Language of document : ECLI:EU:C:2011:140

CONCLUSÕES DA ADVOGADA‑GERAL

JULIANE KOKOTT

apresentadas em 10 de Março de 2011 (1)

Processo C‑71/10

Office of Communications

contra

The Information Commissioner

[pedido de decisão prejudicial apresentado pela Supreme Court of the United Kingdom (Reino Unido)]

«Directiva 2003/4/CE – Acesso a informação sobre ambiente – Excepções – Interesse público na divulgação – Interesse protegido pela recusa – Ponderação – Combinação de interesses»





I –    Introdução

1.        A mais alta instância jurisdicional do Reino Unido, a Supreme Court, submeteu ao Tribunal de Justiça uma questão que é aparentemente académica mas cujos efeitos não são, no entanto, claramente previsíveis.

2.        Nos termos da Directiva 2003/4/CE relativa ao acesso do público às informações sobre ambiente (2) (a seguir «Directiva relativa às informações sobre ambiente») as pessoas singulares têm direito de acesso à informação sobre ambiente. Este direito pode ser limitado se a divulgação prejudicar determinados interesses dignos de protecção. As excepções não se aplicam quando no caso concreto o interesse público protegido pela divulgação prevalecer sobre o interesse protegido pela recusa.

3.        Os tribunais do Reino Unido estão em desacordo quanto ao modo como se deve proceder a esta ponderação quando vários interesses dignos de protecção forem simultaneamente prejudicados. Deve cada excepção ser analisada separadamente, verificando‑se se prevalece o interesse que por ela é protegido ou o interesse público protegido pela divulgação (como defendido pelos tribunais de primeira e segunda instância e pela minoria da Supreme Court que submeteu o pedido de decisão prejudicial)? Ou podem os interesses protegidos por diferentes excepções ser combinados e em seguida ponderados de forma conjunta com o interesse público protegido pela divulgação (como defendido pela terceira instância e pela maioria da Supreme Court)?

4.        Trata‑se por conseguinte de saber se, no momento de decidir da divulgação de informações sobre ambiente, é possível combinar interesses pessoais prejudicados, que considerados individualmente não prevaleceriam sobre o interesse público protegido pela sua divulgação, mas que, ponderados em conjunto, podem eventualmente justificar o tratamento confidencial da informação.

5.        Através destas questões o Tribunal de Justiça tem oportunidade de, pela primeira vez, analisar de forma aprofundada o modo de ponderar este tipo de interesse na manutenção da confidencialidade por oposição ao interesse público protegido pela divulgação de informação.

II – Quadro jurídico

A –    Direito internacional

6.        A União obrigou‑se, no plano internacional, através da Convenção sobre o acesso à informação, participação do público no processo de tomada de decisão e acesso à justiça em matéria de ambiente (3) (a seguir «Convenção de Aarhus»), que foi assinada em 25 de Junho de 1998 em Aarhus (Dinamarca), em nome da Comunidade Europeia (4), a garantir o acesso a informação sobre ambiente.

7.        Possíveis restrições ao direito de acesso resultam, em especial, do artigo 4.°, n.° 4, da Convenção:

«Pode ser recusado um pedido de informações se a divulgação das mesmas afectar negativamente:

[…]

b)      As relações internacionais, a defesa nacional ou a segurança pública;

[…]

e)      Os direitos de propriedade intelectual;

[…]

Os fundamentos de recusa acima referidos devem ser objecto de uma interpretação restritiva, tendo em conta o interesse público defendido pela divulgação e o facto de a informação solicitada ser relativa a emissões para o ambiente.»

B –    Regulamentação da União

8.        A Directiva relativa às informações sobre ambiente transpõe a Convenção de Aarhus para a União Europeia e prevê, para este efeito, no artigo 3.°, n.° 1, um direito de acesso a informações sobre ambiente.

9.        As excepções encontram‑se previstas, em especial, no artigo 4.°, n.° 2, da Directiva relativa às informações sobre ambiente:

«Os Estados‑Membros podem prever o indeferimento de um pedido de informação sobre ambiente se a divulgação dessa informação prejudicar:

[…]

b)      As relações internacionais, a segurança pública ou a defesa nacional;

[…]

e)      Os direitos de propriedade intelectual;

[…]

Os motivos de indeferimento referidos nos n.os 1 e 2 devem ser interpretados de forma restritiva, tendo em conta, em cada caso, o interesse público servido pela sua divulgação. Em cada caso específico, o interesse público que a divulgação serviria deve ser avaliado por oposição ao interesse servido pelo indeferimento. Os Estados‑Membros não podem, por força do disposto nas alíneas a), d), f), g) e h) do n.° 2, prever o indeferimento de um pedido que incida sobre emissões para o ambiente.»

10.      O décimo sexto considerando precisa que:

«O direito à informação significa que a divulgação de informação deve ser uma regra geral e que as autoridades públicas devem poder recusar um pedido de informações sobre ambiente em casos específicos e claramente definidos. Os motivos da recusa devem ser interpretados de forma restrita, mediante uma ponderação do interesse público protegido pela divulgação por oposição ao interesse protegido pela recusa. As razões para o indeferimento dos pedidos devem ser comunicadas ao requerente no prazo previsto na presente directiva.»

C –    Direito nacional

11.      A nível interno, as excepções relevantes para o presente caso, que têm uma redacção quase idêntica, são as previstas nas Environmental Information Regulations 2004 (5) (Regulamento relativo às informações sobre ambiente de 2004).

III – Matéria de facto e pedido de decisão prejudicial

12.      A informação pedida diz respeito à localização precisa de estações‑base de telefones móveis no Reino Unido.

13.      A localização aproximada de cada estação‑base em cada quadrícula pode ser confirmada através de um sítio Internet denominado Sitefinder (6), que é gerido pelo Office of Communications (a seguir «Ofcom») desde o final de 2003. O sítio Internet é construído a partir de informação fornecida voluntariamente pelos operadores de redes móveis proveniente das suas bases de dados. Tem permitido que os particulares pesquisem, através da introdução de um código postal, do nome de uma localidade ou de uma rua, informação num mapa quadriculado acerca das estações‑base ali localizadas. Contudo, esse sítio não indica nem a localização precisa da estação‑base, com aproximação de um metro, nem se esta foi instalada ao nível da rua ou ocultada dentro ou no cimo de uma estrutura ou de um edifício.

14.      Um gestor de informação da Health Protection Scotland (um ramo do National Health Service) pediu ao Ofcom que fornecesse as coordenadas de cada estação‑base, aparentemente para fins epidemiológicos. O Ofcom indeferiu tanto o pedido apresentado como, após novo exame, a reclamação apresentada contra o indeferimento. O gestor de informação recorreu então para o recorrente, o Information Commissioner, que ordenou a divulgação pedida. No âmbito de um recurso interposto pelo Ofcom, a ordem de divulgação foi confirmada, em primeira instância, pelo Information Tribunal

15.      O Information Tribunal considerou que a divulgação da informação poderia prejudicar a segurança pública e a protecção da propriedade intelectual. As informações poderiam facilitar infracções contra as estações‑base. Deve partir‑se do pressuposto de que as empresas de telecomunicações são titulares dos direitos de autor e dos direitos sobre bases de dados relativas às informações. Contudo, prevalece no entanto o interesse público na divulgação, especialmente porque a informação pretendida poderia ser utilizada para investigações epidemiológicas dos efeitos dos telefones móveis. Ao efectuar a sua ponderação, o Information Tribunal examinou de forma separada a aplicação das duas excepções e não admitiu efectuar uma ponderação entre as excepções tomadas em conjunto e o interesse público protegido pela divulgação.

16.      O Ofcom recorreu para a Administrative Court, que, relativamente a este último ponto, seguiu a mesma abordagem do Information Tribunal. No entanto, no âmbito de outro recurso, a Court of Appeal chegou à conclusão oposta.

17.      O recurso submetido à Supreme Court pelo Information Commissioner respeita apenas à questão de saber se por ocasião da ponderação a efectuar entre os efeitos negativos decorrentes das duas excepções em causa e o interesse público protegido, aqueles efeitos prejudiciais devem ser ponderados em conjunto ou em separado. A Supreme Court inclina‑se, presentemente, por uma maioria de três contra dois a favor da abordagem da Court of Appeal. Por este motivo, submete a seguinte questão ao Tribunal de Justiça:

«Nos termos da Directiva 2003/4/CE do Conselho, quando uma autoridade pública detém informação sobre ambiente cuja divulgação teria alguns efeitos prejudiciais para os diferentes interesses protegidos por mais do que uma excepção [neste caso, o interesse da segurança pública protegido pelo artigo 4.°, n.° 2, alínea b), e os interesses dos direitos de propriedade intelectual protegidos pelo artigo 4.°, n.° 2, alínea e)], mas, considerando separadamente cada uma das excepções, esses efeitos não seriam suficientemente importantes para superar o interesse público na divulgação, a directiva exige que se proceda a uma análise complementar que consiste na combinação dos diferentes interesses protegidos pelas duas excepções e na sua ponderação com o interesse público na divulgação?»

18.      O Information Commissioner, o Reino da Suécia, o Reino Unido da Grã‑Bretanha e da Irlanda do Norte e a Comissão Europeia apresentaram observações escritas e participaram na audiência de 27 de Janeiro de 2011.

IV – Apreciação

19.      A Directiva relativa às informações sobre ambiente prevê, no artigo 3.°, n.° 1, que as autoridades públicas são obrigadas a disponibilizar a qualquer requerente informação sobre ambiente na sua posse ou detida em seu nome, sem que o requerente tenha de justificar o seu interesse.

20.      Este direito foi previsto logo em 1990 na primeira Directiva relativa às informações sobre ambiente (7). A Convenção de Aarhus desenvolveu este direito que foi adoptado pela Directiva relativa às informações sobre ambiente, presentemente em vigor.

21.      Entretanto, o Tratado de Amesterdão também consagrou expressamente, no seu artigo 1.°, segundo parágrafo, a vontade de criar uma união cada vez mais estreita entre os povos da Europa, na qual as decisões sejam tomadas de uma forma tão aberta quanto possível e ao nível mais próximo possível dos cidadãos. Para tal, o artigo 15.°  TFUE (ex‑artigo 255.° TCE) obriga as instituições a respeitarem o princípio da abertura e prevê, juntamente com o artigo 42.° da Carta dos Direitos Fundamentais, o direito de acesso aos seus documentos. O referido direito foi implementado através do Regulamento (CE) n.° 1049/2001 (8), que, nos termos do artigo 3.° e seguintes do Regulamento n.° 1367/2006 (9) também regula a aplicação do direito à informação sobre ambiente às instituições e aos órgãos da União.

22.      Todavia, o direito à informação sobre ambiente não é um direito absoluto. Nos termos do artigo 4.° da Directiva relativa às informações sobre ambiente, as informações podem ser recusadas se a divulgação da informação prejudicar interesses expressamente previstos nessa norma. Contudo, deve ser efectuada uma ponderação entre o interesse protegido pelo indeferimento de um pedido e o interesse público protegido pela divulgação da informação.

23.      O pedido de decisão prejudicial tem por objecto esta ponderação de interesses. A Supreme Court pretende saber se esta ponderação deve ser realizada em duas fases, a saber,

–        em primeiro lugar, no que respeita a cada excepção individual, analisar se o interesse público protegido pela divulgação prevalece sobre os efeitos prejudiciais decorrentes da divulgação da informação e,

–        em seguida, efectuar uma ponderação entre os interesses individuais que são afectados negativamente e o interesse público protegido pela divulgação, devendo aqueles interesses individuais ser tomados em conjunto.

24.      À primeira vista, o método proposto no pedido de decisão prejudicial surpreende por equivaler a uma dupla ponderação. Contudo, o artigo 4.°, n.° 2, segundo e terceiro períodos, da Directiva relativa às informações sobre ambiente apontam nesta direcção, uma vez que estes dois períodos se referem duas vezes ao interesse público protegido pela divulgação da informação.

25.      Nos termos do segundo período, os motivos de indeferimento referidos no artigo 4.°, n.os 1 e 2, devem ser interpretados de forma restritiva, devendo ser tomado em consideração, em cada caso o interesse público protegido pela sua divulgação. Além disso, de acordo com o terceiro período, em cada caso específico, deve ser efectuada uma ponderação entre o interesse público protegido pela divulgação e o interesse protegido pelo indeferimento. A resposta a dar ao pedido de decisão prejudicial depende assim da interpretação destes dois períodos.

A –    Quanto ao artigo 4.°, n.° 2, segundo período, da Directiva relativa às informações sobre ambiente

26.      Tomar em consideração o interesse público na acepção do artigo 4.°, n.° 2, segundo período, da Directiva relativa às informações sobre ambiente impõe efectivamente que se efectue uma primeira ponderação. Na acepção do segundo período do décimo sexto considerando, os motivos de recusa da divulgação devem ser interpretados mediante uma ponderação entre o interesse público protegido pela divulgação por oposição com ao interesse protegido pela recusa da divulgação.

27.      Esta primeira ponderação refere‑se exclusivamente a cada uma das excepções em causa. Com efeito, deve ser efectuada no âmbito da interpretação dos fundamentos de recusa.

28.      A ponderação a efectuar refere‑se, em primeiro lugar, à questão de saber o que deve ser considerado como efeito prejudicial sobre o interesse protegido. É em seguida à luz do interesse público protegido pela divulgação que há que determinar se determinados efeitos da divulgação da informação devem ser considerados prejudiciais (10).

29.      No entanto, ponderar se, a título excepcional, o interesse público protegido pela divulgação de uma informação por oposição aos efeitos prejudiciais se sobrepõe ao interesse especialmente protegido também pode fazer parte desta primeira ponderação.

30.      Assim, a única ponderação que o Information Commissioner, a Suécia, o Information Tribunal, a Administrative Court bem como a opinião minoritária da Supreme Court pretendem admitir decorre imediatamente do artigo 4.°, n.° 2, segundo período, da Directiva relativa às informações sobre ambiente.

B –    Quanto ao artigo 4.°, n.° 2, terceiro período, da Directiva relativa às informações sobre ambiente

31.      No âmbito desta interpretação do artigo 4.°, n.° 2, da Directiva relativa às informações sobre ambiente, há assim que analisar qual a função a atribuir ao terceiro período.

1.      Constitui o artigo 4.°, n.° 2, terceiro período, da Directiva relativa às informações sobre ambiente uma clarificação do segundo período?

32.      Antes de mais, o artigo 4.°, n.° 2, terceiro período, da Directiva relativa às informações sobre ambiente pode ser entendido no sentido de que constitui uma clarificação do conteúdo do segundo período. À semelhança do segundo período do décimo sexto considerando, visa precisar que a tomada em consideração deve ser efectuada através de uma ponderação. Além disso, reitera‑se que a ponderação deve ser efectuada em cada caso específico, para que os Estados‑Membros não possam antecipá‑la no âmbito da transposição legislativa (11).

33.      A génese do artigo 4.°, n.° 2, terceiro período, da Directiva relativa às informações sobre ambiente milita a favor dessa clarificação. Esta disposição só foi introduzida pouco tempo antes da aprovação da directiva no Comité de Conciliação. Os motivos exactos não estão documentados. No entanto, relativamente a este ponto, o Conselho tinha anteriormente recusado uma obrigação de ponderação, por na Convenção de Aarhus apenas constar uma referência à tomada em consideração do interesse público na divulgação (12). Em contrapartida, a Comissão e o Parlamento tinham sugerido diferentes formulações destinadas a clarificar que o acesso deve ser concedido quando prevalecer o interesse público protegido pela divulgação. Por conseguinte, o terceiro período poderá representar a tentativa de tomar esta pretensão em consideração.

34.      Contudo, uma clarificação deste tipo seria parcialmente supérflua e, além disso, um fracasso.

35.      O artigo 4.°, n.° 2, segundo período, da Directiva relativa às informações sobre ambiente já se refere ao caso específico, pelo que não era necessário proceder a uma repetição no terceiro período.

36.      Teria sido certamente mais claro substituir o artigo 4.°, n.° 2, segundo período, da Directiva relativa às informações sobre ambiente por uma formulação como a do segundo período do décimo sexto considerando (13) ou adoptar a versão proposta pela Comissão (14) e aprovada em primeira leitura pelo Parlamento (15) do artigo 4.°, n.° 2, segundo período (16), para definir a tomada em consideração prevista como ponderação.

37.      Não é assim convincente uma interpretação segundo a qual o artigo 4.°, n.° 2, terceiro período, da Directiva relativa às informações sobre ambiente constitui uma simples reformulação da disposição.

2.      Constitui o artigo 4.°, n.° 2, terceiro período, da Directiva relativa às informações sobre ambiente uma ponderação de interesses combinados?

38.      Importa, pois, examinar se o artigo 4.°, n.° 2, terceiro período, da Directiva relativa às informações sobre ambiente desenvolve uma função própria, independente do segundo período e da ponderação aí prevista. Essa função poderia consistir numa ponderação com os interesses combinados que militam contra a divulgação, como se menciona no pedido de decisão prejudicial.

Quanto à redacção do artigo 4.°, n.° 2, terceiro período, da Directiva relativa às informações sobre ambiente

39.      Ao contrário daquele que é entendimento da Suécia e do Information Commissioner, a utilização do conceito «interesse» no singular não se opõe à combinação de mais do que um interesse. É certo que a maioria das versões linguísticas (17) apenas compara o interesse público protegido pela divulgação com o interesse protegido pela recusa da divulgação, ou seja, o termo interesse é utilizado no singular. No entanto, «o interesse» numa ou noutra pode, segundo o seu natural significado literal, abranger os diferentes interesses (parciais) que militam a favor de um ou de outro resultado.

40.      Também a ênfase do caso específico, no âmbito do qual a ponderação deva ser efectuada, não impede a combinação. Como referido pelo Reino Unido, a mais óbvia interpretação é aquela segundo a qual a expressão no caso específico se refere à decisão que deverá ser adoptada sobre a divulgação de informações (18).

41.      Além disso, a divisão dos interesses que merecem ser protegidos em diferentes excepções não se opõe à sua combinação. Como o Reino Unido demonstrou de modo convincente, estas excepções nem sempre se podem distinguir claramente umas das outras. Pelo contrário, por vezes os interesses protegidos sobrepõem‑se manifestamente. Isto torna‑se evidente, em particular, em relação aos interesses protegidos pelo artigo 4.°, n.° 2, alíneas d) a g) da Directiva relativa às informações sobre ambiente: confidencialidade das informações comerciais ou industriais, propriedade intelectual, dados pessoais e interesses ou protecção de quem tenha fornecido voluntariamente as informações pedidas.

42.      Por último, a Suécia também não procede na sua argumentação segundo a qual a ponderação nos termos da Directiva relativa às informações sobre ambiente deve ser efectuada nos exactos termos previstos no Regulamento n.° 1049/2001.

43.      Por um lado, ainda não foi de modo nenhum determinada a forma segundo a qual se deve responder à questão submetida à luz do Regulamento n.° 1049/2001. Com efeito, o Tribunal de Justiça ainda não examinou se, ao efectuar a ponderação ao abrigo do regulamento, a cumulação de interesses é possível ou mesmo obrigatória (19).

44.      Por outro lado, a redacção do regulamento distingue‑se, no que respeita à ponderação, da redacção da Directiva relativa à informação sobre ambiente. De acordo com o disposto no artigo 4.°, n.os 2 e 3, do Regulamento (20), é possível recusar o acesso aos documentos quando forem prejudicados determinados interesses protegidos, «excepto quando um interesse público superior imponha a divulgação». Esta exigência de ponderação está formulada de forma mais restritiva do que no artigo 4.°, n.° 2, terceiro período, da Directiva relativa às informações sobre ambiente.

Quanto à limitação das possíveis excepções

45.      No entanto, a Suécia sublinha correctamente que a combinação de interesses não pode ser usada para criar excepções adicionais ao direito à informação.

46.      Nos termos do primeiro período do décimo sexto considerando da Directiva relativa às informações sobre ambiente, a divulgação de informação sobre ambiente só pode ser recusada em casos específicos e claramente definidos. Estes casos estão expressamente previstos no artigo 4.°, n.os 1 e 2, primeiro período. De acordo com a redacção destas disposições, as excepções não são exemplificativas, mas exaustivas (21). Tal confirma a necessidade uma interpretação restritiva imposta pelo artigo 4.°, n.° 2, segundo período.

47.      Além disso, excepções adicionais seriam contrárias à Convenção de Aarhus, que, no artigo 4.°, n.os 3 e 4, se limita a prever algumas excepções expressamente referidas (22). Esta Convenção, como todos os acordos internacionais celebrados pela União, tem primado sobre os textos de Direito da União derivado (23). Devido a esse primado, as normas de Direito da União derivado devem ser interpretadas, na medida do possível, em conformidade com os compromissos internacionais da União (24), aplicando‑se este critério também ao âmbito da informação sobre ambiente (25).

48.      Por conseguinte, o artigo 4.°, n.° 2, terceiro período, da Directiva relativa às informações sobre ambiente não pode comportar excepções adicionais que não estejam expressamente previstas no artigo 4.°, n.° 1, e n.° 2, primeiro período.

49.      Por isso, por ocasião de uma ponderação de interesses a efectuar nos termos do artigo 4.°, n.° 2, terceiro período, da Directiva relativa às informações sobre ambiente, seria impossível que se permitisse a inclusão de interesses que, embora pudessem militar contra a divulgação, não são reconhecidos no artigo 4.° como base para excepções ao direito de acesso à informação sobre ambiente, como, por exemplo, as despesas relacionadas com o tratamento de inquéritos.

50.      Além disso, a Comissão salienta, com razão, que a categoria de interesses dignos de protecção na decisão sobre a divulgação de informação sobre emissões é ainda mais restrita. Nos termos do artigo 4.°, n.° 2, quarto período, da Directiva relativa às informações sobre ambiente – as denominadas cláusulas sobre emissões – a maioria dos interesses mencionados no artigo 4.°, n.° 2, não podem justificar um indeferimento. Por conseguinte, ficam excluídas, por exemplo, a protecção da confidencialidade dos procedimentos das autoridades públicas [artigo 4.°, n.° 2, alínea a)], ou a protecção da confidencialidade das informações comerciais ou industriais [artigo 4.°, n.° 2, alínea d)]. Assim, também estes interesses não podem ser tidos em conta numa ponderação sobre a divulgação da informação sobre emissões.

51.      Também fica excluída a tomada em consideração de interesses reconhecidos que sejam efectivamente afectados quando for impossível estabelecer, no âmbito da primeira ponderação nos termos do artigo 4.°, n.° 2, segundo período, da Directiva relativa às informações sobre ambiente, que a divulgação da informação teria efeitos prejudiciais. Os interesses que não são afectados negativamente não podem ter nenhum peso quando é efectuada uma ponderação. Se, por conseguinte, se constatar que há efeitos sobre os referidos interesses, estes, para poderem ser levados em conta na ponderação, devem ser prejudiciais.

52.      Todavia, a pergunta central consiste em saber se são criadas novas excepções ao combinar, aquando da ponderação, interesses que são reconhecidamente negativos.

53.      É incontestável que a combinação pode dar origem a uma restrição adicional ao acesso à informação sobre ambiente quando vários interesses, considerados conjuntamente, justificarem uma recusa da divulgação, embora não constituíssem um obstáculo ao interesse protegido pela divulgação caso fossem examinados por separado. Continuaria ainda assim a tratar‑se de uma restrição do acesso baseada nos interesses reconhecidos.

54.      À semelhança do Reino Unido, considero que esta restrição adicional constitui uma aplicação correcta do princípio da proporcionalidade.

55.      O princípio da proporcionalidade faz parte dos princípios gerais do Direito da União, que a União tem de respeitar (26). Exige que os actos das instituições da União não ultrapassem os limites do que é adequado e necessário à realização dos objectivos legítimos prosseguidos pela regulamentação em causa, entendendo‑se que, quando exista uma escolha entre várias medidas adequadas, se deve recorrer à menos coerciva e que os inconvenientes causados não devem ser desproporcionados relativamente aos objectivos pretendidos (27).

56.      Porém, se os interesses reconhecidos, que militam contra a divulgação, ao serem considerados em conjunto prevalecerem manifestamente sobre o interesse público protegido pela divulgação, os prejuízos causados pela divulgação da informação sobre ambiente deixariam de ser proporcionados face aos objectivos prosseguidos.

57.      É certo que a Suécia e o Informationen Commissioner alegam que as excepções têm de ser objecto de interpretação restritiva; contudo, este princípio também não exige uma divulgação de informação sobre ambiente que conduza a prejuízos desproporcionados. Pelo contrário, o referido princípio deveria aplicar‑se à interpretação das excepções, ao equilíbrio dos interesses e à própria ponderação. Em especial, não se devem compensar mecanicamente dois prejuízos com uma vantagem, pelo que se deve, antes de efectuar a ponderação, atribuir aos interesses em causa um peso proporcional à sua relevância.

58.      De facto, o Information Commissioner receava que a ponderação de interesses combinados fosse difícil de efectuar na prática; no entanto, estas dificuldades residem menos na combinação do que na natureza da ponderação entre os interesses protegidos pela divulgação e os interesses protegidos pela reserva de informação. Na maioria dos casos, é difícil comparar estes interesses, pelo que a sua ponderação também se torna difícil. Contudo, esta ponderação será facilitada se a exigência de efectuar uma interpretação restritiva das excepções for aplicada à ponderação, de modo a que, em caso de dúvida, a questão seja decidida a favor da transparência.

59.      Para mais, a própria ponderação pode requerer que se proceda a uma combinação no âmbito de excepções individuais, ou seja – como o Reino Unido correctamente alegou –, do lado do interesse público protegido pela divulgação (28). O primeiro considerando da Directiva relativa às informações sobre ambiente menciona três interesses diferentes: o primeiro, a sensibilização dos cidadãos em matéria de ambiente; o segundo, uma livre troca de opiniões e uma participação mais efectiva do público no processo de decisão em matéria de ambiente, bem como, em terceiro lugar, um ambiente melhor.

60.      Consequentemente, deve responder‑se ao pedido de decisão prejudicial no sentido de que quando uma autoridade pública detém informação sobre ambiente cuja divulgação teria alguns efeitos prejudiciais para os diferentes interesses protegidos por mais do que uma excepção na acepção do artigo 4.°, n.° 2, da Directiva relativa às informações sobre ambiente, mas, considerando separadamente cada uma das excepções, esses efeitos não são suficientemente importantes para superar o interesse público na divulgação, é necessário proceder a uma análise complementar que consista na combinação de diferentes interesses protegidos pelas duas excepções e que se efectue uma ponderação conjunta com o interesse público na divulgação.

C –    Quanto às excepções previstas no artigo 4.° n.° 1 da Directiva relativa às informações sobre ambiente

61.      Por último, desejo examinar brevemente um aspecto em relação ao qual a Comissão e o Reino Unido estavam em desacordo, que consiste na questão de saber se a ponderação também pode abranger as excepções previstas no artigo 4.°, n.° 1, da Directiva relativa às informações sobre ambiente. Esta questão não foi objecto do pedido de decisão prejudicial, que apenas se refere a duas das excepções do artigo 4.°, n.° 2.

62.      No entanto, caso o Tribunal de Justiça entenda pronunciar‑se sobre a questão da inclusão do artigo 4.°, n.° 1, da Directiva relativa às informações sobre ambiente, torna‑se claro que a alínea a) não conduz a nenhuma ponderação: se a autoridade pública não detiver a informação pretendida, não a poderá divulgar. Saber se isto também se aplica a pedidos formulados em termos demasiado gerais na acepção da alínea c) depende da interpretação desta excepção. Se esta abranger apenas pedidos cujo objecto não pode ser identificado, também não será possível efectuar a ponderação.

63.      No caso de pedidos manifestamente abusivos [artigo 4.°, n.° 1, alínea b) da Directiva relativa às informações sobre ambiente], de pedidos que tenham por objecto documentos e dados incompletos [alínea d)], e de pedidos que se refiram a comunicações internas [alínea e)] é, pelo contrário, conferida protecção a interesses que podem ser ponderados devendo, por isso, ser tomados em consideração no caso de serem prejudicados. Deveria aplicar‑se o mesmo entendimento aos pedidos formulados em termos demasiado gerais [alínea c)] caso também devam ser abrangidos neste conceito pedidos cujo tratamento, devido aos seus termos demasiado gerais, dê origem a despesas particularmente elevadas.

V –    Conclusão

64.      Por conseguinte, sugiro que o Tribunal de Justiça responda ao pedido de decisão prejudicial nos seguintes termos:

Nos termos da Directiva 2003/4/CE relativa ao acesso do público às informações sobre ambiente, quando uma autoridade pública detém informação sobre ambiente cuja divulgação teria alguns efeitos prejudiciais para os diferentes interesses protegidos por mais do que uma excepção na acepção do artigo 4.°, n.° 2, mas, considerando separadamente cada uma das excepções, esses efeitos não são suficientemente importantes para superar o interesse público na divulgação, a directiva exige que se proceda a uma análise complementar que consiste na combinação dos diferentes interesses protegidos pelas duas excepções e na sua ponderação com o interesse público na divulgação.


1 – Língua original: alemão.


2 – Título completo: Directiva 2003/4/CE do Parlamento Europeu e do Conselho, de 28 de Janeiro de 2003, relativa ao acesso do público às informações sobre ambiente e que revoga a Directiva 90/313/CEE do Conselho (JO L 41, p. 26).


3 – JO 2005 L 124, p. 4.


4 – Aprovada pela Decisão 2005/370/CE do Conselho, de 17 de Fevereiro de 2005 (JO L 124, p. 1).


5 – S.I. 2004, n.° 3391.


6 – Http://www.sitefinder.ofcom.org.uk/.


7 – Directiva 90/313/CEE do Conselho, de 7 de Junho de 1990, relativa à liberdade de acesso à informação em matéria de ambiente (JO L 158, p. 56).


8 – Regulamento (CE) n.° 1049/2001 do Parlamento Europeu e do Conselho, de 30 de Maio de 2001, relativo ao acesso do público aos documentos do Parlamento Europeu, do Conselho e da Comissão (JO L 145, p. 43).


9 – Regulamento (CE) n.° 1367/2006 do Parlamento Europeu e do Conselho, de 6 de Setembro de 2006, relativo à aplicação das disposições da Convenção de Aarhus sobre o acesso à informação, participação do público no processo de tomada de decisão e acesso à justiça em matéria de ambiente às instituições e órgãos comunitários (JO L 264, p. 13).


10 – Segundo as minhas conclusões apresentadas em 3 de Março de 2011 no processo Suécia/Comissão (C‑506/08 P, ainda não publicado na Colectânea, em especial, n.os 47 e segs.), por conseguinte, não se pode considerar que os controlos dos processos decisórios por parte do público afectam de forma negativa estes processos.


11 – V., neste sentido, acórdão de 16 de Dezembro de 2010, Stichting Natuur en Milieu (C‑266/09, ainda não publicado na Colectânea, n.° 56).


12 – V. Secção VI, últimos travessões dos n.os 5 6, da Posição Comum (CE) N.° 24/2002, adoptada pelo Conselho em 28 de Janeiro de 2002 tendo em vista a aprovação da Directiva 2002/.../CE do Parlamento Europeu e do Conselho, de ..., relativa ao acesso do público às informações sobre ambiente e que revoga a Directiva 90/313/CEE do Conselho (JO C 113, p. 1, 12).


13 – «Os motivos da recusa devem ser interpretados de forma restrita, mediante uma ponderação do interesse público protegido pela divulgação por oposição ao interesse protegido pela recusa».


14 – Proposta de directiva do Parlamento Europeu e do Conselho relativa ao acesso às informações sobre ambiente [COM(2000) 402 final].


15 – Documento do Parlamento A5‑0074/2001 (JO C 343, p. 165).


16 – «Em cada caso, o interesse público servido pela transmissão das informações deve ser ponderado em relação ao interesse servido pela não transmissão.» Tendo sido acrescentado um período na primeira leitura, este passou a ser o terceiro período do n.° 2 do artigo 4.° da proposta alterada pelo Parlamento.


V. também a proposta, alterada pela Comissão depois da primeira leitura, de Directiva do Parlamento Europeu e do Conselho relativa ao acesso público a informações sobre o ambiente [JO 2001 C 240 E, p. 289 (p. 292)]: «Os fundamentos acima referidos de recusa de divulgação de informações serão interpretados de forma restritiva […] ‘Em qualquer dos casos referidos no n.° 1, alínea c), e no n.° 2, alíneas a) a g), do artigo 4.°, o interesse público na divulgação será ponderado com o interesse na recusa. Será concedido acesso às informações pedidas se o interesse público se sobrepuser ao outro interesse.’»


17 – Em dinamarquês («interesser») e em estónio («huvidega») o termo «interesses» parece ter sido empregue no plural; em letão fala‑se em vantagens: «ieguvumu» e «ieguvumam».


18 – O acórdão Stichting Natuur en Milieu (já referido na nota de pé‑de‑página n.° 11, n.os 55 e segs.) baseia‑se neste entendimento.


19 – No acórdão de 21 de Setembro de 2010, Suécia/API e Comissão (processos apensos C‑514/07 P, C‑528/07 P e C‑532/07 P, ainda não publicado na Colectânea, n.° 158), refere‑se que, de facto, determinadas considerações tão genéricas não são susceptíveis de demonstrar que o princípio da transparência apresentava, no caso em apreço, uma relevância particular que poderia ter prevalecido sobre as razões (no plural!) que podem justificar a recusa de divulgação dos documentos em questão. Todavia, não ficou claro se as referidas razões devem ser analisadas em conjunto ou em separado.


20 – No caso das excepções do artigo 4.°, n.° 1, do Regulamento n.°1049/2001, não foi prevista nenhuma ponderação.


21 – V., em relação ao Regulamento n.°1049/2001, acórdão de 18 de Dezembro de 2007, Suécia/Comissão (Colect., p. I‑11389, n.os 66 segs., especialmente, n.° 76).


22 – Por estes motivos, numa declaração anexa, o Governo finlandês, aquando da adopção da Directiva relativa às informações sobre ambiente, rejeitou o artigo 4.°, n.° 2, terceiro período. V. Documento do Conselho 14917/02 ADD 1 VER 1, de 13 de Dezembro de 2002, p. 1.


23 – Acórdãos de 10 de Setembro de 1996, Comissão/Alemanha (C‑61/94, Colect., p. I‑3989, n.° 52), de 1 de Abril de 2004, Bellio F.lli (C‑286/02, Colect., p. I‑3465, n.° 33), e de 10 de Janeiro de 2006, IATA e ELFAA (C‑344/04, Colect., p. I‑403, n.° 35).


24 – Acórdãos Comissão/Alemanha (já referido na nota de pé‑de‑página n.° 23, n.° 52), de 14 de Julho de 1998, Bettati (C‑341/95, Colect., p. I‑4355, n.° 20), Bellio F.lli (já referido na nota de pé‑de‑página n.° 23, n.° 33), de 7 de Dezembro de 2006, SGAE (C‑306/05, Colect., p. I‑11519, n.° 35), e de 14 de Maio de 2009, Internationaal Verhuis‑ en Transportbedrijf Jan de Lely (C‑161/08, Colect., p. I‑4075, n.° 38).


25 – V. também as minhas conclusões apresentadas em 16 de Dezembro de 2010 no processo Stichting Natuur en Milieu e o. (C‑266/09, ainda não publicado na Colectânea, n.° 41), e em 14 de Outubro de 2010, Ville de Lyon (C‑524/09, ainda não publicado na Colectânea, n.os 64 e segs). O acórdão da Quarta Secção, de 22 de Dezembro de 2010, Ville de Lyon (C‑524/09, ainda não publicado na Colectânea, n.os 35 e segs.), não pode de modo nenhum ser entendido como uma reviravolta de tal jurisprudência solidamente assente.


26 – Acórdãos de 17 de Dezembro de 1970, Köster, Berodt & Co. (25/70, Colect. 1969‑1970, p. 659, n.os 21 e segs.); de 18 de Novembro de 1987, Maizena e o. (137/85, Colect., p. 4587, n.° 15); e de 17 de Janeiro de 2008, Viamex Agrar Handel (C‑37/06 e C‑58/06, Colect., p. I‑69, n.° 33).


27 – V., neste sentido, acórdãos Köster, Berodt & Co. (já referido na nota de pé‑de‑página 26, n.os 28 e 32), de 11 de Julho de 1989, Schräder HS Kraftfutter (265/87, Colect., p. 2237, n.° 21), de 12 de Julho de 2001, Jippes e o. (C‑189/01, Colect., 2001, I‑5689, n.° 81), Viamex Agrar Handel (já referido na nota 26, n.° 35) e de 9 de Março de 2010, ERG e o. (C‑379/08 e C‑380/08, ainda não publicado na Colectânea, n.° 86).


28 – A título de exemplo, v., em relação ao Regulamento n.°1049/2001, acórdão de 1 de Julho de 2008, Suécia e Turco/Rat (C‑39/05 P e C‑52/05 P, Colect., p. I‑4723, n.° os 45 a 47 e 67).