ACÓRDÃO DO TRIBUNAL DE PRIMEIRA INSTÂNCIA (Primeira Secção
Alargada)
24 de Outubro de 1997(1)
[234s«CECA Recurso de anulação Auxílios concedidos pelos Estados Decisões
individuais que autorizam a concessão de auxílios estatais a empresas
siderúrgicas Incompatibilidade com as disposições do Tratado Efeitos
retroactivos Artigos 4.°, alíneas b) e c), e 95.°, primeiro e segundo parágrafos,
do Tratado»[s
No processo T-239/94,
Association des aciéries européennes indépendantes (EISA), associação de direito
belga, estabelecida em Bruxelas, representada por Alexandre Vandencasteele,
advogado no foro de Bruxelas, com domicílio escolhido no Luxemburgo no
escritório do advogado Ernest Arendt, 8-10, rue Mathias Hardt,
recorrente,
contra
Comissão das Comunidades Europeias, representada por Michel Nolin e Ben
Smulders, membros do Serviço Jurídico, na qualidade de agentes, com domicílio
escolhido no Luxemburgo no gabinete de Carlos Gómez de la Cruz, Centre
Wagner, Kirchberg,
recorrida,
apoiada por
Conselho da União Europeia,representado por Rüdiger Bandilla e Stephan
Marquardt, respectivamente, director e administrador no Serviço Jurídico, na
qualidade de agentes, com domicílio escolhido no Luxemburgo no gabinete de
Alessandro Morbilli, director-geral da Direcção dos Assuntos Jurídicos do Banco
Europeu de Investimento, 100, boulevard Konrad Adenauer,
República Federal da Alemanha,representada por Ernst Röder, Ministerialrat no
Ministério Federal da Economia, e Bernd Kloke, Oberregierungsrat no mesmo
ministério, na qualidade de agentes, com domicílio escolhido no Luxemburgo na
Embaixada da República Federal da Alemanha, 20-22, avenue Émile Reuter,
República Italiana,representada por Umberto Leanza, chefe do Serviço do
Contencioso Diplomático do Ministério dos Negócios Estrangeiros, na qualidade
de agente, assistido por Pier Giorgio Ferri, avvocato dello Stato, com domicílio
escolhido no Luxemburgo na Embaixada da Itália, 5, rue Marie-Adélaïde,
e
Ilva Laminati Piani SpA,sociedade de direito italiano, estabelecida em Roma,
representada por Aurelio Pappalardo, advogado no foro de Trapani, e Massimo
Merola, advogado no foro de Roma, com domicílio escolhido no Luxemburgo no
escritório do advogado Alain Lorang, 51, rue Albert 1er,
intervenientes,
que tem por objecto a anulação das Decisões 94/256/CECA a 94/261/CECA da
Comissão, de 12 de Abril de 1994, relativas a auxílios que vários Estados-Membros
pretendem conceder a empresas siderúrgicas estabelecidas nos respectivos
territórios (JO L 112, respectivamente, pp. 45, 52, 58, 64, 71 e 77),
O TRIBUNAL DE PRIMEIRA INSTÂNCIA
DAS COMUNIDADES EUROPEIAS (Primeira Secção Alargada),
composto por: A. Saggio, presidente, A. Kalogeropoulos, V. Tiili, A. Potocki e
R. M. Moura Ramos, juízes,
secretário: H. Jung,
vistos os autos e após a audiência de 25 de Fevereiro de 1997,
profere o presente
Acórdão
Enquadramento jurídico
- O tratado que institui a Comunidade Europeia do Carvão e do Aço (a seguir
«Tratado») proíbe, em princípio, os auxílios estatais às empresas siderúrgicas,
declarando, no artigo 4.°, alínea c), incompatíveis com o mercado comum do carvão
e do aço e, consequentemente, proibidos nas condições previstas no referido
Tratado «as subvenções ou auxílios concedidos pelos Estados ou os encargos
especiais por eles impostos, independentemente da forma que assumam».
- O artigo 95.°, primeiro e segundo parágrafos, do Tratado enuncia o seguinte:
«Em todos os casos não previstos no presente Tratado em que se revele necessária
uma decisão ou uma recomendação da Alta Autoridade para atingir, no
funcionamento do mercado comum do carvão e do aço e em conformidade com
o disposto no artigo 5.°, um dos objectivos da Comunidade, tal como vêm definidos
nos artigos 2.°, 3.° e 4.°, essa decisão ou recomendação pode ser adoptada mediante
parecer favorável do Conselho, o qual deliberará por unanimidade após consulta
do Comité Consultivo.
A decisão ou a recomendação assim adoptada determinará eventualmente as
sanções aplicáveis».
- Para dar resposta às exigências da reestruturação do sector da siderurgia, a
Comissão fundou-se nas referidas disposições do artigo 95.° do Tratado para criar,
a partir do início dos anos 80, um regime comunitário de auxílios que autoriza a
concessão de auxílios estatais à siderurgia em certos casos expressamente
enumerados. Este regime foi objecto de sucessivas adaptações para fazer face às
dificuldades conjunturais da indústria siderúrgica. Assim, o código comunitário dos
auxílios à siderurgia em vigor no período em causa nos presentes autos é o quinto
da série e foi instituído através da Decisão n.° 3855/91/CECA da Comissão, de 27
de Novembro de 1991, que cria normas comunitárias para os auxílios à siderurgia
(JO L 362, p. 57, a seguir «código dos auxílios»). Resulta dos seus considerandos
que institui, como os precedentes códigos, um sistema comunitário destinado a
abranger todos os auxílios, específicos ou não, concedidos pelos Estados-Membros,
independentemente da forma que assumam. Este código não autoriza nem os
auxílios ao funcionamento nem os auxílios à reestruturação, salvo quando se trate
de auxílios ao encerramento de instalações.
Factos na origem do litígio
- Face ao agravamento da situação económica e financeira no sector siderúrgico, a
Comissão apresentou um plano de reestruturação na sua comunicação SEC (92)
2160 final ao Conselho e ao Parlamento Europeu de 23 de Novembro de 1992,
intitulada «O reforço da competitividade da indústria siderúrgica: necessidade de
uma nova reestruturação». Este plano baseava-se na constatação de um excesso
de capacidades de carácter estrutural e visava principalmente realizar, com base
numa participação voluntária das empresas siderúrgicas, uma redução substancial
e definitiva das capacidades de produção na ordem, no mínimo, dos 19 milhões de
toneladas. Previa, para este efeito, um conjunto de medidas de acompanhamento
no domínio social, bem como incentivos financeiros, incluindo auxílios comunitários.
Paralelamente, a Comissão confiou uma peritagem a uma personalidade
independente, o Sr. F. Braun, antigo director-geral na Direcção Geral da Indústria
da Comissão, cuja missão essencial consistia na avaliação dos projectos de
encerramento de empresas do sector siderúrgico durante o período abrangido pela
comunicação acima referida, que abrangia os anos de 1993 a 1995. O Sr. F. Braun
apresentou o seu relatório, datado de 29 de Janeiro de 1993 e intitulado «As
reestruturações em curso ou previstas na indústria siderúrgica», após ter contactado
os dirigentes de cerca de 70 empresas.
- Nas suas conclusões de 25 de Fevereiro de 1993, o Conselho acolheu
favoravelmente as grandes linhas do programa apresentado pela Comissão na
sequência do relatório Braun, com vista a obter uma redução substancial das
capacidades de produção. O saneamento duradouro do sector siderúrgico deveria
ser facilitado por «um conjunto de medidas de acompanhamento limitadas no
tempo, respeitando rigorosamente as regras de controlo dos auxílios de Estado»,
ficando subentendido, no que respeita aos auxílios estatais, que «a Comissão
[confirmava] o seu empenhamento numa aplicação rigorosa e objectiva do Código
de Auxílios e [velaria] por que as derrogações eventualmente propostas ao
Conselho ao abrigo do artigo 95.° do Tratado CECA contribuam plenamente para
o esforço global de redução de capacidade que se impõe. O Conselho [deliberaria]
rapidamente sobre essas propostas, com base em critérios objectivos».
- Nesta linha de ideias, o Conselho e a Comissão indicaram na sua declaração
conjunta inscrita nas actas da reunião do Conselho realizada em 17 de Dezembro
de 1993 que descreve o acordo global obtido no Conselho com vista a dar o seu
parecer favorável em conformidade com o disposto no artigo 95.°, primeiro e
segundo parágrafos, do Tratado aos auxílios estatais às empresas públicas Sidenor
(Espanha), Sächsische Edelstahlwerke GmbH (Alemanha), Corporación de la
Siderurgia Integral (CSI, Espanha), Ilva (Italia), EKO Stahl AG (Alemanha) e
Siderurgia Nacional (Portugal) que «[consideravam] que o único meio de atingir
uma siderurgia comunitária sólida e competitiva no mercado mundial [era] pôr
definitivamente termo às subvenções públicas à siderurgia e encerrar as instalações
não rentáveis. Dando o seu acordo unânime às propostas que lhe [foram]
submetidas nos termos do artigo 95.°, o Conselho [reafirmava] o seu empenho na
aplicação rigorosa do código de auxílios [...] e, quando estes não estejam
autorizados nos termos do código, do artigo 4.°, alínea c), do Tratado CECA. Sem
prejuízo do direito de qualquer Estado-Membro solicitar uma decisão nos termos
do artigo 95.° do Tratado CECA, e em conformidade com as suas conclusões de
25 de Fevereiro de 1993, o Conselho [declarava-se] firmemente resolvido a evitar
qualquer nova derrogação ao abrigo do artigo 95.° para auxílios a favor de uma
empresa específica».
- O Conselho deu o seu parecer favorável em 22 de Dezembro de 1993, ao abrigo
do artigo 95.°, primeiro e segundo parágrafos, do Tratado, à concessão dos auxílios
acima referidos, destinados a acompanhar a reestruturação ou a privatização das
empresas públicas em causa.
- Foi neste contexto jurídico e factual que, para facilitar uma nova reestruturação da
indústria siderúrgica, a Comissão adoptou, em 12 de Abril de 1994 e na sequência
do parecer favorável do Conselho, acima referido, seis decisões individuais
fundadas no artigo 95.°, primeiro e segundo parágrafos, do Tratado, que autorizam
a concessão de auxílios estatais que não preenchiam os critérios que permitem, em
aplicação do código de auxílios, acima referido, uma derrogação ao disposto no
artigo 4.°, alínea c), do Tratado. A Comissão autorizava respectivamente, nestas
seis decisões, a concessão dos auxílios que a Alemanha previa conceder à empresa
siderúrgica EKO Stahl AG, Eisenhüttenstadt (decisão 95/256/CECA, JO L 112,
p. 45), os auxílios que Portugal previa conceder à empresa siderúrgica Siderurgia
Nacional (decisão 94/257/CECA, JO L 112, p. 52), os auxílios que a Espanha previa
conceder à empresa pública de siderurgia integrada Corporación de la Siderurgia
Integral (CSI) (decisão 94/258/CECA, JO L 112, p. 58), a concessão pela Itália de
auxílios estatais às empresas siderúrgicas do sector público (grupo siderúrgico Ilva)
(decisão 94/259/CECA, JO L 112, p. 64), os auxílios que a Alemanha previa
conceder à empresa siderúrgica Sächsische Edelstahlwerke GmbH, Freital/Sachsen
(decisão 94/260/CECA, JO L 112, p. 71) e os auxílios a conceder pela Espanha à
empresa de aços especiais Sidenor (decisão 94/261/CECA, JO L 112, p. 77).
- Estas autorizações eram acompanhadas, em conformidade com o parecer favorável
do Conselho, «de obrigações que correspondem a reduções líquidas de capacidades
de, pelo menos, 2 milhões de toneladas de aço bruto e de um máximo de 5,4
milhões de toneladas de produtos laminados a quente (abstraindo da construção
de um transportador de bandas largas em Sestao e de um aumento da capacidade
da EKO Stahl AG para além de 900 000 toneladas após meados de 1999)»,
segundo a comunicação da Comissão ao Conselho e ao Parlamento Europeu, de
13 de Abril de 1994 [COM(94) 125 final], destinada a estabelecer um balanço
intermédio da reestruturação da indústria siderúrgica e a avançar soluções
destinadas a consolidar este processo, no espírito das conclusões do Conselho de
25 de Fevereiro de 1993, já referidas.
Tramitação processual
- Foi neste contexto que, por requerimento apresentado na Secretaria do Tribunal
de Primeira Instância em 6 de Junho de 1994, a Association des aciéries
européennes indépendantes (EISA) pediu, nos termos do artigo 33.° do Tratado,
a anulação das seis decisões de 12 de Abril de 1994 acima referidas.
- Por requerimento separado, registado na Secretaria do Tribunal de Primeira
Instância no mesmo dia, a recorrente pediu também, nos termos do artigo 39.° do
Tratado, a suspensão da execução do artigo 1.° das decisões impugnadas, na
medida em que declara compatíveis com o bom funcionamento do mercado comum
e, portanto, autoriza os auxílios em questão. Este pedido foi indeferido por
despacho do presidente do Tribunal de Primeira Instância de 15 de Julho de 1994
EISA/Comissão (T-239/94 R, Colect., p. II-703).
- Paralelamente, foram interpostos dois outros recursos no Tribunal de PrimeiraInstância, um pela sociedade British Steel plc, contra as Decisões 94/258/CECA e
94/259/CECA, já referidas e que respectivamente autorizam a concessão de auxílios
estatais à empresa CSI e ao grupo siderúrgico Ilva (processo T-243/94), e outro
pelas empresas Wirtschaftsvereinigung Stahl, Thyssen Stahl AG, Preussag Stahl AG
e Hoogovens Groep BV, contra a Decisão 94/259/CECA, que autoriza a concessão
de auxílios estatais ao grupo siderúrgico Ilva (processo T-244/94).
- Nos presentes autos, a República Federal da Alemanha, o Conselho, a República
Italiana e a Ilva Laminati Piani SpA (a seguir «Ilva») apresentaram na Secretaria
do Tribunal de Primeira Instância, respectivamente, em 14, 24 e 28 de Outubro e
2 de Novembro de 1994, um pedido de intervenção no litígio em apoio das
conclusões da recorrida. Por despachos datados respectivamente de 25 e 28 de
Novembro e de 15 de Dezembro de 1994, o presidente da Segunda Secção
Alargada do Tribunal admitiu estas intervenções em apoio das conclusões da
recorrida.
- Em 21 de Dezembro de 1994, a Comissão, através da Decisão 94/1075/CECA
relativa a um projecto de auxílio a conceder pela Alemanha à empresa siderúrgica
EKO Stahl GmbH, Eisenhüttenstadt (JO L 386, p. 18), revogou a Decisão
94/256/CECA, já referida, relativa à dita empresa.
- Em 3 de Dezembro de 1996, o Tribunal colocou à Comissão, em aplicação do
disposto no n.° 3 do artigo 64.° do Regulamento de Processo, questões às quais esta
respondeu no prazo fixado.
- Com base no relatório do juiz-relator, o Tribunal decidiu dar início à fase oral sem
medidas de instrução. Foram ouvidas as alegações orais das partes e as suas
respostas às questões colocadas pelo Tribunal na audiência de 25 de Fevereiro de
1997.
Pedidos das partes
- A recorrente conclui pedindo que o Tribunal se digne:
- anular as Decisões 94/256 a 94/261/CECA da Comissão, de 12 de Abril de
1994;
- condenar a Comissão nas despesas.
- A recorrida, apoiada pelo Conselho e pela República Italiana, conclui pedindo que
o Tribunal se digne:
- negar provimento ao percurso;
- condenar a recorrente nas despesas.
- A República Federal da Alemanha conclui pedindo que o Tribunal se digne:
- negar provimento ao recurso na medida em que se destina a obter a
anulação das Decisões 94/256/CECA e 94/260/CECA.
- A Ilva conclui pedindo que o Tribunal se digne:
- julgar o recurso admissível, mas negar-lhe provimento;
- condenar a recorrente no pagamento da totalidade das despesas, incluindo
as suportadas pela Ilva.
Quanto à admissibilidade do recurso
Argumentação das partes
- A fim de demonstrar a admissibilidade do seu recurso, a recorrente sustenta que,
contrariamente às alegações do Governo alemão, as decisões impugnadas lhe dizem
respeito, na acepção do artigo 33.°, segundo parágrafo, do Tratado (v. os acórdãos
do Tribunal de Justiça de 19 de Setembro de 1985, Hoogovens/Comissão, 172/83
e 226/83, Recueil, p. 2831, e de 6 de Dezembro de 1990, Wirtschaftsvereinigung
Eisen-und Stahlindustrie/Comissão, C-180/88, Colect., p. I-4413). Além disso,
precisa que vários dos seus membros têm uma produção que está em directa
concorrência com a produção das duas empresas alemãs que são beneficiárias dos
auxílios em causa, bem como com a dos seus compradores.
- A República Federal da Alemanha contesta a legitimidade da recorrente, com o
fundamento de que não demonstrou que as decisões impugnadas lesam os seus
próprios interesses ou os das empresas que representa. Em particular, os membros
da EISA não estarão em concorrência com as empresas EKO Stahl e Sächsische
Edelstahlwerke, na medida em que não parece que fabriquem os mesmos produtos.
Apreciação do Tribunal
- Antes de examinar a questão da falta de pressupostos processuais invocada pela
República Federal da Alemanha, o Tribunal considera que há que apreciar a
admissibilidade da sua invocação à luz do Regulamento de Processo.
- A recorrida não suscitou a questão da falta de pressupostos processuais durante a
fase escrita. Ora, as conclusões de um pedido de intervenção só podem ter por
objecto sustentar as conclusões de uma das partes no litígio [artigo 34.°, segundo
parágrafo, e 46.°, primeiro parágrafo do Estatuto (CECA) do Tribunal de Justiça].
Além disso, o interveniente aceita o processo no estado em que este se encontra
no momento da sua intervenção (artigo 116.°, n.° 3, do Regulamento de Processo).
- Daqui resulta que a República Federal da Alemanha, interveniente, não tem
legitimidade para suscitar a questão prévia da admissibilidade e que o Tribunal não
está, portanto, obrigado a examinar os fundamentos que invocou a este respeito (v.,
a este propósito, o acórdão do Tribunal de Justiça de 24 e Março de 1993, CIRFS
e o./Comissão, C-313/90, Colect., p. I-1125).
- Todavia, ao abrigo do artigo 113.° do Regulamento de Processo, o Tribunal pode,
a todo o tempo e oficiosamente, verificar se estão preenchidos pressupostos
processuais de ordem pública, incluindo os invocados pelos intervenientes (v., a este
respeito, os acórdãos do Tribunal de Justiça de 11 de Julho de 1990, Neotype
Techmashexport/Comissão e Conselho, C-305/86 e C-160/87, Colect., p. I-2945, e
de 15 de Junho de 1993, Matra/Comissão, C-225/91, Colect., p. I-3203).
- No caso em apreço, a falta de pressupostos processuais invocada pela República
Federal da Alemanha suscita uma questão de ordem pública, na medida em que
respeita à legitimidade da recorrente, bem como ao seu acesso às vias de recurso
e, em conformidade com a jurisprudência acima referida, pode, portanto, ser
objecto de exame oficioso por parte do Tribunal.
- Neste contexto, o Tribunal sublinha que resulta de uma jurisprudência constante
que as associações, na acepção do artigo 48.° do Tratado, que agrupem empresas
da indústria siderúrgica e tenham por finalidade representar os interesses comuns
dos seus membros, são afectadas na acepção do artigo 33.°, segundo parágrafo,
do Tratado por decisões que autorizem o pagamento de auxílios de Estado a
empresas concorrentes (v. o acórdão Wirtschaftsvereinigung Eisen-und
Stahlindustrie/Comissão, já referido, n.° 23).
- A EISA é uma associação que agrupa empresas da indústria siderúrgica europeia
independentes, o que permite presumir que as empresas siderúrgicas públicas
beneficiárias dos auxílios autorizados pelas decisões controvertidas são empresas
concorrentes das empresas membros da EISA. Ora, como afirmou a recorrente,
não foi contestado nem pela recorrida nem pelas intervenientes, com a excepção
da República Federal da Alemanha, que as empresas representadas pela EISA
estão efectivamente em concorrência com as empresas siderúrgicas públicas que
beneficiaram dos auxílios autorizados pelas decisões controvertidas. Quanto à
República Federal da Alemanha, limitou-se a sustentar que «não parece» que os
membros da EISA fabriquem os mesmos produtos que a EKO Stahl ou que a
Sächsische Edelstahlwerke, sem todavia avançar argumentos suficientes para pôr
em causa a qualidade de concorrentes das empresas representadas pela EISA.
- Donde resulta que o recurso interposto pela EISA deve ser julgado admissível.
Quanto ao objecto do pedido de anulação
Argumentação das partes
- No que respeita ao pedido de anulação da Decisão 94/256/CECA, já referida,
relativa à empresa EKO Stahl AG (a seguir «EKO»), a República Federal da
Alemanha sustenta que se terá tornado sem objecto, dado que a Comissão revogou
esta decisão através da Decisão 94/1075/CECA, já referida.
- A recorrente observa que, mesmo admitindo que a Decisão 94/256/CECA referente
à EKO foi revogada pela Comissão, o pedido de anulação desta decisão não se
tornou, contudo, sem objecto, na medida em que a recorrente tem interesse em
que o Tribunal verifique a ilegalidade das decisões individuais que autorizam a
concessão de auxílios estatais ao funcionamento ao abrigo do artigo 95.°, primeiro
e segundo parágrafos, do Tratado a fim de evitar eventuais repetições desta
prática.
- A Comissão confirma que, através da sua Decisão 94/1075/CECA, procedeu à
«revogação» da sua Decisão 94/256/CECA e que, por essa razão, tendo-se tornado
sem objecto o recurso de anulação no que respeita à Decisão 94/256/CECA, já não
há lugar à decisão do Tribunal.
Apreciação do Tribunal
- O Tribunal considera que a tese da recorrente não procede. Segundo uma
jurisprudência bem estabelecida, não há que decidir de um recurso de anulação
quando a decisão impugnada tenha sido revogada, o que a torna inaplicável (v., a
título de exemplo, o despacho do Tribunal de Justiça de 19 de Outubro de 1983,
Ferriere San Carlo/Comissão, 75/83, Recueil, p. 3123). Ora, está assente que a
decisão controvertida foi revogada, tendo-se, assim, tornado inaplicável. Portanto,
o recurso de anulação interposto pela EISA da Decisão 94/256/CECA tornou-se
sem objecto, sem que haja que examinar as razões que levaram a Comissão a
revogar esta decisão.
- Por conseguinte, não há que decidir da parte do recurso destinado a obter a
anulação da Decisão 94/256/CECA.
Quanto ao mérito do recurso
- A recorrente invoca, em apoio do seu pedido de anulação, dois fundamentos
baseados, por um lado, na violação do Tratado e do código de auxílios, bem como
no desvio de poder e, por outro, na alegada retroactividade das decisões
controvertidas.
Quanto ao primeiro fundamento baseado na violação do Tratado e do código dos
auxílios, bem como no desvio de poder
- No âmbito deste primeiro fundamento, a recorrente invoca, em primeiro lugar, o
desrespeito da proibição dos auxílios estatais alegadamente enunciada no Tratado
e no código de auxílios, bem como um desvio de poder, em segundo lugar, a
violação das condições de aplicação do artigo 95.°, primeiro parágrafo, do Tratado
e, em terceiro, a violação do princípio da não discriminação consagrado pelo
Tratado.
Argumentação das partes
- A recorrente refere, em primeiro lugar, que, nas decisões impugnadas, a Comissão
reconhece expressamente que os auxílios em causa são incompatíveis com o
Tratado e com o código dos auxílios. Ora, esta instituição não tinha o direito de
derrogar a proibição dos auxílios enunciada por estes diplomas com base no
disposto no primeiro e segundo parágrafos do artigo 95.° do Tratado. Com efeito,
a adopção das decisões controvertidas origina uma verdadeira alteração do disposto
no Tratado, o que exigia a sua alteração prévia em conformidade com o processo
previsto no artigo N do Tratado da União Europeia, na sequência da revogação do
artigo 96.° do Tratado CECA, com efeitos a contar de 1 de Novembro de 1993,
pelo artigo H. 21, do referido Tratado.
- A este respeito, a recorrente sustenta que, ao conceder uma série de derrogações
individuais, sem precisar as circunstâncias que a levaram a derrogar as disposições
do código de auxílios em benefício das cinco empresas destinatárias das decisões
controvertidas, a Comissão arrogou-se um poder demasiado amplo e demasiado
geral, que vai além da adaptação do Tratado prevista no artigo 95.°, tanto no
primeiro parágrafo como nos terceiro e quarto parágrafos, e que, em todo o caso,
não permite verificar se as condições de aplicação destas disposições estão
preenchidas.
- Em particular, as decisões impugnadas não se relacionam com um caso não
previsto no Tratado, na medida em que este proíbe, pelo contrário, expressamente
os auxílios estatais, no seu artigo 4.°, alínea c). A recorrente rejeita a argumentação
da Comissão de que as decisões controvertidas autorizam, não auxílios estatais
proibidos pelo artigo 4.°, alínea c), do Tratado, mas auxílios comunitários. A este
respeito, alega que resulta expressamente das decisões impugnadas que estas
aprovam auxílios nacionais e não auxílios comunitários. É evidente que a acção da
Comissão se limitou a autorizar, no respeito de certas condições, os
Estados-Membros em causa a concederem às suas empresas um auxílio cujo
montante e modalidades foram por eles próprios determinados, completamente
fora do quadro comunitário. Ao terem desse modo afastado, mesmo com uma
finalidade supostamente conforme aos objectivos do Tratado, a proibição dos
auxílios estatais enunciada no Tratado, as decisões impugnadas violaram o princípio
de uma Comunidade de direito.
- Nesta linha de ideias, a recorrente considera que o carácter individual das
derrogações à proibição dos auxílios estatais enunciada no Tratado, concedidas
através das decisões impugnadas, demonstra que estas não têm por objecto resolver
um caso não previsto no Tratado, para realizar os objectivos que define, mas sim
resolver as dificuldades que enfrentavam certas empresas para se sujeitarem às
regras do Tratado, cujo respeito é imposto aos seus concorrentes. Estas decisõesvisam, com efeito, legalizar certos auxílios estatais que não podiam inscrever-se no
quadro legal definido pelo Tratado. Além disso e ainda que o problema em causa
pudesse ser considerado como um caso não previsto pelo Tratado, o que a
recorrente contesta, a utilização dos primeiro e segundo parágrafos do artigo 95.°
do Tratado para adoptar decisões individuais a fim de resolver um problema geral
constitui um desvio de poder. Com efeito, semelhante utilização vai contra um dos
objectivos fundamentais do Tratado, ou seja, a igualdade de tratamento dos
operadores económicos.
- A recorrente sustenta, seguidamente, que as condições de aplicação do artigo 95.°,
primeiro parágrafo, do Tratado, não foram preenchidas pelas decisões
controvertidas. Ao autorizar auxílios ao funcionamento, estas decisões não se
inscrevem no âmbito de funcionamento do mercado comum do aço e não visam
a realização de um dos objectivos da Comunidade. Além disso, não são necessárias
com vista à realização dos objectivos prosseguidos.
- Em primeiro lugar, a recorrente alega que as decisões impugnadas não se
inscrevem no âmbito do funcionamento do mercado comum do aço e não tendem
à realização de um dos objectivos da Comunidade, como vêm definidos nos artigos
2.°, 3.° e 4.°, e como exige o primeiro parágrafo do artigo 95.° do referido Tratado.
Com efeito, estas decisões visam manter artificialmente produções excedentárias,
através de auxílios ao funcionamento. Em apoio da sua tese, a recorrente refere,
em primeiro lugar, que as decisões impugnadas não contêm as informações
necessárias para se concluir pela viabilidade dos planos de reestruturação
apresentados pelos Estados-Membros em causa. De resto, a recorrente exprime as
suas dúvidas quanto ao valor das declarações segundo as quais os auxílios em causa
seriam os últimos auxílios ao funcionamento autorizados, devido a que, no passado,
a Comissão já se viu obrigada a rever esses compromissos. No que toca a este
aspecto, refere que, nas suas conclusões de 17 de Dezembro de 1993, o Conselho
teve o cuidado de indicar que foi sem prejuízo do direito de qualquer
Estado-Membro pedir uma decisão ao abrigo do artigo 95.° que se declarou
resolvido a evitar qualquer nova derrogação para os auxílios a favor de uma
empresa particular. A recorrente denuncia as dificuldades surgidas logo com a
apresentação dos primeiros relatórios dos Estados-Membros, como resulta da
comunicação da Comissão ao Conselho e ao Parlamento Europeu de 21 de Junho
de 1994 intitulada «Relançar a reestruturação siderúrgica comunitária», já referida
com que se enfrenta a Comissão no exercício do seu controlo do respeito das
condições impostas pelas decisões impugnadas.
- Nestas condições, as decisões impugnadas vão contra a realização da maior parte
dos objectivos definidos pelos artigos acima referidos do Tratado, mantendo
artificialmente empresas não viáveis, o que alimenta a situação de excecentes de
capacidades na origem de uma crise estrutural que afecta o conjunto do sector.
Deste modo, não permitem o estabelecimento de condições que garantam a
repartição mais racional da produção, a que se referem o segundo parágrafo do
artigo 2.° do Tratado. Além disso, os auxílios em causa originam uma melhoria da
posição das empresas beneficiárias no mercado, graças a uma política de produção
e/ou de preços subvencionados. Contribuindo para falsear de um modo artificial
as condições de concorrência, estes auxílios não são de natureza a garantir um nível
de preços que permita as necessárias amortizações e que proporcione aos capitais
investidos possibilidades normais de remuneração [artigo 3.°, alínea c), do Tratado],
a manutenção de condições que incentivem as empresas a desenvolver e a
melhorar os seus potenciais de produção [artigo 3.°, alínea d)], a igualização das
condições de vida e de trabalho dos trabalhadores [artigo 3.°, alínea e)],o
desenvolvimento do comércio internacional [artigo 3.°, alínea f)], ou a expansão
regular e a modernização da produção, bem como a melhoria da qualidade [artigo
3.°, alínea g)]. Com efeito, a concessão de auxílios a certas empresas siderúrgicas
põe gravemente em causa a viabilidade das outras empresas, devido à artificial
manutenção em actividade dos seus concorrentes. A este respeito, a recorrente
observa que, embora seja certo que o código de auxílios em vigor durante o
período de 1980-1985 previa a possibilidade de conceder auxílios ao funcionamento,
os efeitos destes auxílios sobre a situação concorrencial das empresas eram
estritamente limitados, à época, pelo enquadramento da produção e dos preços
instituído pela Comissão, de 1980 a 1988, no âmbito do regime de crise manifesta
visado no artigo 58.° do Tratado.
- Em segundo lugar, as decisões controvertidas não são necessárias para os efeitos
da realização dos objectivos prosseguidos, como exige o artigo 95.°, primeiro
parágrafo, do Tratado. Quanto a este aspecto, a recorrente afasta a argumentação
da Comissão de que as decisões se inscrevem no âmbito de uma política geral de
reduções das capacidades incluindo medidas de acompanhamento, na linha do
relatório Braun de 29 de Janeiro de 1993, já referido. Observa que semelhante
política geral podia ser realizada através dos instrumentos legislativos e
regulamentares existentes. Como o código de auxílios autoriza expressamente os
auxílios ao encerramento, uma redução de capacidades poderia ser obtida através
de medidas sociais de acompanhamento, destinadas a reduzir os encargos das
empresas em caso de encerramento. De resto, esta foi a solução preconizada no
relatório Braun que denuncia, segundo a recorrente, as consequências prejudiciais
que resultam das intervenções financeiras dos poderes públicos, semelhantes às que
foram autorizadas no caso em apreço através das decisões impugnadas. Aliás, a
recorrente precisa não ter sido nunca associada à elaboração do plano de
reestruturação aprovado pelo Conselho que, contrariamente às alegações desta
instituição, não terá sido elaborado «em concertação com a indústria siderúrgica».
- Por último, a recorrente considera que as decisões impugnadas originam uma
discriminação entre produtores, o que é contrário ao disposto na alínea b) do
artigo 4.° do Tratado. Em primeiro lugar, contesta que o encerramento de
capacidades de produção pelas empresas beneficiárias dos auxílios, visado no artigo
3.° das decisões controvertidas, demonstre a inexistência de qualquer discriminação
entre estas empresas e os outros produtores do sector siderúrgico. Especificamente,
a redução de capacidades de 750 000 toneladas por ano por cada mil milhões de
ecus de auxílio concedido, aplicada nas decisões controvertidas, é particularmente
favorável, caso seja comparada com a de 516 000 toneladas por 400 000 ecus, que
apenas serão pagos após o encerramento, fixada no quadro das discussões entre
a Comissão e a Bresciani, uma empresa siderúrgica privada italiana. Além disso,
no caso em apreço, resulta da tabela relativa às reduções de capacidades previstas
nas decisões impugnadas, apresentada pela Comissão, que a maior parte dos
encerramentos estão programados para o fim do período durante o qual os auxílios
são concedidos. Durante este período, a competitividade das empresas beneficiárias
é, desse modo, artificialmente aumentada. Além disso, certas reduções são
largamente compensadas por investimentos novos. Estes originam um aumento de
capacidades de 900 000 toneladas tanto para a CSI como a Siderurgia Nacional.
Ao que acresce que outras reduções respeitam a capacidades mais nominais do que
reais. É o caso da Ilva, na medida de, pelo menos, 300 000 toneladas.
- Observa ainda que a discriminação reside também no facto de as empresas
beneficiárias dos auxílios em causa poderem, por ocasião da sua reestruturação,
reduzir os seus encargos financeiros até um nível que atinge, pelo menos, 3,5% do
volume de negócios anual, correspondente à média para as empresas siderúrgicas
comunitárias (artigo 4.° da Decisão 94/256/CECA e artigo 3.° das outras decisões
controvertidas). As decisões impugnadas permitem, desse modo, diminuir
artificialmente para a média comunitária os encargos financeiros de empresas não
viáveis e que, por essa razão, têm uma taxa de endividamento nitidamente mais
elevada. A recorrente acrescenta que a discriminação alegada não pode ser
imputada aos Estados-Membros em causa, como sugere a Comissão, apesar dos
auxílios em causa emanarem destes Estados. Antes de tomar qualquer decisão com
base no artigo 95.°, primeiro e segundo parágrafos, a Comissão está obrigada a
verificar que não originará qualquer discriminação contrária aos objectivos visados
na alínea b) do artigo 4.° do Tratado.
- A Comissão, apoiada pelos intervenientes, contesta que os auxílios autorizados
pelas decisões controvertidas sejam incompatíveis com o Tratado. Admite que estes
auxílios, como lhe foram notificados pelos Estados-Membros em causa, eram
incompatíveis com este Tratado por força da já referida alínea c) do artigo 4.° do
Tratado e do código de auxílios, enquanto auxílios nacionais, tendo em conta o
facto de que não entravam no âmbito de aplicação da referida decisão. Todavia,
precisa que os auxílios em causa foram «comunitarizados» através das decisões
controvertidas que os autorizam com base no disposto nos primeiro e segundo
parágrafos do artigo 95.°, após os ter acompanhado de condições estritas, pelo que
estes auxílios podem ser considerados compatíveis com o funcionamento do
mercado comum.
- A Comissão explica que estava habilitada a adoptar as decisões impugnadas com
base no disposto no primeiro e segundo parágrafos do artigo 95.° do Tratado.
Alega que, apesar da adopção de códigos de auxílios à siderurgia cada vez mais
estritos, a indústria siderúrgica da Comunidade atravessava, desde o início dos anos
90, «o seu mais difícil período desde a primeira metade da década de 80», como
resulta dos considerandos das cinco decisões impugnadas. No seu acórdão de 3 de
Outubro de 1985, Alemanha/Comissão (214/83, Recueil, p. 3053), o Tribunal de
Justiça reconheceu que uma situação de crise é uma situação não prevista pelo
Tratado susceptível de justificar uma intervenção ao abrigo do disposto no primeiro
e segundo parágrafos do artigo 95.° do referido Tratado. O único limite que o
Tribunal de Justiça terá fixado à acção da Comissão reside no facto de que esta
última «não pode, no entanto, autorizar auxílios cuja concessão possa provocar
uma discriminação manifesta entre os sectores público e privado. De facto, em tal
caso, a concessão dos referidos auxílios geraria distorções na concorrência em
medida contrária ao interesse comum» (v. o acórdão de 24 de Fevereiro de 1987,
Falck/Comissão, 304/85, Colect., p. 871, n.° 27). No presente caso, os auxílios
autorizados pelas decisões controvertidas não originaram qualquer discriminação,
designadamente na medida em que a Comissão sujeitou estas autorizações à
condição de o nível dos encargos financeiros líquidos das empresas beneficiárias
não ser inferior a 3,5% (e a 3,2% para a empresa AST) dos seus volumes de
negócios anual, o que corresponde à média actual para as empresas siderúrgicas
comunitárias. De resto, ao sujeitar a atribuição dos auxílios em causa a medidas de
compensação proporcionais, na forma de importantes reduções das capacidades,
as decisões impugnadas inscrevem-se num plano de reestruturação global que
também é realizado no interesse das empresas privadas.
- A Comissão sublinha que a recorrente não contestou que os auxílios comunitários
podiam ser concedidos com base no disposto no artigo 95.° no quadro de decisões
gerais. A única questão que se coloca é, portanto, a de saber se os auxílios ao
encerramento parcial, que não eram admitidos nos termos do código de auxílios,
podiam ser objecto de decisões individuais de aprovação com base nestas
disposições. Uma aprovação ad hoc, segundo o processo instituído pelo artigo 95.°,
é possível desde que prossiga a mesma finalidade e esteja acompanhada das
mesmas condições que os auxílios autorizados no âmbito dos sucessivos códigos. A
Comissão considera que assim ocorre, no caso em apreço, na medida em que as
decisões impugnadas impõem as três condições essenciais que se aplicam à
concessão de auxílios estatais no sector da siderurgia, segundo a prática
constantemente seguida por esta instituição desde 1980. Especificamente, a
Comissão verificou, com base nos relatórios efectuados por consultores
independentes na maioria dos casos, que os auxílios autorizados garantiam a
viabilidade financeira da empresa beneficiária. O montante do auxílio foi limitado
ao estritamente necessário. Por último, aos auxílios foi imposta uma contrapartida,na forma de reduções de capacidades proporcionais ao montante do auxílio, a fim
de ser conforme ao interesse comum.
- Nestas condições, a Comissão contesta que o poder que exerceu ao adoptar as
decisões controvertidas tenha sido demasiado vago e geral para que se possa
inscrever no âmbito definido pelo artigo 95.° do Tratado. Admite, como sublinha
a recorrente, que «as decisões impugnadas não instituem um quadro regulamentar
que permita a qualquer empresa que se encontre nas condições objectivas descritas
pela regulamentação beneficiar de uma derrogação à proibição enunciada na alínea
c) do artigo 4.° do Tratado». Contudo, estas decisões individuais resultam da
mesma lógica que inspira os vários códigos instituídos desde 1980 e impõem
condições suficientemente claras e precisas, pelo que as críticas avançadas pela
recorrente estão destituídas de qualquer fundamento.
- Em particular, a Comissão sustenta que, contrariamente às alegações da recorrente,
as decisões impugnadas tendem para a realização dos objectivos da Comunidade,
como exigem os primeiro e segundo parágrafos do artigo 95.° do Tratado. Recorda
que previu, com base no relatório Braun, já referido, duas acções paralelas e
complementares que consistiam, por um lado, em elaborar um programa de
reduções de capacidades de, pelo menos, 19 milhões de toneladas e, por outro, em
instituir medidas de acompanhamento que visam o domínio social, a melhoria das
estruturas e a estabilização do mercado e das relações externas com base nos
diplomas existentes, ou seja e designadamente, o código de auxílios e os artigos
46.°, 53.°, alínea a), e 56.° do Tratado (anexo 9 da contestação), para facilitar a
realização deste programa. Ao visar a supressão programada dos excecentes de
capacidades no âmbito de um plano global, o saneamento das empresas em causa
e, portanto, a preservação de milhares de postos de trabalho, as decisões
impugnadas prosseguem os objectivos definidos nos artigos 2.° e 3.° do Tratado.
- A Comissão também rejeita as críticas da recorrente referentes ao mecanismo de
vigilância. Especificamente, alega que os relatórios dos Estados-Membros não são
relevantes no caso em apreço, pois a validade de uma decisão não pode ser
afectada por actos posteriores à sua adopção.
- O Conselho sublinha, por seu turno, que as decisões impugnadas constituem uma
parte essencial do plano de reestruturação elaborado pela Comissão em
concertação com a indústria siderúrgica à luz das novas dificuldades surgidas no
sector siderúrgico. As decisões impugnadas referem-se a auxílios que, apesar de
não estarem previstos pelo Tratado, contribuem para a realização dos seus
objectivos, designadamente, o saneamento do mercado através de encerramentos
parciais de instalações de produção no âmbito de um programa de redução
definitiva das capacidades. Estes auxílios devem, portanto, ser considerados como
auxílios comunitários que não estão proibidos pelo disposto na alínea c) do artigo
4.° do Tratado, que proíbe os auxílios estatais pela única razão de estes auxílios
poderem, em princípio, originar distorções da concorrência contrárias aos
objectivos do Tratado. No caso em apreço, esta disposição não se opõe, portanto,
à autorização dos auxílios em causa ao abrigo do primeiro parágrafo do artigo 95.°
do Tratado. Ao adoptar as decisões impugnadas, a Comissão não excedeu os
poderes que lhe confere este artigo.
- A República Federal da Alemanha recorda que as decisões impugnadas
inscrevem-se no quadro do programa actual de reestruturação da siderurgia
comunitária adoptado pelo Conselho nas suas conclusões de 25 de Fevereiro de
1993. Estão validamente fundadas no disposto nos primeiro e segundo parágrafos
do artigo 95.° do Tratado, na medida em que se relacionam com uma situação que
nem o Tratado nem o código de auxílios prevêem, não apenas em razão do
agravamento da situação do mercado siderúrgico, mas também porque as empresas
alemãs em causa estavam submetidas, antes dos finais de 1990, a uma economia
dirigida e planificada. O Governo alemão também salienta o paralelismo entre o
código de auxílios e as decisões impugnadas no prosseguimento dos objectivos
fundamentais do Tratado. Nos dois casos, incumbe ao Estado-Membro decidir,
segundo as regras nacionais, a concessão de auxílios financiados pelo orçamento
nacional e escolher as empresas beneficiárias, mesmo quando os auxílios são
atribuídos ao abrigo do código de auxílios. No que respeita às reduções de
capacidades impostas nas decisões controvertidas, são conformes à ratio habitual
de 750 000 toneladas por cada mil milhões de ecus de auxílios. Além disso, estas
decisões não colocam as empresas beneficiárias numa situação privilegiada em
relação às empresas concorrentes, na medida em que limitam o montante dos
auxílios autorizados ao estritamente necessário, opõem-se a uma diminuição do
endividamento para além do nível habitual no sector e prevêem um
autofinanciamento adequado pelos investidores privados.
- A República Italiana sustenta, por seu turno, que os auxílios em causa não são
incompatíveis com o mercado comum do aço, na medida em que se verifica que
são necessários para a realização dos objectivos da Comunidade definidos nos
artigos 2.°, 3.° e 4.° do Tratado. Explica que as intervenções financiadas através dos
recursos estatais não estão, por si só, em contradição com o Tratado, desde que
prossigam os objectivos que este define. Em particular, o artigo 4.°, que coloca os
auxílios estatais no mesmo pé que os direitos aduaneiros e as restrições
quantitativas, apenas proíbe a concessão de auxílios estatais no âmbito de uma
política estatal de protecção das empresas nacionais. A ausência de uma proibição
geral dos auxílios estatais é confirmada pelo facto de o artigo 5.° do Tratado incluir
as medidas de apoio financeiro às empresas entre os meios de que pode fazer uso
a Comunidade para o cumprimento da sua missão. Ora, sublinha o Governo
italiano, o critério que permite determinar se um auxílio é lícito não reside na fonte
do seu financiamento, estatal ou comunitário, mas na sua conformidade com os
objectivos do Tratado. No caso em apreço, as graves crises da siderurgia europeia
impuseram uma actuação da Comunidade com vista a salvaguardar tanto a
produção como o emprego. Neste contexto e na falta de uma regulamentação
específica prevista pelo Tratado, a Comissão estava habilitada a fundar-se no
disposto no primeiro parágrafo do artigo 95.° do Tratado para autorizar os auxílios
em causa.
- A Ilva sustenta que, em conformidade com a jurisprudência do Tribunal de Justiça,
o artigo 95.°, primeiro parágrafo, tem por finalidade instituir um sistema de
derrogação que é próprio ao Tratado CECA a fim de permitir à Comissão
enfrentar as situações imprevistas que justificam adaptações pontuais e temporárias
do Tratado, quer na forma de uma única medida individual, quer na forma de uma
decisão que crie um quadro regulamentar com vista a um número indeterminado
de aplicações. A este respeito, a adopção de um quadro regulamentar geral não é,
todavia, necessária quando a situação o não exija, pois o texto do primeiro
parágrafo o artigo 95.° não lhe faz qualquer referência. Independentemente disso
e no caso presente, este quadro é fornecido pela resolução do Conselho de 25 de
Fevereiro de 1993, já referida. Nesta óptica, a Ilva sustenta que não se pode
reconhecer ao código de auxílios um carácter exaustivo. Tem unicamente por
vocação fixar as condições fundamentais dentro das quais certas categorias de
auxílios bem específicos podem ser consideradas compatíveis com o Tratado. De
modo algum se opõe à adopção de decisões complementares que autorizem
auxílios que não correspondam a estas categorias ou não preenchem as condições
previstas quando, no termo de uma análise aprofundada destes auxílios, a Comissão
considere que tendem para a realização de um dos objectivos do Tratado e as
outras condições de aplicação do primeiro parágrafo do artigo 95.° estejam
preenchidas.
- No caso em apreço, os auxílios em causa permitem reestruturar as empresas em
questão e reduzir as capacidades de produção. Assim, destinam-se a evitar que as
economias dos Estados-Membros atravessem perturbações fundamentais e
persistentes, em conformidade com o disposto no segundo parágrafo do artigo 2.°
do Tratado. De resto, o saneamento das empresas em questão permite
salvaguardar milhares de postos de trabalho, em conformidade com o segundo
parágrafo do artigo 2.° e a alínea e) do artigo 3.° do Tratado, e aumentar ao
máximo a eficácia dos seus meios de produção, objectivo visado nas alíneas d) e
g) do artigo 3.°, no respeito dos princípios da boa gestão económica enunciados na
alínea c) do artigo 3.°
- Por último, a Ilva contesta o carácter discriminatório dos auxílios em causa. A
situação das empresas beneficiárias dos auxílios autorizados pelas decisões
impugnadas eram suficientemente diferentes das dos seus concorrentes no
momento da autorização dos auxílios, o que exclui qualquer discriminação em
conformidade com uma jurisprudência bem assente (acórdão Alemanha/Comissão,
já referido). Além disso e em todo o caso, semelhante discriminação não pode ser
imputada à Comissão, mas sim aos Estados-Membros a quem incumbe a iniciativa
de pedirem à Comissão que autorize os auxílios (acórdão Falck/Comissão, já
referido).
Apreciação do Tribunal
Quanto ao alegado desrespeito da proibição dos auxílios estatais e ao desvio de poder
- A recorrente sustenta, essencialmente, que, ao autorizar os auxílios em causa
através das decisões individuais controvertidas, a Comissão utilizou os poderes que
lhe confere o artigo 95.°, primeiro e segundo parágrafos, do Tratado, com vista a
contornar a proibição dos auxílios estatais imposta pelo Tratado e pelo código de
auxílios. A sua tese repousa na premissa de que este código cuja validade ela
formalmente não contesta definirá de um modo vinculativo e exaustivo as
categorias de auxílios estatais susceptíveis de serem autorizadas.
- A este respeito, há que recordar previamente o contexto jurídico em que se
inscrevem as decisões impugnadas. A alínea c) do artigo 4.° do Tratado proíbe, em
princípio, os auxílios estatais, no seio da Comunidade Europeia do Carvão e do
Aço, na medida em que possam prejudicar a realização dos objectivos essenciais
da Comunidade que estão definidos no Tratado, designadamente, a instituição de
um regime de livre concorrência. Nos termos desta disposição, «consideram-se
incompatíveis com o mercado comum do carvão e do aço e, consequentemente,
abolidos e proibidos, na Comunidade, nas condições previstas no presente
Tratado:... c) as subvenções ou auxílios concedidos pelos Estados ou os encargos
especiais por eles impostos, independentemente da forma que assumam».
- Todavia, a presença desta proibição não significa que todo e qualquer auxílio
estatal no domínio da CECA deva ser considerado incompatível com os objectivos
do Tratado. A alínea c) do artigo 4.°, interpretada à luz do conjunto dos objectivos
do Tratado como estão definidos nos artigos 2.° a 4.°, não se destina a obstar à
concessão de auxílios estatais susceptíveis de contribuir para a realização dos
objectivos do Tratado. Reserva às instituições comunitárias a faculdade de
apreciarem a compatibilidade com o Tratado e, eventualmente, autorizar a
concessão de semelhantes auxílios no domínio abrangido pelo Tratado. Esta análise
é confirmada pelo acórdão proferido em 23 de Fevereiro de 1961, De
Gezamenlijke Steenkolenmijnen in Limburg/Alta Autoridade (30/59, Colect.
1954-1961, p. 551), no qual o Tribunal de Justiça decidiu que, assim como certos
auxílios financeiros não estatais a empresas produtoras de carvão ou de aço,
autorizados pelos artigos 55.°, n.° 2, e 58.°, n.° 2, do Tratado, só podem ser
atribuídos pela Comissão ou mediante a sua autorização expressa, assim também
a alínea c) do artigo 4.° deve ser interpretada no sentido de que atribui às
instituições comunitárias uma competência exclusiva no domínio da concessão dos
auxílios no interior da Comunidade (fundamentos da decisão, capítulo B.I.1.b, nono
considerando, sexto parágrafo, p. 563).
- Na economia do Tratado, a alínea c) do artigo 4.° não se opõe, portanto, a que a
Comissão autorize, a título de derrogação, os auxílios previstos pelos
Estados-Membros e compatíveis com os objectivos do Tratado, com base no
disposto nos primeiro e segundo parágrafos do artigo 95.°, para fazer face a
situações imprevistas (v. o acórdão do Tribunal de Justiça de 12 de Julho de 1962,
Países Baixos/Alta Autoridade, 9/61, Recueil, pp. 413, 449; Colect. 1962-1964,p. 119).
- Com efeito, as referidas disposições do artigo 95.° habilitam a Comissão a adoptar
uma decisão ou uma recomendação mediante parecer favorável do Conselho,
deliberando por unanimidade e após consulta do Comité Consultivo CECA, em
todos os casos não previstos no Tratado em que se revele necessária essa decisão
ou essa recomendação para atingir, no funcionamento do mercado comum do
carvão e do aço e em conformidade com o disposto no artigo 5.°, um dos objectivos
da Comunidade, como vêm definidos nos artigos 2.°, 3.° e 4.° Prevêem ainda que
a mesma decisão ou recomendação, assim adoptada, determinará eventualmente
as sanções aplicáveis. Donde resulta, na medida em que, contrariamente ao
disposto no Tratado CE o Tratado CECA não atribui à Comissão ou ao Conselho
qualquer poder específico para autorizar auxílios estatais, que a Comissão está
habilitada, por força do disposto no artigo 95.°, primeiro e segundo parágrafos, a
tomar todas as medidas necessárias para atingir os objectivos do Tratado e,
portanto, a autorizar, seguindo o processo que este Tratado institui, os auxílios que
considere necessários para atingir estes objectivos.
- Portanto, a Comissão é competente, na falta de disposições específicas do Tratado,
para adoptar qualquer decisão geral ou individual necessária à realização dos
objectivos deste Tratado. Os primeiro e segundo parágrafos do artigo 95.°, que lhe
atribuem esta competência, não comportam, com efeito, qualquer precisão
referente ao alcance das decisões que a Comissão pode adoptar. Neste contexto,
incumbe-lhe apreciar, em cada caso concreto, qual destes dois tipos de decisões,
gerais ou individuais, é o mais apropriado para atingir o ou os objectivos
prosseguidos.
- No domínio dos auxílios estatais, a Comissão utilizou o instrumento jurídico do
artigo 95.°, primeiro e segundo parágrafos, do Tratado segundo duas abordagens
diferentes. Por um lado, adoptou decisões gerais os «códigos de auxílios» que
prevêem uma derrogação geral à proibição dos auxílios estatais no que respeita a
certas categorias determinadas de auxílios. Por outro, adoptou decisões individuais
que autorizam certos auxílios específicos a título excepcional.
- Portanto, no caso em apreço, o problema consiste em determinar o objectivo e o
alcance respectivos do código de auxílios e das decisões individuais controvertidas.
- A este respeito, há que recordar que o código de auxílios aplicável no período que
respeita às decisões controvertidas foi instituído pela Decisão n.° 3855/91, de 27 de
Novembro de 1991, já referida. Tratava-se do quinto código de auxílios, entrado
em vigor em 1 de Janeiro de 1992 e aplicável até 31 de Dezembro de 1996, como
previa o seu artigo 9.° Baseado no disposto no artigo 95.°, primeiro e segundo
parágrafos, do Tratado, este código inscrevia-se explicitamente na linha dos códigos
anteriores (v., em particular, as decisões da Comissão n.os 3484/85/CECA, de 27 de
Novembro de 1985, e 322/89/CECA, de 1 de Fevereiro de 1989, que instituem
regras comunitárias para os auxílios à siderurgia, respectivamente, JO L 340, p. 1;
EE 08 F3 p. 31, e JO L 38, p. 8, em conjugação com os quais pode, portanto, ser
interpretado. Resulta dos seus fundamentos (v., designadamente, o ponto I dos
fundamentos da Decisão n.° 3855/91) que visava, em primeiro lugar, «não privar
a siderurgia do benefício dos auxílios à investigação e desenvolvimento, bem como
dos auxílios que se destinam a permitir a adaptação das suas instalações a novas
normas legais de protecção do ambiente». A fim de reduzir as capacidades
excessivas de produção e de reequilibrar o mercado, também autorizava, em certas
condições, «os auxílios sociais susceptíveis de favorecer o encerramento parcial de
instalações e também os auxílios ao financiamento da cessação definitiva de
quaisquer actividades CECA das empresas menos competitivas». Por último,
proibia expressamente os auxílios ao funcionamento ou ao investimento, com
excepção dos «auxílios regionais ao investimento em relação a certos
Estados-Membros». Podiam beneficiar destes auxílios regionais as empresas
estabelecidas no território da Grécia, de Portugal ou da antiga República
Democrática Alemã.
- As cinco decisões controvertidas foram adoptadas pela Comissão com base no
disposto no artigo 95.°, primeiro e segundo parágrafo, do Tratado, com vista a,
segundo os seus fundamentos, permitir a reestruturação de empresas públicas de
siderurgia confrontadas com graves dificuldades, nos Estados-Membros em questão,
nos quais o sector siderúrgico atravessava então a sua crise mais importante devido
à forte deterioração do mercado comunitário do aço. O objectivo essencial dos
auxílios em causa, no caso em apreço, consistia no saneamento das empresas
beneficiárias. A Comissão precisava, nas decisões impugnadas, que a conjuntura
muito difícil que enfrentava a indústria siderúrgica comunitária se explicava por
factores económicos largamente imprevisíveis. Portanto, considerava-se confrontada
com uma situação excepcional que não estava expressamente prevista no Tratado
(ponto IV dos fundamentos).
- A comparação entre o quinto código de auxílios, por um lado, e as duas decisões
controvertidas, por outro, permite, assim, pôr em evidência que estes diferentes
actos se fundam na mesma base jurídica, o artigo 95.°, primeiro e segundo
parágrafos, do Tratado, e introduzem derrogações ao princípio da proibição geral
dos auxílios enunciado na alínea c) do artigo 4.° do Tratado. Têm um âmbito de
aplicação diferente, referindo-se o código de um modo geral a certas categorias de
auxílios que considera como compatíveis com o Tratado e as decisões
controvertidas autorizando, por razões excepcionais e una tantum, auxílios que, em
princípio, não poderiam ser considerados compatíveis com o Tratado.
- Nesta perspectiva, a tese da recorrente de que o código terá um carácter
obrigatório, exaustivo e definitivo não pode ser acolhida. Com efeito, o código só
representa um enquadramento jurídico vinculativo para os auxílios compatíveis com
o Tratado que enumera. Neste domínio, institui um sistema global destinado a
garantir um tratamento uniforme, no âmbito de um único processo, de todos os
auxílios que se inserem nas categorias que define. A Comissão só está vinculada
por este sistema quando aprecia a compatibilidade com o Tratado dos auxílios
visados pelo código. Portanto, não pode autorizar estes auxílios através de uma
decisão individual que esteja em contradição com as regras gerais instituídas por
este código (v. os acórdãos do Tribunal de Justiça de 29 de Março de 1979, ditos
«rolamentos de esferas», NTN Toyo Bearing e o./Conselho, 113/77, Recueil,
p. 1185; ISO/Conselho, 118/77, Recueil, p. 1277; Nippon Seiko e o./Conselho e
Comissão, 119/77, Recueil, p. 1303; Koyo Seiko/Conselho e Comissão, 120/77,
Recueil, p. 1337; Nachi Fujikoshi e o./Conselho, 121/77, Recueil, p. 1363; bem
como, de 21 de Fevereiro de 1994, Walzstahl-Vereinigung e Thyssen/Comissão,
140/82, 146/82, 221/82 e 226/82, Recueil, p. 951, já referido, de 14 de Julho de 1988,
Peine-Salzgitter e Hoogovens/Comissão, 33/86, 44/86, 110/86, 226/86 e 285/86,
Colect., p. 4309, e o acórdão CIRFS e o./Comissão, C-313/90, já referido).
- Inversamente, os auxílios que não se inserem nas categorias isentas da proibição
pelas disposições do código podem beneficiar de uma derrogação individual a esta
proibição caso a Comissão considere, no âmbito do exercício do seu poder
discricionário nos termos do disposto no artigo 95.° do Tratado, que estes auxílios
são necessários para os fins da realização dos objectivos do Tratado. Com efeito,
o código de auxílios só tem por objecto autorizar de um modo geral, e no respeito
de certas condições, derrogações à proibição dos auxílios a favor de determinadas
categorias de auxílios que enumera de um modo exaustivo. A Comissão não tem
competência ao abrigo do artigo 95.°, primeiro e segundo parágrafos, do Tratado,
que visa apenas os casos não previstos pelo Tratado (v. o acórdão Países
Baixos/Alta Autoridade, já referido, n.° 2), para proibir determinadas categorias de
auxílios, pois esta proibição já está prevista no próprio Tratado, na alínea c) do seu
artigo 4.° Os auxílios que não se insiram nas categorias que o código isenta desta
proibição continuam, portanto, exclusivamente submetidos ao disposto na alínea
c) do artigo 4.° Daqui resulta que, quando estes auxílios se revelem, não obstante,
necessários à realização dos objectivos do Tratado, a Comissão está habilitada a
recorrer ao disposto no artigo 95.° do Tratado para fazer face a esta situação
imprevista, eventualmente, através de uma decisão individual (v., supra, n.os 32 a
36).
- No caso em apreço, as decisões controvertidas que autorizam auxílios estatais
com vista a permitir a reestruturação de grandes grupos públicos siderúrgicos em
certos Estados-Membros não se inserem no âmbito de aplicação do código de
auxílios. Este introduz, no respeito de certas condições, derrogações que revestem
um alcance geral à proibição dos auxílios estatais no que respeita exclusivamente
aos auxílios à investigação e ao desenvolvimento, a favor da protecção do ambiente,
ao encerramento de instalações, bem como os auxílios regionais às empresas
siderúrgicas estabelecidas no território ou numa parte do território de certos
Estados-Membros. Ora, os auxílios ao funcionamento e à reestruturação, em
questão no caso em apreço, não se inserem manifestamente em nenhuma das
categorias de auxílios acima referidas. Donde resulta que as derrogações
autorizadas pelas decisões impugnadas não estão subordinadas às condições
enunciadas pelo código de auxílios e revestem, portanto, um carácter
complementar em relação a este, para os fins do prosseguimento dos objectivos
definidos pelo Tratado (v., supra, n.os 77 a 83).
- Nestas circunstâncias, as decisões controvertidas não podem ser consideradas como
derrogações injustificadas ao disposto no quinto código de auxílios, mas constituem
actos que têm a sua fonte, tal como este, nas disposições do artigo 95.°, primeiro
e segundo parágrafos, do Tratado.
- Portanto, a tese da recorrente de que as decisões impugnadas foram adoptadas
para favorecer as empresas beneficiárias dos auxílios em causa, ao alterarem de um
modo dissimulado o código de auxílios, está destituída de todo o fundamento. Com
efeito, a Comissão não podia em caso algum renunciar, através da adopção do
código de auxílios, ao poder que lhe é atribuído pelo artigo 95.° do Tratado para
adoptar actos individuais a fim de fazer face a situações imprevistas. Como, no caso
em apreço, o âmbito de aplicação do código de auxílios não cobria as situações
económicas que conduziram a Comissão a adoptar as decisões controvertidas, esta
estava, na realidade, habilitada a fundar-se no disposto no artigo 95.° do Tratado
para autorizar os auxílios em causa, no respeito das condições de aplicação desta
disposição.
- Pelo conjunto dos precedentes fundamentos, a crítica referente ao desrespeito da
proibição dos auxílios estatais e ao desvio de poder deve ser rejeitada.
Quanto à alegada violação do artigo 95.°, primeiro parágrafo, do Tratado
- Há que recordar liminarmente que, como já foi decidido, a Comissão, por força do
disposto no artigo 95.°, primeiro e segundo parágrafos, do Tratado, tem o poder
de autorizar auxílios estatais no seio da Comunidade sempre que a situação
económica no sector siderúrgico torne a adopção de medidas deste tipo necessária
com vista a realizar um dos objectivos da Comunidade.
- Esta condição está preenchida, designadamente, quando o sector em causa enfrente
situações de crise excepcional. Sob este aspecto, o Tribunal de Justiça sublinhou,
no seu acórdão de 3 de Outubro de 1985, Alemanha/Comissão (214/83, Recueil,
p. 3053, n.° 30), «o estreito vínculo que reúne, no quadro da execução do Tratado
CECA, em tempos de crise, a concessão de auxílios à indústria siderúrgica e os
esforços de reestruturação que se impõem a esta indústria» (214/83, Recueil,
p. 3053, n.° 30). A Comissão aprecia discricionariamente, no quadro desta
execução, a compatibilidade, com os princípios fundamentais do Tratado, dos
auxílios destinados a acompanhar as medidas de reestruturação.
- No caso em apreço, não se contesta que, no início dos anos 90, a siderurgia
europeia conheceu uma crise súbita e grave, devida à acção conjugada de vários
factores, como a recessão económica internacional, o encerramento dos circuitos
de exportação tradicionais, a subida em flecha da concorrência das empresassiderúrgicas dos países em vias de desenvolvimento e o rápido crescimento das
importações comunitárias de produtos da siderurgia provenientes dos países
membros da Organização dos Países Exportadores de Petróleo (OPEP). É tendo
em contra este contexto de crise que se deve apreciar, no caso em apreço, se os
auxílios em causa eram necessários, como exige o artigo 95.°, primeiro e segundo
parágrafos, do Tratado, com vista à realização dos objectivos fundamentais do
Tratado.
- As decisões controvertidas indicam claramente, no ponto IV dos seus fundamentos,
que visam o saneamento do sector siderúrgico nos Estados-Membros em causa,
com vista a contribuir para a realização dos objectivos do Tratado definidos nos
seus artigos 2.° e 3.° Destinam-se, para esse fim, a conferir uma estrutura sólida e
viável às empresas beneficiárias dos auxílios que autorizam.
- A este respeito, há que rejeitar as alegações da recorrente que põem em causa o
facto de as decisões controvertidas terem realmente por finalidade restabelecer a
viabilidade das empresas beneficiárias devido, por um lado, a não conterem as
informações necessárias para concluir pela aptidão dos planos de reestruturação
comunicados pelos Estados-Membros em questão para restabelecerem esta
viabilidade e, por outro, a nada garantir que a Comissão não autorizará,
posteriormente, a concessão de novos auxílios a estas mesmas empresas, como já
terá ocorrido no passado.
- Com efeito, o historial e a fundamentação das decisões controvertidas dão o
testemunho de uma análise aprofundada da situação de crise actual da siderurgia
europeia e dos meios mais apropriados para a enfrentar. A Comissão tinha dado
um mandato de peritagem a uma personalidade independente, o Sr. F. Braun, cuja
missão consistia em avaliar os projectos de encerramento de empresas do sector
siderúrgico e cujo relatório foi apresentado em 29 de Janeiro de 1993. Este
relatório corroborava os dados contidos na comunicação da Comissão ao Conselho
e ao Parlamento Europeu de 23 de Novembro de 1992 (v., supra, n.° 4). Além
disso, resulta dos autos que a Comissão examinou minuciosamente, com a
assistência de consultores externos, os planos de reestruturação que acompanhavam
os projectos de auxílios previstos pelos Estados-Membros em causa, sob o ângulo
da sua capacidade para garantir a viabilidade das empresas beneficiárias (ponto III
dos fundamentos de cada uma das decisões controvertidas). Além disso, as
comunicações da Comissão ao Conselho, no decurso do processo que conduziu à
adopção das decisões controvertidas, contêm também um exame aprofundado das
condições de viabilidade da empresa beneficiária do auxílio em causa.
- Ao que acresce que as decisões impugnadas indicam claramente as principais
vertentes dos planos de reestruturação destinadas a serem realizadas graças à
concessão dos auxílios em causa. Resulta que estas visam facilitar a privatização das
empresas públicas beneficiárias dos auxílios em causa ou de alguns dos seus
estabelecimentos, o encerramento das instalações não rentáveis, a redução de
certas capacidades excedentárias e a supressão de postos de trabalho
acompanhada, eventualmente, de medidas sociais destinadas a assegurar um
equilíbrio entre as considerações de ordem social e as exigências que se prendem
com a rentabilidade futura das empresas em causa. Estes diversos aspectos estão
expostos de um modo preciso e detalhado (v. o ponto II dos fundamentos das
decisões controvertidas). É graças ao conjunto destas vertentes que as decisões
controvertidas se destinam a dotar as empresas em causa de uma estrutura sólida
e rentável.
- Nestas condições, o facto de sugerir limitando-se a invocar a ineficácia de certos
auxílios anteriores e sem examinar as medidas concretas de reestruturação previstas
nas decisões controvertidas com vista a assegurar a viabilidade das empresas
beneficiárias que os auxílios em causa não permitirão provavelmente atingir os
resultados pretendidos, mais não constitui do que uma antecipação de natureza
puramente especulativa e hipotética. Quanto aos argumentos da recorrente que se
relacionam com os elementos posteriores à adopção das decisões impugnadas,
mencionados em particular na comunicação de 21 de Junho de 1994, são em todo
o caso mesmo supondo que fossem fundados, o que não está demonstrado
destituídos de pertinência para efeitos da apreciação da regularidade destas
decisões, que não pode ser afectada por elementos posteriores à sua adopção.
- Após ter estabelecido que as decisões controvertidas visam efectivamente assegurar
a viabilidade das empresas beneficiárias dos auxílios em causa, convém verificar se,
no contexto da crise que atravessava a indústria siderúrgica (v., supra, n.os 77 a 79),
esta finalidade se inscreve nos objectivos definidos pelo Tratado nos seus artigos
2.° e 3.°, especialmente invocados na fundamentação destas decisões.
- Nesta perspectiva, há que referir previamente, tendo em conta a diversidade dos
objectivos fixados pelo Tratado, que o papel da Comissão consiste em assegurar
a conciliação permanente destes diferentes objectivos, fazendo uso do seu poder
discricionário a fim de atingir a satisfação do interesse comum, em conformidade
com uma jurisprudência constante (v. os acórdãos do Tribunal de Justiça de 13 de
Junho de 1958, Meroni/Alta Autoridade, 9/56, Colect. 1954-1961, p. 175, pp. 195
e 196, de 21 de Junho de 1958, Groupement des hauts fourneaux et aciéries
belges/Alta Autoridade, 8/57, Recueil, p. 223, p. 242; Colect. 1954-1961, p. 259, e
de 29 de Setembro de 1987, Fabrique de fer de Charleroi e Dillinger
Hüttenwerke/Comissão, 351/85 e 360/85, Colect., p. 3639, n.° 15). Especificamente,
no acórdão de 18 de Março de 1980, Valsabbia e o./Comissão [154/78, 205/78,
206/78, 226/78, 227/78, 228/78, 263/78, 264/78, 31/79, 39/79, 83/79 e 85/79, Recueil,
p. 907, n.° 55], o Tribunal de Justiça decidiu que, «se a necessidade de um
compromisso entre os diversos objectivos se impõe numa situação normal de
mercado, deve ser admitida a fortiori num estado de crise que justifica a adopção
de medidas excepcionais, de carácter derrogatório das regras normais de
funcionamento do mercado comum do aço e que evidentemente acarretam o
desrespeito de certos objectivos do artigo 3.°, pelo menos, o da alínea c), que exige
que se vele pelo estabelecimento dos mais baixos preços».
- No caso em apreço, o Tribunal verifica que as decisões controvertidas conciliam
diversos objectivos do Tratado com vista a salvaguardar interesses de suprema
importância. Com efeito, a racionalização da indústria siderúrgica europeia através
do saneamento de certos grupos, o encerramento das instalações obsoletas ou
pouco competitivas, a redução das capacidades excedentárias, a privatização do
grupo Ilva a fim de assegurar a sua viabilidade e a supressão de postos de trabalho
numa medida razoável, visados por estas decisões, concorrem para a realização dos
objectivos do Tratado, tendo em conta que a sensibilidade do sector siderúrgico e
o facto de que a manutenção, ou mesmo o agravamento, da crise teriam podido
provocar, nas economias dos Estados-Membros em causa, perturbações
extremamente graves e persistentes. Não se contesta que o sector reveste, em
vários Estados-Membros, uma importância crucial, devido à localização das
instalações siderúrgicas em regiões caracterizadas por uma situação de subemprego
e à amplitude dos interesses económicos em jogo. Nestas circunstâncias, as
eventuais decisões de encerramento e de supressão de postos de trabalho, bem
como a aquisição maioritária das empresas em questão por sociedades privadas que
actuem exclusivamente segundo a lógica do mercado, teriam podido criar, na falta
de medidas de acompanhamento da autoridade pública, graves dificuldades de
ordem pública, designadamente, agravando o problema do desemprego e fazendo
correr o risco de se gerar uma grave situação de crise económica e social.
- Nestas circunstâncias, ao procurar, resolver estas dificuldades através do
saneamento das empresas siderurgicas beneficiárias dos auxílios em causa, as
decisões controvertidas tendem incontestavelmente à salvaguarda da «manutenção
do nível de emprego» e a evitar «provocar, nas economias dos Estados-Membros,
perturbações fundamentais e persistentes», como exige o artigo 2.°, segundo
parágrafo, do Tratado. Além disso, prosseguem os objectivos consagrados no artigo
3.°, referentes, designadamente, à «manutenção de condições que incentivem as
empresas a desenvolver e a melhorar os seus potenciais de produção» [alínea d)]
e à promoção da «expansão regular e [da] modernização da produção, bem como
[da] melhoria de qualidade, de modo a excluir quaisquer medidas de protecção
relativamente a indústrias concorrentes» [alínea g)]. Com efeito, tendem a
racionalizar a indústria siderúrgica europeia, designadamente, através do
encerramento definitivo de instalações obsoletas ou pouco competitivas (por
exemplo, a Bagnoli na Itália e as Avilés, Gijón, Vizcaya e Ansiao em Espanha) e
da redução irreversível das capacidades de produção de certos produtos (por
exemplo, em Taranto, na Italia) com vista a fazer face à situação dos excessos de
capacidades (v. o artigo 2.° das decisões controvertidas). Inscrevem-se, assim, como
as outras quatro decisões individuais já referidas que autorizam auxílios estatais e
foram adoptadas no mesmo dia, no quadro de um programa global de
reestruturação durável do sector siderúrgico e de redução das capacidades de
produção na Comunidade (v., supra, n.os 4 a 6). Nesta óptica, há que sublinhar que
a finalidade dos auxílios em causa não é assegurar a sobrevivência pura a simples
das empresas beneficiárias o que seria contrário ao interesse comum mas
restabelecer a sua viabilidade, simultaneamente limitando ao mínimo a incidência
dos auxílios na concorrência e velando pelo respeito das regras de uma
concorrência leal, designadamente, no que toca às condições de privatização do
grupo Ilva.
- Daqui resulta que as decisões controvertidas visam salvaguardar o interesse
comum, em conformidade com os objectivos do Tratado. A tese da recorrente de
que as decisões serão incompatíveis com a maior parte dos objectivos definidos nos
artigos 2.° e 3.° do Tratado deve, portanto, ser rejeitada.
- Quanto à argumentação da recorrente de que os auxílios em causa não são
necessários para atingir os objectivos que prosseguem, também não deve ser
acolhida. Com efeito, resulta dos autos que as cinco decisões controvertidas
inscrevem-se no âmbito de um programa global de reestruturação da indústria
siderúrgica e de redução das capacidades de produção na Comunidade (v., supra,
n.os 4 a 6). Ora, não se pode criticar à Comissão não ter recorrido, no âmbito deste
programa, a outros meios que originassem distorções alegadamente menores do
que as dos auxílios em causa com a vista a restabelecer a viabilidade das empresas
em causa. Mesmo supondo que soluções alternativas pudessem ser tidas em conta
e na prática fossem aplicáveis, o que não está demonstrado, a existência destas
opções não bastava por si só para demonstrar que os auxílios em causa não são
necessários na acepção do artigo 95.°, primeiro parágrafo, do Tratado e para ferir
de um vício as decisões controvertidas, desde que a solução escolhida pela
Comissão não esteja ferida de um erro manifesto de apreciação ou de um desvio
de poder. Com efeito, não incumbe ao Tribunal exercer uma fiscalização quanto
à oportunidade da opção efectuada pela Comissão, sob pena de substituir a sua
própria apreciação dos factos à da dessa instituição.
- Resulta das precedentes considerações que a recorrente não avança qualquer
argumento convincente que possa pôr em dúvida que as decisões controvertidas
foram adoptadas em conformidade com as condições enunciadas no artigo 95.°,
primeiro e segundo parágrafos, do Tratado.
Quanto à alegada violação do princípio da não discriminação
- Segundo a recorrente, o carácter discriminatório das decisões controvertidas resulta
especialmente do facto de, por um lado, não imporem reduções de capacidades
suficientes em contrapartida dos auxílios em causa e, por outro, não permitirem
reduzir o endividamento das empresas beneficiárias destes auxílios.
- Quanto, em primeiro lugar, às reduções de capacidades, importa recordar que,
segundo a jurisprudência do Tribunal de Justiça, não deve ser estabelecida
qualquer «relação quantitativa precisa» entre «os montantes dos auxílios e a
importância das capacidades de produção a eliminar» (v., a este respeito, o
acórdão Alemanha/Comissão, já referido, n.° 33). Pelo contrário, os factores de
natureza a influenciar os montantes exactos dos auxílios a autorizar «não consistem
apenas no número de toneladas de capacidade de produção a eliminar, mas
compreendem igualmente outros elementos que variam de uma região daComunidade para outra», tais como o esforço de reestruturação, os problemas
regionais e sociais provocados pela crise da indústria siderúrgica, a evolução técnica
e a adaptação das empresas às exigências do mercado (ibidem, n.° 34). Donde
resulta que a apreciação da Comissão não pode ser sujeita a uma fiscalização que
se funde apenas em critérios económicos. Pode legitimamente ter em conta um
grande leque de considerações de ordem política, económica ou social, no quadro
do exercício do seu poder discricionário nos termos do artigo 95.° do Tratado.
- No caso em apreço, há que constatar que, nas cinco decisões controvertidas, a
Comissão sublinha expressamente que os auxílios em causa devem ser limitados ao
montante estritamente necessário de modo a não alterar as condições da
concorrência numa medida contrária ao interesse comum. Daí esta deduz que
importa prever contrapartidas adequadas, tendo em conta os montantes dos
auxílios excepcionalmente aprovados, de modo a contribuir o mais possível para o
necessário ajustamento estrutural do sector.
- Nesta óptica, a Comissão determina, no ponto V dos fundamentos das decisões
impugnadas, o nível, as modalidades e o calendário dos encerramentos dos
estabelecimentos ou das reduções de capacidades impostos às empresas
beneficiárias, eventualmente, remetendo para o plano de reestruturação notificado
pelo Estado-Membro em causa. Ora, há que sublinhar, a este respeito, que a
recorrente não avança qualquer argumento susceptível de demonstrar que estes
encerramentos ou estas reduções de capacidades são insuficientes tendo em conta
a importância dos auxílios autorizados e os objectivos prosseguidos.
- Em particular, a comparação efectuada pela recorrente entre a redução de
capacidades de 750 000 toneladas por ano por mil milhões de ecus de auxílio pago,
aplicada nas decisões controvertidas, por um lado, e a de 516 000 toneladas por
400 000 ecus de auxílios, aprovada aquando das discussões entre a Comissão e a
empresa siderúrgica pública italiana Bresciani, por outro, não é pertinente, porque
não tem em conta a situação específica das empresas beneficiárias dos auxílios em
causa no caso em apreço e a especificidade das decisões controvertidas, adoptadas
com vista a fazer face a uma situação de crise excepcional, com base no disposto
no primeiro parágrafo do artigo 95.° do Tratado, como já anteriormente decidido
(v., supra, n.os 87 e 89). Na mesma ordem de ideias, a crítica de que a maior parte
dos encerramentos terão sido previstos, nestas decisões, para o termo do período
de pagamento dos auxílios, está destituída de fundamento. Com efeito, para fixar
o prazo de encerramento, a Comissão podia legitimamente ter em conta a
finalidade destes auxílios, destinados a restabelecer a viabilidade das empresas em
causa. Além disso e em todo o caso, os encerramentos exigidos foram, por
exemplo, realizados integralmente pela Sidenor e na medida de dois terços pela
Ilva, quando o auxílio pago era ainda muito modesto, segundo as precisões
fornecidas pela Comissão e não contestadas pela recorrente.
- Quanto aos argumentos referentes ao aumento da capacidade da CSI que resulta
dos novos investimentos, o Tribunal considera que esta argumentação, que se
prende com a criação proposta de uma capacidade de laminagem a quente em
Sestao à qual se refere a recorrente quando invoca o aumento da capacidade da
CSI, não se prende com o plano de reestruturação apoiado pelo auxílio autorizado
na decisão controvertida referente a esta empresa (ponto V, primeiro parágrafo,
dos fundamentos desta decisão). No que toca ao aumento da capacidade da
Siderurgia Nacional, resulta do artigo 2.° da decisão que lhe respeita que, em
conformidade com as explicações fornecidas pela Comissão, a substituição do
alto-forno da fábrica do Seixal por um forno eléctrico de arco com uma capacidade
de 900 000 toneladas não tem incidência sobre a obrigação desta empresa de
reduzir a sua capacidade de produção de 140 000 toneladas de laminados a quente.
- Por último, o argumento de que as reduções de capacidade da Ilva serão, na
medida de 300 000 toneladas por ano, puramente teóricas, também deve ser
rejeitado. A este respeito, resulta das indicações da Comissão que esta aprovou,
para o encerramento da fábrica de Bagnoli que possuía uma capacidade de
produção máxima de 1,25 milhões de toneladas por ano uma redução de
capacidade de 300 000 toneladas por ano, pela razão de aí ter cessado essa
produção. Na falta de qualquer indicação em sentido contrário, esta redução de
capacidade não pode ser considerada como destituída de carácter efectivo, na
medida em que a redução de capacidade não deve ser determinada com base na
produção efectiva da empresa, que é função da conjuntura, mas da capacidade real
de produção que pode ser atingida rapidamente e com poucos custos.
- Nestas condições, não existe qualquer elemento que permita presumir que as
reduções de capacidade impostas nas decisões controvertidas não constituem uma
contrapartida apropriada à concessão dos auxílios em causa, tendo em conta, por
um lado, o montante dos auxílios e, por outro, tanto os objectivos económicos e
sociais prosseguidos por estas decisões como a necessidade de reduzir a capacidade
de produção no âmbito do programa global de reestruturação da indústria
siderúrgica aprovado pelo Conselho, já referido.
- Em segundo lugar, no que toca à incidência dos auxílios em causa sobre a
concorrência, há que recordar que, embora qualquer auxílio possa favorecer uma
empresa em relação a uma outra, a Comissão não pode, contudo, autorizar auxílios
que originem «distorções da concorrência numa medida contrária ao interesse
comum» (acórdão Falck/Comissão, já referido, n.° 27). Concretamente, a obrigação
da Comissão de agir no interesse comum não significa, segundo a jurisprudência
do Tribunal de Justiça, que esta instituição deva «agir no interesse de todos os
sujeitos sem excepção, pois o seu papel não comporta a obrigação de só agir na
condição de nenhum interesse ser afectado. Pelo contrário, ela deve agir
apreciando os diversos interesses e evitando as consequências danosas, se a decisão
a tomar o permitir razoavelmente. A Comissão pode, no interesse comum, usar o
poder de decisão segundo as necessidades das circunstâncias, mesmo com prejuízo
de certos interesses particulares». (acórdão Valsabbia e o./Comissão, já referido,
n.° 49).
- No caso em apreço, o Tribunal considera que as decisões controvertidas aprovam
a concessão de auxílios destinados, designadamente, a remediar ao endividamento
excessivo das empresas em causa, de modo a permitir o regresso à viabilidade
destas empresas (v. o ponto II dos fundamentos das decisões controvertidas).
Limitam as medidas de reestruturação financeira aos montantes estritamente
necessários, para não alterar «as condições comerciais na indústria siderúrgica da
Comunidade de modo incompatível com o interesse comum, tendo em conta em
especial as actuais dificuldades do mercado siderúrgico comunitário» (ponto VI dos
fundamentos das decisões controvertidas). Especificamente, a fim de não conferir
às empresas em causa uma vantagem indevida em relação às outras empresas do
sector, a Comissão vela nas decisões controvertidas, designadamente, por que estas
empresas não beneficiem desde o início de encargos financeiros líquidos inferiores
a 3,5% do volume de negócios anual (3,2% para a AST, Acciai Speciali Terni), o
que, segundo as indicações concordantes das partes, representa o endividamento
médio das empresas siderúrgicas comunitárias. De um modo mais geral, as decisões
controvertidas impõem, no seu artigo 2.°, um certo número de condições destinadas
a garantir que o auxílio ao financiamento se limita ao estritamente necessário.
- Nestas condições, o facto de se reduzir o endividamento das empresas beneficiárias
a um nível correspondente ao endividamento médio das empresas siderúrgicas
comunitárias não pode ser considerado como contrário ao interesse comum. Com
efeito, no âmbito da sua apreciação dos diversos interesses em jogo, a Comissão
teve em conta as exigências que se prendem com o saneamento financeiro das
empresas em causa, necessário ao restabelecimento da sua viabilidade, evitando
simultaneamente as consequências desfavoráveis para os outros operadores
económicos, na medida em que o próprio objecto e a finalidade das decisões
controvertidas o permitiam.
- Donde resulta que a crítica referente à violação do princípio da não discriminação
está destituída de fundamento.
- Donde resulta que o primeiro fundamento não deve ser acolhido.
Quanto ao segundo fundamento baseado na alegada retroactividade das decisões
controvertidas
Argumentação das partes
- A recorrente sustenta que as decisões impugnadas, adoptadas em 12 de Abril de
1994 e publicadas em 3 de Maio de 1994, têm carácter retroactivo, na medida em
que a autorização dos auxílios em causa terá sido considerada como tendo sido
dada na sequência do parecer favorável do Conselho de 17 de Dezembro de 1993
e em que os Estados-Membros em causa terão iniciado os seus programas de
auxílio a partir desta data. O que, designadamente, atestará o facto de estas
decisões preverem a comunicação, em 15 de Março de 1994, por cada um destes
Estados-Membros, do primeiro relatório referente à empresa beneficiária e à sua
reestruturação. Esta retroactividade, para a qual a Comissão não terá fornecido
qualquer justificação satisfatória, prejudicará os direitos da defesa, pois a
possibilidade, para a recorrente, de interpor um recurso terá sido retardada de
quatro meses. Além disso, não tendo os recursos de anulação, nos termos do artigo
39.° do Tratado, qualquer efeito suspensivo, os Estados-Membros em questão
poderão, segundo a recorrente, basear-se no princípio da protecção da confiança
legítima para se oporem a qualquer pedido de reembolso.
- A Comissão objecta que o prazo decorrido entre 17 de Dezembro de 1993 e 12 de
Abril de 1994 é apenas imputável a razões administrativas, o que explicará a data
do primeiro relatório dos Estados-Membros em causa, fixada para 15 de Março de
1994, que figurava nos projectos de decisões submetidos ao Conselho no mês de
Dezembro de 1993. Além disso, a Comissão considera que o facto de as decisões
apenas terem sido adoptadas em 12 de Abril de 1994 não tem qualquer
consequência para a recorrente, pois esta tinha a possibilidade de contestar a sua
legalidade invocando perante os órgãos jurisdicionais nacionais o efeito directo do
disposto na alínea c) do artigo 4.° do Tratado (v. o acórdão do Tribunal de Justiça
de 23 de Abril de 1956, Groupement des industries sidérurgiques
luxembourgeoises/Alta Autoridade, 7/54 e 9/54, Recueil, p. 53; Colect. 1954-1961,
p. 33). Além disso, a Comissão alega que, caso as decisões impugnadas fossem
anuladas pelo Tribunal, estaria obrigada a exigir o reembolso dos auxílios em causa
com vista a garantir o efeito útil do acórdão do Tribunal de Primeira Instância, em
conformidade com o disposto no artigo 34.° do Tratado (v. o acórdão CIRFS e
o./Comissão, já referido). Em todo o caso, o fundamento que se baseia na ilicitude
da retroactividade das decisões impugnadas é estranho ao presente recurso, que
apenas versa sobre a legalidade destas decisões e não sobre uma eventual
responsabilidade da Comissão.
Apreciação do Tribunal
- Não se contesta que se verificou um sensível atraso na adopção das decisões
controvertidas após o parecer dado pelo Conselho: este deu o seu parecer em 22
de Dezembro de 1993, ao passo que as decisões foram adoptadas em 12 de Abril
de 1994. Limitando-se a invocar «razões administrativas», a Comissão não forneceu
qualquer justificação precisa a este respeito.
- Portanto, há que determinar se este atraso afectou os direitos da recorrente.
- A este respeito, a EISA alega que o atraso em questão a obrigou a interpor o seu
recurso de anulação das decisões controvertidas só após os auxílios terem
plausivelmente sido já concedidos pelos Estados-Membros na sequência do parecer
dado pelo Conselho. Todavia e mesmo supondo que os auxílios tenham sido pagos
a partir do momento em que foi dado o parecer favorável do Conselho, o que não
está provado, esta circunstância não era de natureza a privar a recorrente da
adequada protecção dos seus direitos. Com efeito, como correctamente observou
a Comissão, o Tribunal de Justiça já há muito reconheceu o efeito directo da
proibição dos auxílios estatais enunciada no artigo 4.°, alínea c), do Tratado (v. o
acórdão Groupement des industries sidérurgiques luxembourgeoises/Alta
Autoridade, já referido, p. 88) e a recorrente teria podido invocá-lo perante os
tribunais nacionais a fim de que fosse verificada a ilegalidade da concessão dos
auxílios estatais antes da sua autorização pela Comissão. Além disso, a
jurisprudência comunitária reconheceu aos particulares a possibilidade de obteremreparação quando os seus direitos tenham sido lesados por uma violação do direito
comunitário cometida por um Estado-Membro, mesmo no caso de disposições com
efeito directo (v. os acórdãos do Tribunal de Justiça de 5 de Março de 1996,
Brasserie du pêcheur e Factortame, C-46/93 e C-48/93, Colect., p. I-1029, n.os 20
a 36, e de 8 de Outubro de 1996, Dillenkofer e o./Alemanha, C-178/94, C-179/94,
C-188/94, C-189/94 e C-190/94, Colect., p. I-4845, n.os 20 a 29). Portanto, a
recorrente beneficiava de uma protecção jurídica adequada.
- Quanto ao mais, há que rejeitar o argumento da recorrente de que o alegado
pagamento dos auxílios em causa, antes da adopção das decisões controvertidas,
teria por efeito fazer nascer na esfera jurídica das empresas beneficiárias uma
confiança legítima na compatibilidade destes auxílios com o Tratado, confiança que
poderiam invocar caso, na sequência da eventual anulação das decisões
controvertidas pelo Tribunal de Primeira Instância, a Comissão pedisse aos
Estados-Membros a recuperação dos auxílios. Com efeito, este argumento é
destituído de pertinência, no caso em apreço, pois não tem qualquer relação com
a legalidade das decisões controvertidas.
- Donde resulta que as decisões controvertidas não estão feridas de ilegalidade
devido ao atraso da Comissão na sua adopção.
- Resulta das precedentes considerações que o recurso se tornou sem objecto no que
respeita ao pedido de anulação da Decisão 94/256/CECA e que, quanto ao mais,
lhe deve ser negado provimento.
Quanto às despesas
- Por força do n.° 2 do artigo 87.° do Regulamento de Processo, a parte vencida é
condenada nas despesas, se tal tiver sido pedido. Ora, resulta das precedentes
considerações que a EISA com excepção apenas do pedido destinado a obter a
anulação da Decisão 94/256/CECA, que se tornou sem objecto foi vencida no que
respeita às suas conclusões destinadas a obter a anulação das decisões
controvertidas. Tendo-o pedido a Comissão e a Ilva, que interveio em seu apoio,
há que condenar a EISA no pagamento das despesas destas últimas.
- Quanto ao pedido de anulação da Decisão 94/256/CECA, o Tribunal entendeu que
não havia lugar a decisão de mérito com base no disposto no n.° 6 do artigo 87.°
do Regulamento de Processo. Ora, com base neste artigo, o Tribunal pode decidir
livremente quanto às despesas, em função, designadamente, do facto de, por um
lado, a decisão controvertida ter sido revogada pela recorrida após a interposição
do recurso de anulação e, por outro, a recorrente não ter reconhecido a inutilidade
de prosseguir o recurso quanto a este ponto e, não tendo desistido do seu recurso,
não ter pedido que as despesas fossem parcialmente suportadas pela Comissão em
virtude da atitude desta última (v. o artigo 87.°, n.° 5, primeiro parágrafo, do
Regulamento de Processo).
- Donde resulta que, partindo da premissa de que as seis decisões impugnadas
teriam, para a recorrente, a mesma importância, há que condená-la a pagar 5/6 das
despesas da Comissão, recorrida, bem como a totalidade das despesas da Ilva.
- Por força do primeiro parágrafo do n.° 4 do artigo 87.° do Regulamento de
Processo, os Estados-Membros e as instituições que intervenham no processo
devem suportar as respectivas despesas. Donde resulta que o Conselho, a
República Federal da Alemanha e a República Italiana, intervenientes, deverão
suportar as respectivas despesas.
Pelos fundamentos expostos,O TRIBUNAL DE PRIMEIRA INSTÂNCIA (Primeira Secção Alargada),
decide:
- Não há que decidir do pedido de anulação da Decisão 94/256/CECA da
Comissão, de 12 de Abril de 1994, relativa ao auxílio a conceder pela
Alemanha à empresa siderúrgica EKO Stahl AG, Eisenhüttenstadt.
- Quanto ao mais, é negado provimento ao recurso.
- A recorrente é condenada a pagar 5/6 das despesas da recorrida e a
totalidade das despesas da Ilva Laminati Piani SpA, interveniente.
- O Conselho, a República Federal da Alemanha e a República Italiana
suportarão cada qual as respectivas despesas.
SaggioKalogeropoulos
Tiili
Potocki Moura Ramos
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Proferido em audiência pública no Luxemburgo, em 24 de Outubro de 1997.
O secretário
O presidente
H. jung
A. Saggio
1: Língua do processo: francês.