ACÓRDÃO DO TRIBUNAL DE PRIMEIRA INSTÂNCIA (Terceira Secção)
17 de Fevereiro de 1998 (1)
«Regulamento (CEE) n.° 2377/90 Inclusão do somatosalm na lista das
substâncias não sujeitas a um limite máximo de resíduos Acção por omissão
Pedido de indemnização»
No processo T-105/96,
Pharos SA, associação de direito belga, estabelecida em Seraing (Bélgica),
representada por Alexandre Vandencasteele, advogado no foro de Bruxelas, com
domicílio escolhido no Luxemburgo no escritório do advogado Ernest Arendt, 8-10,
rue Mathias Hardt,
contra
Comissão das Comunidades Europeias, representada por Fernando Castillo de la
Torre e Michel Nolin, membros do Serviço Jurídico, na qualidade de agentes, com
domicílio escolhido no Luxemburgo no gabinete de Carlos Gómez de la Cruz,
membro do Serviço Jurídico, Centre Wagner, Kirchberg,
que tem por objecto, por um lado, um pedido, ao abrigo do artigo 175.° do Tratado
CE, destinado a obter a declaração de que a Comissão, se absteve ilegalmente de
prosseguir o processo destinado a incluir o somatosalm produzido pela demandante
na lista das substâncias não sujeitas a um limite máximo de resíduos do Anexo II
do Regulamento (CEE) n.° 2377/90 do Conselho, de 26 de Junho de 1990, que
prevê um processo comunitário para o estabelecimento de limites máximos de
resíduos de medicamentos veterinários nos alimentos de origem animal (JO L 224,
p. 1), e, por outro, um pedido, ao abrigo dos artigos 178.° e 215.°, segundo
parágrafo, do mesmo Tratado, destinado a obter a condenação da Comissão a
indemnizar a demandante pelo prejuízo alegadamente sofrido na sequência dessa
omissão,
O TRIBUNAL DE PRIMEIRA INSTÂNCIA
DAS COMUNIDADES EUROPEIAS (Terceira Secção),
composto por: B. Vesterdorf, presidente, C. P. Briët e A. Potocki, juízes,
secretário: B. Pastor, administradora principal
vistos os autos e após a audiência de 14 de Outubro de 1997,
profere o presente
Acórdão
- 1.
- Em 26 de Junho de 1990, o Conselho adoptou o Regulamento (CEE) n.° 2377/90,
que prevê um processo comunitário para o estabelecimento de limites máximos de
resíduos de medicamentos veterinários nos alimentos de origem animal (JO L 224,
p. 1, a seguir «regulamento» ou «Regulamento n.° 2377/90»).
- 2.
- Dando execução a este regulamento, a Comissão fixou o limite máximo de resíduos
(a seguir «LMR»). O artigo 1.°, n.° 1, alínea b), do regulamento definiu este limite
como a concentração máxima de resíduos resultante da utilização de um
medicamento veterinário que a Comunidade pode aceitar como legalmente
autorizada ou que é reconhecida como aceitável «à superfície ou no interior de um
alimento».
- 3.
- O regulamento prevê o estabelecimento de quatro anexos, nos quais pode ser
incluída uma substância farmacologicamente activa, destinada à utilização em
medicamentos veterinários para administração a «animais para produção de
alimentos»:
anexo I, reservado às substâncias relativamente às quais pode ser fixado um
LMR, depois de uma avaliação dos riscos que essa substância apresenta
para a saúde humana;
anexo II, reservado às substâncias não sujeitas a um LMR;
anexo III, reservado às substâncias relativamente às quais não é possível
fixar definitivamente um LMR, mas às quais pode, sem riscos para a saúde
humana, ser atribuído um LMR provisório durante um determinado lapso
de tempo, ligado ao tempo necessário para completar os estudos científicos
adequados, prazo este que só pode ser prorrogado uma vez;
anexo IV, reservado às substâncias relativamente às quais não pode ser
fixado nenhum LMR, por constituirem, independentemente de qualquer
consideração de natureza quantitativa, um risco para a saúde do
consumidor.
- 4.
- Nos termos do artigo 6.°, n.° 1, do regulamento, para obter a inclusão nos anexos
I, II ou III de uma nova substância farmacologicamente activa, o responsável pela
sua comercialização deverá apresentar à Comissão um pedido para esse efeito,
fornecendo determinadas informações e especificações.
- 5.
- Segundo o artigo 6.°, n.° 2, depois de verificar, num prazo de 30 dias, que o pedido
foi correctamente apresentado, a Comissão remete-o imediatamente, para análise,
ao Comité dos Medicamentos Veterinários (a seguir «CMV»).
- 6.
- O artigo 6.°, n.° 3, dispõe:
«No prazo de 120 dias a contar da data de apresentação do pedido ao [CMV] e
tendo em conta as observações formuladas pelos membros deste, a Comissão
elaborará um projecto das medidas a tomar. Se as informações apresentadas pelo
responsável pela comercialização forem insuficientes para permitir a elaboração do
projecto de medidas, o responsável será convidado a fornecer informações
complementares que serão analisadas pelo [CMV]...»
- 7.
- O artigo 6.°, n.° 5, estabelece que, num novo prazo de 60 dias, a Comissão
apresentará o projecto de medidas ao Comité para a Adaptação ao Progresso
Técnico das directivas relativas aos medicamentos veterinários (a seguir «comité
regulador»).
- 8.
- Nos termos do artigo 8.°, n.° 2, o comité regulador emite o seu parecer sobre este
projecto de medidas num prazo fixado pelo presidente em função da urgência da
questão. O comité pronuncia-se por maioria qualificada, sendo os votos dos
representantes dos Estados-Membros sujeitos à ponderação definida no n.° 2 do
artigo 148.° do Tratado.
- 9.
- O artigo 8.°, n.° 3, prevê:
«a) A Comissão adopta as medidas projectadas desde que sejam conformes com
o parecer do comité [regulador].
b) Se as medidas projectadas não forem conformes com o parecer do comité
ou na ausência de parecer, a Comissão submeterá sem demora ao Conselho
uma proposta relativa às medidas a tomar. O Conselho delibera por maioria
qualificada.
c) Se, no termo de um prazo de três meses a contar da data em que o assunto
foi submetido à apreciação do Conselho, este ainda não tiver deliberado, a
Comissão adoptará as medidas propostas, excepto no caso de o Conselho
se ter pronunciado por maioria simples contra as referidas medidas.»
Matéria de facto
- 10.
- A demandante é uma sociedade especializada em biotecnologia e desenvolve a sua
actividade designadamente no sector farmacêutico.
- 11.
- Em 1994, a investigação farmacêutica por ela efectuada levou ao desenvolvimento
de um produto veterinário denominado «Smoltine», destinado a facilitar a
passagem dos salmões da água doce para a água do mar. A substância
farmacologicamente activa da Smoltine é o somatosalm, substância pertencente à
família das somatotrofinas.
- 12.
- Em 17 de Outubro de 1994, a demandante apresentou um pedido para inclusão do
somatosalm no anexo II do Regulamento n.° 2377/90 (a seguir «anexo II»).
- 13.
- Tendo verificado que o pedido tinha sido correctamente apresentado, a Comissão
submeteu-o para exame ao CMV, nos termos do disposto no artigo 6.°, n.° 2, do
Regulamento n.° 2377/90.
- 14.
- Por carta de 13 de Abril de 1995, a Comissão informou a demandante que o CMV
lhe tinha recomendado a integração do somatosalm no anexo II. Acrescentava que,
em cumprimento do artigo 8.° do Regulamento n.° 2377/90, iria enviar ao comité
regulador, para adopção por este, um projecto das medidas a tomar, elaborado
com base na proposta do CMV.
- 15.
- Por carta de 31 de Agosto de 1995, informou a demandante que tinha apresentado
ao comité regulador um projecto de regulamento que inscrevia o somatosalm no
anexo II, mas que, na reunião deste comité, tinha retirado o somatosalm do
projecto.
- 16.
- Em 16 de Outubro de 1995, submeteu ao comité regulador um novo projecto de
regulamento que inscrevia o somatosalm no anexo II. Este projecto não obteve,
porém, por parte de uma maioria qualificada do comité regulador um parecer
favorável às medidas propostas.
- 17.
- Com efeito, pronunciaram-se contra as medidas propostas quatro
Estados-Membros, considerando que a suspensão de autorização da somatotrofina
bovina (a seguir «BST») (JO L 116, p. 27), imposta pela Decisão 90/218/CEE do
Conselho, de 25 de Abril de 1990, relativa à administração de somatotrofina bovina
(BST) (JO L 116, p. 27), com a redacção resultante da última alteração efectuada
pela Decisão 94/936/CE do Conselho, de 20 de Dezembro de 1994 (JO L 366, p.
19) seria indirectamente posta em causa se o somatosalm, que é também uma
somatotrofina, fosse classificado num dos anexos do Regulamento n.° 2377/90.
Além disso, seis outros Estados-Membros abstiveram-se nesta votação.
- 18.
- Em 6 de Março de 1996, a demandante enviou uma carta registada à Comissão,
convidando-a formalmente a agir e a tomar «as medidas necessárias, nos termos
do artigo 175.° do Tratado, para que o procedimento de inclusão do somatosalm
no... anexo II... fosse continuado nos mais breves prazos».
- 19.
- Em 23 de Abril de 1996, a Comissão enviou ao CMV uma carta, informando-o da
sua decisão de suspender a classificação do somatosalm no Anexo II até à obtenção
de informações científicas complementares. Explicava que, no comité regulador, se
tinha gerado alguma oposição ao somatosalm, pelo facto de esta substância poder
ser utilizada como promotora do crescimento. Pedia consequentemente ao CMV
um parecer complementar sobre a questão de saber se era possível uma utilização
abusiva do produto em causa.
- 20.
- Por carta de 14 de Maio de 1996, a Comissão informou a demandante que tinha
decidido pedir ao CMV esse parecer complementar, antes de dar continuação ao
procedimento de classificação do somatosalm num dos anexos do Regulamento
n.° 2377/90.
- 21.
- Por carta de 27 de Junho de 1996, o CMV respondeu ao pedido de parecer
complementar que, após um estudo específico, tinha chegado à conclusão de que
o risco de utilização fraudulenta do somatosalm como auxiliar do crescimento
poderia considerar-se inexistente.
- 22.
- Na sequência desta resposta, a Comissão transmitiu ao Conselho, em 25 de
Setembro de 1996, uma nova proposta de regulamento para inclusão do
somatosalm no anexo II.
- 23.
- O Conselho não decidiu sobre esta proposta no prazo de três meses previsto pelo
artigo 8.°, n.° 3, alínea c), do regulamento.
Tramitação processual e pedidos das partes
- 24.
- Por petição que deu entrada na Secretaria do Tribunal de Primeira Instância em
8 de Julho de 1996, a demandante intentou a presente acção.
- 25.
- Com base no relatório preliminar do juiz-relator, o Tribunal (Terceira Secção)
decidiu dar início à fase oral do processo sem instrução.
- 26.
- As alegações das partes e as respostas destas às perguntas do Tribunal foram
apresentadas na audiência pública realizada em 14 de Outubro de 1997.
- 27.
- A demandante conclui pedindo que o Tribunal se digne:
declarar que a Comissão ao abster-se de prosseguir o processo destinado
à inclusão do somatosalm produzido pela demandante na lista dassubstâncias não sujeitas a um LMR do anexo II, não cumpriu as suas
obrigações;
condenar a Comissão a pagar à demandante uma indemnização por danos
acrescida de juros, que fixou provisoriamente em 512 milhões de BFR, ou,
pelo menos, e ainda a título provisório, em 353 milhões de BFR;
condenar a demandada nas despesas da instância.
- 28.
- A Comissão conclui pedindo que o Tribunal se digne:
julgar extinta a instância quanto ao pedido formulado ao abrigo do artigo
175.° do Tratado;
ordenar a audição dos accionistas-mutuantes da demandante;
julgar improcedente o pedido da demandante ao abrigo dos artigos 178.° e
215.°, segundo parágrafo, do Tratado;
condenar a demandante nas despesas.
Quanto aos pedidos da acção por omissão
Fundamentos e argumentos das partes
- 29.
- A demandante lembra que, em 17 de Outubro de 1994, apresentou um pedido
para inclusão do somatosalm no anexo II. Recorda igualmente que, quando a
Comissão submeteu ao comité regulador, em 16 de Outubro de 1995, um projecto
de medidas que inscrevia o somatosalm no anexo II, este comité não deu parecer
favorável às medidas propostas.
- 30.
- A demandante refere-se ao artigo 8.°, n.° 3, alínea b), do Regulamento n.° 2377/90,
que determina que, quando as medidas projectadas não forem conformes com o
parecer do comité ou na ausência de parecer, a Comissão deve submeter sem
demora ao Conselho uma proposta relativa às medidas a tomar.
- 31.
- Ora, quando a petição deu entrada no Tribunal, em 8 de Julho de 1996, a
Comissão ainda não tinha submetido essa proposta ao Conselho. A Comissão
ter-se-ia, portanto, abstido ilicitamente de dar continuação ao processo de inclusão
do somatosalm no anexo II. Por outro lado, se a Comissão transmitiu finalmente
ao Conselho, em 25 de Setembro de 1996, uma proposta de regulamento, nem por
isso deixou de estar numa situação de omissão durante onze meses.
- 32.
- A demandante não esquece que, em 23 de Abril de 1996, a Comissão pediu ao
CMV um parecer complementar sobre a possibilidade de utilização do somatosalm
como promotor do crescimento. Porém, o artigo 8.°, n.° 3, alínea b), do
Regulamento n.° 2337/90 não prevê, em nenhum caso, que a Comissão tenha
direito a pedir ao CMV um parecer complementar.
- 33.
- De qualquer modo, a actuação complementar da Comissão não teria sido diligente.
A demandante salienta que a falta de parecer do comité regulador se verificou em
16 de Outubro de 1995 e que o pedido de parecer complementar ao CMV só foi
enviado em 23 de Abril de 1996, quer dizer, após seis meses de inactividade. Este
período de inactividade não seria, de modo nenhum, compatível com a obrigação
de agir «sem demora» estabelecida no artigo 8.°, n.° 3, alínea b), do Regulamento
n.° 2377/90.
- 34.
- A Comissão ter-se-ia assim abstido, em violação das suas obrigações, de prosseguir
o processo destinado a incluir o somatosalm produzido pela demandante na lista
das substâncias não sujeitas a uma LMR do anexo II. O pedido na acção por
omissão seria, portanto, procedente.
- 35.
- A Comissão alega, a título principal, que há inutilidade superveniente do pedido
na acção por omissão.
- 36.
- A Comissão faz notar que, em 25 de Setembro de 1996, transmitiu ao Conselho
uma proposta de regulamento para inclusão do somatosalm no anexo II. Adoptou,
portanto, antes de o acórdão ser proferido, as medidas solicitadas pela
demandante. O objecto do pedido na acção por omissão teria, assim, desaparecido,
de modo que já não se justificaria decidir sobre ele (acórdão do Tribunal de Justiça
de 12 de Julho de 1988, Parlamento/Conselho, 377/87, Colect., p. 4017, n.° 10).
- 37.
- A título subsidiário, a Comissão alega que o pedido na acção por omissão deve
improceder.
- 38.
- Reconhece que o artigo 8.°, n.° 3, alínea b), do Regulamento n.° 2377/90 lhe impõe
uma certa diligência. Esta obrigação tem, no entanto, que ser conciliada com outras
obrigações previstas pelo mesmo regulamento e, mais especificamente, com a
obrigação prevista no artigo 15.°, segundo o qual «O presente regulamento não
poderá de modo algum prejudicar a aplicação da regulamentação comunitária que
proíbe a utilização, na pecuária, de certas substâncias com efeitos sobre a
actividade hormonal».
- 39.
- A Comissão lembra que o somatosalm é uma somatotrofina da mesma família que
a BST, que está sujeita a uma suspensão de lançamento no mercado e de
comercialização. Recorda ainda que, foi com base nessa suspensão e no facto de
a mesma ser implicitamente posta em causa no caso de outra somatotrofina
aparecer no mercado da Comunidade que vários Estados-Membros se opuseram,
no comité regulador, ao próprio princípio da classificação do somatosalm num dos
anexos do Regulamento n.° 2377/90.
- 40.
- Ora, foi tendo em conta esse risco evocado pelos Estados-Membros e o teor do
artigo 15.° do Regulamento n.° 2377/90, que a Comissão decidiu, apesar de não
existir um procedimento expressamente previsto para o efeito neste regulamento,
consultar de novo o CMV. A demandada alega que, graças ao segundo parecer
desta entidade, pôde dissipar todas as dúvidas sobre a questão e, desse modo,
facilitar consideravelmente os trabalhos do Conselho quanto à classificação do
somatosalm no anexo II.
Apreciação do Tribunal
- 41.
- Segundo jurisprudência constante, a via de recurso prevista no artigo 175.°
baseia-se na ideia de que a inacção ilegal do Parlamento Europeu, do Conselho ou
da Comissão permite que as outras instituições e os Estados-Membros, bem como,
em casos como o aqui em apreço, os particulares, recorram ao Tribunal de Justiça
ou ao Tribunal de Primeira Instância para que estes declarem que a abstenção é
contrária ao Tratado, se a instituição em causa não tiver reparado essa abstenção.
Esta declaração tem como efeito, nos termos do artigo 176.° do Tratado, que a
instituição demandada deve tomar as medidas necessárias à execução do acórdão
do Tribunal de Justiça ou do Tribunal de Primeira Instância, sem prejuízo das
acções relativas à responsabilidade extracontratual eventualmente decorrentes dessa
mesma declaração (acórdãos, do Tribunal de Justiça de 24 de Novembro de 1992,
Buckl e o./Comissão, C-15/91 e C-108/91, Colect., p. I-6061, n.° 14, e do Tribunal
de Primeira Instância de 18 de Setembro de 1992, Asia Motor France e
o./Comissão, T-28/90, Colect., p. II-2285, n.° 36).
- 42.
- Quando o acto cuja omissão é objecto do litígio tiver sido praticado após a
expiração do prazo de dois meses a seguir ao convite a agir, mas antes de proferido
acórdão, uma decisão do Tribunal que declare a ilegalidade da abstenção inicial
deixa de poder conduzir às consequências previstas no artigo 176.°. Daí resulta que,
nesse caso, tal como no caso de a instituição demandada ter reagido ao convite a
agir no prazo de dois meses, o objecto da acção desaparece (v. neste sentido os
mesmos acórdãos, n.os 15 e 37, respectivamente).
- 43.
- Por outro lado, em determinadas circunstâncias, um acto que não é susceptível de
recurso de anulação pode, todavia, constituir uma tomada de posição que põe fim
à omissão, se constituir a condição necessária para o desenrolar de um processo
que deverá, em princípio, culminar num acto jurídico que pode, ele, ser objecto de
recurso de anulação (acórdãos, do Tribunal de Justiça de 27 de Setembro de 1988,
Parlamento/Conselho, 302/87, Colect., p. 5615, n.° 16, e do Tribunal de Primeira
Instância de 27 de Junho de 1995, Guérin automobiles/Comissão, T-186/94, Colect.,
p. II-1753, n.° 25).
- 44.
- No caso em apreço, há que reconhecer que, em 25 de Setembro de 1996, a
Comissão transmitiu ao Conselho uma proposta de regulamento para inclusão do
somatosalm no anexo II. Ao fazê-lo, a instituição tomou posição, antes de o
acórdão ser proferido, sobre o convite a agir da demandante.
- 45.
- Nestas condições, há que julgar extinta a instância na acção por omissão, por
inutilidade superveniente da lide.
Quanto aos pedidos de indemnização
Observações preliminares
- 46.
- O segundo parágrafo do artigo 215.° do Tratado estabelece que, em matéria de
responsabilidade extracontratual, a Comunidade deve indemnizar, de acordo com
os princípios gerais comuns aos direitos dos Estados-Membros, os danos causados
pelas suas instituições no exercício das suas funções.
- 47.
- Segundo uma jurisprudência bem assente, só há lugar à responsabilidade
extracontratual da Comunidade se estiver reunido um conjunto de condições
relativo à ilegalidade do comportamento censurado à instituição comunitária, à
realidade do dano e à existência de um nexo de causalidade entre o
comportamento ilegal e o prejuízo invocado (v., por exemplo, os acórdãos, do
Tribunal de Justiça de 7 de Maio de 1992, Pesqueria de Bermeo e Naviera
Laida/Comissão, C-258/90 e C-259/90, Colect., p. I-2901, n.° 42, e do Tribunal de
Primeira Instância de 13 de Dezembro de 1995, Exporteurs in Levende Varkens
e o./Comissão, T-481/93 e T-484/93, Colect., p. II-2941, n.° 80).
- 48.
- No presente caso, dever-se-á analisar, antes de mais, a condição respeitante à
existência de um comportamento ilícito.
Quanto à existência de um comportamento ilícito da Comissão
Argumentos das partes
Quanto ao regime da responsabilidade
- 49.
- A Comissão refere-se aos acórdãos do Tribunal de Primeira Instância, de 14 de
Setembro de 1995, Lefebvre e o./Comissão (T-571/93, Colect., p. II-2379), e de 18
de Setembro de 1995, Nölle/Conselho e Comissão (T-167/94, Colect., p. II-2589,
n.° 52), para sustentar que, uma vez que a alegada omissão causadora do prejuízo
diz respeito à apresentação de um projecto de regulamento, a demandante tem que
demonstrar a existência de uma violação suficientemente caracterizada de uma
regra superior de direito que protege os particulares.
- 50.
- A demandante não contesta que deve demonstrar a existência dessa violação.
Quanto à existência de uma violação de uma regra superior de direito que
protege os particulares
- 51.
- A demandante considera que a Comissão violou duas regras superiores de direito
que protegem os particulares, isto é, por um lado, os princípios da segurança
jurídica e da protecção da confiança legítima, e, por outro, o princípio da boa
administração.
- 52.
- A demandante lembra que os princípios da segurança jurídica e da protecção da
confiança legítima exigem que a aplicação de uma medida legislativa a uma
situação específica seja previsível (acórdãos do Tribunal de Justiça, de 6 de Abril
de 1962, Geus en Uitdenbogerd, 13/61, Colect. 1962-1964, p. 11, e de 5 de Junho
de 1973, Comissão/Conselho, 81/72, Recueil, p. 575; Colect., p. 239). No presente
caso, a demandante tinha o direito de esperar que a Comissão aplicasse
correctamente o procedimento previsto no Regulamento n.° 2377/90, submetendo
«sem demora» ao Conselho uma proposta de medidas a tomar, a partir do
momento em que, em 16 de Outubro de 1995, o comité regulador não deu parecer
favorável às medidas propostas pela Comissão.
- 53.
- Ora, a partir de 16 de Outubro de 1995, a Comissão nada teria feito para fazer
progredir o processo durante um período de seis meses, isto é, até 23 de Abril de
1996, data em que decidiu solicitar informações complementares ao CMV. Nestascircunstâncias, a Comissão teria violado os princípios da segurança jurídica e da
protecção da confiança legítima.
- 54.
- Teria havido igualmente violação do princípio da boa administração, dado que a
Comissão devia ter procurado obter todas as informações que julgava necessárias
logo com o primeiro projecto de medidas a tomar que apresentou ao comité
regulador, uma vez que a suspensão da BST já existia nessa altura.
- 55.
- Este último princípio, que impõe à instituição comunitária que seja diligente e
eficaz, impede que a Comissão permaneça inactiva, sem razão, durante seis meses,
entre 16 de Outubro de 1995 e 23 de Abril de 1996.
- 56.
- A Comissão entende que fez uma correcta utilização do procedimento previsto
pelo Regulamento n.° 2377/90. Não teria, portanto, violado o princípio da
protecção da confiança legítima. Segundo a Comissão, se se seguisse a
argumentação da demandante, qualquer violação de uma disposição comunitária
seria contrária ao princípio da confiança legítima, porque um particular teria
sempre direito a esperar que as instituições comunitárias respeitassem o direito
comunitário.
- 57.
- A Comissão observa que, segundo a jurisprudência,o direito de invocar a protecção
da confiança legítima é reconhecido a qualquer particular que se encontre numa
situação da qual resulta que a administração comunitária, ao dar-lhe garantias
precisas, lhe criou expectativas fundadas (acórdãos do Tribunal de Primeira
Instância de 16 de Outubro de 1996, Efisol/Comissão, T-336/94, Colect, p. II-1343,
n.° 31). Ora a demandante não explicou em que é que consistiam essas «garantias
precisas» no presente caso.
- 58.
- Relativamente à alegada violação do princípio da boa administração, a Comissão
sustenta que solicitou um parecer complementar ao CMV no momento em que
surgiram dúvidas quanto à questão de saber se a inclusão do somatosalm no anexo
II podia pôr em causa a suspensão da BST. Esta segunda consulta do CMV teria
decorrido precisamente do princípio da boa administração. Com efeito, se no
decurso do procedimento previsto pelo Regulamento n.° 2377/90, surgem dúvidas
quanto à legalidade do acto em causa, a Comissão tem o dever de as tomar em
consideração. Por outro lado, o dever de diligência, que é consagrado pelo
princípio da boa administração, não pode ser alargado até ao ponto de envolver
a responsabilidade de uma instituição, pelo facto de esta não ter tomado em
consideração, desde o início do processo, todos os elementos dele constantes.
- 59.
- A Comissão refere-se ao processo que deu lugar ao acórdão do Tribunal de Justiça
de 5 de Dezembro de 1978, Denkavit/Comissão (14/78, Recueil, p. 2497; Colect.,
p. 871), no qual a então demandante criticava a Comissão por ter esperado 21
meses antes de tomar medidas, em circunstâncias comparáveis às do caso ora em
apreço. Lembra que neste acórdão (n.° 20), o Tribunal entendeu que não se podia
criticar a Comissão por ter esperado até estar completamente informada de modo
a tomar uma decisão numa matéria tão complexa como a que se referia à
presença, em alimentos para animais, de substâncias que poderiam vir a revelar-se
indesejáveis do ponto de vista da saúde humana ou animal.
- 60.
- A Comissão sublinha, por último, que o Tribunal tem que ter uma visão de
conjunto das vantagens e inconvenientes, para os agentes económicos, das acções
e omissões das instituições comunitárias. No caso em apreço, ao consultar o CMV
uma segunda vez, a Comissão teria, de facto, facilitado consideravelmente a
adopção do regulamento que inscreve o somatosalm no anexo II.
- 61.
- Nestas condições, a Comissão entende que não desrespeitou os princípios da
segurança jurídica e da protecção da confiança legítima, nem o princípio da boa
administração.
Apreciação do Tribunal
- 62.
- Como as partes admitem, só pode haver responsabilidade da Comissão, no
presente caso, se se fizer prova de que houve uma violação suficientemente
caracterizada de uma regra de direito que protege os particulares, dado que a
alegada omissão se refere a um acto normativo.
Quanto à existência de uma violação dos princípios da segurança jurídica e da
protecção da confiança legítima
- 63.
- O princípio da segurança jurídica visa, designadamente, garantir a previsibilidade
das situações e das relações jurídicas que relevam do direito comunitário (acórdãos,
do Tribunal de Justiça de 15 de Fevereiro de 1996, Duff e o., C-63/93, Colect.,
p. I-569, n.° 20, e do Tribunal de Primeira Instância de 21 de Outubro de 1997,
Deutsche Bahn/Comissão, T-229/94, Colect., p. II-0000, n.° 113).
- 64.
- O princípio da protecção da confiança legítima pode ser invocado por qualquer
particular em cuja esfera jurídica uma instituição tenha feito surgir expectativas
fundadas(acórdão do Tribunal de Primeira Instância de 15 de Dezembro de 1994,
Unifruit Hellas/Comissão, T-489/93, Colect., p. II-1201, n.° 51). Inversamente, na
falta de garantias precisas fornecidas pela administração, ninguém pode invocar
uma violação do princípio da confiança legítima (acórdão do Tribunal de Primeira
Instância de 11 de Dezembro de 1996, Atlanta e o./CEE, T-521/93, Colect.,
p. II-1707, n.° 57).
- 65.
- No caso em apreço, há que observar que o artigo 8.°, n.° 3, alínea b), do
Regulamento n.° 2377/90 não determina, de modo preciso, o prazo em que a
Comissão deve submeter ao Conselho uma proposta com as medidas a tomar. Pelo
contrário, ao utilizar a expressão «sem demora», o legislador comunitário, embora
impondo à Comissão que actue rapidamente, deixa-lhe uma certa margem de
manobra.
- 66.
- Não se pode, portanto, deduzir da regulamentação aplicável que o prazo em que
a Comissão devia agir era perfeitamente previsível e que foram dadas à
demandante garantias precisas quanto a esse prazo.
- 67.
- Por outro lado, se é verdade que a Comissão precisou de onze meses para
submeter ao Conselho, em 25 de Setembro de 1996, uma proposta de medidas a
tomar, não é menos verdade que, em 23 de Abril de 1996, pediu ao CMV um
parecer complementar.
- 68.
- Tendo em atenção que alguns Estados-Membros se opuseram à inclusão do
somatosalm no anexo II, porque temiam que esta substância pudesse ser utilizada
como promotor do crescimento, não se pode criticar a Comissão por ter
reexaminado o processo durante um certo tempo e por ter pedido, a seguir, um
parecer complementar ao CMV.
- 69.
- Com efeito, deve reconhecer-se à Comissão, quando confrontada a um processo
científica e politicamente muito complexo e sensível, o direito de solicitar um
parecer como o ora em causa, apesar do silêncio do Regulamento n.° 2377/90
quanto a este aspecto da questão.
- 70.
- Por outro lado, como a Comissão observou, com razão, foi graças ao parecer
complementar pedido que pôde dissipar as dúvidas sobre a questão de saber se o
somatosalm poderia vir a ser utilizado com promotor do crescimento. Nestas
condições, facilitou consideravelmente o trabalho do Conselho, que, após ter
tomado conhecimento do parecer complementar do CMV, não se opôs à
classificação do somatosalm no anexo II.
- 71.
- Em última análise, ao pedir o parecer complementar em 23 de Abril de 1996, a
Comissão só não tomou decisões durante seis meses após 16 de Outubro de 1995,
data em que o comité regulador não deu parecer favorável às medidas propostas
pela Comissão.
- 72.
- Nestas circunstâncias, a Comissão não violou nem o princípio da segurança jurídica,
nem o da protecção da confiança legítima, nem a fortiori, de modo caracterizado.
Quanto à existência de uma violação do princípio da boa administração
- 73.
- A questão que se põe é a de saber se o princípio da boa administração foi violado,
por a Comissão não ter pedido informações complementares ao CMV logo na
altura do primeiro projecto de medidas a tomar apresentado ao comité regulador.
Por outro lado, põe-se a questão de saber se, ao pedir um parecer complementar
seis meses após 16 de Outubro de 1995, data em que o comité regulador não deu
parecer favorável às medidas propostas, a Comissão violou o princípio da boa
administração.
- 74.
- Resulta dos autos que, num primeiro tempo, a Comissão não pediu informações
complementares ao CMV, porque ainda não previa que os representantes dos
Estados-Membros se iriam opor à inclusão do somatosalm no anexo II, referindo-se
à suspensão da BST.
- 75.
- Com efeito, a Comissão pode ter julgado inicialmente que essa inclusão do
somatosalm não se defrontaria com uma oposição séria, dado que a suspensão da
BST dizia unicamente respeito à BST e não às outras somatotrofinas.
- 76.
- Quando, numa fase posterior do processo, se verificou que os representantes dos
Estados-Membros ligavam a suspensão ao somatosalm, a Comissão pediu um
parecer complementar ao CMV, depois de um período de reflexão razoável.
- 77.
- Nestas circunstâncias, a lógica seguida pela Comissão e as diligências efectuadas
não demonstram de modo algum uma má gestão do processo por parte da
Comissão.
- 78.
- Deve assim concluir-se que a Comissão não violou o princípio da boa
administração de modo a fazer incorrer a Comunidade em responsabilidade.
Conclusão
- 79.
- Resulta de quanto precede que a demandante não fez prova de que a condição
respeitante ao comportamento ilegal da demandada se verifica no presente caso.
- 80.
- O que tem como consequência que o pedido de indemnização deve ser julgado
improcedente, sem que seja necessário analisar se as condições respeitantes à
existência de dano e de nexo de causalidade estão satisfeitas.
- 81.
- Por conseguinte, não se justifica o deferimento do pedido da Comissão de que seja
ordenada a audição dos accionistas-mutuantes da demandante.
Quanto às despesas
Quanto aos pedidos na acção por omissão
- 82.
- Nos termos do artigo 87.°, n.° 6, do Regulamento de Processo, quando não há lugar
a decisão de mérito, o Tribunal decide livremente quanto às despesas.
- 83.
- No presente caso, a Comissão não conduziu o processo de modo a merecer
censura. Nestas condições, a demandante deve ser condenada nas despesas.
Quanto aos pedidos de indemnização
- 84.
- Por força do n.° 2 do artigo 87.° do Regulamento de Processo, a parte vencida é
condenada nas despesas, se tal tiver sido pedido. Tendo a demandante sido vencida
quanto ao pedido de indemnização, há que condená-la no pagamento das despesas,
nos termos do pedido da Comissão.
Pelos fundamentos expostos,
O TRIBUNAL DE PRIMEIRA INSTÂNCIA (Terceira Secção),
decide:
1) Não se justifica o deferimento do pedido de audição, apresentado pela
Comissão.
2) Julga-se extinta a instância na acção por omissão, por inutilidade
superveniente da lide.
3) Os pedidos de indemnização são improcedentes.
4) A demandante é condenada nas despesas.
Proferido em audiência pública no Luxemburgo, em 17 de Fevereiro de 1998.
O secretário
O presidente
H. Jung
B. Vesterdorf