Language of document : ECLI:EU:C:2018:881

ACÓRDÃO DO TRIBUNAL DE JUSTIÇA (Quarta Secção)

7 de novembro de 2018 (*)

«Incumprimento de Estado — Diretiva 2006/123/CE — Artigos 15.o a 17.o — Artigo 49.o TFUE — Liberdade de estabelecimento — Artigo 56.o TFUE — Livre prestação de serviços — Sistema nacional de pagamento móvel — Monopólio»

No processo C‑171/17,

que tem por objeto uma ação por incumprimento nos termos do artigo 258.o TFUE, entrada em 5 de abril de 2017,

Comissão Europeia, representada por V. Bottka e H. Tserepa‑Lacombe, na qualidade de agentes,

demandante,

contra

Hungria, representada por M. Z. Fehér e G. Koós, na qualidade de agentes,

demandada,

O TRIBUNAL DE JUSTIÇA (Quarta Secção),

composto por: T. von Danwitz, presidente da Sétima Secção, exercendo funções de presidente da Quarta Secção, K. Jürimäe (relatora), C. Lycourgos, E. Juhász e C. Vajda, juízes,

advogado‑geral: Y. Bot,

secretário: I. Illéssy, administrador,

vistos os autos e após a audiência de 14 de março de 2018,

ouvidas as conclusões do advogado‑geral na audiência de 14 de junho de 2018,

profere o presente

Acórdão

1        Na sua petição, a Comissão Europeia pede que o Tribunal de Justiça declare que, ao introduzir e manter em vigor o sistema nacional de pagamento móvel, regulado pela nemzeti mobil fizetési rendszerről szóló 2011. évi CC. törvény (Magyar Közlöny 2011/164) (Lei n.o CC de 2011, relativa ao sistema nacional de pagamento móvel, a seguir «Lei n.o CC») e pelo 356/2012. (XII. 13.) Korm. rendelet a nemzeti mobil fizetési rendszerről szóló törvény végrehajtásáról (Decreto Governamental n.o 356/2012, que dá execução à Lei relativa ao sistema nacional de pagamento móvel, a seguir «Decreto Governamental n.o 356/2012»), a Hungria não cumpriu as obrigações que lhe incumbem por força do artigo 15.o, n.o 2, alínea d), e do artigo 16.o, n.o 1, da Diretiva 2006/123/CE do Parlamento Europeu e do Conselho, de 12 de dezembro de 2006, relativa aos serviços no mercado interno (JO 2006, L 376, p. 36), e, a título subsidiário, dos artigos 49.o e 56.o TFUE.

I.      Quadro jurídico

A.      Direito da União

2        Os considerandos 8, 17, 70 e 72 da Diretiva 2006/123 enunciam:

«(8)      Importa que as disposições da presente diretiva relativas à liberdade de estabelecimento e à livre circulação de serviços sejam aplicáveis apenas na medida em que as atividades em causa estejam abertas à concorrência e, por conseguinte, não obriguem os Estados‑Membros a liberalizar serviços de interesse económico geral ou a privatizar entidades públicas que prestem tais serviços ou a abolir os monopólios existentes noutras atividades ou em determinados serviços de distribuição.

[…]

(17)      A presente diretiva só abrange os serviços prestados mediante contrapartida económica. Os serviços de interesse geral não se encontram abrangidos pela definição do artigo [57.o TFUE] e, assim, não são incluídos no âmbito de aplicação da presente diretiva. Os serviços de interesse económico geral são serviços prestados mediante contrapartida económica, pelo que se encontram abrangidos pelo âmbito da presente diretiva. Contudo, certos serviços de interesse económico geral, como os que podem existir no setor dos transportes, são excluídos do âmbito de aplicação da presente diretiva, e alguns outros serviços de interesse económico geral, por exemplo, na área dos serviços postais, são objeto de uma exceção às disposições em matéria de liberdade de prestação de serviços estabelecidas na presente diretiva. […]

[…]

(70)      Para os efeitos da presente diretiva, e sem prejuízo do artigo [14.o TFUE], os serviços apenas podem ser considerados serviços de interesse económico geral se forem prestados no cumprimento de uma missão específica de interesse público cujo desempenho tenha sido confiado ao prestador pelo Estado‑Membro em questão. Esta missão deverá ser desempenhada através de um ou mais atos, de forma determinada pelo Estado‑Membro em questão, e especificar a natureza precisa da referida missão específica.

[…]

(72)      Os serviços de interesse económico geral desempenham importantes missões relacionadas com a coesão social e territorial. O desempenho dessas missões não deverá ser obstruído como resultado do processo de avaliação previsto na presente diretiva. Os requisitos necessários para o desempenho dessas missões não deverão ser afetados por esse processo, devendo‑se simultaneamente evitar restrições injustificadas à liberdade de estabelecimento.»

3        O artigo 1.o desta diretiva dispõe:

«[…]

2.      A presente diretiva não tem por objeto a liberalização dos serviços de interesse económico geral reservados a entidades públicas ou privadas, nem a privatização de entidades públicas prestadoras de serviços.

3.      A presente diretiva não tem por objeto a abolição dos monopólios de prestação de serviços nem os auxílios concedidos pelos Estados‑Membros, que são abrangidos pelas regras [da União] em matéria de concorrência.

A presente diretiva não prejudica a liberdade dos Estados‑Membros de definirem, em conformidade com a legislação [da União], o que entendem por serviços de interesse económico geral, o modo como esses serviços devem ser organizados e financiados, em conformidade com as regras em matéria de auxílios estatais, e as obrigações específicas a que devem estar sujeitos.

[…]»

4        O artigo 2.o, n.o 2, da referida diretiva dispõe:

«A presente diretiva não se aplica às seguintes atividades:

a)      Serviços de interesse geral sem caráter económico;

[…]

i)      Atividades relacionadas com o exercício da autoridade pública, como previsto no artigo [51.o TFUE];

[…]»

5        O artigo 4.o, ponto 7, da mesma diretiva define o conceito de «requisito» como «qualquer obrigação, proibição, condição ou limite previsto nas disposições legislativas, regulamentares ou administrativas dos Estados‑Membros ou que decorra da jurisprudência, das práticas administrativas, das regras das ordens profissionais ou das regras coletivas de associações ou organismos profissionais aprovadas no exercício da sua autonomia jurídica».

6        O artigo 15.o da Diretiva 2006/123, sob a epígrafe «Requisitos sujeitos a avaliação», prevê:

«1.      Os Estados‑Membros devem verificar se os respetivos sistemas jurídicos estabelecem algum dos requisitos referidos no n.o 2 e devem assegurar que esses requisitos sejam compatíveis com as condições referidas no n.o 3. Os Estados‑Membros devem adaptar as respetivas disposições legislativas, regulamentares ou administrativas de forma a torná‑las compatíveis com as referidas condições.

2.      Os Estados‑Membros devem verificar se os respetivos sistemas jurídicos condicionam o acesso a uma atividade de serviços ou o seu exercício ao cumprimento de algum dos seguintes requisitos não discriminatórios:

[…]

d)      requisitos, excluindo os referentes a questões abrangidas pela Diretiva 2005/36/CE [do Parlamento Europeu e do Conselho, de 7 de setembro de 2005, relativa ao reconhecimento das qualificações profissionais (JO 2005, L 255, p. 22),] ou os previstos noutros instrumentos [da União], que reservam o acesso à atividade de serviço em causa a prestadores determinados em razão da natureza específica da atividade;

[…]

3.      Os Estados‑Membros devem verificar se os requisitos referidos no n.o 2 observam as condições seguintes:

a)      Não discriminação: os requisitos não podem ser direta ou indiretamente discriminatórios em razão da nacionalidade ou, tratando‑se de sociedades, do local da sede;

b)      Necessidade: os requisitos têm que ser justificados por uma razão imperiosa de interesse geral;

c)      Proporcionalidade: os requisitos têm que ser adequados para garantir a consecução do objetivo prosseguido, não podendo ir além do necessário para atingir este objetivo e não se podendo ser possível obter o mesmo resultado através de outras medidas menos restritivas.

4.      Os n.os 1, 2 e 3 apenas se aplicam à legislação no domínio dos serviços de interesse económico geral na medida em que a aplicação desses números não obste ao desempenho, de direito ou de facto, das missões específicas cometidas a esses serviços.

[…]»

7        O artigo 16.o, n.o 1, desta diretiva tem a seguinte redação:

«Os Estados‑Membros devem respeitar o direito de os prestadores prestarem serviços num Estado‑Membro diferente daquele em que se encontram estabelecidos.

O Estado‑Membro em que o serviço é prestado deve assegurar o livre acesso e exercício da atividade no setor dos serviços no seu território.

Os Estados‑Membros não devem condicionar o acesso ou o exercício de atividades no setor dos serviços no seu território ao cumprimento de qualquer requisito que não respeite os seguintes princípios:

a)      Não discriminação: o requisito não pode ser direta ou indiretamente discriminatório em razão da nacionalidade ou, no que respeita às pessoas coletivas, em razão do Estado‑Membro em que estão estabelecidas;

b)      Necessidade: o requisito tem que ser justificado por razões de ordem pública, de segurança pública, de saúde pública ou de proteção do ambiente;

c)      Proporcionalidade: o requisito tem que ser adequado para garantir a consecução do objetivo prosseguido, não podendo ir além do necessário para o conseguir.»

8        O artigo 17.o, ponto 1, da referida diretiva dispõe que o artigo 16.o desta última não se aplica aos serviços de interesse económico geral (a seguir «SIEG») prestados noutro Estado‑Membro, nomeadamente nos setores mencionados neste artigo 17.o, ponto 1.

B.      Direito húngaro

1.      Lei n.o CC

9        A Lei n.o CC alterou o quadro jurídico dos serviços de pagamento móvel com efeitos desde 1 de abril de 2013, mas com efeito obrigatório apenas a partir de 2 de julho de 2014.

10      O artigo 1.o, alínea d), desta lei dispõe:

«Para efeitos da presente lei, entende‑se por:

[…]

d)      sistema de pagamento móvel: qualquer sistema em que o cliente adquire o serviço por intermédio de um sistema de comercialização eletrónica acessível sem ligação a um ponto fixo, por meio de um dispositivo de telecomunicações, digital ou de outra ferramenta informática.»

11      O artigo 2.o da referida lei enuncia:

«É considerado como um serviço objeto de uma comercialização centralizada e móvel

a)      o serviço público de estacionamento (em conformidade com a Lei relativa à circulação rodoviária);

b)      a colocação à disposição da rede rodoviária para efeitos de circulação em contrapartida de uma taxa de utilização ou de uma portagem;

c)      o serviço de transporte de passageiros prestado por um prestador maioritariamente controlado pelo Estado ou por uma administração local, sob a forma de serviço público,

[…]

d)      qualquer serviço não incluído nas categorias enumeradas nas alíneas a) a c), supra, prestado por um organismo maioritariamente controlado pelo Estado ou por uma administração local, sob a forma de serviço público.»

12      O artigo 3.o da mesma lei prevê:

«(1)      O prestador de serviços terá de assegurar a comercialização do serviço que é objeto de uma comercialização centralizada e móvel — com exceção do serviço referido no artigo 2.o, alínea d) — através de um sistema de pagamento móvel.

(2)      O prestador cumpre a obrigação que lhe incumbe por força do n.o 1 através do sistema nacional uniforme (a seguir “sistema nacional de pagamento móvel”), gerido pelo organismo designado pelo Governo (a seguir “organismo nacional de pagamento móvel”),

a)      detido a 100% pelo Estado, ou

b)      detido a 100% por um organismo que, por sua vez, é detido a 100% pelo Estado.

(3)      Se o prestador comercializa o serviço referido no artigo 2.o, alínea d), através de um sistema de pagamento móvel, só pode proceder a essa comercialização recorrendo ao sistema nacional de pagamento móvel.

(4)      A exploração do sistema nacional de pagamento móvel é um serviço público relativamente ao qual o ministro responsável pela informática e o organismo nacional de pagamento móvel celebram um acordo de serviço público.

(5)      A exploração do sistema nacional de pagamento móvel é uma atividade económica exclusiva do Estado, que o organismo nacional de pagamento móvel realiza sem que seja celebrado um contrato de concessão.

[…]»

2.      Decreto Governamental n.o 356/2012

13      O Decreto Governamental n.o 356/2012, que entrou em vigor em 1 de abril de 2013, contém as disposições de execução da Lei n.o CC.

14      O artigo 8.o deste decreto dispõe:

«(1)      Salvo disposição em contrário, a taxa a pagar pelo cliente como remuneração pelo produto de pagamento móvel corresponde à taxa que o cliente teria de pagar se tivesse adquirido o serviço sem ser através do sistema nacional de pagamento móvel. O prestador de serviços pode promover a aquisição da prestação enquanto produto de pagamento móvel através de descontos.

(2)      Para além da taxa para o produto de pagamento móvel em conformidade com o n.o 1, o cliente paga ao organismo nacional de pagamento móvel uma taxa de conforto no montante abaixo indicado, para os serviços especificados:

a)      50 forints [húngaros (HUF)] por transação no âmbito da comercialização do serviço público de estacionamento,

b)      50 [HUF] por transação no âmbito da comercialização do direito de utilização de estradas, em conformidade com o artigo 33.o/A da Lei n.o I de 1988, relativa à circulação rodoviária,

[…]

(3)      O organismo nacional de pagamento móvel fatura a taxa de conforto — se a compra do serviço objeto de uma comercialização centralizada e móvel obtiver êxito — ao cliente juntamente com a taxa correspondente pelo serviço que é objeto de uma comercialização centralizada e móvel.

[…]»

15      O artigo 24.o‑A, n.o 1, do referido decreto prevê:

«Para além da taxa para o produto de pagamento móvel, em conformidade com o artigo 8.o, n.o 1, o revendedor pagará ao organismo nacional de pagamento móvel uma taxa de conforto no montante abaixo indicado, para os serviços especificados:

a)      40 [HUF] por transação no âmbito da comercialização do serviço público de estacionamento,

b)      0 [HUF] por transação no âmbito da comercialização do direito de utilização de estradas, em conformidade com o artigo 33.o/A da Lei n.o I de 1988, relativa à circulação rodoviária,

c)      0 [HUF] por transação no âmbito da comercialização do direito de utilização de estradas com portagem, em conformidade com a Lei das Portagens,

d)      0 [HUF] por transação no âmbito da comercialização de um título de transporte público,

e)      75 [HUF] por transação no âmbito dos serviços referidos no artigo 2.o, alínea d), da [Lei n.o CC].»

16      O artigo 31.o do mesmo decreto diz respeito à taxa de revenda. O seu n.o 1 tem a seguinte redação:

«A taxa de revenda é calculada com base no montante sem [imposto sobre o valor acrescentado] da taxa a pagar pelo cliente nos termos do artigo 8.o, n.o 1, e fixado em:

a)      10% no âmbito da comercialização do serviço público de estacionamento,

b)      5% no âmbito da comercialização do direito de utilização de estradas, em conformidade com o artigo 33.o/A da Lei n.o I de 1988, relativa à circulação rodoviária,

c)      5% no âmbito da comercialização de um título de transporte,

d)      5% no âmbito da comercialização do direito de utilização de estradas com portagem, em conformidade com a Lei das Portagens.»

II.    Procedimento précontencioso e tramitação do processo no Tribunal de Justiça

17      Em 14 de dezembro de 2012, tendo verificado que a aplicação da Lei n.o CC e do Decreto Governamental n.o 356/2012 iria conduzir à exploração, por uma única empresa controlada pelo Estado, de um sistema nacional de pagamento móvel, cuja utilização é obrigatória, a Comissão deu início ao procedimento «EU Pilot» n.o 4372/12/MARK, no âmbito do qual enviou à Hungria um pedido de informações. As autoridades húngaras responderam a este pedido em 22 de fevereiro de 2013.

18      Por considerar esta resposta insuficiente, e considerando que, ao adotar o artigo 3.o, n.os 2 a 5, da Lei n.o CC, a Hungria não cumpriu as suas obrigações nos termos dos artigos 15.o e 16.o da Diretiva 2006/123, bem como dos artigos 49.o e 56.o TFUE, a Comissão enviou, em 21 de novembro de 2013, uma notificação para cumprir a esse Estado‑Membro.

19      Por carta de 22 de janeiro de 2014, a Hungria respondeu a esta notificação para cumprir. Alegou, em primeiro lugar, que os Estados‑Membros dispõem de uma ampla margem de manobra na definição dos SIEG, que a Comissão não pode pôr em causa a não ser em caso de erro manifesto. O sistema nacional de pagamento móvel é um SIEG pelo facto de apresentar características específicas comparativamente com as atividades económicas normais, de ser acessível a todos e de as forças do mercado, só por si, não conseguirem prestar este serviço de forma satisfatória. Em segundo lugar, graças a uma normalização que permite a uniformização, a individualização e a interoperabilidade, a Hungria cumpre os requisitos em matéria de sistemas de pagamento móvel, que foram definidos pela Comissão no seu Livro Verde intitulado «Para um mercado europeu integrado dos pagamentos por cartão, por Internet e por telemóvel» [COM(2011) 941 final]. Em terceiro lugar, foi no interesse geral, e não por razões económicas, que este Estado‑Membro subtraiu os serviços oferecidos pela plataforma em causa do jogo da concorrência. O pagamento móvel do lugar de estacionamento é, assim, o único meio de pagamento que permite um cálculo da tarifa correspondente à duração efetiva de estacionamento. Em quarto lugar, os prestadores privados que anteriormente ofereciam este serviço não sofreram qualquer perda que o referido Estado‑Membro devesse compensar, já que poderiam continuar a explorar da mesma forma, como revendedores, a plataforma e a infraestrutura que tinham implementado. Em quinto lugar, só através de uma plataforma central, nacional e baseada num direito exclusivo é que seria possível prestar um serviço uniforme e garantido aos clientes. Em sexto lugar, a Hungria alega que o sistema nacional de pagamento móvel em causa funciona como um monopólio que presta serviços. Nos termos do artigo 1.o, n.o 3, da Diretiva 2006/123, este monopólio não está abrangido pelo âmbito de aplicação desta diretiva.

20      Em 11 de julho de 2014, a Comissão emitiu um parecer fundamentado no qual manteve a posição que tinha expresso na notificação para cumprir. A Hungria respondeu a este parecer fundamentado por carta datada de 19 de setembro de 2014, reiterando, em substância, as observações que tinha formulado na sua carta de 22 de janeiro de 2014.

21      Não tendo ficado satisfeita com a resposta das autoridades húngaras, a Comissão decidiu intentar a presente ação.

III. Quanto à ação

A.      Observações preliminares

22      A título preliminar, há que referir que, a partir de 1 de julho de 2014, a Nemzeti Mobilfizetési Zrt. — que é integralmente detida pela Magyar Fejlesztési Bank e, através dela, pelo Estado húngaro — assegura o funcionamento do sistema nacional de pagamento móvel, cuja utilização é obrigatória em diferentes domínios de aplicação, a saber, para o estacionamento público, o acesso à rede rodoviária para efeitos de circulação, o transporte de pessoas por uma empresa estatal e os outros serviços oferecidos por um organismo estatal.

23      A Comissão explica que a Lei n.o CC criou um monopólio nacional dos serviços de pagamento móvel, na medida em que a Nemzeti Mobilfizetési goza do direito exclusivo de celebrar contratos com os operadores de estacionamento e de vender o direito de utilização da rede rodoviária. Daí resulta um entrave à entrada no mercado grossista dos pagamentos móveis, que anteriormente estaria aberto à concorrência.

24      Na sua ação, a Comissão sustenta, a título principal, que, devido a este caráter restritivo, a Lei n.o CC e o Decreto Governamental n.o 356/2012 instituem um sistema nacional de pagamento móvel que viola o artigo 15.o, n.o 2, alínea d), e o artigo 16.o, n.o 1, da Diretiva 2006/123. A título subsidiário, alega que esta regulamentação constitui uma violação dos artigos 49.o e 56.o TFUE.

B.      Quanto às disposições aplicáveis

1.      Argumentos das partes

25      No que diz respeito à aplicabilidade da Diretiva 2006/123, a Comissão rejeita a posição defendida pela Hungria no âmbito do procedimento pré‑contencioso, segundo a qual o sistema nacional de pagamento móvel em causa se tornou um SIEG que não está abrangido pelo âmbito de aplicação desta diretiva, em conformidade com o artigo 1.o, n.os 2 e 3, da mesma.

26      Em primeiro lugar, o artigo 1.o, n.os 2 e 3, da Diretiva 2006/123, lido em conjugação com o seu considerando 8, apenas exclui desta diretiva os SIEG e os monopólios existentes. Ora, a Lei n.o CC concedeu um direito exclusivo à Nemzeti Mobilfizetési Zrt. após a entrada em vigor da referida diretiva.

27      Em segundo lugar, a Comissão não partilha da opinião da Hungria segundo a qual o serviço em causa pode ser qualificado de SIEG. No entanto, mesmo na hipótese de este serviço poder ser assim qualificado, a Diretiva 2006/123 é aplicável, como é confirmado pelo facto de prever um conjunto de salvaguardas e exceções para os SIEG abrangidos pelo seu âmbito de aplicação. Assim, segundo a Comissão, o artigo 16.o desta diretiva não se aplica aos SIEG prestados noutro Estado‑Membro, por força do artigo 17.o, ponto 1, da referida diretiva. Por conseguinte, ao provar‑se que um serviço, como o que está em causa no processo principal, constitui um SIEG, o artigo 15.o, n.o 2, alínea d), da Diretiva 2006/123 continuaria a ser‑lhe aplicável, tal como os artigos 49.o e 56.o TFUE.

28      Em terceiro lugar, a Comissão sustenta que a Diretiva 2006/123 exclui do seu âmbito de aplicação, nos termos do seu artigo 2.o, alíneas a) e i), «os serviços de interesse geral sem caráter económico» e «as atividades relacionadas com o exercício da autoridade pública». No entanto, a Hungria não negou que o serviço em causa constitui uma atividade económica e também não considerou que este serviço estivesse relacionado com o exercício da autoridade pública.

29      Em quarto lugar, a Comissão alega, fazendo referência à jurisprudência do Tribunal de Justiça, que, mesmo que o serviço em causa devesse, por qualquer razão, ser efetivamente excluído do âmbito de aplicação da Diretiva 2006/123, a legislação em causa deve, não obstante, respeitar os artigos 49.o e 56.o TFUE.

30      A Hungria alega que nem a Diretiva 2006/123 nem os artigos 49.o e 56.o TFUE são aplicáveis ao caso em apreço.

31      Com efeito, em primeiro lugar, o funcionamento do sistema nacional de pagamento móvel em causa constitui um SIEG. A este respeito, a Hungria especifica que, nos termos do artigo 106.o, n.o 2, TFUE, do artigo 1.o do Protocolo n.o 26 relativo aos serviços de interesse geral e do artigo 1.o, n.o 3, da Diretiva 2006/123, a definição das atividades que podem ser qualificadas de SIEG é da competência dos Estados‑Membros. A Hungria recorda, por outro lado, fazendo referência a certas comunicações da Comissão no domínio dos auxílios de Estado, que a existência de um SIEG exige que se verifiquem três condições, a saber, o facto de o serviço apresentar características específicas em relação às outras atividades económicas que lhe permitam ser considerado um SIEG, de o serviço ser acessível a todos e de as forças do mercado, por si só, não conseguirem prestar este serviço de forma satisfatória.

32      Em primeiro lugar, a Comissão não contesta que a segunda condição está preenchida.

33      Em seguida, no que diz respeito à primeira condição, a Hungria refere que o serviço de pagamento móvel em causa está associado à utilização de serviços públicos em relação aos quais cabe ao Estado assegurar que os utilizadores possam aceder de forma uniforme, confortável, imediata e a preços acessíveis, independentemente do local de utilização. Assim, foi por motivos de interesse geral e não por considerações económicas que a Hungria criou um sistema nacional de pagamento móvel.

34      A Hungria alega igualmente que o pagamento móvel das taxas de estacionamento não pode ser considerado um serviço «de conforto», como sustenta a Comissão. Constitui, pelo contrário, a única opção tendo em conta os interesses dos utilizadores, na medida em que este meio de pagamento permite o cálculo do montante da tarifa correspondente à duração efetiva do estacionamento. Em todo o caso, resulta do Acórdão de 12 de fevereiro de 2008, BUPA e o./Comissão (T‑289/03, EU:T:2008:29, n.o 188), que as prestações «de luxo» podem ser qualificadas de SIEG.

35      Por último, no que respeita à terceira das referidas condições, a Hungria defende que o sistema anterior não permite um funcionamento satisfatório do mercado para os consumidores e para os revendedores, quer em termos de condições de mercado ou de cobertura geográfica. Assim, este Estado‑Membro indica, nomeadamente, que, antes da introdução do sistema nacional de pagamento móvel em causa, 23 operadores de parques de estacionamento não propunham o pagamento móvel, pelo que é inexata a afirmação da Comissão segundo a qual o maior operador do mercado, EME Zrt, esteve presente, no ano de 2012, em 90% dos parques de estacionamento públicos.

36      O sistema nacional de pagamento móvel destina‑se a colmatar as lacunas no funcionamento anterior do mercado. Tem por objetivo, por um lado, a criação de uma cobertura de todo o território nacional e, por outro, a gestão da plataforma técnica pelo Estado húngaro, da forma mais eficiente em termos de custos e o mais uniforme possível. O bom funcionamento de um sistema uniforme e interoperável exige a criação de uma plataforma única cuja criação não seria possível de forma centralizada, já que os operadores não podem criar uma tal plataforma nem têm interesse em fazê‑lo.

37      Em segundo lugar, no que diz respeito à aplicabilidade da Diretiva 2006/123 a um SIEG, a Hungria observa que esta diretiva se limita a prever que não obriga os Estados‑Membros a liberalizar os SIEG. Não prevê que não obriga os Estados‑Membros a liberalizar os SIEG «existentes». A argumentação da Comissão, invocada a este respeito, esvaziaria de conteúdo o direito dos Estados‑Membros de criarem SIEG.

38      A Hungria mantém, por conseguinte, a sua posição de que, em conformidade com o artigo 1.o, n.o 2, desta diretiva, os serviços em causa no presente processo não são abrangidos pelo seu âmbito de aplicação. Uma outra razão pela qual a referida diretiva não seria aplicável baseia‑se no facto de, por força do seu artigo 1.o, n.o 3, não ter por objeto a abolição dos monopólios de prestação de serviços.

39      Em todo o caso, mesmo que a Diretiva 2006/123 fosse aplicável, tendo em conta que o sistema nacional de pagamento móvel em causa constitui um SIEG e em conformidade com o artigo 15.o, n.o 4, desta diretiva, não há que ter em conta o artigo 15.o, n.o 2, alínea d), da mesma, invocado pela Comissão, uma vez que a sua aplicação constitui um obstáculo ao cumprimento da missão que foi confiada a este sistema nacional.

2.      Apreciação do Tribunal de Justiça

40      Na medida em que a ação da Comissão se baseia, a título principal, na violação das disposições da Diretiva 2006/123 relativas à liberdade de estabelecimento e à livre prestação de serviços, há que responder, em primeiro lugar, ao argumento da Hungria segundo o qual esta diretiva não é aplicável ao caso em apreço, nos termos do artigo 1.o, n.os 2 e 3, da referida diretiva, a fim de apreciar, num segundo momento, se os seus artigos 15.o e 16.o são aplicáveis ao serviço de pagamento móvel em causa.

a)      Quanto à aplicabilidade da Diretiva 2006/123

41      Nos termos do artigo 1.o, n.o 2, da Diretiva 2006/123, esta não tem por objeto a liberalização dos SIEG, reservados a entidades públicas ou privadas, nem a privatização de entidades públicas prestadoras de serviços. Resulta igualmente do artigo 1.o, n.o 3, da referida diretiva que esta não tem por objeto a abolição dos monopólios de prestação de serviços nem os auxílios concedidos pelos Estados‑Membros, que são abrangidos pelas regras da União em matéria de concorrência.

42      A este respeito, o considerando 8 da Diretiva 2006/123 prevê que as suas disposições são aplicáveis apenas na medida em que as atividades em causa estejam abertas à concorrência e não obriguem os Estados‑Membros a liberalizar os SIEG ou a privatizar entidades públicas que prestem tais serviços nem a abolir os monopólios existentes noutras atividades ou em determinados serviços de distribuição.

43      Daqui resulta que, como alega a Comissão, o artigo 1.o, n.os 2 e 3, da Diretiva 2006/123 apenas visa excluir do âmbito de aplicação da referida diretiva os SIEG, reservados a entidades públicas ou privadas, ou os monopólios que, ao contrário dos previstos na Lei n.o CC e no Decreto Governamental n.o 356/2012, existiam à data em que esta diretiva entrou em vigor.

44      Além disso, embora seja verdade que o artigo 2.o, n.o 2, alíneas a) e i), da referida diretiva exclui do seu âmbito de aplicação os serviços de interesse geral sem caráter económico e as atividades relacionadas com o exercício da autoridade pública, é pacífico que o serviço em causa não está abrangido por nenhuma destas categorias.

45      Por conseguinte, há que afastar os argumentos da Hungria de que, por força do artigo 1.o, n.os 2 e 3, da Diretiva 2006/123, a Lei n.o CC e o Decreto Governamental n.o 356/2012 não estão abrangidas pelo seu âmbito de aplicação.

b)      Quanto à interpretação dos artigos 15.o e 16.o da Diretiva 2006/123

46      Na medida em que a Comissão pede ao Tribunal de Justiça que declare que o sistema nacional de pagamento móvel regulado pela Lei n.o CC e pelo Decreto Governamental n.o 356/2012 é contrário ao artigo 15.o, n.o 2, alínea d), e ao artigo 16.o, n.o 1, da Diretiva 2006/123, é necessário determinar se, como alega a Hungria, o serviço de pagamento móvel em causa pode ser qualificado de SIEG.

47      Com efeito, como salientou o advogado‑geral no n.o 56 das suas conclusões, a Diretiva 2006/123 contém disposições específicas para a aplicação destas disposições aos SIEG, a saber, por um lado, o artigo 15.o, n.o 4, e, por outro, o artigo 17.o

48      Nos termos do artigo 1.o do Protocolo n.o 26 relativo aos serviços de interesse geral, os Estados‑Membros dispõem de um amplo poder discricionário para fornecer, fazer executar e organizar os SIEG de uma forma que atenda tanto quanto possível às necessidades dos utilizadores.

49      Assim, os Estados‑Membros podem, desde que respeitem o direito da União, definir o alcance e a organização dos seus SIEG tendo especialmente em conta objetivos próprios da sua política nacional. A este respeito, os Estados‑Membros dispõem de amplo poder de apreciação, que só pode ser posto em causa pela Comissão em caso de erro manifesto (Acórdão de 20 de dezembro de 2017, Comunidad Autónoma del País Vasco e o./Comissão, C‑66/16 P a C‑69/16 P, EU:C:2017:999, n.os 69 e 70).

50      Em especial, no âmbito da Diretiva 2006/123, este poder de apreciação foi confirmado pelo legislador da União no artigo 1.o, n.o 3, segundo parágrafo, desta diretiva, nos termos do qual a referida diretiva não afeta a liberdade de os Estados‑Membros definirem, em conformidade com o direito da União, o que entendem por SIEG, o modo como esses serviços devem ser organizados e financiados, em conformidade com as regras em matéria de auxílios estatais, e as obrigações específicas a que devem estar sujeitos.

51      Segundo a jurisprudência do Tribunal de Justiça, um serviço é suscetível de revestir um interesse económico geral quando este interesse apresenta características específicas em relação ao que revestem outras atividades da vida económica (v., neste sentido, Acórdãos de 10 de dezembro de 1991, Merci convenzionali porto di Genova, C‑179/90, EU:C:1991:464, n.o 27; de 18 de junho de 1998, Corsica Ferries France, C‑266/96, EU:C:1998:306, n.o 45; de 23 de maio de 2000, Sydhavnens Sten & Grus, C‑209/98, EU:C:2000:279, n.o 75; e de 3 de março de 2011, AG2R Prévoyance, C‑437/09, EU:C:2011:112, n.os 71 e 72).

52      Além disso, o considerando 70 da Diretiva 2006/123 especifica que, para poder ser qualificado de SIEG, o serviço deve ser prestado no cumprimento de uma missão específica de interesse público cujo desempenho tenha sido confiado ao prestador pelo Estado‑Membro em questão.

53      A este respeito, a Comissão alega que a Hungria cometeu um erro manifesto de apreciação ao qualificar o serviço de pagamento móvel em causa de SIEG. No entanto, há que observar que os elementos nos quais essa instituição se baseia não são suficientes para retirar o caráter plausível a esta qualificação.

54      Há que salientar que a Comissão alega, em substância, que, antes da criação de um monopólio nacional dos serviços de pagamento móvel, estes serviços já eram oferecidos por operadores ativos no mercado. Considera que este mercado funcionava de forma satisfatória, embora admitindo a existência de alguns problemas, nomeadamente a falta de uma plataforma uniforme normalizada e de interoperabilidade.

55      Ora, a mera circunstância de um serviço qualificado de SIEG por um Estado‑Membro já ser prestado por operadores presentes no mercado em causa não é suficiente para demonstrar que essa qualificação está viciada de um erro manifesto de apreciação.

56      Com efeito, como a própria Comissão sublinhou, referindo‑se ao ponto 48 da Comunicação da Comissão relativa à aplicação das regras da União Europeia em matéria de auxílios estatais à compensação concedida pela prestação de serviços de interesse económico geral (JO 2012, C 8, p. 4), o facto de um serviço já ser prestado no mercado, mas em condições insatisfatórias e incompatíveis com o interesse público, tal como definido pelo Estado‑Membro em causa, é suscetível de justificar a qualificação deste serviço de SIEG.

57      É esse nomeadamente o caso quando esse Estado‑Membro considerar, no âmbito da margem de apreciação que lhe cabe, que o mercado não permite responder aos objetivos de continuidade e de acesso ao serviço por ele definidos.

58      Ora, no caso em apreço, a Hungria alega que o sistema nacional de pagamento móvel em causa, que qualifica de SIEG, se destina a compensar a incapacidade do mercado para garantir a cobertura deste serviço em todo o território nacional, em condições uniformes para todos os utilizadores desse serviço. Cobrindo todo o território nacional, o serviço de pagamento móvel pretende ser acessível a toda a população húngara, independentemente da rendibilidade associada à região da cobertura. Além disso, este sistema destina‑se a assegurar o pagamento móvel de serviços de interesse económico geral, como o estacionamento público e o transporte público de pessoas, contribuindo, assim, para a satisfação de um interesse económico geral.

59      A este respeito, há que observar que a Comissão se limita a afirmar que, contrariamente ao que sustenta a Hungria, este mercado funcionava de forma satisfatória e seria provavelmente levado a desenvolver‑se, sem, no entanto, apresentar elementos suscetíveis de apoiar essas afirmações.

60      Nestas condições, a Comissão não apresentou nenhum elemento suscetível de demonstrar que o referido Estado‑Membro cometeu um erro manifesto de apreciação ao qualificar o referido serviço de pagamento móvel de SIEG.

61      Por conseguinte, para efeitos da aplicação, no caso em apreço, das disposições da Diretiva 2006/123, há que considerar que, tratando‑se, em primeiro lugar, da liberdade de estabelecimento, a conformidade da regulamentação húngara em causa com a Diretiva 2006/123 deve ser apreciada tendo em conta o artigo 15.o, n.o 4, desta diretiva.

62      A este propósito, importa, todavia, precisar que, contrariamente ao que alega a Hungria, esta disposição não exclui automaticamente os SIEG do âmbito de aplicação do artigo 15.o da Diretiva 2006/123. Com efeito, o n.o 4 deste artigo 15.o prevê que os n.os 1, 2 e 3 do referido artigo só se aplicam à legislação no domínio dos SIEG na medida em que a sua aplicação não obste ao cumprimento, de direito ou de facto, da missão específica que lhes foi confiada.

63      No que diz respeito, em segundo lugar, à livre prestação de serviços, importa salientar que, nos termos do artigo 17.o, ponto 1, da Diretiva 2006/123, o seu artigo 16.o não se aplica aos serviços de interesse económico geral prestados noutro Estado‑Membro. Por conseguinte, há que analisar, conforme o pedido subsidiário da Comissão, a legislação húngara em causa à luz do artigo 56.o TFUE.

3.      Quanto aos fundamentos invocados

a)      Argumentos das partes

64      A Comissão considera que a introdução e a manutenção em vigor do sistema nacional de pagamento móvel em causa, em aplicação da Lei n.o CC e do Decreto Governamental n.o 356/2012, violam o artigo 15.o, n.o 2, alínea d), da Diretiva 2006/123 e o artigo 56.o TFUE.

65      Em primeiro lugar, no que respeita ao efeito restritivo da Lei n.o CC e do Decreto Governamental n.o 356/2012, a Comissão considera que a exploração deste sistema nacional de pagamento móvel se tornou um monopólio de Estado, excluindo a possibilidade de os outros prestadores de pagamento móvel e telefonia móvel exercerem a sua atividade no mercado em causa. Segundo a Comissão, a introdução deste sistema entrava, assim, o acesso ao mercado grossista do pagamento móvel, independentemente das modalidades de prestação dos serviços.

66      Em segundo lugar, a Comissão admite que alguns dos elementos apresentados pela Hungria no âmbito do procedimento pré‑contencioso para justificar a introdução do sistema nacional de pagamento móvel, especialmente a proteção dos consumidores e dos destinatários dos serviços, bem como a lealdade das transações comerciais ou a luta contra a fraude, podem ser considerados razões imperiosas de interesse geral. A Comissão considera, porém, que estas razões não podem justificar as restrições provocadas pela Lei n.o CC, porque não satisfazem os requisitos de necessidade e proporcionalidade.

67      Em terceiro lugar, no que respeita à necessidade e à proporcionalidade, a Comissão alega que a intervenção do Estado húngaro não era necessária. Com efeito, a natureza inadequada do funcionamento anterior do mercado, tanto em matéria de estacionamento público como em matéria de disponibilização da rede rodoviária para efeitos de circulação, não está de forma alguma provada. Ainda que a Comissão não negue que a normalização tenha algumas vantagens para a extensão dos serviços de pagamento móvel, sustenta todavia que a criação de um monopólio de Estado não era a única nem a melhor forma de alcançar este objetivo.

68      Além disso, a Comissão considera que a intervenção do Estado húngaro é desproporcionada. Com efeito, outras medidas menos restritivas poderiam ter resolvido os problemas assinalados pelas autoridades húngaras no que respeita ao funcionamento do mercado. Assim, por exemplo, a normalização e a interoperabilidade poderiam ter sido obtidas pela via legislativa, preservando ao mesmo tempo a estrutura de mercado existente. Do mesmo modo, poder‑se‑ia ter instituído um novo organismo pertencente ao Estado, sem que o mesmo dispusesse de direitos exclusivos. Teria igualmente sido possível introduzir um sistema de concessões para a exploração da plataforma do sistema nacional de pagamento móvel em causa ou ainda só criar um monopólio por um período limitado.

69      A Hungria alega que, nos termos do artigo 106.o, n.o 2, TFUE, os artigos 49.o e 56.o TFUE não são aplicáveis. Além disso, o sistema de pagamento móvel em causa constitui um monopólio de Estado que deverá ser analisado à luz do artigo 37.o TFUE e não com base noutras disposições do Tratado FUE. Para a eventualidade de o Tribunal de Justiça considerar que os artigos 49.o e 56.o TFUE são aplicáveis, a Hungria sustenta que estas disposições não foram violadas.

70      Com efeito, em primeiro lugar, as regras relativas ao sistema nacional de pagamento móvel não são discriminatórias, uma vez que a Lei n.o CC e o Decreto Governamental n.o 356/2012 contêm regras uniformes para todos os prestadores que se encontram em situações comparáveis. A Hungria esclarece, a este respeito, que só é possível invocar a existência de discriminações quando as empresas estão sujeitas a regulamentações diferentes consoante os seus locais de origem ou de estabelecimento ou consoante a sua origem nacional ou estrangeira.

71      Em segundo lugar, os fundamentos invocados pela Hungria quanto ao objetivo e à justificação do sistema nacional de pagamento móvel em causa, especialmente a proteção dos consumidores e a lealdade das transações comerciais ou a luta contra a fraude, foram reconhecidos na jurisprudência do Tribunal de Justiça como razões imperiosas de interesse geral.

72      Em terceiro lugar, alega que a introdução e a manutenção do referido sistema nacional de pagamento móvel eram necessárias e estão em conformidade com o princípio da proporcionalidade.

73      Desde logo, a Hungria alega que, antes de 1 de julho de 2014, o mercado não funcionava de forma satisfatória. O território nacional não estava totalmente coberto e não havia interoperabilidade nem exploração sob a forma de plataforma. Assim, o mercado era constituído por sistemas fragmentados e fechados.

74      Em seguida, segundo a Hungria, a implementação deste sistema nacional de pagamento móvel é suscetível de estimular a concorrência e permitir uma prestação de serviços adequada.

75      Por último, a Hungria rejeita o argumento da Comissão segundo o qual os sistemas fragmentados anteriormente existentes poderiam ter sido integrados pelo conjunto das obrigações instituídas pela regulamentação relativa à cooperação ou à concorrência no mercado, indicando que esta hipótese não é sustentada por nenhum exemplo a nível internacional. Em todo o caso, este Estado‑Membro salienta que, uma vez que o serviço em causa é da competência das entidades locais, seria necessário recorrer a procedimentos de adjudicação de contratos públicos. Isto teria por efeito, por um lado, a criação do sistema de pagamento móvel dos estacionamentos exclusivamente nos locais onde o prestador podia esperar obter receitas significativas, pelo que uma cobertura de todo o território nacional não teria podido ser assegurada, e, por outro, que os contratos teriam sido adjudicados a diferentes prestadores por diferentes entidades locais, o que teria causado uma falta total de interoperabilidade.

b)      Apreciação do Tribunal de Justiça

1)      Quanto ao fundamento relativo à violação do artigo 15.o, n.o 2, alínea d), da Diretiva 2006/123

76      Importa recordar que os Estados‑Membros estão obrigados, nos termos do artigo 15.o, n.o 1, primeiro período, da Diretiva 2006/123, a examinar se os respetivos sistemas jurídicos estabelecem um ou vários dos requisitos referidos no artigo 15.o, n.o 2, desta diretiva e, em caso afirmativo, a assegurar que esses requisitos sejam compatíveis com as condições de não discriminação, necessidade e proporcionalidade referidas no artigo 15.o, n.o 3, da referida diretiva. Nos termos do artigo 15.o, n.o 1, segundo período, da mesma diretiva, os Estados‑Membros devem adaptar as respetivas disposições legislativas, regulamentares ou administrativas de forma a torná‑las compatíveis com estas condições (Acórdão de 30 de janeiro de 2018, X e Visser, C‑360/15 e C‑31/16, EU:C:2018:44, n.o 129).

77      Em primeiro lugar, o conceito de «requisito» referido no artigo 15.o, n.o 2, da Diretiva 2006/123 deve ser entendido, em conformidade com o artigo 4.o, ponto 7, desta diretiva, como visando, nomeadamente, «qualquer obrigação, proibição, condição ou limite previsto nas disposições legislativas, regulamentares ou administrativas dos Estados‑Membros» (v., neste sentido, Acórdão de 30 de janeiro de 2018, X e Visser, C‑360/15 e C‑31/16, EU:C:2018:44, n.o 119).

78      Entre os requisitos que devem ser avaliados figuram, nomeadamente, como resulta do artigo 15.o, n.o 2, alínea d), da Diretiva 2006/123, os que reservam o acesso à atividade do serviço em causa a prestadores determinados em razão da natureza específica da atividade em causa e que não sejam relativos às matérias abrangidas pela Diretiva 2005/36 nem previstos noutros instrumentos da União.

79      No caso em apreço, há que constatar que, como alega a Comissão, o sistema nacional de pagamento móvel regulado pela Lei n.o CC e o Decreto Governamental n.o 356/2012 constitui uma exigência, na aceção do artigo 15.o, n.o 2, alínea d), da Diretiva 2006/123. Com efeito, é pacífico que este sistema reserva o acesso à atividade da prestação de serviços de pagamento móvel à Nemzeti Mobilfizetési Zrt., mediante a instituição de um monopólio a favor desta empresa pública, sem que esse monopólio constitua uma exigência relativa às matérias cobertas pela Diretiva 2005/36 ou uma exigência prevista noutros instrumentos da União.

80      No que diz respeito, em segundo lugar, às condições cumulativas enumeradas no artigo 15.o, n.o 3, da Diretiva 2006/123, estas referem‑se, em primeiro lugar, ao caráter não discriminatório das exigências em causa, que não podem ser direta ou indiretamente discriminatórias em razão da nacionalidade ou, tratando‑se de sociedades, do local da sua sede estatutária, em segundo lugar, ao seu caráter necessário, designadamente que as exigências têm de ser justificadas por uma razão imperiosa de interesse geral, e, em terceiro lugar, à sua proporcionalidade, tendo as referidas exigências de ser adequadas para garantir a consecução do objetivo prosseguido e não ir além do necessário para atingir este objetivo e não podendo ser possível obter o mesmo resultado através de outras medidas menos restritivas.

81      A este respeito, há que salientar que, no caso em apreço, o requisito estabelecido pela Lei n.o CC e pelo Decreto Governamental n.o 356/2012 não é suscetível de preencher o requisito relativo à inexistência de medidas menos restritivas para atingir o objetivo prosseguido.

82      Com efeito, há que salientar que a Hungria reconheceu que existiam medidas menos gravosas e restritivas da liberdade de estabelecimento do que aquelas que decorrem da Lei n.o CC e do Decreto Governamental n.o 356/2012, que permitiam alcançar os objetivos invocados pelo Governo húngaro, como, por exemplo, um sistema de concessões baseado num processo aberto à concorrência em vez do monopólio confiado a Nemzeti Mobilfizetési Zrt.

83      Uma vez que as condições previstas no artigo 15.o, n.o 3, da Diretiva 2006/123 são cumulativas, tal conclusão é suficiente para estabelecer o incumprimento desta disposição (v., neste sentido, Acórdão de 23 de fevereiro de 2016, Comissão/Hungria, C‑179/14, EU:C:2016:108, n.os 69 e 90).

84      Em terceiro lugar, há que salientar que, nos termos do n.o 4 do artigo 15.o da Diretiva 2006/123, os n.os 1, 2 e 3 deste artigo só se aplicam à legislação no domínio dos SIEG se a aplicação desses números não obstar ao cumprimento, de direito ou de facto, da missão específica que lhes foi confiada.

85      Neste contexto, o referido artigo 15.o deve ser interpretado no sentido de que não se opõe a uma legislação nacional que prevê uma exigência, na aceção do seu n.o 2, alínea d), desde que essa exigência seja necessária para o exercício, em condições economicamente viáveis, da missão específica do serviço público em causa (v., neste sentido, Acórdãos de 3 de março de 2011, AG2R Prévoyance, C‑437/09, EU:C:2011:112, n.o 76, e de 8 de março de 2017, Viasat Broadcasting UK/Comissão, C‑660/15 P, EU:C:2017:178, n.o 29).

86      Ora, a este respeito, embora o Governo húngaro invoque o facto de o serviço nacional de pagamento móvel regulado pela Lei n.o CC e pelo Decreto Governamental n.o 356/2012 constituir um SIEG, este Governo não indicou as razões pelas quais considerava que o cumprimento da missão especial de que este serviço estava encarregado implicava a criação de um monopólio conferindo direitos exclusivos à Nemzeti Mobilfizetési Zrt., apesar de ter reconhecido que existiam medidas menos restritivas do que a instituição deste monopólio, suscetíveis de permitir o cumprimento dessa missão, tornando assim impossível uma fiscalização, ainda que marginal, pelo Tribunal de Justiça.

87      Tendo em conta as considerações precedentes, há que considerar que o fundamento relativo à violação do artigo 15.o, n.o 2, alínea d), da Diretiva 2006/123 deve ser julgado procedente. Por conseguinte, não é necessário examinar o fundamento relativo à violação do artigo 49.o TFUE.

2)      Quanto ao fundamento relativo à violação do artigo 56.o TFUE

88      Em primeiro lugar, é jurisprudência constante que uma legislação nacional, como a Lei n.o CC e o Decreto Governamental n.o 356/2012, que sujeita o exercício de uma atividade económica a um regime de exclusividade a favor de um único operador público ou privado constitui uma restrição à livre prestação de serviços (v., neste sentido, Acórdão de 23 de fevereiro de 2016, Comissão/Hungria, C‑179/14, EU:C:2016:108, n.o 164 e jurisprudência aí referida).

89      Esta restrição só pode ser justificada se responder a razões imperiosas de interesse geral, for adequada a garantir a realização do objetivo de interesse geral por ela prosseguido e não for além do necessário para esse efeito (v., neste sentido, Acórdão de 23 de fevereiro de 2016, Comissão/Hungria, C‑179/14, EU:C:2016:108, n.o 166 e jurisprudência aí referida).

90      A este respeito, sem que seja necessário pronunciar‑se sobre os fundamentos invocados pelo Governo húngaro para justificar a restrição à livre prestação de serviços decorrente da concessão de um monopólio à Nemzeti Mobilfizetési Zrt., há que referir que, pelas razões evocadas no n.o 82 do presente acórdão, a medida em causa se afigura, de qualquer forma, desproporcionada, na medida em que é facto assente que existiam medidas menos onerosas e restritivas da livre prestação de serviços do que aquelas que decorrem da Lei n.o CC e do Decreto Governamental n.o 356/2012 que permitiriam alcançar os objetivos perseguidos.

91      Quanto ao argumento da Hungria segundo o qual, nos termos do artigo 106.o, n.o 2, TFUE, a instauração do sistema de pagamento móvel em causa não é abrangido pelo âmbito de aplicação do artigo 56.o TFUE pelo facto de este sistema constituir um SIEG, há que recordar que, por força do artigo 106.o, n.o 2, TFUE, as empresas encarregadas da gestão dos SIEG estão sujeitas às normas dos Tratados, designadamente às normas sobre a concorrência, desde que a aplicação destas normas não constitua obstáculo ao cumprimento, de direito ou de facto, da missão específica que lhes foi confiada.

92      A este respeito, como resulta da jurisprudência do Tribunal de Justiça, compete ao Estado‑Membro que invoca o artigo 106.o, n.o 2, TFUE demonstrar que todos os requisitos de aplicação desta disposição se encontram preenchidos (Acórdão de 29 de abril de 2010, Comissão/Alemanha, C‑160/08, EU:C:2010:230, n.o 126 e jurisprudência aí referida).

93      Ora, como foi salientado no n.o 86 do presente acórdão, o Governo húngaro não indicou as razões pelas quais considerava que o cumprimento da missão especial de que o serviço em causa estava encarregado requeria a criação de um monopólio conferindo direitos exclusivos à Nemzeti Mobilfizetési Zrt., apesar de ter reconhecido que existiam medidas menos restritivas do que a instituição deste monopólio, suscetíveis de permitir o cumprimento dessa missão.

94      Daqui resulta que a argumentação da Hungria com base no artigo 106.o, n.o 2, TFUE deve ser rejeitada.

95      Em segundo lugar, no que respeita ao argumento da Hungria relativo à aplicabilidade ao caso em apreço do artigo 37.o TFUE, basta recordar que esta disposição tem por objeto as trocas comerciais de mercadorias e, consequentemente, não pode ter por objeto um monopólio de prestação de serviços que não tem influência sobre as trocas de mercadorias entre os Estados‑Membros (v., neste sentido, Acórdãos de 30 de abril de 1974, Sacchi, 155/73, EU:C:1974:40, n.o 10, e de 4 de maio de 1988, Bodson, 30/87, EU:C:1988:225, n.o 10).

96      Decorre das considerações precedentes que o fundamento relativo à violação do artigo 56.o TFUE deve ser julgado procedente.

97      Atendendo ao conjunto das considerações precedentes, há que declarar que, ao introduzir e manter em vigor o sistema nacional de pagamento móvel, regulado pela Lei n.o CC e pelo Decreto Governamental n.o 356, a Hungria não cumpriu as obrigações que lhe incumbem por força do artigo 15.o, n.o 2, alínea d), da Diretiva 2006/123 e do artigo 56.o TFUE.

98      A ação é julgada improcedente quanto ao restante.

IV.    Quanto às despesas

99      Nos termos do artigo 138.o, n.o 3, do Regulamento de Processo do Tribunal de Justiça, se as partes obtiverem vencimento parcial, cada uma das partes suporta as suas próprias despesas. Tendo a Comissão e a Hungria sido vencidas num ou em vários dos seus pedidos, há que decidir que cada uma suportará as suas próprias despesas.

Pelos fundamentos expostos, o Tribunal de Justiça (Quarta Secção) decide:

1)      Ao introduzir e manter em vigor o sistema nacional de pagamento móvel, regulado pela nemzeti mobil fizetési rendszerről szóló 2011. évi CC. törvény (Lei n.o CC de 2011, relativa ao sistema nacional de pagamento móvel) e pelo 356/2012. (XII. 13.) Korm. rendelet a nemzeti mobil fizetési rendszerről szóló törvény végrehajtásáról (Decreto Governamental n.o 356/2012, que dá execução à Lei relativa ao sistema nacional de pagamento móvel), a Hungria não cumpriu as obrigações que lhe incumbem por força do artigo 15.o, n.o 2, alínea d), da Diretiva 2006/123/CE do Parlamento Europeu e do Conselho, de 12 de dezembro de 2006, relativa aos serviços no mercado interno, e do artigo 56.o TFUE.

2)      A ação é julgada improcedente quanto ao restante.

3)      A Comissão Europeia e a Hungria suportarão as suas próprias despesas.

Assinaturas


*      Língua do processo: húngaro.