Language of document : ECLI:EU:C:2019:1067

CONCLUSÕES DO ADVOGADO‑GERAL

PRIIT PIKAMÄE

apresentadas em 11 de dezembro de 2019 (1)

Processo C457/18

República da Eslovénia

contra

República da Croácia

«Incumprimento de Estado — Artigo 259.o TFUE — Exceções de incompetência e de inadmissibilidade — Determinação da fronteira comum entre dois Estados‑Membros — Diferendo fronteiriço entre a República da Croácia e a República da Eslovénia — Convenção de Arbitragem — Processo de arbitragem — Notificação da República da Croácia que põe termo à vigência da Convenção — Decisões arbitrais parcial e definitiva proferidas pelo Tribunal Arbitral — Validade e efeitos da “decisão arbitral definitiva”»






1.        Se um Estado‑Membro intentar uma ação por incumprimento ao abrigo do artigo 259.o TFUE, é o Tribunal de Justiça da União Europeia competente para conhecer do pedido, quando as alegações de incumprimento do direito da União se basearem nos termos de uma «decisão arbitral» proferida ao abrigo de uma convenção bilateral de arbitragem abrangida pelo âmbito do direito internacional público, mas em relação à qual uma das partes nega valor jurídico? É esta a principal questão suscitada no presente processo, que constitui um dos raros casos de ações por incumprimento entre Estados intentadas ao abrigo do artigo 259.o TFUE (2), cujo primeiro parágrafo prevê que um Estado‑Membro «pode recorrer ao Tribunal de Justiça da União Europeia, se considerar que outro Estado‑Membro não cumpriu qualquer das obrigações que lhe incumbem por força dos Tratados».

2.        Na sua petição, a República da Eslovénia pede nomeadamente ao Tribunal de Justiça que declare que a República da Croácia violou o artigo 2.o e o artigo 4.o, n.o 3, TUE, bem como toda uma série de normas de direito derivado em matéria de política comum de pescas, do regime de passagem de pessoas nas fronteiras (Código das Fronteiras Schengen) e de planificação do espaço marítimo.

3.        Antes de apresentar a sua defesa quanto ao mérito, a República da Croácia suscitou exceções de incompetência e de inadmissibilidade da ação cuja análise é objeto das presentes conclusões, exceções que o Tribunal de Justiça decidiu examinar em separado, antes de se pronunciar, se for caso disso, sobre o mérito do processo.

4.        Assim, o Tribunal de Justiça deve interrogar‑se sobre a questão de saber se o diferendo fronteiriço entre a República da Croácia e a República da Eslovénia, a sua tentativa de resolução e o processo arbitral a que aquele diferendo conduziu constituem questões de direito internacional público que podem servir de fundamento a uma ação por incumprimento intentada ao abrigo do artigo 259.o TFUE. Nas presentes conclusões, explicarei as razões por que, em meu entender, o Tribunal de Justiça não é competente para se pronunciar sobre a presente ação, como defende a República da Croácia. Além disso, proponho que seja deferido o pedido da República da Croácia para que seja desentranhado dos autos o parecer jurídico da Comissão Europeia que figura no anexo C.2 da resposta da República da Eslovénia.

I.      Quadro jurídico

A.      Direito internacional

1.      Convenção de Arbitragem

5.        O terceiro considerando do preâmbulo da Convenção entre a República da Croácia e a República da Eslovénia, assinada em 4 de novembro de 2009 (a seguir «Convenção de Arbitragem»), recorda os meios pacíficos de resolução dos diferendos enumerados no artigo 33.o da Carta das Nações Unidas (3). Assim, o artigo 1.o da Convenção de Arbitragem institui um Tribunal Arbitral.

6.        O artigo 2.o desta convenção prevê a sua composição e, nomeadamente, as modalidades de designação dos seus membros, bem como as regras para as respetivas substituições.

7.        O artigo 3.o da Convenção de Arbitragem, intitulado «Missão do Tribunal Arbitral», prevê, no seu n.o 1, que o Tribunal Arbitral define (a) o traçado da fronteira entre a Croácia e a Eslovénia, (b) a ligação da Eslovénia ao alto mar e (c) o regime para efeitos da utilização dos respetivos espaços marítimos. O n.o 2 deste artigo enuncia as modalidades de determinação do objeto do litígio. O n.o 3 do referido artigo prevê que cabe ao Tribunal Arbitral proferir decisão sobre o diferendo. Nos termos do n.o 4 do mesmo artigo, o Tribunal Arbitral é competente para interpretar a Convenção de Arbitragem.

8.        Nos termos do artigo 4.o, alínea a), da Convenção de Arbitragem, o Tribunal Arbitral, ao dar execução às disposições previstas no artigo 3.o, n.o 1, alínea a), desta Convenção, aplica as regras e os princípios do direito internacional. Nos termos do artigo 4.o, alínea b), da referida convenção, o Tribunal Arbitral, ao executar as disposições constantes do artigo 3.o, n.o 1, alíneas b) e c), aplica o direito internacional, a equidade e o princípio das relações de boa vizinhança para obter um resultado justo e equitativo que tome em consideração todas as circunstâncias pertinentes.

9.        O artigo 6.o, n.o 2, da Convenção de Arbitragem estipula que, salvo disposições em contrário, o Tribunal Arbitral conduzirá o processo de acordo com o Regulamento Facultativo do Tribunal Permanente de Arbitragem (a seguir «TPA») para a Arbitragem dos Diferendos entre Dois Estados. O n.o 4 deste artigo prevê que o Tribunal Arbitral decidirá com a maior brevidade possível, após consulta das partes, sobre qualquer questão de natureza processual, por maioria dos seus membros.

10.      O artigo 7.o, n.o 1, da Convenção de Arbitragem dispõe, designadamente, que o Tribunal Arbitral, depois de ter tomado devidamente em consideração todos os factos pertinentes do processo, proferirá a sua decisão com a maior brevidade possível. O n.o 2 deste artigo enuncia que a decisão arbitral vinculará as partes e constituirá uma resolução definitiva do diferendo. De acordo com o n.o 3 do referido artigo, as partes tomarão todas as medidas necessárias para executar a decisão, incluindo, se for caso disso, a alteração da legislação nacional no prazo de seis meses após a adoção da decisão.

11.      Ao abrigo do artigo 9.o, n.o 1, da Convenção de Arbitragem, a República da Eslovénia levantará as suas reservas a respeito da abertura e do encerramento dos capítulos das negociações relativas à adesão à União Europeia quando o obstáculo tenha por objeto o diferendo.

12.      Em conformidade com o disposto no artigo 11.o, n.o 3, da Convenção de Arbitragem, todos os prazos processuais definidos nesta convenção aplicar‑se‑ão a partir da data da assinatura pela República da Croácia do Tratado entre os Estados‑Membros da União Europeia e a República da Croácia relativo à adesão da República da Croácia à União Europeia (4) (a seguir «Tratado de Adesão»).

2.      Convenção de Viena sobre o Direito dos Tratados

13.      A Convenção de Viena sobre o Direito dos Tratados, de 23 de maio de 1969 (5) (a seguir «Convenção de Viena»), prevê, no artigo 60.o, n.o 1, intitulado «Cessação da vigência de um tratado ou suspensão da sua aplicação como consequência da sua violação»:

«Uma violação substancial de um tratado bilateral, por uma das Partes, autoriza a outra Parte a invocar a violação como motivo para fazer cessar a vigência do tratado ou para suspender a sua aplicação, no todo ou em parte.»

B.      Direito da União

1.      Ato de Adesão

14.      O artigo 15.o do Ato relativo às condições de adesão da República da Croácia e às adaptações do Tratado da União Europeia, do Tratado sobre o Funcionamento da União Europeia e do Tratado que institui a Comunidade Europeia da Energia Atómica (6) (a seguir «Ato de Adesão»), anexo ao Tratado de Adesão, dispõe:

«Os atos enumerados no anexo III devem ser adaptados nos termos desse anexo.»

15.      O anexo III daquele ato prevê, no seu ponto 5, as adaptações a introduzir no Regulamento relativo à política comum das pescas (7), aplicável à época daquela adesão. Este ponto 5 prevê que ao anexo I deste regulamento são aditados os pontos 11 e 12, intitulados, respetivamente, «Faixa Costeira da Croácia» e «Faixa Costeira da Eslovénia». Estes pontos 11 e 12 remetem para as notas de pé de página n.os 2 e 3, segundo as quais «[o] regime acima referido é aplicável a partir da plena execução da decisão arbitral decorrente da Convenção de Arbitragem entre o Governo da República da Eslovénia e o Governo da República da Croácia, assinada em Estocolmo a 4 de novembro de 2009».

2.      Direito derivado

a)      Regulamento (UE) n.o 1380/2013

16.      O artigo 5.o do Regulamento (UE) n.o 1380/2013 do Parlamento Europeu e do Conselho, de 11 de dezembro de 2013, relativo à política comum das pescas (8), intitulado «Regras gerais de acesso às águas», enuncia, nos seus n.os 1 e 2:

«1.      Os navios de pesca da União têm direitos de acesso iguais às águas e aos recursos em todas as águas da União, com exceção das referidas nos n.os 2 e 3, sob reserva das medidas adotadas ao abrigo da parte III.

2.      Nas águas situadas na zona das 12 milhas marítimas medidas a partir das linhas de base sob a sua soberania ou jurisdição, os Estados‑Membros podem restringir, até 31 de dezembro de 2022, a pesca aos navios que exercem tradicionalmente a pesca nessas águas a partir de portos na costa adjacente, sem prejuízo dos regimes aplicáveis aos navios de pesca da União que arvorem pavilhão de outros Estados‑Membros a título das relações de vizinhança entre Estados‑Membros e do regime previsto no anexo I, que fixa, em relação a cada Estado‑Membro, as zonas geográficas das faixas costeiras de outros Estados‑Membros em que são exercidas atividades de pesca e as espécies em causa. Os Estados‑Membros informam a Comissão das restrições estabelecidas nos termos do presente número.»

17.      O anexo I do Regulamento n.o 1380/2013, intitulado «Acesso às faixas costeiras na aceção do artigo 5.o, n.o 2», remete, nos seus pontos 8 e 10, intitulados, respetivamente, «Faixa costeira da Croácia» e «Faixa costeira da Eslovénia», para as notas de pé de página n.os 2 e 3, segundo as quais «[o] regime acima referido é aplicável a partir da plena execução da decisão arbitral decorrente da Convenção de Arbitragem entre o Governo da República da Eslovénia e o Governo da República da Croácia, assinada em Estocolmo a 4 de novembro de 2009».

18.      A República da Eslovénia também invoca as disposições do Regulamento (CE) n.o 1224/2009 do Conselho, de 20 de novembro de 2009, que institui um regime comunitário de controlo a fim de assegurar o cumprimento das regras da política comum das pescas (9), e o Regulamento de Execução (UE) n.o 404/2011 da Comissão, de 8 de abril de 2011, que estabelece as regras de execução do Regulamento n.o 1224/2009 (10).

b)      Código das Fronteiras Schengen

19.      O artigo 4.o do Regulamento (UE) 2016/399 do Parlamento Europeu e do Conselho, de 9 de março de 2016, que estabelece o Código da União relativo ao regime de passagem de pessoas nas fronteiras (Código das Fronteiras Schengen) (11) (a seguir «Código das Fronteiras Schengen»), sob a epígrafe «Direitos fundamentais», determina que «[o]s Estados‑Membros aplicam o presente regulamento agindo no estrito cumprimento do direito aplicável da União, designadamente […] do direito internacional aplicável, […] das obrigações em matéria de acesso à proteção internacional […]».

20.      O artigo 13.o do Código das Fronteiras Schengen institui uma vigilância de fronteiras, que, de acordo com o n.o 1 deste artigo, «tem por objetivo principal impedir a passagem não autorizada da fronteira, lutar contra a criminalidade transfronteiriça e tomar medidas contra quem tiver atravessado ilegalmente a fronteira». Os procedimentos relativos a essa vigilância encontram‑se definidos nos n.os 2 a 5 deste artigo e no anexo V, parte A, deste código.

21.      O artigo 17.o do referido código impõe uma obrigação de cooperação entre os Estados‑Membros. O n.o 1 deste artigo prevê, designadamente, que os «Estados‑Membros prestar‑se‑ão assistência mútua e asseguram entre si uma cooperação estreita e permanente tendo em vista uma execução eficaz do controlo fronteiriço, em conformidade com os artigos 7.o a 16.o», e que «[t]rocam entre si toda a informação pertinente».

c)      Diretiva 2014/89/UE

22.      O considerando 7 da Diretiva 2014/89/UE do Parlamento Europeu e do Conselho, de 23 de julho de 2014, que estabelece um quadro para o ordenamento do espaço marítimo (12), enuncia:

«A Convenção das Nações Unidas sobre o Direito do Mar de 1982 (CNUDM) estipula, no seu preâmbulo, que os problemas relacionados com a utilização do espaço marítimo estão estreitamente interligados e devem ser considerados como um todo. O ordenamento do espaço oceânico constitui a evolução lógica e a estruturação das obrigações e da utilização dos direitos concedidos ao abrigo da CNUDM, e é um instrumento prático para ajudar os Estados‑Membros a cumprir as suas obrigações.»

23.      Nos termos do artigo 2.o, n.o 4, desta diretiva:

«A presente diretiva não afeta os direitos soberanos nem a jurisdição dos Estados‑Membros sobre as águas marinhas decorrentes do direito internacional aplicável, nomeadamente a CNUDM. Em especial, a aplicação da presente diretiva não influencia a delineação nem a delimitação das fronteiras marítimas pelos Estados‑Membros, em conformidade com as disposições aplicáveis da CNUDM.»

24.      O artigo 11.o, n.o 1, da Diretiva 2014/89 prevê:

«Enquanto parte do processo de planeamento e de gestão, os Estados‑Membros que partilham águas marinhas cooperam para garantir que os planos de ordenamento do espaço marítimo sejam coerentes e coordenados na região marítima em questão. Essa cooperação deve ter em conta, nomeadamente, questões de natureza transnacional.»

II.    Matéria de facto e procedimento précontencioso

25.      Em 25 de junho de 1991, a Eslovénia e a Croácia proclamaram a sua independência da República Socialista Federativa da Jugoslávia. Entre 1992 e 2001, a República da Croácia e a República da Eslovénia tentaram resolver a questão da fixação das suas fronteiras terrestre e marítima através de negociações bilaterais.

26.      A República da Eslovénia tornou‑se membro da União Europeia em 1 de maio de 2004.

27.      Em 4 de novembro de 2009, a República da Croácia e a República da Eslovénia assinaram uma Convenção de Arbitragem com o intuito de resolver o litígio fronteiriço que as opunha, ao abrigo da qual se comprometeram a respeitar a decisão de um Tribunal Arbitral constituído para este efeito. Esta convenção entrou em vigor em 29 de novembro de 2010.

28.      Em 9 de dezembro de 2011, foi assinado, entre os Estados‑Membros da União e a República da Croácia, o Tratado de Adesão. Este tratado, ratificado em janeiro de 2012 pela República da Croácia, foi publicado em 24 de abril de 2012 no Jornal Oficial da União Europeia. A República da Croácia tornou‑se membro da União em 1 de julho de 2013.

29.      Em 17 de janeiro de 2012, em aplicação do artigo 2.o, n.o 1, da Convenção de Arbitragem, a República da Croácia e a República da Eslovénia designaram o presidente e dois dos membros do Tribunal Arbitral (13). Os dois membros do tribunal, que também deviam ser nomeados pelas partes, nos termos do artigo 2.o, n.o 2, da Convenção de Arbitragem, foram nomeados no final do mês de janeiro do mesmo ano (14). As modalidades da nomeação foram assinadas em abril de 2012 e o TPA (15) foi designado como a instituição que desempenharia as funções de Secretaria (16) pelos dois Estados em causa (17). Além disso, de acordo com o artigo 6.o, segundo parágrafo, da Convenção de Arbitragem, o Tribunal Arbitral devia conduzir o processo em conformidade com o disposto no Regulamento Facultativo do TPA para Arbitragens dos Diferendos entre Dois Estados (18).

30.      A fase escrita do processo teve início em 11 de fevereiro de 2013 e a audiência de alegações realizou‑se entre 2 e 13 de junho de 2014.

31.      Dos articulados da República da Croácia resulta que, durante o processo de arbitragem, ocorreu um incidente processual devido a uma comunicação ex parte entre o árbitro nomeado pela República da Eslovénia e o agente deste Estado no Tribunal Arbitral durante as deliberações deste tribunal. Na sequência da publicação de determinados artigos na imprensa, as duas pessoas em causa renunciaram às suas funções de árbitro e de agente. Em 30 de julho de 2015, o árbitro inicialmente nomeado pela República da Croácia também apresentou a sua renúncia.

32.      Por carta enviada em 24 de julho de 2015 ao Tribunal Arbitral, a República da Croácia transmitiu‑lhe a sua extrema preocupação com a comunicação ex parte em causa, que, em seu entender, permitia duvidar seriamente da integridade e da imparcialidade de todo o processo de arbitragem, e requereu a suspensão temporária do processo no Tribunal Arbitral (19).

33.      Em 29 de julho de 2015, o Parlamento da República da Croácia aprovou por unanimidade uma resolução sobre a obrigação de o Governo da República da Croácia dar início a um processo de cessação de vigência da Convenção de Arbitragem.

34.      Por nota verbal de 30 de julho de 2015, a República da Croácia informou a República da Eslovénia de que tinha o direito de pôr termo à vigência da Convenção de Arbitragem (20), devido a uma violação substancial da referida Convenção pela República da Eslovénia, na aceção do artigo 60.o, n.o 1, da Convenção de Viena. A República da Croácia especificou que essa nota constituía uma notificação, em conformidade com o disposto no artigo 65.o, n.o 1, da Convenção de Viena, por meio da qual pretendia pôr imediatamente termo à vigência da Convenção de Arbitragem. A República da Croácia explicou que considerava que a imparcialidade e a integridade do processo arbitral tinham ficado irrevogavelmente comprometidas, o que conduzia a uma violação manifesta dos seus direitos. O Tribunal Arbitral recebeu uma cópia da referida nota verbal.

35.      Por carta de 31 de julho de 2015, a República da Croácia informou o Tribunal Arbitral da sua decisão de fazer cessar a vigência da Convenção de Arbitragem, explicando as razões desta cessação.

36.      A República da Eslovénia nomeou um novo membro, que, no entanto, renunciou às suas funções de árbitro em 3 de agosto de 2015. Posteriormente, o presidente do Tribunal Arbitral nomeou dois novos árbitros para os dois lugares que estavam vagos, em conformidade com o procedimento de substituição de um árbitro previsto no artigo 2.o da Convenção de Arbitragem.

37.      Por carta de 1 de dezembro de 2015, o Tribunal Arbitral convidou as duas partes a apresentar novos pedidos e alegações «relativas às consequências jurídicas das questões suscitadas pela [República da] Croácia nas suas cartas de 24 e 31 de julho de 2015». O Tribunal Arbitral ordenou às duas partes que apresentassem as respetivas observações escritas, o mais tardar, até 15 de janeiro de 2016 (a República da Croácia) e 26 de fevereiro de 2016 (a República da Eslovénia). Além disso, o Tribunal Arbitral informou as duas partes da sua intenção de organizar uma audiência sobre estas questões em 17 de março de 2016.

38.      Em 17 de março de 2016, realizou‑se uma audiência sobre estas questões. A República da Eslovénia apresentou um memorando escrito e participou na audiência. A República da Croácia, por seu lado, não participou nesta última.

39.      Em 30 de junho de 2016, o Tribunal Arbitral pronunciou‑se sobre o incidente processual por meio de uma decisão parcial. O Tribunal Arbitral considera designadamente que, ao ter estabelecido contactos ex parte com o árbitro que nomeara inicialmente, a República da Eslovénia violou as disposições da Convenção de Arbitragem. Contudo, a natureza destas violações não permitia à República da Croácia fazer cessar a vigência da Convenção de Arbitragem e esta continuava a aplicar‑se. Segundo o Tribunal Arbitral, a referida violação não afetava a possibilidade de o Tribunal Arbitral, na sua composição alterada, proferir uma decisão final de maneira independente e imparcial. O Tribunal Arbitral concluiu, assim, que não havia obstáculos à continuação do processo em conformidade com o disposto na Convenção de Arbitragem.

40.      Em 29 de junho de 2017, o Tribunal Arbitral proferiu uma decisão arbitral definitiva que tinha por objetivo determinar as fronteiras terrestre e marítima dos dois Estados, mas a República da Croácia contesta a sua validade e, por conseguinte, não lhe reconhece efeitos vinculativos.

41.      Em 16 de março de 2018, a República da Eslovénia deu início ao processo previsto no artigo 259.o TFUE, apresentando à Comissão uma queixa contra a República da Croácia por violação do direito da União.

42.      A Comissão não formulou um parecer fundamentado no prazo de três meses previsto no artigo 259.o TFUE.

III. Tramitação processual no Tribunal de Justiça e pedidos das partes

43.      Por petição entrada na Secretaria do Tribunal de Justiça em 13 de julho de 2018, a República da Eslovénia intentou a presente ação.

44.      Por requerimento separado de 21 de dezembro de 2018, a República da Croácia suscitou uma exceção de inadmissibilidade da presente ação, ao abrigo do artigo 151.o do Regulamento de Processo do Tribunal de Justiça. A República da Croácia pede, a título principal, que a ação seja julgada integralmente inadmissível pelo facto de o Tribunal de Justiça não ser competente para se pronunciar sobre o pedido apresentado pela República da Eslovénia ao abrigo do artigo 259.o TFUE. A título subsidiário, formula o mesmo pedido pelo facto de a petição não ser conforme com o artigo 21.o do Estatuto do Tribunal de Justiça da União Europeia e com o artigo 120.o do Regulamento de Processo do Tribunal de Justiça.

45.      A República da Eslovénia apresentou as suas observações sobre esta exceção em 12 de fevereiro de 2019. Conclui pedindo que a ação seja julgada admissível, alegando, em substância, que o Tribunal de Justiça é competente para se pronunciar sobre a presente ação ao abrigo do artigo 259.o TFUE e que preenche os requisitos previstos no artigo 21.o do Estatuto do Tribunal de Justiça da União Europeia e no artigo 120.o do Regulamento de Processo do Tribunal de Justiça.

46.      Por decisão de 14 de maio de 2019, o Tribunal de Justiça decidiu remeter o processo à Grande Secção, para efeitos da decisão sobre a exceção de inadmissibilidade.

47.      Por carta da Secretaria do Tribunal de Justiça de 7 de junho de 2019, a Comissão foi convidada pelo Tribunal de Justiça, ao abrigo do artigo 24.o, segundo parágrafo, do Estatuto do Tribunal de Justiça da União Europeia, a responder por escrito ou, eventualmente, na audiência, a questões relativas às disposições do Regulamento n.o 1380/2013.

48.      Por carta de 31 de maio de 2019, a República da Croácia requereu ao Tribunal de Justiça o desentranhamento dos autos do documento de trabalho interno da Comissão relativo ao parecer do seu Serviço Jurídico, que figura no anexo C.2 da resposta da República da Eslovénia à exceção de inadmissibilidade (21).

49.      Por carta da Secretaria do Tribunal de Justiça de 20 de junho de 2019, o Tribunal de Justiça pediu à Comissão que apresentasse as suas observações sobre o referido pedido.

50.      Em 28 de junho de 2019, a Comissão apresentou as referidas observações. Por carta separada, do mesmo dia, respondeu às questões que lhe haviam sido comunicadas em 7 de junho de 2019.

51.      Em 8 de julho de 2019, realizou‑se uma audiência de alegações na presença da República da Croácia e da República da Eslovénia, que estiveram devidamente representadas.

52.      Na audiência, interrogada sobre esta questão, a República da Eslovénia esclareceu que mantinha o seu pedido relativo à cessação dos incumprimentos alegados.

IV.    Argumentação da República da Eslovénia apresentada na petição

53.      A República da Eslovénia invoca seis acusações em apoio da sua ação.

54.      Com a sua primeira acusação, a República da Eslovénia alega que, ao não cumprir unilateralmente o compromisso assumido durante o processo de adesão à União, de respeitar a futura decisão arbitral, a fronteira determinada pela decisão arbitral controvertida e as outras obrigações decorrentes desta decisão, a República da Croácia recusa respeitar, em violação do artigo 2.o TUE, o valor do Estado de direito e os princípios da cooperação leal e da res judicata.

55.      Com a sua segunda acusação, a República da Eslovénia sustenta que, ao recusar unilateralmente cumprir as obrigações que lhe incumbem por força da decisão arbitral controvertida, a República da Croácia impede‑a de exercer plenamente a sua soberania sobre a totalidade do seu território terrestre e marítimo no respeito pelos Tratados e pelas disposições do direito derivado. Ao atuar deste modo, a República da Croácia viola a obrigação de cooperação leal consagrada no artigo 4.o, n.o 3, TUE e compromete a realização dos objetivos da União, entre os quais figuram a promoção e a consolidação da paz e da união cada vez mais estreita entre os povos, a realização dos objetivos das disposições da União relativas ao território dos Estados‑Membros, bem como a execução efetiva do direito da União pela República da Eslovénia. Neste contexto, a República da Eslovénia acusa a República da Croácia de a impedir de cumprir a sua obrigação de implementar uma série de atos de direito derivado (22).

56.      Com a sua terceira acusação, a República da Eslovénia alega que, ao não respeitar o território esloveno nem as fronteiras, a República da Croácia viola o direito da União no domínio da política comum das pescas.

57.      A este respeito, a República da Eslovénia sustenta que, ao contestar a fronteira conforme foi determinada pela decisão arbitral controvertida e ao opor‑se à respetiva demarcação e à respetiva execução, a República da Croácia viola os direitos exclusivos da República da Eslovénia sobre as suas águas territoriais e impede‑a de cumprir as obrigações que lhe incumbem por força do disposto no Regulamento n.o 1380/2013.

58.      Em especial, a República da Eslovénia acusa a República da Croácia de violar o regime de acesso recíproco instituído pelo Regulamento n.o 1380/2013, que se aplica a estes dois Estados‑Membros desde 30 de dezembro de 2017, e que atribui a 25 barcos de cada um dos referidos Estados‑Membros livre acesso às águas territoriais do outro Estado‑Membro, conforme delimitadas ao abrigo do direito internacional, a saber, a decisão arbitral controvertida. Com efeito, a República da Croácia impede a aplicação do regime de acesso recíproco, recusa reconhecer a validade da legislação adotada para este efeito pela República da Eslovénia e, ao puni‑los sistematicamente, impede os pescadores eslovenos de aceder livremente às águas territoriais atribuídas à República da Eslovénia pela decisão arbitral controvertida e, a fortiori, às águas territoriais croatas abrangidas pelo âmbito de aplicação deste regime.

59.      Com a sua quarta acusação, a República da Eslovénia alega que a República da Croácia viola o regime comunitário de controlo a fim de assegurar o cumprimento das regras da política comum das pescas (a seguir «regime de controlo»), instituído pelo Regulamento n.o 1224/2009 e pelo Regulamento de Execução n.o 404/2011, porquanto, por um lado, a impede de cumprir as obrigações que lhe incumbem no âmbito do referido regime de controlo e, por outro, exerce ilicitamente, nas águas eslovenas, direitos que lhe pertencem enquanto Estado costeiro. Estes regulamentos impõem aos Estados‑Membros de pavilhão duas séries de obrigações, isto é, uma obrigação de monitorização (artigo 9.o, n.o 3, do Regulamento n.o 1224/2009 e artigos 21.o a 23.o do Regulamento de Execução n.o 404/2011) e uma obrigação de comunicação (artigo 15.o do Regulamento n.o 1224/2009 e artigos 43.o e 44.o do Regulamento de Execução n.o 404/2011).

60.      Com a sua quinta acusação, a República da Eslovénia alega que a República da Croácia viola o Código das Fronteiras Schengen, dado que a fronteira entre os dois Estados ainda é uma fronteira externa à qual se aplicam as disposições do título II do referido código. A República da Croácia viola tanto as obrigações de controlo fronteiriço impostas pelo artigo 17.o do Código das Fronteiras Schengen como a obrigação de vigilância de fronteiras imposta pelo artigo 13.o deste mesmo código. Além disso, também não cumpre a obrigação de atuar no pleno respeito das disposições pertinentes do direito internacional aplicável, prevista no artigo 4.o do referido código, na medida em que recusa reconhecer a decisão arbitral controvertida.

61.      Com a sua sexta acusação, a República da Eslovénia alega que a República da Croácia, ao recusar reconhecer a decisão arbitral controvertida que determinou a delimitação das águas territoriais entre estes dois Estados‑Membros e ao incluir as águas territoriais eslovenas na sua planificação do espaço marítimo (23), viola o artigo 4.o, n.o 1, e o artigo 8.o da Diretiva 2014/89. Ao proceder deste modo, a República da Croácia também impossibilita qualquer cooperação, o que consubstancia uma violação do artigo 11.o, n.o 1, desta diretiva, que prevê a obrigação de cooperação.

V.      Resumo dos argumentos das partes sobre as exceções de incompetência e de inadmissibilidade

A.      Fundamentos relativos à incompetência do Tribunal de Justiça para conhecer do presente processo

62.      O primeiro fundamento de incompetência é relativo à natureza acessória das alegações formuladas pela República da Eslovénia. A este propósito, estas alegações, conforme figuram na petição, são acessórias face à solução do litígio no que respeita à validade e aos efeitos jurídicos da Convenção de Arbitragem e da decisão arbitral controvertida. Ora, no âmbito de um processo ao abrigo do artigo 259.o TFUE, o Tribunal de Justiça não é competente para se pronunciar nem sobre o referido litígio nem sobre tais alegações acessórias. A este respeito, resulta do Acórdão Comissão/Bélgica (24) que, no âmbito de tal processo, o Tribunal de Justiça não é competente para se pronunciar sobre a violação de obrigações que decorrem do direito da União, se essas obrigações forem acessórias à prévia resolução de outro diferendo que não é abrangido pela competência do Tribunal de Justiça.

63.      No segundo fundamento de incompetência, a República da Croácia sustenta que o objeto real do litígio entre os dois Estados é constituído, por um lado, pela interpretação e pela aplicabilidade da Convenção de Arbitragem, que não faz parte integrante do direito da União, e, por outro, pela validade e pelas eventuais consequências jurídicas da decisão arbitral controvertida.

64.      A este respeito, a República da Croácia sublinha que contesta a existência, em si mesma, da decisão arbitral controvertida, porquanto denunciou validamente a Convenção de Arbitragem ainda antes de esta decisão ter sido proferida. Se o Tribunal de Justiça tivesse de examinar estas questões, deveria, designadamente, debruçar‑se, primeiro, sobre a questão da validade desta denúncia e dos efeitos desta; segundo, sobre a questão de saber se, após a denúncia controvertida, o Tribunal Arbitral continuava a existir; terceiro, se este último tribunal tinha o direito de decidir da sua continuidade; e, quarto, se a denúncia controvertida pôs termo aos trabalhos do Tribunal Arbitral (25). Além disso, se tivesse de proceder a esse exame, o Tribunal de Justiça seria levado a apreciar os fundamentos que figuram na decisão parcial. Ora, estas questões são abrangidas pelas regras de direito internacional, nomeadamente pela interpretação das disposições do artigo 60.o da Convenção de Viena e da Convenção de Arbitragem, que não fazem parte integrante do direito da União.

65.      Com o seu terceiro fundamento de incompetência, a República da Croácia considera que o Tribunal de Justiça não é competente, nos termos do artigo 259.o TFUE, para se pronunciar sobre a validade e os efeitos da Convenção de Arbitragem, pois esta não faz parte integrante do direito da União, nem sobre a validade e os efeitos da decisão arbitral controvertida, pretensamente proferida ao abrigo daquela Convenção de Arbitragem. Segundo a República da Croácia, o impacto que a solução do litígio bilateral pode ter no funcionamento do direito da União não permite alargar a competência do Tribunal de Justiça para além do que se encontra previsto nos Tratados. Assim, os fundamentos da República da Eslovénia relativos a violações do direito da União, mas cuja resolução depende da prévia resolução do litígio relativo à validade e aos eventuais efeitos jurídicos da Convenção de Arbitragem, não são suficientes para que o Tribunal de Justiça seja competente para conhecer do presente litígio ao abrigo do artigo 259.o TFUE.

66.      Com o seu quarto fundamento de incompetência, a República da Croácia alega que, contrariamente a um diferendo submetido à apreciação do Tribunal de Justiça ao abrigo do artigo 273.o TFUE, não é suficiente que o litígio apresente uma relação com o direito da União. As acusações da República da Eslovénia, relativas a violações do direito da União, as quais dependem, no entanto, da prévia resolução do litígio relativo à validade e aos eventuais efeitos jurídicos da Convenção de Arbitragem, não são suficientes para que o Tribunal de Justiça seja competente para conhecer do presente litígio ao abrigo do artigo 259.o TFUE.

67.      Com o seu quinto fundamento de incompetência, a República da Croácia sublinha que qualquer constatação do Tribunal de Justiça segundo a qual a República da Croácia cometeu as alegadas violações do direito da União só pode, na melhor das hipóteses, ser hipotética. Ora, o Tribunal de Justiça não é competente para se pronunciar sobre violações hipotéticas do direito da União no âmbito de um processo ao abrigo do artigo 259.o TFUE.

68.      Com o seu sexto fundamento de incompetência, a República da Croácia considera que o presente litígio não suscita questões de interpretação do direito da União. Por conseguinte, é impossível justificar a competência do Tribunal de Justiça ao abrigo do artigo 259.o TFUE, no presente processo, com a necessidade de resolver um litígio relativo à interpretação do direito da União e garantir, assim, a aplicação uniforme deste direito.

69.      A República da Eslovénia conclui pedindo que a exceção de incompetência suscitada pela República da Croácia seja julgada improcedente.

70.      Em primeiro lugar, a República da Eslovénia considera que esta exceção assenta na premissa errónea segundo a qual, com o seu pedido, pretende que seja declarado que a República da Croácia não cumpriu as obrigações que lhe incumbem ao abrigo da Convenção de Arbitragem ou da decisão arbitral controvertida, e não ao abrigo do direito da União. Trata‑se de uma tentativa da República da Croácia de desvirtuar unilateralmente o objeto da ação.

71.      A este respeito, primeiro, a República da Eslovénia considera que das disposições dos Tratados e da jurisprudência resulta que a competência do Tribunal de Justiça depende do facto de o Estado demandante invocar, no pedido, uma violação do direito da União ou da aplicabilidade deste direito àquele pedido. A República da Croácia não pode alterar em seu benefício a apresentação do objeto da ação tal como se encontra especificado na petição, dado que, nos pedidos que formula na petição, a República da Eslovénia não pede de modo nenhum ao Tribunal de Justiça que declare que a República da Croácia não cumpriu as obrigações que lhe incumbem por força do direito internacional, mas sim que declare que foram violadas as obrigações que incumbem a este Estado‑Membro ao abrigo do direito da União.

72.      Segundo, a República da Eslovénia considera que a competência do Tribunal de Justiça ao abrigo do artigo 259.o TFUE não está excluída quando os factos em que se baseiam as alegações de violações do direito da União também são abrangidos pelo direito internacional. Só importa, a este respeito, que estes factos digam respeito a uma violação de obrigações impostas pelo direito da União. Todavia, isto não impede que o Tribunal de Justiça tome em consideração as regras substantivas do direito internacional que o direito da União integrou ou tinha intenção de integrar no seu sistema jurídico.

73.      Terceiro, a República da Eslovénia alega que a existência de um litígio bilateral relativo à interpretação de um ato de direito internacional aplicável entre as partes numa ação por incumprimento também não exclui a competência do Tribunal de Justiça. Foi assim que, no Acórdão Espanha/Reino Unido (26), o Tribunal de Justiça interpretou uma declaração unilateral do Reino Unido que reflete o conteúdo de um acordo celebrado entre o Reino de Espanha e o Reino Unido, embora tenha ocorrido um litígio entre as partes a respeito do significado deste instrumento do direito internacional.

74.      Quarto, para apreciar a admissibilidade de uma ação intentada ao abrigo do artigo 259.o TFUE, importa apenas a questão de saber se o fundamento dos pedidos corresponde a «obrigações que lhe incumbem por força dos Tratados». É sem razão que a República da Croácia sugere que o Tribunal de Justiça, para se declarar competente, deve ter a convicção de que um Estado‑Membro não cumpriu as obrigações que lhe incumbem por força dos Tratados. A interpretação e a aplicação das regras do direito da União não constituem questões sobre as quais o Tribunal de Justiça se deva debruçar nessa fase. Pelo contrário, fazem parte do exame quanto ao mérito.

75.      Em segundo lugar, no que respeita ao primeiro fundamento de incompetência, relativo à natureza acessória das alegações relativas ao direito da União, para se poder pronunciar sobre as alegadas violações do direito da União, o Tribunal de Justiça não tem de se pronunciar sobre o incumprimento de obrigações decorrentes do direito internacional nem sobre atos contrários ao direito internacional praticados pela República da Croácia. Dado que os territórios respetivos da República da Croácia e da República da Eslovénia são determinados pela fronteira definida em conformidade com o direito internacional, ou seja, pela decisão arbitral controvertida, não cabe assim ao Tribunal de Justiça declarar que houve violação do direito internacional nem pronunciar‑se sobre um litígio internacional.

76.      Quanto ao segundo fundamento de incompetência, relativo ao objeto «real» do litígio pretensamente constituído pela interpretação do direito internacional, a República da Eslovénia sublinha que a sua fronteira com a República da Croácia consubstancia uma questão de facto em relação à qual o Tribunal de Justiça se pode basear no resultado da resolução do diferendo territorial e não uma questão jurídica sobre a qual o Tribunal de Justiça se pode pronunciar. Pelo contrário, o Tribunal de Justiça deve respeitar e aplicar o direito internacional, na medida necessária à interpretação ou aplicação do direito da União.

77.      No que respeita ao terceiro fundamento de incompetência, relativo à resolução prévia do litígio sobre a validade e os eventuais efeitos jurídicos da Convenção de Arbitragem, a República da Eslovénia sublinha que, para determinar o âmbito e o respeito das obrigações que incumbem aos Estados‑Membros por força do direito da União, incluindo a obrigação de não impedir outro Estado‑Membro de executar e aplicar o direito da União no seu próprio território, é necessário partir da fronteira entre os Estados‑Membros em causa, conforme fixada nos termos do direito internacional. Cabe ao Tribunal de Justiça tomar em consideração, enquanto factos, os elementos do direito internacional existentes.

78.      A República da Eslovénia acrescenta que a questão da validade da Convenção de Arbitragem e da validade dos efeitos jurídicos da decisão arbitral controvertida não constitui o objeto do litígio perante o Tribunal de Justiça, não é da competência deste e, seja como for, ficou resolvida na decisão parcial do Tribunal Arbitral. O facto de a República da Croácia não estar satisfeita com a decisão arbitral controvertida não significa que haja um diferendo fronteiriço não resolvido ou que o Tribunal de Justiça se deva pronunciar sobre esta questão que já foi decidida.

79.      Acresce que o argumento da República da Croácia segundo o qual a decisão arbitral controvertida não é diretamente aplicável, além de não estar relacionada com a questão da admissibilidade mas sim com a apreciação quanto ao mérito, é erróneo porquanto esta decisão é vinculativa nos termos do direito internacional, fixando definitivamente a fronteira entre os dois Estados‑Membros.

80.      No que se refere ao quinto fundamento de incompetência, relativo ao caráter hipotético das violações do direito da União que lhe são imputadas, a República da Croácia limita‑se a afirmar que não faltou às obrigações que lhe incumbem por força do direito da União. Com efeito, tal argumento prende‑se com o mérito da causa. Seja como for, trata‑se de violações reais e não hipotéticas que ocorrem diariamente e às quais a República da Eslovénia pretende pôr termo por meio da presente ação intentada ao abrigo do artigo 259.o TFUE.

81.      Quanto ao sexto fundamento de incompetência, relativo ao facto de o presente processo não suscitar questões de interpretação do direito da União, por as partes entenderem da mesma maneira as obrigações que lhes incumbem por força do direito da União, a República da Eslovénia salienta que a existência de um litígio sobre a interpretação ou a aplicação do direito da União não constitui, por si só, um requisito da competência do Tribunal de Justiça ao abrigo do artigo 259.o TFUE. Basta que a República da Eslovénia alegue que a República da Croácia não cumpriu as obrigações que lhe incumbem por força do direito da União.

B.      Fundamentos relativos à inadmissibilidade da petição

82.      A título subsidiário, na hipótese de o Tribunal de Justiça se declarar competente para conhecer do presente litígio, a República da Croácia alega que a petição, que não é conforme com as exigências do artigo 21.o do Estatuto do Tribunal de Justiça da União Europeia e do artigo 120.o do Regulamento de Processo do Tribunal de Justiça, deve ser julgada inadmissível. Nos pedidos constantes da petição inicial, a República da Eslovénia não indica expressamente o objeto do litígio, que consiste num alegado incumprimento pela República da Croácia das obrigações que lhe incumbem por força da decisão arbitral controvertida. Segundo a República da Croácia, os referidos pedidos não mencionam a alegada violação da decisão arbitral controvertida e a petição não expõe argumentos jurídicos que demonstrem que existe uma decisão arbitral válida, pelo que lhe é impossível preparar a sua defesa e responder a estes argumentos.

83.      A República da Eslovénia sustenta que a ação cumpre todas as exigências do artigo 21.o do Estatuto do Tribunal de Justiça da União Europeia e do artigo 120.o do Regulamento de Processo do Tribunal de Justiça. O objeto da ação está devida e precisamente determinado, resumido no início da petição, explanado e escorado em factos precisos e argumentos jurídicos claros e mencionado, uma vez mais, na parte dos pedidos da petição. As alegadas violações das disposições do direito da União estão determinadas com exatidão e não suscitam dúvidas.

84.      Por conseguinte, a afirmação da República da Croácia segundo a qual não está em condições de preparar a sua defesa contra a alegação de violação da decisão arbitral controvertida também é errónea. Ainda que se admita que esta alegação deve ser tomada em consideração pelo Tribunal de Justiça, esta diz respeito ao mérito do processo e não à sua admissibilidade.

C.      Quanto ao pedido de desentranhamento do parecer do Serviço Jurídico da Comissão

85.      A República da Croácia requereu ao Tribunal de Justiça que desentranhasse dos autos, ao abrigo do artigo 151.o do Regulamento de Processo do Tribunal de Justiça, o parecer do Serviço Jurídico da Comissão que figura nas páginas 38 a 45 do anexo C.2 da resposta da República da Eslovénia à exceção de inadmissibilidade (a seguir «parecer jurídico em causa»).

86.      Em apoio do seu pedido, a República da Croácia alega que o parecer jurídico em causa é um documento interno que a Comissão nunca tornou público. Segundo esta instituição, a sua difusão sem autorização pode afetar negativamente o seu bom funcionamento.

87.      A Comissão, baseando‑se no Despacho de 23 de outubro de 2002, Áustria/Conselho (27), alega que a apresentação destes documentos internos no contexto de um litígio perante o Tribunal de Justiça, sem que a referida apresentação tivesse sido autorizada pela instituição em causa ou ordenada por este órgão jurisdicional, é contrária ao interesse público que exige que as instituições possam beneficiar dos pareceres dos seus serviços jurídicos, elaborados com total independência. Segundo a Comissão, o parecer jurídico em causa é um documento interno, que não se destinava a ser publicado e que não foi disponibilizado ao público. A Comissão esclarece que a sua apresentação não foi autorizada no contexto de um litígio perante o Tribunal de Justiça. Assim, o parecer jurídico em causa deve ser desentranhado dos autos.

VI.    Análise

88.      A República da Croácia invoca a incompetência do Tribunal de Justiça para se pronunciar sobre a ação por incumprimento e, a título subsidiário, a inadmissibilidade desta ação devido à inobservância dos requisitos definidos no artigo 21.o do Estatuto do Tribunal de Justiça da União Europeia e no artigo 120.o do Regulamento de Processo do Tribunal de Justiça. Refiro desde já que, pelas razões a seguir indicadas, considero que o Tribunal de Justiça não é competente para examinar a presente ação, pelo que não será necessário analisar a questão da sua admissibilidade na perspetiva de uma eventual inobservância das disposições acima mencionadas.

89.      Em primeiro lugar, antes de examinar os fundamentos relativos à incompetência e à inadmissibilidade, importa examinar o pedido que visa retirar da discussão o parecer do Serviço Jurídico da Comissão (A). Em segundo lugar, no âmbito do exame da competência do Tribunal de Justiça, pareceu‑me necessário, por um lado, formular algumas observações preliminares sobre a competência do Tribunal de Justiça, mais precisamente perante instrumentos jurídicos internacionais (B), e, por outro, examinar, à luz destas observações, o objeto da ação, analisando as acusações específicas apresentadas pela demandante (C).

A.      Quanto ao pedido de desentranhamento do parecer do Serviço Jurídico da Comissão

90.      A República da Croácia pede ao Tribunal de Justiça que, em conformidade com o disposto no artigo 151.o do Regulamento de Processo do Tribunal de Justiça, desentranhe dos autos o parecer jurídico em causa.

91.      A este respeito, em primeiro lugar, cabe sublinhar que, através do Despacho de 23 de outubro de 2002, Áustria/Conselho (28), o Tribunal de Justiça decidiu desentranhar dos autos o parecer do Serviço Jurídico da Comissão que tinha sido junto ao recurso de anulação de um regulamento interposto pela Áustria. No n.o 12 daquele despacho, o Tribunal de Justiça sublinhou, designadamente, que seria contrário ao interesse público que pretende que as instituições possam beneficiar dos pareceres dos respetivos serviços jurídicos, proferidos com absoluta independência, admitir que a apresentação desses documentos internos possa ocorrer no âmbito de um litígio perante si pendente, sem que a respetiva apresentação tenha sido autorizada pela instituição em causa ou ordenada pelo órgão jurisdicional.

92.      No presente caso, há que constatar que o parecer jurídico em causa emana do Serviço Jurídico da Comissão e foi elaborado à atenção do chefe de gabinete do presidente da Comissão. Este parecer foi emitido no âmbito do procedimento iniciado pela República da Eslovénia nos termos do artigo 259.o, segundo parágrafo, TFUE, para efeitos da submissão do assunto à apreciação prévia da Comissão. O referido parecer comporta a análise das alegações formuladas contra a República da Croácia, com o objetivo de obter o acordo do referido chefe de gabinete para preparar um parecer fundamentado em conformidade com o disposto no terceiro parágrafo do artigo 259.o TFUE. É evidente que o parecer jurídico em causa não se destinava a ser publicado (29).

93.      Em segundo lugar, de acordo com a jurisprudência, o desentranhar de um parecer jurídico de uma instituição justifica‑se quando exista o risco previsível de a instituição em causa ser obrigada, no quadro do processo judicial em curso, que tem por objeto a validade de uma decisão que tomou, a assumir publicamente posição sobre o parecer formulado pelo seu próprio Serviço Jurídico. Tal perspetiva tem inevitavelmente repercussões negativas no interesse da instituição em causa em pedir pareceres jurídicos e na possibilidade de esta obter do seu Serviço Jurídico pareceres francos, objetivos e completos (30).

94.      No presente caso, no procedimento previsto no artigo 259.o, segundo parágrafo, TFUE, a Comissão, à qual a República da Eslovénia submeteu a questão, não formulou um parecer fundamentado ao abrigo do terceiro parágrafo deste artigo. Por conseguinte, a Comissão não exprimiu a sua posição oficial sobre aquele procedimento. Assim, o presente processo distingue‑se dos processos acima mencionados, que diziam respeito a um processo judicial relativo à validade de uma decisão adotada e defendida pela instituição em causa. Porém, não obstante esta diferença, parece‑me, mutatis mutandis, que as considerações que figuram no n.o 93 das presentes conclusões são pertinentes para o nosso processo. Com efeito, não está excluído que a Comissão decida intervir, mais tarde, no processo no Tribunal de Justiça ou que seja convidada a apresentar observações, pelo que deverá exprimir a sua posição oficial sobre o processo submetido ao Tribunal de Justiça e assumir, assim, publicamente posição sobre o parecer elaborado pelo seu próprio Serviço Jurídico. O desentranhamento do parecer jurídico em causa parece, por conseguinte, justificado à luz do interesse da referida instituição em pedir e obter do seu Serviço Jurídico pareceres francos, objetivos e completos (31).

95.      Além disso, o Tribunal de Justiça já declarou que autorizar um Estado‑Membro a juntar aos autos um parecer jurídico cuja divulgação não foi autorizada pela instituição em causa equivaleria a contornar o procedimento de pedido de acesso a esse documento, instituído pelo Regulamento n.o 1049/2001 (32). No presente caso, conforme a Comissão precisou nas suas observações escritas, o parecer jurídico em causa não foi tornado acessível nem às partes nem ao público, tendo sido divulgado como anexo de um artigo de imprensa (33). Por conseguinte, há que constatar que a República da Eslovénia não obteve o parecer jurídico em causa de acordo com as modalidades previstas no Regulamento n.o 1049/2001.

96.      Nestas condições e atendendo a que a Comissão informou o Tribunal de Justiça de que não pretendia apresentar este documento no âmbito da presente ação, proponho que seja acolhido o pedido da República da Croácia para desentranhar dos autos o documento que figura nas páginas 38 a 45 do anexo C.2 da resposta da República da Eslovénia à exceção de inadmissibilidade.

B.      Observações preliminares relativas à competência do Tribunal de Justiça

97.      Importa, em primeiro lugar, formular algumas observações preliminares acerca da competência do Tribunal de Justiça em matéria de ações por incumprimento (1); em segundo lugar, determinar o âmbito de aplicação material do direito da União perante instrumentos jurídicos internacionais (2); e, em terceiro lugar, examinar o âmbito de aplicação territorial do direito da União (3).

1.      Quanto à competência do Tribunal de Justiça em matéria de ações por incumprimento

98.      O artigo 19.o TUE incumbe o Tribunal de Justiça de garantir o respeito do direito na interpretação e aplicação dos Tratados (34). De acordo com o n.o 3, alínea a), deste artigo, o Tribunal de Justiça decide, nos termos do disposto nos Tratados, sobre os recursos interpostos por um Estado‑Membro, por uma instituição ou por pessoas singulares ou coletivas. Esta competência encontra concretização na ação por incumprimento prevista no artigo 259.o TFUE.

99.      O objetivo do procedimento instituído pelo artigo 259.o TFUE é obter a declaração de que o comportamento de um Estado‑Membro viola o direito da União e pôr termo a esse comportamento (35). Esta disposição limita a competência do Tribunal de Justiça para conhecer da existência de um incumprimento de um Estado‑Membro a «qualquer das obrigações que lhe incumbem por força dos Tratados». Neste contexto, não compete ao Tribunal de Justiça examinar quais os objetivos prosseguidos por uma ação por incumprimento que lhe tenha sido submetida (36).

100. No que respeita ao sentido da expressão «obrigações […] por força dos Tratados», o termo «Tratados» implica que pode ser intentada uma ação a título dos alegados incumprimentos das obrigações resultantes dos Tratados UE e FUE e da Carta dos Direitos Fundamentais da União Europeia, desde que o comportamento do Estado‑Membro esteja abrangido pelo seu âmbito de aplicação (37). Além disso, é evidente que aquela expressão também se refere aos atos de direito derivado (38).

101. Assim, a competência do Tribunal de Justiça depende do âmbito de aplicação do direito da União (39). Na medida em que o presente processo põe em causa uma convenção de arbitragem internacional e uma decisão arbitral que a aplica, proponho que se examine o âmbito de aplicação material do direito da União perante instrumentos jurídicos internacionais.

2.      Quanto ao âmbito de aplicação material do direito da União perante instrumentos jurídicos de direito internacional

102. Visto que a Convenção de Arbitragem e a decisão arbitral controvertida, que estão no cerne da presente ação, constituem instrumentos de direito internacional, coloca‑se a questão de saber qual é a sua relação com o direito da União, se estão ambas integradas na ordem jurídica da União e se a União está por elas vinculada.

a)      Quanto aos instrumentos do direito internacional na jurisprudência do Tribunal de Justiça

103. É jurisprudência constante que «a União é obrigada a exercer as suas competências no respeito do direito internacional no seu conjunto, que compreende não só as regras e os princípios do direito internacional geral e consuetudinário mas também as disposições de convenções internacionais que a vinculem» (40).

104. Parece‑me resultar desta jurisprudência que estão bem circunscritas as hipóteses em que a União está vinculada pelo direito internacional. Primeiro, a União está vinculada pelos acordos internacionais que celebrou ao abrigo das disposições dos Tratados e que, a partir da sua data de entrada em vigor, fazem parte integrante da ordem jurídica da União (41). Segundo, a União está vinculada por uma convenção internacional quando assume as competências anteriormente exercidas pelos Estados‑Membros no domínio de aplicação dessa convenção (42). Terceiro, a União é obrigada a exercer as suas competências no respeito pelo direito internacional consuetudinário (43). Daqui resulta que as convenções internacionais que não façam parte das categorias acima mencionadas não são atos da União nem a vinculam. Uma vez que não se trata de direito da União, o Tribunal de Justiça não tem competência para examinar a respetiva validade nem para as interpretar.

b)      Quanto à natureza acessória das alegações relativas às obrigações que decorrem do direito da União

105. Em apoio do seu primeiro fundamento de incompetência, a República da Croácia sustentou que resulta do Acórdão Comissão/Bélgica (44) que, no âmbito de uma ação por incumprimento, o Tribunal de Justiça não é competente para se pronunciar sobre a alegada violação de obrigações decorrentes do direito da União, «se essas obrigações forem acessórias à resolução prévia de outro diferendo que não é abrangido pela competência do Tribunal de Justiça».

106. A este respeito, sou da opinião de que resulta deste acórdão que, no âmbito de uma ação por incumprimento, a utilização de instrumentos de direito internacional que não constituam atos da União pode ter um efeito negativo na competência do Tribunal de Justiça para examinar a alegação de violação do direito da União. Trata‑se da hipótese da imputação de um incumprimento, que formalmente se refere ao direito da União, mas que, na realidade, se prende com um instrumento de direito internacional que escapa ao âmbito material do direito da União e, portanto, à competência do Tribunal de Justiça. Foi assim que, no referido acórdão, o Tribunal de Justiça declarou que não era competente para se pronunciar sobre a alegada violação de obrigações previstas no direito da União que só tinham natureza acessória face às obrigações previstas num instrumento de direito internacional.

107. Mais concretamente, no processo que deu origem àquele acórdão, a Comissão invocou a violação simultânea do Acordo de Instalação de 1962, celebrado em 12 de outubro de 1962, entre o Conselho Superior da Escola Europeia e o Governo do Reino da Bélgica e do artigo 10.o CE (atual artigo 4.o, n.o 3, TUE). O Tribunal de Justiça procedeu a uma análise substancial da petição inicial, que lhe permitiu apreciar o alcance exato da acusação formulada pela Comissão contra o Reino da Bélgica. O Tribunal de Justiça considerou que a violação da disposição do direito da União mais não era do que uma simples consequência decorrente do incumprimento pelo Estado‑Membro em causa das suas obrigações decorrentes do Acordo de Instalação, o que traduziu formalmente através do termo «acessório» aplicado à alegação da violação do artigo 10.o CE. Tendo considerado, no termo de uma segunda análise, que o referido acordo não fazia parte do direito da União, mas apenas do direito internacional, o Tribunal de Justiça, logicamente, declarou‑se incompetente para apreciar a ação por incumprimento intentada pela Comissão.

108. Considero que o raciocínio desenvolvido naquele acórdão é importante para efeitos do presente processo. Por conseguinte, proponho‑me examinar, no quadro da análise das acusações específicas apresentadas pela demandante em apoio da sua ação (em C, infra), os critérios desenvolvidos naquele acórdão.

3.      O âmbito de aplicação territorial do direito da União

109. Importa sublinhar que, segundo o dispositivo da petição inicial, não foi formalmente pedido ao Tribunal de Justiça para apreciar a aplicabilidade da Convenção de Arbitragem nem a validade da decisão arbitral controvertida, mas foi‑lhe pedido que se pronunciasse sobre a questão de saber se as disposições do direito da União como o artigo 2.o e o artigo 4.o, n.o 3, TUE, bem como as relativas à política comum das pescas, ao Código das Fronteiras Schengen e à planificação do espaço marítimo, foram violadas pela República da Croácia e se aplicam, por conseguinte, no presente caso.

110. A este propósito, ao contrário do que sucede com um Estado, a União não dispõe de «competência territorial» à luz do direito internacional, ou seja, de um título de soberania sobre o seu território, nem dispõe de um «território da União» comparável a um «território federal» (45). Com efeito, o «território da União» corresponde ao espaço geográfico visado no artigo 52.o TUE e no artigo 355.o TFUE, que definem o âmbito de aplicação territorial dos Tratados (46). Em especial, o artigo 52.o TUE prevê, no seu primeiro parágrafo, que os Tratados se aplicam aos Estados‑Membros (47). As regras detalhadas que regulam o âmbito de aplicação territorial dos Tratados estão previstas no artigo 355.o TFUE. O artigo 52.o TUE e o artigo 355.o TFUE não são apenas pertinentes no que respeita à determinação da fronteira exterior da União, sendo‑o também para definir as competências respetivas dos Estados‑Membros na execução do direito da União. Para este efeito, no Acórdão Aktiebolaget NN (48), o Tribunal de Justiça declarou, a propósito do artigo 299.o CE, atual artigo 355.o TFUE, que, «[n]a ausência, no Tratado, de uma definição mais precisa do território abrangido pela soberania de cada Estado‑Membro, cabe a cada um dos EstadosMembros determinar a extensão e os limites desse território, em conformidade com as regras do direito internacional público» (49).

111. Assim, o âmbito de aplicação territorial do direito da União não decorre de uma determinação, a priori, pela União, correspondendo mais a um dado objetivo que se lhe impõe. Daqui resulta que, no âmbito de uma ação intentada ao abrigo do artigo 259.o TFUE, como a que está em causa, em que um Estado‑Membro é acusado de impedir a execução do direito da União no território de outro Estado‑Membro, a delimitação do território que está sob a jurisdição de um Estado‑Membro não é abrangida pelo domínio da competência da União, a qual deve, a este respeito, reportar‑se ao direito internacional público e aos seus instrumentos conformes que definem os limites desse território.

4.      Conclusão intercalar

112. Atendendo às considerações que precedem, sou da opinião de que a competência do Tribunal de Justiça no âmbito de uma ação por incumprimento depende do âmbito de aplicação do direito da União. Este direito implica, por um lado, duas séries de regras internacionais de caráter convencional, a saber, as convenções internacionais que a União celebrou ao abrigo das disposições dos Tratados e aquelas em que a União assume as competências anteriormente exercidas pelos Estados‑Membros no domínio de aplicação das convenções em causa, bem como, por outro, as regras consuetudinárias de direito internacional que vinculam a União quando esta exerce as suas competências. No âmbito de uma ação por incumprimento (50), o Tribunal de Justiça, em contrapartida, não é competente para resolver diferendos entre os Estados‑Membros relativos à validade, à interpretação e à aplicação das convenções internacionais que não sejam abrangidas pelo direito da União. Por esta razão, o Tribunal de Justiça declinou a sua competência numa situação em que a petição se referia formalmente ao direito da União, embora, na realidade, o alegado incumprimento dissesse respeito a um instrumento do direito internacional que escapava ao âmbito material do direito da União e, portanto, à competência do Tribunal de Justiça, conferindo assim natureza acessória às acusações relativas ao direito da União. O âmbito de aplicação territorial dos Tratados encontra‑se definido no artigo 52.o TUE e no artigo 355.o TFUE e corresponde a um dado objetivo predeterminado pelos Estados‑Membros e que se impõe à União. Com efeito, não existindo, nos Tratados, uma definição mais precisa do território abrangido pela soberania de cada Estado‑Membro, cabe a cada um destes determinar a extensão e os limites desse território, em conformidade com as regras do direito internacional público. Visto que, no âmbito de uma ação por incumprimento, o Tribunal de Justiça só é competente para se pronunciar sobre o comportamento de um Estado‑Membro que viole o direito da União, o Tribunal de Justiça não é competente para examinar os diferendos entre Estados relativos a litígios territoriais.

C.      Quanto ao objeto da ação

113. Para determinar, à luz das observações que precedem, se o Tribunal de Justiça é competente para conhecer do pedido da República da Eslovénia destinado a obter a declaração da alegada violação das disposições do direito da União pela República da Croácia, o Tribunal de Justiça não se pode limitar ao exame formal da redação das acusações que figuram na petição, devendo proceder a uma análise substancial das acusações apresentadas pela República da Eslovénia (51).

1.      Análise das acusações específicas da República da Eslovénia

114. As seis acusações apresentadas pela República da Eslovénia decompõem‑se do seguinte modo: as duas primeiras são relativas a violações de disposições de direito primário (artigo 2.o TUE e artigo 4.o, n.o 3, TUE), e as outras quatro, de disposições de direito derivado, a saber, as obrigações relativas à política comum das pescas prevista no Regulamento n.o 1380/2013 (terceira acusação), ao regime de controlo previsto no Regulamento n.o 1224/2009 e no Regulamento de Execução n.o 404/2011, relativos à política comum das pescas (quarta acusação), ao Código das Fronteiras Schengen (quinta acusação), e, por último, ao regime de planificação do espaço marítimo previsto na Diretiva 2014/89 (sexta acusação).

115. Estas acusações podem ser agrupadas em duas categorias, a saber, acusações relativas à violação do direito primário e acusações relativas à violação do direito derivado. Ao examinar os argumentos apresentados em apoio destas acusações, afigura‑se que a sua estrutura varia em função da categoria a que pertencem.

116. A este respeito, as acusações relativas à violação do direito primário visam obter a declaração de que a não aplicação da Convenção de Arbitragem e a inexecução da decisão arbitral controvertida por parte da República da Croácia constituem uma violação do valor do Estado de direito consagrado no artigo 2.o TUE e do princípio da cooperação leal enunciado no artigo 4.o, n.o 3, TUE.

117. Mais precisamente, quanto à primeira acusação, relativa à alegada violação do valor do Estado de direito consagrado no artigo 2.o TUE, a República da Eslovénia entende que, ao violar unilateralmente o compromisso assumido no processo de adesão à União, de respeitar a futura decisão arbitral, a fronteira determinada pela decisão arbitral controvertida e as outras obrigações decorrentes desta decisão, a República da Croácia recusa respeitar o valor do Estado de direito consagrado nesta disposição e viola, a este título, os princípios da cooperação leal e da res judicata. Quanto à segunda acusação, relativa à violação do princípio da cooperação leal consagrado no artigo 4.o, n.o 3, TUE, nos termos do qual a União e os Estados‑Membros respeitam‑se e assistem‑se mutuamente no cumprimento das missões decorrentes dos Tratados, há que constatar que a República da Eslovénia acusa a República da Croácia de dois tipos de incumprimento, a saber, a violação da realização dos objetivos da União (52) e o impedimento da execução do direito da União no território esloveno.

118. Parece‑me que resulta da sua argumentação relativa a estas duas acusações que a República da Eslovénia pretende provar que a não aplicação da Convenção de Arbitragem e a inexecução da decisão arbitral controvertida por parte da República da Croácia constituem uma violação do direito da União, designadamente do artigo 2.o TUE e dos princípios da cooperação leal e da res judicata.

119. Em contrapartida, as acusações relativas à violação das disposições do direito derivado baseiam‑se na premissa de que a fronteira entre a República da Croácia e a República da Eslovénia é determinada pela decisão arbitral controvertida, pelo que a recusa de este primeiro Estado a executar constitui uma violação destas disposições.

120. Dada a diferença estrutural entre as acusações relativas ao direito primário e as relativas ao direito derivado, deverão ser examinadas em dois momentos.

2.      Quanto às acusações relativas à violação do direito primário

121. Atendendo à conclusão intercalar a que cheguei (n.o 112 das presentes conclusões), importa questionarmo‑nos sobre a relação existente entre, por um lado, a Convenção de Arbitragem e a decisão arbitral controvertida proferida com base naquela e, por outro, o direito da União.

a)      Quanto à relação da Convenção de Arbitragem e da decisão arbitral controvertida com o direito da União

122. Importa sublinhar que a Convenção de Arbitragem e, por extensão, a decisão arbitral controvertida proferida ao abrigo desta convenção não se integram em nenhuma das hipóteses em que a União está vinculada pelo direito internacional, conforme descritas nos n.os 103 e 104 das presentes conclusões.

123. No que respeita à primeira hipótese referida no n.o 104 das presentes conclusões, a saber, que a União está vinculada pelos acordos internacionais que celebrou ao abrigo das disposições dos Tratados, há que constatar que a decisão arbitral controvertida foi proferida por um tribunal internacional constituído ao abrigo de uma Convenção de Arbitragem bilateral. É facto assente que a União não foi parte na Convenção de Arbitragem nem no procedimento de arbitragem que conduziu à adoção da referida decisão. A União ofereceu os seus bons ofícios às partes (53) e só assinou a referida convenção na qualidade de «testemunha». Nos termos do artigo 4.o, alíneas a) e b), da Convenção de Arbitragem, o Tribunal Arbitral aplica as regras e os princípios do direito internacional, bem como a equidade e o princípio das relações de boa vizinhança. Em conformidade com o artigo 8.o desta convenção, as negociações de adesão não deviam afetar os trabalhos do Tribunal Arbitral, devendo aquelas prosseguir nos termos do disposto no artigo 9.o A aplicação do direito da União não está, pois, prevista na convenção de que a União tomou conhecimento através do documento de 25 de setembro de 2009 (54). Afigura‑se, assim, que a decisão arbitral controvertida é uma decisão tomada por um Tribunal Arbitral constituído ao abrigo de uma convenção arbitral bilateral e que aplica, designadamente, o direito internacional.

124. No que se refere à segunda hipótese mencionada no n.o 104 das presentes conclusões, a saber, que a União está vinculada por uma convenção internacional quando assume as competências anteriormente exercidas pelos Estados‑Membros no domínio da aplicação dessa convenção, é evidente que não se verificou nenhuma transferência de competências dos Estados‑Membros para a União no domínio abrangido pela Convenção de Arbitragem.

125. No que toca à terceira hipótese mencionada no n.o 104 das presentes conclusões, que traduz o necessário respeito pelas regras do direito internacional consuetudinário, esta só se verifica quando a União exerce as suas competências, o que não sucede no presente caso, porquanto a Convenção de Arbitragem e a decisão arbitral controvertida são instrumentos internacionais que estão fora do âmbito das competências da União.

126. Quanto à questão de saber se a Convenção de Arbitragem ou a decisão arbitral controvertida podem ser incorporadas no direito da União através do Ato de Adesão da República da Croácia, resulta dos autos submetidos ao Tribunal de Justiça que uma das condições políticas para a adesão da República da Croácia à União era a resolução do seu diferendo fronteiriço com a República da Eslovénia (55). É facto assente que, no momento da assinatura do Tratado de Adesão, estava celebrada a Convenção de Arbitragem, mas o procedimento de arbitragem ainda não tinha começado (56). Porém, nenhum elemento dos autos permite considerar que esta condição política se concretizou em disposições específicas do Ato de Adesão ou do Tratado de Adesão. Com efeito, sou da opinião de que a referência à futura decisão arbitral que figura no anexo III do Ato de Adesão, que, de resto, é a única referência, no referido ato, ao diferendo relativo à fronteira que separa a República da Croácia e a República da Eslovénia, deve ser analisada como a constatação de que a regulamentação em matéria de política comum das pescas devia ser alterada para definir as faixas costeiras dos dois Estados em causa, a fim de se aplicar o regime específico ao abrigo das relações de vizinhança. Tendo em conta a redação desta referência (57), esta última não pode ser analisada como uma obrigação jurídica que decorre do direito da União e que obriga a República da Croácia a resolver o seu diferendo com a República da Eslovénia sobre a sua fronteira comum, em conformidade com os termos da futura decisão arbitral (58).

127. Atendendo ao que precede, sou da opinião de que a União não está vinculada pela Convenção de Arbitragem na aceção da jurisprudência referida no n.o 103 das presentes conclusões, como também não está vinculada pela decisão controvertida prevista na referida convenção, visto que estes instrumentos jurídicos não fazem parte do âmbito de aplicação material do direito da União.

128. A fim de examinar, nomeadamente, a competência do Tribunal de Justiça para conhecer das duas acusações relativas ao direito primário e apresentadas pela demandante, importa, por um lado, examinar a primeira acusação, relativa à alegada violação do valor do Estado de direito consagrado no artigo 2.o TUE [b)], e, por outro, analisar a segunda acusação, relativa à violação do princípio da cooperação leal consagrado no artigo 4.o, n.o 3, TUE [c)].

b)      Quanto à primeira acusação, relativa à alegada violação do valor do Estado de direito consagrado no artigo 2.o TUE

129. Há que notar, desde logo, que a República da Eslovénia invoca o valor do Estado de direito, por um lado, de forma autónoma e, por outro, em conjugação com os princípios da cooperação leal e da res judicata. Nas duas hipóteses, entendo que as considerações relacionadas com a natureza acessória das alegações relativas às pretensas violações do direito da União e expostas nos n.os 105 a 107 das presentes conclusões são aplicáveis no âmbito da apreciação da acusação em causa.

130. Com efeito, embora, no dispositivo da petição, sejam formalmente mencionadas violações do valor do Estado de direito e dos princípios da cooperação leal e da res judicata, a alegação, em si mesma, incide sobre a alegada violação, pela República da Croácia, do direito internacional, resultante da inexecução da decisão arbitral controvertida. Conforme resulta do n.o 127 das presentes conclusões, a União não está vinculada pela Convenção de Arbitragem nem pela decisão controvertida nela prevista; a problemática relativa às violações do direito da União apresenta, assim, uma natureza acessória face à natureza da delimitação das fronteiras terrestre e marítima dos dois Estados em causa.

131. De resto, como expus no n.o 126  das presentes conclusões, sou da opinião de que a tentativa de associar os compromissos assumidos durante a adesão da República da Croácia à União aos referidos valores e princípios não é suficiente para que se possa basear a ação nestes últimos de forma autónoma. Por conseguinte, a argumentação relativa ao incumprimento de compromissos assumidos durante o processo de adesão também deve ser afastada, porquanto esses compromissos não constituem obrigações jurídicas decorrentes do direito da União e não podem ser invocados ao abrigo do artigo 259.o TFUE.

132. Seja como for e a título exaustivo, em primeiro lugar, pergunto‑me se, mesmo admitindo que os incumprimentos criticados sejam abrangidos pelo âmbito de aplicação do direito da União, uma acusação baseada no valor do Estado de direito consagrado no artigo 2.o TUE é admissível a título da ação por incumprimento prevista no artigo 259.o TFUE. A este propósito, o Tribunal de Justiça ainda recentemente se referiu a este valor em diversos processos (59). Todavia, observo que este valor não foi evocado na jurisprudência, de forma autónoma, mas sempre com uma norma que o «concretiza» ou que «constitui uma manifestação específica» deste (60), a saber, o artigo 19.o TUE. Assim, a relação entre o valor do Estado de direito e a competência da União ficou demonstrada pelo facto de a fiscalização jurisdicional na ordem jurídica da União ser garantida não apenas pelo Tribunal de Justiça mas também pelos órgãos jurisdicionais nacionais.

133. É certo que, no que respeita à execução do artigo 2.o TUE, é amplamente aceite que o artigo 7.o TUE e o processo por incumprimento são complementares (61) e que uma violação do artigo 2.o TUE pode, em princípio, ser considerada no âmbito de uma ação por incumprimento (62). Todavia, não é menos certo que a ação por incumprimento constitui uma via jurisdicional associada aos domínios abrangidos pelo âmbito de aplicação do direito da União — o que, como foi exposto nos n.os 130 e 131 das presentes conclusões, não é o que sucede no presente processo —, que exige a invocação de obrigações jurídicas concretas (63). Não obstante, o Tribunal de Justiça pode sempre recorrer ao artigo 2.o TUE para fins interpretativos, com vista a determinar se o direito da União foi violado. Por conseguinte, sou da opinião de que, ainda que se admita que o Tribunal de Justiça é competente para examinar a primeira acusação, relativa ao Estado de direito, nas circunstâncias do presente caso, o referido valor não pode ser invocado de forma autónoma.

134. Em segundo lugar, na medida em que esta primeira acusação visa os princípios da boa‑fé, que se traduzem no princípio da cooperação leal no direito da União, e da res judicata, porquanto nem a Convenção de Arbitragem nem a decisão arbitral constituem atos da União ou obrigações internacionais que vinculam a União (64), o facto de invocar estes princípios em conjugação com o valor do Estado de direito não é suficiente se não for invocada uma disposição específica do direito da União ou uma disposição que vincule a União. Ora, no caso de uma acusação relativa à inexecução da decisão arbitral e da Convenção de Arbitragem, instrumentos bilaterais que se regem exclusivamente pelo direito internacional, essa relação não existe.

135. Por conseguinte, sou da opinião de que, nestas circunstâncias, o Tribunal de Justiça não é competente para conhecer da acusação relativa ao valor do Estado de direito, uma vez que este reveste uma natureza acessória face à problemática da violação das obrigações do direito internacional.

c)      Quanto à segunda acusação, relativa à violação do princípio da cooperação leal consagrado no artigo 4.o, n.o 3, TUE

136. Em primeiro lugar, a República da Eslovénia alega, em substância, que, ao recusar‑se a dar cumprimento às obrigações que lhe incumbem por força da decisão arbitral controvertida, a República da Croácia a impede de exercer plenamente a sua soberania na totalidade do seu território. Este comportamento põe em perigo a realização dos objetivos da União (65). Em segundo lugar, a República da Eslovénia acusa a República da Croácia de a impedir de cumprir a sua obrigação de implementar a Diretiva 2008/56, a Diretiva 92/43, o Regulamento n.o 1143/2014 e a Diretiva 2000/60.

137. Como já referi nos n.os 105 a 107 das presentes conclusões, as acusações baseadas neste princípio apresentam uma natureza acessória face à resolução do diferendo internacional relativo à validade e à execução da decisão arbitral controvertida. A este respeito, penso que é particularmente reveladora a maneira como a República da Eslovénia formulou a sua segunda acusação. A República da Eslovénia entende que a República da Croácia, «[a]o recusar unilateralmente cumprir as obrigações que lhe incumbem por força da decisão arbitral [controvertida]», violou o princípio da cooperação leal (66). Assim, a República da Croácia impede‑a de exercer plenamente a sua soberania na totalidade do seu território terrestre e marítimo no respeito pelos Tratados e pelas disposições do direito derivado (67).

138. Seja como for, há que julgar improcedente a segunda acusação, relativa ao princípio da cooperação leal consagrado no artigo 4.o, n.o 3, TUE. Com efeito, de acordo com as pesquisas que realizei, este princípio constituiu um fundamento autónomo de obrigações em processos em que a União era parte num acordo misto (68) ou na hipótese da execução das obrigações decorrentes dos Tratados UE e FUE (69). Ora, no presente caso, o comportamento criticado não se integra em nenhuma destas duas hipóteses. Com efeito, como resulta da análise acima efetuada, sou da opinião de que nem a Convenção de Arbitragem nem a decisão arbitral controvertida constituem atos de direito da União ou obrigações internacionais que vinculam a União (70). A sua execução não constitui uma obrigação que decorre dos Tratados UE e FUE. Assim, a única possibilidade de invocar os objetivos da União é a aplicação da teoria do enquadramento. Segundo esta teoria, o exercício da competência reservada aos Estados‑Membros é enquadrada em nome da realização dos objetivos da União (71). Porém, contrariamente aos processos em que o Tribunal de Justiça aplicou o enquadramento das competências (72), no presente caso, o comportamento criticado, a saber, a inexecução da decisão arbitral, não apresenta nenhuma relação com as disposições da União.

139. Assim, considero que, nestas circunstâncias, o Tribunal de Justiça não é competente para conhecer desta acusação, relativa à violação do artigo 4.o, n.o 3, TUE.

140. Por conseguinte, considero que as acusações relativas ao direito primário devem ser julgadas improcedentes, visto que o Tribunal de Justiça não é competente para examinar um litígio que apresenta uma natureza principalmente internacional, sendo a violação do direito da União apenas acessória. Importa examinar as acusações relativas às violações das disposições de direito derivado.

3.      Quanto às acusações que se baseiam no direito derivado

141. Conforme resulta da análise geral das acusações relativas às alegadas violações ao direito derivado apresentadas pela República da Eslovénia, esta última baseia‑se, em apoio dessas acusações, numa premissa segundo a qual a fronteira entre a República da Croácia e a República da Eslovénia é determinada pela decisão arbitral controvertida proferida ao abrigo da Convenção de Arbitragem. Ora, como já por diversas vezes sublinhei nas presentes conclusões, a referida convenção e a decisão arbitral controvertida não fazem parte do direito da União. De igual modo, como referido na parte relativa às observações preliminares, nomeadamente nos n.os 109 a 112 das presentes conclusões, resulta do artigo 52.o TUE e do artigo 355.o TFUE que o âmbito de aplicação territorial dos Tratados corresponde a um dado objetivo predeterminado pelos Estados‑Membros e que se impõe à União. Neste contexto, importa examinar se a decisão arbitral controvertida pode ser diretamente aplicável no âmbito de uma ação por incumprimento.

a)      Inexistência da natureza autoexecutória e inexecução da decisão arbitral controvertida

142. Por um lado, sou da opinião de que, em princípio, é possível aceitar a tese da República da Eslovénia segundo a qual uma decisão que emana de órgãos jurisdicionais internacionais reconhecidos, como o Tribunal Internacional de Justiça (a seguir «TIJ») ou o TPA, constitui um facto jurídico para o nosso Tribunal de Justiça (res judicata) (73). No presente caso, em aplicação da Convenção de Arbitragem (74), o processo no Tribunal Arbitral em causa decorreu sob a égide de uma instituição arbitral permanente, o TPA (75), que foi designado como instituição que desempenharia as funções de Secretaria (76) pelos dois Estados em causa (77).

143. Por outro lado, considero que, do ponto de vista do direito da União (artigo 52.o TUE e artigo 355.o TFUE) e, designadamente, no que respeita à competência de execução deste direito que incumbe aos Estados‑Membros, é indispensável que a fronteira entre estes não seja apenas delimitada em sentido jurídico e político, mas que essa delimitação também seja executada e operacional. Os Tratados não preveem a competência da União para determinar onde começam e onde acabam os territórios que pertencem, respetivamente, a dois Estados vizinhos. A determinação da extensão e dos limites do território é abrangida pela soberania de cada Estado‑Membro, em conformidade com as regras do direito internacional público, conforme resulta, mutatis mutandis, do Acórdão Aktiebolaget NN (78).

144. Para este efeito, importa, sublinhar que, por um lado, em conformidade com o princípio das competências de atribuição consagrado no artigo 5.o, n.o 2, TUE, a União atua unicamente dentro dos limites das competências que os Estados‑Membros lhe atribuíram nos Tratados para alcançar os objetivos que estes Tratados estabelecem (79) e que, por outro, nos termos do artigo 4.o, n.o 1, TUE, as competências que não sejam atribuídas à União pertencem aos Estados‑Membros. No presente caso, sou da opinião de que se trata de uma competência reservada aos Estados‑Membros. Assim, para que o direito da União se possa aplicar, as fronteiras estatais não devem apenas ser determinadas do ponto de vista do direito internacional público, devendo também ser delimitadas do ponto de vista factual.

145. Embora a fronteira controvertida entre a República da Croácia e a República da Eslovénia tenha sido determinada pela decisão arbitral controvertida, conforme resulta dos autos submetidos ao Tribunal de Justiça, há que salientar que, no presente processo, a aplicabilidade e a validade da decisão arbitral controvertida são fortemente contestadas pela República da Croácia. Com efeito, é impossível ignorar o facto de que, por nota verbal de 30 de julho de 2015, a República da Croácia notificou à República da Eslovénia a cessação da Convenção de Arbitragem e da eventual aplicabilidade do procedimento previsto no artigo 65.o da Convenção de Viena (80). Esta notificação também foi comunicada ao Tribunal Arbitral, em 31 de julho de 2015. Por conseguinte, a partir desta notificação, a República da Croácia retirou‑se do processo de arbitragem e nele não voltou a participar. Nos seus articulados e na audiência, alegou que o Tribunal Arbitral, ao adotar a referida decisão, excedeu as suas competências (81).

146. De um modo mais geral, cabe observar que, na história do direito internacional e ainda agora (82), não é desconhecida a situação em que uma das partes no processo arbitral não reconhece a validade de uma decisão proferida por um tribunal arbitral ou se recusa a executá‑la (83). Com efeito, embora não haja um mecanismo obrigatório de controlo das decisões arbitrais interestatais, um Estado que conteste essa decisão pode submeter ao TIJ o diferendo relativo à validade da referida decisão (84).

147. Neste contexto, não é de admirar que a República da Croácia, para explicar as razões por que não reconhece a decisão arbitral controvertida, alegue que o Tribunal Arbitral excedeu os seus poderes ao adotar a referida decisão (85). Na prática, quando um Estado contesta uma decisão arbitral interestatal, a referida decisão apenas constitui, na realidade, uma tentativa de resolução do litígio em causa, uma vez que, no direito internacional público e à luz daquilo que se poderia considerar como a sua essência imperfeita, não existe um mecanismo coercivo que garanta a execução das decisões arbitrais interestatais que seja independente da vontade soberana dos Estados (86).

148. Ainda que se admita que, do ponto de vista do direito internacional, a decisão parcial contenha uma apreciação jurídica relativa aos factos mencionados no n.o 145 das presentes conclusões (87), o certo é que, até hoje, esta decisão não foi executada no âmbito das relações entre a República da Croácia e a República da Eslovénia. Noto, a este respeito, que o artigo 7.o, n.o 3, da Convenção de Arbitragem estipula que «as partes tomarão todas as medidas necessárias para executar a decisão, incluindo, se for caso disso, a alteração da legislação nacional no prazo de seis meses após a adoção da decisão». Neste sentido, partilho do argumento da República da Croácia, apresentado na audiência, segundo o qual a decisão arbitral controvertida não tem natureza «autoexecutória» (88), o que, me parece, equivale a dizer que não é de aplicação direta (89).

149. Consequentemente, sou da opinião de que a decisão arbitral controvertida não foi executada no âmbito das relações entre a República da Croácia e a República da Eslovénia, pelo que, do ponto de vista do direito da União, a fronteira entre estes dois Estados‑Membros não ficou estabelecida na aceção do artigo 52.o TUE e do artigo 355.o TFUE nem na aceção da jurisprudência Aktiebolaget NN (90), nos termos da qual cabe a cada um dos Estados‑Membros determinar a extensão e os limites do seu território, em conformidade com as regras do direito internacional público. Uma vez que a determinação das fronteiras entre Estados‑Membros não é uma competência atribuída à União, na aceção do artigo 5.o, n.o 2, TUE, e não é abrangida pelo âmbito de aplicação material do direito da União, as questões em causa não podem constituir o objeto de uma ação por incumprimento ao abrigo do artigo 259.o TFUE.

150. Atendendo às considerações que precedem, há que examinar separadamente as acusações específicas relativas ao direito derivado e apresentadas pela demandante em apoio da sua ação. Cabe analisar a competência do Tribunal de Justiça para conhecer das acusações apresentadas em apoio da ação, baseadas, por um lado [alínea b)], no artigo 5.o, n.o 2, e no anexo I do Regulamento n.o 1380/2013 (terceira acusação) e, por outro [alínea c)], no sistema de controlo, na inspeção e no cumprimento do regime de controlo previsto no Regulamento n.o 1224/2009 e no Regulamento de Execução n.o 404/2011 (quarta acusação), nos artigos 4.o e 17.o, lidos em conjugação com o artigo 13.o do Código de Fronteiras Schengen (quinta acusação), bem como no artigo 2.o, n.o 4, e no artigo 11.o, n.o 1, da Diretiva 2014/89 (sexta acusação).

b)      Quanto à terceira acusação, relativa à violação do Regulamento n.o 1380/2013

151. Com a sua terceira acusação, a República da Eslovénia alega que, ao não respeitar o seu território, a República da Croácia violou o direito da União no domínio da política comum das pescas, mais particularmente o artigo 5.o, n.o 2, e o anexo I do Regulamento n.o 1380/2013 (91).

152. Desde logo, observo que, contrariamente a outros atos de direito derivado invocados pela República da Eslovénia, o Regulamento n.o 1380/2013 contém uma referência explícita à futura decisão arbitral. Com efeito, nos termos das notas de pé de página relativas aos pontos 8 e 10, intitulados «Faixa costeira da Croácia» (ponto 8) e «Faixa costeira da Eslovénia» (ponto 10), do anexo I do Regulamento n.o 1380/2013, o «regime acima referido é aplicável a partir da plena execução da decisão arbitral». A este respeito, sendo o Regulamento n.o 1380/2013 um ato legislativo da União na aceção do artigo 297.o TFUE, é evidente que o Tribunal de Justiça é competente para decidir se os requisitos de aplicação deste regulamento se encontram preenchidos, a saber, se se aplica o regime específico a título das relações de vizinhança previsto no artigo 5.o, n.o 2, do referido regulamento, tendo em conta as precisões que figuram no anexo I.

153. Todavia, na medida em que a República da Eslovénia pretende obter a declaração de que, através desta terceira acusação, relativa à violação do artigo 5.o, n.o 2, e do anexo I do Regulamento n.o 1380/2013 (92), a República da Croácia violou o regime previsto neste artigo, considero que o Tribunal de Justiça não é competente para examinar esta acusação.

154. A este respeito, há que notar que o artigo 5.o do Regulamento n.o 1380/2013 prevê, no seu n.o 1, direitos de acesso iguais às águas e aos recursos em todas as águas da União, exceto as referidas, nomeadamente, no n.o 2 deste artigo. O referido n.o 2 autoriza os Estados‑Membros, nas águas situadas na zona das 12 milhas marítimas medidas a partir das linhas de base sob a sua soberania ou jurisdição e até 31 de dezembro de 2022, a restringir a pesca aos navios que exercem tradicionalmente a pesca nessas águas a partir de portos na costa adjacente, sem prejuízo dos regimes aplicáveis aos navios de pesca da União que arvorem pavilhão de outros Estados‑Membros a título das relações de vizinhança entre Estados‑Membros e do regime previsto no anexo I, que fixa, em relação a cada Estado‑Membro, as zonas geográficas das faixas costeiras de outros Estados‑Membros em que são exercidas atividades de pesca e as espécies em causa. O anexo I do referido regulamento define as condições de acesso às faixas costeiras na aceção do artigo 5.o, n.o 2, deste mesmo regulamento. Em conformidade com as notas de pé de página relativas aos pontos 8 e 10 do anexo I do Regulamento n.o 1380/2013, intitulados «Faixa costeira da Croácia» (ponto 8) e «Faixa costeira da Eslovénia» (ponto 10), indica‑se que o «regime acima referido é aplicável a partir da plena execução da decisão arbitral». Não havendo mais esclarecimentos sobre esta redação, há que interpretá‑la para compreender o alcance desta referência à futura decisão arbitral.

155. Quanto à expressão «regime acima referido», o Tribunal de Justiça já especificou que este visava determinados regimes específicos que conferem aos navios de pesca da União que arvorem pavilhão de outros Estados‑Membros o direito de pescar nas zonas das 12 milhas a título das relações de vizinhança existentes entre Estados‑Membros (93). Por conseguinte, a referida expressão deve ser entendida no sentido de que visa o regime específico de acesso recíproco «[aplicável] aos navios de pesca da União que arvorem pavilhão de outros Estados‑Membros a título das relações de vizinhança entre Estados‑Membros» (a seguir «regime específico a título das relações de vizinhança»).

156. Quanto à expressão «a partir da plena execução da decisão arbitral» que figura nos pontos 8 e 10 do anexo I do Regulamento n.o 1380/2013, que refletem o conteúdo do Ato de Adesão (94), decorre que a decisão final é um ato que condiciona a aplicação no tempo do regime específico a título das relações de vizinhança, cujas modalidades estão previstas no anexo I do regulamento. Assim, este regime não poderá entrar em vigor antes da «plena execução», pela República da Croácia e pela República da Eslovénia, da futura decisão arbitral. Por outras palavras, o objetivo dos referidos pontos 8 e 10 é suspender a aplicabilidade do referido regime enquanto se aguarda pela resolução do litígio relativo às fronteiras controvertidas entre estes dois Estados. No presente caso, como foi confirmado pela República da Croácia na audiência, a decisão arbitral controvertida não foi executada, porque este Estado‑Membro considera que denunciou validamente a Convenção de Arbitragem (95) e recusa reconhecer a decisão arbitral controvertida proferida ao abrigo desta convenção. Por conseguinte, sou da opinião de que o referido regime específico a título das relações de vizinhança, no que respeita às faixas costeiras croata e eslovena, não se aplica ratione temporis. Dado que a demandante acusa a República da Croácia de ter violado o regime específico a título das relações de vizinhança, previsto no artigo 5.o, n.o 2, do Regulamento n.o 1380/2013, que não era aplicável durante os alegados incumprimentos que lhe são criticados nem durante o presente processo, uma vez que a decisão arbitral controvertida não foi executada, entendo que o Tribunal de Justiça não é competente para examinar a terceira acusação.

c)      Quanto às acusações quarta a sexta apresentadas em apoio da ação

157. No que se refere às acusações quarta a sexta apresentadas pela República da Eslovénia, este Estado‑Membro invoca disposições relativas ao regime de controlo instituído pelo Regulamento n.o 1224/2009 e pelo Regulamento de Execução n.o 404/2011 (quarta acusação), os artigos 4.o e 17.o, lidos em conjugação com o artigo 13.o do Código de Fronteiras Schengen (quinta acusação), bem como o artigo 2.o, n.o 4, e o artigo 11.o, n.o 1, da Diretiva 2014/89 (sexta acusação).

158. A este respeito, primeiro, quanto à quarta acusação, relativa à violação das disposições que figuram no Regulamento n.o 1224/2009 e no Regulamento de Execução n.o 404/2011, o comportamento alegado consubstancia‑se em «barcos da polícia croata [que] escoltam pescadores croatas que pescam nas águas eslovenas, impedindo assim os inspetores de pesca eslovenos de realizarem controlos». A demandante acrescenta que «as autoridades croatas aplicam coimas por passagem ilegal da fronteira e pesca ilegal aos pescadores eslovenos que pescam nas águas eslovenas de que a [República da Croácia] se apropriou» e esta «não transmite à [República da Eslovénia] nenhum dado sobre as atividades dos barcos croatas nas águas eslovenas, conforme imposto pelo regulamento». A demandante conclui que, ao proceder deste modo, a República da Croácia «impede a [República da Eslovénia] de controlar as águas que estão sob a sua soberania e sob a sua jurisdição e não respeita as competências exclusivas da República da Eslovénia sobre as suas águas territoriais enquanto Estado costeiro» (96).

159. Segundo, quanto à quinta acusação, relativa às disposições do Código das Fronteiras Schengen, observo que a República da Eslovénia considera que a República da Croácia «não reconhece a fronteira determinada pela decisão arbitral como fronteira comum com a [República da Eslovénia], não coopera com [este Estado] para vigiar esta “fronteira externa” e não está em condições de assegurar uma vigilância satisfatória», o que contraria o disposto nos artigos 4.o, 13.o e 17.o do referido código.

160. Terceiro, quanto à sexta acusação, relativa a uma alegada violação das disposições da Diretiva 2014/89, há que observar que a República da Eslovénia se baseia diretamente na inexecução da decisão arbitral controvertida que delimitou as águas territoriais, na aceção do artigo 2.o, n.o 4, desta diretiva. Segundo a demandante, a República da Croácia inclui as águas territoriais eslovenas na sua planificação do espaço marítimo e, por conseguinte, impede uma adaptação dos mapas da República da Eslovénia.

161. A este respeito, há que constatar que a argumentação da República da Eslovénia relativa às alegadas violações do direito derivado se baseia na premissa segundo a qual a fronteira controvertida está, de facto, determinada. Esta constatação é corroborada pelos factos invocados em apoio das alegações da República da Eslovénia, de que decorre que estes factos não teriam ocorrido se existisse uma fronteira operacional entre a República da Croácia e a República da Eslovénia. Todavia, como resulta dos n.os 145 a 150 das presentes conclusões, considero que tal não se verifica, pois a decisão arbitral controvertida nunca foi executada. Daqui decorre que a República da Eslovénia procura, de forma implícita, fazer executar a decisão arbitral controvertida. Ora, semelhante pedido de execução não se insere no domínio das competências da União. Se o Tribunal de Justiça tivesse de se pronunciar sobre as acusações quarta a sexta assim formuladas, ver‑se‑ia obrigado a decidir ele próprio a problemática da fronteira controvertida, quando, conforme resulta dos n.os 143 e 144 das presentes conclusões, esta competência cabe aos Estados‑Membros (v. n.o 110 das presentes conclusões). Por conseguinte, as alegadas violações ao direito derivado revestem uma natureza acessória, pela sua essência, face à problemática relativa à determinação, factual, da fronteira entre a República da Croácia e a República da Eslovénia. Assim, proponho ao Tribunal de Justiça que declare que não é competente para conhecer das acusações quarta a sexta apresentadas pela República da Eslovénia em apoio da sua ação.

162. Atendendo ao que precede, proponho ao Tribunal de Justiça que se declare incompetente para conhecer das acusações que assentam no direito primário e no direito derivado e, por conseguinte, para se pronunciar sobre a presente ação na sua totalidade.

163. Não é consequentemente necessário que nos debrucemos mais sobre a questão das acusações da República da Croácia relativas à inadmissibilidade da petição inicial.

D.      Síntese da análise

164. Embora as acusações relativas a alegados incumprimentos apresentadas pela República da Eslovénia possam parecer, à primeira vista, acusações relativas ao direito da União na aceção do artigo 259.o TFUE, cheguei à conclusão, no termo de uma análise aprofundada, de que qualquer eventual declaração da existência dos incumprimentos criticados à República da Croácia assentaria numa premissa que consistiria em determinar a fronteira entre a República da Croácia e a República da Eslovénia. Ora, tal determinação constitui, pela sua própria essência, uma questão de direito internacional público, o que é confirmado pela análise da Convenção de Arbitragem e da decisão arbitral controvertida, não podendo estas últimas ser consideradas atos que integram o direito da União. As questões relativas à validade, à interpretação e à execução destes dois instrumentos jurídicos internacionais não podem ser objeto de uma ação por incumprimento intentada ao abrigo do artigo 259.o TFUE. Além disso, constato que a decisão arbitral controvertida não foi executada no âmbito das relações entre estes dois Estados‑Membros, sendo que esta, de resto, é destituída de natureza autoexecutória. Daqui resulta que, na perspetiva do direito da União, a fronteira controvertida não foi estabelecida entre a República da Croácia e a República da Eslovénia na aceção do artigo 52.o TUE e do artigo 355.o TFUE. Uma vez que as alegações de incumprimento apresentadas pela República da Eslovénia se prendem com a fronteira controvertida entre estes dois Estados‑Membros, há que considerar que essas alegações revestem apenas uma natureza acessória face à resolução do diferendo de natureza internacional, que não é abrangido pelo direito da União e para o qual o Tribunal de Justiça não é competente.

165. Em conclusão, observo que é lamentável que não se tenha conseguido resolver definitivamente um diferendo fronteiriço, mesmo depois da prolação da decisão arbitral controvertida. No entanto, estou convicto de que a resolução deste diferendo é política.

VII. Quanto às despesas

166. Nos termos do artigo 138.o, n.o 1, do Regulamento de Processo do Tribunal de Justiça, a parte vencida é condenada nas despesas se a parte vencedora o tiver requerido.

167. Resulta dos fundamentos acima enunciados que a República da Eslovénia é a parte vencida no presente processo e deve suportar as suas próprias despesas, bem como as despesas da República da Croácia.

VIII. Conclusões

168. Atentas as considerações que precedem, proponho ao Tribunal de Justiça que:

–        desentranhe dos autos o parecer do Serviço Jurídico da Comissão Europeia, que figura no anexo C.2 da resposta da República da Eslovénia à exceção de inadmissibilidade;

–        declare que o Tribunal de Justiça da União Europeia não é competente para conhecer da presente ação;

–        condene a República da Eslovénia nas suas próprias despesas, bem como nas despesas efetuadas pela República da Croácia.


1      Língua original: francês.


2      O artigo 259.o TFUE corresponde ao ex‑artigo 170.o do Tratado CEE e ao artigo 227.o do Tratado CE. No que respeita às ações intentadas ao abrigo destas disposições, v., designadamente, Acórdãos de 4 de outubro de 1979, França/Reino Unido (141/78, EU:C:1979:225); de 16 de maio de 2000, Bélgica/Espanha (C‑388/95, EU:C:2000:244); de 12 de setembro de 2006, Espanha/Reino Unido (C‑145/04, EU:C:2006:543); de 16 de outubro de 2012, Hungria/Eslováquia (C‑364/10, EU:C:2012:630); e de 18 de junho de 2019, Áustria/Alemanha (C‑591/17, EU:C:2019:504).


3      Assinada em São Francisco, em 26 de junho de 1945.


4      JO 2012, L 112, p. 10.


5      Recueil des traités des Nations unies, vol. 1155, p. 331.


6      JO 2012, L 112, p. 21.


7      Regulamento (CE) n.o 2371/2002 do Conselho, de 20 de dezembro de 2002, relativo à conservação e à exploração sustentável dos recursos haliêuticos no âmbito da política comum das pescas (JO 2002, L 358, p. 59).


8      Regulamento que altera os Regulamentos (CE) n.o 1954/2003 e (CE) n.o 1224/2009 do Conselho e revoga os Regulamentos (CE) n.o 2371/2002 e (CE) n.o 639/2004 do Conselho e a Decisão 2004/585/CE do Conselho (JO 2013, L 354, p. 22).


9      Regulamento que altera os Regulamentos (CE) n.o 847/96, (CE) n.o 2371/2002, (CE) n.o 811/2004, (CE) n.o 768/2005, (CE) n.o 2115/2005, (CE) n.o 2166/2005, (CE) n.o 388/2006, (CE) n.o 509/2007, (CE) n.o 676/2007, (CE) n.o 1098/2007, (CE) n.o 1300/2008, (CE) n.o 1342/2008, e revoga os Regulamentos (CEE) n.o 2847/93, (CE) n.o 1627/94 e (CE) n.o 1966/2006 (JO 2009, L 343, p. 1).


10      JO 2011, L 112, p. 1.


11      JO 2016, L 77, p. 1.


12      JO 2014, L 257, p. 135.


13      N.o 17 da decisão parcial proferida em 30 de junho de 2016 pelo Tribunal Arbitral (a seguir «decisão parcial»).


14      N.o 18 da decisão parcial.


15      O TPA é composto por 122 Partes Contratantes que aderiram a uma ou outra das convenções fundadoras do TPA, ou às duas. No que respeita ao presente processo, a República da Eslovénia aderiu às duas convenções, respetivamente, em 1 de outubro de 1996 e em 29 de março de 2004. A República da Croácia aderiu à Convenção de 1899, em 7 de outubro de 1998. V. https://pca‑cpa.org/fr/about/introduction/contracting‑parties/.


16      V. n.o 148 da decisão arbitral definitiva proferida em 29 de junho de 2017 pelo Tribunal Arbitral (a seguir «sentença arbitral definitiva»).


17      N.o 19 da decisão parcial.


18      Disponível em https://pca‑cpa.org/fr/documents/pca‑conventions‑and‑rules/.


19      Anexo B.6 da exceção de inadmissibilidade.


20      V. anexo B.6 da exceção de inadmissibilidade e n.o 84 da decisão parcial.


21      O Tribunal de Justiça ainda não se pronunciou sobre esta exceção.


22      A República da Eslovénia invoca, nomeadamente, a Diretiva 2008/56/CE do Parlamento Europeu e do Conselho, de 17 de junho de 2008, que estabelece um quadro de ação comunitária no domínio da política para o meio marinho (Diretiva‑Quadro Estratégia Marinha) (JO 2008, L 164, p. 19), a Diretiva 92/43/CEE do Conselho, de 21 de maio de 1992, relativa à preservação dos habitats naturais e da fauna e da flora selvagens (JO 1992, L 206, p. 7), o Regulamento (UE) n.o 1143/2014 do Parlamento Europeu e do Conselho, de 22 de outubro de 2014, relativo à prevenção e gestão da introdução e propagação de espécies exóticas invasoras (JO 2014, L 317, p. 35), e a Diretiva 2000/60/CE do Parlamento Europeu e do Conselho, de 23 de outubro de 2000, que estabelece um quadro de ação comunitária no domínio da política da água (JO 2000, L 327, p. 1).


23      Adotada em 13 de outubro de 2017.


24      Acórdão de 30 de setembro de 2010 (C‑132/09, EU:C:2010:562).


25      A República da Croácia sublinha, nomeadamente, que, neste contexto, o Tribunal de Justiça se deve pronunciar sobre os efeitos do princípio nemo judex in causa sua na competência do Tribunal Arbitral para se pronunciar, em formação parcialmente idêntica, sobre a sua própria competência. No caso de o Tribunal de Justiça vir a considerar que a Convenção de Arbitragem continua a ser válida, deverá então pronunciar‑se sobre os efeitos jurídicos da decisão arbitral que, nos termos da Convenção de Arbitragem, deve ser executada pelas partes, embora ainda não o tivesse sido.


26      Acórdão de 12 de setembro de 2006 (C‑145/04, EU:C:2006:543).


27      C‑445/00, EU:C:2002:607.


28      C‑445/00, EU:C:2002:607.


29      Daqui resulta que este documento pode ser qualificado de «[parecer jurídico]» na aceção do artigo 4.o, n.o 2, do Regulamento (CE) n.o 1049/2001 do Parlamento Europeu e do Conselho, de 30 de maio de 2001, relativo ao acesso do público aos documentos do Parlamento Europeu, do Conselho e da Comissão (JO 2001, L 145, p. 43).


30      Acórdão de 1 de julho de 2008, Suécia e Turco/Conselho (C‑39/05 P e C‑52/05 P, EU:C:2008:374, n.o 42), e Despacho de 14 de maio de 2019, Hungria/Parlamento (C‑650/18, não publicado, EU:C:2019:438, n.o 16).


31      Acórdão de 1 de julho de 2008, Suécia e Turco/Conselho (C‑39/05 P e C‑52/05 P, EU:C:2008:374, n.o 42), e Despacho de 14 de maio de 2019, Hungria/Parlamento (C‑650/18, não publicado, EU:C:2019:438, n.o 16).


32      V., neste sentido, Despacho de 29 de janeiro de 2009, Donnici/Parlamento (C‑9/08, não publicado, EU:C:2009:40, n.o 18).


33      Artigo de imprensa constante das páginas 32 a 37 do anexo C.2 da resposta da República da Eslovénia à exceção de inadmissibilidade.


34      Acórdão de 19 de julho de 2016, H/Conselho e Comissão (C‑455/14 P, EU:C:2016:569, n.o 40). Por outro lado, o Tribunal de Justiça já precisou que uma convenção internacional não pode pôr em causa a competência exclusiva do Tribunal de Justiça no que diz respeito à resolução dos diferendos entre Estados‑Membros relativos à interpretação e à aplicação do direito da União (Acórdão de 30 de maio de 2006, Comissão/Irlanda, C‑459/03, EU:C:2006:345, n.o 132).


35      Acórdão de 16 de outubro de 2012, Hungria/Eslováquia (C‑364/10, EU:C:2012:630, n.o 67 e jurisprudência referida).


36      V., neste sentido e por analogia, Acórdão de 21 de junho de 1988, Comissão/Reino Unido (416/85, EU:C:1988:321, n.o 9 e jurisprudência referida).


37      V. Conclusões do advogado‑geral E. Tanchev no processo Comissão/Polónia (Independência do Supremo Tribunal) (C‑619/18, EU:C:2019:325, n.o 48 e nota 19).


38      Acórdão de 6 de abril de 2017, Comissão/Alemanha (C‑58/16, não publicado, EU:C:2017:279, n.o 36).


39      No que respeita à competência material, v. Acórdão de 28 de março de 2017, Rosneft (C‑72/15, EU:C:2017:236, n.o 76).


40      V., designadamente, Acórdão de 27 de fevereiro de 2018, Western Sahara Campaign UK (C‑266/16, EU:C:2018:118, n.o 47 e jurisprudência referida).


41      V., designadamente, Acórdão de 27 de fevereiro de 2018, Western Sahara Campaign UK (C‑266/16, EU:C:2018:118, n.os 45 e 46 e jurisprudência referida). O Tribunal de Justiça é competente para interpretar as disposições de tais acordos [v., recentemente, Acórdão de 11 de julho de 2018, Bosphorus Queen Shipping (C‑15/17, EU:C:2018:557, n.o 44)].


42      V., neste sentido, Acórdãos de 22 de outubro de 2009, Bogiatzi (C‑301/08, EU:C:2009:649, n.o 33), e de 21 de dezembro de 2011, Air Transport Association of America e o. (C‑366/10, EU:C:2011:864, n.o 63).


43      No que respeita ao direito internacional marítimo consuetudinário, v., nomeadamente, Acórdão de 24 de novembro de 1992, Poulsen e Diva Navigation (C‑286/90, EU:C:1992:453, n.os 9 e 10). No que respeita ao princípio consuetudinário da autodeterminação, v., nomeadamente, Acórdão de 21 de dezembro de 2016, Conselho/Frente Polisário (C‑104/16 P, EU:C:2016:973, n.o 88). No que respeita ao princípio consuetudinário da boa‑fé, v., nomeadamente, Acórdão de 11 de julho de 2018, Bosphorus Queen Shipping (C‑15/17, EU:C:2018:557, n.o 45).


44      Acórdão de 30 de setembro de 2010 (C‑132/09, EU:C:2010:562).


45      V. Ziller, J., «Champ d’application de l’Union — Application territoriale», JurisClasseur Europe Traité, fasc. 470, 2013, ponto 4.


46      Acórdão de 4 de maio de 2017, El Dakkak e Intercontinental (C‑17/16, EU:C:2017:341, n.o 22).


47      Acórdão de 15 de dezembro de 2015, Parlamento e Comissão/Conselho (C‑132/14 a C‑136/14, EU:C:2015:813, n.o 64).


48      Acórdão de 29 de março de 2007 (C‑111/05, EU:C:2007:195).


49      Acórdão de 29 de março de 2007, Aktiebolaget, NN (C‑111/05, EU:C:2007:195, n.o 54); o sublinhado é meu.


50      Não se exclui que o Tribunal de Justiça seja competente para este tipo de diferendos no âmbito de uma ação intentada ao abrigo do artigo 273.o TFUE, nos termos do qual o Tribunal de Justiça «é competente para decidir sobre qualquer diferendo entre os Estados‑Membros, relacionado com o objeto dos Tratados, se esse diferendo lhe for submetido por compromisso».


51      V. n.o 107 das presentes conclusões, no que respeita, designadamente, ao raciocínio desenvolvido no Acórdão de 30 de setembro de 2010, Comissão/Bélgica (C‑132/09, EU:C:2010:562).


52      N.os 62 a 71 da petição.


53      V. anexo A.3 da petição, bem como, mais genericamente, Geddes, A., Taylor, A., «Those Who Knock on Europe’s Door Must Repent? Bilateral Border Disputes and EU Enlargement», Political Studies, vol. 64, n.o 4, pp. 930 a 947. No que respeita à definição da expressão «bons ofícios», trata‑se da «ação de um terceiro, mais frequentemente de um Estado ou de uma organização internacional, que intervém num diferendo que opõe duas ou mais partes, das quais pelo menos uma é estatal, para propor às partes que aceitaram a sua mediação meios de resolução com vista à resolução pacífica do diferendo» (definição disponível em http://www.operationspaix.net/15‑lexique‑bons‑offices.html).


54      V., a este respeito, anexo A.3 da petição, que contém a troca de correspondência entre os representantes dos Governos croata e sueco levada ao conhecimento da Conferência sobre a Adesão da República da Croácia à União Europeia.


55      V., a este respeito, anexo A.3 da petição, que contém a troca de correspondência entre os representantes dos Governos croata e sueco, datada de 25 de setembro de 2009.


56      V. n.os 27 a 29 das presentes conclusões.


57      Recorde‑se que, como se expôs no n.o 15 das presentes conclusões, o anexo III dispõe que «[o] regime acima referido é aplicável a partir da plena execução da decisão arbitral decorrente da Convenção de Arbitragem entre o Governo da República da Eslovénia e o Governo da República da Croácia, assinada em Estocolmo a 4 de novembro de 2009».


58      Esta leitura é, de resto, confirmada pela resposta da Comissão às questões colocadas pelo Tribunal de Justiça em 28 de junho de 2019, resposta em que afirma que a «redação das notas de pé de página [dos pontos 8 e 10 do anexo I do Regulamento n.o 1380/2013], que reflete o conteúdo do Ato de Adesão, prevê que os regimes de acesso às respetivas faixas costeiras só se aplicam a partir do momento em que a decisão arbitral que decorre da Convenção de Arbitragem […] tiver sido plenamente executada». A Comissão acrescenta que a redação dessa disposição pode ser entendida no sentido de «que os autores da disposição não tiveram a intenção de aplicar os regimes de acesso com efeitos imediatos ou com efeitos automáticos a partir de uma determinada data».


59      V. Acórdão de 27 de fevereiro de 2018, Associação Sindical dos Juízes Portugueses (C‑64/16, EU:C:2018:117, n.o 32), no qual o Tribunal de Justiça declarou que «[o] artigo 19.o TUE, que concretiza o valor do Estado de direito afirmado no artigo 2.o TUE, confia a tarefa de assegurar a fiscalização jurisdicional na ordem jurídica da União não apenas ao Tribunal de Justiça mas igualmente aos órgãos jurisdicionais nacionais». Esta mesma passagem foi reiterada nos Acórdãos de 25 de julho de 2018, Minister for Justice and Equality (Falhas do sistema judiciário) (C‑216/18 PPU, EU:C:2018:586, n.o 50 e jurisprudência referida), e de 24 de junho de 2019, Comissão/Polónia (Independência do Supremo Tribunal) (C‑619/18, EU:C:2019:531, n.o 47).


60      Expressão utilizada pelo advogado‑geral E. Tanchev nas suas conclusões que apresentou no processo Comissão/Polónia (Independência dos tribunais comuns) (C‑192/18, EU:C:2019:529, n.o 71).


61      V., a este respeito, as Conclusões do advogado‑geral E. Tanchev no processo Comissão/Polónia (Independência do Supremo Tribunal) (C‑619/18, EU:C:2019:325, n.os 50 e 51); e Hillion, C., «Overseeing the Rule of Law in the EU: Legal Mandate and Means», in Closa e Kochenov, pp. 66 a 74.


62      V., designadamente, Mader O., «Enforcement of EU Values as a Political Endeavour: Constitutional Pluralism and Value Homogeneity in Times of Persistent Challenges to the Rule of Law», Hague Journal on the Rule of Law, vol. 11, n.o 1, abril de 2019, ponto 3.4.2.


63      V., designadamente, Ruffert (Calliess/Ruffert, EUV/AEUV Kommentar, 4.a edição, 2011, artigo 7.o TUE, n.o 29, pp. 160 e 161), que sublinha que a ação por incumprimento foi concebida para punir «violações concretas e individuais» das regras da União, ao passo que o mecanismo previsto no artigo 7.o TUE diz respeito a violações dos valores da União que, dada a sua «natureza geral», não podem ser punidas através de uma ação por incumprimento. Segundo Heintschel von Heinegg (Vedder/Heintschel von Heinegg, Europäisches Unionsrecht, 2.a edição, 2018, artigo 7.o TUE, n.o 29, pp. 112 e 113), as violações do artigo 2.o TUE só podem ser invocadas no quadro do mecanismo previsto no artigo 7.o TUE, visto que se caracterizam por uma «qualidade especial», suscetível de violar os princípios fundamentais da União. O mesmo autor acrescenta que só os Estados‑Membros, reunidos no âmbito do Conselho da União Europeia, podem pôr termo a esse tipo de violações recorrendo à sua influência política. Segundo este autor, o Tribunal de Justiça, em contrapartida, não é capaz de lhes pôr termo no âmbito de uma ação por incumprimento, visto que lhe é proibido pronunciar‑se sobre questões políticas. Além disso, o Tribunal de Justiça só dispõe do mecanismo de sanções previsto no artigo 260.o TFUE, que este autor considera inadequado para punir tais violações. Daqui infere que a ação por incumprimento não é aplicável às violações ao abrigo do artigo 2.o TUE.


64      V. n.os 103 e 104 das presentes conclusões.


65      A República da Eslovénia refere‑se aos seguintes objetivos: a promoção e consolidação da paz, a união cada vez mais estreita entre os povos e a realização dos objetivos das disposições da União relativas ao território dos Estados‑Membros.


66      Página 3 da petição, síntese da segunda acusação.


67      Ibidem.


68      A aplicação autónoma do artigo 4.o, n.o 3, TUE era possível, nomeadamente, porque a questão controvertida era abrangida pelo domínio das relações externas da União e porque a União era parte no acordo. Assim, o Tribunal de Justiça declarou que, tratando‑se de um acordo ou de uma convenção que é parcialmente da competência da União e parcialmente da competência dos Estados‑Membros, importa assegurar uma cooperação estreita entre estes últimos e as instituições da União, tanto no processo de negociação e conclusão como na execução dos compromissos assumidos. Daqui, o Tribunal de Justiça deduziu que esta obrigação de cooperação decorre da exigência de uma unidade de representação internacional da União (Acórdão de 20 de abril de 2010, Comissão/Suécia, C‑246/07, EU:C:2010:203, n.o 73). V., igualmente, Acórdão de 30 de maio de 2006, Comissão/Irlanda (C‑459/03, EU:C:2006:345).


69      Cabe aos Estados‑Membros, nomeadamente por força do princípio da cooperação leal enunciado no artigo 4.o, n.o 3, primeiro parágrafo, TUE, assegurar, nos seus territórios respetivos, a aplicação e o respeito do direito da União, e, por força do artigo 4.o, n.o 3, segundo parágrafo, TUE, os Estados‑Membros tomam todas as medidas gerais ou específicas adequadas a garantir a execução das obrigações decorrentes dos Tratados ou resultantes dos atos das instituições da União (v., neste sentido, Acórdão de 14 de setembro de 2017, The Trustees of the BT Pension Scheme, C‑628/15, EU:C:2017:687, n.o 47). Segundo o Tribunal de Justiça, este princípio não autoriza um Estado‑Membro a contornar as obrigações que lhe são impostas pelo direito da União (Acórdão de 18 de outubro de 2016, Nikiforidis, C‑135/15, EU:C:2016:774, n.o 54).


70      V. n.os 122 a 127 das presentes conclusões.


71      No que respeita ao enquadramento das competências, v., Azoulai L., «The “Retained Powers” Formula in the Case Law of the European Court of Justice: EU Law as Total Law?», European Journal of Legal Studies, vol. 2, n.o 4, 2011, pp. 192 a 21; e Lindeboom, J., «Why EU Law Claims Supremacy», Oxford Journal of Legal Studies, vol. 38, verão de 2018, pp. 328 a 356, https://doi.org/10.1093/ojls/gqy008; e Neframi, E., «Le principe de coopération loyale comme fondement identitaire de l’Union européenne», Revue du Marché commun et de l’Union européenne, n.o 556, 2012, pp. 197 a 203.


72      V., a título de exemplo, Acórdãos de 14 de fevereiro de 1995, Schumacker (C‑279/93, EU:C:1995:31, n.o 21); de 11 de agosto de 1995, Wielockx (C‑80/94, EU:C:1995:271, n.o 16); e de 16 de julho de 1998, ICI (C‑264/96, EU:C:1998:370, n.o 19), em matéria de tributação direta.


73      Recentemente, no seu Acórdão de 21 de dezembro de 2016, Conselho/Frente Polisário (C‑104/16 P, EU:C:2016:973, n.os 88 a 91), o Tribunal de Justiça referiu‑se aos pareceres consultivos do TIJ como «fontes de direito», que, todavia, importa, parece‑me, distinguir de «facto jurídico».


74      Nos termos do artigo 6.o, n.o 2, da Convenção de Arbitragem, cabia ao Tribunal Arbitral conduzir o processo em conformidade com o Regulamento Facultativo do TPA para a Arbitragem de Diferendos entre Dois Estados. Este regulamento encontra‑se disponível em https://pca‑cpa.org/fr/documents/pca‑conventions‑and‑rules/.


75      O TPA tem sede em Haia e foi criado pelas Convenções para a Solução Pacífica dos Conflitos Internacionais, celebradas em Haia, em 1899 e em 1907.


76      V. n.o 148 da sentença arbitral controvertida.


77      V. nota 17 das presentes conclusões.


78      Acórdão de 29 de março de 2007 (C‑111/05, EU:C:2007:195, n.o 54).


79      V., neste sentido, Parecer 2/94 (Adesão da Comunidade à CEDH), de 28 de março de 1996 (EU:C:1996:140, n.o 24); Acórdãos de 1 de outubro de 2009, Comissão/Conselho (C‑370/07, EU:C:2009:590, n.o 46), e de 25 de outubro de 2017, Comissão/Conselho (CMR‑15) (C‑687/15, EU:C:2017:803, n.o 48).


80      N.o 84 da decisão parcial.


81      N.os 87 a 92 da exceção de inadmissibilidade.


82      A título de exemplo, a República Popular da China não reconhece a decisão arbitral proferida pelo TPA no âmbito da arbitragem relativa ao mar do sul da China (República das Filipinas c. República Popular da China, n.o 2013/19, Decisão de 12 de julho de 2016).


83      V., a título de exemplo, Decisão de 15 de junho de 1911, processo do Chamizal, Répertoire de la jurisprudence arbitrale internationale, n.o 1073; Fronteira entre o Canadá e os Estados Unidos da América, Estados Unidos da América/Reino Unido, Decisão de 10 de janeiro de 1831 do rei Guilherme I dos Países Baixos, Répertoire de la jurisprudence arbitrale internationale, n.os 1054 e 1080; e Tratado de Limites de 1858, Costa Rica/Nicarágua, Decisão de 22 de março de 1888 do presidente americano G. Cleveland, Répertoire de la jurisprudence arbitrale internationale n.o 1003.


84      V. Giraudeau, G. «Les différends territoriaux devant le juge international: entre droit et transaction», pp. 122 a 125. V., nomeadamente, os processos da Decisão Arbitral proferida pelo rei de Espanha, em 23 de dezembro de 1906 (Honduras c. Nicarágua, Acórdão de 18 de novembro de 1960, TIJ Recueil 1960, p. 214), e da Decisão Arbitral de 31 de julho de 1989 (Guiné‑Bissau c. Senegal, Acórdão de 12 de novembro de 1991, TIJ Recueil 1992, p. 76). No primeiro processo, a Nicarágua tinha recusado executar a decisão arbitral proferida em 1906, pelo que o Governo das Honduras submeteu a questão ao TIJ, para que essa inexecução fosse reconhecida. No seu Acórdão de 18 de novembro de 1960, o TIJ confirmou a validade da referida decisão. No segundo processo, a Guiné‑Bissau tinha recusado aplicar a decisão arbitral de 1989, relativa à delimitação marítima a efetuar entre a Guiné‑Bissau e o Senegal. Com base nas declarações feitas por estes dois Estados, a Guiné‑Bissau submeteu, portanto, a questão ao TIJ, em conformidade com o disposto no artigo 36.o, n.o 2, do Estatuto do TIJ. No seu Acórdão de 12 de novembro de 1991, o TIJ validou a referida decisão.


85      N.os 87 a 92 da exceção de inadmissibilidade.


86      Caldeira Brant, L. N., «L’autorité de chose jugée en droit international public», pp. 209 a 211.


87      V. n.os 148 a 225 da decisão parcial.


88      A título subsidiário, no que respeita à natureza «autoexecutória» das decisões do TIJ, v. Acórdão do Supremo Tribunal dos Estados Unidos, de 25 de março de 2008, Medellín c. Texas [552, US 491 (2008)]. O Supremo Tribunal foi chamado a pronunciar‑se sobre a questão de saber se o Acórdão do TIJ, de 31 de março de 2004, Avena e outros nacionais mexicanos (México c. Estados Unidos da América, TIJ Recueil 2004, pp. 12 a 73), podia ser invocado por um particular nos órgãos jurisdicionais americanos. O Supremo Tribunal recordou a distinção que a jurisprudência faz entre as obrigações internacionais «autoexecutórias» («self‑executing»), que são imediatamente aplicáveis do mesmo modo que as leis federais, e os tratados que necessitam de medidas internas de execução. Nesse processo, o Supremo Tribunal considerou que nenhuma das disposições dos tratados que regulam os efeitos das decisões do TIJ no domínio em causa, ou seja, primeiro, o Protocolo Facultativo à Convenção de Viena sobre as Relações Diplomáticas, respeitante à resolução obrigatória dos diferendos, segundo, o artigo 94.o da Carta das Nações Unidas e, terceiro, o Estatuto do TIJ, tornam essas decisões «autoexecutórias» (US 507 a 512). Por conseguinte, para poderem ser invocadas nos órgãos jurisdicionais dos Estados Unidos, as decisões do TIJ devem ser implementadas por meio da legislação federal que as torna aplicáveis (US 504), podendo o legislador, para este efeito, votar leis que tornam essas decisões aplicáveis no ordenamento jurídico interno (US 527).


89      V. Verhoeven, J., «La notion d’“applicabilité directe” du droit international», RBDI, 243, n.os 13‑14, 1986. Segundo uma definição ampla, «é diretamente aplicável a regra de direito internacional que, sem necessitar de uma medida interna de execução, pode ser aplicada no Estado em que essa regra está em vigor».


90      Acórdão de 29 de março de 2007 (C‑111/05, EU:C:2007:195).


91      V., designadamente, o resumo das acusações constante da página 3 da petição e a parte dispositiva da petição.


92      Faço questão de notar que, no dispositivo da petição, a República da Eslovénia imputa à República da Croácia uma série de comportamentos (v. página 41 da petição) que qualifica todos de violações do artigo 5.o, n.o 2, e do anexo I do Regulamento n.o 1380/2013.


93      No seu Acórdão de 19 de março de 2005, Espanha/Conselho (C‑91/03, EU:C:2005:174, n.o 44), o Tribunal de Justiça interpretou, nomeadamente, o artigo 17.o, n.o 2, e o anexo I do Regulamento n.o 2371/2002, atuais artigo 5.o, n.o 2, e anexo I do Regulamento n.o 1380/2009, respetivamente, e que estavam redigidos em termos similares. O Tribunal de Justiça precisou que o anexo I do referido regulamento, para o qual este artigo 17.o, n.o 2, remetia, fixava, para cada um desses Estados, as zonas geográficas das faixas costeiras dos outros Estados‑Membros onde essas atividades eram exercidas, bem como as espécies abrangidas.


94      V. n.o 15 das presentes conclusões.


95      Faço questão de notar que o artigo 7.o, n.o 3, da Convenção de Arbitragem prevê uma obrigação de tomar «todas as medidas necessárias» para executar a decisão arbitral no prazo de seis meses após a adoção da decisão.


96      Resumo das acusações que figuram nas páginas 3 e 4 da petição e n.os 100 a 109 da petição.