/Comissão (T‑194/97 e T‑83/98, Colect., p. II‑69), o Tribunal apensou os dois processos. Julgou inadmissível a acção por omissão e negou provimento ao recurso de anulação.

37      Em 4 de Maio de 2000, o Tribunal da Relação de Lisboa declarou os processos penais movidos contra a recorrente extintos por prescrição.

38      A recorrida foi disso informada por ofício com data de 11 de Julho de 2001. Na sequência dessa decisão, o DAFSE comunicou igualmente à recorrida que já não havia que presumir a existência de irregularidades na obtenção da contribuição em causa. Convidou igualmente a Comissão a adoptar a decisão final que autorizasse o pagamento do saldo.

39      Em 8 de Janeiro de 2002, a Comissão transmitiu ao DAFSE um projecto de decisão de redução da contribuição financeira no dossier em causa. Propunha‑se fixar o montante final da contribuição do FSE em 1 368 910 PTE.

40      Em 24 de Abril de 2002, o DAFSE comunicou à recorrida que não tinha qualquer objecção a formular contra o projecto de decisão, acrescentando que a recorrente tinha sido notificada do projecto de decisão e não tinha apresentado observações sobre o seu conteúdo.

41      No entanto, a recorrente apresentou observações que foram recebidas pelo DAFSE em 7 de Maio de 2002.

42      Em 23 de Outubro de 2002, a Comissão adoptou a Decisão C (2002) 3455 relativa à redução do montante da contribuição financeira concedida à recorrente. Nela a Comissão expôs o seguinte: «A análise do pedido de pagamento de saldo revelou que, da contribuição total inicialmente aprovada para o dossier n.° 870302 P3 no montante de 5 809 712 PTE, a [EB L.da] não utilizou o montante de 2 012 647 PTE. Com base no relatório de auditoria citado na carta […] de 30 de Julho de 1990, a contribuição dever ser reduzida de 2 428 128 PTE. Consequentemente, a contribuição [...] deve ser fixada em 1 368 910 PTE.» Trata‑se da decisão controvertida.

43      Essa decisão foi enviada às autoridades portuguesas no dia seguinte, em 24 de Outubro de 2002, com o encargo de estas dela informarem a recorrente.

44      Em consequência, a República Portuguesa reclamou à recorrente o reembolso, a título do FSE, do montante de 7 661,27 EUR (1 535 946 PTE).

45      A recorrente acusou recepção da decisão controvertida e do pedido de reembolso supramencionado, em 31 de Julho de 2003.

 Tramitação processual e pedidos das partes

46      Por petição entrada na Secretaria do Tribunal em 9 de Outubro de 2003, a recorrente interpôs o presente recurso.

47      Com base no relatório do juiz‑relator, o Tribunal (Quinta Secção) decidiu abrir a fase oral do processo e, no quadro das medidas de organização do processo previstas no artigo 64.° do Regulamento de Processo do Tribunal de Primeira Instância, convidou as partes a apresentar determinados documentos e colocou‑lhes questões por escrito. As partes forneceram as suas respostas e produziram os documentos no prazo estabelecido.

48      Foram ouvidas as alegações e as respostas das partes às questões orais colocadas pelo Tribunal na audiência de 18 de Janeiro de 2005.

49      A recorrente conclui pedindo que o Tribunal se digne:

–        anular a Decisão C (2002) 3455 da Comissão, de 23 de Outubro de 2002, relativa à redução do montante da contribuição do Fundo Social Europeu, que constitui o objecto do dossier 870302 P3;

–        condenar a recorrida nas despesas.

50      A recorrida conclui pedindo que o Tribunal se digne:

–        negar provimento ao recurso;

–        condenar a recorrente nas despesas.

 Quanto à admissibilidade

51      Verifica‑se que a decisão em causa foi comunicada pela Comissão ao DAFSE sob a forma de carta notificando‑o de que, por força do disposto no n.° 1 do artigo 6.° do Regulamento n.° 2950/83, a contribuição do FSE era reduzida para um montante inferior ao montante inicialmente aprovado.

52      Nessa medida, a decisão controvertida, se bem que dirigida à República Portuguesa, diz individual e directamente respeito à recorrente na acepção do artigo 230.°, quarto parágrafo, CE, porquanto priva esta de uma parte da assistência que lhe tinha sido inicialmente concedida, sem que o Estado‑Membro disponha, nesse aspecto, de um poder de apreciação próprio (acórdãos do Tribunal de Justiça de 7 de Maio de 1991, Interhotel/Comissão, C‑291/89, Colect., p. I‑2257, n.os 12 e 13, e de 4 de Junho de 1992, Infortec/Comissão, C‑157/90, Colect., p. I‑3525, n.os 16 e 17).

53      Por outro lado, e sem com isso suscitar uma questão prévia de inadmissibilidade na acepção do n.° 1 do artigo 114.° do Regulamento de Processo, a recorrida estranha que tenham decorrido nove meses entre a adopção da decisão controvertida e a sua comunicação à recorrente. Estranha igualmente que esta não tenha solicitado esclarecimentos quanto ao andamento do processo, quando estava informada do projecto de decisão desde 10 de Março de 2002. A recorrida invoca, a esse respeito, o despacho do Tribunal de Primeira Instância de 30 de Setembro de 1997, INEF/Comissão (T‑151/95, Colect., p. II‑1541, n.° 47).

54      O Tribunal lembra, em primeiro lugar, que cabe à parte que invoca a extemporaneidade de um recurso fornecer a prova da data em que ocorreu o evento que faz correr o prazo (despacho do Tribunal de Primeira Instância de 13 Abril de 2000, GAL Penisola Sorrentina/Comissão, T‑263/97, Colect., p. II‑2041, n.° 47). Por conseguinte, simples manifestações de estranheza da parte da recorrida não podem levar o Tribunal a considerar que o recurso é inadmissível. Ademais, o atraso das autoridades portuguesas em notificar a decisão impugnada à recorrente não poderá ser imputado a esta.

55      Em segundo lugar, o Tribunal considerou efectivamente, no seu despacho INEF/Comissão, n.° 53, supra (n.° 45), que o recorrente que toma conhecimento da existência de um acto que lhe diz respeito tem, sob pena de inadmissibilidade, a obrigação de pedir o seu texto integral num prazo razoável a fim de conhecer exactamente o seu conteúdo e fundamentos. Todavia, o Tribunal declarou, nesse despacho, que a recorrente tinha recebido comunicação de uma carta na qual a posição final da Comissão estava indicada de maneira inequívoca. Ora, no caso em apreço, a recorrente não recebeu tal carta. Só lhe foi comunicado um projecto de decisão, sobre o qual apresentou as suas observações. Nestas condições, a recorrente não estava obrigada a informar‑se da eventual adopção da decisão controvertida.

56      As objecções da recorrida em relação à admissibilidade do recurso não poderão, portanto, ser acolhidas.

 Quanto ao mérito

57      A recorrente invoca quatro fundamentos. O primeiro é extraído da violação do n.° 1 do artigo 6.° do Regulamento n.° 2950/83 e da Decisão 83/516. O segundo fundamento é inferido da violação dos direitos adquiridos. O terceiro fundamento assenta nos princípios da protecção da confiança legítima e da segurança jurídica. O quarto fundamento é extraído da inobservância do princípio da proporcionalidade.

58      Os dois primeiros fundamentos estão ligados pelas críticas de fundo que comportam em relação aos motivos subjacentes à decisão impugnada. Devem, por conseguinte, ser examinados em conjunto.

A –  Quanto ao primeiro e quarto fundamentos, extraídos, por um lado, de violação do Regulamento n.° 2950/83 e da Decisão 83/516 e, por outro, de violação dos direitos adquiridos

1.     Argumentos das partes

59      A recorrente afirma que o acto impugnado viola o n.° 1 do artigo 6.° do Regulamento n.° 2950/83 e a Decisão 83/516. Sustenta também que a decisão de aprovação do seu pedido de contribuição lhe confere direitos subjectivos e que tem, por isso, o direito de exigir o seu pagamento.

60      A recorrente alega, em primeiro lugar, que, tendo realizado economias em relação ao montante inicialmente aprovado pela Comissão, não pode aceitar uma redução suplementar da contribuição para 2 965 124 PTE.

61      A recorrente observa, em segundo lugar, que a decisão impugnada critica o seu recurso à subcontratação da EB L.da Afirma que recorreu aos serviços especializados da EB L.da em regime de subcontratação, para contratação de pessoal docente, a realização de trabalhos de assistência técnica e pedagógica e de orientação profissional, bem como para trabalhos de gestão e controlo orçamental. Ora, a subcontratação é permitida tanto pelo Regulamento n.° 2950/83 como pela decisão inicial de aprovação. Além disso, o recurso à EB L.da foi mencionado no pedido de contribuição. Por outro lado, não é exacto que a EB L.da tenha facturado à recorrente serviços «a preços extraordinariamente elevados», como sustenta a IGF no seu relatório de 5 de Maio de 1989. Os custos com o pessoal docente facturados pela EB L.da estão conformes com os custos aceites pelo Ministério do Trabalho português tendo em conta o nível de estudos dos estagiários. As suas outras prestações, isto é, serviços de planificação, de preparação dos cursos, de gestão orçamental, de orientação profissional, bem como de assessoria técnica e pedagógica correspondem aos preços do mercado. Todas estas despesas foram efectuadas em conformidade com a legislação portuguesa e com a regulamentação comunitária; foram previstas no pedido de contribuição e não ultrapassaram os montantes inicialmente aprovados. Essas despesas estão igualmente comprovadas por facturas e outras provas de pagamento. Finalmente, a IGF não teve em conta as despesas de consumo de água e de electricidade, o custo de algumas instalações ou mesmo despesas de gestão ou resultantes do recurso a colaboradores externos. Ora, todas essas despesas também foram suportadas pela EB L.da

62      A recorrente contesta, em terceiro lugar, as correcções feitas à amortização de imobilizado e ao custo de diversas rendas de leasing. Alega que, no seu dossier de candidatura aceite pela Comissão, se considerou que os investimentos em equipamentos tinham por única finalidade a acção de formação em causa. Imputou, todavia, as amortizações sobre dez meses, correspondentes ao período de preparação dos cursos e à formação propriamente dita. A recorrente afirma, além disso, ter repartido o valor dos bens adquiridos em regime de leasing pelo número de anos que figuram no contrato de leasing. Essas operações foram efectuadas em conformidade tanto com o seu acto de candidatura ao FSE como com as disposições portuguesas então em vigor. A recorrente afirma, além disso, que a administração fiscal portuguesa aceitou a totalidade das rendas de leasing relativas a qualquer contrato de locação, pelo que a totalidade das rendas dos outros leasings deve também ser integralmente aceite.

63      No prolongamento do exposto, a recorrente refere, em quarto lugar, outras incoerências. Observa que as remunerações dos docentes para a operação posta em prática em 1987 foram aceites «com total arbitrariedade e disparidade nos montantes relativamente a outras acções que [ela] efectuou em 1988». Além disso, o DAFSE aceitou como despesas elegíveis os prémios de assiduidade dos estagiários e determinadas amortizações em relação ao ano de 1987, mas não em relação ao ano de 1988.

64      A recorrente alega, em quinto lugar, que não indicou diversas despesas no seu pedido de pagamento do saldo da contribuição financeira. Solicita, na sua petição, que isso seja tido em conta.

65      A recorrida contesta esses argumentos e sustenta que o fundamento não é procedente.

2.     Apreciação do Tribunal de Primeira Instância

a)     Quanto à inobservância do n.° 1 do artigo 6.° do Regulamento n.° 2950/83 e da Decisão 83/516

66      A recorrente considera que demonstra a inobservância do n.° 1 do artigo 6.° do Regulamento n.° 2950/83 e da Decisão 83/516 baseando‑se em vários argumentos que devem ser examinados sucessivamente.

 Argumento inferido das economias realizadas

67      A recorrente invoca, em primeiro lugar, as economias que realizou, em relação ao pedido inicial de contribuição.

68      Todavia, a circunstância de não ter efectuado todas as despesas previstas não podia conduzir a Comissão a admitir os desembolsos em causa. Com efeito, o pagamento do saldo de uma contribuição financeira depende da realidade das despesas efectuadas com vista à acção de formação (acórdão do Tribunal de Justiça de 25 de Janeiro de 2001, Frota Azul‑Transportes e Turismo, C‑413/98, Colect., p. I‑673, n.° 27), dentro dos limites admitidos pela decisão de aprovação inicial.

 Argumento inferido da omissão de algumas despesas

69      A recorrente assinala igualmente que não indicou, no seu pedido de pagamento do saldo, um certo número de despesas realmente efectuadas.

70      Todavia, a recorrente especificou na audiência que os elementos em causa, enumerados na sua petição, não fundamentam o seu pedido. De qualquer forma, no âmbito de um recurso de anulação interposto com base no artigo 230.° CE, a legalidade do acto comunitário em causa deve ser apreciada em função dos elementos de facto levados ao conhecimento da instituição na data em que esse acto foi adoptado. Não pode, portanto, censurar‑se a Comissão por não ter tido em conta montantes de que a recorrente não tinha pedido o pagamento antes da adopção do acto impugnado.

 Argumento inferido de erros de que padecem os fundamentos da decisão controvertida

71      A recorrente considera que as despesas contestadas, relativas ao recurso à subcontratação, às amortizações e aos leasings eram justificadas.

72      Resulta do n.° 1 do artigo 6.° do Regulamento n.° 2950/83 que a Comissão pode reduzir uma contribuição do FSE quando esta não for utilizada nas condições fixadas pela decisão de aprovação.

73      Ora, o Tribunal já declarou, no seu acórdão de 27 de Janeiro de 2000, Branco/Comissão, n.° 36, supra (n.° 74), que resultava da declaração de aceitação da decisão de aprovação que a recorrente se comprometera expressamente a respeitar as disposições nacionais e comunitárias aplicáveis. O Tribunal indicou igualmente a esse propósito, no n.° 75 do acórdão já referido, que o direito português e o direito comunitário subordinam a utilização dos fundos públicos a uma exigência de boa gestão financeira.

74      Incumbe, portanto, ao Tribunal verificar se a Comissão fez uma aplicação admissível desse conceito.

75      Por outro lado, podendo a aplicação do n.° 1 do artigo 6.° do Regulamento n.° 2950/83 levar a Comissão a proceder à avaliação de situações factuais e contabilísticas complexas, esta dispõe na matéria de um amplo poder de apreciação. Por conseguinte, a fiscalização do Tribunal sobre essas apreciações deve limitar‑se à verificação de que não existe erro manifesto de apreciação dos dados da causa. (acórdãos do Tribunal de Primeira Instância de 15 de Setembro de 1998, Branco/Comissão, T‑142/97, Colect., p. II‑3567, n.° 67; Mediocurso/Comissão, T‑180/96 e T‑181/96, Colect., p. II‑3477, n.° 120; de 27 de Janeiro de 2000, Branco/Comissão, n.° 36, supra, n.° 76; de 14 de Maio de 2002, Associação Comercial de Aveiro/Comissão, T‑80/00, Colect., p. II‑2465, n.° 51, e Associação Comercial de Aveiro/Comissão, T‑81/00, Colect., p. II‑2509, n.° 50).

–       Quanto às críticas extraídas do recurso à subcontratação

76      É ponto assente que a recorrente subcontratou à EB L.da as acções de formação para as quais obtivera a contribuição do FSE.

77      Nenhuma disposição da regulamentação relativa ao FSE ou da decisão de aprovação se opõe ao recurso à subcontratação. Todavia, tal maneira de proceder não pode servir para aumentar artificialmente os custos de uma acção de formação, desrespeitando a exigência de uma boa gestão financeira (acórdão do Tribunal de Primeira Instância de 15 de Setembro de 1998, Branco/Comissão, n.° 75, supra, n.os 77 e 78). O recurso à subcontratação deve, portanto, justificar‑se pelo facto de o subcontratante poder efectuar certos trabalhos especializados claramente identificados e que fazem parte das suas actividades habituais. A recorrente não o contesta e, pelo contrário, qualificou a EB L.da como «empresa especializada» nos seus articulados.

78      Concretamente, a IGF declarou, no seu relatório de 5 de Maio de 1989, que a EB L.da era o «maior prestador de serviços» da recorrente, uma vez que a sua factura ascendia a 39 239 750 PTE para as duas formações aos adultos e aos jovens.

79      A IGF observou igualmente que, na falta de uma estrutura adaptada, a EB L.da tinha, por sua vez, subcontratado serviços relativos à preparação dos cursos, bem como à própria formação. Referiu, designadamente, a este respeito, que a preparação dos cursos tinha sido subcontratada por um montante de 1 000 000 PTE à Cooperativa de Serviço na Área Administrativa de Empresas, CRL (a seguir «cooperativa») e que, entre os montantes pagos para a formação até ao limite de 16 000 000 PTE, 7 500 000 PTE tinham sido facturados em nome dessa mesma cooperativa.

80      Ora, a IGF observou que a direcção da cooperativa era constituída por três dos mais importantes colaboradores da recorrente, a qual tinha exactamente os mesmos sócios que a sociedade EB L.da

81      Na falta de explicação quanto à utilidade da intervenção da EB L.da, e atenta a engrenagem das despesas geradas pela intervenção das três sociedades, a IGF propôs não ter em conta os custos gerados pela intervenção da EB L.da e tomar em consideração apenas os montantes efectivamente dispendidos para as formações.

82      Nesta perspectiva, a IGF examinou as diferentes despesas efectuadas. Reduziu os custos relativos à remuneração dos formadores na medida em que taxa horária aplicada era superior aos limites fixados por um decreto português. A recorrente afirma, pelo contrário, que o custo do pessoal docente foi calculado em conformidade com esse decreto, mas não fundamenta essa afirmação.

83      Quanto ao montante facturado pela cooperativa à EB L.da pela preparação dos cursos, a IGF referiu que o documento comprovativo desses serviços por si só não permitia demonstrar qualquer ligação com as acções de formação cobertas pela contribuição financeira concedida à recorrente.

84      Por outro lado, e contrariamente ao que sustenta a recorrente, a recorrida não descurou a tomada em conta de outras despesas, como a electricidade, a água, o telefone, o aquecimento e o material de escritório. Resulta, com efeito, do relatório da IGF, ao qual se refere a Comissão, que as despesas em questão foram tomadas em consideração na medida em que estavam em relação directa com a acção em causa. Outras despesas foram objecto de ponderação tendo em conta a importância relativa da actividade subvencionada.

85      Tendo em conta os elementos que precedem, a IGF não cometeu qualquer erro manifesto de apreciação ao julgar economicamente inexplicável a intervenção da EB L.da e da cooperativa. Com efeito, a EB L.da, nomeadamente, pôde passar por uma estrutura artificial, que não podia, em qualquer caso, ser considerada verdadeiramente «especializada» nos trabalhos que lhe tinham sido confiados pela recorrente. Ela serviu, com efeito, unicamente de intermediário, recebendo nessa ocasião um benefício ou uma comissão. Além disso, a IGF e, na esteira deste, a Comissão adoptaram uma atitude que está relacionada com o fim prosseguido de boa gestão financeira e que não afecta o beneficiário da contribuição para além do que é necessário para esse efeito. Assim, a Comissão eliminou apenas as despesas que não estavam ligadas às acções aprovadas e que ultrapassavam os custos efectivamente suportados. Por outro lado, rejeitou apenas as despesas geradas pela organização artificial do número de intervenientes requeridos, afigurando‑se os diferentes graus instituídos, na falta de explicações da parte da recorrente, desprovidos de real valor acrescentado. A Comissão, em contrapartida, não quis excluir, pondo de parte as circunstâncias particulares do caso em apreço, a possibilidade de o beneficiário de uma contribuição financeira recorrer a subcontratação.

–       Quanto às críticas relativas às amortizações e aos leasings

86      A recorrente, no seu recurso, liga a questão das amortizações à questão dos leasings. Contesta a forma como a IGF e, na esteira deste, a Comissão apreenderam as «amortizações» das despesas de locação.

87      A IGF salientou, no que respeita à «renda dos equipamentos» utilizados, ainda que se trate de equipamentos de que a recorrente dispunha por efeito dos leasings, os montantes inscritos como encargos pela recorrente não correspondiam às rendas efectivamente pagas à sociedade de locação, mas à depreciação dos bens com base numa taxa de 33,33% ao ano. A IGF considerou que essa taxa era excessiva e fixou a mesma em 20%. A recorrente afirma, todavia, ter respeitado as regras de contabilidade então em vigor em Portugal, mas não fornece precisões a esse respeito e não fundamenta o seu ponto de vista.

88      Por outro lado, a IGF rectificou igualmente as contas da recorrente atenta a dupla contabilização na escrita de encargos de certos montantes. Ela corrigiu‑as também devido a escritas anteriores à data do início das acções, isto é, o mês de Junho de 1987 e não o mês de Abril, pelo que as despesas a tomar em consideração só podiam incidir sobre um período de sete meses e não de nove. A recorrente sustenta, a esse propósito, que os equipamentos em questão foram utilizados durante a preparação da formação. A recorrente não desenvolveu, todavia, o seu discurso, que também não fundamentou.

–       Argumento inferido das incoerências da Comissão

89      Finalmente, a recorrente afirma que demonstra a incoerência da recorrida. Sustenta que as remunerações dos docentes para a operação posta em prática em 1987 foram aceites «com total arbitrariedade e disparidade nos montantes relativamente a outras acções efectuadas pela recorrente em 1988». Esse argumento é inadmissível devido à sua imprecisão. Ele não está, de resto, fundamentado. Alega também que o DAFSE aceitou como despesas elegíveis, para 1987, prémios de assiduidade dos estagiários e amortizações, contrariamente à atitude adoptada em relação a uma acção empreendida em 1988. Mais uma vez, no entanto, este argumento não está fundamentado e a recorrente não especifica de que amortizações se trata.

 Conclusão quanto à violação do Regulamento n.° 2950/83

90      De maneira geral, a recorrente não fundamentou de forma nenhuma as suas críticas através de elementos probatórios e precisos, adequados para pôr em causa as apreciações dos factos considerados em apoio da decisão impugnada. Em consequência, as referidas críticas são claramente insuficientes para demonstrar que a Comissão cometeu um erro manifesto de apreciação (acórdão do Tribunal de Primeira Instância de 12 de Dezembro de 1996, AIUFASS e AKT/Comissão, T‑380/94, Colect., p. II‑2169, n.° 59) partilhando a opinião da IGF, segundo a qual a formação em causa não respeitara as exigências de uma boa gestão financeira, inerentes às condições de aprovação iniciais.

91      Daqui resulta que a Comissão não violou o n.° 1 do artigo 6.° do Regulamento n.° 2950/83.

b)     Quanto à violação dos direitos adquiridos

92      Se bem que seja verdade que uma decisão de aprovação confere ao beneficiário de uma contribuição do FSE o direito de exigir o pagamento desta, isso só pode acontecer na hipótese de a contribuição ter sido utilizada no respeito das condições fixadas por essa decisão (acórdãos do Tribunal de Primeira Instância de 15 de Setembro de 1998, Branco/Comissão, n.° 75, supra, n.° 105, e de 27 de Janeiro de 2000, Branco/Comissão, n.° 6, supra, n.° 94).

93      Ora, resulta dos n.os 71 e seguintes, supra, que a recorrida não cometeu qualquer erro manifesto de apreciação ao considerar que a formação subvencionada não fora assegurada no respeito das condições da decisão de aprovação inicial.

94      A recorrente não tinha, assim, qualquer direito ao pagamento do saldo da contribuição em causa.

95      Os dois primeiros fundamentos não são, portanto, procedentes.

B –  Quanto ao terceiro fundamento, extraído de violação do princípio da confiança legítima e do princípio da segurança jurídica

96      Esse fundamento comporta duas partes.

1.     Quanto à primeira parte (confiança legítima criada pela certificação dos dados contabilísticos do pedido de pagamento)

a)     Argumentos das partes

97      A recorrente sustenta que a certificação pelo DAFSE, em 1988, da exactidão factual e contabilística dos dados contidos no pedido de pagamento do saldo conferiu‑lhe o direito de obter o pagamento da contribuição.

98      O acto impugnado põe em causa essa decisão, apesar de os factos se terem mantido inalterados. Em particular, os órgãos jurisdicionais portugueses arquivaram os processos judiciais movidos contra a recorrente pondo, assim, termo à presunção de irregularidades que pesava sobre ela.

99      Além disso, observa a recorrente, a competência para proceder a uma certificação em Portugal incumbe exclusivamente ao DAFSE.

100    A certificação, ocorrida em 1998, gerou‑lhe uma expectativa legítima de pagamento que só podia ser posta em causa pela Comissão se as condições fixadas na decisão de aprovação inicial não tivessem sido respeitadas, e não porque outras apreciações contradigam posteriormente custos e despesas certificadas.

101    A recorrida refuta esses argumentos e sustenta que o fundamento não é procedente.

b)     Apreciação do Tribunal

102    O direito de reclamar a protecção da confiança legítima pressupõe a reunião de três condições. Em primeiro lugar, garantias precisas, incondicionais e concordantes, emanadas de fontes autorizadas e fiáveis, devem ter sido fornecidas ao interessado pela administração comunitária. Em segundo lugar, essas garantias devem ser de molde a criar uma expectativa legítima no espírito daquele a quem se dirigem. Em terceiro lugar, as garantias dadas devem ser conformes com as normas aplicáveis (acórdãos do Tribunal de Primeira Instância de 6 de Julho de 1999, Forvass/Comissão, T‑203/97, ColectFP, pp. I‑A‑129 e II‑705, n.° 70, e de 7 de Novembro de 2002, G/Comissão, T‑199/01, ColectFP, pp. I‑A‑217 e II‑1085, n.° 38).

103    No caso em apreço, a circunstância de a autoridade nacional ter, num primeiro momento, certificado a exactidão factual e contabilística do pedido de pagamento do saldo não podia criar uma confiança legítima em favor do beneficiário da contribuição quanto ao pagamento desse saldo.

104    Em primeiro lugar, resulta do disposto no n.° 2 do artigo 2.° da Decisão 83/516 que os Estados‑Membros interessados devem garantir a boa execução das acções financiadas pelo FSE. Além disso, por força do n.° 1 do artigo 7.° do Regulamento n.° 2950/83, a Comissão pode proceder a verificações dos pedidos de pagamento do saldo, «sem prejuízo de controlos efectuados pelos Estados‑Membros». Essas obrigações e poderes dos Estados‑Membros não são objecto de qualquer limitação no tempo. Daí resulta que a certificação factual e contabilística das indicações contidas no pedido de pagamento do saldo de uma acção de formação, na acepção do n.° 4, segundo período, do artigo 5.° do Regulamento n.° 2950/83, não proíbe a um Estado‑Membro de proceder a um reexame posterior do pedido de pagamento do saldo (despacho do Tribunal de Justiça de 12 de Novembro de 1999, Branco/Comissão, C‑453/98 P, Colect., p. I‑8037, n.° 77, e acórdão Frota Azul‑Transportes e Turismo, n.° 68, supra, n.° 62). Nada se opõe, por outro lado, a que, para proceder a esse reexame, o DAFSE recorra a um organismo especializado em auditoria contabilística e financeira, como a IGF (despacho Branco/Comissão, já referido, n.° 78, e acórdão de 27 de Janeiro de 2000, Branco/Comissão, n.° 36, supra, n.° 68).

105    Em segundo lugar, o n.° 1 do artigo 6.° do Regulamento n.° 2950/83 reserva à Comissão a competência para adoptar a decisão final sobre o pedido de pagamento do saldo. Assim, a Comissão não estava vinculada pela certificação que o DAFSE tinha concedido. Esta não podia, portanto, surgir como uma garantia quanto ao pagamento do saldo emanada de um órgão que tem a autoridade necessária para esse efeito.

106    Em terceiro lugar, a decisão final está subordinada, por força da disposição supramencionada, ao respeito, pelo beneficiário, das condições fixadas para a concessão da contribuição financeira (despacho Branco/Comissão, n.° 104, supra, n.os 87 a 89). Ora, o exame dos primeiros fundamentos revelou que a Comissão não cometeu qualquer erro manifesto de apreciação quando considerou que a recorrente não tinha respeitado as exigências de boa gestão financeira incluídas nas condições a que a contribuição em causa estava subordinada.

107    Em quarto lugar, o desenrolar do procedimento não pôde induzir na recorrente qualquer confiança legítima. Com efeito, o DAFSE ordenou‑lhe, por carta de 30 de Julho de 1990, que lhe restituísse os adiantamentos pagos pelo FSE e pela República Portuguesa. Foi informada, em seguida, da existência de uma presunção de irregularidade, na acepção do artigo 7.° da Decisão 83/763 e, mais tarde, da abertura de um processo de inquérito no Tribunal de Instrução Criminal da Comarca do Porto por fraude na obtenção de subvenções e desvio destas, em relação com as acções de formação financiadas pelo FSE. Recebeu ainda comunicação de uma decisão de suspensão da contribuição financeira em causa, da qual interpôs recurso de anulação que foi negado provimento. Finalmente, após o arquivamento dos processos penais por prescrição, recebeu, para observações, um projecto de decisão de redução da contribuição financeira.

108    A circunstância de os procedimentos penais instaurados contra a recorrente terem sido abandonados não pode fundamentar a sua pretensa confiança legítima no pagamento da contribuição. Com efeito, resulta do artigo 6.° do Regulamento n.° 2950/83 que o direito comunitário não dá qualificação penal aos actos de utilização indevida de uma contribuição do FSE (acórdão do Tribunal de Justiça de 8 de Julho de 1999, Nunes e de Matos, C‑186/98, Colect., p. I‑4883, n.os 7 e 8). Consequentemente, se bem que o princípio de boa administração, que impõe à instituição comunitária a obrigação de decidir com pleno conhecimento de causa, justifique que a Comissão não se pronuncie quando um órgão jurisdicional nacional é, designadamente, levado a pronunciar‑se sobre a realidade de factos constitutivos de fraude, não constituía, no entanto, obstáculo a que a Comissão prosseguisse o exame de uma eventual redução da sua intervenção, com base no inquérito administrativo da IGF, após o arquivamento dos processos penais por prescrição.

109    Daí resulta que a primeira parte do terceiro fundamento não é procedente.

2.     Quanto à segunda parte (insegurança jurídica durante um prazo não razoável e violação de uma confiança legítima)

a)     Argumentos das partes

110    A recorrente sustenta que os princípios da protecção da confiança legítima e da segurança jurídica foram violados na medida em que, mesmo que a Comissão não esteja obrigada a agir num prazo determinado, deve, no entanto, tomar a sua decisão num prazo razoável.

111    Ora, o prazo de quinze anos que precedeu o acto impugnado é excessivo. A recorrente considera, em particular, que a cessação de procedimentos penais contra ela fez desaparecer qualquer motivo para não aprovar o seu pedido de pagamento.

112    Alega igualmente que esse prazo, à medida que avançava, suscitava nela uma confiança legítima quanto ao facto de que a Comissão tomaria uma decisão conforme com a certificação do DAFSE, que aceitara, em 1988, o pedido de pagamento do saldo.

113    A recorrida contesta esses argumentos e sustenta que o fundamento não é procedente.

b)     Apreciação do Tribunal

 Quanto ao carácter razoável ou não do prazo em causa e quanto à segurança jurídica

114    Segundo jurisprudência constante, o carácter razoável da duração de um procedimento administrativo aprecia‑se em função das circunstâncias próprias de cada processo, designadamente, do contexto em que se inscreve, das diferentes etapas processuais seguidas, da complexidade do processo, bem como da sua importância para as diferentes partes interessadas (acórdãos do Tribunal de Primeira Instância de 19 de Março de 1997, Oliveira/Comissão, T‑73/95, Colect., p. II‑381, n.° 4; de 22 de Outubro de 1997, SCK e FNK/Comissão, T‑213/95 e T‑18/96, Colect., p. II‑1739, n.° 57; de 15 de Setembro de 1998, Mediocurso/Comissão, T‑180/96 e T‑181/96, Colect., p. II‑3477, n.° 61, e de 16 de Setembro de 1999, Partex/Comissão, T‑182/96, Colect., p. II‑2673, n.° 177).

115    É nesta perspectiva que deve apreciar‑se o carácter razoável do prazo que decorreu entre a apresentação pela recorrente, em Julho de 1988, do pedido de pagamento de saldo e a adopção, em 23 de Outubro de 2002, da decisão impugnada.

116    Ora, entre o mês de Julho de 1988 e o mês de Maio de 1989, o DAFSE verificou as contas da recorrente e a IGF procedeu, em aplicação do n.° 1 do artigo 7.° do Regulamento n.° 2950/83, a um controlo financeiro aprofundado com vista a apurar a realidade factual e contabilística das despesas efectuadas pela EB L.da

117    Tendo em conta a existência de indícios de irregularidades, o DAFSE e a Comissão esperaram, em seguida, que os tribunais portugueses se pronunciassem sobre os procedimentos penais instaurados contra a recorrente. No seu acórdão de 27 de Janeiro de 2000, Branco/Comissão, n.° 36, supra (n.° 51), o Tribunal admitiu que, «tendo a Comissão, no presente caso, dúvidas sérias quanto à regularidade da utilização das contribuições na sequência do relatório da IGF, por um lado, e estando em curso uma acção num tribunal penal português contra o beneficiário das contribuições a respeito de certas operações efectuadas no quadro dos projectos financiados, no momento em que a Comissão foi interpelada, por outro, esta não estava obrigada a tomar uma decisão final quanto ao pedido de pagamento de saldo».

118    Assim, foi só a partir do momento em que a Comissão foi informada pelas autoridades portuguesas da cessação dos procedimentos penais, em Julho de 2001, que ela adquiriu a certeza de que o dossier já não evoluiria sob o plano penal. Cabia‑lhe, então, retomar o exame sob o plano administrativo, ainda com mais cuidado e circunspecção porquanto se sabe que nenhuma decisão fora proferida sobre as práticas da recorrente, e a acção pública só fora extinta, após recurso, devido a prescrição.

119    A contar dessa data, a Comissão preparou um projecto de decisão de redução da contribuição financeira, baseado no que foi constatado no relatório da IGF, com a prudência exigida pelo contexto descrito no número precedente. A Comissão comunicou em seguida esse projecto às autoridades portuguesas para observações, em 8 de Janeiro de 2002, em conformidade com o disposto no n.° 1 do artigo 6.° do Regulamento n.° 2959/83. O procedimento foi suspenso pelo tempo em que o próprio Estado‑Membro levou esse projecto ao conhecimento da recorrente, para lhe permitir formular também as suas observações. A recorrente não apresentou observações no prazo que lhe fora estabelecido. Em 24 de Abril de 2002, o DAFSE comunicou à recorrida que o projecto de decisão não suscitava qualquer objecção da sua parte. Os serviços da Comissão recolheram, em seguida, o acordo sobre o projecto de decisão da Direcção‑Geral do Orçamento, do Serviço Jurídico e da Direcção‑Geral do Controlo Financeiro. A decisão controvertida foi adoptada em 23 de Outubro de 2002.

120    Resulta dessa sucessão de acontecimentos, da conexão entre o processo judicial e o procedimento administrativo, nacional e comunitário, bem como da impossibilidade em que a Comissão, finalmente, se encontrou de se apoiar numa decisão penal, que cada uma das etapas processuais que precederam a adopção do acto impugnado se desenrolou num prazo razoável.

121    A recorrente afirma todavia que o prazo a tomar em consideração corre até à notificação da decisão controvertida, que incumbe às autoridades nacionais, em 31 de Julho de 2003.

122    Nas circunstâncias do caso em apreço, deve declarar‑se, no entanto, que a decisão controvertida foi notificada em tempo útil pela Comissão ao seu destinatário, a República Portuguesa, com obrigação de esta informar a recorrente. É certo que a República Portuguesa se atrasou na notificação da referida decisão, mas esse atraso não pode ser imputado à Comissão. Ora, só as demoras imputáveis a esta podem levar a concluir pela inobservância do prazo razoável. Por conseguinte, a pretensa insegurança jurídica que a recorrente relaciona com esse prazo não pode implicar a anulação da decisão controvertida.

 Quanto à confiança legítima gerada pela demora da Comissão em se pronunciar

123    A recorrente afirma que o prazo não razoável que a Comissão demorou para decidir sobre o seu pedido de pagamento do saldo da contribuição gerou‑lhe uma confiança legítima quanto ao pagamento do referido saldo.

124    Todavia, tendo em conta as declarações feitas nos n.os 120 e 122 supra, esse argumento assenta numa premissa errada e deve ser rejeitado. Por outro lado, a confiança legítima pressupõe, designadamente, que garantias precisas, incondicionais e concordantes, emanadas de fontes autorizadas e fiáveis, tenham sido fornecidas ao interessado pela administração comunitária. Ora, como já foi referido (v. n.os 102 a 109, supra), isso não aconteceu no caso em apreço.

125    Além disso, o exame da primeira parte do fundamento mostrou que a certificação concedida inicialmente pelo DAFSE e o seguimento do processo não podiam fundamentar qualquer confiança legítima nesse pagamento.

126    Nestas circunstâncias, o terceiro fundamento deve ser rejeitado nas suas duas partes.

C –  Quanto ao quarto fundamento, extraído de uma violação do princípio da proporcionalidade

1.     Argumentos das partes

127    Segundo a recorrente, a recorrida violou o princípio da proporcionalidade ao não respeitar o seu compromisso de reembolsar, em execução da decisão inicial de aprovação, as despesas legalmente efectuadas no âmbito da acção de formação.

128    A recorrida contesta‑o.

2.     Apreciação do Tribunal

129    Na situação do caso em apreço, as reduções operadas pela Comissão estão directamente ligadas às irregularidades de que as autoridades portuguesas lhe deram conta e têm por objecto excluir o reembolso somente das despesas ilegais ou inúteis.

130    Essas reduções são, portanto, conformes com o princípio da proporcionalidade.

131    Daqui resulta que o quarto fundamento deve ser rejeitado.

132    Em consequência, deve ser negado provimento ao recurso na sua totalidade.

 Quanto às despesas

133    Nos termos do n.° 2 do artigo 87.° do Regulamento de Processo, a parte vencida é condenada nas despesas se a parte vencedora o tiver requerido. Tendo a recorrente sido vencida, há que condená‑la nas despesas, em conformidade com o pedido da recorrida.

Pelos fundamentos expostos,

O TRIBUNAL DE PRIMEIRA INSTÂNCIA (Quinta Secção)

decide:

1)      É negado provimento ao recurso.

2)      A recorrente é condenada nas despesas.

Vilaras

Dehousse

Šváby

Proferido em audiência pública no Luxemburgo, em 30 de Junho de 2005.

O secretário

 

      O presidente

H. Jung

 

      M. Vilaras


* Língua do processo: português.