ACÓRDÃO DO TRIBUNAL DE PRIMEIRA INSTÂNCIA (Segunda Secção)
15 de Setembro de 1998 (1)
«Agricultura - Financiamento das medidas de intervenção - Suspensão do
pagamento devido por armazenagem de um lote de azeite, aguardando a
verificação das suas características - Recurso de anulação e pedido de
indemnização»
No processo T-54/96,
Oleifici italiani SpA, sociedade de direito italiano, com sede em Ostuni (Itália),
Fratelli Rubino Industrie Olearie SpA, sociedade de direito italiano, com sede em
Bari (Itália),
representadas por Antonio Tizzano, Gian Michele Roberti e Francesco Sciaudone,
advogados no foro de Nápoles, com domicílio escolhido em Bruxelas, no escritório
de Antonio Tizzano, 36, place du Grand Sablon,
contra
Comissão das Comunidades Europeias, representada por Eugenio de March,
consultor jurídico, na qualidade de agente, assistido por Alberto Dal Ferro,
advogado no foro de Vicenza, com domicílio escolhido no Luxemburgo no gabinete
de Carlos Gómez de la Cruz, membro do Serviço Jurídico, Centre Wagner,
Kirchberg,
que tem por objecto um pedido, por um lado, de anulação da carta da Comissão
de 7 de Fevereiro de 1996, enviada nomeadamente às autoridades italianas e à
Azienda di Stato per gli Interventi nel Mercato Agricolo, organismo de intervenção
italiano, com a qual ordenou, pretensamente, o bloqueamento de qualquer
pagamento devido pela armazenagem de azeite para as campanhas de 1991/1992
e 1992/1993, enquanto se aguardava a verificação do seu teor em ceras e, por outro
lado, a reparação do prejuízo pretensamente sofrido pelas recorrentes devido ao
comportamento da Comissão,
O TRIBUNAL DE PRIMEIRA INSTÂNCIA
DAS COMUNIDADES EUROPEIAS (Segunda Secção),
composto por: A. Kalogeropoulos, presidente, C. W. Bellamy e J. Pirrung, juízes,
secretário: J. Palacio González, administrador,
vistos os autos e após a audiência de 10 de Junho de 1998,
profere o presente
Acórdão
Enquadramento jurídico
O financiamento das medidas de intervenção no sector do azeite
- 1.
- O Regulamento n.° 136/66/CEE do Conselho, de 22 de Setembro de 1966, que
estabelece uma organização comum de mercado no sector das matérias gordas
(JO 1966, n.° 172, p. 3025; EE 03 F1 p. 214, a seguir «regulamento de base»)
prevê, nomeadamente, um apoio financeiro comunitário à produção de azeite
(quarto considerando). Institui para tal um mecanismo segundo o qual o organismo
de intervenção designado para o efeito em cada Estado-Membro produtor de
azeite compra, ao preço de intervenção, o azeite de origem comunitária que lhe
seja oferecido. O preço de intervenção depende da qualidade do azeite, que é
determinada em função das denominações e definições previstas no anexo do
regulamento. Este contém, por ordem regressiva de qualidade, as denominações
seguintes:
1. Azeite virgem
a) Extra [...]
b) Fino [...]
c) Corrente [...]
d) Lampante [...]
2. [...]
3. [...]
4. Óleo de bagaço de azeitona [...]
5. [...]
6. [...]
7. [...]
- 2.
- O Regulamento (CEE) n.° 729/70 do Conselho, de 21 de Abril de 1970, relativo ao
financiamento da política agrícola comum (JO L 94, p. 13; EE 03 F3 p. 220, a
seguir «Regulamento n.° 729/70») prevê, no artigo 3.°, n.° 1, que o Fundo Europeu
de Orientação e Garantia Agrícola (a seguir «FEOGA») financia, a título do artigo
1.°, n.° 2, alínea b), as intervenções destinadas à regularização dos mercados
agrícolas, empreendidas segundo as regras comunitárias no âmbito da organização
comum dos mercados agrícolas.
- 3.
- Por força do disposto no artigo 4.° do mesmo regulamento, os Estados-Membros
designarão os serviços e organismos que habilitem a pagar as despesas ligadas a
estas intervenções (n.° 1) e a Comissão põe à disposição dos Estados-Membros os
créditos necessários para que os organismos designados procedam, nos termos das
regras comunitárias e nacionais, a tais pagamentos (n.° 2).
- 4.
- Nos termos do n.° 2 do artigo 5.° do mesmo regulamento, a Comissão decide, no
início de cada ano, um adiantamento aos organismos designados e, no decurso do
ano, pagamentos complementares para cobertura de despesas a suportar por esses
organismos [alínea a)]; antes do fim do ano seguinte, a Comissão procederá ao
apuramento das contas dos referidos organismos [alínea b)].
- 5.
- Com base no Regulamento (CEE) n.° 729/70, o Conselho adoptou o Regulamento
(CEE) n.° 1883/78, de 2 de Agosto de 1978, relativo às regras gerais sobre o
financiamento das intervenções pelo Fundo Europeu de Orientação e de Garantia
Agrícola, Secção «Garantia» (JO L 216, p. 1: EE 03 F14 p. 245), que prevê, para
o sector do azeite, que as compras e operações subsequentes efectuadas por
organismos de intervenção, nomeadamente os contratos de armazenagem e as
operações materiais resultantes da armazenagem de produtos em intervenção, são
susceptíveis de financiamento nos termos do Regulamento n.° 729/70.
O controlo da qualidade do azeite oferecido à intervenção
- 6.
- O n.° 1 do artigo 8.° do Regulamento n.° 729/70 dispõe que os Estados-Membros
tomarão, de acordo com as disposições legislativas, regulamentares e
administrativas, as medidas necessárias para se assegurar da realidade e da
regularidade das operações financiadas pelo Fundo, bem como para evitar eproceder judicialmente relativamente às irregularidades. O artigo 9.°, n.° 1, dispõe
que os Estados-Membros porão à disposição da Comissão todas as informações
necessárias ao bom funcionamento do Fundo e tomarão as medidas susceptíveis
de facilitar os controlos que a Comissão considere útil empreender no âmbito da
gestão do financiamento comunitário.
- 7.
- Com o Regulamento (CEE) n.° 3472/85, de 10 de Dezembro de 1985 (JO L 333,
p. 5; EE 03 F39 p. 124, a seguir «Regulamento n.° 3472/85»), a Comissão
especificou as modalidades de compra e de armazenagem de azeite pelos
organismos de intervenção. O artigo 1.° do regulamento, na redacção do
Regulamento (CEE) n.° 1859/88 da Comissão, de 30 de Junho de 1988 (JO L 166,
p. 13), limita, nomeadamente, a intervenção ao azeite referido no n.° 1 do anexo
do regulamento de base - a saber, o azeite virgem (extra, fino, corrente, lampante)
- cujo teor em água, impurezas ou ácidos não ultrapasse determinada percentagem.
- 8.
- Nos termos do n.° 4 do artigo 2.° do Regulamento n.° 3472/85, o azeite oferecido
só será aceite se o organismo de intervenção tiver verificado, por métodos de
análise comunitários, que não contém certas substâncias determinadas. Estas
análises devem ser efectuadas por laboratórios independentes. Se o organismo de
intervenção verificar que o azeite apresentado à intervenção não corresponde à
qualidade sob a qual foi oferecido, a oferta em causa pode ser retirada. Neste caso,
as despesas eventuais de entrada em armazém, de armazenagem e de saída do
azeite oferecido ficam a cargo de quem o ofereceu (n.° 6).
- 9.
- Em 11 de Julho de 1991, a Comissão aprovou o Regulamento (CEE) n.° 2568/91,
de 11 de Julho de 1991, relativo às características dos azeites e dos óleos de bagaço
de azeitona, bem como aos métodos de análise relacionados (JO L 248, p. 1, a
seguir «Regulamento n.° 2568/91»). Este regulamento visa uma melhor distinção
entre os diversos tipos de óleos previstos no anexo do regulamento de base e
garantir a pureza e a qualidade dos produtos em causa (segundo considerando).
O artigo 1.°, dispõe que apenas são considerados azeites, na acepção do
regulamento de base, os azeites cujas características sejam conformes às indicadas
no anexo I. Nos termos do artigo 2.°, a determinação destas características
efectuar-se-á segundo os métodos de análise referidos nos seus diferentes anexos.
Originariamente, o Regulamento n.° 2568/91 não previa qualquer determinação do
teor em ceras dos azeites. Previa, em contrapartida, a determinação dos álcoois
alifáticos segundo um método indicado no anexo IV.
- 10.
- Posteriormente, a Comissão adoptou o Regulamento (CEE) n.° 183/93, de 29 de
Janeiro de 1993, que altera o Regulamento n.° 2568/91, relativo às características
dos azeites e dos óleos de bagaço de azeitona, bem como aos métodos de análise
relacionados (JO L 22, p. 58, a seguir «Regulamento n.° 183/93»), cujo segundo
considerando especifica que «dada a experiência adquirida, se revelam necessárias
certas adaptações ou especificações dos métodos de análise.» O critério referente
aos álcoois alifáticos foi substituído pelo da determinação do teor em ceras, com
a indicação de que este método «pode ser utilizado, em particular, para distinguiro azeite obtido por pressão do azeite obtido por extracção (óleo de bagaço de
azeitona)». Nos termos do artigo 2.°, o Regulamento n.° 183/93 entrou em vigor em
20 de Fevereiro de 1993. Todavia, o novo método de determinação do teor em
ceras foi tornado «aplicável a partir de 1 de Julho de 1993 ao azeite acondicionado
a partir dessa data».
- 11.
- Para garantir um melhor controlo da qualidade do azeite oferecido à intervenção
e completar os métodos de análise a utilizar para este efeito, a Comissão adaptou,
seguidamente, o seu Regulamento n.° 3472/85. Efectivamente, adoptou o
Regulamento (CE) n.° 1509/94, de 29 de Junho de 1994, que altera o Regulamento
(CEE) n.° 3472/85 (JO L 162, p. 31) no sentido de que as verificações do azeite
devem ser feitas, nomeadamente, pelo método de determinação do teor em ceras.
Factos na origem do litígio
- 12.
- As sociedades recorrentes contam-se entre as empresas privadas a que a Azienda
di Stato per gli Interventi nel Mercato Agricolo (organismo de intervenção italiano,
a seguir «AIMA») confia a armazenagem e, em geral, a execução das operações
de intervenção no mercado italiano do azeite.
- 13.
- No decurso das campanhas de 1991/1992 e 1992/1993, as recorrentes armazenaram
vários milhares de toneladas de azeite. Afirmam, sem serem contrariadas pela
Comissão nestes pontos, que:
- a colocação em entreposto dos azeites em causa se verificou anteriormente
à adopção do Regulamento n.° 1509/94, de 29 de Junho de 1994, já
referido, e, em parte, à do Regulamento n.° 183/93;
- o AIMA, depois de ter feitos controlos e análises, verificou a total
conformidade dos azeites entregues e procedeu, ele mesmo, ao pagamento
normal dos montantes devidos aos seus proprietários;
- os resultados de tais análises e controlos foram comunicados à Comissão
que, na altura, não levantou qualquer objecção.
- 14.
- Em Novembro de 1993, o FEOGA abriu um inquérito, nos termos do artigo 9.° do
Regulamento n.° 729/70, sobre a quantidade e a qualidade dos azeites colocados
em intervenção na Itália. No quadro desta verificação, foram recolhidas, em
presença de representantes das autoridades nacionais, na recorrente Oleifici Italiani
SpA (a seguir «Oleifici Italiani») amostras de azeite, tendo um exemplar sido
enviado a um laboratório de análises do Estado espanhol.
- 15.
- As análises efectuadas em Janeiro de 1994 - nomeadamente com base no método
de determinação do teor em ceras - levaram o laboratório de análises a concluirpela existência de «um teor em ceras superior ao permitido» e pela «presença deóleo de bagaço de azeitona», estando, contudo, os azeites controlados conformes
com os outros critérios previstos na regulamentação comunitária em vigor.
- 16.
- A Comissão concluiu que, contrariamente ao que havia sido declarado, 31,5% das
amostras de azeite não eram azeites de qualidade virgem, 46% eram azeites virgens
lampantes e não azeites de qualidade extra como haviam sido declarados, e 15,2%
eram determinados azeites de qualidade virgem mas de qualidade inferior à
declarada inicialmente; apenas 4,8% das amostras de azeite foram consideradas
como tendo qualidade igual à declarada. Por carta da Direcção-Geral Agricultura
(IV) da Comissão de 1 de Março de 1994, estes resultados foram comunicados às
autoridades italianas. Após ter salientado as «falhas intoleráveis em todo o sistema
de controlo (italiano) da intervenção pública do azeite», a Comissão declarou que
o seus serviços «se (viam) obrigados a recusar o financiamento da totalidade das
despesas referentes ao conjunto das quantidades compradas pelo AIMA, à
excepção de pequenas quantidades, relativamente às quais os resultados das
análises (indicaram) que (eram) de qualidade igual à declarada».
- 17.
- Todavia, na sequência de troca de correspondência e de uma reunião com o AIMA
entre Março de 1994 e Janeiro de 1995, a Comissão acedeu ao pedido do AIMA
e declarou-se disposta, por carta de 27 de Fevereiro de 1995, a encomendar uma
nova análise a um laboratório italiano.
- 18.
- Esta análise, prevista para Abril de 1995, não foi no entanto efectuada porque, no
fim de Março do mesmo ano, as autoridades judiciais italianas iniciaram um
inquérito sobre os azeites em causa e porque os serviços da Comissão consideraram
oportuno pôr à disposição daquelas autoridades as amostras recolhidas pelo
FEOGA.
- 19.
- Além disso, em Junho de 1995, a recorrente Oleifici Italiani tomou a iniciativa de
fazer analisar pelo laboratório espanhol acima referido amostras de azeites que as
recorrentes afirmam pertencer aos examinados em Janeiro de 1994. A análise levou
à conclusão de que se tratava «de azeites virgens lampantes isentos de qualquer
mistura fraudulenta, (podendo) o seu elevado teor em cera explicar-se por (se
tratar) de azeites antigos».
- 20.
- O relatório pericial redigido em 30 de Outubro de 1995 no quadro do inquérito
instaurado pelas autoridades judiciais italianas chegou, em substância, ao mesmo
resultado, afirmando que:
- na hipótese em que se verifica um teor demasiado elevado apenas em ceras
e não quanto aos outros parâmetros - como se verificou quanto aos azeites
em apreço - a alteração era imputável a reacções químicas naturais e não
a misturas,
- com base nos valores analíticos obtidos, não se apurou qualquer elemento
revelador de substituição ou mistura de óleos.
- 21.
- Informada pela Oleifici Italiani, em Setembro de 1995, do segundo relatório de
análise efectuado pelo laboratório espanhol, a Comissão, por carta de 2 de
Outubro de 1995, endereçada ao AIMA, tomou conhecimento do referido relatório,
segundo o qual o excesso de ceras não era imputável a nenhum tipo de mistura
fraudulento podendo todavia, explicar-se pelo envelhecimento dos azeites. Concluiu
em consequência que «nestas condições, (era) difícil concluir que os azeites que
(foram) objecto desta última análise (deviam) ser recusados na intervenção» e
solicitou ao AIMA que lhe «comunicasse as quantidade e os entrepostos de azeite
com resultados de análise análogos, para serem vendidas no mais curto prazo».
- 22.
- Por carta de 23 de Novembro de 1995 endereçada ao AIMA, a Comissão
reportou-se ainda ao relatório pericial redigido em 30 de Outubro no quadro do
inquérito instaurado pelas autoridades judiciais italianas e segundo o qual - no que
respeita à Oleifici Italiani - nenhum dos elementos examinados permitia supor a
existência de substituição dos azeites analisados. Pediu ao AIMA que, «por
conseguinte, (lhe) enviasse, com a maior brevidade, os relatórios referentes a todos
os lotes examinados, anulasse o bloqueamento administrativo e procedesse
imediatamente ao pagamento de todas as compensações devidas aos adjudicatários
em relação aos quais os relatórios de análise contivessem as mesmas conclusões
que as referentes à Oleifici Italiani».
- 23.
- O AIMA respondeu ao pedido da Comissão por carta de 30 de Novembro de 1995,
a que juntou o relatório de 30 de Outubro do mesmo ano, efectuado no quadro do
inquérito judicial italiano. Informou além disso a Comissão de que, salvo oposição
desta, procederia imediatamente ao pagamento das compensações devidas aos
adjudicatários, na quantidade global de 17 639, 291 toneladas de azeite, em relação
às quais não se verificou qualquer substituição.
- 24.
- Em resposta a esta carta, a Comissão, por telecópia de 7 de Dezembro de 1995
(referência VI/046436), afirmou não ter qualquer objecção a formular quanto ao
pagamento imediato das compensações de armazenagem em relação às 17 639,291
toneladas referidas pelo AIMA. No Tribunal, explicou a sua posição pelo facto de
considerar que as análises em questão tinham sido efectuadas com respeito da
regulamentação comunitária em vigor e podiam ser consideradas fiáveis. Ora, face
ao relatório elaborado no quadro do inquérito judicial e enviado por carta do
AIMA de 30 de Novembro de 1995, verificou que aquele relatório não indicava o
teor em ceras das amostras de azeite analisadas.
- 25.
- Para verificar a fiabilidade da contra-análise pedida pela Oleifici Italiani ao
laboratório espanhol, a Comissão convidou também este laboratório, por carta de
6 de Fevereiro de 1996, a especificar a proveniência do azeite analisado
(entreposto, proprietário) bem como a apresentação das amostras (recipiente,
rótulo) e indicar se a recorrente tinha pedido uma análise completa ou apenas a
verificação de determinadas características dos azeites.
- 26.
- Por carta do mesmo dia, a Comissão dirigiu-se igualmente à Oleifici Italiani
pedindo-lhe para lhe dar esclarecimentos sobre as amostras enviadas ao referido
laboratório e sobre o alcance das análises pedidas.
- 27.
- Em resposta às perguntas da Comissão, o laboratório espanhol, por carta de 8 de
Fevereiro de 1996, informou de que não podia identificar a proveniência das
amostras, que foram entregues num frasco de vidro com cápsula enroscada em
matéria plástica e sem carimbo, não selado e não rotulado; por conseguinte, era
claro que a análise podia ser utilizada exclusivamente para fins de informação
pessoal. Indicou ainda que o pedido de análise incidia principalmente sobre o teor
em ceras, não tendo sido pedido qualquer exame quanto ao parâmetro de acidez.
- 28.
- Na carta de resposta de 9 de Fevereiro de 1996, a Oleifici Italiani, sublinhou, ao
invés, que as amostras analisadas pelo laboratório espanhol eram as recolhidas em
Novembro de 1993. Acrescentou que, de qualquer modo, não era de sobremaneira
importante verificar aquela identidade, tratando-se antes de tomar conhecimento
do facto de que o laboratório se tinha considerado na impossibilidade de declarar
a existência de mistura com óleo de bagaço de azeitona com base apenas no valor
anormal de ceras, na ausência de índices anormais de outros parâmetros analíticos.
- 29.
- É neste contexto que, antes de ter recebido as duas respostas acima referidas, o
director-geral da DG VI enviou, em 7 de Fevereiro de 1996, uma carta à
representação permanente da Itália na União Europeia - e, por cópia, a várias
autoridades ministeriais e judiciais italianas, bem como ao AIMA - do seguinte
teor:
«Após numerosa correspondência com o mesmo objecto, solicito que considere a
presente como uma proposta para pôr fim ao contencioso criado na sequência do
inquérito comunitário.
Na nossa carta VI/009568, de 27 de Fevereiro de 1995, propunhamos uma análise,
com intervenção dos interessados, das amostras em nosso poder. Tudo estava
preparado para a efectuar quando a Guardia di Finanza apreendeu os azeites
contestados. Considerou-se então oportuno suspender o processo administrativo e
atender às análises que o procurador de Nápoles mandara efectuar por um perito
de sua escolha.
Aquele perito concluiu que os azeites eram virgens e por isso aceitáveis para
intervenção.
A análise pormenorizada do caso permitiu verificar que o perito designado pelo
Tribunal de Nápoles não considerou útil efectuar a análise das ceras em todas as
amostras contestadas, afirmando que não era determinante para se verificar a
qualidade real dos azeites analisados, contrariamente ao que estabelecem os
regulamentos comunitários. Em apoio da sua tese, o perito invoca o resultado de
análises efectuadas por conta do Oleifici Italiani pelo Laboratorio Arbitral deMadrid, de três amostras não especificadas, que chegou à conclusão de que, apesar
do teor elevado em ceras, o azeite analisado era virgem.
Os serviços da Comissão não podem aceitar a confusão criada com todas estas
análises e consideram oportuno retomar o caso no ponto em que estava aquando
da apreensão dos azeites em Abril de 1995.
Abstracção feita dos aspectos judiciais que são da competência exclusiva do
Estado-Membro, impõe-se a decisão sobre a possibilidade de os azeites serem
objecto de intervenção. Os serviços da Comissão propõem de novo às autoridades
do Estado-Membro que façam o necessário para uma contra-análise das amostras
em poder do FEOGA por um laboratório independente, a escolher de comum
acordo, para determinação da qualidade real dos azeites contestados. O
Estado-Membro é, assim, convidado a organizar tais análises, a informar as partes
interessadas e a bloquear, entretanto, qualquer caução e/ou qualquer pagamento
referente àqueles azeites.
Para análise do controlo que deverá incidir sobretudo sobre o teor em ceras e a
sua evolução no tempo, os serviços da Comissão propõem o laboratório de matéria
gordas de Clichy (França).»
- 30.
- Em resposta a esta carta, o AIMA assinalou à Comissão, em 16 de Fevereiro de
1996, que, no termo do inquérito judicial efectuado na Itália, a autoridade judicial
penal, por despacho de 15 de Novembro de 1995, ordenou o levantamento da
apreensão do azeite e a entrega dos lotes a quem de direito. A partir deste
momento, qualquer atraso injustificado do AIMA no cumprimento das obrigações
assumidas poderia ter consequências penais para os seus funcionários. Além disso,
o Conselho de Estado italiano, por despacho de 2 de Fevereiro de 1996, não
admitiu o recurso interposto pelo AIMA quanto à recusa de reembolso das
compensações a pagar a título de encargos de gestão, em virtude de o inquérito
judicial acima referido não ter revelado a existência de qualquer elemento que
permita concluir que os azeites foram substituídos ou misturados com outro óleo
de menor valor. O AIMA concluiu daqui que não podia deixar, nestas condições,
de proceder à liquidação dos montantes a quem ainda eram devidos.
- 31.
- Em 19 de Fevereiro de 1996, as recorrentes pediram à Comissão que revogasse a
carta de 7 de Fevereiro de 1996 e confirmasse o seu direito ao pagamento dos
montantes devidos pelos azeites em questão. Este pedido não obteve resposta da
Comissão.
Tramitação processual e factos posteriores à pendência do recurso no Tribunal
- 32.
- Foi nestas circunstâncias que, por petição que deu entrada na Secretaria do
Tribunal em 17 de Abril de 1996, as recorrentes interpuseram o presente recurso.
- 33.
- Após interposição do recurso, o director-geral da DG VI dirigiu-se de novo ao
AIMA, por carta de 23 de Abril de 1996, tendo por objecto o azeite entregue à
intervenção nas campanhas de 1991/1992 e 1992/1993, relativamente ao qual o
FEOGA tinha iniciado o inquérito de Novembro de 1993. Nesta carta, a Comissão
- confirmou o conteúdo da sua carta de 1 de Março de 1994 quanto à
exactidão das primeiras análises efectuadas pelo laboratório espanhol, o que
implicava que o AIMA devia proceder às recuperações dos pagamentos
indevidos referentes às compras em causa;
- declarou que a quantidade dos azeites em causa devia ser considerada não
aceitável para intervenção e por isso como não tendo entrado nas
existências de intervenção; a partir desta altura, os azeites ficavam à
disposição do AIMA, que poderia decidir quanto à sua venda;
- referindo-se à decisão do Conselho de Estado italiano de 2 de Fevereiro de
1996, esclareceu: «mantenho a minha carta de 7.2.1995» [deve ler-se:
7.12.95] «referência VI/046436, que autoriza o pagamento dos encargos de
armazenagem pela guarda do azeite em causa até à data desta carta»; por
outro lado, na medida em que os azeites em causa ficavam à sua disposição
foi solicitado ao AIMA que, a partir desta data, não efectuasse mais
pagamentos de encargos de armazenagem por conta do FEOGA.
- 34.
- Com base no relatório do juiz relator, o Tribunal (Segunda Secção) decidiu iniciar
a fase oral do processo, sem medidas de instrução prévias. Tomou, todavia,
medidas de organização do processo, nos termos do artigo 64.° do Regulamento de
Processo, pedindo às partes que respondessem por escrito, antes da audiência, a
determinadas perguntas, pedido que foi devidamente deferido.
- 35.
- No decurso da audiência pública de 10 de Junho de 1996, foram ouvidas as
alegações das partes e as respostas às perguntas do Tribunal.
Pedidos das partes
- 36.
- As recorrentes pedem que o Tribunal se digne:
- anular a decisão da Comissão constante da carta do Sr. Legras,
director-geral da Direcção-Geral Agricultura (DG VI) - Direcção G, Fundo
Europeu de Orientação e Garantia Agrícola (FEOGA) - de 7 de Fevereiro
de 1996 (n.° VI/000513), e que ordena o bloqueamento de qualquer
pagamento devido pela armazenagem de azeite durante as campanhas de
1991/1992 e 1992/1993;
- condenar a Comissão a reparar os danos sofridos pelas recorrentes em
razão da sua actuação ilegal;
- condenar a Comissão nas despesas.
- 37.
- A Comissão conclui pedindo que o Tribunal se digne:
- negar provimento ao recurso;
- condenar as recorrentes nas despesas.
Quanto à admissibilidade do pedido de anulação
Argumentos das partes
- 38.
- A Comissão considera, em primeiro lugar, que a carta de 7 de Fevereiro de 1996
não pode ser objecto de recurso de anulação no sentido do artigo 173.° do Tratado
CE, dado que não produziu efeitos jurídicos obrigatórios que pudessem violar
interesses das recorrentes (despacho do Tribunal de Justiça de 8 de Março de 1991,
Emerald Meats/Comissão, C-66/91 e C-66/91 R, Colect., p. I-1143, n.° 26, e
despacho do Tribunal de Primeira Instância de 21 de Outubro de 1993,
Nutral/Comissão, T-492/93 e T-492/93 R, Colect., p. II-1023, n.° 24). Efectivamente,
aquela carta inseria-se nas relações de cooperação entre os serviços da Comissão
e as autoridades italianas encarregadas da aplicação da regulamentação
comunitária. A carta recorrida, na realidade, constituía apenas um dos actos
preparatórios da decisão do apuramento de contas FEOGA para fixação definitiva
das despesas por este tomadas a cargo. O Tribunal de Justiça decidiu
explicitamente que a Comissão não pode exprimir validamente a sua posição
quanto às intervenções dos Estados-Membros no âmbito do FEOGA antes do
apuramento das contas anuais (acórdão do Tribunal de Justiça de 6 de Outubro
de 1993, Itália/Comissão, C-55/91, Colect., p. I-4813, n.° 36).
- 39.
- A Comissão acrescenta que o acto recorrido não cria, em si, qualquer obrigação
para o Estado-Membro interessado nem, por maioria de razão, para as recorrentes.
A obrigação de as autoridades italianas bloquearem os pagamentos indevidos
resulta directamente do disposto no artigo 8.° do Regulamento n.° 729/70. Aliás,
compete aos Estados-Membros garantir, no seu território, o cumprimento das
regulamentações comunitárias no quadro da política agrícola comum (acórdão do
Tribunal de Justiça de 23 de Novembro de 1995, Nutral/Comissão, C-476/93 P,
Colect., p. I-4125, n.° 21, e despacho Nutral/Comissão, já referido, n.° 26). Por
conseguinte, apenas as medidas tomadas na matéria pelas autoridades nacionais
serão de molde a produzir efeitos jurídicos obrigatórios, susceptíveis de causarem
prejuízo aos interesses das demandantes (despacho Nutral/Comissão, já referido,
n.° 28).
- 40.
- A Comissão considera, em segundo lugar, que o acto recorrido no caso em apreço
não diz directamente respeito às recorrentes no sentido do quarto parágrafo do
artigo 173.° do Tratado. Na realidade, apenas o acto de direito interno através doqual as autoridades nacionais competentes bloquearam a compensação dos
encargos de armazenagem poderia ser considerado como susceptível de lhes causar
prejuízo. A este respeito, a Comissão recorda que a regulamentação comunitária
no domínio da política agrícola comum prevê uma rigorosa separação entre a
Comissão e os Estados-Membros, por um lado, e entre os Estados-Membros e os
operadores económicos, por outro. Incumbe, assim, às autoridades nacionais tomar
as disposições adequadas para prevenir irregularidades, bloqueando, se necessário,
os pagamentos das somas indevidas.
- 41.
- A Comissão sustenta, por fim, que o acto impugnado não produz, de qualquer
modo, nenhum efeito jurídico após a sua carta de 23 de Abril de 1996. Mesmo
seguindo o raciocínio das recorrentes, segundo o qual as diferentes cartas dirigidas
pelos serviços da Comissão ao AIMA constituem outras tantas decisões que lhes
dizem directa e individualmente respeito, quad non, a carta de 23 de Abril
invalidou a carta impugnada de 7 de Fevereiro de 1996.
- 42.
- As recorrentes respondem que a carta da Comissão de 7 de Fevereiro de 1996
produziu efeitos jurídicos que afectaram directa e individualmente os seus
interesses. O facto de os Regulamentos n.° 729/70 e n.° 3742/85 preverem a
possibilidade de os Estados-Membros prevenirem e perseguirem as irregularidades
em matéria de recursos do FEOGA não exclui que os actos praticados pela
Comissão neste domínio possam produzir efeitos directamente na esfera jurídica
dos particulares. No caso em apreço, a Comissão, longe de se limitar a dar meras
indicações ao organismo de intervenção nacional, tomou medidas obrigatórias
relativas especificamente à situação das recorrentes.
- 43.
- Neste contexto, as recorrentes referem-se mais precisamente às cartas de 2 de
Outubro e de 23 de Novembro de 1995, em que a Comissão ordenou ao AIMA
que procedesse aos pagamentos em causa, bem como à carta de 7 de Fevereiro de
1996, em que ordenara ao AIMA que bloqueasse qualquer pagamento referente
aos azeites em causa. No entender das recorrentes, é, assim, evidente que, quanto
ao pagamento correspondente à armazenagem dos azeites em questão, o AIMA
não dispunha de nenhuma margem de apreciação, devendo ater-se ao que lhe
havia sido ordenado pela Comissão.
- 44.
- As recorrentes concluem daí que a jurisprudência invocada pela Comissão não é
transponível para o caso em apreço. Assim, o acórdão Nutral/Comissão, já referido,
apenas se pronunciou sobre as medidas tomadas por autoridades nacionais que
tinham a liberdade de se conformar ou não com as indicações dadas pela
Comissão. Do mesmo modo, o despacho Emerald Meats/Comissão, já referido,
tratou de uma comunicação da Comissão que se limitava a comunicar a intenção
dos seus serviços de tomarem determinadas medidas, intenção que não podia ser
considerada uma decisão obrigatória. No caso em apreço, ao invés, a situação era
completamente outra, não deixando o acto recorrido qualquer margem de manobra
às autoridades nacionais no referente à efectivação dos pagamentos em causa.
- 45.
- Ainda que a Comissão considere que está demonstrada a autonomia decisória do
AIMA pelo facto de não ter seguido as suas indicações de 23 de Novembro de
1995, as recorrentes entendem que o mero atraso no cumprimento de uma decisão
não significa de modo algum que a autoridade nacional tenha a liberdade de o
fazer ou não. Aliás, a circunstância de, não obstante esta carta de 23 de Novembro
de 1995, o pagamento por parte do AIMA não ter sido imediato e completo deve
ser precisamente atribuído, segundo toda a probabilidade, ao clima de pesada
incerteza devido às moratórias dos serviços da Comissão.
- 46.
- Dado que a Comissão sustenta que o litígio deixou de ter objecto em consequência
da sua carta de 23 de Abril de 1996, as recorrentes concluem que a Comissão
insiste em qualificar a referida carta como solucionadora do caso na sua totalidade.
Tendo em conta, todavia, que a Comissão já mudou de opinião várias vezes a
respeito dos pagamentos em litígio, as recorrentes insistem na situação de pesada
incerteza em que continuam. Reportando-se ao pedido de indemnização, assinalam
que a carta de 23 de Abril de 1996 parece limitar até esta data a tomada a cargo
dos custos de armazenagem pelo FEOGA. Seria, assim, susceptível de dar lugar a
outros litígios quanto à identificação do responsável pelos encargos devidos pelo
prolongamento das armazenagens.
- 47.
- Quanto a este ponto, a Comissão esclarece, na sua tréplica, que a limitação em
questão se justifica pelo facto de, com base nos dados de que dispõe, não ter já
dúvidas de que o azeite em causa deve ser excluído das existências em intervenção
a partir de 23 de Abril de 1996.
Apreciação do Tribunal
- 48.
- Há que examinar, antes de mais, se a carta em litígio de 7 de Fevereiro de 1996
constitui um acto susceptível de recurso de anulação nos termos do artigo 173.° do
Tratado. Como resulta de jurisprudência constante do Tribunal de Justiça, para o
efeito há que averiguar se aquela carta - que foi formalmente dirigida à
representação permanente da Itália na União Europeia e, por cópia, a várias
autoridades italianas, entre as quais o AIMA, mas não às recorrentes - produziu
efeitos jurídicos obrigatórios susceptíveis de afectar directamente os interesses
destas últimas, alterando, de forma característica, a sua situação jurídica (v.,
nomeadamente, o despacho Emerald Meats/Comissão, já referido, n.° 26, o acórdão
Nutral/Comissão, já referido, n.° 28, e o acórdão do Tribunal de Justiça, de 22 de
Abril de 1997, Geotronics/Comissão, C-395/95 P, Colect., p. I-2271, n.° 10).
- 49.
- Para este efeito, o teor da referida carta deve ser interpretado tendo em conta o
contexto factual e jurídico em que foi redigida e comunicada às autoridades
italianas. Importa, de facto, determinar o significado objectivo que a carta podia
razoavelmente ter, no momento em que foi enviada, para um agente económico
diligente e avisado actuando por conta de um organismo de intervenção nacional
no sector do azeite.
- 50.
- Ora, há que concluir que a carta recorrida foi assinada pelo Sr. Legras, um
director-geral da Comissão, e se limita explicitamente a exprimir apenas o
entendimento dos serviços da Direcção-Geral VI. De facto, pode ler-se, a título de
exemplo, que «os serviços da Comissão não podem aceitar a confusão criada» e
«consideram oportuno retomar o caso no ponto em que estava... em Abril de
1995». Além disso, a carta apenas contêm uma «proposta para pôr termo ao
contencioso criado», e «os serviços da Comissão propõem de novo às autoridades
do Estado-Membro que façam o necessário». Foi neste contexto que o
Estado-Membro foi convidado a bloquear «entretanto» qualquer pagamento
referente aos azeites em causa. A linguagem utilizada na carta não é portanto a de
um acto obrigatório que vise impor às autoridades italianas o encerramento
definitivo do processo afectando desse modo a situação jurídica das recorrentes.
- 51.
- O carácter de não decisão da carta recorrida é confirmado pelo contexto jurídico
em que deve se insere. Efectivamente, nos termos das regras que regem as relações
entre a Comunidade e os Estados-Membros, compete a estes, na ausência de
disposição contrária de direito comunitário, garantir, no respectivo território, o
cumprimento das leis comunitárias, nomeadamente no quadro da política agrícola
comum (acórdão do Tribunal de Justiça de 7 de Julho de 1987, Étoile commerciale
e CNTA/Comissão, 89/86 e 91/86, Colect., p. 3005, n.° 11). Mais especificamente,
a aplicação das normas comunitárias referentes aos organismos comuns dos
mercados depende dos organismos nacionais para este efeito designados. Os
serviços da Comissão não têm qualquer competência para tomar decisões deaplicação das referidas disposições, podendo apenas exprimir a sua opinião, que
não obriga as autoridades nacionais, inscrevendo-se a manifestação destas opiniões
no quadro da cooperação interna entre a Comissão e os organismos nacionais
encarregados de aplicar a regulamentação comunitária (v., neste sentido,
nomeadamente, os acórdãos do Tribunal de Justiça de 27 de Março de 1980,
Sucrimex e Westzucker/Comissão, 133/79, Recueil, p. 1299, n.os 16 e 22, de 10 de
Junho de 1982, Interagra/Comissão, 217/81, Recueil, p. 2233, n.° 8, e de 18 de
Outubro de 1984, Eurico/Comissão, 109/83, Recueil, p. 3581, n.° 20).
- 52.
- O mesmo acontece quanto ao mecanismo de financiamento especificamente
instituído pelos artigos 4.° e 5.° do Regulamento n.° 729/70. Efectivamente, são os
próprios Estados-Membros que devem mobilizar, com base nos seus recursos
financeiros e em função das necessidades dos serviços pagadores, os meios
necessários ao financiamento da política agrícola comum, procedendo a Comissão
apenas ao refinanciamento destas despesas ao conceder avanços em montantes
fixos e pagamentos complementares [v., a este respeito, os esclarecimentos dados
pelo quinto considerando do Regulamento (CEE) n.° 3183/87 do Conselho, de 19
de Outubro de 1987, que institui regras especiais relativas ao financiamento da
política agrícola comum (JO L 304, p. 1), pelo primeiro considerando do
Regulamento (CEE) n.° 2048/88 do Conselho, de 24 de Junho de 1988, que altera
o Regulamento (CEE) n.° 729/70 (JO L 185, p. 1), pelo primeiro considerando do
Regulamento (CEE) n.° 2776/88 da Comissão, de 7 de Setembro de 1988, relativo
aos dados a transmitir pelos Estados-Membros tendo em vista a contabilização dasdespesas financiadas a título da secção «Garantia» do Fundo Europeu de
Orientação e Garantia Agrícola (FEOGA) (JO L 249, p. 9) e pelo artigo 4.°, n.° 5,
do Regulamento n.° 729/70, na versão do Regulamento (CE) n.° 1287/95 do
Conselho, de 22 de Maio de 1995 (JO L 125, p. 1)].
- 53.
- Segundo o referido mecanismo de financiamento, é apenas na decisão relativa ao
apuramento das contas anuais nos termos do artigo 5.°, n.° 2, alínea b), do
Regulamento n.° 729/70, que a Comissão decide, relativamente apenas aos
Estados-Membros, a sua posição final e definitiva quanto à tomada a cargo do
FEOGA das despesas realizadas pelos organismos estaduais de intervenção no
quadro da política agrícola comum (v., neste sentido, o acórdão do Tribunal de
Justiça de 29 de Janeiro de 1998, Grécia/Comissão, C-61/95, Colect., p. I-207,
n.° 39). Como o Tribunal de Justiça afirmou no acórdão de 6 de Outubro de 1993,
Itália/Comissão (já referido, n.° 36), a Comissão não pode tomar validamente
posição sobre aquele financiamento em fase anterior à do apuramento das contas
anuais.
- 54.
- Por conseguinte, como a Comissão justamente salientou, a troca de
correspondência objecto do presente litígio, incluindo a carta recorrida, verificou-se
no quadro de uma cooperação interna e informal, desprovida de qualquer
elemento de decisão, que tem por objectivo facilitar a gestão corrente das contas
financeiras e preparar a determinação definitiva das despesas susceptíveis de serem
tomadas a cargo pelo FEOGA. O Tribunal considera que, atento o referido
contexto normativo, as recorrentes, enquanto operadores económicos prudentes e
avisados, encarregados pelo AIMA da execução das operações de intervenção
nesse sector, não podiam ignorar a natureza jurídica daquela troca de
correspondência, nomeadamente da carta recorrida.
- 55.
- As recorrentes sustentam, no entanto, que a referida carta lhes dizia directamente
respeito porque o AIMA não dispunha de qualquer margem de apreciação
devendo aceitar as instruções da Comissão quanto ao bloqueamento dos
pagamentos em causa. Na audiência, reportaram-se, a esse propósito, ao acórdão
do Tribunal de Justiça de 5 de Maio de 1988, Dreyfus/Comissão (C-386/96 P, ainda
não publicado na Colectânea).
- 56.
- Sobre esta matéria há que lembrar que, segundo a jurisprudência do Tribunal de
Justiça, uma medida comunitária só afecta directamente a situação jurídica de um
particular quando não deixa qualquer poder de apreciação aos destinatários dessa
medida encarregados da sua implementação, entendendo-se que esta última deve
ter um carácter puramente automático e decorrer apenas da regulamentação
comunitária (acórdão Dreyfus/Comissão, já referido, n.° 43, e jurisprudência citada).
O mesmo é válido quando a possibilidade de os destinatários não implementarem
um acto comunitário é puramente teórica, não existindo quaisquer dúvidas de que
pretendem retirar consequências conformes ao referido acto (mesmo acórdão,
n.° 44, e jurisprudência citada).
- 57.
- Ora, tal como acima se verificou, a carta recorrida, que constitui um mero parecer
informal, não produziu quaisquer efeitos jurídicos obrigatórios quanto ao AIMA,
que, face à proposta de bloquear os pagamentos em litígio, continuava livre quer
de não fazer caso do parecer dos serviços da Comissão e proceder aos referidos
pagamentos, reclamando ulteriormente o seu refinanciamento pelo FEOGA, quer
de pagar às recorrentes, com base apenas nas obrigações contratuais, sem exigir o
refinanciamento a nível comunitário, ou ainda de não proceder a qualquer
pagamento aguardando que as recorrentes tomassem as medidas que julgassem
úteis. Tendo o AIMA escolhido a última alternativa, o seu comportamento
deliberado e autónomo não pode, por isso, ser atribuído à Comissão.
- 58.
- A não existência de influência directa da carta recorrida no comportamento do
AIMA é confirmado pelo facto de aquela não ter tido qualquer consequência
imediata no plano das relações financeiras correntes entre o FEOGA e o AIMA.
Tal como a Comissão confirmou na audiência, sem ser contrariada neste ponto
pelas recorrentes, o FEOGA continuou a pagar, até Maio de 1996, com base em
pedidos mensais do AIMA, os avanços mensais sobre as despesas pela
armazenagem dos azeites em litígio, pagamento que apenas terminou após a sua
carta de 23 de Abril de 1996 (v. supra, n.° 33). De resto, o AIMA também não se
considerou vinculado por outras cartas dos serviços da Comissão que o convidavam
a proceder aos pagamentos em litígio e que aceitavam a tomada a cargo das
despesas a eles relativas, a saber, as cartas de 2 de Outubro, 23 de Novembro e 7
de Dezembro de 1995, bem como a de 23 de Abril de 1996.
- 59.
- Aliás, deve salientar-se que, no acórdão Étoile commerciale e CNTA/Comissão (já
referido, n.os 9, 13 e 14), o Tribunal considerou inadmissíveis os recursos de
anulação interpostos por pessoas privadas da decisão da Comissão que fixa o
montante a cargo do FEOGA no âmbito do apuramento das contas apresentadas
pela República Francesa para o exercício de 1981 e que recusava a tomada a cargo
pelo FEOGA das ajudas solicitadas por aquelas. Nesse caso, o organismo nacional
de intervenção optou por, com base nessa decisão da Comissão, recorrer à
possibilidade que previu no momento da concessão das referidas ajudas e reclamar
às recorrentes a respectiva restituição. O Tribunal de Justiça considerou que a
decisão sobre o apuramento das contas respeitava apenas às relações financeiras
entre a Comissão e o Estado-Membro em causa e que a recuperação dos
montantes já pagos, ainda que verificada devido à referida decisão, não era uma
sua consequência directa mas a do facto de o organismo de intervenção ter ligado
a atribuição definitiva dos montantes em questão à condição de serem postos, no
fim de contas, a cargo do FEOGA. O Tribunal de Justiça deduziu daí que a
decisão recorrida não afectava directamente a situação jurídica das empresas
recorrentes. O Tribunal considera que esta jurisprudência deve, ainda com mais
razão, ser aplicada aos meros pareceres dados pelos serviços da Comissão às
autoridades nacionais ao longo da fase informal anterior ao apuramento das contas,
que apenas serve para preparar a decisão final da Comissão.
- 60.
- Convém recordar, por fim, que no processo que deu origem ao acórdão
Dreyfus/Comissão, já referido, relativo a uma assistência de urgência da
Comunidade aos Estados da ex-União Soviética para financiamento da importação
de determinados produtos, a Comissão recusou financiar um contrato de venda de
trigo realizado entre a empresa recorrente e um organismo público russo, recusa
de que a empresa interpôs recurso de anulação. Se é verdade que o Tribunal de
Justiça considerou que a decisão em litígio, dirigida apenas ao organismo público
russo, tinha produzido efeitos directos na situação da empresa recorrente, a decisão
foi todavia motivada pelo fundamento de que, no contexto socio-económico
específico do caso em apreço, o pagamento do fornecimento apenas podia ser feito
pelos recursos financeiros comunitários, pelo que a própria existência do contrato
de fornecimento estava subordinada à concessão do financiamento comunitário
(n.os 49 a 53 do acórdão). Ora, basta considerar que, no caso em apreço, estas
condições de facto especiais não estão reunidas.
- 61.
- De tudo o que antecede resulta que a carta recorrida, de 7 de Fevereiro de 1996,
não produziu efeitos jurídicos obrigatórios de molde a afectarem directamente os
interesses das recorrentes. Por isso, deve ser rejeitado, por inadmissibilidade, o
pedido de anulação.
Quanto ao pedido de indemnização
- 62.
- O Tribunal lembra, em primeiro lugar, que, segundo a jurisprudência, a acção de
indemnização nos termos dos artigos 178.° e 215.°, segundo parágrafo, do Tratado
foi instituída como uma via autónoma que desempenha uma função específica no
âmbito do sistema das vias de recurso. Daqui resulta que a inadmissibilidade acima
decidida do pedido de anulação da carta de 7 de Fevereiro de 1996 não pode, por
si só, ocasionar a do presente pedido de reparação do dano pretensamente sofrido
pelas recorrentes devido à actuação ilegal da Comissão, desde o início,
relativamente àquelas (v., neste sentido, despacho do Tribunal de Primeira
Instância de 3 de Fevereiro de 1998, Polyvios/Comissão, T-68/96, Colect., p. II-153,
n.° 32).
- 63.
- Em segundo lugar, o Tribunal verifica que as recorrentes, na petição de recurso,
avaliam o prejuízo devido pretensamente à suspensão dos pagamentos em litígio
em, respectivamente, 3 792 703 336 LIT e 1 851 456 540 LIT e, na réplica,
respectivamente, em 4 653 624 967 LIT e 2 166 553 836 LIT. Acrescentaram que
esses montantes deviam ser acrescidos de juros moratórios à taxa anual de 10%,
juros legais à taxa de 10% para ter em conta a erosão monetária, bem como vários
montantes a título de lucros cessantes conforme as diferentes datas de exigibilidade
dos seus capitais.
- 64.
- Seguidamente e em resposta a uma pergunta escrita do Tribunal, as recorrentes
indicaram que a sociedade Oleifici Italiani tinha recebido, em Agosto de 1997, o
capital integral das compensações exigidas pela armazenagem dos azeites em causa.Na audiência, acrescentaram que a sociedade Fratelli Rubino Industrie Olearie
tinha entretanto obtido um primeiro adiantamento sobre o capital bem como a
confirmação, por parte do AIMA, de que o saldo lhe seria integral e
definitivamente pago em data muito próxima. As recorrente deduziram daí que o
seu prejuízo estava assim reduzido, pelo que os respectivos pedidos apenas
visavam, na realidade, obter o montante da reparação do dano pecuniário causado
pelo atraso no recebimento dos pagamentos devidos.
- 65.
- O Tribunal considera que esta redução dos pedidos de indemnização, verificada no
decurso da audiência, constitui uma adaptação em si admissível e que se limita a
ter em conta a evolução da extensão do prejuízo invocado pelas recorrentes.
- 66.
- Deve todavia recordar-se que, nos termos de jurisprudência constante, a
responsabilidade extracontratual da Comunidade está subordinada à reunião de um
conjunto de condições no que se refere à ilegalidade do comportamento atribuído
às instituições comunitárias, à existência de prejuízo real e certo bem como de um
nexo directo de causalidade entre o comportamento da instituição em causa e o
prejuízo invocado (v., por exemplo, os acórdão do Tribunal de Primeira Instância
de 28 de Abril de 1998, Dorsch Consult/Conselho e Comissão, T-184/95, ainda não
publicado na Colectânea, n.os 59 e 60, e jurisprudência citada, e de 18 de Setembrode 1995, Blackspur e o./Conselho e Comissão, T-168/94, Colect., p. II-2627, n.os 38
e 40, e jurisprudência citada, bem como o acórdão do Tribunal de Justiça de 4 de
Outubro de 1979, Dumortier frères e o./Conselho, 64/76, 113/76, 167/78, 239/78,
27/79, 28/79, e 45/79, Recueil, p. 3091, n.° 21), competindo às demandantes provar
a efectiva reunião destas condições (acórdão do Tribunal de Primeira Instância de
26 de Outubro de 1995, Geotronics/Comissão, T-185/94, Colect., p. II-2795, n.° 39).
- 67.
- No caso em apreço, quanto à existência de nexo directo de causalidade entre o
comportamento atribuído à Comissão e o prejuízo invocado, há que lembrar que
a suspensão de compensação dos encargos de armazenagem em litígio é
independente do comportamento dos serviços da Comissão no âmbito da sua
cooperação informal com as autoridades italianas, e releva da escolha deliberada
e autónoma destas últimas (v., supra n.os 54 e 57). Em tais circunstâncias, o prejuízo
invocado pelas recorrentes é imputável às referidas autoridades nacionais e não
pode por isso ser considerado directamente causado pelo comportamento atribuído
à Comissão. Ora, como o Tribunal de Justiça julgou no acórdão Étoile commerciale
e CNTA/Comissão (já referido, n.os 16 a 21), o juiz comunitário não tem
competência para garantir, com base nos artigos 178.° e 215.°, segundo parágrafo,
do Tratado, a reparação de tal prejuízo.
- 68.
- Quanto à realidade do prejuízo causado às recorrentes pelo atraso nos pagamentos
reclamados, há que concluir, por um lado, que as recorrentes não o avaliaram
numericamente no pedido de indemnização adaptado no decurso da audiência.
- 69.
- Por outro lado e de qualquer modo, foi apenas pela sua decisão de apuramento
das contas referentes aos anos de 1991, 1992 e 1993 que a Comissão tomou posiçãodefinitiva quanto a saber se e, na afirmativa, até que montante o FEOGA toma a
cargo as despesas de armazenagem em litígio (v. supra, n.° 53). Consequentemente,
o carácter real e certo do prejuízo invocado pelas recorrentes só pode ser
determinado à luz desta decisão. Ora, como a Comissão referiu em resposta à
pergunta escrita do Tribunal, as discussões com as autoridades italianas sobre as
contas referentes aos lotes de azeite em litígio ainda não terminaram pelo que não
existe ainda decisão sobre o apuramento destas contas específicas. Segue-se que,
no momento actual, a invocação de um prejuízo pretensamente causado pela
Comissão deve ser considerada prematura. Por isso, não poderá tratar-se de um
prejuízo real e certo que haja desde já sido causado às recorrentes.
- 70.
- Consequentemente, o pedido de indemnização das recorrentes deve ser indeferido.
- 71.
- De tudo o que antecede resulta que deve ser negado provimento ao recurso no seu
conjunto.
Quanto às despesas
- 72.
- Nos termos do n.° 2 do artigo 87.° do Regulamento de Processo, a parte que
sucumbir será condenada nas despesas se tal for pedido. Tendo as recorrentes sido
vencidas há que condená-las a suportarem as suas despesas, bem como,
solidariamente, as da Comissão.
Pelos fundamentos expostos,
O TRIBUNAL DE PRIMEIRA INSTÂNCIA (Segunda Secção),
decide:
- 1.
- É negado provimento ao recurso.
- 2.
- As recorrentes suportarão as suas despesas bem como, solidariamente, as
da Comissão.
KalogeropoulosBellamy
Pirrung
|
Proferido em audiência pública no Luxemburgo, em 15 de Setembro de 1998.
O secretário
O presidente
H. Jung
A. Kalogeropoulos