Language of document : ECLI:EU:C:2020:549

CONCLUSÕES DO ADVOGADO‑GERAL

PRIIT PIKAMÄE

apresentadas em 9 de julho de 2020 (1)

Processo C342/19 P

Fabio De Masi,

Yanis Varoufakis

contra

Banco Central Europeu (BCE)

«Recurso de decisão do Tribunal Geral — Acesso aos documentos do Banco Central Europeu (BCE) — Documento relacionado com a atividade principal do BCE — Decisão 2004/258/CE — Artigo 4.o, n.os 2 e 3 — Âmbito de aplicação — Recusa de permitir o acesso a um documento para uso interno — Ligação do documento a um processo decisório pendente ou encerrado»






I.      Introdução

1.        Através do recurso que interpõem, Fabio De Masi e Yanis Varoufakis requerem a anulação do Acórdão do Tribunal Geral da União Europeia de 12 de março de 2019, De Masi e Varoufakis/BCE (2), pelo qual o referido órgão jurisdicional negou provimento ao recurso de anulação que interpuseram da decisão do Banco Central Europeu (BCE) de 16 de outubro de 2017 que lhes recusou o acesso a um documento de 23 de abril de 2015 intitulado «Respostas a questões respeitantes à interpretação do artigo 14.4. do Protocolo relativo aos Estatutos do SEBC e do BCE».

2.        O contencioso relativo ao acesso aos documentos na posse do BCE apenas esteve na origem de muito poucos acórdãos do Tribunal de Justiça, contrariamente ao decorrente da aplicação do Regulamento n.o 1049/2001 (3), e o presente processo proporciona assim ao Tribunal de Justiça a oportunidade de precisar a sua jurisprudência nesse domínio específico.

3.        Em conformidade com o solicitado pelo Tribunal de Justiça, as presentes conclusões centrar‑se‑ão no terceiro fundamento do presente recurso, que tem especialmente por objeto a articulação das exceções a direito de acesso previstas na Decisão 2004/258/CE (4) e o âmbito da exceção relativa aos documentos para uso interno na aceção do artigo 4.o, n.o 3, primeiro parágrafo, desse diploma.

II.    Quadro jurídico

A.      Direito primário

4.        O artigo 15.o TFUE estabelece:

«1.      A fim de promover a boa governação e assegurar a participação da sociedade civil, a atuação das instituições, órgãos e organismos da União pauta‑se pelo maior respeito possível do princípio da abertura.

2.      As sessões do Parlamento Europeu são públicas, assim como as reuniões do Conselho em que este delibere e vote sobre um projeto de ato legislativo.

3.      Todos os cidadãos da União e todas as pessoas singulares ou coletivas que residam ou tenham a sua sede estatutária num Estado‑Membro têm direito de acesso aos documentos das instituições, órgãos e organismos da União, seja qual for o respetivo suporte, sob reserva dos princípios e condições a definir nos termos do presente número.

Os princípios gerais e os limites que, por razões de interesse público ou privado, hão de reger o exercício do direito de acesso aos documentos serão definidos por meio de regulamentos adotados pelo Parlamento Europeu e o Conselho, deliberando de acordo com o processo legislativo ordinário.

Cada uma das instituições, órgãos ou organismos assegura a transparência dos seus trabalhos e estabelece, no respetivo regulamento interno, disposições específicas sobre o acesso aos seus documentos, em conformidade com os regulamentos a que se refere o segundo parágrafo.

O Tribunal de Justiça da União Europeia, o Banco Central Europeu e o Banco Europeu de Investimento só ficam sujeitos ao presente número na medida em que exerçam funções administrativas.

O Parlamento Europeu e o Conselho asseguram a publicação dos documentos relativos aos processos legislativos nas condições previstas nos regulamentos a que se refere o segundo parágrafo.»

B.      Decisão 2004/258

5.        Os considerandos 1 a 3 da Decisão 2004/258 estão redigidos nos seguintes termos:

«(1)      O Tratado da União Europeia consagra a noção de abertura no segundo parágrafo do [artigo 1.o], nos termos do qual o Tratado assinala uma nova etapa no processo de criação de uma união cada vez mais estreita entre os povos da Europa, em que as decisões serão tomadas de uma forma tão aberta quanto possível e ao nível mais próximo possível dos cidadãos. Esta abertura promove a legitimidade, a eficácia e a responsabilidade da administração, contribuindo assim para o reforço dos princípios da democracia.

(2)      Na declaração conjunta relativa ao Regulamento (CE) n.o 1049/2001 do Parlamento Europeu e do Conselho, de 30 de maio de 2001, relativo ao acesso do público aos documentos do Parlamento Europeu, do Conselho e da Comissão, o Parlamento Europeu, o Conselho e a Comissão solicitam às restantes instituições e órgãos da União que adotem regras internas relativas ao acesso do público aos seus documentos tendo em conta os princípios e limites do citado regulamento. O regime estabelecido para o acesso do público aos documentos do BCE na Decisão BCE/1998/12, de 3 de novembro de 1998, relativa ao acesso do público à documentação e aos arquivos do Banco Central Europeu deverá ser revisto em conformidade.

(3)      Há que conceder maior acesso aos documentos do BCE, preservando no entanto a independência do BCE e dos bancos centrais nacionais (BCN) prevista no artigo 108.o [TFUE] e no artigo 7.o [do Protocolo relativo aos Estatutos do Sistema Europeu de Bancos Centrais e do BCE], bem como a confidencialidade de determinadas matérias especificamente relacionadas com o cumprimento das atribuições do BCE. Para salvaguarda da eficácia do seu processo decisório, incluindo as suas consultas e preparativos internos, as atas das sessões dos órgãos de decisão do BCE são confidenciais, a menos que o órgão em questão decida tornar público o resultado das suas deliberações.»

6.        O artigo 2.o da referida decisão estabelece:

«1.      Todos os cidadãos da União e todas as pessoas singulares ou coletivas que residam ou tenham a sua sede social num Estado‑Membro têm direito de acesso aos documentos do BCE, sob reserva das condições e limites estabelecidos na presente decisão.

2.      O BCE poderá, sob reserva das mesmas condições e limites, conceder o acesso aos seus documentos a qualquer pessoa singular ou coletiva que não resida ou não tenha a sua sede social num Estado‑Membro.

[…]»

7.        O artigo 4.o da Decisão 2004/258 determina:

«[…]

2.      O BCE recusará o acesso aos documentos cuja divulgação pudesse prejudicar a proteção de:

[…]

–        processos judiciais e consultas jurídicas,

[…]

exceto quando um interesse público superior imponha a divulgação.

3.      O acesso a documentos redigidos ou recebidos pelo BCE para uso interno, como parte integrante de debates e consultas preliminares no seio do BCE, ou para troca de pontos de vista entre o BCE e os BCN, [autoridades nacionais competentes (ANC)] ou [autoridades nacionais designadas (AND)], será recusado mesmo após ter sido tomada a decisão a que respeitam, exceto quando um interesse público superior imponha a divulgação.

O acesso a documentos que reflitam trocas de pontos de vista entre o BCE e outras autoridades e órgãos competentes será recusado mesmo após ter sido tomada a decisão a que respeitam, se a divulgação desse documento for suscetível de prejudicar seriamente a eficácia do BCE na prossecução das suas atribuições, a menos que um interesse público superior a imponha.

[…]

5.      Quando só algumas partes do documento pedido forem abrangidas por qualquer das exceções, as restantes partes do documento serão divulgadas.

[…]»

III. Antecedentes do litígio

8.        O Tribunal Geral expôs os antecedentes do litígio nos n.os 1 a 6 do acórdão recorrido e podem, para efeitos do presente processo, ser resumidos da seguinte forma:

9.        Tendo sido informados pelo BCE da existência de uma consulta jurídica externa de 23 de abril de 2015, intitulada «Respostas a questões respeitantes à interpretação do artigo 14.4. do Protocolo relativo aos Estatutos do Sistema Europeu de Bancos Centrais e do Banco Central Europeu» (a seguir «documento controvertido»), F. De Masi e Y. Varoufakis (a seguir «recorrentes») solicitaram ao BCE, por carta de 7 de julho de 2017, acesso a esse documento.

10.      Por ofício de 3 de agosto de 2017, o BCE recusou o acesso ao referido documento com base, por um lado, na exceção prevista no artigo 4.o, n.o 2, segundo travessão, da Decisão 2004/258, relativa à proteção das consultas jurídicas e, por outro, na exceção prevista no artigo 4.o, n.o 3, primeiro parágrafo, da mesma decisão, relativa à proteção dos documentos para uso interno.

11.      Por carta de 30 de agosto de 2017, os recorrentes apresentaram um pedido confirmativo de acesso ao documento controvertido, nos termos do artigo 7.o, n.o 2, da referida decisão.

12.      Por decisão de 16 de outubro de 2017, o BCE confirmou a recusa de acesso ao documento controvertido com base nas mesmas exceções invocadas na Decisão de 3 de agosto de 2017.

IV.    Tramitação do processo no Tribunal Geral e acórdão recorrido

13.      Por petição que deu entrada na Secretaria do Tribunal Geral em 8 de dezembro de 2017, os recorrentes interpuseram um recurso de anulação da decisão de 16 de outubro de 2017.

14.      Em apoio desse recurso, os recorrentes invocaram, no essencial, dois fundamentos relativos, respetivamente, à violação do artigo 4.o, n.o 2, segundo travessão, da Decisão 2004/258 e à violação do artigo 4.o, n.o 3, primeiro parágrafo, da mesma decisão.

15.      O BCE concluiu pedindo que fosse negado provimento ao recurso.

16.      No acórdão recorrido, o Tribunal Geral negou provimento ao recurso interposto pelos recorrentes. No termo da análise do segundo fundamento que apresentaram, o Tribunal Geral entendeu, no n.o 74 do acórdão recorrido, que o BCE podia legitimamente basear a sua recusa de acesso ao documento controvertido na exceção prevista no artigo 4.o, n.o 3, primeiro parágrafo, da Decisão 2004/258. Entendeu, assim, que não era necessário examinar o primeiro fundamento, relativo à exceção ao direito de acesso previsto no artigo 4.o, n.o 2, segundo travessão, dessa decisão.

17.      Para o fazer, o Tribunal Geral excluiu a hipótese de o artigo 4.o, n.o 3, primeiro parágrafo, da referida decisão exigir a demonstração de um prejuízo grave para o processo decisório e indicou, no n.o 30 do acórdão recorrido, que a recusa baseada nessa disposição pressupunha apenas a demonstração, por um lado, de que o documento controvertido é para uso interno, como parte integrante de debates e consultas preliminares no seio do BCE ou de troca de pontos de vista entre o BCE e as autoridades nacionais em causa, e, por outro, de que não existe um interesse público superior que justifique a divulgação desse documento. Sublinhou assim que o BCE podia legitimamente considerar que o documento controvertido era um documento para uso interno, na aceção do artigo 4.o, n.o 3, primeiro parágrafo, da mesma decisão, na medida em que o BCE considerou que esse documento se destinava a prestar informações e a apoiar as deliberações do Conselho do BCE no âmbito das competências que lhe são conferidas pelo artigo 14.4 do Protocolo relativo aos Estatutos do Sistema Europeu de Bancos Centrais e do BCE (a seguir «Protocolo relativo ao SEBC e ao BCE»).

18.      No contexto da apreciação dos argumentos aduzidos pelos recorrentes, o Tribunal Geral rejeitou, em primeiro lugar, a afirmação de que a exceção prevista no artigo 4.o, n.o 3, primeiro parágrafo, da Decisão 2004/258 não era aplicável ao documento controvertido, uma vez que este correspondia a uma consulta jurídica que se integrava no âmbito de aplicação da exceção relativa à proteção das consultas jurídicas, prevista no artigo 4.o, n.o 2, segundo travessão, dessa decisão.

19.      Em segundo lugar, rejeitou o argumento dos recorrentes segundo o qual os requisitos previstos no artigo 4.o, n.o 3, primeiro parágrafo, da referida Decisão não se encontravam preenchidos, uma vez que o documento controvertido, por um lado, não tem natureza interna e, por outro, não tem ligação a um processo concreto.

20.      Em terceiro lugar, o Tribunal Geral analisou e rejeitou a acusação relativa à violação do dever de fundamentação.

21.      Nos n.os 62 a 73 do acórdão recorrido, o Tribunal Geral examinou a segunda parte do segundo fundamento, relativa à existência de um interesse público superior que justifica a divulgação do documento controvertido e entendeu que devia ser julgado improcedente.

V.      Pedidos das partes

22.      No seu recurso, os recorrentes solicitam que o Tribunal de Justiça se digne:

–        anular a integralidade do acórdão recorrido e dar provimento ao recurso em primeira instância;

–        condenar o recorrido no presente processo nas despesas, em conformidade com o disposto no artigo 184.o do Regulamento de Processo do Tribunal de Justiça, conjugado com os artigos 137.o e seguintes do mesmo regulamento.

23.      O BCE conclui pedindo que o Tribunal Geral se digne:

–        negar provimento ao recurso;

–        condenar os recorrentes nas despesas.

VI.    Análise jurídica

24.      Em apoio do seu recurso, os recorrentes apresentam quatro fundamentos relativos, o primeiro, à violação do artigo 10.o, n.o 3, TUE, do artigo 15.o, n.o 1, e do artigo 298.o, n.o 1, TFUE, bem como do artigo 42.o da Carta dos Direitos Fundamentais da União Europeia, o segundo, à violação da obrigação de fundamentação, o terceiro, à violação do artigo 4.o, n.os 2 e 3, da Decisão 2004/258 e, o quarto, ao direito primário na medida em que o Tribunal Geral recusou reconhecer a existência de um interesse público superior que justifica a divulgação do documento controvertido.

25.      As presentes conclusões serão apenas sobre o terceiro fundamento, que se decompõe em dois aspetos. Nos termos deste fundamento, o Tribunal Geral, por um lado, desrespeitou os âmbitos de aplicação respetivos dos n.os 2 e 3 do artigo 4.o da Decisão 2004/258 e, por outro, cometeu um erro de direito ao considerar justificada a recusa de acesso, ao abrigo do artigo 4.o, n.o 3, dessa decisão, embora o documento controvertido não se destinasse a uma utilização interna na aceção dessa disposição.

26.      Antes de analisar o referido fundamento, parece‑me necessário precisar o enquadramento jurídico dessa análise dada a referência que tanto o Tribunal Geral, no acórdão recorrido, como os recorrentes, no presente recurso, fizeram às soluções adotadas pelo Tribunal de Justiça na sua jurisprudência relativa ao Regulamento n.o 1049/2001.

A.      Quanto ao quadro jurídico de análise

27.      É incontestável que os pedidos de acesso aos documentos na posse do BCE apenas devem ser apresentados ao abrigo da Decisão 2004/258, com base na qual o pedido dos recorrentes foi indeferido.

28.      Importa sublinhar que a adoção da Decisão 2004/258 ocorre no seguimento da declaração comum relativa ao Regulamento (CE) n.o 1049/2001 do Parlamento Europeu e do Conselho, de 30 de maio de 2001, relativo ao acesso do público aos documentos do Parlamento Europeu, do Conselho e da Comissão (5), através da qual o Parlamento Europeu, o Conselho e a Comissão solicitaram às outras instituições e organismos da União que adotassem normas internas reguladoras do acesso do público aos documentos que tenham em conta os princípios e limites definidos no Regulamento.

29.      A Decisão 2004/258 visa, conforme referido no seu considerando 3, conceder maior acesso aos documentos do BCE do que aquele que existia sob a égide da Decisão 1999/284/CE do Banco Central Europeu, de 3 de novembro de 1998, relativa ao acesso do público à documentação e aos arquivos do Banco Central Europeu (6) (BCE/1998/12), preservando, no entanto, a independência do BCE e dos BCN prevista no artigo 108.o TFUE e no artigo 7.o do Protocolo relativo ao SEBC e ao BCE, bem como a confidencialidade de determinadas matérias especificamente relacionadas com o cumprimento das atribuições do BCE (7).

30.      Nos termos do artigo 3.o, alínea a), da Decisão 2004/258, o documento a que esta se refere é o documento elaborado ou na posse do BCE «referente às suas políticas, ações ou decisões», formulação que se caracteriza pelo seu caráter genérico. Conforme o BCE refere explicitamente nos seus articulados, que apresentou tanto no Tribunal Geral como no Tribunal de Justiça, o direito de acesso conferido por essa decisão não se refere apenas aos documentos relacionados com tarefas administrativas, mas abrange, de um modo geral, todos os «documentos do BCE».

31.      A adoção da Decisão 2004/258 é, pois, anterior à entrada em vigor do Tratado de Lisboa, em 1 de dezembro de 2009, que altera o enquadramento jurídico, em sede de direito primário, do acesso do público aos documentos das instituições da União, tendo a introdução do artigo 15.o TFUE, que substituiu o artigo 255.o CE, ampliado o âmbito de aplicação do princípio da transparência no contexto do direito da União. Com efeito, diferentemente do artigo 255.o CE, cujo âmbito estava limitado aos documentos do Parlamento, do Conselho e da Comissão, o artigo 15.o, n.o 3, TFUE passou a prever um direito de acesso aos documentos das instituições, órgãos e organismos da União, incluindo o Tribunal de Justiça da União Europeia, o Banco Central Europeu e o Banco Europeu de Investimento quando exerçam funções administrativas (8).

32.      Segundo o artigo 15.o, n.o 3, quarto parágrafo, TFUE, o BCE só está sujeito ao regime de acesso aos documentos das instituições, previsto no primeiro parágrafo da mesma disposição, quando exerce funções administrativas. Daí resulta que as condições de acesso aos documentos na posse desta instituição relacionados com a sua atividade principal não podem ser estabelecidas por regulamentos adotados ao abrigo do artigo 15.o, n.o 3, segundo parágrafo, TFUE (9).

33.      Revela‑se assim que, no caso de um pedido e de uma recusa de acesso a um documento relacionado com a atividade principal do BCE, as soluções que o Tribunal de Justiça adotou na sua jurisprudência relativa ao Regulamento n.o 1049/2001 não podem ser acolhidas no âmbito de uma aplicação analógica dessa jurisprudência (10), dado que o BCE não é destinatário do referido regulamento. Ora, parece‑me ser esse o caso do documento controvertido que a fundamentação da decisão que recusa o acesso revela tratar‑se de uma consulta jurídica que analisa os poderes do Conselho do BCE ao abrigo do artigo 14.4 do Protocolo relativo ao SEBC e ao BCE e examina as ações que o referido Conselho devia empreender quando o desempenho de funções fora do SEBC pelos BCN possa interferir com os objetivos e atribuições do SEBC. Esse documento encontra‑se descrito como destinado a enriquecer as reflexões internas dos órgãos de decisão e a apoiar as deliberações e consultas sobre a disponibilização de liquidez de emergência. É, pois, possível considerar que o documento controvertido está relacionado com a atividade principal do BCE, na medida em que se trata, sobretudo, da sua responsabilidade em matéria de política monetária e de estabilidade do sistema financeiro (11).

B.      Quanto ao desrespeito do âmbito de aplicação do artigo 4.o, n.os 2 e 3, da Decisão 2004/258

34.      Importa recordar que a recusa de acesso em causa se baseia, por um lado, na exceção prevista no artigo 4.o, n.o 2, segundo travessão, da Decisão 2004/258 relativa à proteção das consultas jurídicas e, por outro, na exceção definida no artigo 4.o, n.o 3, primeiro parágrafo, da mesma decisão, relativa à proteção dos documentos para uso interno. O Tribunal Geral apenas examinou, no acórdão recorrido, um dos dois fundamentos de anulação que lhe foram apresentados, ou seja, o da violação da segunda disposição referida, e, tendo considerado que o BCE podia legitimamente fundar a sua decisão de recusar o acesso ao documento controvertido na exceção prevista no artigo 4.o, n.o 3, primeiro parágrafo, da Decisão 2004/258, entendeu que não era necessário examinar o primeiro fundamento, relativo à violação do artigo 4.o, n.o 2, segundo travessão, da referida decisão (12).

35.      Antes de ter chegado a essa conclusão, o Tribunal Geral afirmou, referindo‑se a dois acórdãos do Tribunal de Justiça que interpretam as disposições do Regulamento n.o 1049/2001, que o BCE, para apreciar um pedido de acesso, podia ter em conta vários motivos de recusa abrangidos pelo artigo 4.o da Decisão n.o 2004/258 e esclareceu que as exceções que motivaram a recusa de acesso ao documento controvertido «constitu[ía]m, cada uma delas, motivos de recusa autónoma», não sendo a exceção relativa à proteção das consultas jurídicas uma lex specialis em relação à referente à proteção dos documentos para uso interno (13).

36.      Os recorrentes sustentam, em primeiro lugar, que o Tribunal Geral cometeu um erro de direito ao considerar que o artigo 4.o, n.o 2, segundo travessão, da Decisão 2004/258, relativo à proteção das consultas jurídicas, não é uma disposição especial (lex specialis) relativamente ao artigo 4.o, n.o 3, dessa decisão. A primeira dessas disposições tinha um efeito bloqueador que levava à inaplicabilidade da segunda. Em apoio desse fundamento, os recorrentes limitam‑se a afirmar que a expressão «pareceres para uso interno», constante do artigo 4.o, n.o 3, da Decisão 2004/258, só pode dizer respeito a pareceres que não sejam jurídicos, sob pena de privar de sentido a exceção prevista no artigo 4.o, n.o 2, segundo travessão, dessa decisão, consagrada à proteção das consultas jurídicas.

37.      Conforme foi corretamente indicado pelo Tribunal Geral no acórdão recorrido (14), o direito de acesso aos documentos do BCE, conferido no artigo 2.o, n.o 1, da Decisão 2004/258 a todos os cidadãos da União e a todas as pessoas singulares ou coletivas que residam ou tenham a sua sede social num Estado‑Membro, está sujeito a determinados limites baseados em razões de interesse público ou privado. Mais especificamente, e em conformidade com o seu considerando 4, a Decisão 2004/258 prevê, no seu artigo 4.o, um regime de exceções que autorizam o BCE a recusar o acesso a um documento cuja divulgação possa prejudicar algum dos interesses protegidos pelos n.os 1 e 2 do mesmo artigo, ou quando esse documento seja para uso interno como parte integrante de debates e consultas preliminares no seio do BCE, ou para troca de pontos de vista entre o BCE e os BCN, as ANC ou AND, ou exprimam um intercâmbio de opiniões entre o BCE e outras autoridades e organismos relevantes.

38.      Cabe observar que o artigo 4.o, n.os 1 a 3, da Decisão 2004/258 corresponde, em termos formais, à enunciação sucessiva de diferentes motivos de recusa de acesso, apenas justapostos e sem indicação no que respeita a uma qualquer articulação entre as disposições em causa. A apresentação do artigo 4.o, n.os 1 a 3, da Decisão 2004/258 corrobora a conclusão do Tribunal Geral quanto ao caráter próprio e autónomo de cada fundamento de recusa de acesso que pode ser invocado, só ou cumulativamente, pelo BCE. Segundo a economia do artigo 4.o da Decisão 2004/258, o indeferimento de um pedido de acesso justifica‑se quando estejam preenchidos os requisitos impostos por uma das exceções previstas nesse artigo. De igual modo, a letra do artigo 4.o, n.o 2, segundo travessão, assim como a do artigo 4.o, n.o 3, da mesma decisão, de forma alguma corrobora a alegação dos recorrentes quanto ao caráter de lex specialis da primeira disposição relativamente à segunda.

39.      Além disso e sobretudo, o artigo 4.o, n.o 5, da Decisão 2004/258 evoca a divulgação parcial do documento solicitado da seguinte forma: «[q]uando só algumas partes do documento pedido forem abrangidas por qualquer das exceções, as restantes partes do documento serão divulgadas». Esta formulação traduz, incontestavelmente, a possível aplicação cumulativa das diversas exceções previstas nos n.os 1 a 3 do referido artigo a um único documento.

40.      Esta possibilidade explica‑se pela dificuldade com que a instituição destinatária de um pedido de acesso se pode ver confrontada quanto à qualificação do documento solicitado à luz do seu teor e dos motivos de recusa de acesso permitidos. Em virtude da sua natureza complexa, um mesmo documento pode, a priori, integrar o âmbito de aplicação de diversas exceções ao direito de acesso (15) e parece‑me pouco razoável obrigar essa instituição a fazer uma escolha única quando a sua análise será, muito provavelmente, contestada e escrutinada no que respeita à sua legalidade. Ao fazê‑lo, de forma alguma se põe em causa o direito de acesso do público aos documentos ou o seu efeito útil, dado que o requerente do acesso tem a possibilidade de contestar, no âmbito de um recurso gracioso e em seguida jurisdicional, a recusa de acesso decidida, cuja legitimidade é submetida à apreciação final do órgão jurisdicional.

41.      No presente caso, o documento controvertido ilustra perfeitamente essa situação, dado que se trata de uma opinião jurídica pedida a um terceiro pelo BCE para efeitos de uma discussão interna cuja qualificação os recorrentes criticam, como consulta jurídica para utilização interna e mesmo, como se verá, como consulta jurídica.

42.      No que respeita à alegação dos recorrentes segundo a qual a interpretação efetuada pelo Tribunal Geral conduzia a privar de utilidade o artigo 4.o, n.o 2, segundo travessão, da Decisão 2004/258, importa sublinhar que as situações de sobreposição dos fundamentos de recusa de acesso não têm caráter sistemático, podendo a proteção de uma consulta jurídica, numa situação determinada, integrar o âmbito de aplicação da única exceção prevista nessa disposição. Além disso, o Tribunal Geral, caso tivesse considerado infundada a exceção relativa à proteção dos documentos para uso interno, deveria ter examinado a validade da recusa de acesso à luz do fundamento relativo à proteção das consultas jurídicas previsto no artigo 4.o, n.o 2, segundo travessão, da Decisão 2004/258.

43.      Por último, parece‑me útil sublinhar a solução acolhida pelo Tribunal de Justiça no Acórdão de 19 de dezembro de 2019, BCE/Espírito Santo Financial (Portugal) (C‑442/18 P, EU:C:2019:1117). Nesse processo, o Tribunal Geral tinha considerado inválida a decisão do BCE que recusou o acesso integral a atas das decisões do Conselho do BCE relativas à cedência de liquidez de emergência a um estabelecimento bancário português, no que respeita em especial à informação relativa ao montante do crédito em causa. Após ter verificado o erro de direito cometido pelo Tribunal Geral no que respeita à obrigação de fundamentação e, subsequentemente, anulado o acórdão recorrido, o próprio Tribunal de Justiça pronunciou‑se a título definitivo sobre o litígio procedendo ao exame do referido fundamento de forma, bem como de um único fundamento de mérito invocado pelo recorrente, concretamente o relativo à violação do artigo 4.o, n.o 1, alínea a), da Decisão 2004/258, relativo à confidencialidade das deliberações dos órgãos de decisão do BCE. O Tribunal de Justiça julgou improcedentes ambos os fundamentos, por considerar que a decisão que recusava o acesso estava fundamentada de forma bastante e estava validamente fundada na referida disposição. Em consequência, não teve em consideração nem apreciou o segundo fundamento de mérito apresentado pela recorrente, relativo à violação do artigo 4.o, n.o 2, primeiro travessão, da Decisão 2004/258, consagrando assim a singularidade e a autonomia jurídica de cada um dos fundamentos de recusa de acesso previstos nessa decisão (16).

44.      Os recorrentes alegam, em segundo lugar, que embora o documento controvertido corresponda efetivamente a uma consulta jurídica que, enquanto tal, integra o âmbito de aplicação do artigo 4.o, n.o 2, segundo travessão, da Decisão 2004/258, a verdade é que não cumpre os requisitos para beneficiar de proteção, na medida em que se trata de um parecer jurídico de natureza abstrata e científica sobre a interpretação de um documento que não pode ser qualificado de consulta jurídica na aceção dessa disposição. O Tribunal Geral, erradamente, não se pronunciou sobre esta argumentação dos recorrentes.

45.      Importa declarar que esta acusação não tem fundamento, dado que Tribunal Geral considerou que a argumentação dos recorrentes era intrinsecamente contraditória (17), tendo‑a rejeitado, pois invocava e contestava simultaneamente a qualificação do documento controvertido como consulta jurídica para efeitos da aplicação da exceção a que se refere o artigo 4.o, n.o 2, segundo travessão, da Decisão 2004/258. De qualquer modo, tendo o Tribunal Geral validado a recusa de acesso do BCE com base apenas no artigo 4.o, n.o 3, dessa decisão, sem se pronunciar sobre a qualificação do documento controvertido como consulta jurídica na aceção do artigo 4.o, n.o 2, segundo travessão, da referida decisão, o Tribunal de Justiça não tem de se pronunciar sobre um argumento inoperante dos recorrentes.

C.      Quanto à violação do artigo 4.o, n.o 3, primeiro parágrafo, da Decisão 2004/258

46.      No contexto da segunda parte do terceiro fundamento, os recorrentes alegam que a proteção prevista pelo artigo 4.o, n.o 3, da Decisão 2004/258 e a definida no artigo 4.o, n.o 3, segundo parágrafo, do Regulamento n.o 1049/2001 têm um objeto idêntico, ou seja, o de proteger a integridade de um processo decisório interno relativo a um procedimento administrativo concreto.

47.      Ora, um parecer externo sobre uma questão jurídica abstrata, como o solicitado pelo BCE e cujo acesso foi recusado, não é um documento ligado a um processo decisório ou a uma decisão final. Trata‑se antes de um documento que fixa o enquadramento externo da liberdade decisória da instituição e que, consequentemente, é externo ao processo decisório protegido.

48.      Além disso, os recorrentes alegam que a menção «mesmo após ter sido tomada a decisão» constante do artigo 4.o, n.o 3, da Decisão 2004/258 demonstra que o documento em causa deve ser para uso interno no contexto de um procedimento administrativo concreto, solução confirmada pela jurisprudência do Tribunal de Justiça relativa a uma disposição estruturalmente semelhante, concretamente o artigo 4.o, n.o 3, segundo parágrafo, do Regulamento n.o 1049/2001, e ignorada pelo Tribunal Geral no acórdão recorrido.

49.      O BCE contesta tanto a admissibilidade como a procedência desta segunda parte do terceiro fundamento.

1.      Quanto à admissibilidade

50.      Importa recordar que o Tribunal de Justiça não tem competência para apurar os factos nem, em princípio, para examinar as provas que o Tribunal Geral considerou determinantes no apuramento desses factos. Quando estas provas tiverem sido obtidas regularmente e tendo sido respeitados os princípios gerais de direito e as regras processuais aplicáveis em matéria de ónus e de produção da prova, é da competência exclusiva do Tribunal Geral apreciar o valor a atribuir aos elementos que lhe foram submetidos. Esta apreciação não constitui, por isso, exceto em caso de desvirtuação desses elementos, uma questão de direito sujeita à fiscalização do Tribunal de Justiça (18).

51.      Baseando‑se nessa jurisprudência constante, o BCE conclui pela inadmissibilidade da acusação segundo a qual a consulta jurídica controvertida não é um documento ligado a um processo decisório interno, na medida em que a referida acusação visa, no essencial, a apreciação das provas efetuada pelo Tribunal Geral, sem que os recorrentes tenham feito prova de uma sua eventual desvirtuação.

52.      Em meu entender, esta argumentação baseia‑se numa premissa incorreta, ou seja, numa incorreta interpretação do teor do terceiro fundamento, que, na verdade, não inclui qualquer contestação da apreciação factual ou de elementos de prova efetuada pelo Tribunal Geral.

53.      Após ter evocado a fundamentação da decisão do BCE que recusou o acesso e declarou que os fundamentos desta não eram contrariados pela análise do conteúdo do documento controvertido, o Tribunal Geral concluiu que este último era constituído por uma consulta jurídica, proveniente de um consultor externo, sobre o poder do Conselho do BCE ao abrigo do artigo 14.4 do Protocolo relativo ao SEBC e ao BCE, e, dado não estando ligado a um processo in concreto, não tinha estado na origem de uma tomada de posição definitiva do BCE num caso concreto (19).

54.      Ora, importa sublinhar que esta visão que o Tribunal Geral tem do documento controvertido não é posta em causa pelos recorrentes no contexto do terceiro fundamento do presente recurso. Em contrapartida, os recorrentes criticam explicitamente a qualificação jurídica dessa consulta pelo Tribunal Geral do documento para utilização interna na aceção do artigo 4.o, n.o 3, da Decisão 2004/258, conforme interpretado por este no acórdão recorrido, o que corresponde a uma apreciação jurídica sujeita à fiscalização do Tribunal de Justiça.

55.      Há, pois, que julgar improcedente a exceção de inadmissibilidade suscitada pelo BCE.

2.      Quanto ao mérito

56.      Os recorrentes sustentam que o artigo 4.o, n.o 3, da Decisão 2004/258 não podia ser aplicado no presente caso, alegando, em primeiro lugar, que, devido à sua origem externa e ao seu teor, isto é, um parecer sobre uma questão jurídica abstrata relativa à interpretação de disposições específicas, não se pode considerar que o documento controvertido estava ligado a um processo decisório interno.

57.      Esta argumentação baseada apenas na natureza intrínseca do documento controvertido não pode, em minha opinião, ser acolhida, pois não atende ao próprio objeto da exceção prevista no artigo 4.o, n.o 3, da Decisão 2004/258, que diz respeito à finalidade do documento em causa, devendo recordar‑se que este pode ter sido elaborado ou apenas «recebido» pelo BCE.

58.      Nem a circunstância de o documento controvertido emanar de um consultor jurídico externo, consultado especificamente para esse efeito pelo BCE, nem o facto de o mesmo resultar de um parecer sobre a interpretação de uma norma que define o enquadramento jurídico das competências do BCE são, a priori, incompatíveis com a finalidade de uma utilização interna do referido documento. Além disso, é óbvio que a problemática jurídica abordada nessa consulta não pode, como erradamente fazem os recorrentes, ser qualificada de «situação jurídica externa».

59.      Os recorrentes alegam, em segundo lugar, que o documento controvertido não se inclui no âmbito de aplicação da exceção definida no artigo 4.o, n.o 3, da Decisão 2004/258, dado que não existe uma ligação a um processo decisório concreto, argumentação que suscita a questão do âmbito da referida exceção.

60.      Conforme jurisprudência constante, na interpretação de uma disposição de direito da União, há que ter em conta não apenas a sua redação mas também o seu contexto e os objetivos prosseguidos pela regulamentação em que está integrada (20).

a)      Quanto à interpretação do conceito de documento «para uso interno»

61.      No que respeita ao teor do artigo 4.o, n.o 3, da Decisão 2004/258, importa sublinhar que embora este se refira a documentos para uso interno como parte integrante de «debates», também refere a situação de «consultas» e mesmo de simples «troca de pontos de vista» entre o BCE e outras entidades, parecendo estes dois últimos conceitos afastar‑se da evocação de um processo decisório. Assim, esta disposição deve ser objeto de uma interpretação global, que, consequentemente, tem de abranger a utilização da expressão «mesmo após ter sido tomada a decisão», que remete, claramente, para o conceito de «processo decisório», pendente ou encerrado no momento da apresentação do pedido de acesso.

62.      A questão que se coloca é a de saber se essa expressão se refere ao conjunto das situações consideradas no artigo 4.o, n.o 3, da Decisão 2004/258 ou apenas à dos «debates» ou mesmo apenas à «troca de pontos de vista» entre o BCE e outras entidades, autonomizando assim integralmente a hipótese do documento para uso puramente interno no BCE. Ora, a primeira hipótese referida é inteiramente compatível com a localização da referida expressão no primeiro parágrafo, o que é confirmado por outras versões linguísticas do texto, diversas da francesa (21). Também é coerente com o sentido do adjetivo «preliminares» que acompanha o termo «consultas», termo este que remete para o que antecede ou prepara outra coisa considerada mais importante, um acontecimento ou um ato.

63.      Podemo‑nos interrogar sobre se a indicação «mesmo após ter sido tomada a decisão» pode ser entendida como a expressão de um simples esclarecimento quanto ao «horizonte» temporal da proteção pretendida, a qual não termina com a tomada de uma decisão nos termos do artigo 4.o, n.o 3, da Decisão 2004/258, se adotada, estando esta precisão subentendida. Além da dificuldade de conciliação com a utilização do artigo definido «a» na referida indicação, a fragilidade intrínseca desse raciocínio, que recorre ao sentido implícito, não me parece passível de pôr em causa o resultado da análise exegética que evidencia a necessária ligação do documento controvertido a um processo decisório, o que conforta a interpretação contextual e teleológica.

64.      No que se refere à interpretação contextual, cabe observar que o artigo 4.o, n.o 3, da Decisão 2004/258 inclui dois parágrafos, sendo que o segundo tem por objeto o acesso a documentos «que reflitam trocas de pontos de vista entre o BCE e outras autoridades e órgãos competentes […] mesmo após ter sido tomada a decisão a que respeitam, se a divulgação desse documento for suscetível de prejudicar seriamente a eficácia do BCE na prossecução das suas atribuições».

65.      O segundo parágrafo do artigo 4.o, n.o 3, da Decisão 2004/258 foi aditado pela Decisão 2015/529, que altera o primeiro diploma, cujo considerando 8 esclarece que o BCE tem necessidade de interagir com autoridades e órgãos nacionais, assim como com as competentes instituições, organismos, gabinetes e agências da União, organizações internacionais relevantes, autoridades de supervisão e administrações de países terceiros nos termos do artigo 127.o, n.os 1 e 5, TFUE e do Regulamento (UE) n.o 1024/2013 do Conselho, de 15 de outubro de 2013, que confere ao BCE atribuições específicas no que diz respeito às políticas relativas à supervisão prudencial das instituições de crédito (22). Em seguida, indica‑se que, «[p]ara uma cooperação eficaz por parte do BCE, é essencial providencial e preservar um espaço de reflexão que propicie a discussão e uma troca de informações descomprometidas e construtivas entre as autoridades, instituições e organismos acima mencionados. Assim sendo, o BCE deve ter o direito de proteger os documentos trocados no âmbito da sua cooperação com os bancos centrais nacionais, as autoridades nacionais competentes, as autoridades nacionais designadas e outras autoridades e organismos relevantes».

66.      Enquanto se considera apenas a proteção de documentos relativos à «troca de pontos de vista» entre o BCE e determinadas entidades, diferentes das mencionadas no primeiro parágrafo do artigo 4.o, n.o 3, da Decisão 2004/258, cabe observar que se optou por inserir no artigo 4.o, n.o 3, segundo parágrafo, da referida decisão a expressão «mesmo após ter sido tomada a decisão», idêntica à utilizada no primeiro parágrafo e claramente evocadora de uma ligação a um processo decisório. Nestas circunstâncias, podemo‑nos perguntar em que é que a «troca de pontos de vista» entre o BCE e os BCN, ANC ou AND a que se refere o primeiro parágrafo podia ser suscetível de justificar uma leitura diferente da da referida ligação e em que medida esta última leitura não era pertinente para a totalidade da referida disposição (23)?

67.      Quanto à interpretação teleológica, e conforme foi corretamente sublinhado pelo Tribunal Geral, o artigo 4.o, n.o 3, primeiro parágrafo, da Decisão 2004/258 tem por objetivo, nomeadamente, proteger um espaço de reflexão interna no BCE que permita uma troca de pontos de vista confidencial entre os órgãos de decisão da instituição no âmbito dos debates e consultas preliminares. Falta, contudo, determinar, para permanecermos na terminologia geométrica, o perímetro do referido espaço.

68.      A este propósito, importa recordar os termos do considerando 3 da Decisão 2004/258 segundo os quais esta visa conceder «maior acesso aos documentos do BCE», preservando, no entanto, a independência do BCE, bem como a confidencialidade de determinadas questões relacionadas com o cumprimento das suas atribuições. Na segunda parte, o referido considerando introduz um esclarecimento essencial para efeitos de uma correta compreensão da finalidade desse ato ao precisar que, «[p]ara salvaguarda da eficácia do seu processo decisório, incluindo as suas consultas e preparativos internos, as atas das sessões dos órgãos de decisão do BCE são confidenciais, a menos que o órgão em questão decida tornar público o resultado das suas deliberações». Enquanto o referido considerando exprime uma modulação do direito de acesso, a formulação utilizada põe em evidência o objetivo prosseguido de salvaguarda da eficácia do «processo decisório» do BCE e efetua uma ligação explícita do trabalho preparatório interno ao referido processo. A proteção do processo consultivo e de reflexão preliminares não parece ser dissociável da do processo deliberativo de uma tomada de a decisão de mérito num processo relativo a um caso concreto.

69.      É à luz do considerando 3 da Decisão 2004/258 que importa, pois, interpretar o artigo 4.o, n.o 3, primeiro parágrafo, dessa mesma decisão, relativo à exceção ao direito de acesso aos documentos para uso interno do BCE, que, em meu entender, são apenas os documentos elaborados ou recebidos no contexto de um determinado processo decisório, pendente ou encerrado no momento da apresentação do pedido de acesso.

70.      Sublinho, aliás, que diversas afirmações do BCE constantes da sua contestação correspondem plenamente à referida interpretação teleológica. O BCE afirma, assim, que o artigo 4.o, n.o 3, primeiro parágrafo, da Decisão 2004/258 se baseia numa regra (de presunção) geral segundo a qual o facto de se conferir acesso a documentos para uso interno suscita o risco de «se prejudicar o processo decisório do BCE» e que, para efeitos da proteção do espaço de reflexão, esses documentos são, por conseguinte e em princípio, confidenciais. Do mesmo modo, também se refere que o artigo 4.o, n.o 3, primeiro parágrafo, da Decisão 2004/258 protege o espaço de reflexão interna do BCE no contexto da «preparação de decisões que têm terceiros por destinatários» ou que a Decisão 2004/258 reconhece que a montante «das decisões do BCE que têm terceiros por destinatários» deve existir um espaço de reflexão interna que permita uma troca efetiva, informal e sobretudo confidencial de pontos de vista, ideias, interpretações e de propostas de solução (24).

71.      A interpretação proposta não é suscetível de privar de efeito útil a exceção em causa e confere‑lhe um alcance que, em minha opinião, é conforme ao equilíbrio que, com a Decisão 2004/258, se pretende encontrar entre o direito de acesso do público aos documento na posse do BCE e a tomada em consideração da especificidade dessa instituição que, de acordo com o disposto no artigo 130.o TFUE, deve poder prosseguir eficazmente os objetivos consignados às suas missões, graças ao exercício independente dos poderes específicos de que dispõe para esse efeito por força do Tratado e dos Estatutos do SEBC (25).

72.      No âmbito desta procura de equilíbrio entre transparência e confidencialidade, esta última consideração pode efetivamente ter um caráter dominante no que respeita, designadamente, ao resultado das deliberações do Conselho do BCE, conforme resulta do Acórdão do Tribunal de Justiça de 19 de dezembro de 2019, BCE/Espírito Santo Financial (Portugal) (C‑442/18 P, EU:C:2019:1117).

73.      Nesse Acórdão, o Tribunal de Justiça interpretou a exceção a que se refere o artigo 4.o, n.o 1, alínea a), da Decisão 2004/258, relativo à confidencialidade das deliberações dos órgãos decisórios do BCE à luz do artigo 10.o, n.o 4, segundo período, do Protocolo relativo ao SEBC e ao BCE, que prevê que cabe ao Conselho do BCE decidir se há que tornar público o resultado das suas deliberações, baseando‑se, a este respeito, numa jurisprudência constante segundo a qual os textos de direito derivado da União devem ser interpretados, tanto quanto possível, no sentido da sua conformidade com as disposições dos Tratados. O Tribunal de Justiça considerou, assim, que o artigo 4.o, n.o 1, alínea a), da Decisão 2004/258, conjugado com o artigo 10.o, n.o 4, segundo período, do protocolo relativo ao SEBC e ao BCE, deve ser interpretado no sentido de que protege a confidencialidade do resultado das deliberações do Conselho do BCE, não sendo necessário que a recusa de acesso aos documentos que contêm esse resultado esteja sujeita à condição de a divulgação deste prejudicar a proteção do interesse público (26).

74.      No acórdão recorrido (27), o Tribunal Geral também se referiu ao artigo 10.o, n.o 4, segundo período, do Protocolo relativo ao SEBC e ao BCE, bem como ao artigo 14.4 do referido Protocolo, ao enunciar a competência do Conselho do BCE para se opor ao exercício de tarefas nacionais pelos BCN, para interpretar o artigo 4.o, n.o 3, primeiro parágrafo, da Decisão 2004/258 e para afirmar que o documento controvertido era efetivamente um documento para uso interno, na medida em que se «destinava a fornecer informações e a apoiar as deliberações do Conselho [do BCE]» no âmbito das competências que lhe são conferidas no artigo 14.4 do Protocolo relativo ao SEBC e ao BCE. Ao pôr em evidência as deliberações do Conselho do BCE enquanto finalidade do documento controvertido, essa leitura que o Tribunal Geral faz das disposições em causa apenas corrobora, em meu entender, a interpretação do artigo 4.o, n.o 3, primeiro parágrafo, da Decisão 2004/258, que exija uma ligação do documento em causa a um processo decisório, pendente ou encerrado, correspondente a um caso concreto.

75.      Assim, há que, no presente e neste contexto, apreciar a qualificação do documento controvertido enquanto documento para uso interno na aceção do artigo 4.o, n.o 3, primeiro parágrafo, da Decisão 2004/258.

b)      Quanto à qualificação do documento controvertido

76.      Importa, a título preliminar, recordar uma parte da fundamentação da decisão do BCE que recusa o acesso ao documento controvertido, assim redigida:

«Na medida em que a consulta jurídica trata de questões gerais sobre a aplicação e a interpretação do artigo 14.4 dos Estatutos do SEBC, não se debruça sobre o caso específico da cedência de liquidez de emergência (CLE) aos bancos gregos, da mesma forma que também não examina a legalidade de outras decisões concretas adotadas pelo Conselho do BCE ao abrigo do artigo 14.4 dos Estatutos do SEBC, incluindo as decisões de se opor, ou não, a uma proposta de um BCN relativa à cedência de liquidez de emergência […]

A Comissão Executiva esclarece que o pedido ora apresentado tem por objeto a consulta jurídica contratada com o objetivo de fornecer às instâncias decisórias do BCE uma melhor informação jurídica para efeitos das suas discussões e reflexões internas e que, enquanto tal, essa consulta encontra‑se igualmente protegida pelo artigo 4.o, n.o 3, primeiro parágrafo, da decisão [2004/258] […]

A consulta jurídica tinha por objetivo fornecer um parecer jurídico que permitisse precisar o enquadramento legal, enriquecer as reflexões internas das instâncias decisórias e escorar as deliberações e consultas relativas à CLE, não apenas em 2015 mas também em futuras ocasiões. Enquanto tal, a consulta jurídica é útil para efeitos de qualquer exame atual ou futuro de situações que integrem o âmbito do artigo 14.4 dos Estatutos do SEBC (disposição relativa às funções nacionais dos BCN — por exemplo, a previsão de uma FLA — e sobre as normas jurídicas e condições que o BCE pode impor aos BCN nesse contexto) […].»

77.      Na perspetiva desta fundamentação e da análise do conteúdo do documento controvertido, o Tribunal Geral entendeu que o referido documento não estava ligado a um processo concreto e, por conseguinte, não constituía um documento após o qual o BCE tinha tomado uma posição definitiva num caso concreto, o que, porém, não era passível de excluir o referido documento do âmbito de aplicação da exceção prevista no artigo 4.o, n.o 3, primeiro parágrafo, da Decisão 2004/258, e isto por duas razões (28).

78.      No termo de uma análise exegética comparativa do artigo 4.o, n.o 3, primeiro parágrafo, da Decisão 2004/258 e do artigo 4.o, n.o 3, do Regulamento n.o 1049/2001, o Tribunal Geral, em primeiro lugar, sublinhou que a aplicação da exceção prevista na primeira disposição referida não exige que o BCE demonstre que a divulgação do documento prejudicaria seriamente o seu processo decisório e que, portanto, o facto de o documento controvertido não estar ligado a um processo concreto não é suficiente para excluir a aplicação dessa exceção.

79.      Esta apreciação baseada numa diferença de formulação relativamente a uma regulamentação que não faz parte do quadro jurídico aplicável à luz da natureza do documento controvertido, ligado ao exercício da atividade principal do BCE, é destituída de pertinência (29). Importa observar que o Tribunal Geral não procedeu a uma interpretação literal intrínseca do artigo 4.o, n.o 3, primeiro parágrafo, da Decisão 2004/258 e mais em especial da expressão «mesmo após ter sido tomada a decisão», tal como não teve em consideração os termos do considerando 3 desse ato. A conclusão de que a exceção ao direito de acesso prevista na referida disposição não fica condicionada à prova de um qualquer prejuízo causado pela divulgação do documento em causa não responde à questão de saber se esse documento se integra efetivamente na definição de documento para uso interno, no que respeita à sua ligação com um processo decisório, e cai assim no âmbito da referida exceção.

80.      O Tribunal Geral considerou, em segundo lugar, que o documento controvertido se destinava a apoiar, em termos gerais, as deliberações que o Conselho do BCE deveria tomar nos termos do artigo 14.4 do Protocolo relativo ao SEBC e ao BCE durante o ano de 2015 e posteriormente e, por conseguinte, constituía um «documento preparatório com vista à adoção de eventuais decisões pelos órgãos do BCE».

81.      Desta fundamentação resulta que a utilização interna do documento em causa pode ser concebida numa perspetiva, mais ou menos longínqua, da adoção de um ato no contexto de um processo relativo a uma situação determinada. A simples possibilidade de uma ligação do documento a um processo administrativo futuro e hipotético basta, portanto, segundo o Tribunal Geral, para qualificar o referido documento de «preparatório» e para o integrar no âmbito de aplicação da exceção ao direito de acesso prevista no artigo 4.o, n.o 3, primeiro parágrafo, da Decisão 2004/258.

82.      Parece‑me que esta apreciação faz parte de uma interpretação demasiado extensiva do termo «preparatório» e, por essa mesma razão, do âmbito de aplicação dessa exceção, ao permitir que o BCE recuse o acesso a qualquer documento, seja ele qual for, em consideração de uma sua futura eventual utilização interna. Esta perspetiva permitiu, assim, tornar confidencial, no presente caso, um documento que apenas se destinava a alimentar uma reflexão sobre uma temática jurídica de caráter geral.

83.      Poder‑se‑ia efetivamente discutir a extensão do conceito de «ligação» do documento a um processo administrativo pendente ou encerrado. Deverá tratar‑se de um documento claramente circunscrito devido a fazer parte de um dossiê que integra esse caso ou, numa aceção menos restritiva e perfeitamente concebível, de um documento apenas relacionado com as questões tratadas nesse processo, ou seja, que importa para as referidas questões, sem que tenha sequer sido elaborado ou recebido, especificamente, no âmbito do referido processo?

84.      Contudo, esta discussão pressupõe a existência de um processo deliberativo interno conducente, in fine, à adoção de uma decisão individual de mérito sobre uma situação determinada. Importa, a este respeito, sublinhar que, no n.o 28 da contestação que apresentou no Tribunal Geral, o BCE indicou claramente que as «decisões do BCE ao abrigo do artigo 14.4 dos Estatutos do SEBC são sempre decisões individuais» sobre as suas relações com os BCN que atribuem liquidez de emergência.

85.      Ora, embora a decisão do BCE que recusa o acesso remonte à data de 16 de outubro de 2017, ou seja, mais de dois anos após a elaboração do documento controvertido datado de 23 de abril de 2015, a sua fundamentação não refere nenhum processo deliberativo em curso sobre uma situação determinada ou nenhuma decisão individual a que o referido documento esteja diretamente ligado por se referir, em virtude do seu teor, às questões que aí são diretamente tratadas. Conforme se recordou, a decisão que recusa o acesso limita‑se a evocar um documento destinado a escorar «as deliberações e consultas relativas à CLE, não apenas em 2015 mas também em futuras ocasiões» e útil para efeitos de qualquer exame «atual ou futuro» de situações que integrem o âmbito do artigo 14.4 dos Estatutos do SEBC, sem mais explicações.

86.      Concluindo, embora o espaço de reflexão interna do BCE deva, inegavelmente, ser protegido, deve sê‑lo em correlação com o objeto que é o seu, ou seja, o de preparar as decisões a tomar no contexto de processos administrativos específicos, que devem ter por destinatários terceiros, o que é efetivamente suscetível de garantir a independência dessa instituição no cumprimento das suas atribuições.

87.      Daqui se conclui que o Tribunal Geral, em minha opinião, cometeu um erro de direito ao considerar que o BCE podia, nessas circunstâncias, recusar o acesso ao documento controvertido.

88.      Caso o Tribunal de Justiça venha a declarar, como proponho, admissível e procedente a segunda parte do terceiro fundamento, haverá que dar provimento ao presente recurso e anular o acórdão recorrido. O processo deveria, em meu entender, ser remetido ao Tribunal Geral, em conformidade com o disposto no artigo 61.o, primeiro parágrafo, do Estatuto do Tribunal de Justiça da União Europeia, dado que o litígio não está em condições de ser julgado. Com efeito, tendo sido negado provimento ao recurso de anulação interposto da recusa de acesso com base apenas no reconhecimento da legitimidade da exceção prevista no artigo 4.o, n.o 3, primeiro parágrafo, da Decisão 2004/258, há que remeter o processo ao Tribunal Geral para que se pronuncie sobre o primeiro fundamento de anulação dos recorrentes relativo à violação do artigo 4.o, n.o 2, segundo travessão, da referida decisão, respeitante à proteção das consultas jurídicas.

VII. Conclusão

89.      Atentas as considerações que precedem, proponho ao Tribunal de Justiça que declare admissível e procedente a segunda parte do terceiro fundamento e, consequentemente, dê provimento ao recurso.


1      Língua original: francês.


2      Acórdão T‑798/17, não publicado, a seguir «acórdão recorrido», EU:T:2019:154.


3      Regulamento do Parlamento Europeu e do Conselho, de 30 de maio de 2001, relativo ao acesso do público aos documentos do Parlamento Europeu, do Conselho e da Comissão (JO 2001, L 145, p. 43).


4      Decisão do Banco Central Europeu, de 4 de março de 2004, relativa ao acesso do público aos documentos do Banco Central Europeu (JO 2004, L 80, p. 42), conforme alterada pela Decisão (UE) 2015/529 do Banco Central Europeu, de 21 de janeiro de 2015 (a seguir «Decisão 2004/258»).


5      JO 2001, L 73, p. 5.


6      JO 1999, L 110, p. 30.


7      A Decisão 2004/258 foi modificada pelas Decisões 2011/342/UE do BCE, de 9 de maio de 2011 (BCE/2011/6) (JO 2011, L 158, p. 37), e (UE) 2015/529 do BCE, de 21 de janeiro de 2015 (BCE/2015/1) (JO 2015, L 84, p. 64). Este último ato introduziu uma alteração no artigo 4.o, n.o 3, primeiro parágrafo, da Decisão 2004/258, com base no qual foi decidida a recusa de acesso em causa, e aditou um segundo parágrafo ao referido número.


8      V. Acórdão de 18 de julho de 2017, Comissão/Breyer (C‑213/15 P, EU:C:2017:563, n.os 50 e 51).


9      V., por analogia, Acórdão de 18 de julho de 2017, Comissão/Breyer (C‑213/15 P, EU:C:2017:563, n.o 48).


10      É o que decorre, nomeadamente, do princípio da interpretação estrita das exceções ao direito de acesso que o Tribunal de Justiça consagrou em virtude dos termos do considerando 4 e do artigo 1.o do Regulamento n.o 1049/2001, segundo os quais este se destina a permitir o mais amplo efeito possível ao direito de acesso do público aos documentos na posse das instituições em causa (Acórdão de 13 de julho de 2017, Saint‑Gobain Glass Deutschland/Comissão, C‑60/15 P, EU:C:2017:540, n.o 63 e jurisprudência referida).


11      Sublinho que embora o Tribunal Geral não tenha expressamente referido que o documento controvertido está relacionado com a atividade principal do BCE, essa qualificação resulta claramente dos elementos de apreciação constantes dos n.os 33, 34 e 36 do acórdão recorrido.


12      N.os 4,18 e 74 do acórdão recorrido.


13      N.os 44 e 45 do acórdão recorrido.


14      N.os 16 e 17 do acórdão recorrido.


15      No Acórdão de 28 de julho de 2011, Office of Communications (C‑71/10, EU:C:2011:525), respeitante à Diretiva 2003/4/CE do Parlamento Europeu e do Conselho, de 28 de janeiro de 2003, relativa ao acesso do público às informações sobre ambiente e que revoga a Diretiva 90/313/CEE do Conselho (JO 2003, L 41, p. 26), o Tribunal de Justiça interpretou o artigo 4.o, n.o 2, dessa diretiva, que enumera as exceções que os Estados‑Membros podem prever à regra geral da divulgação ao público das informações, no sentido de permitir que a autoridade pública destinatária do pedido de acesso tenha cumulativamente em conta diversos motivos de indeferimento, previstos nessa disposição. A este propósito, o Tribunal de Justiça referiu, no n.o 30 desse acórdão, que o facto de os interesses protegidos pela recusa de divulgação e os protegidos pela divulgação serem indicados separadamente no artigo 4.o, n.o 2, da Diretiva 2003/4 não obsta ao cúmulo dessas exceções à regra geral de divulgação, dado que os interesses protegidos pelo indeferimento podem, por vezes, sobrepor‑se uns aos outros numa mesma situação ou numa mesma hipótese.


16      Cabe‑me ainda observar que a aplicação cumulativa dos fundamentos de recusa de acesso foi efetivamente consagrada pelo Tribunal de Justiça no contexto da sua interpretação do Regulamento n.o 1049/2001 (v. Acórdãos do Tribunal de Justiça referidos no n.o 44 do acórdão recorrido) que também contém um artigo 4.o, consagrado às exceções ao direito de acesso e estruturado de forma idêntica à disposição correspondente da Decisão 2004/258. Todavia, pelas considerações evocadas na parte das presentes conclusões dedicada ao quadro jurídico de análise, não tem sentido uma referência a essa jurisprudência para efeitos de uma aplicação analógica no presente processo.


17      V. n.o 47 do acórdão recorrido.


18      V. Acórdão de 26 de maio de 2005, Tralli/BCE (C‑301/02 P, EU:C:2005:306, n.o 78).


19      V. n.os 33, 34, 36 e 50 do acórdão recorrido.


20      V. Acórdão de 10 de setembro de 2014, Ben Alaya (C‑491/13, EU:C:2014:2187, n.o 22 e jurisprudência referida).


21      A título de exemplos, as versões em língua inglesa «Access to a document drafted or received by the ECB for internal use as part of deliberations and preliminary consultations within the ECB, or for exchanges of views between the ECB and NCBs, NCAs or NDAs, shall be refused even after the decision has been taken, unless there is an overriding public interest in disclosure»; em língua espanhola «El acceso a documentos redactados o recibidos por el BCE para su uso interno en el marco de deliberaciones y consultas previas en el BCE o para intercambios de opinión entre el BCE y los BCN, las ANC o las AND, se denegará incluso después de adoptada la decisión de que se trate, salvo que la divulgación de los documentos represente un interés público superior»; em língua italiana «L’accesso a un documento elaborato o ricevuto dalla BCE per uso interno, come parte di deliberazioni e consultazioni preliminari in seno alla BCE stessa, o per scambi di opinioni tra la BCE e le BCN, le ANC o le AND, viene rifiutato anche una volta adottata la decisione, a meno che vi sia un interesse pubblico prevalente alla divulgazione»; e em língua estoniana «Juurdepääsust EKP koostatud või saadud sisekasutuses olevale dokumendile, mis on osa EKP‑sisestest arutlustest või eelkonsultatsioonidest ning EKP seisukohtade vahetusest RKP‑dega, riiklike pädevate asutustega või riiklike määratud asutustega, tuleb keelduda ka pärast otsuse vastuvõtmist, kui puudub ülekaalukas avalik huvi avalikustamiseks».


22      JO 2013, L 287, p. 63.


23      Sublinho, de resto, que a diferença entre as duas situações evocadas no artigo 4.o, n.o 3, da Decisão 2004/258 se exprime pelo facto de a confidencialidade dos documentos mencionados no segundo parágrafo estar condicionada à prova da repercussão negativa da divulgação dos referidos documentos no que toca à eficácia do BCE na prossecução das suas atribuições.


24      V. n.os 48, 59 e 78 da contestação do BCE.


25      V., neste sentido, Acórdão de 10 de julho de 2003, Comissão/BCE (C‑11/00, EU:C:2003:395, n.o 134).


26      V. Acórdão de 19 de dezembro de 2019, BCE/Espírito Santo Financial (Portugal) (C‑442/18 P, EU:C:2019:1117, n.os 40 e 43).


27      V. n.os 38 a 41 do acórdão recorrido.


28      Importa sublinhar que, no n.o 76 da sua contestação e após ter recordado os elementos de apreciação acolhidos pelo Tribunal Geral, o BCE indicou que as afirmações deste eram «juridicamente incontestáveis», manifestando, assim, a sua adesão sem reservas à análise efetuada pelo referido órgão jurisdicional.


29      O mesmo se diga da referência que os recorrentes fizeram ao Acórdão de 13 de julho de 2017, Saint‑Gobain Glass Deutschland/Comissão (C‑60/15 P, EU:C:2017:540), relativo à aplicação da exceção ao direito de acesso prevista no artigo 4.o, n.o 3, primeiro parágrafo, do Regulamento n.o 1049/2001 e respeitante à proteção do processo decisório, no contexto específico de um pedido de acesso a informações ambientais.