Language of document : ECLI:EU:C:2010:583

ACÓRDÃO DO TRIBUNAL DE JUSTIÇA (Quarta Secção)

6 de Outubro de 2010 (*)

«Incumprimento de Estado – Directiva 2002/22/CE (directiva serviço universal) – Comunicações electrónicas – Redes e serviços – Artigo 12.° – Cálculo do custo das obrigações de serviço universal – Componente social do serviço universal – Artigo 13.° – Financiamento das obrigações de serviço universal – Determinação do encargo injustificado»

No processo C‑222/08,

que tem por objecto uma acção por incumprimento nos termos do artigo 226.° CE, entrada em 22 de Maio de 2008,

Comissão Europeia, representada por H. van Vliet e A. Nijenhuis, na qualidade de agentes, com domicílio escolhido no Luxemburgo,

demandante,

contra

Reino da Bélgica, representado por T. Materne e M. Jacobs, na qualidade de agentes, assistidos por S. Depré, avocat,

demandado,

O TRIBUNAL DE JUSTIÇA (Quarta Secção),

composto por: J.‑C. Bonichot (relator), presidente de secção, C. Toader, K. Schiemann, P. Kūris e L. Bay Larsen, juízes,

advogado‑geral: P. Cruz Villalón,

secretário: M. Ferreira, administradora principal,

vistos os autos e após a audiência de 17 de Março de 2010,

ouvidas as conclusões do advogado‑geral na audiência de 22 de Junho de 2010,

profere o presente

Acórdão

1        Na petição, a Comissão das Comunidades Europeias pede ao Tribunal de Justiça que declare que o Reino da Bélgica, não tendo transposto plenamente os artigos 12.°, n.° 1, e 13.°, n.° 1, bem como o anexo IV, parte A, da Directiva 2002/22/CE do Parlamento Europeu e do Conselho, de 7 de Março de 2002, relativa ao serviço universal e aos direitos dos utilizadores em matéria de redes e serviços de comunicações electrónicas (directiva serviço universal) (JO L 108, p. 51), não cumpriu as obrigações que lhe incumbem por força da referida directiva e do artigo 249.° CE.

 Quadro jurídico

 Regulamentação comunitária

 Directiva 2002/22

2        O quarto considerando da Directiva 2002/22 enuncia que o facto de «garantir um serviço universal (ou seja, a oferta de um determinado conjunto mínimo de serviços a todos os utilizadores finais, a um preço acessível) pode implicar a oferta de alguns serviços a alguns utilizadores finais a preços que se afastam das condições normais do mercado. No entanto, a compensação das empresas designadas para oferecer esses serviços em tais circunstâncias não tem necessariamente de resultar numa distorção da concorrência, desde que as empresas designadas sejam compensadas pelo custo líquido específico envolvido e que os custos líquidos sejam recuperados de modo neutro, do ponto de vista da concorrência».

3        Nos termos do décimo oitavo considerando da Directiva 2002/22:

«Os Estados‑Membros podem, sempre que necessário, estabelecer mecanismos de financiamento do custo líquido das obrigações de serviço universal, nos casos em que se demonstre que as obrigações só podem ser asseguradas com prejuízo ou com um custo líquido que ultrapassa os padrões comerciais normais. […]»

4        O vigésimo primeiro considerando da Directiva 2002/22 está redigido nos seguintes termos:

«Quando uma obrigação de serviço universal constitui um encargo excessivo para uma empresa, é apropriado permitir que os Estados‑Membros estabeleçam mecanismos para uma recuperação eficiente dos custos líquidos. […]»

5        Nos termos do artigo 3.° da Directiva 2002/22, sob a epígrafe «Disponibilidade do serviço universal»:

«1.      Os Estados‑Membros garantirão que os serviços definidos neste capítulo sejam disponibilizados, com a qualidade especificada, a todos os utilizadores finais no seu território, independentemente da sua localização geográfica, e a um preço acessível em função das condições nacionais específicas.

2.      Os Estados‑Membros determinarão a abordagem mais eficiente e adequada para assegurar a realização do serviço universal, respeitando simultaneamente os princípios da objectividade, da transparência, da não discriminação e da proporcionalidade. Procurarão reduzir ao mínimo as distorções do mercado, em especial a prestação de serviços a preços ou em termos ou condições que se afastem das condições comerciais normais, salvaguardando simultaneamente o interesse público.»

6        O artigo 8.° desta directiva, intitulado «Designação das empresas», determina:

«1.      Os Estados‑Membros poderão designar uma ou mais empresas para garantir a prestação do serviço universal […]

2.      Quando designarem as empresas com obrigações de serviço universal numa parte ou na totalidade do território nacional, os Estados‑Membros devem utilizar um mecanismo de designação eficaz, objectivo, transparente e não discriminatório, em que nenhuma empresa esteja a priori excluída da possibilidade de ser designada. Esses métodos de designação devem assegurar a oferta do serviço universal de modo economicamente eficiente e podem ser utilizados como meio para determinar o custo líquido da obrigação de serviço universal nos termos do artigo 12.°»

7        O artigo 9.° da Directiva 2002/22, sob a epígrafe «Acessibilidade das tarifas», prevê:

«1.      As autoridades reguladoras nacionais acompanharão a evolução e o nível das tarifas a retalho dos serviços identificados nos artigos 4.°, 5.°, 6.° e 7.° como fazendo parte das obrigações de serviço universal e prestados por empresas designadas, em especial no que diz respeito aos preços nacionais no consumidor e ao rendimento nacional.

2.      Em função das condições nacionais, os Estados‑Membros podem exigir que as empresas designadas ofereçam aos consumidores opções ou pacotes tarifários diferentes dos oferecidos em condições comerciais normais, sobretudo com o intuito de assegurar que os consumidores com baixos rendimentos ou com necessidades sociais especiais não sejam impedidos de aceder ao serviço telefónico acessível ao público ou de o utilizar.

[…]»

8        O artigo 12.° da Directiva 2002/22, sob a epígrafe «Determinação dos custos das obrigações de serviço universal», estabelece, no n.° 1:

«Sempre que as autoridades reguladoras nacionais considerem que a prestação do serviço universal tal como estabelecido nos artigos 3.° a 10.° pode constituir um encargo excessivo para as empresas designadas para prestar esse serviço, calcularão os custos líquidos da sua prestação.

Para esse efeito, as autoridades reguladoras nacionais devem:

a)      Calcular o custo líquido da obrigação de serviço universal, tendo em conta quaisquer vantagens de mercado adicionais de que beneficie a empresa designada para prestar o serviço universal, de acordo com a parte A do anexo IV; ou

b)      Utilizar o custo líquido da prestação do serviço universal identificado por um mecanismo de designação nos termos do n.° 2 do artigo 8.°»

9        Nos termos do artigo 13.° da Directiva 2002/22, sob a epígrafe «Financiamento das obrigações de serviço universal»:

«1.      Quando, com base no cálculo do custo líquido referido no artigo 12.°, as autoridades reguladoras nacionais considerarem que uma empresa está sujeita a encargos excessivos, os Estados‑Membros devem, a pedido da empresa designada, decidir:

a)      Introduzir um mecanismo para compensar essa empresa pelos custos líquidos apurados em condições de transparência e a partir de fundos públicos; e/ou

b)      Repartir o custo líquido das obrigações de serviço universal pelos operadores de redes e serviços de comunicações electrónicas.

[…]»

10      O anexo IV, parte A, da Directiva 2002/22 descreve a forma como se deve calcular o custo líquido das obrigações de serviço universal nos seguintes termos:

«As obrigações de serviço universal são as obrigações impostas a uma empresa por um Estado‑Membro no sentido de assegurar a oferta de uma rede e serviço em toda uma área geográfica específica e que incluem, quando adequado, os preços médios nessa área geográfica para a oferta desse serviço ou a oferta de opções tarifárias específicas para os consumidores com baixos rendimentos ou com necessidades sociais especiais.

As autoridades reguladoras nacionais analisarão todos os meios para assegurar incentivos adequados, de modo que as empresas (designadas ou não) cumpram as obrigações de serviço universal de forma economicamente eficiente. O custo líquido das obrigações de serviço universal será calculado como a diferença entre os custos líquidos, para uma empresa designada, do funcionamento com as obrigações de serviço universal e do funcionamento sem essas obrigações. Isto aplica‑se quer a rede de um determinado Estado‑Membro esteja plenamente desenvolvida quer esteja ainda em fase de desenvolvimento e expansão. Há que ter em atenção a necessidade de avaliar correctamente os custos que qualquer empresa designada teria decidido evitar se não existisse qualquer obrigação de serviço universal. O cálculo do custo líquido deve ter em conta os benefícios, incluindo os benefícios não materiais, obtidos pelo operador do serviço universal.

[…]»

11      Em conformidade com o disposto no artigo 38.° da Directiva 2002/22, os Estados‑Membros deviam aprovar as disposições legislativas, regulamentares e administrativas necessárias para lhe dar cumprimento o mais tardar em 24 de Julho de 2003, desse facto informar imediatamente a Comissão e aplicar essas disposições a partir de 25 de Julho de 2003.

 Legislação nacional

12      Em 13 de Junho de 2005, o Reino da Bélgica aprovou a Lei relativa às telecomunicações electrónicas (Moniteur belge de 20 de Junho de 2005, p. 28070, a seguir «Lei de 13 de Junho de 2005»), posteriormente alterada pela Lei de 25 de Abril de 2007, que contém disposições diversas (IV) (Moniteur belge de 8 de Maio de 2007, p. 25103, a seguir «Lei de 25 de Abril de 2007»).

13      O artigo 74.° da Lei de 13 de Junho de 2005, conforme alterada pela Lei de 25 de Abril de 2007, tem a seguinte redacção:

«A componente social do serviço universal consiste na oferta, pelos operadores que prestem um serviço telefónico público aos consumidores, de condições tarifárias especiais a algumas categorias de beneficiários.

As categorias de beneficiários e as condições tarifárias referidas no parágrafo anterior, bem como os procedimentos com vista à obtenção dessas condições tarifárias, encontram‑se definidos em anexo.

Compete ao Institut [belga dos serviços postais e das telecomunicações (a seguir ‘Institut’)] enviar todos os anos ao Ministro [que tutela os assuntos relativos às comunicações electrónicas] um relatório sobre as quotas dos operadores relativamente ao número total de assinantes sociais com referência às respectivas quotas de mercado com base no volume de negócios no mercado da telefonia pública.

É instituído um fundo para o serviço universal em matéria de tarifas sociais encarregado de indemnizar os prestadores de tarifas sociais que, para esse efeito, apresentem um pedido ao Institut. Esse fundo é dotado de personalidade jurídica e é gerido pelo Institut.

O Rei determinará, por despacho aprovado em Conselho de Ministros, após parecer do Institut, as regras de funcionamento desse mecanismo.

Se o número de reduções de tarifas concedidas por um operador for inferior ao número de reduções de tarifas correspondente à sua quota do volume de negócios global do mercado da telefonia pública, esse operador fica obrigado a compensar essa diferença.

Se o número de reduções de tarifas concedidas por um operador for superior ao número de reduções de tarifas correspondente à sua quota do volume de negócios global do mercado da telefonia pública, esse operador receberá uma indemnização de montante igual a essa diferença.

As compensações referidas nos parágrafos anteriores são imediatamente devidas. A compensação efectiva efectuada através do fundo só ocorrerá quando este estiver operacional ou, o mais tardar, no decurso do ano seguinte à entrada em vigor do presente artigo.

O Institut, utilizando a metodologia definida no anexo, calculará, para cada operador que lhe tenha apresentado um pedido nesse sentido, o custo líquido das tarifas sociais.

O Institut pode determinar as modalidades de cálculo dos custos e das compensações dentro dos limites estabelecidos na presente lei e no seu anexo.»

14      O artigo 45.° bis do anexo da Lei de 13 de Junho de 2005, aditado pelo artigo 200.° da Lei de 25 de Abril de 2007, define a metodologia a utilizar no cálculo do custo líquido das tarifas sociais. O referido artigo 45.° bis determina:

«O custo líquido das tarifas sociais do serviço universal corresponde à diferença entre as receitas que o prestador das tarifas sociais obteria em condições comerciais normais e aquelas que recebe na sequência das reduções previstas na presente lei a favor dos beneficiários das tarifas sociais.

Nos cinco primeiros anos após a entrada em vigor da lei, a compensação, quando devida, do prestador histórico das tarifas sociais sofrerá uma redução que o Institut fixará em termos de percentagem.

A percentagem em causa no parágrafo anterior é determinada com base no benefício indirecto. O Institut basear‑se‑á nos cálculos que efectuou ao determinar os custos líquidos do prestador histórico das tarifas sociais.»

15      Nos termos do artigo 202.° da Lei de 25 de Abril de 2007:

«A expressão ‘As compensações referidas nos parágrafos anteriores são imediatamente devidas’, constante do artigo 74.°, [oitavo] parágrafo, da Lei de 13 de Junho de 2005 […], deve ser interpretada do seguinte modo:

Durante a preparação da Lei de 13 de Junho de 2005 […], dadas as condições definidas na [D]irectiva [2002/22] e na sequência de um pedido nesse sentido do operador histórico do serviço universal e depois da fixação do custo líquido desse serviço pelo Institut, o legislador procedeu, na qualidade de autoridade reguladora nacional, a uma avaliação da razoabilidade dos encargos. A este propósito, o legislador, como de resto o Conseil d’État já havia observado, considerou que, uma vez que se deve tomar em consideração qualquer benefício indirecto, mesmo os imateriais, que possa decorrer dessa prestação, toda a situação deficitária revelada por esse cálculo é, efectivamente, irrazoável.»

 Procedimento pré‑contencioso e tramitação do processo no Tribunal de Justiça

16      A Comissão, após ter recebido, em 24 de Junho de 2005, o texto da Lei de 13 de Junho de 2005, através da qual o Reino da Bélgica aprovou as medidas de transposição da Directiva 2002/22, pôs em dúvida, por notificação para cumprir de 15 de Novembro de 2006, a conformidade de determinados aspectos dessa lei com os artigos 12.°, n.° 1, e 13.°, n.° 1, da dita directiva.

17      Na sua resposta, datada de 16 de Fevereiro de 2007, o Reino da Bélgica anunciou a aprovação de modificações à referida lei, que nela acabaram por ser introduzidas pela Lei de 25 de Abril de 2007.

18      A Comissão desistiu então de algumas acusações. Todavia, manteve duas, ou seja, por um lado, a relativa à inexistência, na legislação belga, de disposições que previssem a apreciação, pela autoridade reguladora nacional, da questão de saber se a obrigação de propor tarifas sociais representa um encargo injustificado e, por outro, a relativa à forma como a referida autoridade deve calcular os custos líquidos decorrentes da prestação das tarifas sociais.

19      Em 29 de Junho de 2007, a Comissão formulou um parecer fundamentado em que convidou o Reino da Bélgica a tomar as medidas necessárias para dar cumprimento à Directiva 2002/22 no prazo de dois meses a contar da recepção do parecer.

20      Por ofício de 1 de Agosto de 2007, o Reino da Bélgica apresentou um pedido de prorrogação do prazo, que a Comissão indeferiu por considerar que não estavam preenchidas as condições necessárias.

21      Considerando que as informações fornecidas pelo Reino da Bélgica não eram satisfatórias, a Comissão decidiu intentar a presente acção.

 Quanto à acção

 Quanto à primeira acusação, relativa às regras que permitem determinar se a obrigação de praticar tarifas sociais representa um encargo injustificado

 Argumentos das partes

22      Segundo a Comissão, os artigos 12.°, n.° 1, e 13.°, n.° 1, da Directiva 2002/22 obrigam a autoridade reguladora nacional a examinar a natureza dos encargos que decorrem desse fornecimento para os operadores designados para fornecer o serviço universal.

23      Com a aprovação do artigo 74.° da Lei de 13 de Junho de 2005, na versão resultante da Lei de 25 de Abril de 2007, o legislador belga considerou que, para as empresas em causa, os custos líquidos resultantes da obrigação de praticar tarifas sociais representam um encargo injustificado que necessariamente deve dar lugar a uma compensação. Assim, acabou por criar um fundo para o serviço universal em matéria de tarifas sociais, que é alimentado pelas contribuições dos operadores e se destina a indemnizar essas empresas.

24      A Comissão, além de se interrogar sobre a possibilidade de o próprio legislador poder ser uma autoridade reguladora nacional, defende que a Directiva 2002/22 obriga ao exame concreto da natureza eventualmente injustificada do encargo no contexto do cálculo do custo líquido e do financiamento das obrigações de serviço universal. Por conseguinte, o facto de esta apreciação ser efectuada ao mesmo tempo que foi aprovada a lei que visa definir as regras relativas ao serviço universal é incompatível com a Directiva 2002/22, porquanto isso equivaleria à determinação a priori da natureza injustificada do encargo, e isto de forma geral e abstracta.

25      A Comissão acrescenta que o método aprovado não corresponde ao definido na Directiva 2002/22, pois nem o legislador belga nem o Institut examinaram devidamente se o fornecimento do serviço universal representa um encargo injustificado para os operadores em causa.

26      Quanto ao cálculo dos custos líquidos das obrigações de serviço universal realizado pelo Institut em 26 de Novembro de 2002, a Comissão alega que, na medida em que a Lei de 13 de Junho de 2005 só foi aprovada dois anos e meio após a formulação do parecer pelo Institut, o referido cálculo era obsoleto e não estava adaptado à real situação factual. Efectivamente, enquanto a referida lei impôs a obrigação de serviço universal a todos os operadores, o parecer do Institut relativo aos custos suportados pela sociedade Belgacom (a seguir «Belgacom») só dizia respeito às estimativas para 2003, quando era a única sujeita à obrigação de praticar tarifas sociais. Por conseguinte, o referido parecer não se podia fundar num cálculo válido dos custos líquidos na base do qual o Reino da Bélgica podia considerar que a aprovação da Lei de 13 de Junho de 2005 implicava um encargo injustificado para todos os operadores.

27      A Comissão conclui que o sistema belga não incita ao respeito dos princípios da rentabilidade, da eficácia, da objectividade, da não discriminação e da menor distorção da concorrência, conforme definidos na jurisprudência do Tribunal de Justiça, evocando a este propósito o acórdão de 19 de Junho de 2008, Comissão/França (C‑220/07, n.° 31).

28      A Comissão observa ainda que, conforme reguladas pela lei belga, as competências do Institut são demasiado limitadas, na medida em que não se previu que possa declarar que o fornecimento do serviço universal não implica um encargo injustificado.

29      Por último, a Comissão admira‑se que o legislador belga tenha agido como autoridade reguladora nacional relativamente a um único aspecto das directivas sobre as telecomunicações, concretamente, quanto à apreciação da existência de encargos injustificados resultantes do fornecimento do serviço universal, quando a Lei de 13 de Junho de 2005 não se debruçava sobre esse aspecto, que, de resto, não foi objecto de qualquer publicação nesse sentido, contrariamente ao disposto no artigo 3.°, n.° 4, da Directiva 2002/21/CE do Parlamento Europeu e do Conselho, de 7 de Março de 2002, relativa a um quadro regulamentar comum para as redes e serviços de comunicações electrónicas (directiva‑quadro) (JO L 108, p. 33), e quando os argumentos fundados no direito constitucional belga não podem ser utilmente evocados.

30      Ao invocar o princípio da autonomia institucional, o artigo 249.° CE, bem como o décimo primeiro considerando e os artigos 2.° e 3.° da Directiva 2002/21, o Reino da Bélgica alega que nada obsta a que, em conformidade com o seu sistema constitucional, o Parlamento belga aja como autoridade reguladora nacional para declarar a existência de encargos injustificados resultantes do fornecimento do serviço universal.

31      O facto de, por via legislativa, definir o que se deve entender por encargo injustificado evitaria desigualdades de tratamento entre os diferentes operadores, que passaram a ter de praticar tarifas sociais e, por isso, têm de suportar perdas, já que essas tarifas são inferiores aos preços normais. Todos os custos líquidos que uma empresa encarregada do serviço universal tem de suportar enquanto fornecedor desse serviço deveriam, portanto, ser considerados custos injustificados e, portanto, ser objecto de compensação.

32      O Reino da Bélgica precisa que a missão atribuída à autoridade reguladora nacional no que respeita à organização do serviço social universal foi repartida entre o legislador e o Institut, que, na sua qualidade de órgão de execução, determina, de acordo com os critérios definidos na lei, o direito de cada operador a uma indemnização.

33      O Reino da Bélgica sublinha que um sistema de serviço social universal específico liberalizado, como o em apreço, em que todos os operadores são designados fornecedores desse serviço, contribui para uma concorrência permanente entre os operadores e traz grandes vantagens para os consumidores.

34      Todavia, o bom funcionamento desse sistema implica que os operadores disponham de garantias no que respeita à possibilidade de obter uma compensação. Para esse efeito, a indemnização prevista cobre o montante das reduções legais que têm de efectuar para responder às necessidades dos assinantes sociais no que respeita ao que excede, proporcionalmente, a respectiva quota de mercado. O custo líquido assim determinado corresponde ao que o anexo IV, parte A, terceiro parágrafo, da Directiva 2002/22 define como «custos imputáveis […] [aos] utilizadores finais ou grupos de utilizadores finais específicos que […] só podem ser servidos […] em condições de custo que não se enquadram nas práticas comerciais normais».

35      Quanto ao argumento da Comissão de que a legislação belga não prevê que se examine a natureza eventualmente injustificada dos encargos que resultam das obrigações de serviço universal, o Reino da Bélgica afirma que o legislador entendeu que os encargos são injustificados quando tenham de ser suportados custos líquidos e tenha sido apresentado um pedido de financiamento. Qualquer outra apreciação do carácter injustificado do encargo conduziria, no quadro do sistema belga, a uma distorção da concorrência entre as empresas em causa, dado que, quando todas têm de suportar as mesmas obrigações, só algumas têm o direito de pedir uma indemnização.

36      Além disso, antes de ser tomada a decisão sobre o carácter injustificado do referido encargo, o Institut realizou o cálculo do custo líquido resultante da oferta do serviço social universal de acordo com o disposto no anexo IV, parte A, da Directiva 2002/22. Esse cálculo foi efectuado pela primeira vez em 2002, tendo sido posteriormente actualizado em 2005, tendo em conta, nomeadamente, as eventuais vantagens comerciais de que a Belgacom podia beneficiar devido ao monopólio que então detinha.

37      Quanto à exigência de transparência consagrada no artigo 12.°, n.° 2, da Directiva 2002/22, o Reino da Bélgica sublinha que a decisão definitiva sobre o cálculo do custo líquido foi publicada em 18 de Maio de 2005 na página Internet do Institut.

38      Além disso, a intervenção do legislador é obrigatória por razões de ordem constitucional, já que o regime de compensação instituído em prol dos operadores deve ser qualificado de sistema fiscal.

39      A Directiva 2002/22 obriga a que se proceda a um único exame do carácter eventualmente injustificado do encargo, o que, consequentemente, conduz ao estabelecimento do mecanismo de financiamento geral a que se refere o artigo 13.°, n.° 2, deste diploma. A Comissão, erradamente, não tomou em consideração a diferença fundamental existente entre, por um lado, o cálculo do custo líquido no quadro da decisão sobre o carácter eventualmente injustificado do encargo e da decisão que prevê um mecanismo de compensação, que era uma operação única que teve lugar quando da aprovação da Lei de 13 de Junho de 2005, e, por outro, o cálculo do custo líquido nos termos do artigo 45.° bis do anexo dessa lei, que é uma operação anual realizada para efeitos do pagamento da indemnização a todos os operadores em causa.

 Apreciação do Tribunal

40      A título liminar, recorde‑se que a Directiva 2002/22 visa criar um quadro regulamentar harmonizado que garanta, no sector das comunicações electrónicas, o fornecimento de um serviço universal, ou seja, de um conjunto mínimo de serviços específicos a todos os utilizadores finais a um preço acessível. Nos termos do seu artigo 1.°, n.° 1, um dos objectivos deste diploma é o de garantir a disponibilidade, em toda a Comunidade Europeia, de serviços de boa qualidade acessíveis ao público, através de uma concorrência e de uma possibilidade de escolha efectivas (acórdão Comissão/França, já referido, n.° 28).

41      Nos termos do artigo 3.°, n.° 2, da referida directiva, os Estados‑Membros determinarão a abordagem mais eficiente e adequada para assegurar a realização do serviço universal, respeitando os princípios da objectividade, da transparência, da não discriminação e da proporcionalidade, e procurarão reduzir ao mínimo as distorções do mercado, salvaguardando simultaneamente o interesse público (acórdão Comissão/França, já referido, n.° 29).

42      Como enuncia o quarto considerando da Directiva 2002/22, o facto de garantir um serviço universal pode implicar a oferta de alguns serviços a alguns utilizadores finais a preços que se afastam das condições normais do mercado. Foi por isso que, como resulta do décimo oitavo considerando da mesma directiva, o legislador comunitário previu que os Estados‑Membros podem, sempre que necessário, estabelecer mecanismos de financiamento do custo líquido das obrigações de serviço universal, nos casos em que se demonstre que essas obrigações só podem ser asseguradas com prejuízo ou com um custo líquido que ultrapassa os padrões comerciais normais.

43      Assim, em conformidade com o disposto no artigo 12.°, n.° 1, primeiro parágrafo, da Directiva 2002/22, as autoridades reguladoras nacionais, sempre que considerem que a prestação do serviço universal, tal como definida nos artigos 3.° a 10.°, pode constituir um encargo injustificado para as empresas designadas para o prestarem, devem calcular o custo líquido dessa prestação.

44      Observe‑se que, apesar de as disposições do segundo parágrafo do artigo 12.°, n.° 1, e do anexo IV da Directiva 2002/22 definirem as regras segundo as quais deve ser calculado o custo líquido do fornecimento do serviço universal quando as autoridades reguladoras nacionais considerem que esse fornecimento pode constituir um encargo injustificado, não resulta do referido artigo 12.°, n.° 1, nem de qualquer outra disposição desta directiva que o legislador comunitário pretendeu definir as condições em que as ditas autoridades são induzidas a considerar, previamente, que esse fornecimento pode constituir esse encargo injustificado.

45      Nestas condições, o Reino da Bélgica, quando fixou as condições nos termos das quais se deve determinar se o referido encargo é, ou não, injustificado, não deixou de cumprir as obrigações que lhe incumbem por força do artigo 12.° desta directiva.

46      Em contrapartida, resulta do disposto no artigo 13.° da Directiva 2002/22 que é apenas com base no cálculo do custo líquido do fornecimento do serviço universal, conforme definido no artigo 12.° deste diploma, que as autoridades reguladoras nacionais podem declarar que uma empresa designada fornecedora do serviço universal está efectivamente sujeita a um encargo injustificado, devendo então os Estados‑Membros decidir, a pedido dessa empresa, as modalidades de indemnização em função desses custos.

47      Nos termos do artigo 12.°, n.° 1, segundo parágrafo, alínea a), da Directiva 2002/22, e do anexo IV do mesmo diploma, esse cálculo deve ser efectuado relativamente a cada uma das empresas designadas para fornecer o serviço universal.

48      Uma vez que a conclusão de que o fornecimento do serviço universal representa um encargo injustificado para uma ou mais dessas empresas constitui o pressuposto necessário para a aprovação, pelos Estados‑Membros, de mecanismos de indemnização em razão dos custos suportados por essa ou essas empresas, importa determinar o que se deve entender por «encargo injustificado», já que esse conceito não se encontra definido na Directiva 2002/22.

49      A este propósito, resulta do vigésimo primeiro considerando da Directiva 2002/22 que o legislador comunitário pretendeu associar os mecanismos de cobertura dos custos líquidos que o fornecimento do serviço universal pode gerar para uma empresa à existência de um encargo excessivo para essa empresa. Neste contexto, ao considerar que o custo líquido do serviço universal não representa necessariamente um encargo excessivo para todas as empresas em causa, decidiu excluir que os custos líquidos de fornecimento do serviço universal dêem automaticamente direito à indemnização. Nestas condições, o encargo injustificado cuja existência deve ser declarada pela autoridade reguladora nacional antes de qualquer indemnização é o encargo que, para cada empresa em causa, tem um carácter excessivo na perspectiva da sua capacidade para o suportar, tendo em conta o conjunto das suas características especificas, designadamente o nível dos seus equipamentos, a sua situação económica e financeira e a sua quota de mercado.

50      Embora, por nada ser dito na Directiva 2002/22 a este respeito, caiba à autoridade reguladora nacional fixar, de modo geral e abstracto, os critérios que permitem determinar os limiares a partir dos quais, tendo em conta as características indicadas no número anterior, um encargo pode ser considerado excessivo, também é verdade que a referida autoridade só pode declarar que o encargo representado pelo fornecimento do serviço universal é injustificado, por força da aplicação do artigo 13.° desta directiva, se proceder ao exame específico da situação de cada empresa em causa à luz desses critérios.

51      Se a autoridade reguladora nacional concluir que uma ou mais empresas designadas fornecedores do serviço universal estão sujeitas a um encargo injustificado e se essa ou essas empresas pedirem para ser indemnizadas, cabe então ao Estado‑Membro pôr em prática os mecanismos necessários para o efeito, em conformidade com o disposto no artigo 13.°, n.° 1, alínea a), da Directiva 2002/22, do qual resulta também que essa indemnização se deve basear nos custos líquidos tal como foram calculados ao abrigo do disposto no artigo 12.° deste diploma.

52      Resulta de tudo o que precede que os Estados‑Membros não podem, sem violar as obrigações decorrentes da Directiva 2002/22, declarar que o fornecimento do serviço universal constitui efectivamente um encargo injustificado passível de ser indemnizado sem ter calculado o custo líquido que esse encargo representa para cada empresa a quem incumbe esse fornecimento nem apreciado se esse custo constitui um encargo excessivo para a referida empresa. Também não podem aprovar um regime de indemnizações em que estas não tenham nenhuma relação com o referido custo líquido.

53      É à luz destas considerações que importa examinar a justeza da primeira acusação.

54      Resulta do artigo 74.° da Lei de 13 de Junho de 2005, conforme interpretado pela Lei de 25 de Abril de 2007, que, para concluir que o fornecimento da componente social do serviço universal representa um encargo injustificado, o legislador belga considerou que, na medida em que se atendeu, no cálculo do custo líquido desse serviço, a todos os benefícios indirectos, mesmo os imateriais, que podem decorrer dessa prestação, «toda a situação deficitária revelada por esse cálculo é […] irrazoável». Resulta do mesmo artigo 74.° que o dito legislador decidiu que, se o número de reduções de tarifas concedidas por um operador for superior ao número de reduções de tarifas correspondente à sua quota do volume de negócios global do mercado da telefonia pública, esse operador deverá receber uma indemnização de montante igual a essa diferença.

55      Para se pronunciar assim, em 2005, sobre o carácter injustificado do encargo que representa o fornecimento de tarifas sociais a título do serviço universal, o legislador belga fundou‑se num parecer de 2002 do Institut sobre os custos suportados pelo operador histórico – Belgacom – e relativo a estimativas para 2003.

56      Como resulta da conclusão constante do n.° 44 do presente acórdão, nada obsta a que a autoridade reguladora nacional, a partir do momento em que a Lei de 13 de Junho de 2005 passou a obrigar todos os operadores de telecomunicações a propor tarifas sociais, considere, com base nos referidos dados, que o custo do fornecimento do serviço universal «pode» representar um encargo injustificado, na acepção do artigo 12.° da Directiva 2002/22.

57      Ao invés, as regras de determinação do encargo injustificado que concedem direito a uma indemnização como as previstas na referida lei não estão em conformidade com as exigências enunciadas no artigo 13.° da Directiva 2002/22.

58      Com efeito, em primeiro lugar, ao considerar que todas as situações deficitárias reveladas pelo cálculo do custo líquido são «encargos irrazoáveis», o legislador belga concedeu, sem mais, um direito à indemnização a favor dos operadores cujos custos líquidos suportados devido às obrigações de serviço universal a que estão sujeitos não representam, contudo, um encargo excessivo, quando decorre do n.° 49 do presente acórdão que, embora uma situação deficitária seja um encargo, não é necessariamente um encargo excessivo para todo o operador.

59      Em segundo lugar, a apreciação desse carácter excessivo do encargo ligado ao fornecimento do serviço universal pressupõe um exame específico tanto do custo líquido que esse fornecimento representa para cada operador em causa como do conjunto das características específicas desses operadores, tais como o nível dos seus equipamentos, a sua situação económica e financeira e a sua quota de mercado, como decorre dos n.os 47 e 49 do presente acórdão. Porém, o Reino da Bélgica não demonstrou, e também não resulta de nenhum dos elementos dos autos submetidos ao Tribunal, que o legislador belga considerou o conjunto dessas características quando chegou à conclusão de que o fornecimento do serviço universal representa um encargo injustificado.

60      Em terceiro lugar, ao determinar que todos os custos suportados devido ao número de reduções de tarifas concedidas por um operador exceder proporcionalmente a sua quota de mercado devem ser automaticamente indemnizados, a Lei de 13 de Junho de 2005 instituiu um mecanismo que conduz a uma indemnização não relacionada com o custo líquido do fornecimento do serviço universal, como foi calculado nos termos do artigo 12.° da Directiva 2002/22.

61      Decorre das considerações precedentes que a primeira acusação da Comissão, na parte relativa à violação das obrigações previstas no artigo 13.° da Directiva 2002/22, é procedente.

 Quanto à segunda acusação, relativa ao cálculo do custo líquido do fornecimento do serviço universal

 Argumentos das partes

62      No âmbito da segunda acusação, a Comissão alega, por um lado, que, na medida em que, segundo a legislação belga, o cálculo do custo líquido do fornecimento do serviço universal se baseia num prejuízo hipotético igual ao montante correspondente ao número de reduções de tarifas concedidas que excedem proporcionalmente a quota de mercado do operador em causa, não são tidos em conta os custos reais que a empresa teria efectivamente evitado caso não existisse a obrigação de serviço universal. Esta perspectiva é contrária tanto ao artigo 12.° da Directiva 2002/22 como à obrigação decorrente do seu anexo IV, parte A.

63      Por outro lado, a forma de cálculo prevista na legislação belga não tem em consideração as vantagens comerciais de que beneficia a empresa designada, quando a Directiva 2002/22 impõe que o cálculo do custo líquido atenda aos benefícios que podem decorrer do fornecimento do serviço universal, incluindo os benefícios imateriais.

64      A Comissão sustenta ainda que o Reino da Bélgica considera, erradamente, que os termos «receitas» e «custos» são sinónimos. O facto de um fornecedor beneficiar de menos receitas porque tem de propor uma tarifa social é, contudo, estranho à questão de saber quais os custos líquidos adicionais que suporta devido à obrigação de serviço universal.

65      Com efeito, os custos adicionais realmente suportados por esse fornecedor, ou seja, os custos que não suportaria se não fosse obrigado a propor uma tarifa social, não correspondem necessariamente ao montante das reduções que deve conceder. Esses custos dependem, por um lado, da estrutura de custos do operador em causa, que, por sua vez, depende do tipo de serviços que forneceu, e, por outro, da situação desse operador perante os seus clientes. Assim, poderia existir uma grande diferença entre, por um lado, os custos adicionais que o operador histórico suporta porque continua a servir a linha fixa de determinados clientes sociais já há muito instalada e, por outro, os custos adicionais suportados por um novo operador que liga novos clientes sociais à sua rede.

66      Por último, no que respeita ao cálculo das vantagens comerciais, a Comissão considera que a afirmação de que os operadores não beneficiam, em princípio, de nenhuma vantagem comercial indirecta não se baseia em nenhum elemento preciso. Na medida em que o Institut nunca calculou os custos líquidos – o cálculo realizado no que respeita à Belgacom em 2002 deve ser considerado obsoleto e inadequado –, não é possível concluir que a obrigação de propor tarifas sociais não confere vantagens comerciais a nenhum operador.

67      Tendo afirmado que o método de cálculo está em perfeita conformidade com as exigências da Directiva 2002/22, o Reino da Bélgica precisa que o custo líquido das obrigações de serviço universal corresponde, no sistema belga, à diferença entre as receitas que o fornecedor do serviço universal realizaria em condições comerciais normais e as que obtém na sequência das reduções previstas na lei a favor dos beneficiários da tarifa social.

68      As únicas perdas financeiras que um operador poderia evitar caso não existisse a obrigação de serviço universal são as reduções de tarifa obrigatórias. Com efeito, abstraindo do tipo de tarifa aplicada, os operadores oferecem o mesmo serviço a todos os assinantes existentes.

69      Na medida em que todos os operadores de telefonia pública são obrigados a fornecer o serviço universal aos consumidores, não é possível identificar uma vantagem comercial indirecta para um operador. De qualquer modo, as eventuais vantagens são potencialmente idênticas para todos os operadores.

70      Além disso, segundo o Estado‑Membro demandado, se a conclusão de que o operador histórico gozava de uma grande vantagem comercial relativamente aos outros operadores justificou a aprovação do artigo 45.° bis do anexo da Lei de 13 de Junho de 2005, aditado pelo artigo 200.° da Lei de 25 de Abril de 2007, que instituiu um mecanismo de redução da compensação que esse operador histórico recebe, esse mecanismo não implica o reconhecimento de que essa vantagem também pode existir para os outros operadores.

71      O Reino da Bélgica alega que, à luz da letra do anexo IV da Directiva 2002/22, podem ser tomados em consideração dois tipos de custos no âmbito do cálculo do custo líquido: as perdas resultantes do facto de o custo do serviço universal não ser coberto pelas receitas e os custos resultantes do afastamento das condições comerciais normais.

72      Assim, a perspectiva adoptada pelo legislador belga, que consiste em considerar custos líquidos as reduções, com referência às condições comerciais normais que os fornecedores do serviço social universal devem conceder aos assinantes sociais, está em conformidade com a letra do anexo IV, parte A, da Directiva 2002/22. Segundo o Reino da Bélgica, a solução oposta conduziria, no sistema liberalizado belga, a uma distorção da concorrência entre empresas de telecomunicações, porquanto todas seriam obrigadas a conceder as reduções sociais, mas beneficiariam de indemnizações diferentes.

73      Quanto à apreciação das vantagens comerciais, o Reino da Bélgica afirma, por um lado, que foi efectuado um cálculo do custo líquido no que respeita à Belgacom tomando‑se em consideração as vantagens comerciais que esta podia retirar do fornecimento do serviço universal devido ao monopólio de que então beneficiava nesse domínio e, por outro, que, a partir da liberalização do serviço universal, o cálculo anual do custo líquido passou a ser efectuado quando da determinação do montante da indemnização devida a cada operador na sequência do respectivo pedido de indemnização. A análise do sistema liberalizado belga revela que as vantagens comerciais indirectas que os operadores pedem retirar da concessão de reduções sociais são potencialmente idênticas para todos os operadores.

 Apreciação do Tribunal

74      A título preliminar, recorde‑se, por um lado, que, segundo as disposições do anexo IV, parte A, da Directiva 2002/22, o custo líquido do fornecimento do serviço universal corresponde à diferença entre o custo líquido suportado por uma empresa designada quando fornece um serviço universal e quando o não fornece. Para este efeito, há que, nos termos das mesmas disposições, avaliar correctamente os custos que a empresa designada teria evitado se não existissem obrigações de serviço universal, se tivesse podido optar por não cumprir essas obrigações, e os benefícios, incluindo os benefícios imateriais, para o operador de serviço universal.

75      Por outro lado, segundo o artigo 45.° bis da Lei de 13 de Junho de 2005, o custo líquido da componente social do serviço universal corresponde à diferença entre as receitas auferidas por um operador em condições comerciais normais e as que aufere na sequência das reduções previstas na referida lei a favor dos beneficiários da tarifa social.

76      Na primeira parte da acusação feita, a Comissão sustenta que o cálculo previsto na legislação nacional em causa não tem em consideração os custos reais que a empresa designada efectivamente evitaria se pudesse optar por não cumprir as obrigações de serviço universal.

77      Sublinhe‑se que esta parte da acusação é relativa às modalidades de cálculo do custo líquido da obrigação de serviço universal definidas na Directiva 2002/22, que se traduzem em tomar em consideração os custos adicionais que a empresa designada teve de suportar devido, precisamente, às obrigações associadas a esse serviço universal. Assim, esta parte da acusação só é procedente se o método de cálculo em causa excluir necessariamente a tomada em consideração desses custos adicionais.

78      A este propósito, embora seja um facto que o método de cálculo do custo líquido do fornecimento de serviços a tarifas sociais instituído pela Lei de 13 de Junho de 2005 é diferente do utilizado para as outras componentes do serviço universal, como a «componente geográfica fixa», a disponibilização de telefones públicos ou o serviço universal de informações, para as quais está expressamente prevista a tomada em consideração dos «custos evitados», esta circunstância não basta, por si só, para se chegar à conclusão de que o cálculo do custo líquido do fornecimento de serviços a tarifas sociais viola as exigências da Directiva 2002/22.

79      Acresce que os elementos dos autos que foram submetidos ao Tribunal não permitem considerar inexacta a afirmação do Reino da Bélgica segundo a qual as únicas perdas financeiras que um operador podia evitar se sobre ele não impendesse a obrigação de fornecer serviços a tarifas sociais são as reduções de tarifa obrigatórias, pois, independentemente do tipo de tarifa aplicada, os operadores oferecem o mesmo serviço aos assinantes existentes. Com efeito, resulta destes elementos que, independentemente da situação respectiva desses operadores, o conteúdo dos diferentes serviços que fornecem a cada um dos seus assinantes e, consequentemente, a própria estrutura de custos associada a esse conteúdo não parecem sofrer modificações devido ao simples facto de alguns desses assinantes poderem pretender beneficiar de tarifas sociais.

80      Assim, a Comissão não demonstrou que a legislação nacional em causa, ao determinar que o custo líquido da componente social do serviço universal corresponde à diferença entre as receitas que o prestador que fornece serviços a tarifas sociais receberia em condições comerciais normais e as que efectivamente recebe na sequência das reduções de tarifa previstas na referida legislação a favor dos beneficiários de tarifas sociais, não tem em consideração os custos que as empresas designadas para fornecer o serviço universal teriam evitado se tivessem podido optar por não cumprir as obrigações associadas a esse serviço.

81      A primeira parte da segunda acusação deve, portanto, ser julgada improcedente.

82      A segunda parte da dita acusação refere‑se ao facto de o cálculo previsto na legislação nacional em causa não ter em conta as vantagens comerciais que as empresas em causa retiram do fornecimento de serviços a tarifas sociais, incluindo os benefícios imateriais.

83      O Reino da Bélgica alega que, na medida em que a obrigação de fornecer serviços a tarifas sociais impende sobre todos os operadores que intervêm no território belga, as vantagens comerciais são em princípio potencialmente idênticas para todos esses operadores. Ao fazê‑lo, não contesta que a legislação nacional em causa não toma em consideração as possíveis vantagens comerciais obtidas com o fornecimento de serviços a tarifas sociais.

84      Assim, da conjugação do disposto no artigo 12.°, n.° 1, segundo parágrafo, alínea a), com o anexo IV da Directiva 2002/22 decorre que o cálculo do custo líquido do fornecimento do serviço universal deve abranger a avaliação dos benefícios, incluindo os benefícios imateriais, que desse fornecimento decorrem para o operador em causa. A partir do momento em que essas disposições fazem parte do quadro regulamentar harmonizado que a Directiva 2002/22 visa criar, cabe aos Estados‑Membros tomar em consideração os referidos benefícios quando definem as regras segundo as quais deve ser calculado o custo líquido do fornecimento do serviço universal.

85      Nestas condições, importa declarar que a segunda parte da segunda acusação procede.

86      Tendo em conta as considerações precedentes, há que declarar que o Reino da Bélgica,

–        por um lado, não tendo previsto no cálculo do custo líquido do fornecimento da componente social do serviço universal as vantagens comerciais obtidas pelas empresas a quem cabe esse fornecimento, incluindo os benefícios imateriais; e

–        por outro lado, ao declarar genericamente e com base no cálculo dos custos líquidos do fornecedor do serviço universal que anteriormente era o único fornecedor desse serviço que todas as empresas que passaram a estar encarregadas do fornecimento desse serviço estão efectivamente sujeitas a um encargo injustificado devido a esse fornecimento e sem ter procedido a um exame específico tanto do custo líquido que para cada operador em causa representa o fornecimento do serviço universal como do conjunto das características específicas desse operador, tais como o nível dos seus equipamentos ou a sua situação económica e financeira;

não cumpriu as obrigações que lhe incumbem por força, respectivamente, do artigo 12.°, n.° 1, e do artigo 13.°, n.° 1, da Directiva 2002/22.

 Quanto às despesas

87      Nos termos do artigo 69.°, n.° 2, do Regulamento de Processo, a parte vencida é condenada nas despesas se a parte vencedora o tiver requerido. Por força do artigo 69.°, n.° 3, do mesmo regulamento, nomeadamente se cada parte obtiver vencimento parcial, o Tribunal pode determinar que as despesas sejam repartidas entre as partes, ou que cada uma das partes suporte as suas próprias despesas.

88      No caso em apreço, tendo a Comissão sido parcialmente vencida, o Reino da Bélgica deve ser condenado a suportar dois terços das despesas e a Comissão o outro terço.

Pelos fundamentos expostos, o Tribunal de Justiça (Quarta Secção) decide:

1)      O Reino da Bélgica,

–        por um lado, não tendo previsto no cálculo do custo líquido do fornecimento da componente social do serviço universal as vantagens comerciais obtidas pelas empresas a quem cabe esse fornecimento, incluindo os benefícios imateriais; e

–        por outro lado, ao declarar genericamente e com base no cálculo dos custos líquidos do fornecedor do serviço universal que anteriormente era o único fornecedor desse serviço que todas as empresas que passaram a estar encarregadas do fornecimento desse serviço estão efectivamente sujeitas a um encargo injustificado devido a esse fornecimento e sem ter procedido a um exame específico tanto do custo líquido que para cada operador em causa representa o fornecimento do serviço universal como do conjunto das características específicas desse operador, tais como o nível dos seus equipamentos ou a sua situação económica e financeira;

não cumpriu as obrigações que lhe incumbem por força, respectivamente, do artigo 12.°, n.° 1, e do artigo 13.°, n.° 1, da Directiva 2002/22/CE do Parlamento Europeu e do Conselho, de 7 de Março de 2002, relativa ao serviço universal e aos direitos dos utilizadores em matéria de redes e serviços de comunicações electrónicas (directiva serviço universal).

2)      A acção é julgada improcedente quanto ao restante.

3)      O Reino da Bélgica é condenado a suportar dois terços das despesas. A Comissão Europeia é condenada a suportar o outro terço.

Assinaturas


* Língua do processo: neerlandês.