ACÓRDÃO DO TRIBUNAL DE PRIMEIRA INSTÂNCIA (Quarta Secção)
17 de Fevereiro de 2000(1)
«Recurso de anulação Política comunitária de investigação e desenvolvimento
tecnológico Programa MAST III Decisão de aprovação da lista de projectos
que podem beneficiar de um apoio comunitário Exclusão de uma proposta do
financiamento comunitário Interesse em agir Inutilidade superveniente da
lide»
No processo T-183/97,
Carla Micheli, Andrea Peirano, Carlo Nike Bianchi e Marinella Abbate,
investigadores no Ente per le nuove tecnologie, l'energia e l'ambiente (ENEA,
Centro de investigação sobre novas tecnologias, energia e ambiente), organismo
público de direito italiano, com sede em Roma, representados por Wilma
Viscardini Donà, Mariano Paolin, e Simonetta Donà, advogados no foro de Pádua,
com domicílio escolhido no Luxemburgo no escritório do advogado Ernest Arendt,
39, rue Mathias Hardt,
contra
Comissão das Comunidades Europeias, representada por Eugenio de March,
membro do Serviço Jurídico, na qualidade de agente, assistido por Alberto Dal
Ferro, advogado no foro de Vicenza, com domicílio escolhido no Luxemburgo no
gabinete de Carlos Gómez de la Cruz, membro do Serviço Jurídico, Centre
Wagner, Kirchberg,
que tem por objecto a anulação da decisão da Comissão que aprovou a lista dos
projectos que podem beneficiar de um apoio comunitário no âmbito do programa
específico de investigação, desenvolvimento tecnológico e demonstração no domínio
das ciências e tecnologias marinhas (1994-1998), na medida em que implica a
exclusão do projecto Posible, coordenado por C. Micheli, decisão essa comunicada
por carta dos serviços da Comissão de 26 de Março de 1997, recebida por telecópia
em 17 de Abril de 1997 e pelo correio em 20 de Maio de 1997,
O TRIBUNAL DE PRIMEIRA INSTÂNCIA
DAS COMUNIDADES EUROPEIAS (Quarta Secção),
composto por: R. M. Moura Ramos, presidente, V. Tiili e P. Mengozzi, juízes,
secretário: J. Palacio González, administrador,
vistos os autos e após a audiência de 9 de Setembro de 1999,
profere o presente
Acórdão
Enquadramento jurídico e matéria de facto na origem do litígio
- 1.
- Pela Decisão 94/804/CE, de 23 de Novembro de 1994, o Conselho adoptou um
programa específico de investigação, desenvolvimento tecnológico e demonstração
(a seguir «IDT»), no domínio das ciências e tecnologias marinhas (1994-1998),
igualmente designado pela sigla «MAST III» (JO L 334, p. 59, a seguir «Decisão
94/804»). Este programa específico insere-se no quarto programa-quadro de acções
da Comunidade Europeia em matéria de IDT para o período de 1994-1998,
aprovado pela Decisão n.° 1110/94/CE do Parlamento Europeu e do Conselho, de
26 de Abril de 1994 (JO L 126, p. 1), alterada pela Decisão n.° 616/96/CE do
Parlamento Europeu e do Conselho, de 25 de Março de 1996, na sequência da
adesão à União Europeia de novos Estados-Membros (JO L 86, p. 69). Nos termos
do Anexo III da Decisão 94/804, o programa será executado através de acções
indirectas de IDT, propostas e desenvolvidas, designadamente, por terceiros, aos
quais a Comunidade presta a sua contribuição financeira.
- 2.
- O artigo 2.° da Decisão 94/804 fixa o «montante considerado necessário» para a
execução do programa específico 1994-1998 em 228 milhões de ecus. Este
montante foi alterado para 243 milhões de ecus pela Decisão n.° 616/96, já referida.
O Anexo II da Decisão 94/804 prevê uma «repartição indicativa» deste montante
por quatro áreas de investigação. O domínio A abrange as ciências marinhas, o
domínio B a investigação marinha e estratégica, o domínio C as tecnologias
marinhas e o domínio D as iniciativas de apoio.
- 3.
- Por força dos artigos 4.° a 6.° da Decisão 94/804, a Comissão é responsável pela
execução do programa MAST III, no limite dos créditos fixados para cada exercício
pela autoridade orçamental. Por aplicação do artigo 5.° da Decisão 94/804, a
Comissão estabeleceu, em 1994, um programa de trabalho, em conformidade com
os objectivos definidos no Anexo I e com a repartição indicativa dos créditos que
figuram no Anexo II desta decisão. Este programa apresentava de forma detalhada,
designadamente, os objectivos científicos e tecnológicos e as acções de investigação
a efectuar, bem como o calendário de execução. Este calendário previa um
primeiro aviso de concurso relativo aos anos de 1995 e 1996 e um segundo relativo
aos anos de 1997 e 1998. Um terceiro aviso de concurso no sector dos mares e
oceanos, foi posteriormente publicado (JO 1997, C 183, p. 26).
- 4.
- Na sequência do segundo aviso de concurso no âmbito do programa MAST III,
foram apresentados 214 projectos. Entre estes figura, no domínio A (ciências
marinhas), o projecto intitulado «Stability and recovery of W. Mediterranean
Posidonia oceanica beds: a large scale assessment», também designado «Posible»,
apresentado pelo Ente per le nuove tecnologie, l'energia e l'ambiente (ENEA,
Centro de investigação sobre novas tecnologias, energia e ambiente), na qualidade
de organismo coordenador, com a participação de três outros organismos europeus.
- 5.
- Um resumo do método de tratamento e avaliação dos projectos é apresentado no
âmbito dos programas de investigação e desenvolvimento da Comunidade,
constante de dois documentos designados Guia azul e Livro branco, tendo este sido
enviado aos participantes, para informação.
- 6.
- O procedimento de avaliação dos projectos está regulamentado do seguinte modo.
O artigo 7.° da Decisão 94/804 sujeita a avaliação das acções propostas - no que
se refere às acções para as quais o montante estimado do financiamento pela
Comunidade é igual ou superior a 0,35 milhões de ecus, ou que incluem a
participação de entidades jurídicas de países terceiros ou de organizações
internacionais bem como qualquer ajustamento da repartição indicativa do
montante considerado necessário, ao procedimento do comité de programa previsto
no artigo 6.° desta mesma decisão. Resulta do Livro branco e do Guia azul, acima
referidos, que o procedimento de selecção dos projectos a financiar comporta, na
prática, duas grandes etapas. No decurso da primeira, cada projecto é, antes de
mais, objecto de uma análise em duas fases por peritos independentes. Os
projectos são em seguida classificados pelos serviços da Comissão em quatro
categorias com base nas notas que lhes foram atribuídas por esses peritos externos.
Numa segunda etapa, os serviços da Comissão realizam uma selecção a partir dessa
classificação e elaboram um projecto da lista de projectos que pode ser objecto de
financiamento comunitário. O projecto é, em seguida, submetido para parecer ao
comité de programa, instituído pelo artigo 6.° da Decisão 94/804, composto por
representantes dos Estados-Membros e presidido pelo representante da Comissão
(a seguir «comité MAST»). Por último, a Comissão aprova a lista dos projectos a
financiar quando esta está em conformidade com o parecer do comité.
- 7.
- No âmbito da primeira etapa, o Livro branco e o Guia azul especificam que a
apreciação dos projectos por peritos independentes se desdobra em duas fases. Na
primeira, cada projecto é analisado por um grupo de peritos encarregado de avaliar
a sua qualidade científica e técnica. Esta fase é eliminatória para os projectos que
tenham obtido menos de 70 pontos. Na segunda fase, um grupo alargado de
examinadores, que inclui especialistas das políticas científicas, do domínio da
indústria e do management, ou pessoas cuja experiência tenha a ver com os
aspectos económicos, sociais ou ambientais do projecto, avalia os seus aspectos
estratégicos, económicos e políticos. Estas duas fases iniciam-se com uma análise
individual dos projectos por cada perito, seguida de discussões no âmbito do grupo
com vista a conseguir um acordo sobre uma apreciação comum. No termo de cada
uma dessas fases, os examinadores elaboram um relatório de avaliação ou
«relatório de consenso» sobre o projecto analisado.
- 8.
- O relatório de consenso relativo ao projecto Posible indica que o mesmo obteve
73 pontos na primeira fase e 26 na segunda, totalizando assim 99 pontos. Por outro
lado, outro projecto de acção intitulado «The Arctic Ocean System in the Global
Environment» (a seguir "AOSGE"), obteve unicamente 63 pontos, no âmbito da
primeira fase e foi, portanto, objecto de um parecer de não admissão à segunda
fase de apreciação, num relatório de consenso assinado em 20 de Novembro de
1996
- 9.
- Contudo, é pacífico que, na primeira fase, 18 dos 214 projectos apresentados à
Comissão foram objecto de uma dupla avaliação da sua qualidade científica e
técnica, por grupos de peritos distintos, com base numa disposição do Guia azul,
que estabelece que, «para garantir que a avaliação decorra no respeito das normas
e em condições correctas, a Comissão pode pedir segunda avaliação por outro
grupo de peritos de 5% a 10% dos projectos. Se esta segunda avaliação der lugar
a diferenças de apreciação importantes em relação à primeira, pode ser
considerada ainda uma terceira avaliação». De acordo com a Comissão, esta
instituição selecionou, no caso vertente, antes do início do exame dos projectos, os
que seriam sujeitos a uma dupla avaliação, designando um de quinze em quinze
projectos na lista dos classificados por ordem alfabética. Na audiência no processo
de medidas provisórias, a Comissão, em resposta a uma questão do presidente do
Tribunal de Primeira Instância, esclareceu que dois projectos, entre os quais o
projecto AOSGE, foram, além disso, sujeitos a uma dupla avaliação em razão da
sua dimensão e complexidade.
- 10.
- No presente caso, o grupo de peritos encarregue da avaliação do projecto AOSGE
atribuiu-lhe 82 pontos na primeira fase e emitiu parecer favorável à sua admissão
na segunda fase, no relatório de consenso assinado em 14 de Novembro de 1996.
- 11.
- Em razão do desvio significativo entre as apreciações constantes dos relatórios de
consenso de 14 e 20 de Novembro de 1996, supramencionados, relativos ao
projecto AOSGE, os serviços da Comissão decidiram submeter este projecto a uma
terceira avaliação no âmbito da primeira fase. Esta terceira avaliação foi confiada
ao grupo de peritos encarregue da avaliação dos aspectos estratégicos, económicos
e políticos do projecto AOSGE no âmbito da segunda fase de exame. Resulta do
processo que este grupo de peritos procedeu à terceira avaliação analisando os dois
primeiros relatórios de consenso relativos ao projecto AOSGE. Tomou em conta
a média das notas constantes dos dois primeiros relatórios, na primeira fase, e
atribuiu 23 pontos ao projecto AOSGE no âmbito da segunda fase. Assim, o
projecto AOSGE obteve 73 pontos na primeira fase e totalizava 96 pontos na
primeira etapa de apreciação.
- 12.
- No âmbito da segunda etapa de avaliação, os serviços da Comissão selecionaram
os projectos a financiar e elaboraram um projecto de decisão que incluía uma lista
principal e uma lista de reserva. A selecção dos projectos e a organização de
ambas as listas eram baseadas na pontuação atribuída aos projectos pelos peritos
independentes no termo da primeira etapa. A este respeito, a única excepção
respeitava ao projecto AOSGE, o qual, dada a sua importância estratégica num
domínio onde não tinha sido financiado qualquer outro projecto, foi colocado na
lista de reserva em melhor posição que outros projectos do mesmo domínio,
embora os mesmos tenham obtido um número de pontos superior.
- 13.
- O comité MAST aprovou o projecto de lista principal apresentado pelos serviços
da Comissão. Quanto ao projecto de lista de reserva, resulta dos documentos do
processo que o mesmo foi aprovado após a sua alteração pelos serviços da
Comissão, os quais, tomando em consideração a intenção do comité de melhorequilibrar os projectos da lista de reserva entre os principais domínios A, B, C, e
D do programa MAST III, eliminaram da referida lista os cinco últimos projectos
do domínio A (entre os quais o projecto Posible) e acrescentaram um projecto do
domínio C.
- 14.
- A Comissão adoptou seguidamente a decisão que aprovou a lista dos projectos que
podem beneficiar de um apoio comunitário nos termos do programa específico de
IDT no domínio das ciências e tecnologias marinhas (1994-1998) (a seguir «decisão
impugnada»). Entre os referidos projectos, 58 foram inscritos na lista principal,
incluindo os projectos admitidos ao benefício da contribuição comunitária, e 15
outros foram colocados numa lista de reserva.
- 15.
- Nos termos do artigo 2.° da decisão impugnada, os projectos inscritos na lista de
reserva poderão ser objecto de financiamento comunitário «na medida da
disponibilidade de dotações orçamentais após o esgotamento dos créditos de
autorização utilizados para projectos que constam da lista principal,
designadamente no caso de abandono de projectos que figuram nestas listas, no
caso de conclusão da negociação de contratos por montantes inferiores aos
previstos na decisão, no caso de inobservância das obrigações das partes nos
contratos, no caso de dotações suplementares atribuídas pela autoridade
orçamental ou no caso de reestruturação de dotações orçamentais no interior do
mesmo número. O recurso à lista (de reserva) será feito de acordo com a ordem
de prioridade que a mesma fixa e de acordo com o objectivo do programa
específico, bem como em função do estado de adiantamento das negociações
contratuais e dos montantes disponibilizados».
- 16.
- Numa carta de 26 de Março de 1997, dirigida a C. Micheli e recebida em 20 de
Maio de 1997, o director da Direcção D «Acções de IDT: Ciências e Tecnologias
Marinhas» da Direcção-Geral Ciência, Investigação e Desenvolvimento (DG XII),
informou o ENEA de que, após a avaliação por peritos independentes e a consulta
do comité MAST, o projecto Posible tinha sido excluído de qualquer contribuição
financeira no âmbito deste programa. A Comissão explicava que tinha sido
obrigada a seleccionar um pequeno número de projectos a financiar, atendendo à
limitação das dotações orçamentais disponíveis.
Tramitação processual e pedidos das partes
- 17.
- Por petição entrada na Secretaria do Tribunal de Primeira Instância em 19 de
Junho de 1997, C. Micheli, A. Peirano, C. N. Bianchi e M. Abbate, todos
investigadores no ENEA, interpuseram o presente recurso.
- 18.
- Por requerimento separado, apresentado na Secretaria do Tribunal de Primeira
Instância na mesma data, os recorrentes pediram igualmente, nos termos do artigo
185.° do Tratado CE (actual artigo 242.° CE), a suspensão da execução da decisão
impugnada, que aprovou a lista principal e a lista de reserva dos projectos a
financiar no âmbito do programa MAST III e, consequentemente, da decisão de
exclusão do projecto Posible desse financiamento. A título subsidiário, pediram a
suspensão da execução parcial da decisão impugnada, na parte em que aprovou a
lista de reserva. Por despacho de 26 de Setembro de 1997, o presidente do
Tribunal de Primeira Instância indeferiu o pedido de medidas provisórias.
- 19.
- Por requerimento separado, entrado na Secretaria do Tribunal de Primeira
Instância em 4 de Agosto de 1997, a Comissão suscitou uma questão prévia de
admissibilidade, nos termos do artigo 114.°, n.° 1, do Regulamento de Processo do
Tribunal de Primeira Instância. Os recorrentes apresentaram as suas observações
escritas por requerimento entrado na Secretaria do Tribunal de Primeira Instância
em 6 de Outubro de 1997. Por despacho de 13 de Janeiro de 1998, a Primeira
Secção do Tribunal decidiu remeter para a decisão de mérito a análise da questão
prévia de admissibilidade e convidou a Comissão a apresentar a sua contestação.
- 20.
- Com base no relatório do juiz-relator, o Tribunal (Quarta Secção) decidiu dar
início à fase oral do processo. No quadro das medidas de organização do processo,
as partes foram convidadas a responder por escrito a determinadas questões e a
apresentar certos documentos antes da audiência.
- 21.
- Foram ouvidas as alegações das partes e as suas respostas às questões formuladas
pelo Tribunal na audiência de 9 de Setembro de 1999.
- 22.
- Os recorrentes concluem pedindo que o Tribunal se digne:
- julgar o recurso admissível;
- anular a decisão de aprovação dos projectos admitidos ao benefício do
financiamento comunitário ou julgados admissíveis, no âmbito do programa
MAST III e, consequentemente, anular a decisão de exclusão do projecto
Posible;
- condenar a Comissão nas despesas.
- 23.
- A Comissão conclui pedindo que o Tribunal se digne:
- julgar o recurso inadmissível e improcedente;
- condenar os recorrentes nas despesas.
Questão de direito
Argumentos das partes
- 24.
- A recorrida contesta a admissibilidade do recurso, afirmando que os recorrentes
não são destinatários da decisão impugnada e que a mesma lhes não diz
directamente respeito. Recorda que o projecto Posible foi apresentado pelo ENEA,
na qualidade de coordenador, bem como por três outros participantes. No caso de
aprovação do projecto e da sua inscrição na lista principal, estes organismos seriam
os destinatários do financiamento a pagar pela Comissão. Os recorrentes, enquanto
tais, não podem ser considerados destinatários directos da decisão de excluir o
projecto Posible de um eventual financiamento comunitário.
- 25.
- Efectivamente, a situação dos recorrentes é, no essencial, idêntica à de um
trabalhador assalariado de uma empresa, ou de qualquer outra pessoa que
colabore com uma empresa, que declare ter um interesse próprio diferente do da
empresa em questão. Aceitar a admissibilidade do presente recurso equivaleria a
reconhecer que a decisão de indeferir um financiamento diz directamente respeito
a todas as pessoas que, em diferentes graus, dependem ou cooperam com um
organismo que tenha apresentado um projecto tendo em vista obter esse
financiamento comunitário.
- 26.
- Os recorrentes afirmam que a decisão impugnada lhes diz directa e individualmente
respeito, embora não sejam destinatários da mesma. O projecto Posible foi
concebido e elaborado por Carla Micheli, em colaboração com outros
investigadores italianos e estrangeiros. Os recorrentes são todos expressa e
nominalmente referidos no projecto e as habilitações e experiência profissional de
cada um dos investigadores que colaboraram na sua elaboração tiveram incidência
directa na apreciação do respectivo valor científico. Têm, por isso, um interesse
distinto do do ENEA na realização do projecto.
- 27.
- A situação dos recorrentes não é idêntica à de um trabalhador assalariado de uma
empresa, uma vez que os investigadores assalariados do ENEA têm interesse
directo e imediato no financiamento comunitário dos projectos em que participam.
A evolução das suas carreiras, a atribuição de prémios de produtividade e outros
benefícios, bem como a aquisição de prestígio profissional e de notoriedade no
domínio científico são directamente afectados pela obtenção de um financiamento
para os projectos de que são promotores.
- 28.
- Quanto ao mérito da causa, os recorrentes invocam quatro fundamentos em apoio
dos seus pedidos. Em primeiro lugar, afirmam que o procedimento seguido pela
Comissão está viciado de desvio de poder e viola o princípio da não discriminação
na medida em que o projecto AOSGE, que obteve 96 pontos, foi inscrito na lista
de reserva, enquanto o projecto Posible foi excluído da mesma apesar de ter
obtido, quando da avaliação dos peritos, um número de pontos superior (99
pontos).
- 29.
- No segundo fundamento, invocam a violação do dever de fundamentação e do
princípio da transparência. Alegam que a Comissão não explicou as razões que
justificam a reanálise a que o projecto AOSGE foi sujeito na primeira fase da
primeira etapa, e que a Comissão deveria fundamentar especificamente a inscrição
do referido projecto na lista de reserva.
- 30.
- No terceiro fundamento, os recorrentes contestam a inexistência de fundos
disponíveis para o financiamento de projectos constantes da lista de reserva,
afirmando que a Comissão efectuou uma transferência de fundos do domínio A
para outros domínios do programa. Invocam a violação do princípio da
transparência e do artigo 7.° da Decisão 94/804 do Conselho, que prevê que
qualquer ajustamento da repartição indicativa do montante considerado necessário,
constante do Anexo II da mesma decisão, seja adoptado nos termos do
procedimento do comité de gestão instituído pelo artigo 6.° da mesma decisão.
- 31.
- O quarto fundamento baseia-se na violação do princípio de objectividade e
independência, pelo facto de terem sido admitidos no seio do comité MAST dois
representantes dos Estados-Membros que, aliás, são investigadores junto de
institutos de investigação que apresentaram projectos no âmbito do programa
MAST III.
- 32.
- A recorrida contesta a justeza dos fundamentos dos recorrentes e pede que seja
negado provimento ao recurso.
Apreciação do Tribunal de Primeira Instância
- 33.
- A título preliminar, há que delimitar o objecto do presente recurso. A este respeito,
deve notar-se que os recorrentes se limitam a contestar, por um lado, o destino que
teve o projecto Posible e, por outro, o tratamento particular de que foi objecto o
projecto AOSGE. Não põem em causa a integridade do procedimento de avaliação
e o resultado a que o mesmo conduziu relativamente a outros projectos,
designadamente na elaboração da lista principal. Por outro lado, não rejeitam os
relatórios de consenso de que foi objecto o projecto Posible e, em especial, a nota
final de 99 pontos obtida pelo mesmo. Deve, por isso, concluir-se que, no presente
recurso, os recorrentes contestam a decisão impugnada apenas na medida em que
a mesma implica a exclusão do projecto Posible da lista de reserva.
- 34.
- O Tribunal considera que será de analisar, em primeiro lugar, se existe um
interesse em agir da parte dos recorrentes, uma vez que, na falta de interesse em
agir, não há que analisar se a decisão impugnada lhes diz directa e individualmente
respeito, na acepção do artigo 173.° do Tratado CE (que passou, após alteração,
a artigo 230.° CE).
- 35.
- Os recorrentes invocam dois tipos de interesse em agir no presente recurso: o
interesse que decorre da realização do projecto Posible devido ao facto de a
contribuição comunitária ser essencial para a sua realização e o interesse relativo
à defesa do seu prestígio científico que decorre da inscrição do referido projecto
na lista de reserva, enquanto lista de projectos que a Comunidade considerou
dignos de auxílio financeiro.
- 36.
- No que respeita ao interesse dos recorrentes relativo à defesa do seu prestígio
científico, deve recordar-se que a selecção dos projectos a financiar é feita segundo
um procedimento que passa por duas etapas (v., supra n.os 6 e 7).
- 37.
- Na primeira etapa, o Livro branco e o Guia azul esclarecem que cada projecto é
objecto de uma análise em duas fases por peritos independentes. Na primeira fase,
que é eliminatória, os peritos analisam a qualidade científica e técnica de cada
projecto. Durante a segunda fase, um grupo alargado de examinadores avalia os
seus aspectos estratégicos, económicos e políticos.
- 38.
- Na segunda etapa, os serviços da Comissão efectuam uma selecção dos projectos
e elaboram um projecto de lista dos projectos que podem ser financiados, que é
apresentada para parecer ao comité MAST. Esta selecção faz-se, designadamente,
com base nas notas atribuídas pelos peritos quando da primeira etapa. Contudo,a referida selecção é também feita por aplicação de outros critérios, como os
relativos à repartição dos fundos orçamentais entre os domínios do programa, ao
equilíbrio entre os diferentes objectivos do programa de IDT, e ainda à exigência
de evitar duplicações. Estes critérios são mencionados na página 10 do Livro
branco, que foi fornecido a todos os interessados, incluindo os recorrentes.
- 39.
- Daqui resulta que a escolha dos projectos que podem ser financiados não é feita
exclusivamente com base em critérios relativos ao seu valor científico. Acresce que,
por se tratar de um concurso de projectos inserido no âmbito de um programa,
aprovado por uma instituição, que tem em vista interesses comunitários concretos
e não a obtenção de um prémio académico, é normal que o valor científico das
pessoas que apresentaram um projecto não esteja em questão, na medida em que
a selecção dos projectos deve necessariamente ter em conta, para além da
respectiva qualidade científica, a sua correspondência com os objectivos do
programa.
- 40.
- Consequentemente, no presente caso, deve considerar-se que os recorrentes não
têm interesse em agir no que respeita à defesa do seu prestígio científico, dado
que, no contexto do procedimento de escolha dos projectos que podem ser
financiados, a sua própria capacidade científica não foi tomada em consideração,
directa ou indirectamente, quando da exclusão do seu projecto da lista de reserva
(v., supra, n.° 13). Acresce que se pode ainda realçar que, na primeira fase da
primeira etapa, relativa ao exame dos aspectos científicos e técnicos do projectos,
o projecto Posible foi objecto, pela sua parte, de uma avaliação positiva,
ultrapassando os pontos necessários para passar à fase seguinte. O valor científico
do projecto Posible não estava assim, nesta medida, em questão.
- 41.
- No que respeita ao interesse que resulta da realização do projecto Posible, deve
recordar-se que, no seu primeiro fundamento, os recorrentes contestam a validade
da decisão impugnada na medida em que implica a exclusão do projecto Posible.
Contestam também o tratamento de favor conferido ao projecto AOSGE, que foi
inscrito na referida lista apesar de ter obtido um número de pontos inferior ao
alcançado pelo projecto Posible.
- 42.
- Sendo assim, e a título liminar, há que verificar em que medida a inscrição do
projecto Posible na lista de reserva teria permitido o seu financiamento no âmbito
do programa MAST III e, consequentemente, a sua realização.
- 43.
- Deve salientar-se a este respeito que, mesmo que os recorrentes o não pudessem
saber no momento em que interpuseram o recurso, afigura-se que, segundo
informações fornecidas pela Comissão em resposta a uma questão colocada pelo
Tribunal, todos os projectos incluídos na lista principal adoptada na sequência do
segundo aviso de concurso foram financiados e que não pôde ser tido em conta o
financiamento de qualquer projecto da lista de reserva. Efectivamente, o
financiamento de projectos inscritos na lista de reserva estava, em princípio, apenas
previsto para o caso de os projectos de lista principal não serem realizados e,
consequentemente, de serem libertados fundos atribuídos no âmbito do segundo
aviso de concurso. (v., supra, n.° 15).
- 44.
- Daqui resulta que a tese subjacente ao primeiro fundamento dos recorrentes é
irrelevante na medida em que tem em vista a realização do projecto Posible, uma
vez que, mesmo que os argumentos dos recorrentes fossem aceites, e que, por isso,
o projecto Posible fosse inscrito na lista de reserva numa posição mais favorável
do que o projecto AOSGE, os fundos afectos ao segundo aviso estariam, em
qualquer caso, esgotados. Nesta medida, os recorrentes já não têm interesse em
pedir a anulação da decisão impugnada na medida em que implica a exclusão do
referido projecto, uma vez que já não existe a possibilidade de obter financiamento
para o projecto Posible.
- 45.
- Dado que os recorrentes afirmaram, contudo, que o esgotamento dos fundos
disponíveis, no âmbito do segundo aviso de concurso, para financiar a lista de
reserva, resulta de uma violação das regras aplicáveis, deve prosseguir-se à análise
quanto a existência de interesse em agir por parte dos recorrentes.
- 46.
- É certo que a realização dos projectos admitidos ao financiamento comunitário no
âmbito do segundo aviso de concurso não esgotou a totalidade dos fundos do
programa MAST III e que, posteriormente a esse aviso, a Comissão publicou um
terceiro aviso (v., supra, n.° 3). Nestas circunstâncias, partindo do princípio de que
o projecto Posible devesse ter sido inscrito na lista de reserva, como afirmam os
recorrentes, estes poderiam pretender ter interesse em agir na medida em que
sobrassem fundos disponíveis suficientes após a atribuição que teve lugar no âmbito
dos primeiro e segundo avisos.
- 47.
- Consequentemente, há que determinar se a ausência de fundos para financiar a
lista de reserva do segundo concurso (após a realização dos projectos incluídos na
lista principal) era ou não resultado da violação pela Comissão das regras
aplicáveis na matéria.
- 48.
- A este respeito, no seu terceiro fundamento, os recorrentes afirmam, no essencial,
que a Comissão desviou irregularmente os fundos disponíveis para financiamento
dos projectos válidos apresentados na sequência do segundo aviso e afectou-os a
projectos apresentados na sequência do terceiro aviso, que não deveria ter sido
publicado.
- 49.
- Quanto a este aspecto, invocam a violação do artigo 7.° da Decisão 94/804 que
adoptou o programa MAST III. A referida disposição prevê que qualquer alteração
da repartição de fundos entre os diversos domínios, prevista a título indicativo no
Anexo II da mesma decisão, seja adoptada segundo o procedimento do comité
MAST, instituído pelo artigo 6.° da mesma decisão. Além disso, contestam a
validade do terceiro aviso de concurso e, consequentemente, da utilização dos
fundos disponíveis para o referido concurso.
- 50.
- A argumentação dos recorrentes sobre este ponto também não pode ser aceite.
Basta verificar que as decisões da Comissão que estão na origem da ausência de
fundos para financiar a lista de reserva do segundo concurso e, designadamente,
a decisão de abertura do terceiro concurso (v., supra, n.° 3), são juridicamente
válidas.
- 51.
- Efectivamente, por um lado, o terceiro aviso de concurso respeitava às previsões
operacionais no sector dos mares e oceanos, matéria que o programa de trabalho
considerou prioritária. Ora, nesta matéria, não havia ainda suficientes projectos que
tivessem obtido financiamento no âmbito dos dois primeiros concursos. Por outro
lado, deve salientar-se que a Comissão decidiu realizar o terceiro concurso a
pedido do comité MAST, em aplicação de um procedimento idêntico ao necessário
para a alteração da repartição indicativa dos fundos.
- 52.
- Dado que o terceiro concurso de projectos se inscrevia, assim, nos objectivos
prioritários do programa de trabalho e que a sua aprovação foi decidida na
sequência do procedimento adequado, há que considerar que a atribuição dos
fundos resultante do mesmo teve lugar em conformidade com as regras aplicáveis
e que a consequente ausência de fundos para financiar a lista de reserva do
segundo concurso não é inválida.
- 53.
- Nestas circunstâncias, no que respeita ao interesse dos recorrentes em ver realizado
o projecto Posible, dado que já não existem fundos disponíveis para financiar a lista
de reserva do segundo concurso e que a referida ausência de fundos não é
resultado de uma violação das regras aplicáveis, há que concluir que os recorrentes
já não têm interesse na anulação da decisão impugnada na medida em que a
mesma implica a exclusão do referido projecto da lista de reserva.
- 54.
- Resulta de tudo o que antecede, sem que seja necessário que o Tribunal se
pronuncie sobre os restantes fundamentos invocados pelas partes, que, na ausência
de interesse da parte dos recorrentes em agir contra a decisão impugnada, não há
lugar a decisão de mérito no presente recurso.
Quanto às despesas
- 55.
- Nos termos do artigo 87.°, n.° 6, do Regulamento de Processo, em caso de
não haver lugar a decisão de mérito, o Tribunal decide livremente quanto
às despesas. No presente processo, o Tribunal considera que faz uma justa
apreciação dos factos da causa ao decidir que cada uma das partes
suportará as suas próprias despesas.
Pelos fundamentos expostos,
O TRIBUNAL DE PRIMEIRA INSTÂNCIA (Quarta Secção),
decide:
1) Não há lugar a decisão de mérito no presente recurso.
2) Cada uma das partes suportará as suas próprias despesas.
Moura RamosTiili
Mengozzi
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Proferido em audiência pública no Luxemburgo, em 17 de Fevereiro de 2000.
O secretário
O presidente
H. Jung
V. Tiili