Language of document : ECLI:EU:T:2016:449

ACÓRDÃO DO TRIBUNAL GERAL (Nona Secção)

8 de setembro de 2016 (*)

«Concorrência — Acordos, decisões e práticas concertadas — Mercado dos medicamentos antidepressivos que contêm o ingrediente farmacêutico ativo citalopram — Conceito de restrição da concorrência por objetivo — Concorrência potencial — Medicamentos genéricos — Barreiras à entrada no mercado resultantes da existência de patentes — Acordos celebrados entre o titular de patentes e das empresas de medicamentos genéricos — Artigo 101.°, n.os 1 e 3, TFUE — Erros de direito e de apreciação — Dever de fundamentação — Direitos de defesa — Segurança jurídica — Coimas»

No processo T‑472/13,

H. Lundbeck A/S, com sede em Valby (Dinamarca),

Lundbeck Ltd, com sede em Milton Keynes (Reino Unido),

representadas por R. Subiotto, QC, e T. Kuhn, advogado,

recorrentes,

apoiadas por

European Federation of Pharmaceutical Industries and Associations (EFPIA), com sede em Genebra (Suíça), representada por F. Carlin, barrister, e M. Healy, solicitors,

interveniente,

contra

Comissão Europeia, representada, inicialmente, por J. Bourke, F. Castilla Contreras, B. Mongin, T. Vecchi e C. Vollrath e, em seguida, por F. Castilla Contreras, B. Mongin, T. Vecchi, C. Vollrath e T. Christoforou, na qualidade de agentes,

recorrida,

que tem por objeto um pedido de anulação parcial da Decisão da Comissão C (2013) 3803 final, de 19 de junho de 2013, relativa a um processo nos termos do artigo 101.° [TFUE] e do artigo 53.° do Acordo EEE (Processo AT.39226 — Lundbeck), e um pedido de redução do montante da coima aplicada às recorrentes por esta decisão,

O TRIBUNAL GERAL (Nona Secção),

composto por: G. Berardis (relator), presidente, O. Czúcz e A. Popescu, juízes,

secretário: L. Grzegorczyk, administrador,

vista a fase escrita do processo e após a audiência de 26 de novembro de 2015,

profere o presente

Acórdão

 Antecedentes do litígio

I –  Sociedades em causa no presente processo

1        A H. Lundbeck A/S (a seguir «Lundbeck») é uma sociedade de direito dinamarquês que controla um grupo de sociedades, do qual faz parte a Lundbeck Ltd, com sede no Reino Unido, especializado na investigação, no desenvolvimento, na produção, no marketing, na venda e na distribuição de produtos farmacêuticos para o tratamento de patologias que afetam o sistema nervoso central, entre as quais a depressão.

2        A Lundbeck é uma empresa de medicamentos originais, designadamente, uma empresa que concentra a sua atividade na investigação de novos medicamentos e na sua comercialização.

3        A Merck KGaA é uma sociedade de direito alemão especializada no domínio farmacêutico que, no momento da celebração dos acordos em causa, detinha indiretamente 100%, através do grupo Merck Generics Holding GmbH, da sua filial Generics UK Ltd (a seguir «GUK»), responsável pelo desenvolvimento e pela comercialização de produtos farmacêuticos genéricos no Reino Unido.

4        A Comissão Europeia considerou que a Merck e a GUK constituíam uma única empresa na aceção do direito da concorrência à data dos factos relevantes (a seguir «Merck (GUK)»).

5        O Arrow Group A/S, redenominado Arrow Group ApS no mês de agosto de 2003 (a seguir, sem distinção, «Arrow Group»), é uma sociedade de direito dinamarquês líder de um grupo de sociedades, presente em vários Estados‑Membros e ativo desde 2001 no desenvolvimento e na venda de medicamentos genéricos.

6        A Arrow Generics Ltd é uma sociedade de direito do Reino Unido, filial inicialmente a 100% e depois, a partir de fevereiro de 2002, a 76%, do Arrow Group.

7        A Resolution Chemicals Ltd é uma sociedade de direito do Reino Unido especializada na produção de ingredientes farmacêuticos ativos (a seguir «IFA») para os medicamentos genéricos. Até ao mês de setembro de 2009 era controlada pelo Arrow Group.

8        A Comissão considerou que o Arrow Group, a Arrow Generics e a Resolution Chemicals constituíam uma única empresa (a seguir «Arrow») à data dos factos relevantes.

9        A Alpharma Inc. era uma sociedade de direito americano ativa à escala mundial no setor farmacêutico, nomeadamente no que respeita aos medicamentos genéricos. Até dezembro de 2008 era controlada pela sociedade de direito norueguês, a A.L. Industrier AS. Posteriormente, foi adquirida por uma empresa farmacêutica do Reino Unido, que, por sua vez, foi adquirida por uma empresa farmacêutica dos Estados Unidos. No âmbito destas restruturações, a Alpharma Inc. passou a ser, inicialmente, em abril de 2010, Alpharma, LLC, e depois, em 15 de abril de 2013, Zoetis Products LLC.

10      A Alpharma ApS era uma sociedade de direito dinamarquês indiretamente controlada a 100% pela Alpharma Inc. Dispunha de várias filiais no Espaço Económico Europeu (EEE). Na sequência de várias restruturações, em 31 de março de 2008, a Alpharma ApS passou a ser Axellia Pharmaceuticals ApS, redenominada, em 2010, Xellia Pharmaceuticals ApS (a seguir «Xellia»).

11      A Comissão considerou que a Alpharma Inc., a A.L. Industrier AS e a Alpharma ApS constituíam uma única empresa (a seguir «Alpharma») à data dos factos relevantes.

12      A Ranbaxy Laboratories Ltd é uma sociedade de direito indiano especializada no desenvolvimento e na produção de IFA e de medicamentos genéricos.

13      A Ranbaxy (UK) Ltd é uma sociedade de direito inglês, filial da Ranbaxy Laboratories, responsável pela venda dos produtos desta no Reino Unido.

14      A Comissão considerou que a Ranbaxy Laboratories e a Ranbaxy (UK) constituíam uma única empresa (a seguir «Ranbaxy») à data dos factos relevantes.

II –  Produto em causa e patentes relacionadas com este

15      O produto em causa no presente processo é o medicamento antidepressivo que contém o IFA denominado citalopram.

16      Em 1977, a Lundbeck apresentou na Dinamarca um pedido de patente relativo ao IFA citalopram e aos dois processos de alquilação e de cianação utilizados para produzir o referido IFA. As patentes que cobriam este IFA e estes dois processos (a seguir «patentes originárias») foram concedidas na Dinamarca e em vários países da Europa Ocidental entre 1977 e 1985.

17      No que respeita ao EEE, a proteção que decorre das patentes originárias, assim como, eventualmente, dos certificados complementares de proteção (a seguir «CCP»), previstos no Regulamento (CEE) n.° 1768/92 do Conselho, de 18 de junho de 1992, relativo à criação de um certificado complementar de proteção para os medicamentos (JO L 182, p. 1), expirou entre 1994 (no que respeita à Alemanha) e 2003 (no que respeita à Áustria). Em particular, relativamente ao Reino Unido, as patentes originárias expiraram em janeiro de 2002.

18      Ao longo do tempo, a Lundbeck desenvolveu outros processos mais eficazes para produzir o citalopram, para os quais pediu, e frequentemente obteve, patentes em vários países do EEE, bem como junto da Organização Mundial da Propriedade Intelectual (OMPI) e do Instituto Europeu de Patentes (IEP) (a seguir «novas patentes da Lundbeck»).

19      Nomeadamente, em primeiro lugar, em 1998 e em 1999, a Lundbeck apresentou no IEP dois pedidos de patentes relativos à produção do citalopram por processos que utilizam, respetivamente, iodo e amido. O IEP concedeu à Lundbeck uma patente que protege o processo que utiliza o amido (a seguir «patente sobre o amido»), em 19 de setembro de 2001, e uma patente que protege o processo que utiliza o iodo (a seguir «patente sobre o iodo»), em 26 de março de 2003.

20      Em segundo lugar, em 13 de março de 2000, a Lundbeck apresentou um pedido de patente às autoridades dinamarquesas relativo a um processo de produção do citalopram que previa um método de purificação dos sais utilizados através de uma cristalização. Foram apresentados pedidos análogos noutros países do EEE, assim como na OMPI e no IEP. A Lundbeck obteve patentes que protegem o processo que utiliza a cristalização em vários Estados‑Membros durante a primeira metade do ano de 2002, nomeadamente em 30 de janeiro de 2002 no que respeita ao Reino Unido (a seguir «patente sobre a cristalização»). O IEP concedeu uma patente sobre a cristalização em 4 de setembro de 2002. Por outro lado, nos Países Baixos, a Lundbeck já tinha obtido, em 6 de novembro de 2000, um modelo de utilidade referente a este processo (a seguir «modelo de utilidade de Lundbeck»), ou seja, uma patente válida durante seis anos, concedida sem verdadeiro exame prévio.

21      Em terceiro lugar, em 12 de março de 2001, a Lundbeck apresentou um pedido de patente nas autoridades do Reino Unido relativo a um processo de produção do citalopram que previa um método de purificação dos sais utilizados através de uma destilação em filme. As autoridades do Reino Unido concederam à Lundbeck uma patente respeitante ao referido método de destilação em filme em 3 de outubro de 2001 (a seguir «patente sobre a destilação em filme»). Todavia, em 23 de junho de 2004, esta patente foi revogada por falta de novidade face a outra patente da Lundbeck. Esta obteve uma patente análoga na Dinamarca em 29 de junho de 2002.

22      Por último, a Lundbeck previa lançar um novo medicamento antidepressivo, o Cipralex, baseado no IFA denominado escitalopram (ou S‑citalopram), no fim do ano de 2002 ou no início do ano de 2003. Este novo medicamento dirigia‑se aos mesmos pacientes que podiam ser tratados com o medicamento patenteado Cipramil da Lundbeck, baseado no IFA citalopram. O IFA escitalopram era protegido por patentes válidas até 2012, pelo menos.

III –  Acordos controvertidos

23      Durante o ano de 2002, a Lundbeck celebrou seis acordos relativos ao citalopram (a seguir «acordos controvertidos») com quatro empresas ativas na produção ou na venda de medicamentos genéricos, nomeadamente, a Merck (GUK), a Alpharma, a Arrow e a Ranbaxy (a seguir «empresas de genéricos»).

A –  Acordos com a Merck (GUK)

24      A Lundbeck celebrou dois acordos com a Merck (GUK).

25      O primeiro acordo produziu efeitos a partir de 24 de janeiro de 2002, inicialmente por um período de um ano, e abrangia apenas o território do Reino Unido (a seguir «acordo GUK para o Reino Unido»). Foi assinado pela filial no Reino Unido da Lundbeck, ou seja, a sociedade de direito do Reino Unido, Lundbeck Ltd. Este acordo foi posteriormente prorrogado por um período de seis meses que terminava em 31 de julho de 2003. Em seguida, após uma breve entrada da Merck (GUK) no mercado entre 1 e 4 de agosto, as partes assinaram uma segunda prorrogação do acordo em 6 de agosto de 2003, por um período máximo de seis meses, mas que podia ser reduzido caso a Lundbeck não intentasse uma ação judicial contra outras empresas de genéricos que tentassem entrar no mercado ou quando terminasse o processo entre a Lundbeck e a Lagap Pharmaceuticals Ltd, outra empresa de genéricos (a seguir «processo Lagap»).

26      Nos termos deste acordo, as partes estipularam, nomeadamente, que:

–        existe o risco de algumas ações previstas pela GUK relativamente à comercialização, à distribuição e à venda dos «Produtos» poderem constituir uma violação dos direitos de propriedade intelectual da Lundbeck e de poderem dar origem a reivindicações por parte desta (n.° 2.1 do acordo GUK para o Reino Unido), sendo estes «Produtos» definidos no n.° 1.1 do acordo GUK para o Reino Unido como os «produtos de citalopram desenvolvidos pela GUK sob a forma de matéria‑prima, a granel ou sob a forma de comprimidos, como especificados em anexo e manufaturados em conformidade com a especificação de produtos tal como fornecida pela GUK na data de assinatura, junta no anexo 2»;

–        tendo em conta o acordo alcançado entre as partes, a Lundbeck pagará à GUK um montante de 2 milhões de libras esterlinas (GBP), em troca da entrega dos «Produtos», nas quantidades previstas pelo acordo, em 31 de janeiro de 2002 (n.° 2.2 do acordo GUK para o Reino Unido);

–        A GUK obriga‑se ainda, em troca de um pagamento suplementar de 1 milhão de GBP, a entregar os «Produtos», tais como especificados no anexo em 2 de abril de 2002 (n.° 2.3 do acordo GUK para o Reino Unido);

–        os pagamentos efetuados e a entrega dos «Produtos» por parte da GUK em aplicação dos n.os 2.2 e 2.3 do acordo GUK para o Reino Unido constituirão uma resolução completa e final de qualquer reivindicação da Lundbeck contra a GUK por violação dos seus direitos de propriedade intelectual no que respeita aos «Produtos» entregues pela GUK até essa data (n.° 2.4 do acordo GUK para o Reino Unido);

–        A Lundbeck obriga‑se a vender os seus «Produtos acabados» à GUK e esta compromete‑se a comprar exclusivamente os referidos «Produtos acabados» à Lundbeck com vista à sua revenda pela GUK e pelas suas filiais no Reino Unido durante a vigência e nos termos do acordo (n.° 3.2 do acordo GUK para o Reino Unido), sendo estes «Produtos acabados» definidos no n.° 1.1 do acordo como «os produtos que contêm citalopram sob a forma de produtos acabados que a [Lundbeck] deve fornecer à GUK em conformidade com o presente acordo»;

–        A Lundbeck compromete‑se a pagar um montante de 5 milhões de GBP de lucros líquidos garantidos à GUK, desde que esta lhe encomende a quantidade de «Produtos acabados» combinado durante a vigência do acordo (ou um montante menor que deve ser calculado ao pro rata das encomendas efetuadas) (n.° 6.2 do acordo GUK para o Reino Unido).

27      A primeira prorrogação do acordo previa, nomeadamente, o pagamento de um montante de 400 000 GBP por mês para a execução, por parte da GUK, do n.° 6.2 do acordo GUK para o Reino Unido e alterava a definição de «lucros líquidos».

28      A segunda prorrogação do acordo GUK para o Reino Unido previa, nomeadamente, o pagamento de um montante de 750 000 GBP por mês para a execução, por parte da GUK, do artigo 6.2 deste acordo.

29      O acordo GUK para o Reino Unido expirou em 1 de novembro de 2003, na sequência da transação do processo Lagap. No total, durante toda a vigência do acordo, a Lundbeck transferiu o equivalente a 19,4 milhões de euros para a GUK.

30      A Lundbeck e a GUK celebraram, em 22 de outubro de 2002, um segundo acordo que abrangia o EEE, exceto o Reino Unido (a seguir «acordo GUK para o EEE»). Este acordo previa o pagamento de um montante de 12 milhões de euros, em troca do qual a GUK se comprometia a não vender ou fornecer produtos farmacêuticos que contêm citalopram em todo o território do EEE (com exceção do Reino Unido) e a desenvolver todos os esforços razoáveis para que a Natco Pharma Ltd (a seguir «Natco»), o produtor do IFA citalopram utilizado pela Merck (GUK) para comercializar a sua versão do citalopram genérico (a seguir o «IFA da Natco» ou o «citalopram da Natco»), deixasse de fornecer o citalopram ou produtos que contêm citalopram no EEE durante a vigência do acordo (n.os 1.1 e 1.2 do acordo GUK para o EEE). A Lundbeck comprometia‑se a não intentar ações judiciais contra a GUK, desde que esta respeitasse as suas obrigações nos termos do n.° 1.1 do acordo GUK para o EEE (n.° 1.3 do acordo GUK para o EEE).

31      O acordo GUK para o EEE expirou em 22 de outubro de 2003. No total, a Lundbeck transferiu o equivalente a 12 milhões de euros para a GUK em virtude deste acordo.

B –  Acordos com a Arrow

32      A Lundbeck assinou dois acordos com a Arrow.

33      O primeiro destes, relativo ao território do Reino Unido, foi celebrado em 24 de janeiro de 2002 entre a Lundbeck, por um lado, e a Arrow Generics e Resolution Chemicals (a seguir, em conjunto, «Arrow UK»), por outro (a seguir «acordo Arrow UK»).

34      O acordo Arrow UK tinha inicialmente uma duração que se estendia até 31 de dezembro de 2002 ou, caso tivesse sido anterior, até à data da adoção de uma decisão judicial definitiva relativa à ação que a Lundbeck pretendia intentar contra a Arrow UK nos órgãos jurisdicionais do Reino Unido a respeito da alegada contrafação das suas patentes por parte desta (a seguir «ação por contrafação Arrow») (n.° 4.1 do acordo Arrow UK). Em seguida, este acordo foi prorrogado, por duas vezes, mediante a assinatura de uma adenda. A primeira prorrogação abrangia o período compreendido entre 1 de janeiro e 1 de março de 2003 (n.° 3.1 da primeira adenda ao acordo Arrow UK), ao passo que a segunda previa que este acordo cessava em 31 de janeiro de 2004, ou sete dias após a assinatura da decisão judicial que pusesse termo ao processo Lagap (n.° 4.1 da segunda adenda ao acordo Arrow UK). Uma vez que este litígio foi resolvido amigavelmente em 13 de outubro de 2003, o acordo Arrow UK cessou no dia 20 de outubro seguinte. Daqui resulta que a duração global desse acordo se estendeu de 24 de janeiro de 2002 a 20 de outubro de 2003 (a seguir «duração do acordo Arrow UK»).

35      No que respeita ao conteúdo do acordo Arrow UK, importa salientar que:

–        o primeiro considerando do preâmbulo deste acordo (a seguir «preâmbulo Arrow UK») refere, nomeadamente, o facto de a Lundbeck ser titular das patentes sobre a cristalização e sobre a destilação em filme;

–        o quarto considerando do preâmbulo Arrow UK precisa que «a Arrow [UK] obteve uma licença junto de um terceiro para importar para o Reino Unido citalopram não fabricado pela Lundbeck ou com a autorização da Lundbeck («o referido Citalopram», tal definição inclui, para evitar qualquer dúvida, apenas o Citalopram destinado ao marketing e à venda no Reino Unido e exclui o que se destina ao marketing e à venda noutros países)»;

–        o sexto considerando do preâmbulo Arrow UK indica que a Lundbeck submeteu «o referido Citalopram» a testes de laboratório que lhe deram razões substanciais para acreditar que este constituía uma contrafação, nomeadamente, das patentes referidas no primeiro travessão;

–        o sétimo considerando do preâmbulo Arrow UK declara que a Arrow UK não admite ter violado estas patentes, nem que as mesmas são válidas, mas aceita que a Lundbeck tenha tais convicções, facto que a Arrow UK não pode desmentir através de provas irrefutáveis;

–        o oitavo considerando do preâmbulo Arrow UK recorda que a Lundbeck ameaçou pedir a adoção de uma providência cautelar e que pretende intentar uma ação por contrafação contra a Arrow;

–        o n.° 1.1 deste acordo prevê que a «Arrow [UK], em seu próprio nome e em nome de todas as entidades associadas e vinculadas, compromete‑se, durante a [vigência do acordo Arrow UK] e no território do Reino Unido, a não fabricar, ceder, propor ceder, utilizar ou, após a segunda data de entrega, importar ou conservar para cessão ou outra finalidade (1) [« o referido Citalopram [»] ou (2) qualquer outro citalopram que, segundo a Lundbeck, viole os seus direitos de propriedade [intelectual], e, para permitir à Lundbeck determinar a existência, ou não, de uma infração, a fornecer‑lhe [durante a vigência do acordo Arrow UK] amostras suficientes para análise, pelo menos um mês antes de qualquer fabrico, importação, venda ou proposta de venda que a Arrow [UK] ameace efetuar enquanto aguarda por uma decisão final irrecorrível no [âmbito da ação por contrafação contra a Arrow] […]»;

–        o n.° 1.2 deste acordo assinala que a Arrow UK autorizou que os compromissos que assumiu, referidos no n.° 1.1 do acordo Arrow UK, fossem reproduzidos num despacho cuja adoção pode eventualmente ser requerida pela Lundbeck ao órgão jurisdicional do Reino Unido competente;

–        o n.° 2.1 deste acordo recorda que a Lundbeck intentará a ação por contrafação contra a Arrow logo que possível e, em qualquer caso, o mais tardar em 31 de março de 2002;

–        o n.° 2.2 deste acordo dispõe que, tendo em conta os compromissos referidos no n.° 1.1 do acordo Arrow UK e o facto de que a Arrow UK não solicitará «cross‑undertaking in damages» (montante que, em conformidade com o direito inglês, a Lundbeck deveria ter depositado no órgão jurisdicional caso tivesse pedido a adoção de uma injunção no âmbito da ação por contrafação Arrow), a Lundbeck paga à Arrow UK 5 milhões de GBP, em quatro prestações, tendo esta quantia sido posteriormente aumentada em 450 000 GBP, nos termos do n.° 2.1 da primeira adenda ao acordo Arrow UK, e em 1,350 milhão de GBP, em aplicação dos n.os 2.1 e 3 da segunda adenda a este acordo;

–        o n.° 2.3 deste acordo estabelece que, na hipótese de uma decisão final no âmbito da ação por contrafação Arrow concluir que a Arrow UK não violou os direitos de propriedade intelectual da Lundbeck, o montante previsto no n.° 2.2 deste acordo constitui a indemnização integral que a Arrow UK pode obter da Lundbeck pelas perdas sofridas devido às obrigações que decorrem do n.° 1.1 do acordo Arrow UK;

–        o n.° 3.4 do acordo prevê que a Arrow UK entrega à Lundbeck as suas existências «do referido citalopram» em duas fases, cuja primeira, relativa a cerca de 3,975 milhões de comprimidos em caixa, deve ocorrer, o mais tardar, em 6 de fevereiro de 2002, e a segunda, relativa a cerca de 1,1 milhão de comprimidos a granel, o mais tardar em 15 de fevereiro de 2002.

36      Por outro lado, há que precisar que, em 6 de fevereiro de 2002, a Lundbeck obteve o despacho referido no n.° 1.2 do acordo Arrow UK (a seguir «despacho de homologação Arrow»).

37      O segundo acordo, relativo ao território da Dinamarca, foi celebrado em 3 de junho de 2002 entre a Lundbeck e o Arrow Group (a seguir «acordo Arrow dinamarquês»).

38      O acordo Arrow dinamarquês foi concebido com uma duração compreendida entre a data da sua assinatura, em 3 de junho de 2002, e 1 de abril de 2003 ou, caso tivesse sido anterior, até à data da adoção de uma decisão judicial definitiva relativa à ação por contrafação Arrow. Uma vez que tal decisão não foi proferida, o referido acordo esteve em vigor entre 3 de junho de 2002 e 1 de abril de 2003 (a seguir «duração do acordo Arrow dinamarquês»).

39      No que respeita ao conteúdo do acordo Arrow dinamarquês, há que assinalar que:

–        o primeiro, o terceiro e o quinto a nono considerando do seu preâmbulo correspondem, no essencial, ao primeiro, quarto e sexto a oitavo considerandos do preâmbulo Arrow UK, sendo especificado que o nono considerando do preâmbulo Arrow dinamarquês se refere ao despacho de homologação Arrow;

–        o n.° 1.1 deste acordo prevê que «a Arrow [Group] aceita anular e cessar qualquer importação, fabrico, produção, venda ou outra comercialização de produtos que contenham citalopram e que violem, segundo a Lundbeck, os direitos de propriedade intelectual desta no território [dinamarquês] durante a vigência [do acordo Arrow dinamarquês]»;

–        o n.° 2.1 deste acordo dispõe que, enquanto compensação pelos compromissos assumidos pelo Arrow Group, a Lundbeck paga‑lhe a quantia de 500 000 dólares dos Estados Unidos (USD);

–        o n.° 2.2 deste acordo estabelece que, na hipótese de uma decisão final no âmbito da ação por contrafação Arrow concluir que o Arrow Group não violou os direitos de propriedade intelectual da Lundbeck, o montante previsto no n.° 2.1 deste acordo constitui a indemnização integral que o Arrow Group pode obter da Lundbeck pelas perdas sofridas devido às obrigações que decorrem do n.° 1.1 do acordo Arrow dinamarquês;

–        o n.° 3.1 deste acordo acrescenta que a Lundbeck adquire pelo preço de 147 000 USD as existências de citalopram do Arrow Group, que consistem em cerca de 1 milhão de comprimidos.

C –  Acordo com a Alpharma

40      A Lundbeck assinou um acordo com a Alpharma em 22 de fevereiro de 2002 (a seguir «acordo Alpharma»), para o período compreendido entre essa data e 30 de junho de 2003 (a seguir «duração do acordo Alpharma»).

41      Antes da celebração deste acordo, no mês de janeiro de 2002, a Alpharma tinha adquirido à Alfred E. Tiefenbacher GmbH & Co. (a seguir «Tiefenbacher») existências de comprimidos de citalopram genérico desenvolvido a partir do IFA citalopram, produzidos pela sociedade indiana Cipla com o auxílio dos seus processos (a seguir «citalopram da Cipla» ou «IFA da Cipla»), e tinha encomendado outras.

42      A propósito do preâmbulo do acordo Alpharma, há que assinalar, nomeadamente, que:

–        o primeiro considerando recorda que «a Lundbeck é titular de direitos de propriedade intelectual que incluem, em particular, as patentes relativas à produção […] do IFA do «Citalopram» (escrito com um ‘c’ maiúsculo em todo o texto do acordo), que incluem as patentes reproduzidas no anexo A» deste acordo (a seguir «anexo A»);

–        o segundo considerando refere que a Lundbeck produz e vende produtos farmacêuticos que contêm «Citalopram» em todos os Estados‑Membros, assim como na Noruega e na Suíça, sendo estes países, no seu conjunto, definidos como o «Território»;

–        o terceiro e o quarto considerando mencionam o facto de que a Alpharma produziu ou adquiriu produtos farmacêuticos que contêm «Citalopram» no «Território», sem o consentimento da Lundbeck;

–        o quinto e o sexto considerando assinalam o facto de que os produtos da Alpharma foram sujeitos pela Lundbeck a testes de laboratório cujos resultados deram a esta razões substanciais para acreditar que os métodos de produção utilizados para fabricar tais produtos violavam os seus direitos de propriedade intelectual;

–        o sétimo considerando recorda que, em 31 de janeiro de 2002, a Lundbeck intentou uma ação num órgão jurisdicional do Reino Unido (a seguir «ação por contrafação contra a Alpharma») a fim de obter uma injunção «contra as vendas, por parte da Alpharma, de produtos que contêm Citalopram por violação dos direitos de propriedade intelectual da Lundbeck»;

–        o oitavo considerando refere que a Alpharma reconhece que as constatações da Lundbeck são corretas e compromete‑se a não introduzir no mercado «tais produtos»;

–        o nono e o décimo considerando precisam que a Lundbeck:

–        «aceita pagar à Alpharma uma compensação para poder evitar um litígio em matéria de patentes», cujo resultado não poderia ser previsto com absoluta certeza e que seria dispendioso e demorado;

–        «aceita, para resolver o litígio, comprar à Alpharma todas as suas existências de produtos que contêm Citalopram e pagar‑lhe uma compensação por esses produtos».

43      No que respeita ao teor do acordo Alpharma, importa salientar, nomeadamente, que:

–        o n.° 1.1 estabelece que a Alpharma e as suas filiais «anulam, cessam e abstêm‑se de qualquer importação, […] produção […] ou venda de produtos farmacêuticos que contêm Citalopram no Território […] durante o [período relevante]» e que a Lundbeck retira a ação por contrafação contra a Alpharma;

–        este mesmo número precisa que não é aplicável ao escitalopram;

–        o n.° 1.2 prevê que, «[e]m caso de qualquer violação da obrigação estabelecida no [n.° 1.1] ou a pedido da Lundbeck, a Alpharma […] submeter‑se‑á voluntariamente a uma injunção provisória por qualquer órgão jurisdicional competente em qualquer país do Território» e que a Lundbeck poderá obter tal injunção sem fornecer depósito de garantia;

–        o n.° 1.3 precisa que, a título de compensação pelas obrigações previstas neste acordo e para evitar as despesas e a duração do processo judicial, a Lundbeck paga à Alpharma a quantia de 12 milhões de USD, 11 milhões dos quais pelos produtos da Alpharma que contêm «Citalopram», em três prestações de 4 milhões cada, a pagar, respetivamente, em 31 de março de 2002, em 31 de dezembro de 2002 e em 30 de junho de 2003;

–        o n.° 2.2 estabelece que, o mais tardar em 31 de março de 2002, a Alpharma entrega à Lundbeck todas as existências de produtos que contêm «Citalopram» de que disponha nessa data, designadamente, os 9,4 milhões de comprimidos que já possuía aquando da celebração do acordo Alpharma e os 16 milhões de comprimidos que tinha encomendado.

44      O anexo A inclui uma lista de 28 pedidos de direitos de propriedade intelectual apresentados pela Lundbeck antes da assinatura deste, nove dos quais já tinham sido concedidos na referida data. Estes direitos de propriedade intelectual tinham por objeto os processos para produzir o IFA do citalopram visados pelas patentes sobre a cristalização e sobre a destilação em filme.

45      Por outro lado, há que precisar que, em 2 de maio de 2002, um órgão jurisdicional do Reino Unido proferiu um despacho de homologação que previa que o processo na ação por contrafação contra a Alpharma fosse suspenso devido à celebração de um acordo entre a Lundbeck e, em particular, a Alpharma, segundo o qual esta e as suas filiais «anul[avam], cessa[vam] e abst[inham‑se] de qualquer importação, […] produção […] ou venda, nos [Estados‑Membros], na Noruega e na Suíça (‘os Territórios Relevantes’), de produtos farmacêuticos que contêm citalopram fabricado através da utilização dos processos reivindicados nas [patentes sobre a cristalização e sobre a destilação em filme concedidas pelas autoridades do Reino Unido] ou em qualquer outra patente equivalente obtida ou requerida nos Territórios Relevantes até 30 de junho de 2002» (a seguir «despacho de homologação Alpharma»).

D –  Acordo com a Ranbaxy

46      A Lundbeck assinou um acordo com a Ranbaxy Laboratories em 16 de junho de 2002 (a seguir «acordo Ranbaxy»), com uma duração de 360 dias. Em virtude de uma adenda assinada em 19 de fevereiro de 2003 (a seguir «adenda Ranbaxy»), este acordo foi prorrogado até 31 de dezembro de 2003. Assim, a sua duração global estendeu‑se entre 16 de junho de 2002 e 31 de dezembro de 2003 (a seguir «duração do acordo Ranbaxy»).

47      Nos termos do preâmbulo do acordo Ranbaxy (a seguir «preâmbulo Ranbaxy»):

–        A Ranbaxy Laboratories requereu na Índia duas patentes de processo relativas ao citalopram e produziu medicamentos que continham citalopram com a intenção de os introduzir no mercado, nomeadamente no EEE (segundo e terceiro considerandos do preâmbulo Ranbaxy, assim como anexo A do acordo Ranbaxy);

–        A Lundbeck submeteu a testes de laboratório este citalopram e concluiu que os processos utilizados violavam a patente sobre o amido e a patente sobre o iodo, sendo que esta ainda não tinha sido concedida (v. n.° 19, supra), ao passo que a Ranbaxy Laboratories contesta a existência de tais violações (quinto a oitavo considerandos do preâmbulo Ranbaxy);

–        A Lundbeck e a Ranbaxy Laboratories chegaram a um acordo para evitar um litígio em matéria de patentes que seria dispendioso e demorado e cujo resultado não poderia ser previsto com absoluta certeza (nono considerando do preâmbulo).

48      O acordo Ranbaxy refere, nomeadamente, o seguinte:

–        «[s]ob reserva das condições e dos pagamentos por parte da Lundbeck previstos [neste acordo], a Ranbaxy Laboratories não reivindica qualquer direito sobre o [p]edido de [p]atente [visado no preâmbulo deste] ou sobre qualquer método de produção utilizado pela Ranbaxy Laboratories e anula, cessa e renuncia ao fabrico ou à venda de produtos farmacêuticos baseados nestes [nomeadamente no EEE] durante a vigência deste acordo» (n.° 1.1 do acordo Ranbaxy e n.° 1.0 da adenda Ranbaxy);

–        «em caso de violação das obrigações previstas no n.° 1.1 ou a pedido da Lundbeck», a Ranbaxy Laboratories e a Ranbaxy (UK) aceitam submeter‑se às providências cautelares adotadas pelos órgãos jurisdicionais nacionais competentes sem que a Lundbeck deva fornecer qualquer depósito de garantia ou assumir qualquer compromisso distinto dos que resultam deste acordo (n.° 1.2 do acordo Ranbaxy);

–        tendo em conta o acordo alcançado entre as partes, a Lundbeck tem de pagar à Ranbaxy Laboratories um montante de 9,5 milhões de USD, em prestações escalonadas durante o período pertinente (n.° 1.3 do acordo Ranbaxy e n.° 2.0 da adenda Ranbaxy);

–        A Lundbeck vende à Ranbaxy Laboratories ou à Ranbaxy (UK) comprimidos de citalopram, com um desconto de 40% sobre o preço de saída de fábrica, para que estas os vendam no mercado do Reino Unido (n.° 1.3 e anexo B do acordo Ranbaxy);

–        A Lundbeck e a Ranbaxy Laboratories comprometem‑se a não intentar ações judiciais uma contra a outra baseadas em qualquer patente acima referida no próprio acordo (n.° 1.4 do acordo Ranbaxy).

IV –  Diligências da Comissão no setor farmacêutico e procedimento administrativo

49      No mês de outubro de 2003, a Comissão foi informada pela Konkurrence‑ og Forbrugerstyrelsen (KFST, autoridade da concorrência e dos consumidores dinamarqueses) da existência dos acordos em causa.

50      Uma vez que a maioria destes acordos afetava todo o EEE ou, em qualquer caso, Estados‑Membros diferentes do Reino da Dinamarca, foi acordado que a Comissão examinaria a sua compatibilidade com o direito da concorrência, ao passo que a KFST não continuaria a análise desta questão.

51      Entre 2003 e 2006, a Comissão efetuou inspeções na aceção do artigo 20.°, n.° 4, do Regulamento (CE) n.° 1/2003 do Conselho, de 16 de dezembro de 2002, relativo à execução das regras de concorrência estabelecidas nos artigos [101.° TFUE] e [102.° TFUE] (JO 2003, L 1, p. 1), na Lundbeck e noutras sociedades ativas no setor farmacêutico. Também enviou à Lundbeck e a outra sociedade pedidos de informações na aceção do artigo 18.°, n.° 2, do referido regulamento.

52      Em 15 de janeiro de 2008, a Comissão adotou a decisão relativa à abertura de um inquérito referente ao setor farmacêutico, em conformidade com o artigo 17.° do Regulamento n.° 1/2003 (processo COMP/D2/39514). O artigo único desta decisão estabelecia que o inquérito a realizar dizia respeito à introdução no mercado de medicamentos inovadores e genéricos para uso humano.

53      Em 8 de julho de 2009, a Comissão adotou uma comunicação que tinha por objeto a síntese do seu relatório de inquérito sobre o setor farmacêutico. Esta comunicação incluía, num anexo técnico, a versão integral do referido relatório de inquérito, sob a forma de um documento de trabalho da Comissão, disponível apenas em inglês.

54      Em 7 de janeiro de 2010, a Comissão iniciou o processo formal relativo à Lundbeck.

55      No decurso do ano de 2010 e do primeiro semestre do ano de 2011, a Comissão enviou pedidos de informações à Lundbeck e às outras sociedades que eram partes nos acordos controvertidos.

56      Em 24 de julho de 2012, a Comissão iniciou um processo relativo às sociedades que eram partes nos acordos controvertidos e enviou‑lhes, assim como à Lundbeck, uma comunicação de acusações.

57      Todos os destinatários desta comunicação que o requereram foram ouvidos nas audições realizadas em 14 e 15 de março de 2013.

58      Em 12 de abril de 2013, a Comissão enviou uma exposição dos factos aos destinatários da comunicação de acusações.

59      O auditor apresentou o seu relatório final em 17 de junho de 2013.

60      Em 19 de junho de 2013, a Comissão adotou a Decisão C (2013) 3803 final, relativa a um processo nos termos do artigo 101.° [TFUE] e do artigo 53.° do Acordo EEE (Processo AT/39226 — Lundbeck) (a seguir «decisão impugnada»).

V –  Decisão impugnada

61      Na decisão impugnada a Comissão considerou que os acordos controvertidos constituíam restrições da concorrência por objetivo na aceção do artigo 101.°, n.° 1, TFUE, e do artigo 53.°, n.° 1, do acordo EEE (artigo 1.°, n.° 1, da decisão impugnada).

62      Os dois acordos celebrados entre a Merck (GUK) e a Lundbeck foram considerados constitutivos de uma infração única e contínua que se prolongou de 24 de janeiro de 2002 a 1 de novembro de 2003.

63      Conforme resulta do resumo que figura nos considerandos 824 e 874 da decisão impugnada, a Comissão baseou‑se, a este respeito, nos elementos seguintes:

–        no momento da celebração dos acordos, a Lundbeck e a Merck (GUK) eram, no mínimo, concorrentes potenciais no Reino Unido e no EEE e concorrentes efetivos no Reino Unido antes da segunda prorrogação do acordo UK;

–        a Lundbeck efetuou uma transferência de valor significativo a favor da Merck (GUK) em virtude destes acordos;

–        essa transferência de valor estava ligada à aceitação, por parte da Merck (GUK), de limitações à entrada no mercado previstas nos referidos acordos, em particular ao seu compromisso de não vender o citalopram da Natco ou qualquer outro citalopram genérico no Reino Unido e no EEE durante a vigência pertinente desses acordos;

–        essa transferência de valor correspondia aproximadamente aos lucros que a Merck (GUK) esperava obter se tivesse entrado com êxito no mercado;

–        a Lundbeck não poderia ter obtido tais limitações invocando as suas patentes de processo, uma vez que as obrigações que incumbiam à Merck (GUK) por força desses acordos excediam os direitos conferidos aos titulares de patentes de processo;

–        esses acordos não previam qualquer compromisso por parte da Lundbeck de não intentar ações por contrafação contra a Merck (GUK), na hipótese de esta ter entrado no mercado com citalopram genérico após a expiração desses acordos.

64      Os dois acordos celebrados entre a Arrow e a Lundbeck foram considerados constitutivos de uma infração única e continuada que se prolongou de 24 de janeiro de 2002 a 20 de outubro de 2003.

65      Conforme resulta dos resumos que figuram nos considerandos 962 e 1013 da decisão impugnada, relativos, respetivamente, ao acordo Arrow UK e ao acordo Arrow dinamarquês, a Comissão baseou‑se, nomeadamente, nos elementos seguintes:

–        no momento da celebração desses acordos, a Lundbeck e a Arrow eram, no mínimo, concorrentes potenciais no Reino Unido e na Dinamarca;

–        A Lundbeck efetuou uma transferência de valor significativo a favor da Arrow em virtude desses acordos;

–        essa transferência de valor estava associada à aceitação, por parte da Arrow, das limitações à sua entrada no mercado do citalopram no Reino Unido e na Dinamarca previstas nos referidos acordos, em particular ao compromisso de a Arrow não vender citalopram genérico que, de acordo com a Lundbeck, violava as suas patentes, durante a respetiva vigência desses acordos;

–        essa transferência de valor correspondia, no essencial, aos lucros que a Arrow poderia ter obtido se tivesse entrado no mercado com êxito;

–        a Lundbeck não poderia ter obtido tais limitações através da aplicação das suas novas patentes, uma vez que as obrigações que incumbiam à Arrow por força desses acordos excediam os direitos conferidos ao titular de patentes de processo;

–        esses acordos não previam qualquer compromisso por parte da Lundbeck de não intentar ações por contrafação contra a Arrow na hipótese de esta, após a expiração de um desses acordos, ter entrado no mercado do Reino Unido ou no mercado da Dinamarca com citalopram genérico.

66      No que respeita ao acordo Alpharma, assim como resulta do resumo que figura no considerando 1087 da decisão impugnada, a Comissão baseou‑se, nomeadamente, nos elementos seguintes:

–        no momento da celebração desse acordo, a Lundbeck e a Alpharma eram, no mínimo, concorrentes potenciais em vários países do EEE;

–        a Lundbeck efetuou uma transferência de valor significativo a favor da Alpharma em virtude desse acordo;

–        essa transferência de valor estava ligada à aceitação, por parte da Alpharma, das limitações à sua entrada no mercado previstas no referido acordo, em particular ao compromisso da Alpharma de não vender qualquer citalopram genérico no EEE durante o período relevante;

–        essa transferência de valor correspondia, no essencial, aos lucros que a Alpharma poderia ter obtido se tivesse entrado no mercado com êxito;

–        a Lundbeck não poderia ter obtido tais limitações graças à aplicação das patentes sobre a cristalização e sobre a destilação em filme, uma vez que as obrigações que incumbiam à Alpharma por força deste acordo excediam os direitos conferidos ao titular de patentes de processo;

–        o acordo não previa qualquer compromisso por parte da Lundbeck de não intentar ações por contrafação contra a Alpharma na hipótese de esta ter entrado no mercado com citalopram genérico após a expiração desse acordo.

67      No que respeita ao acordo Ranbaxy, conforme resulta do resumo que figura no considerando 1174 da decisão impugnada, a Comissão baseou‑se, nomeadamente, nos elementos seguintes:

–        no momento da celebração deste acordo, a Lundbeck e a Ranbaxy eram, no mínimo, concorrentes potenciais no EEE;

–        a Lundbeck efetuou uma transferência de valor significativo a favor da Ranbaxy em virtude desse acordo;

–        esta transferência de valor estava ligada à aceitação, por parte da Ranbaxy, das limitações à sua entrada no mercado previstas no referido acordo, em particular ao compromisso da Ranbaxy de não produzir e de não vender o seu citalopram no EEE durante o período relevante, quer através das suas próprias filiais ou de terceiros;

–        esta transferência de valor excedia consideravelmente os lucros que a Ranbaxy poderia ter obtido com a venda do citalopram genérico que tinha produzido até então;

–        a Lundbeck não poderia ter obtido tais limitações invocando as suas patentes de processo, uma vez que as obrigações que incumbiam à Ranbaxy por força desse acordo excediam os direitos conferidos ao titular de patentes de processo;

–        o acordo não previa qualquer compromisso por parte da Lundbeck de não intentar ações por contrafação contra a Ranbaxy na hipótese de esta ter entrado no mercado com o seu citalopram genérico após a expiração do acordo controvertido.

68      A Comissão também aplicou coimas a todas as partes nos acordos controvertidos. Para o efeito, utilizou as orientações para o cálculo das coimas aplicadas nos termos do artigo 23.° n.° 2, alínea a), do Regulamento (CE) n.° 1/2003 (JO 2006, C 210, p. 2, a seguir «orientações de 2006»). Em relação à Lundbeck, a Comissão seguiu a metodologia geral descrita nas orientações de 2006, baseada no valor das vendas do produto em causa realizadas por cada um dos participantes num cartel (considerandos 1316 a 1358 da decisão impugnada). Em contrapartida, no que respeita às outras partes nos acordos controvertidos, ou seja, as empresas de genéricos, recorreu à possibilidade, prevista no n.° 37 das referidas orientações, de se afastar desta metodologia, à luz das particularidades do processo relativamente a estas partes (considerando 1359 da decisão impugnada).

69      Assim, no que respeita às partes nos acordos controvertidos distintas da Lundbeck, a Comissão considerou que, para determinar o montante de base da coima e assegurar um efeito suficientemente dissuasivo desta, devia ter tido em conta o valor das quantias que a Lundbeck lhes tinha transferido em virtude desses acordos, sem distinguir as infrações segundo a sua natureza ou o seu alcance geográfico, ou em função das quotas de mercado das empresas em causa, fatores que apenas foram abordados na decisão impugnada por razões de exaustividade (considerando 1361 da decisão impugnada).

70      Em contrapartida, quanto à Lundbeck, a Comissão aplicou o método geral descrito nas orientações de 2006, baseando‑se no valor das vendas no mercado em causa. Uma vez que as vendas de citalopram da Lundbeck tinham diminuído consideravelmente durante a vigência dos acordos controvertidos e que não abrangiam um ano de exercício completo, a Comissão calculou um valor médio anual das vendas. Para o efeito, calculou inicialmente o valor médio mensal das vendas de citalopram efetuadas pela Lundbeck durante a vigência de cada um dos acordos controvertidos e, em seguida, multiplicou este valor por doze (considerando 1326 e nota de rodapé n.° 2215 da decisão impugnada).

71      Por outro lado, a Comissão aplicou quatro coimas separadas à Lundbeck, uma vez que os seis acordos controvertidos foram considerados constitutivos de quatro infrações distintas, na medida em que os dois acordos entre a Lundbeck e a Merck (GUK) deram origem a uma infração única e continuada, tal como os dois acordos entre a Lundbeck e a Arrow. Para evitar uma coima desproporcionada, a Comissão, não obstante, aplicou um fator de correção em baixa, tendo em conta as circunstâncias do caso em apreço, baseado num método que reflete as sobreposições geográficas e temporais entre as diferentes infrações (considerando 1329 da decisão impugnada). Este método conduziu a uma redução de 15% relativamente a cada infração em que foram observadas sobreposições (nota de rodapé n.° 2218 da decisão impugnada).

72      Atendendo à gravidade das infrações detetadas, que a Comissão qualificou de «graves», uma vez que comportavam uma exclusão do mercado, à grande quota de mercado da Lundbeck no que respeita aos produtos visados por estas infrações, ao alcance geográfico bastante extenso dos acordos controvertidos e ao facto de todos esses acordos terem sido executados, a Comissão considerou que a proporção do valor das vendas aplicável devia ser fixada em 11% para as infrações cujo alcance geográfico correspondia a todo EEE e em 10% para as outras (considerandos 1331 e 1332 da decisão impugnada).

73      A Comissão aplicou um coeficiente multiplicador a este montante de modo a ter em conta a duração das infrações (considerandos 1334 a 1337 da decisão impugnada) e um montante suplementar de 10% em relação à primeira infração cometida, ou seja, a infração que diz respeito aos acordos celebrados com a Arrow, em aplicação do n.° 25 das orientações de 2006, a fim de garantir que as coimas aplicadas às recorrentes produziriam um efeito suficientemente dissuasivo (considerando 1340 da decisão impugnada).

74      Atendendo à duração total do inquérito, a Comissão, não obstante, concedeu uma redução de 10% do montante das coimas aplicadas a todos destinatários da decisão impugnada (considerandos 1349 e 1380 da decisão impugnada).

75      Com base nestas considerações, e atendendo ao facto de que o acordo GUK para o Reino Unido tinha sido assinado pela Lundbeck Ltd, a Comissão aplicou uma coima total de um montante de 93 766 000 euros à Lundbeck, dos quais 5 306 000 euros solidariamente com a Lundbeck Ltd, com a seguinte composição (considerandos 1238, 1358 e artigo 2.° da decisão impugnada):

–        19 893 000 euros pelos acordos celebrados com a Merck (GUK), dos quais 5 306 000 euros solidariamente com a Lundbeck Ltd;

–        12 951 000 euros pelos acordos celebrados com a Arrow;

–        31 968 000 euros pelo acordo celebrado com a Alpharma;

–        28 954 000 euros pelo acordo celebrado com a Ranbaxy.

 Tramitação do processo e pedidos das partes

76      Por petição apresentada na Secretaria do Tribunal Geral em 30 de agosto de 2013, as recorrentes, Lundbeck e Lundbeck Ltd, interpuseram o presente recurso.

77      Por despacho do presidente da Nona Secção do Tribunal Geral de 20 de maio de 2014, foi admitida a intervenção da European Federation of Pharmaceutical Industries and Associations (a seguir «EFPIA» ou «interveniente») no presente processo, em apoio dos pedidos das recorrentes.

78      No âmbito das medidas de organização do processo previstas no artigo 64.° do Regulamento de Processo do Tribunal Geral de 2 de maio de 1991, as partes principais foram convidadas a pronunciar‑se por escrito, no âmbito das suas observações sobre as alegações de intervenção da EFPIA, sobre as eventuais consequências no presente processo do acórdão de 11 de setembro de 2014, CB/Comissão (C‑67/13 P, Colet., EU:C:2014:2204).

79      As partes principais apresentaram as suas observações no prazo fixado, por articulados entrados na Secretaria do Tribunal Geral em 15 de janeiro de 2015.

80      A fase escrita do processo foi encerrada no mesmo dia.

81      Sob proposta do juiz‑relator, o Tribunal Geral (Nona Secção) decidiu iniciar a fase oral do processo e, no âmbito das medidas de organização do processo previstas no artigo 89.° do seu Regulamento de Processo, colocou questões às partes para resposta escrita.

82      Estas responderam às referidas questões no prazo fixado, por articulados apresentados na Secretaria do Tribunal Geral em 30 de outubro de 2015.

83      Na audiência de 26 de novembro de 2015, foram ouvidas as alegações das partes e as suas respostas às questões orais colocadas pelo Tribunal Geral.

84      As recorrentes concluem pedindo que o Tribunal Geral se digne:

–        adotar uma diligência de instrução para que a Comissão apresente as versões não expurgadas da sua correspondência com a KFST;

–        anular a decisão impugnada;

–        a título subsidiário, eliminar o montante das coimas que lhes foram aplicadas nos termos dessa decisão;

–        a título eminentemente subsidiário, reduzir substancialmente o montante das referidas coimas;

–        em qualquer caso, condenar a Comissão nas despesas em que as recorrentes incorreram;

–        adotar qualquer medida que considere oportuna.

85      A Comissão conclui pedindo que o Tribunal Geral se digne:

–        negar provimento ao recurso;

–        condenar as recorrentes nas despesas, com exceção das despesas em que a interveniente incorreu;

–        decidir que a interveniente suporta as suas próprias despesas.

86      A interveniente conclui pedindo que o Tribunal Geral se digne:

–        anular a decisão impugnada na medida em que afeta as recorrentes;

–        condenar a Comissão nas despesas em que a interveniente incorreu.

87      No que respeita ao pedido das recorrentes para que o Tribunal Geral adote uma diligência de instrução com vista à apresentação, por parte da Comissão, das versões não expurgadas da sua correspondência com a KFST, importa observar que, na sequência da comunicação espontânea destes documentos no âmbito do presente recurso, as recorrentes confirmaram na audiência que não pretendiam mantê‑lo.

 Questão de direito

88      As recorrentes invocam dez fundamentos de recurso. Estes devem ser apreciados pela ordem por que foram apresentados.

I –  Quanto ao primeiro fundamento, relativo a erros de direito e de apreciação cometidos na medida em que a decisão impugnada considera que as empresas de genéricos e a Lundbeck eram, no mínimo, concorrentes potenciais no momento da celebração dos acordos controvertidos

89      As recorrentes alegam que a decisão impugnada interpreta erradamente a jurisprudência relevante para determinar se um acordo restringe a concorrência potencial, que pressupõe a existência de possibilidades reais e concretas de entrada no mercado na falta do acordo, e consideram que a Comissão não teve em conta factos essenciais a este respeito.

90      Antes de apreciar os argumentos das recorrentes, há que recapitular brevemente a jurisprudência relevante, assim como a abordagem adotada pela Comissão na decisão impugnada sobre a concorrência potencial entre a Lundbeck e as empresas de genéricos.

A –  Análise relativa à concorrência potencial na decisão impugnada

91      Nos considerandos 615 a 620 da decisão impugnada, a Comissão apreciou as características específicas do setor farmacêutico e distinguiu duas fases durante as quais a concorrência potencial podia manifestar‑se neste setor.

92      A primeira fase pode iniciar‑se vários anos antes de expirar a patente sobre um IFA, quando os produtores de genéricos que pretendem lançar uma versão genérica do medicamento em causa começam a desenvolver processos de produção viáveis que resultam num produto que responde às exigências regulamentares. Em seguida, numa segunda fase, a fim de preparar a sua entrada efetiva no mercado, é necessário que uma empresa de genéricos obtenha uma autorização de introdução no mercado (AIM) nos termos da Diretiva 2001/83/CE do Parlamento Europeu e do Conselho, de 6 de novembro de 2001, que estabelece um código comunitário relativo aos medicamentos para uso humano (JO L 311, p. 67), que se abasteça de comprimidos junto de um ou de vários produtores de genéricos ou que os produza por si mesma, que encontre distribuidores ou implemente a sua própria rede de distribuição, ou seja, que realize uma série de diligências prévias, sem as quais nunca teria existido concorrência efetiva no mercado.

93      O expirar próximo da patente sobre um IFA gera, por conseguinte, um processo concorrencial dinâmico, no decurso do qual as diferentes empresas que produzem medicamentos genéricos competem para ser as primeiras a entrar no mercado. Com efeito, a primeira destas empresas a conseguir entrar no mercado pode obter lucros significativos, antes de a concorrência se intensificar e de os preços reduzirem drasticamente. É por este motivo que tais empresas estão dispostas a efetuar investimentos consideráveis e a assumir riscos significativos para serem as primeiras a entrar no mercado do produto em causa logo que expire a patente sobre o IFA em questão.

94      No âmbito destas duas fases de concorrência potencial, as empresas que produzem medicamentos genéricos, ou que pretendem vendê‑los, deparam‑se frequentemente com questões de direito das patentes e da propriedade intelectual. Não obstante, por norma, encontram um meio para evitar qualquer infração às patentes existentes, tais como as patentes de processo. De facto, dispõem de várias opções a este respeito, tais como a possibilidade de requererem uma declaração de não contrafação ou de «eliminarem os obstáculos», informando a empresa de medicamentos originais da sua intenção de entrar no mercado. Podem igualmente lançar os seus produtos «com risco», defendendo‑se de potenciais alegações por contrafação ou apresentando um pedido reconvencional para pôr em causa a validade das patentes invocadas em apoio de uma ação por contrafação. Por último, podem também colaborar com o seu fornecedor de IFA para alterarem o processo de produção ou reduzirem os riscos de contrafação ou, ainda, recorrer a outro produtor de IFA para evitar tal risco.

95      Nos considerandos 621 a 623 da decisão impugnada, a Comissão recordou que, no caso em apreço, as patentes originárias da Lundbeck tinham expirado em janeiro de 2002 na maioria dos países do EEE. Este facto tinha originado um processo concorrencial dinâmico, no qual várias empresas que produziam ou vendiam medicamentos genéricos tinham desenvolvido diligências para serem as primeiras a entrar no mercado. A Lundbeck apercebeu‑se desta ameaça desde dezembro de 1999, quando escreveu no seu plano estratégico para o ano de 2000 que, «de [então] até 2002, [era] provável que os genéricos [tivessem] capturado uma quota de mercado substancial das vendas de Cipramil». De igual modo, em dezembro de 2001, a Lundbeck escreveu no seu plano estratégico para o ano de 2002 que previa que o mercado do Reino Unido em particular fosse severamente afetado pela concorrência dos genéricos. Atendendo a estes elementos, a Comissão concluiu que as empresas de genéricos exerciam uma pressão concorrencial sobre a Lundbeck no momento da celebração dos acordos controvertidos.

96      Além disso, nos considerandos 624 a 633 da decisão impugnada, a Comissão declarou que o facto de contestar as patentes era uma expressão da concorrência potencial no setor farmacêutico. Recordou, a este respeito, que, no EEE, as empresas que pretendiam vender medicamentos genéricos não estavam obrigadas a demonstrar que os seus produtos não violavam qualquer patente para poderem obter uma AIM ou para começarem a comercializá‑los. É à empresa de medicamentos originais que cabe provar que estes produtos violam, pelo menos à primeira vista, uma das suas patentes, para que um órgão jurisdicional possa impor à empresa em causa a obrigação de não vender os seus produtos no mercado. Ora, no caso em apreço, a Comissão considerou, com fundamento nas avaliações das partes nos acordos controvertidos, que a patente sobre a cristalização, na qual a Lundbeck se baseou, no essencial, para bloquear a entrada no mercado dos genéricos no Reino Unido, tinha até 60% de possibilidades de ser invalidada por um órgão jurisdicional e que era considerada pouco inovadora pelas empresas de genéricos. Nestas circunstâncias, a Comissão entendeu que o facto de as empresas de genéricos entrarem «com risco» no mercado e de eventualmente terem de fazer face a ações de contrafação intentadas pela Lundbeck constituía a manifestação de uma concorrência potencial. Por conseguinte, a Comissão concluiu que as patentes de processo da Lundbeck não permitiam bloquear todas as possibilidades de entrada no mercado abertas às empresas de genéricos.

97      No considerando 635 da decisão impugnada, a Comissão identificou, no caso em apreço, oito possíveis vias de acesso ao mercado:

–        em primeiro lugar, o lançamento do produto «com risco» fazendo face a eventuais ações por contrafação por parte da Lundbeck;

–        em segundo lugar, o desenvolvimento de esforços para «eliminar os obstáculos» com a empresa de medicamentos originais, antes de entrada no mercado, em particular no Reino Unido;

–        em terceiro lugar, a apresentação de um pedido de declaração de não contrafação num órgão jurisdicional nacional, antes de entrada no mercado;

–        em quarto lugar, a invocação da invalidade de uma patente num órgão jurisdicional nacional, no âmbito de um pedido reconvencional apresentado na sequência de uma ação por contrafação intentada pela empresa de medicamentos originais;

–        em quinto lugar, a contestação de uma patente nas autoridades nacionais competentes ou no IEP, através de um pedido de revogação ou de limitação dessa patente;

–        em sexto lugar, a colaboração com o produtor de IFA atual ou seu fornecedor para alteração do processo do produtor de IFA de forma a eliminar ou reduzir o risco de contrafação das patentes de processo da empresa de medicamentos originais;

–        em sétimo lugar, o facto de recorrer a outro produtor de IFA no âmbito de um contrato de abastecimento existente;

–        em oitavo lugar, o recurso a outro produtor de IFA, fora de um contrato de abastecimento existente, quer porque o referido contrato o autorizava, quer porque, potencialmente, um contrato de abastecimento exclusivo poderia ser inválido caso se declarasse que o IFA violava as patentes de processo da Lundbeck.

B –  Princípios e jurisprudência aplicáveis

1.     Quanto ao conceito de concorrência potencial

98      Importa observar, antes de mais, que o artigo 101.°, n.° 1, TFUE é apenas aplicável aos setores abertos à concorrência, tendo em conta as condições referidas neste texto, relativas à afetação das trocas comerciais entre os Estados‑Membros e às repercussões na concorrência (v. acórdão de 29 de junho de 2012, E.ON Ruhrgas e E.ON/Comissão, T‑360/09, Colet., EU:T:2012:332, n.° 84 e jurisprudência aí referida).

99      Segundo a jurisprudência, a análise das condições de concorrência num determinado mercado assenta não só na concorrência atual das empresas já presentes no mercado em causa, mas também na concorrência potencial, a fim de saber se, tendo em conta a estrutura do mercado e o contexto económico e jurídico em que se enquadra o seu funcionamento, existem possibilidades reais e concretas de as empresas envolvidas competirem entre si, ou de um novo concorrente entrar no mercado em causa e fazer concorrência às empresas já estabelecidas nesse mesmo mercado (acórdãos de 15 de setembro de 1998, European Night Services e o./Comissão, T‑374/94, T‑375/94, T‑384/94 e T‑388/94, Colet., EU:T:1998:198, n.° 137; de 14 de abril de 2011, Visa Europe e Visa International Service/Comissão, T‑461/07, Colet., EU:T:2011:181, n.° 68; e E.ON Ruhrgas e E.ON/Comissão, n.° 98, supra, EU:T:2012:332, n.° 85).

100    Para averiguar se uma empresa constitui um concorrente potencial num mercado, a Comissão deve demonstrar que, na falta de celebração do acordo que analisa, existiriam possibilidades reais e concretas de que aquela integrasse o referido mercado e de que competisse com as empresas aí estabelecidas. Essa demonstração não deve assentar numa simples hipótese, antes devendo assentar em elementos de facto ou numa análise das estruturas do mercado pertinente. Deste modo, uma empresa não pode ser qualificada de concorrente potencial se a sua entrada no mercado não corresponder a uma estratégia económica viável (v. acórdão E.ON Ruhrgas e E.ON/Comissão, n.° 98, supra, EU:T:2012:332, n.° 86 e jurisprudência aí referida).

101    Daí decorre necessariamente que, embora a intenção de uma empresa de integrar um mercado seja eventualmente pertinente para averiguar se ela pode ser considerada um concorrente potencial no referido mercado, o elemento essencial no qual deve assentar essa qualificação é no entanto constituído pela sua capacidade para integrar o referido mercado (v. acórdão E.ON Ruhrgas e E.ON/Comissão, n.° 98, supra, EU:T:2012:332, n.° 87 e jurisprudência aí referida).

102    Deve, a este respeito, recordar‑se que uma restrição da concorrência potencial, que pode ser apenas a existência de uma empresa exterior a esse mercado, não pode depender da intenção de essa empresa integrar a curto prazo o referido mercado. Com efeito, o simples facto da sua existência pode exercer pressão concorrencial sobre as empresas que operam atualmente nesse mercado, pressão que é constituída pelo risco da entrada de um novo concorrente em caso de evolução da atratividade do mercado (acórdão Visa Europe e Visa International Service/Comissão, n.° 99, supra, EU:T:2011:181, n.° 169).

103    Por outro lado, a jurisprudência esclareceu igualmente que o próprio facto de uma empresa já presente num mercado ter tentado celebrar acordos ou instituir mecanismos de trocas de informações com outras empresas que não estavam presentes nesse mercado constituía um indício sério de que este não era impenetrável (v., neste sentido, acórdãos de 12 de julho de 2011, Hitachi e o./Comissão, T‑112/07, Colet., EU:T:2011:342, n.° 226, e de 21 de maio de 2014, Toshiba/Comissão, T‑519/09, EU:T:2014:263, n.° 231).

104    Embora resulte desta jurisprudência que a Comissão pode basear‑se, nomeadamente, sobre a perceção da empresa presente no mercado a fim de apreciar se outras empresas são concorrentes potenciais desta, não deixa de ser verdade que a possibilidade puramente teórica de uma entrada no mercado não é suficiente para demonstrar a existência de uma concorrência potencial. A Comissão deve, assim, demonstrar, através de elementos de facto ou de uma análise das estruturas do mercado pertinente, que a entrada no mercado se teria podido efetuar de uma forma suficientemente rápida para que a ameaça de uma entrada potencial pesasse sobre o comportamento dos participantes no mercado ou mediante custos que teriam sido economicamente suportáveis (v., neste sentido, acórdão E.ON Ruhrgas e E.ON/Comissão, n.° 98, supra, EU:T:2012:332, n.os 106 e 114).

2.     Quanto ao ónus da prova

105    A jurisprudência prevê, tal como o artigo 2.° do Regulamento n.° 1/2003, que é à parte ou à autoridade que alega uma violação das regras da concorrência que incumbe o ónus da prova. Assim, em caso de litígio sobre a existência de uma infração, compete à Comissão apresentar a prova das infrações por ela declaradas e apresentar os elementos probatórios adequados a demonstrar suficientemente a existência dos factos constitutivos de uma infração (v. acórdão de 12 de abril de 2013, CISAC/Comissão, T‑442/08, Colet., EU:T:2013:188, n.° 91 e jurisprudência aí referida).

106    Nesse contexto, a existência de dúvidas no espírito do juiz deve aproveitar à empresa destinatária da decisão que declara uma infração. O juiz não pode, pois, concluir que a Comissão fez prova bastante da existência da infração em causa se subsistir ainda no seu espírito uma dúvida sobre essa questão, nomeadamente no quadro de um recurso que visa a anulação de uma decisão que aplica uma coima (v. acórdão CISAC/Comissão, n.° 105, supra, EU:T:2013:188, n.° 92 e jurisprudência aí referida).

107    Com efeito, é necessário ter em conta a presunção de inocência, tal como resulta, nomeadamente, do artigo 48.° da Carta dos Direitos Fundamentais da União Europeia. Atenta a natureza das infrações em causa, bem como a natureza e o grau de severidade das sanções que se podem ligar a estas, a presunção de inocência aplica‑se, designadamente, aos processos relativos a violações das regras de concorrência aplicáveis às empresas suscetíveis de conduzir à aplicação de coimas ou de sanções pecuniárias compulsórias (v., neste sentido, acórdão CISAC/Comissão, n.° 105, supra, EU:T:2013:188, n.° 93 e jurisprudência aí referida).

108    Além disso, há que ter em conta o prejuízo não insignificante para a reputação que representa, para uma pessoa singular ou coletiva, a constatação de que está envolvida numa infração às regras da concorrência (v. acórdão CISAC/Comissão, n.° 105, supra, EU:T:2013:188, n.° 95 e jurisprudência aí referida).

109    Assim, é necessário que a Comissão apresente provas precisas e concordantes para demonstrar a existência da infração e para fundamentar a convicção firme de que as infrações alegadas constituem restrições da concorrência na aceção do artigo 101.°, n.° 1, TFUE (v. acórdão CISAC/Comissão, n.° 105, supra, EU:T:2013:188, n.° 96 e jurisprudência aí referida).

110    No entanto, há que sublinhar que cada uma das provas apresentadas pela Comissão não tem de corresponder necessariamente a estes critérios em relação a cada elemento da infração. Basta que o conjunto de indícios invocado pela instituição, apreciado globalmente, preencha esse requisito (v. acórdão CISAC/Comissão, n.° 105, supra, EU:T:2013:188, n.° 97 e jurisprudência aí referida).

111    Por último, importa observar que, quando a Comissão demonstra que uma empresa participou numa medida anticoncorrencial, incumbe a essa empresa fornecer, recorrendo não só a documentos não divulgados mas também a todos os meios de que disponha, uma explicação diferente para o seu comportamento (v., neste sentido, acórdão de 7 de janeiro de 2004, Aalborg Portland e o./Comissão, C‑204/00 P, C‑205/00 P, C‑211/00 P, C‑213/00 P, C‑217/00 P e C‑219/00 P, Colet., EU:C:2004:6, n.os 79 e 132).

112    Não obstante, quando a Comissão dispõe de provas documentais de uma prática anticoncorrencial, as empresas em causa não podem limitar‑se a invocar circunstâncias que clarifiquem de modo diferente os factos provados pela Comissão e que permitam, assim, substituir por outra a explicação que ela dá aos factos. Com efeito, na presença de provas documentais, incumbe às referidas empresas não apenas apresentar uma pretensa explicação alternativa dos factos declarados pela Comissão, mas também impugnar a existência desses factos provados por documentos apresentados pela Comissão (v., neste sentido, acórdão CISAC/Comissão, n.° 105, supra, EU:T:2013:188, n.° 99 e jurisprudência aí referida).

3.     Quanto ao alcance da fiscalização exercida pelo Tribunal Geral

113    Importa recordar que o artigo 263.° TFUE implica que o juiz da União exerça uma fiscalização, tanto de direito como de facto, dos argumentos invocados pelas recorrentes contra a decisão controvertida e que este tenha o poder de apreciar as provas e de anular a referida decisão. Por conseguinte, embora, nos domínios que dão lugar a apreciações económicas complexas, a Comissão disponha de uma margem de apreciação, isso não implica que o juiz da União deva abster‑se de fiscalizar a interpretação, pela Comissão, de dados de natureza económica. Com efeito, o juiz da União deve, designadamente, não só verificar a exatidão material dos elementos de prova invocados, a sua fiabilidade e a sua coerência, mas também fiscalizar se esses elementos constituem todos os dados pertinentes que devem ser tomados em consideração para apreciar uma situação complexa e se são suscetíveis de fundamentar as conclusões que deles se extraem (v., neste sentido, acórdão de 10 de julho de 2014, Telefónica e Telefónica de España/Comissão, C‑295/12 P, Colet., EU:C:2014:2062, n.os 53 e 54 e jurisprudência aí referida).

114    É à luz destas considerações que há que apreciar os argumentos das recorrentes relativos à inexistência de concorrência potencial entre estas e as empresas de genéricos no momento da celebração dos acordos controvertidos.

C –  Quanto à primeira parte, relativa ao facto de o lançamento de medicamentos que violam os direitos de propriedade intelectual de terceiros não constituir a expressão de uma concorrência potencial nos termos do artigo 101.° TFUE

115    As recorrentes alegam que a decisão impugnada enferma de um erro de direito na medida em que considera que o lançamento de medicamentos que violam os direitos de propriedade intelectual de terceiros constitui a expressão de uma concorrência potencial nos termos do artigo 101.° TFUE. O facto de fundamentar a existência de uma concorrência potencial na hipótese de um lançamento de medicamentos genéricos no mercado, com o risco de ter de fazer face a uma ação por contrafação baseada nas suas patentes, é incompatível com a proteção concedida às patentes e aos direitos exclusivos que daí resultam. O artigo 101.° TFUE protege apenas a concorrência lícita e esta não pode existir quando um direito exclusivo, tal como uma patente, impede, juridicamente ou de facto, a entrada no mercado.

116    A Comissão contesta estes argumentos.

117    Importa recordar que o objeto específico da propriedade industrial consiste em assegurar ao titular, como forma de recompensar o esforço criador do inventor, o direito exclusivo de utilizar uma invenção destinada ao fabrico e ao primeiro lançamento em circulação de produtos industriais, quer diretamente, quer mediante a concessão de licenças a terceiros, bem como o direito de se opor a qualquer violação do referido direito (acórdão de 31 de outubro de 1974, Centrafarm e de Peijper, 15/74, Colet., EU:C:1974:114, n.° 9).

118    Todavia, de nenhuma forma a jurisprudência exclui a aplicação do artigo 101.°, n.° 1, TFUE aos acordos amigáveis que podem ser celebrados em matéria de patentes. Esta prevê, pelo contrário, que, embora este artigo não afete a existência dos direitos reconhecidos pela legislação de um Estado‑Membro no domínio da propriedade industrial, as condições de exercício do referido direito podem, todavia, ser abrangidas pelas proibições nele previstas. Tal pode ser o caso sempre que o exercício do referido direito seja suscetível de constituir o objeto, o meio ou a consequência de um cartel (v., neste sentido, acórdão Centrafarm e de Peijper, n.° 117, supra, EU:C:1974:114, n.os 39 e 40).

119    De igual modo, segundo a jurisprudência, apesar de não caber à Comissão definir a extensão de uma patente, não é menos verdade que esta instituição não pode deixar de intervir, quando a extensão de uma patente é relevante para a apreciação de uma violação dos artigos 101.° e 102.° TFUE (acórdão de 25 de fevereiro de 1986, Windsurfing International/Comissão, 193/83, Colet., a seguir «acórdão Windsurfing», EU:C:1986:75, n.° 26). O Tribunal de Justiça também esclareceu que o objeto específico da patente não pode ser entendido como garantia de uma proteção igualmente dirigida contra as ações que visem contestar a validade da patente, considerando que é de interesse público eliminar qualquer obstáculo à atividade económica que possa resultar de uma patente concedida injustificadamente (acórdão Windsurfing, já referido, EU:C:1986:75, n.° 92).

120    Ora, no caso em apreço, o argumento das recorrentes assenta na premissa incorreta de que, por um lado, era inquestionável que as empresas de genéricos violavam as suas patentes e, por outro, estas teriam certamente resistido às exceções de invalidade suscitadas pelas empresas de genéricos no âmbito de eventuais ações por contrafação.

121    De facto, embora seja verdade que existe a presunção de que as patentes são válidas até serem expressamente revogadas ou invalidadas por uma autoridade ou por um órgão jurisdicional competente para o efeito, esta presunção de validade não pode equivaler a uma presunção de ilegalidade dos produtos genéricos validamente introduzidos no mercado que segundo o titular de uma patente violam esta mesma patente.

122    Conforme afirmou corretamente a Comissão, e sem que as recorrentes o tenham contestado, no caso em apreço, cabia a estas demonstrar nos órgãos jurisdicionais nacionais, em caso de entrada dos genéricos no mercado, que estes violavam alguma das suas patentes de processo, uma vez que uma entrada com risco não era em si mesma ilegal. Por outro lado, em caso de ação por contrafação intentada pela Lundbeck contra as empresas de genéricos, estas poderiam ter contestado a validade da patente invocada pela Lundbeck, através de uma ação reconvencional. Com efeito, tais ações são frequentes em matéria de patentes e conduzem, em numerosos casos, a uma declaração de invalidade da patente de processo invocada pelo seu titular (v. considerandos 75 e 76 da decisão impugnada). Assim, resulta dos elementos de prova que figuram nos considerandos 157 e 745 da decisão impugnada que a própria Lundbeck avaliava esta probabilidade em 50% a 60% no que respeita à patente sobre a cristalização.

123    Além disso, decorre claramente da decisão impugnada que, para demonstrar a existência de uma concorrência potencial no caso em apreço, a Comissão baseou‑se na jurisprudência resultante dos acórdãos European Night Services e o./Comissão, n.° 99, supra (EU:T:1998:198), e Visa Europe e Visa International Service/Comissão, n.° 99, supra (EU:T:2011:181), segundo a qual importa apreciar se, tendo em conta a estrutura do mercado e o contexto económico e jurídico em que se enquadra o seu funcionamento, existem possibilidades reais e concretas de as empresas envolvidas competirem entre si, ou de um novo concorrente entrar no mercado em causa e fazer concorrência às empresas já estabelecidas nesse mesmo mercado (considerandos 610 e 611 da decisão impugnada).

124    A este respeito, à luz dos elementos recordados no n.° 122, supra, há que constatar que a Comissão não cometeu um erro ao considerar que as patentes de processo da Lundbeck não constituíam necessariamente barreiras intransponíveis para as empresas de genéricos (v., neste sentido, acórdão Toshiba/Comissão, n.° 103, supra, EU:T:2014:263, n.° 230), que desejavam entrar no mercado do citalopram e estavam prontas a fazê‑lo, e que já tinham efetuado investimentos consideráveis para o efeito no momento da celebração dos acordos controvertidos.

125    É certamente possível que, em determinados casos, as recorrentes tivessem ganho de causa nos órgãos jurisdicionais competentes, obtendo injunções ou indemnizações contra as empresas de genéricos. Todavia, resulta dos elementos de prova que figuram na decisão impugnada em relação a cada uma das empresas de genéricos que, à data, estas não consideravam tal possibilidade uma ameaça suficientemente credível. Assim, a Merck (GUK) entendia, por exemplo, na sequência da publicação da patente sobre a cristalização da Lundbeck, que o citalopram da Natco «não era litigioso», que «nenhum dos pedidos de patente publicados […] colocava problemas» e que, atendendo às declarações dos peritos, não existia, «de forma alguma, qualquer problema em matéria de patentes» (considerandos 237, 248 e 334 da decisão impugnada).

126    Além disso, não havia qualquer certeza quanto ao facto de que as recorrentes teriam efetivamente intentado ações judiciais em caso de entrada dos genéricos no mercado. É certo que a decisão impugnada reconhece que tinham implementado uma estratégia geral que consistia em formular ameaças de ações por contrafação ou em intentar tais ações com fundamento nas suas patentes de processo. Não obstante, qualquer decisão de agir judicialmente dependia do ponto de vista das recorrentes quanto à probabilidade de uma ação prosperar e de um produto genérico comercializado ser considerado uma contrafação de uma das suas patentes. Ora, estas sabiam perfeitamente que os «fabricantes de genéricos poderiam ter produzido citalopram através da aplicação do processo descrito na [sua] patente original que protegia o IFA […] ou que poderiam ter investido na criação de um processo totalmente novo» (considerando 150 da decisão impugnada). Por outro lado, perante eventuais pedidos reconvencionais, a Lundbeck sabia que a patente sobre a cristalização não era «a mais sólida das patentes» e que era considerada por alguns dos seus rivais como «química de escola secundária» (considerando 149 da decisão impugnada).

127    Por último, importa observar que, no caso em apreço, as patentes originárias da Lundbeck já tinham expirado no momento da celebração dos acordos controvertidos e que a patente sobre a cristalização não tinha ainda sido definitivamente concedida no Reino Unido, na aceção do artigo 25.° da UK Patents Act 1977 (Lei de patentes do Reino Unido de 1977), no momento da celebração do acordo GUK pelo Reino Unido e do acordo Arrow UK. Assim, a concessão de medidas provisórias a favor da Lundbeck no Reino Unido contra a Merck (GUK) e a Arrow teria sido, se não impossível, pelo menos pouco provável em caso de entrada no mercado no Reino Unido destas empresas antes da data de concessão de tal patente. Por conseguinte, é pouco provável que a Lundbeck tivesse podido obter injunções contra todas as empresas de genéricos, mesmo que tivesse sistematicamente intentado ações judiciais contra estas. De igual modo, a patente sobre o iodo não foi concedida até 26 de março de 2003.

128    Consequentemente, à semelhança do que fez a Comissão no considerando 635 da decisão impugnada, importa observar que, de forma geral, existiam várias vias, constitutivas de possibilidades concretas e realistas, de as empresas de genéricos entrarem no mercado no momento da celebração dos acordos controvertidos (n.° 97, supra). Entre estas figura, nomeadamente, o lançamento do produto genérico «com risco», que acarreta a possibilidade de enfrentar a Lundbeck no âmbito de eventuais litígios.

129    Tal possibilidade representa efetivamente a expressão de uma concorrência potencial, numa situação como a do caso em apreço em que as patentes originárias da Lundbeck, relativas simultaneamente ao IFA citalopram e aos processos de produção de alquilação e de cianação, tinham expirado e em que existiam outros processos que permitiam produzir citalopram genérico a respeito dos quais não foi demonstrado que violavam outras patentes da Lundbeck, facto que as próprias recorrentes reconheceram na sua resposta à comunicação de acusações. Além disso, as diligências e os investimentos efetuados pelas empresas de genéricos para entrarem no mercado do citalopram antes de celebrarem os acordos controvertidos, tais como expostos pela Comissão em relação a cada uma das empresas de genéricos na decisão impugnada [v. considerandos 738 a 743 e 827 a 832, no que respeita à Merck (GUK), considerandos 877 a 883 e 965 a 969, no que respeita à Arrow, considerandos 1016 a 1018, no que respeita à Alpharma e considerandos 1090 a 1102, no que respeita à Ranbaxy] e cuja própria existência não foi contestada pelas recorrentes, demonstram que estavam prontas a entrar no mercado e a correr os riscos inerentes a tal entrada.

130    Por último, importa igualmente rejeitar o argumento das recorrentes segundo o qual uma entrada com risco das empresas de genéricos teria sido ilegal, pelo que não é possível considerar que constitui o exercício legítimo de uma concorrência real ou potencial.

131    Com efeito, a jurisprudência apenas exige a demonstração do facto de as empresas de genéricos disporem de possibilidades reais e concretas e da capacidade de entrar no mercado, o que certamente sucede quando estas tinham efetuado investimentos significativos para entrar no mercado e já tinham obtido as AIM ou desenvolvido as diligências necessárias para obtê‑las num prazo razoável. A este respeito, importa recordar que algumas destas chegaram mesmo a entrar no mercado antes ou após a celebração dos acordos controvertidos, assumindo os respetivos riscos. Assim, a NM Pharma, o distribuidor da Merck (GUK) na Suécia, tinha realizado vendas «bastante encorajadoras» durante quase cinco meses no mercado sueco, antes da celebração do acordo para o EEE, sem ser importunada pela Lundbeck (considerando 837 da decisão impugnada). A Merck (GUK) tinha igualmente podido vender comprimidos de citalopram genérico por um valor de 3,3 milhões de GBP no Reino Unido em agosto de 2003, antes de obter uma segunda prorrogação mais lucrativa do acordo GUK para o Reino Unido. Aceitar a tese das recorrentes equivaleria a admitir que mesmo essa entrada efetiva no mercado não constitui a expressão de uma concorrência potencial, simplesmente porque as recorrentes estavam convencidas do caráter ilegal de tal entrada e porque, eventualmente, poderiam ter tentado opor‑se a esta invocando as suas patentes de processo no âmbito de ações por contrafação. Ora, pelos motivos expostos nos n.os 120 a 122 acima, tal argumentação deve ser rejeitada.

132    Assim, as recorrentes consideram erradamente que a Comissão desrespeitou a presunção de validade das suas patentes e os direitos de propriedade inerentes a estas, ao qualificar a entrada «com risco» das empresas de genéricos no mercado como a expressão de uma concorrência potencial entre a Lundbeck e estas últimas no caso em apreço.

133    Por conseguinte, a primeira parte deve ser rejeitada.

D –  Quanto à segunda parte, relativa ao facto de a Comissão se ter baseado em avaliações subjetivas para concluir que as empresas de genéricos eram concorrentes reais ou potenciais da Lundbeck

134    As recorrentes consideram que a decisão impugnada erra ao basear‑se na avaliação subjetiva efetuada pelas partes nos acordos controvertidos, referente à validade de uma patente e ao caráter contrafeito, ou não, de um produto, para determinar se estas partes constituíam concorrentes potenciais.

135    Em primeiro lugar, consideram que a decisão impugnada não prova de forma suficiente que a apreciação subjetiva das empresas de genéricos consistia, em seu entender, no facto de que existia uma possibilidade real de um órgão jurisdicional declarar as patentes da Lundbeck nulas ou não contrafeitas. Ora, nos termos do artigo 2.° do Regulamento n.° 1/2003, é à Comissão que incumbe provar que uma entrada sem infração era possível no decurso dos períodos abrangidos pelos acordos controvertidos. Além disso, tal apreciação baseia‑se em informações insuficientes e que não permaneceram constantes, pelo que não podem ser utilizadas para demonstrar a existência de uma concorrência potencial entre as partes nos acordos controvertidos.

136    Em segundo lugar, a decisão impugnada é errada e não tem em conta os elementos objetivos que confirmam a dificuldade que as empresas de genéricos encontram para entrar no mercado, tais como os elementos científicos fornecidos pela Lundbeck que provam a existência de uma contrafação, a confirmação, tanto pela Câmara de Recurso do IEP como pelo Instituto das Patentes dos Países Baixos, da validade da patente sobre a cristalização em todos os aspetos pertinentes, ou ainda o facto de terem sido concedidas à Lundbeck injunções preliminares ou outras formas de medidas provisórias em mais de 50% dos processos que intentou no decurso dos anos de 2002‑2003. Assim, a decisão impugnada não demonstra de forma suficiente a capacidade de as empresas de genéricos entrarem no mercado e não resolve a questão de saber se as patentes da Lundbeck eram válidas e tinham sido violadas no momento da celebração dos acordos controvertidos, que é uma questão objetiva.

137    A Comissão contesta estes argumentos.

138    A título preliminar, há que confirmar a abordagem da Comissão, conforme resulta da decisão impugnada como um todo, que consiste em ter em conta principalmente os elementos de prova anteriores ou contemporâneos à data em que os acordos controvertidos foram celebrados (v., por analogia, acórdão de 11 de julho de 2014, Esso e o./Comissão, T‑540/08, Colet., EU:T:2014:630, n.° 75 e jurisprudência aí referida).

139    Com efeito, por um lado, a Comissão não pode reconstituir o passado imaginando os acontecimentos que teriam ocorrido e que, precisamente, não ocorreram devido a estes acordos. Por outro, as partes nestes acordos têm atualmente todo o interesse em invocar argumentos que demonstrem que não tinham qualquer perspetiva realista de entrar no mercado ou que julgavam que os seus produtos violavam alguma das patentes da Lundbeck. Não obstante, foi apenas com base nas informações de que dispunham à data e na sua perceção do mercado nesse momento que decidiram adotar uma linha de ação e celebrar os acordos controvertidos.

140    Por outro lado, tal abordagem é conforme aos ensinamentos do acórdão Windsurfing, n.° 119, supra (EU:C:1986:75, n.° 26), no qual o Tribunal de Justiça considerou que não cabe à Comissão definir a extensão de uma patente, mas que esta não pode deixar de intervir, quando a extensão de uma patente é relevante para a apreciação de uma violação dos artigos 101.° e 102.° TFUE.

141    Por conseguinte, sem cometer qualquer erro, a Comissão baseou‑se em documentos objetivos que refletem a perceção das partes nos acordos controvertidos acerca da força das patentes de processo da Lundbeck no momento da celebração destes acordos (v., nomeadamente, considerando 669 da decisão impugnada), para avaliar a situação concorrencial entre tais partes, sendo precisado que também podem ser tidos em conta elementos de prova posteriores, desde que permitam determinar melhor qual era a sua posição à data, confirmar ou contestar as suas teses a este respeito, bem como compreender melhor o funcionamento do mercado em causa. Em qualquer caso, estes elementos não podem ser decisivos para efeitos da apreciação da existência de uma concorrência potencial entre as partes nos acordos controvertidos.

142    Além disso, as recorrentes afirmam erradamente que a Comissão se baseou «quase exclusivamente» em tais avaliações subjetivas para demonstrar a existência de uma concorrência potencial entre elas e as empresas de genéricos na decisão impugnada. Com efeito, relativamente a cada uma das empresas de genéricos em causa, a Comissão realizou uma análise minuciosa das possibilidades reais e concretas que tinham de entrar no mercado, baseando‑se em elementos objetivos como os investimentos já realizados, as diligências efetuadas para obtenção de uma AIM e os contratos de abastecimento celebrados com os seus fornecedores de IFA, nomeadamente. De resto, estes diferentes elementos foram expressamente impugnados pelas recorrentes, no que respeita a cada empresa de genéricos, e serão apreciados em seguida nas sexta a nona partes.

143    De igual modo, as recorrentes alegam em vão que a Comissão não teve suficientemente em conta os elementos de prova que forneceram, que demonstram a existência de uma contrafação das suas patentes por parte das empresas de genéricos ou a validade da patente sobre a cristalização, que, em 2009, foi confirmada pelo IEP em todos os seus elementos pertinentes.

144    Por um lado, embora outras declarações contemporâneas à celebração dos acordos controvertidos possam deixar pensar que as empresas de genéricos tinham dúvidas acerca da inexistência de contrafação por parte dos seus produtos, ou que a Lundbeck estava convencida da validade das suas patentes, não bastam para pôr em causa a conclusão de que a Lundbeck considerava as empresas de genéricos uma potencial ameaça e de que eram, pela sua mera existência, suscetíveis de exercer uma pressão concorrencial sobre a Lundbeck e sobre empresas que operam no mesmo mercado (v., neste sentido, acórdão Visa Europe e Visa International Service/Comissão, n.° 99, supra, EU:T:2011:181, n.° 169). O elemento mais demonstrativo a este respeito reside no próprio facto de a Lundbeck ter celebrado acordos com as empresas de genéricos a fim de adiar a sua entrada no mercado (v., neste sentido, acórdão Toshiba/Comissão, n.° 103, supra, EU:T:2014:263, n.° 231).

145    Por outro lado, os elementos de prova invocados pelas recorrentes, que são posteriores à celebração dos acordos controvertidos, não podem ser determinantes para avaliar a existência de concorrência potencial no momento da celebração dos referidos acordos. Com efeito, mesmo admitindo que o IEP confirmou a patente sobre a cristalização em todos os seus aspetos pertinentes em 2009 (v. considerando 166 da decisão impugnada), não deixa de ser verdade que, no momento da celebração dos acordos controvertidos, as empresas de genéricos e a própria Lundbeck duvidavam da validade desta patente e que não era de excluir que um órgão jurisdicional nacional a pudesse declarar inválida, como aliás sucedeu no IEP numa primeira fase (considerandos 151 e 166 da decisão impugnada).

146    Além disso, conforme alega corretamente a Comissão, no momento da celebração dos acordos controvertidos, a Lundbeck não tinha obtido qualquer medida provisória contra empresas de genéricos, como a Merck (GUK), que utilizam o citalopram da Natco, contra empresas de genéricos, como a Arrow e a Alpharma, que utilizam o citalopram da Cipla ou o citalopram genérico desenvolvido a partir do IFA citalopram produzido pela sociedade indiana Matrix (a seguir «citalopram da Matrix» ou «IFA da Matrix»), ou ainda contra empresas de genéricos que utilizam o citalopram genérico desenvolvido a partir do IFA citalopram produzido pela Ranbaxy (a seguir «citalopram da Ranbaxy» ou «IFA da Ranbaxy»), e nenhum órgão jurisdicional do EEE tinha declarado uma contrafação das patentes sobre a cristalização, sobre o amido ou sobre o iodo.

147    Assim, as recorrentes alegam erradamente que a Comissão se baseou, no essencial, em avaliações subjetivas para considerar que a Lundbeck e as empresas de genéricos eram concorrentes potenciais no momento da celebração dos acordos controvertidos.

148    Por conseguinte, a segunda parte deve igualmente ser rejeitada.

E –  Quanto à terceira parte, relativa ao facto de a contestação de uma patente válida não constituir uma possibilidade real e concreta de entrar no mercado

149    As recorrentes alegam que a Comissão cometeu um erro de direito ao considerar que a contestação de uma patente válida constitui uma possibilidade real e concreta de entrar no mercado. Contestam, em particular, o facto de que a solicitação de uma declaração de não contrafação, a invocação da nulidade de uma patente ou a oposição a uma patente nas instâncias nacionais em matéria de patentes ou no IEP possam constituir as vias adequadas para permitir às empresas de genéricos integrar o mercado, não obstante as patentes de processo de Lundbeck.

150    Em primeiro lugar, consideram que a decisão impugnada faz confusão entre uma entrada no mercado e os investimentos que permitem tal entrada e que amplia excessivamente as fronteiras da concorrência potencial. A jurisprudência exige que as possibilidades reais e concretas de entrar no mercado sejam demonstradas e que esta entrada seja efetuada de forma suficiente rápida para que a ameaça de uma entrada potencial influencie o comportamento dos participantes no mercado. Ora, a demonstração de possibilidades reais e concretas de realizar investimentos que, em caso de êxito, permitiriam entrar no mercado não satisfaz este critério.

151    Em segundo lugar, a presunção de validade inerente às patentes não permite considerar que a possibilidade de contestar a validade desta patente constitui uma possibilidade real e concreta de entrar no mercado. A abordagem adotada pela Comissão a este respeito é contrária ao acórdão European Night Services e o./Comissão, n.° 99, supra (EU:T:1998:198, n.° 139).

152    Em terceiro lugar, admitindo que as impugnações de patentes pudessem ter constituído uma possibilidade real e concreta para as empresas de genéricos entrarem no mercado, estas impugnações não permitiram uma integração no mercado de forma suficientemente rápida. Com efeito, segundo afirma a Comissão no seu inquérito sobre o setor farmacêutico, a impugnação de uma patente demora, em média, cerca de três anos, o que não permitiu às empresas de genéricos entrar de forma suficientemente rápida. A decisão impugnada é vaga no que respeita a este aspeto, ao passo que, se as empresas de genéricos não podiam entrar no mercado licitamente durante a vigência dos acordos controvertidos, estes acordos não poderiam ter tido qualquer impacto na concorrência.

153    Em quarto lugar, as recorrentes consideram que, mesmo admitindo a tese da Comissão, a decisão impugnada deveria, pelo menos, ter demonstrado que, sem os acordos controvertidos, as empresas de genéricos teriam intentado ações judiciais e, provavelmente, obtido ganho de causa nos órgãos jurisdicionais nacionais ou, no mínimo, que tinham possibilidades de ter êxito em caso de contestação das patentes.

154    Por último, as recorrentes alegam que a tese da Comissão assenta num preconceito injustificado contra as patentes de processo em relação às patentes que têm por objeto moléculas.

155    A interveniente afirma igualmente que, na decisão impugnada, a Comissão erra ao considerar que a Lundbeck e as empresas de genéricos eram concorrentes potenciais. Tal conclusão não tem suficientemente em conta a presunção de validade das patentes da Lundbeck e o facto de que as medidas provisórias teriam constituído um obstáculo intransponível para as empresas de genéricos caso tentassem entrar no mercado. Por outro lado, opõe‑se à tese de que a impugnação da validade das patentes é parte integrante do processo concorrencial.

156    A Comissão contesta estes argumentos.

157    Importa observar, contrariamente ao que alegam as recorrentes, que, na decisão impugnada, a Comissão não considerou que a simples possibilidade de contestar a validade de uma patente por via judicial ou nas autoridades competentes era suficiente para demonstrar a existência de uma concorrência potencial. Com efeito, para demonstrar a existência de uma concorrência potencial entre as empresas de genéricos e a Lundbeck no caso em apreço, a Comissão teve em consideração vários elementos, tais como os investimentos e os esforços significativos já desenvolvidos pelas empresas de genéricos a fim de preparem a sua entrada no mercado, o facto de já terem obtido as AIM ou efetuado as diligências necessárias para obtenção de uma AIM num prazo razoável, o reconhecimento, por parte das recorrentes, de que existia um determinado número de processos disponíveis para produzir o citalopram sem violação das suas patentes, o facto de nenhum órgão jurisdicional ter declarado o caráter contrafeito dos produtos genéricos no momento da celebração dos acordos controvertidos e a existência de um risco não negligenciável de que algumas patentes de processo da Lundbeck pudessem ser declaradas inválidas. Além disso, uma empresa de genéricos, a Merck (GUK), chegou mesmo a entrar no mercado antes e durante a vigência dos acordos controvertidos. Por último, o facto de as recorrentes terem decidido pagar quantias significativas às empresas de genéricos para as manter fora do mercado durante a vigência dos acordos controvertidos demonstra também que estas eram concorrentes potenciais, uma vez que as recorrentes as consideravam uma ameaça que exercia uma pressão concorrencial sobre a sua posição no mercado (n.os 103 e 144, supra).

158    Nenhum dos argumentos apresentados pelas recorrentes é suscetível de pôr em causa esta conclusão.

159    Com efeito, no que respeita, em primeiro lugar, aos investimentos realizados pelas empresas de genéricos a fim de preparem a sua entrada no mercado, basta observar que a Comissão nunca considerou que tais investimentos eram, por si só, suficientes para demonstrar a existência de uma concorrência potencial entre estas e as recorrentes. Em contrapartida, a este propósito, a Comissão baseou‑se num conjunto de elementos pertinentes para cada empresa de genéricos (v. n.° 157, supra). Além disso, como alega corretamente a Comissão, a existência de uma concorrência potencial não exige a demonstração de que as empresas de genéricos teriam certamente entrado no mercado e de que tal entrada teria necessariamente sido coroada de êxito, mas apenas de que dispunham de possibilidades reais e concretas para o efeito. Afirmar o contrário equivaleria a negar qualquer distinção entre concorrência real e concorrência potencial.

160    É certo que a jurisprudência precisa que a possibilidade puramente teórica de uma entrada no mercado não é suficiente para demonstrar a existência de uma concorrência potencial e que a Comissão deve demonstrar, por elementos de facto ou por uma análise das estruturas do mercado pertinente, que a entrada no mercado poderia ter sido efetuada de forma suficientemente rápida para que a ameaça de uma entrada potencial influenciasse o comportamento dos participantes no mercado mediante custos que teriam sido economicamente suportáveis (n.° 104, supra).

161    Todavia, aparentemente a Comissão não ignorou esta jurisprudência no caso em apreço, na medida em que a análise do setor farmacêutico que a Comissão efetuou na decisão impugnada e a situação específica de cada empresa de genéricos no momento da celebração dos acordos controvertidos (n.° 129, supra) demonstram de forma suficiente que a entrada destas no mercado do citalopram não era uma simples possibilidade teórica, mas que dispunham de possibilidades reais e concretas a este respeito, tal como resulta da análise das sexta e nona partes que irá ser realizada em seguida. Aliás, seria surpreendente que uma empresa experiente como a Lundbeck tivesse aceitado pagar vários milhões de euros às empresas de genéricos em troca do seu compromisso de não entrarem no mercado durante algum tempo se a possibilidade de estas entrarem no mercado fosse puramente teórica.

162    Em segundo lugar, o acórdão European Night Services e o./Comissão, n.° 99, supra (EU:T:1998:198, n.° 139), invocado pelas recorrentes, não se opõe à abordagem seguida pela Comissão no caso em apreço. Com efeito, embora, neste acórdão, o Tribunal Geral tenha referido a existência de direitos exclusivos que impediam, juridicamente ou de facto, na maioria dos Estados‑Membros, a prestação de serviços de transporte internacionais de passageiros, assim como o acesso à infraestrutura, antes da adoção da Diretiva 91/440/CEE do Conselho, de 29 de julho de 1991, relativa ao desenvolvimento dos caminhos‑de‑ferro comunitários (JO L 237, p. 25), tal situação não é transponível para o caso em apreço, uma vez que as patentes de processo da Lundbeck não são em caso algum comparáveis aos direitos exclusivos de que gozavam as empresas ferroviárias antes da adoção desta diretiva e que os mercados afetados apresentam diferenças substanciais. Além disso, como observa corretamente a Comissão, no processo que deu origem ao referido acórdão, o Tribunal Geral criticou a Comissão por não ter efetuado uma análise detalhada do mercado para demonstrar a existência de uma concorrência potencial e por se ter baseado em hipóteses que não eram suportadas por qualquer elemento de facto ou por uma análise das estruturas do mercado pertinente. No caso em apreço, em contrapartida, as recorrentes não podem validamente afirmar que o conjunto das circunstâncias pertinentes, resumidas no n.° 157, supra e desenvolvidas em detalhe na decisão impugnada, para cada empresa de genéricos, resultam de especulações puramente teóricas não demonstradas por uma análise detalhada das características do mercado pertinente.

163    Em terceiro lugar, importa recordar que a jurisprudência exige apenas, para demonstrar a existência de uma concorrência potencial, que a entrada no mercado ocorra num prazo razoável, sem fixar um limite preciso a este respeito. Por conseguinte, não é necessário que a Comissão demonstre que a entrada das empresas de genéricos no mercado teria certamente ocorrido antes do expirar dos acordos controvertidos para poder demonstrar a existência de uma concorrência potencial no caso em apreço, tanto mais que, como o Tribunal de Justiça já declarou, no setor farmacêutico em particular, a concorrência potencial pode ser exercida mesmo antes de expirar uma patente (v., neste sentido, acórdão de 6 de dezembro de 2012, AstraZeneca/Comissão, C‑457/10 P, Colet., EU:C:2012:770, n.° 108).

164    A este respeito, importa assinalar que a observação do Tribunal de Justiça relativa ao facto de que a concorrência potencial poder ser exercida antes de expirar uma patente é independente do facto de os CCP em causa terem sido obtidos de forma fraudulenta ou irregular. Com efeito, no processo que deu origem ao acórdão AstraZeneca/Comissão, n.° 163, supra (EU:C:2012:770, n.° 108), tratava‑se, nomeadamente, de um abuso de posição dominante cometido por uma empresa que tinha apresentado declarações enganosas para obter a concessão, por parte das autoridades nacionais competentes, dos CCP que lhe permitiam, mesmo após a futura expiração das patentes que protegiam o seu medicamento, opor‑se à entrada no mercado de versões genéricas desse medicamento. Neste contexto, o Tribunal de Justiça considerou, no essencial, que o caráter anticoncorrencial das referidas declarações não era posto em causa pelo facto de esses CCP terem sido requeridos cinco a seis anos antes da sua entrada em vigor e que, até esse momento, os direitos das requerentes eram protegidos por patentes regulares. Segundo o Tribunal de Justiça, não só tais CCP irregulares geravam um efeito de exclusão significativo após a expiração das patentes de base, como eram igualmente suscetíveis de alterar a estrutura do mercado afetando a concorrência potencial mesmo antes desta expiração. Por conseguinte, esta jurisprudência confirma que a concorrência potencial já existe antes da expiração das patentes que protegem um medicamento e que as diligências efetuadas antes de tal expiração são pertinentes para apreciar se esta concorrência foi restringida.

165    Em quarto lugar, as recorrentes afirmam erradamente que a Comissão devia ter demonstrado que as empresas de genéricos intentariam ações judiciais e que obteriam ganho de causa nos órgãos jurisdicionais nacionais competentes. Com efeito, resulta dos considerandos 624 e seguintes da decisão impugnada que as empresas de genéricos não eram obrigadas a demonstrar que os seus produtos genéricos não violavam qualquer patente para poderem obter uma AIM e comercializar estes produtos no mercado, o que, de resto, não é posto em causa pelas recorrentes. Deste modo, a Merck (GUK) pôde entrar no mercado através do seu distribuidor, a NM Pharma, na Suécia, em maio de 2002, sem ter obtido uma declaração de não contrafação e sem ter sido objeto de ações judiciais por parte da Lundbeck. Era à empresa de medicamentos originais, ou seja, no caso em apreço, à Lundbeck, que cabia demonstrar que estes produtos violavam uma das suas patentes, o que, segundo as suas próprias estimativas, era particularmente difícil demonstrar, no que respeita às patentes de processo (v. considerando 629 da decisão impugnada). Além disso, conforme alega a Comissão, não é certo que a Lundbeck teria necessariamente intentado ações judiciais contra as empresas de genéricos caso estas entrassem no mercado (v. n.° 126, supra). É ainda menos verdade que a Lundbeck teria obtido ganho de causa se tivesse decidido intentar tais ações (v. n.° 122, supra, e considerandos 75 e 76 da decisão impugnada).

166    Por último, importa recordar que a Comissão não desrespeitou a presunção de validade inerente às patentes de processo da Lundbeck (n.os 121 a 132, supra). Assim, as recorrentes não podem alegar que a decisão impugnada se baseia num preconceito negativo contra tais patentes. Com efeito, a Comissão teve em conta a existência destas patentes, mas considerou, sem cometer um erro de apreciação a este respeito, que estas não permitiam bloquear qualquer entrada das empresas de genéricos no mercado no momento em que os acordos controvertidos tinham sido celebrados.

167    Por conseguinte, a terceira parte deve ser rejeitada.

F –  Quanto à quarta parte, relativa ao facto de a inexistência de AIM impedir a existência de uma concorrência real ou potencial

168    As recorrentes consideram que a Comissão concluiu erradamente que existia uma concorrência potencial, apesar da falta de AIM para determinadas empresas de genéricos, apenas por estas se terem esforçado para obtê‑las antes da celebração dos acordos controvertidos (considerando 620 da decisão impugnada). Esta conclusão contradiz algumas passagens da decisão impugnada (no considerando 85, nomeadamente), assim como as conclusões do inquérito sobre o setor farmacêutico e as observações individuais das partes interessadas relativamente ao prazo necessário para obter uma AIM, que é de catorze meses, no mínimo, e que pode prolongar‑se até vinte e cinco meses em alguns países do EEE. Teria sido melhor, segundo as recorrentes, que a decisão impugnada avaliasse em concreto se cada empresa de genéricos dispunha de possibilidades reais e concretas de obter uma AIM durante a vigência dos acordos controvertidos, e isto em cada país afetado, uma vez que cada país constituía um mercado geográfico distinto e que alguns acordos abrangiam países individuais. Em qualquer caso, as AIM não permitiriam integrar imediatamente o mercado, sendo que são necessárias fases preparatórias para o efeito.

169    A Comissão contesta estes argumentos.

170    A este respeito, há que observar, antes de mais, contrariamente ao que alegam as recorrentes, que a Comissão avaliou, em relação a cada empresa de genéricos, se dispunham de uma AIM no momento da celebração dos acordos controvertidos ou se podiam ter disposto de uma AIM num futuro suficientemente próximo.

171    Além disso, importa observar que a concorrência potencial inclui, nomeadamente, as atividades das empresas de genéricos que visam obter as AIM necessárias, assim como a realização de todas as diligências administrativas e comerciais indispensáveis para preparar a entrada no mercado (v. n.os 91 a 94, supra). Esta concorrência potencial é protegida pelo artigo 101.° TFUE. Com efeito, na hipótese de ser possível, sem violar o direito da concorrência, pagar às empresas que estão a efetuar as diligências indispensáveis para preparar o lançamento de um medicamento genérico, entre as quais a obtenção de uma AIM, e que fizeram investimentos significativos para o efeito, para que cessem ou simplesmente abrandem este processo, a concorrência efetiva nunca ocorreria ou sofreria atrasos significativos, à custa dos consumidores, ou seja, no caso em apreço, os pacientes ou as caixas de previdência nacionais.

172    Assim, no que respeita à Merck (GUK), a Comissão considerou que esta tinha obtido uma AIM no Reino Unido em 9 de janeiro de 2002, e que o seu distribuidor NM Pharma dispunha igualmente de uma AIM desde maio de 2002. A Merck (GUK) e a NM Pharma previam utilizar o processo de reconhecimento mútuo de 90 dias referido no artigo 18.° da Diretiva 2001/83 para obter as AIM nos outros países do EEE (considerando 326 da decisão impugnada).

173    No que respeita à posição da Arrow no Reino Unido, nos considerandos 878 a 881 da decisão impugnada, a Comissão afirmou que esta empresa tinha celebrado um acordo com a Tiefenbacher para poder utilizar a AIM que esta última tinha solicitado no Reino Unido, com base na AIM de que já dispunha nos Países Baixos. A Comissão precisou igualmente que, na fase imediatamente anterior à assinatura do acordo Arrow UK, era expectável que as autoridades do Reino Unido emitissem essa AIM muito rapidamente e que o atraso que depois ocorreu se devia à contestação das requerentes da AIM neerlandesa.

174    Quanto à posição da Arrow na Dinamarca, nos considerandos 967 e 968 da decisão impugnada, a Comissão salientou o facto de o preâmbulo do acordo Arrow dinamarquês referir que esta empresa estava prestes a obter uma «licença» de um terceiro e que estava anexada uma cópia da AIM deste terceiro. Conforme observa corretamente a Comissão, o facto de, por fim, a Arrow não ter comprado esta AIM não significa que não dispunha de uma possibilidade real e concreta de entrar no mercado no momento da celebração do referido acordo.

175    No que respeita à Alpharma, resulta, nomeadamente, dos considerandos 476, 485, 520 e 530 da decisão impugnada que esta empresa podia utilizar as AIM concedidas à Tiefenbacher, em virtude do contrato de abastecimento que celebrou com esta, pelo menos em relação aos Países Baixos e à Alemanha, e podia requerer uma AIM para os outros Estados‑Membros do EEE, ou pedir à Tiefenbacher o alargamento do processo de reconhecimento mútuo a estes outros países.

176    Além disso, em outubro de 2001, a Alpharma previa obter as AIM e proceder ao lançamento do citalopram genérico, em diversas datas de 2002, na Áustria, na Dinamarca, na Finlândia, na Alemanha, nos Países Baixos, na Noruega, na Suécia e no Reino Unido. De igual modo, quando o acordo Alpharma foi assinado, tinham sido concedidas quatro AIM (na Dinamarca, na Finlândia, nos Países Baixos e na Suécia), enquanto a AIM para o Reino Unido era esperada de forma iminente (v. n.° 281, infra). Por outro lado, durante a vigência deste acordo, a Alpharma recebeu AIM para quatro outros países do EEE (a Noruega, a Alemanha, a Áustria e o Reino Unido).

177    Relativamente à Ranbaxy, no considerando 1094 da decisão impugnada, a Comissão afirmou, no essencial, que esta empresa tinha apresentado os dados principais do medicamento (Drug Master File, a seguir «DMF»), relativos ao seu IFA do citalopram junto da autoridade do Reino Unido competente em junho de 2002. Esta diligência, apesar de não ser indispensável para a obtenção de uma AIM, facilitava o processo que permite a uma empresa de genéricos que já dispõe de uma AIM para os comprimidos de citalopram genérico produzidos a partir de um IFA diferente do IFA da Ranbaxy solicitar uma alteração da sua AIM para que esta também inclua o citalopram da Ranbaxy. Com efeito, a apresentação de um DMF junto das autoridades competentes permite ao fabricante de IFA não revelar informações confidenciais às empresas de genéricos que compram o seu IFA e que pretendem apresentar um pedido de AIM para os medicamentos que produzem a partir desse IFA.

178    Além disso, no considerando 1095 da decisão impugnada, a Comissão baseou‑se no facto de, numa reunião realizada em abril de 2002, a Ranbaxy ter informado a Lundbeck de que poderia obter uma AIM num prazo de oito meses e que estava em conversações com um potencial comprador do seu citalopram, o qual poderia ter entrado no mercado com este num prazo de três a quatro meses, após uma alteração do AIM de que já dispunha. A tese das recorrentes, segundo a qual tais declarações constituíam apenas «bluff» será em seguida examinada mais detalhadamente, no âmbito da nona parte do presente fundamento.

179    Estes elementos demonstram que as empresas de genéricos em causa ou já tinham obtido uma AIM no momento da celebração dos acordos controvertidos, ou estavam a efetuar as diligências necessárias para a obter a curto ou a médio prazo, ou podiam atuar de modo a que os seus produtos pudessem ser abrangidos por outras AIM. Embora, em alguns casos, a obtenção de uma AIM possa, por fim, ter demorado mais tempo do que o previsto, não deixa de ser verdade que, no momento da celebração dos acordos controvertidos, as empresas de genéricos dispunham de possibilidades reais e concretas de obter essas AIM num prazo suficientemente curto e de poder entrar no mercado do citalopram em vários países do EEE, recorrendo ao processo de reconhecimento mútuo previsto pelo artigo 18.° da Diretiva 2001/83, exercendo, assim, uma pressão concorrencial sobre a Lundbeck. Além disso, importa recordar que, no caso em apreço, as empresas de genéricos tinham começado os seus preparativos para entrar no mercado do citalopram um a três anos antes da expiração das patentes originárias da Lundbeck (v. considerandos 219, 373, 476 e 549 da decisão impugnada) e que se envolveram numa competição intensa para serem as primeiras a entrar no mercado após a expiração destas patentes (v. considerando 622 da decisão impugnada).

180    Por conseguinte, a Comissão não cometeu um erro de direito ao constatar, no considerando 620 da decisão impugnada, que a inexistência de AIM não impedia que os medicamentos genéricos pudessem ter entrado no mercado num futuro próximo, enquanto as empresas de genéricos continuavam a efetuar diligências para obtenção das autorizações necessárias a este respeito antes de celebrarem os acordos controvertidos com a Lundbeck.

181    Importa recordar, por outro lado, que, mesmo que se trate de um elemento importante a este respeito, a Comissão não se baseou apenas na possibilidade de as empresas de genéricos obterem uma AIM para demonstrar a existência de uma concorrência potencial entre estas e a Lundbeck na decisão impugnada, mas num conjunto de fatores que têm em conta a situação específica de cada empresa de genéricos no momento da celebração dos acordos controvertidos, assim como as especificidades do setor farmacêutico (v. n.os 91 a 96 e 157, supra). Além disso, há que recordar que o próprio facto de a Lundbeck ter decidido celebrar acordos com as empresas de genéricos constitui um indício importante de que considerava estas empresas uma potencial ameaça no momento da celebração dos acordos controvertidos (v., neste sentido, acórdão Toshiba/Comissão, n.° 103, supra, EU:T:2014:263, n.° 231).

182    Por conseguinte, improcede igualmente a quarta parte.

G –  Quanto à quinta parte, relativa ao facto de as empresas de genéricos não poderem ter recorrido a outros processos ou a outros produtores de IFA durante a vigência dos acordos controvertidos

183    As recorrentes contestam a conclusão da decisão impugnada segundo a qual, entre as vias de acesso possíveis ao mercado (considerando 635 da decisão impugnada), figuravam, nomeadamente, uma colaboração da empresa de genéricos com o seu produtor de IFA para alterar o processo deste produtor ou a mudança para outro produtor de IFA. Trata‑se de soluções de substituição teóricas, uma vez que, por um lado, não existia qualquer outro método comercialmente viável para produzir citalopram que permitisse entrar legalmente no mercado no EEE em 2002 e em 2003 e, por outro, as empresas de genéricos não dispunham de tempo suficiente para mudar de produtor de IFA antes de expirarem os acordos controvertidos.

184    Em primeiro lugar, não existe qualquer indício sério que permita refutar os elementos de prova fornecidos pela Lundbeck, segundo os quais nenhum processo comercialmente viável e não contrafeito possibilitava a entrada no mercado em 2002 e em 2003. Nenhum dos elementos invocados na decisão impugnada relativamente à Merck (GUK), à Alpharma, à Arrow e à Ranbaxy é suficiente para demonstrar o contrário.

185    Por outro lado, a decisão impugnada baseia‑se erradamente em declarações da Lundbeck para demonstrar que existiam outros processos não contrafeitos à data da celebração dos acordos controvertidos (considerando 634 da decisão impugnada). A Comissão presumiu incorretamente que os processos enumerados pela Lundbeck numa das suas declarações não eram contrafeitos, eram comercialmente eficazes e respeitavam as exigências regulamentares do EEE, quando nenhum destes permitiu a integração no mercado em 2002‑2003 com medicamentos fiáveis e não contrafeitos. Segundo as recorrentes, a decisão impugnada ignora os vários elementos de prova que demonstram que os processos originários de cianação e de alquilação não podiam ser utilizados para produzir citalopram de forma viável.

186    Em segundo lugar, em qualquer caso, de acordo com as recorrentes, mesmo quando um citalopram genérico produzido a partir de um processo não contrafeito e comercialmente viável tivesse estado disponível durante a vigência dos acordos controvertidos (o que não era o caso), as empresas de genéricos não poderiam ter recorrido a tal processo durante os meses abrangidos pelos acordos controvertidos ou, pelo menos, não «suficientemente rápido» para que a ameaça de uma entrada potencial exercesse uma pressão concorrencial efetiva durante a vigência destes.

187    Com efeito, tal alteração teria exigido a apresentação de um pedido de uma alteração maior, denominada de tipo II, na aceção do artigo 3.° do Regulamento (CE) n.° 541/95 da Comissão, de 10 de março de 1995, relativo à análise da alteração dos termos das autorizações de introdução no mercado de medicamentos concedidas pelas autoridades competentes dos Estados‑Membros (JO L 55, p. 7, a seguir «alteração de tipo II»), que é o processo utilizado para alteração de uma AIM existente, devido a uma alteração do produtor de IFA. Ora, uma alteração de tipo II é a mais difícil de obter, através de um processo equivalente ao processo relativo à introdução de um novo pedido de AIM. A duração total deste processo pode ir até dezanove meses. Por outro lado, ao período necessário para obtenção de tal alteração deve acrescer o período para investigar e desenvolver o novo processo, para inscrever o medicamento com vista a um reembolso, para obter a aprovação desse reembolso e para produzir e começar a vender o medicamento.

188    A Comissão contesta estes argumentos.

189    Em primeiro lugar, as recorrentes consideram erradamente que nenhum processo comercialmente viável e não contrafeito teria permitido integrar o mercado durante a vigência dos acordos controvertidos.

190    Com efeito, a própria Lundbeck considerava, numa primeira fase, em resposta aos pedidos de informações da Comissão anteriores à comunicação de acusações, relatada no considerando 150 da decisão impugnada, que as empresas de genéricos poderiam ter produzido citalopram genérico utilizando os processos descritos nas suas patentes originárias (ou seja, os processos de cianação e de alquilação) ou inventando outro tipo de processo, pelo que as suas patentes não eram suscetíveis de impedir toda a concorrência por parte das empresas de genéricos.

191    Por outro lado, a própria Lundbeck confirmou que as suas novas patentes de processo não eram capazes de bloquear todas as possibilidades de entrada no mercado, ainda que o processo baseado na cristalização se afigurasse o mais eficaz. Assim, a título de exemplo, a Comissão afirma, no considerando 163 da decisão impugnada, que a Niche Generics Ltd entrou no mercado mediante a obtenção de uma declaração de não contrafação para o citalopram genérico da Sekhsaria, outro produtor indiano de IFA. Além disso, resulta dos elementos de prova referidos no considerando 634 da decisão impugnada que, em março de 2002, os peritos em matéria de patentes da Lundbeck declararam que «era possível produzir um IFA que provavelmente não exig[ia] a cristalização da base livre», ou seja, que não se baseava na patente sobre a cristalização de Lundbeck. O vice‑presidente da Lundbeck declarou igualmente num comunicado de imprensa de 9 de novembro de 2002 que «[teria sido] ingénuo pensar que não [era] possível os produtores de genéricos produzirem Cipramil sem violarem [a sua] patente» (considerando 634 da decisão impugnada).

192    As recorrentes alegam, não obstante, que nunca reconheceram que poderiam ter sido utilizados outros processos para entrada no mercado do citalopram sem violação das suas patentes, por um lado, ou com medicamentos fiáveis, produzidos à escala industrial, por outro.

193    Em primeiro lugar, importa recordar que, no momento da celebração dos acordos controvertidos, nenhum órgão jurisdicional do EEE se tinha pronunciado sobre o caráter contrafeito dos produtos desenvolvidos pelas empresas de genéricos (v. n.° 146, supra). Por conseguinte, as recorrentes não podem validamente alegar que os medicamentos genéricos desenvolvidos pelas empresas de genéricos violavam as suas patentes de processo, quando, no máximo, constituíam uma potencial contrafação no momento em que os acordos controvertidos tinham sido celebrados.

194    Em segundo lugar, como alega a Comissão, a afirmação de que não existia qualquer versão não contrafeita do citalopram genérico que pudesse ser desenvolvida a uma escala industrial não é corroborada pelos factos. Por um lado, importa recordar que qualquer produtor de IFA poderia ter‑se baseado nos processos originários de cianação e de alquilação, tais como publicados com a patente sobre o IFA citalopram da Lundbeck, que tinha expirado (n.° 16, supra). Assim, resulta do considerando 158 da decisão impugnada que, no âmbito do processo Lagap, que era relativo ao citalopram da Matrix, um consultor da Lundbeck reconheceu que era possível que os processos incluídos nas suas patentes originárias pudessem ser desenvolvidos economicamente, sem precisar qualquer prazo a este respeito, que tudo dependia da forma de efetuar a cianação e que a Matrix «realizava a cianação da forma mais eficaz de que tinham conhecimento até ao momento», o que demonstra que era possível produzir citalopram genérico a uma escala industrial com base nas patentes originárias de Lundbeck.

195    Em qualquer caso, a decisão impugnada demonstra de forma bastante que cada empresa de genéricos dispunha, ou poderia ter disposto num prazo suficientemente curto, de uma versão genérica do citalopram baseada em processos em relação aos quais não havia prova de que violavam qualquer patente de Lundbeck no momento da celebração dos acordos controvertidos.

196    Assim, o citalopram da Natco, utilizado pela Merck (GUK), baseava‑se em processos abrangidos pelas patentes originárias de Lundbeck, que tinham expirado, ou noutros processos cujas patentes também expiravam (considerandos 228 e 281 da decisão impugnada). O contrato de abastecimento celebrado entre a Merck (GUK) e a Schweizerhall previa explicitamente que, segundo tinham conhecimento, o IFA da Natco era contrafeito (considerando 235 da decisão impugnada). Além disso, importa sublinhar que, no momento da celebração do acordo GUK para o Reino Unido, em 24 de janeiro de 2002, a patente sobre a cristalização ainda não tinha sido concedida, nem no Reino Unido nem em todo o do EEE (v. n.° 20, supra). A questão de saber se o processo da Natco violava potencialmente a patente sobre a cristalização constituía, assim, apenas uma questão hipotética aquando da celebração deste acordo. É certo que no momento da celebração do acordo GUK para o EEE a patente sobre a cristalização de Lundbeck já tinha sido concedida pelo IEP, mas não existia certeza alguma quando ao caráter contrafeito do IFA da Natco, nem quanto ao facto de que a validade desta teria sido confirmada em caso de litígio (v. n.° 122, supra).

197    Por outro lado, mesmo que a Merck (GUK) tivesse sido objeto de ações por contrafação por parte da Lundbeck e que os seus produtos se tivessem revelado contrafeitos, não há dúvida de que, apesar de tudo, a Merck poderia ter obtido citalopram proveniente de outras fontes, cujo caráter contrafeito não estava provado, num prazo razoável. Com efeito, mesmo que a Merck (GUK) tivesse celebrado um acordo de abastecimento com a Schweizerhall para um período de oito anos, este acordo baseava‑se na hipótese de o produto da Natco não constituir uma contrafação (considerando 235 da decisão impugnada), pelo que a Merck (GUK), inquestionavelmente, poderia ter rescindido esse acordo em caso de contrafação, quer com base nas disposições expressas do referido acordo, quer ao abrigo do direito alemão, que era o direito aplicável a esse contrato. Ora, resulta dos considerandos 248 e 351 da decisão impugnada que existiam outras fontes de citalopram genérico no mercado, dos quais a Merck (GUK) tinha conhecimento através, nomeadamente, da Merck dura GmbH, a filial da Merck na Alemanha. Em qualquer caso, mesmo admitindo que a Merck (GUK) estava obrigada, por força do acordo Schweizerhall, a abastecer‑se exclusivamente junto da Natco e que o citalopram genérico produzido por esta violava a patente sobre a cristalização, não é de excluir que a Natco pudesse ter produzido o IFA citalopram com base noutros processos não contrafeitos, como afirmou corretamente a Comissão no considerando 746 da decisão impugnada.

198    No que respeita ao citalopram genérico fornecido pela Tiefenbacher à Arrow e à Alpharma, há que afirmar que, embora este fosse inicialmente produzido a partir do processo inicial de Cipla (a seguir «processo Cipla I»), em relação ao qual existia um risco de contrafação, a Tiefenbacher poderia ter facilmente passado para o citalopram da Matrix, produzido inicialmente segundo o processo inicial da Matrix (a seguir «processo Matrix I»), e, em seguida, segundo o novo processo utilizado pela Matrix (a seguir «processo Matrix II»). Ora, importa recordar que nenhum órgão jurisdicional do EEE tinha demonstrado que os processos Cipla I e Matrix I constituíam uma infração no momento da celebração dos acordos controvertidos (n.° 146, supra).

199    Quanto ao processo Matrix II, que era utilizado para produzir o citalopram genérico ao qual a Arrow e a Alpharma podiam igualmente ter acesso através da Tiefenbacher, resulta dos considerandos 154, 155, 421 e 674, assim como da nota de rodapé n.° 1828, da decisão impugnada que este processo já tinha sido desenvolvido no mês de maio de 2002, com vista a reduzir posteriormente o risco de o citalopram da Matrix violar a patente sobre a cristalização. No âmbito do processo Lagap, na sequência de uma inspeção nas instalações da Matrix na Índia, a Lundbeck admitiu que o processo Matrix II não violava as suas patentes. Por conseguinte, como salienta corretamente a Comissão, pouco importa que, antes da referida admissão, alguns órgãos jurisdicionais nacionais tenham julgado procedentes os pedidos de medidas provisórias da Lundbeck relativos a este processo. De igual modo, não é possível retirar qualquer conclusão da circunstância de que, para assegurar que a sua AIM também abrangia o processo Matrix II, a Tiefenbacher poderia ter‑se limitado a apresentar um pedido de alteração menor, denominada de tipo I, na aceção do artigo 3.° do Regulamento n.° 541/95 (a seguir «alteração de tipo I»), que é o processo utilizado para a alteração de uma AIM existente devido a uma alteração do processo utilizado pelo mesmo produtor de IFA. Com efeito, esta circunstância não põe em causa o reconhecimento, por parte da Lundbeck, no âmbito do processo Lagap, da ilicitude desse procedimento que, de resto, foi utilizado posteriormente por várias empresas de genéricos, sem qualquer reação da Lundbeck.

200    Observações análogas podem ser formuladas em relação ao novo processo utilizado pela Cipla para produzir citalopram genérico (a seguir «processo Cipla II»), que, em princípio, estava igualmente acessível através da Tiefenbacher. Com efeito, a Comissão salientou, nomeadamente no considerando 898 da decisão impugnada, o facto de este processo, desenvolvido durante o período abrangido pelos acordos controvertidos, não ser potencialmente contrafeito e ter sido objeto de um pedido de alteração de tipo I de uma AIM em setembro de 2002. Deste modo, a Arrow e a Alpharma poderiam ter tentado vender o citalopram produzido através da utilização deste processo, à semelhança do que fez a Neolab, sem que a Lundbeck pudesse opor‑se eficazmente, conforme a Comissão referiu na nota de rodapé n.° 1671 da decisão impugnada.

201    Por último, no que respeita ao processo utilizado pela Ranbaxy, importa observar que a Lundbeck, mesmo após ter examinado os planos de reação desta empresa, pretendeu celebrar com esta um acordo que previa pagamentos inversos, em vez de recorrer aos órgãos jurisdicionais nacionais para obter injunções. Daqui resulta que a Lundbeck não tinha a certeza quanto ao caráter contrafeito do IFA produzido segundo o referido processo, conforme resulta dos considerandos 564 e 1109 da decisão impugnada. Além disso, a Ranbaxy alegou, tanto em relação à Lundbeck como às empresas de genéricos potencialmente interessadas na compra do seu IFA, que este não era contrafeito, conforme a Comissão referiu, nomeadamente, no considerando 1105 da decisão impugnada.

202    Além disso, importa recordar que, admitindo que os produtos comercializados pelas empresas de genéricos tinham violado alguma das patentes da Lundbeck, o que não estava demonstrado no momento da celebração dos acordos controvertidos no caso em apreço, as empresas de genéricos também poderiam ter contestado a validade destas patentes nos órgãos jurisdicionais competentes (v. n.° 122, supra).

203    Em segundo lugar, há que rejeitar o argumento das recorrentes segundo o qual a Comissão deveria ter demonstrado que a mudança para outro processo ou para outro produtor de IFA teria ocorrido durante a vigência dos acordos controvertidos. Com efeito, para provar a existência de uma concorrência potencial entre as empresas de genéricos e a Lundbeck, a Comissão estava unicamente obrigada a demonstrar que estas dispunham de possibilidades reais e concretas de entrar no mercado num prazo suficientemente curto para exercer uma pressão concorrencial efetiva sobre a Lundbeck no momento da celebração dos acordos controvertidos. A Comissão não tinha a obrigação de demonstrar que as empresas de genéricos poderiam, indubitavelmente, ter obtido um processo comercialmente viável e não contrafeito durante a vigência dos acordos controvertidos, mas apenas que dispunham de possibilidades reais e concretas a este respeito, no momento da celebração de tais acordos, sendo que estas possibilidades não eram puramente teóricas.

204    Ora, as recorrentes não negam que era possível as empresas de genéricos alterarem uma AIM existente ou recorrerem a outro produtor de IFA em caso de risco acrescido de contrafação, mas alegam que isso demoraria vários meses ou até um tempo superior à duração dos acordos controvertidos. No entanto, não podem exigir que a Comissão demonstre o que teria sucedido se os acordos controvertidos não existissem, num contexto em que as empresas de genéricos tinham várias opções para entrar no mercado, no momento da celebração destes acordos. A possibilidade de alterar uma AIM existente ou de obter a IFA de outro fornecedor não era uma possibilidade puramente teórica, como demonstram a este respeito os elementos de prova que figuram na decisão impugnada, relativamente a cada empresa de genéricos (v., em seguida, as sexta a nona partes). As próprias recorrentes admitiram, por exemplo, que a Tiefenbacher, atuando como intermediária da Arrow e da Alpharma, tinha podido obter uma alteração de tipo I da sua AIM obtida para o citalopram da Matrix em apenas dois meses e meio nos Países Baixos (considerando 418 da decisão impugnada).

205    Em qualquer caso, não existem dúvidas de que tal possibilidade nem sequer era necessária para a maioria das empresas de genéricos entrarem no mercado, e ainda menos para exercer uma pressão concorrencial sobre a Lundbeck, uma vez que estavam a efetuar as diligências necessárias e já tinham mesmo, em alguns casos, obtido uma AIM para entrarem no mercado com o citalopram genérico do seu fornecedor (ou o seu próprio citalopram genérico no caso da Ranbaxy), e que este não tinha sido declarado contrafeito por nenhum órgão jurisdicional no momento da celebração dos acordos controvertidos. Além disso, conforme já foi acima observado no n.° 181 o próprio facto de a Lundbeck ter celebrado os acordos controvertidos com as empresas de genéricos constitui um indício significativo de que esta os considerava uma potencial ameaça que exercia uma pressão concorrencial sobre a sua posição no mercado.

206    Por conseguinte, improcede igualmente a quinta parte.

H –  Quanto à sexta parte, relativa à inexistência de concorrência potencial entre a Lundbeck e a Merck (GUK) no momento da celebração dos acordos controvertidos

207    As recorrentes alegam que a decisão impugnada concluiu erradamente que a Merck (GUK) constituía um concorrente potencial da Lundbeck no Reino Unido e, mutatis mutandis, no EEE, à data da alegada infração.

208    Em seu entender, embora possa ser relevante saber que a Merck (GUK) pretendia integrar o mercado, mantém‑se o critério essencial, que consiste em determinar se tinha capacidade para o fazer. Ora, a decisão impugnada oculta o facto de que a Merck (GUK) apenas tinha acesso ao citalopram da Natco, que violava a patente sobre a cristalização de Lundbeck, o que significa que não tinha a capacidade de entrar legalmente no mercado.

209    Além disso, a decisão impugnada concluiu erradamente, no considerando 754, baseando‑se em documentos contemporâneos dos factos, que a Merck (GUK) estava bastante segura da sua posição em matéria de patentes. As recorrentes consideram que a Comissão citou estes documentos de forma seletiva e retirou‑os do seu contexto.

210    Acresce que, segundo as recorrentes, a Merck (GUK) não era um concorrente potencial da Lundbeck, uma vez que não poderia ter recorrido a outros IFA produzidos segundo processos não contrafeitos durante a vigência dos acordos controvertidos. Com efeito, em 2003, não existia qualquer outro produto genérico comercialmente viável e não contrafeito. Em qualquer caso, admitindo que a Merck (GUK) pudesse ter recorrido a outros produtores de IFA não contrafeito, uma aquisição de citalopram por parte Merck (GUK) junto de terceiros teria violado o artigo 1.3 do acordo celebrado entre esta e a Schweizerhall, que estipulava que a Merck (GUK) compraria 100% das suas necessidades anuais de IFA citalopram à Schweizerhall (considerando 235 da decisão impugnada).

211    Por último, as recorrentes consideram que a decisão impugnada não fundamenta a sua conclusão de que a Merck (GUK) era um concorrente potencial da Lundbeck no EEE (Reino Unido não incluído) à data da alegada infração. Uma vez que, na decisão impugnada, a Comissão calculou o montante da coima aplicada à Lundbeck com base no valor das vendas de citalopram em todo o EEE, esse fator é, por si só, suficiente para invalidar a decisão impugnada.

212    No que respeita às vendas de citalopram na Suécia por intermédio da NM Pharma (considerandos 836 a 838 da decisão impugnada), que levaram a Comissão a concluir que a Merck (GUK) era um concorrente potencial sério, incluindo noutros mercados do EEE (considerando 840), as recorrentes alegam que o facto de terem optado por agir judicialmente de forma seletiva na Suécia, sem que isto afetasse a NM Pharma, não prova que a Merck (GUK) tinha capacidade ou possibilidades reais e concretas de integrar outros mercados do EEE. A decisão impugnada não demonstra de forma suficiente que a Merck (GUK) constituía um concorrente real ou potencial da Lundbeck em todos os países do EEE, uma vez que apenas dispunha de uma AIM na Suécia antes da celebração do acordo GUK para o EEE. Na Alemanha, na Itália, nos Países Baixos e em Espanha, a Merck (GUK) só obteve uma AIM após a expiração do acordo GUK para o EEE e algures durante a vigência deste acordo.

213    A Comissão contesta estes argumentos.

214    Antes de apreciar os argumentos das recorrentes, há que recordar brevemente a apreciação da concorrência potencial entre a Merck (GUK) e a Lundbeck efetuada pela Comissão na decisão impugnada. A Comissão distinguiu, a este respeito, a situação existente no Reino Unido e a situação existente no EEE no momento da celebração do acordo GUK para o Reino Unido, por um lado, e do acordo GUK para o EEE, por outro.

1.     Situação no Reino Unido

215    No que respeita, antes de mais, à situação concorrencial no Reino Unido, a Comissão considerou que, durante o período anterior a 24 de janeiro de 2002, data de assinatura do acordo GUK para o Reino Unido, a Lundbeck era a única empresa que vendia citalopram no Reino Unido. Em 5 de janeiro de 2002, as patentes originárias de Lundbeck expiravam no Reino Unido. Assim, a partir desta data, o mercado do citalopram no Reino Unido estava, em princípio, aberto aos produtos genéricos, desde que respeitassem as obrigações legais em matéria de qualidade, de segurança e de eficácia, tais como confirmadas por uma AIM. Por conseguinte, as empresas que fabricavam ou pretendiam vender produtos genéricos que incluíam citalopram no Reino Unido, com perspetivas realistas quanto ao fornecimento de citalopram genérico e à obtenção de uma AIM num futuro próximo, podiam ser consideradas concorrentes potenciais da Lundbeck. A entrada no mercado dos genéricos, designadamente em caso de entrada de várias empresas de genéricos em simultâneo, teria muito provavelmente gerado um processo intenso de concorrência nos preços que teria reduzido o preço do citalopram de forma rápida e profunda (considerando 738 da decisão impugnada).

216    A Merck (GUK), após ter informado a Lundbeck da sua intenção de entrar no mercado do citalopram, foi a primeira empresa de genéricos a obter uma AIM para o mercado do Reino Unido, em 9 de janeiro de 2002. Durante este período, a Merck (GUK) tinha acumulado existências de 8 milhões de tabletes de citalopram, baseadas no IFA da Natco, prontas a ser vendidas no Reino Unido (considerando 741 da decisão impugnada).

217    Na sequência do acordo GUK para o Reino Unido, assinado com a Lundbeck em 24 de janeiro de 2002, a Merck (GUK) absteve‑se de lançar o citalopram genérico no mercado, até ao termo do período de duração do acordo, inicialmente previsto para julho de 2003. Não obstante, entre 1 e 4 de agosto de 2003, antes de o acordo ser prorrogado uma segunda vez em 6 de agosto de 2003, a Merck (GUK) vendeu efetivamente o seu citalopram genérico no Reino Unido por um valor de 3,3 milhões de GBP (considerando 742 da decisão impugnada).

218    A Comissão concluiu, no considerando 743 da decisão impugnada, que estes factos demonstravam de modo suficiente que a Merck (GUK) tinha possibilidades reais e concretas de entrar no mercado do citalopram no Reino Unido no momento da assinatura do acordo GUK para o Reino Unido. Além disso, o facto de a Merck (GUK) ter efetivamente entrado de forma breve no mercado em agosto de 2003 demonstra suficientemente que a Merck (GUK) e a Lundbeck eram concorrentes potenciais no momento da assinatura dos acordos controvertidos em janeiro de 2002. Por outro lado, o próprio facto de a Lundbeck ter aceitado efetuar uma transferência de valor significativo para a Merck (GUK) em virtude destes acordos demonstra suficientemente que a Lundbeck considerava que a Merck (GUK) era um concorrente potencial, cuja entrada no mercado era plausível e que constituía uma ameaça para a sua posição no mercado no momento da assinatura dos acordos controvertidos.

219    As recorrentes contestam, não obstante, o facto de estes elementos serem suficientes para provar a existência de uma concorrência potencial entre estas e a Merck (GUK) e consideram que a Comissão deveria ter demonstrado, antes de mais, a capacidade desta para entrar no mercado em vez de ter em conta as suas intenções a este respeito. Questionam igualmente as diferentes declarações utilizadas pela Comissão na decisão impugnada que, em seu entender, foram citadas fora do seu contexto e que não permitem demonstrar que o IFA da Natco não violava qualquer patente de Lundbeck, em particular, a patente sobre a cristalização.

220    Assim, basta observar que a Comissão não se baseou unicamente nas apreciações subjetivas da Merck (GUK) e da Lundbeck para demonstrar a existência de uma concorrência potencial entre estas, mas em elementos objetivos, tais como o facto de a Merck (GUK) ter, no momento da celebração do acordo GUK para o Reino Unido, celebrado um contrato de abastecimento com a Schweizerhall, com vista à obtenção do citalopram da Natco, de já ter acumulado grandes existências de citalopram genérico e de ter obtido uma AIM no Reino Unido em 9 de janeiro de 2002.

221    Em primeiro lugar, as recorrentes alegam, não obstante, que a Merck (GUK) não poderia ter lançado os seus produtos genéricos no mercado sem violar as suas patentes. No entanto, trata‑se novamente da sua apreciação subjetiva, uma vez que, no momento da celebração do acordo GUK para o Reino Unido, nenhum órgão jurisdicional do EEE tinha declarado que o IFA da Natco, utilizado pela Merck (GUK) para produzir o seu citalopram genérico, violava qualquer uma das patentes da Lundbeck. Além disso, no momento da celebração deste acordo, a patente sobre a cristalização da Lundbeck ainda nem sequer tinha sido concedida no Reino Unido. Por último, importa recordar que a Merck (GUK) não tinha de provar o caráter contrafeito dos seus produtos para poder comercializá‑los no Reino Unido (v. n.° 122, supra). No máximo, corria o risco de ter de enfrentar pedidos de injunção ou ações por contrafação por parte da Lundbeck, sem qualquer garantia, todavia, de que esta obteria ganho de causa, visto que, segundo as próprias previsões da Lundbeck, a existência de uma contrafação era particularmente difícil de demonstrar no que respeita a patentes de processo (considerando 629 da decisão impugnada). Além disso, em caso de litígio, poderia ter suscitado a questão da validade das patentes da Lundbeck através de um pedido reconvencional (v. n.° 122, supra).

222    Contrariamente ao entendimento das recorrentes, a Comissão não estava obrigada a demonstrar com certeza que a Merck (GUK) teria entrado no mercado, durante a vigência dos acordos, através de um IFA que não violava qualquer patente da Lundbeck. Unicamente tinha que provar que a Merck (GUK) dispunha de possibilidades reais e concretas de entrar no mercado, no momento da celebração dos acordos controvertidos, e que essas perspetivas não constituíam possibilidades puramente teóricas, mas demonstravam uma capacidade real de entrada no mercado num prazo suficientemente curto para constituir uma pressão concorrencial sobre a Lundbeck.

223    Ora, atendendo aos elementos que figuram nos considerandos 738 e seguintes, tais como acima resumidos nos n.os 215 a 218, as recorrentes não podem validamente afirmar que a Comissão não cumpriu essa obrigação. Com efeito, a circunstância de a Merck (GUK) ter podido entrar de forma breve no mercado com os seus genéricos, em agosto de 2003, quando considerava que as condições do seu acordo com a Lundbeck já não eram tão boas (considerando 755 da decisão impugnada), demonstra de modo evidente que a Merck (GUK) era, pelo menos, um concorrente potencial da Lundbeck no momento da celebração do acordo GUK para o Reino Unido. Se a tese das recorrentes fosse aceite, isto significaria que, mesmo nesse momento, a Merck (GUK) não podia ser considerada um concorrente potencial da Lundbeck, uma vez que não tinha sido demonstrado que os seus produtos não violavam qualquer patente da Lundbeck, mesmo que tivesse vendido comprimidos por um valor de 3,3 milhões de GBP no Reino Unido. É evidente que tal posição não pode ser acolhida. Por último, a circunstância de a Lundbeck ter preferido celebrar um acordo com a Merck (GUK) para adiar a sua entrada no mercado demonstra igualmente que a considerava uma ameaça capaz de exercer uma pressão concorrencial no mercado do citalopram, no momento da celebração desse acordo (v. n.° 103, supra).

224    Em segundo lugar, no que respeita ao argumento das recorrentes segundo o qual a Merck (GUK) não teria tido a possibilidade de recorrer a outro produtor de IFA durante a vigência dos acordos controvertidos, há que concluir que tal argumento é inoperante, à luz do exposto, uma vez que a Comissão não tinha a obrigação de demonstrar com certeza que a Merck (GUK) teria entrado no mercado através de um IFA não contrafeito para poder considerá‑la um concorrente potencial da Lundbeck no momento da celebração destes acordos. Em qualquer caso, como afirma corretamente a Comissão, o contrato de abastecimento que a Merck (GUK) tinha celebrado com a Schweizerhall baseava‑se na hipótese de o IFA da Natco não violar qualquer patente da Lundbeck após expirarem as suas patentes originárias. Assim, no caso de os produtos da Merck (GUK), baseados no IFA da Natco, terem sido considerados contrafeitos é muito provável que a Merck (GUK) pudesse ter rescindido este contrato e procurado abastecer‑se de citalopram genérico junto de um fornecedor diferente da Schweizerhall, ou colaborar com a Schweizerhall para que esta lhe fornecesse um citalopram genérico obtido a partir de processos não contrafeitos (n.° 197, supra).

225    Deste modo, sem cometer qualquer erro, a Comissão concluiu na decisão impugnada que a Merck (GUK) tinha possibilidades reais e concretas de entrar no mercado do citalopram no Reino Unido no momento da assinatura do acordo GUK para o Reino Unido e que, consequentemente, era, no mínimo, um concorrente potencial da Lundbeck nesse momento.

2.     Situação no EEE

226    No que respeita, em seguida, à situação concorrencial no EEE, a Comissão apresentou, nos considerandos 827 e seguintes, os motivos pelos quais entendeu que a Merck (GUK) podia ser considerada um concorrente potencial da Lundbeck na maioria dos Estados do EEE. No momento da assinatura dos acordos, a Merck (GUK) tinha celebrado um acordo de distribuição exclusiva relativo ao IFA da Natco com a Schweizerhall. Este acordo fazia da Schweizerhall o distribuidor privilegiado da Natco em vários Estados do EEE (nomeadamente, a Bélgica, a Alemanha, a Espanha, a França, a Itália, os Países Baixos, a Finlândia, a Suécia e a Noruega) e da Merck (GUK) o seu «cliente privilegiado» no sentido de que as suas necessidades de citalopram seriam tratadas com prioridade (considerando 235 da decisão impugnada).

227    Em maio de 2002, a NM Pharma, o distribuidor da Merck (GUK) para a Suécia, obteve uma AIM e entrou no mercado sueco. A NM Pharma dispunha igualmente de uma importante rede de distribuição na Noruega e contava utilizar a sua AIM sueca para obter AIM na Bélgica, na Dinamarca, em Espanha, nos Países Baixos, na Finlândia e na Noruega através do processo de reconhecimento mútuo previsto pela Diretiva 2001/83. Por seu turno, a Merck (GUK) pretendia obter AIM análogas para a Alemanha, a Irlanda, a Grécia, a França, a Itália, a Áustria e Portugal utilizando a AIM que obteve no Reino Unido (considerandos 829 e 830 da decisão impugnada). Além disso, o ponto D do preâmbulo do acordo GUK para o EEE reconhecia o papel de concorrente potencial da Merck (GUK) no território do EEE (considerando 831 da decisão impugnada).

228    Estes elementos permitiram à Comissão concluir que a Merck (GUK) e a Lundbeck eram, no mínimo, concorrentes potenciais no momento da assinatura do acordo GUK para o EEE em outubro de 2002. A Merck (GUK) foi inclusivamente um concorrente efetivo da Lundbeck na Suécia durante alguns meses anteriores à assinatura do acordo, através do seu distribuidor, a NM Pharma. Por outro lado, o próprio facto de a Lundbeck ter aceitado efetuar uma transferência de valor significativo para a Merck (GUK) em virtude deste acordo demonstra de forma suficiente que a Lundbeck considerava a Merck (GUK) um concorrente potencial, cuja entrada no mercado era plausível e que constituía uma ameaça para a sua posição no mercado do citalopram no momento da assinatura do acordo GUK para o EEE (considerando 832 da decisão impugnada).

229    As recorrentes alegam, todavia, que os mercados de produtos para o fornecimento de produtos farmacêuticos tais como o citalopram têm um alcance nacional, pelo que a Comissão deveria ter avaliado se a Merck (GUK) e a Lundbeck eram concorrentes potenciais em cada Estado‑Membro do EEE em vez de realizar uma apreciação única para todo o EEE.

230    No entanto, importa observar que a análise efetuada pela Comissão nos considerandos 827 a 840 da decisão impugnada (v. n.os 226 a 228, supra) demonstra de forma suficientemente convincente que a Merck (GUK) e Lundbeck podiam ser consideradas concorrentes potenciais em todo o território do EEE no momento da celebração do acordo GUK para o EEE. O facto de a Merck (GUK) não ter obtido AIM em todos os Estados do EEE no momento da celebração do acordo GUK para o EEE, nem mesmo durante a vigência desta, não significa que não dispunha de possibilidades reais e concretas de entrar nos mercados dos diferentes Estados do EEE, no momento da celebração desse acordo.

231    Com efeito, como a Comissão demonstrou nos considerandos 827 e seguintes da decisão impugnada, a Merck (GUK) pretendia utilizar o processo de reconhecimento mútuo previsto pela Diretiva 2001/83 para obter as AIM noutros Estados‑Membros com base na sua AIM já obtida no Reino Unido e na AIM do seu distribuidor, a NM Pharma, na Suécia (v. n.° 227, supra).

232    Por outro lado, o facto de o acordo GUK para o EEE abranger todo o território do EEE (exceto o Reino Unido) demonstra de forma suficiente que a Lundbeck considerava a Merck (GUK) uma potencial ameaça em todo este território e que dispunha de possibilidades reais e concretas de entrar no mercado do citalopram, senão em todos os Estados do EEE, pelo menos numa grande maioria destes (v. considerandos 827 e seguintes da decisão impugnada). Tal como é referido na nota de rodapé n.° 1540 da decisão impugnada, a Comissão não tinha a obrigação de demonstrar que, na falta do acordo GUK para o EEE, a Merck (GUK) teria certamente entrado em cada Estado‑Membro do EEE durante a vigência deste acordo. Com efeito, não é possível reconstituir, a posteriori, a data de entrada em cada Estado‑Membro do EEE, quando o acordo GUK para o EEE tinha precisamente como objetivo e como efeito de interromper os esforços realizados pela Merck (GUK) a esse respeito.

233    Além disso, tal argumento ignora novamente a distinção que existe entre concorrência real e potencial, sendo que esta última não exige a demonstração de uma entrada certa no mercado, mas unicamente a existência de possibilidades reais e concretas a este respeito. Ora, resulta dos considerandos 328 e 347 da decisão impugnada que a Merck (GUK) tinha a intenção e a capacidade de comercializar o citalopram no EEE num prazo suficientemente curto para poder exercer uma pressão concorrencial sobre a Lundbeck, no momento da celebração do acordo GUK para o EEE.

234    Em qualquer caso, resulta da decisão impugnada que a Comissão teve em conta as diferenças existentes entre os Estados do EEE quando estas revelavam ser pertinentes para efeitos da apreciação da existência de uma concorrência potencial neste território. Assim, a Comissão referiu, nomeadamente no considerando 827 da decisão impugnada, que a patente sobre o IFA da Lundbeck apenas expirava em abril de 2003 na Áustria, ao contrário do que sucedia noutros Estados‑Membros. Apreciou igualmente a situação no que se refere às AIM em diferentes Estados do EEE nos considerandos 326, 347 e 827 a 830 da decisão impugnada.

235    Quanto ao argumento das recorrentes segundo o qual a NM Pharma teria inevitavelmente enfrentado ações judiciais intentadas por estas, basta observar que tal afirmação é desmentida pelos factos, uma vez que a NM Pharma entrou efetivamente no mercado sueco durante quase cinco meses, efetuando vendas «muito encorajadoras» (considerando 325 da decisão impugnada), sem ser objeto de qualquer ação judicial por parte da Lundbeck.

236    Por conseguinte, improcede a sexta parte.

I –  Quanto à sétima parte, relativa à inexistência de concorrência potencial entre a Lundbeck e a Arrow no momento da celebração dos acordos controvertidos

237    As recorrentes alegam que não se encontravam numa situação de concorrência potencial com a Arrow no momento da celebração dos acordos Arrow UK e Arrow dinamarquês.

238    Com efeito, no que respeita ao Reino Unido, em primeiro lugar, a Arrow não dispôs de uma AIM até julho de 2002, a qual, além disso, era relativa aos IFA da Cipla e da Matrix obtidos através dos processos de produção iniciais destas, os processos Cipla I e Matrix I, que, segundo as recorrentes, violavam a patente sobre a cristalização. Nada prova que a Arrow tinha possibilidades razoáveis de obter a declaração de invalidade desta patente. Por outro lado, não teria podido contar com a cooperação da Cipla para demonstrar a inexistência de contrafação.

239    Em segundo lugar, a Arrow também não dispôs de possibilidades reais e concretas de passar para os IFA produzidos segundo os processos Cipla II e Matrix II, que, em qualquer caso, também constituíam uma contrafação, ou para o citalopram da Ranbaxy, que, além de violar as patentes sobre o amido e o iodo, não estava abrangido por nenhuma AIM.

240    Em terceiro lugar, as recorrentes invocam o acórdão da High Court of Justice (England & Wales), Chancery Division [Alto Tribunal de Justiça (Inglaterra e País de Gales), divisão da chancelaria] de 23 de outubro de 2001, Smithkline Beecham Plc v. Generics (UK) Ltd [(2002) 25(1) I.P.D. 25005, a seguir «acórdão Paroxetine»], do qual decorre que uma empresa de genéricos não pode entrar no mercado antes de provar que o seu produto não inclui qualquer contrafação, o que a Arrow não estava em condições de demonstrar.

241    Em quarto lugar, o facto de as recorrentes terem aceitado celebrar acordos com a Arrow que previam pagamentos a seu cargo não significa que a consideravam um concorrente potencial, mas que temiam uma infração às suas patentes.

242    No que respeita à Dinamarca, as recorrentes remetem para a maior parte dos argumentos relativos ao Reino Unido, acrescentando que a Arrow apenas entrou no mercado dinamarquês em 2005 e que, durante a vigência do acordo Arrow dinamarquês, várias empresas de genéricos foram objeto de injunções quando tentavam vender citalopram genérico nesse Estado‑Membro.

243    A Comissão contesta todos estes argumentos.

1.     Situação no Reino Unido

244    Importa apreciar, em primeiro lugar, os argumentos das recorrentes relativos à alegada inexistência de concorrência potencial entre estas e a Arrow no momento da celebração do acordo Arrow UK.

245    Quanto aos argumentos das recorrentes relativos à alegada impossibilidade de a Arrow entrar no mercado com o citalopram da Cipla ou da Matrix, há que assinalar o seguinte.

246    Em primeiro lugar, nos considerandos 375 e 878 da decisão impugnada, a Comissão observou que, em 22 de maio de 2001, a Arrow tinha celebrado um acordo com a Tiefenbacher para comprar, por um lado, as AIM que esta tinha requerido em vários países do EEE relativas ao citalopram genérico assim como, por outro, os comprimidos deste medicamento produzidos a partir do IFA da Cipla ou da Matrix.

247    Em segundo lugar, nos considerandos 379 e 878 da decisão impugnada, a Comissão declarou que, em 10 de setembro de 2001, a Arrow tinha encomendado à Tiefenbacher comprimidos de citalopram genérico por um valor igual a 2,8 milhões de marcos alemães (DEM), uma parte dos quais recebeu no mês de novembro de 2001 e a outra parte durante a segunda semana do mês de janeiro de 2002. Estes comprimidos tinham sido desenvolvidos a partir do IFA da Cipla, produzido segundo o processo Cipla I.

248    Em terceiro lugar, resulta do considerando 382 da decisão impugnada que, em 14 de dezembro de 2001 se realizou uma reunião entre a Arrow e a Tiefenbacher. Segundo as notas relativas a esta reunião, que as recorrentes apresentaram no Tribunal Geral, a Tiefenbacher considerava que o citalopram produzido segundo o processo Cipla I poderia ter violado a patente sobre a cristalização, se esta fosse concedida no Reino Unido, apesar de a Cipla afirmar que o seu processo correspondia a um dos previstos pelas patentes originárias. As referidas notas também referem que a Arrow queria preparar uma estratégia de defesa relativamente aos pedidos de injunção que a Lundbeck ia apresentar nos órgãos jurisdicionais competentes para se opor à sua entrada no mercado do Reino Unido. Além disso, o correio eletrónico através do qual estas notas foram transmitidas menciona o facto de um colaborador da Arrow ter apreciado os processos Cipla I e Matrix I e ter concluído que, aparentemente, estes não violavam a patente sobre a cristalização.

249    Em quarto lugar, segundo o considerando 383 da decisão impugnada, em 21 de dezembro de 2001, a Arrow comprou à Tiefenbacher o pedido de AIM que esta tinha previamente apresentado às autoridades competentes no Reino Unido. Este pedido, que se baseava, de acordo com o processo de reconhecimento mútuo previsto no artigo 18.° da Diretiva 2001/83, na AIM que a Tiefenbacher tinha obtido nos Países Baixos anteriormente, foi deferido em julho de 2002, após o insucesso da ação que a Lundbeck tinha intentado nos Países Baixos contra esta última AIM. A este respeito, há que observar que, conforme referiu a Comissão no considerando 882 da decisão impugnada, a concorrência potencial inicia‑se antes da concessão de uma AIM (n.os 92 a 94, supra) e que, em qualquer caso, esta foi concedida durante a vigência do acordo Arrow UK.

250    Em quinto lugar, no considerando 387 da decisão impugnada, a Comissão afirmou que, num correio eletrónico enviado à Arrow em 15 de janeiro de 2002, a Cipla declarou que estava pronta a apoiá‑la no âmbito de um eventual litígio com a Lundbeck, apesar de pretender fornecer as informações necessárias relativas ao seu processo diretamente às autoridades competentes, e não em primeiro lugar à Arrow ou à Tiefenbacher. Assim, pouco importa que, segundo um correio eletrónico de 11 de janeiro de 2002, referido no considerando 385 da decisão impugnada, a Cipla não tenha pretendido prestar mais informações sobre o seu processo.

251    Em sexto lugar, resulta do considerando 389 da decisão impugnada que, num correio eletrónico de 22 de janeiro de 2002, em resposta à advertência que as recorrentes lhe tinham enviado na véspera, a Arrow as informou de que não pensava violar as suas novas patentes.

252    Em sétimo lugar, num correio eletrónico de 23 de janeiro de 2002, referido nos considerandos 390, 880 e 887 da decisão impugnada e enviado a outro produtor do IFA citalopram, uma filial da Arrow, a Resolution Chemicals, afirmou que «[ia lançar o seu produto] no Reino Unido na semana [seguinte]». Neste correio eletrónico, a Resolution Chemicals manifestava igualmente interesse pelo IFA deste fornecedor, enquanto segunda fonte de IFA.

253    Em oitavo lugar, importa recordar que, no sétimo considerando do preâmbulo Arrow UK, a Arrow não admitiu ter violado as novas patentes da Lundbeck, mas limitou‑se a observar que não podia desmentir esta acusação através de provas irrefutáveis.

254    Em nono lugar, resulta, nomeadamente, dos considerandos 157, 627, 669 e 745, assim como da nota de rodapé n.° 322 da decisão impugnada que outras empresas de genéricos e a própria Lundbeck tinham dúvidas acerca da validade da patente sobre a cristalização. Em particular, esta estimou que a probabilidade de esta patente ser invalidada se situava entre 50 e 60%. É certo que as provas relativas a esta estimativa respeitam ao período posterior à celebração dos acordos controvertidos. Todavia, as recorrentes não forneceram qualquer elemento capaz de explicar em que sentido é que, anteriormente, a sua apreciação desta questão teria sido diferente. Por outro lado, também devem ser tidas em conta as considerações constantes do n.° 122, supra, quanto à declaração de invalidade das patentes de processo. Com efeito, se a patente sobre a cristalização tivesse sido declarada inválida, a sua eventual violação pela Arrow não teria tido consequências.

255    Estes elementos de prova são suficientes para considerar que, no momento da celebração do acordo Arrow UK, a Arrow se encontrava numa relação de concorrência potencial com a Lundbeck devido às possibilidades reais e concretas que tinha de entrar no mercado com o citalopram da Cipla, produzido segundo o processo Cipla I.

256    Quanto à possibilidade de a Arrow mudar de produtor de IFA e passar para o IFA da Matrix, produzido segundo o processo Matrix I, que a Tiefenbacher poderia ter‑lhe fornecido, há que observar que, segundo o correio eletrónico que acompanha as notas sobre a reunião de 14 de dezembro de 2001 (v. n.° 248, supra), a Arrow considerava que o processo utilizado pela Matrix para produzir este IFA provavelmente não violava a patente sobre a cristalização. Estas notas referem igualmente a possibilidade de a Arrow passar para o IFA da Matrix, apesar de presumirem que não era possível efetuar tal mudança na fase em que então se encontrava. A este respeito, importa observar, como afirmou corretamente a Comissão nos considerandos 885, 886, 889, 895 e na nota de rodapé n.° 1636 da decisão impugnada, que o acordo da Arrow com a Tiefenbacher permitia tal troca, pelo que o facto de essa opção poder ter sido uma solução menos vantajosa para a Arrow do que a que consistia em celebrar um acordo com a Lundbeck não impede que se considere que dispunha de uma possibilidade real e concreta de entrar no mercado com o citalopram produzido a partir deste IFA.

257    No que respeita aos argumentos das recorrentes relativos aos processos Matrix II e Cipla II, há que remeter para os n.os 198 a 200, supra.

258    Quanto ao argumento das recorrentes respeitante ao acórdão Paroxetine, referido no n.° 240, supra, importa recordar que uma questão relativa à interpretação do direito nacional de um Estado‑Membro é uma questão de facto (v., neste sentido, e por analogia, acórdãos de 21 de dezembro de 2011, A2A/Comissão, C‑318/09 P, EU:C:2011:856, n.° 125 e jurisprudência aí referida, e de 16 de julho de 2014, Zweckverband Tierkörperbeseitigung/Comissão, T‑309/12, EU:T:2014:676, n.° 222 e jurisprudência aí referida) sobre a qual o Tribunal Geral está obrigado, em princípio, a exercer uma fiscalização integral (n.° 113, supra).

259    No processo que deu origem ao acórdão Paroxetine, referido no n.° 240, supra, o órgão jurisdicional em causa aplicou os princípios que regulam a concessão de providências cautelares no direito inglês e considerou que a ponderação dos interesses era favorável à empresa de medicamentos originais atendendo às circunstâncias específicas do processo, nomeadamente ao facto de a empresa de genéricos em causa não ter «levantado obstáculos» ao informar o referido laboratório da sua firme intenção de lançar o seu produto genérico no mercado, ainda que tenha preparado tal entrada durante quatro anos e apesar de saber que este detinha patentes que lhe permitiam intentar uma ação por contrafação a seu respeito.

260    Não obstante, sem que seja necessário decidir da interpretação e alcance exatos do acórdão Paroxetine, referido no n.° 240, supra, há que assinalar que existem várias diferenças entre o caso em apreço e o processo que deu origem ao referido acórdão.

261    Com efeito, por um lado, resulta do considerando 374 da decisão impugnada que, já em 15 de dezembro de 2000, as recorrentes e a Arrow tinham estabelecido contactos para discutir a questão do citalopram genérico. Além disso, no considerando 389 da decisão impugnada, a Comissão constatou que, no mês de janeiro de 2002, a Arrow tinha confirmado às recorrentes que se preparava para entrar no mercado do Reino Unido.

262    Por outro lado, enquanto no processo que deu origem ao acórdão Paroxetine, acima referido no n.° 240, a patente potencialmente violada pela empresa de genéricos em causa já existia durante todo o período em que esta se preparou para entrar no mercado, no caso em apreço, o pedido de patente sobre a cristalização no Reino Unido só foi apresentado pela Lundbeck em 12 de março de 2001 e apenas foi publicado em 4 de julho de 2001, tendo a própria patente sido concedida, na aceção do artigo 25.° do UK Patents Act, somente em 30 de janeiro de 2002, ou seja, após a celebração do acordo Arrow UK.

263    Por outro lado, as recorrentes não forneceram qualquer explicação, com exceção do caráter imperfeito do sistema de proteção das patentes na Europa e da assimetria dos riscos que daí decorrem, das razões pelas quais a empresa de que fazem parte, que é uma empresa experiente e aconselhada por advogados especializados, preferiu celebrar um acordo oneroso como o acordo Arrow UK, que apenas lhe permitiu obter um mero adiamento da entrada da Arrow no mercado do Reino Unido. Com efeito, se a sua interpretação do acórdão Paroxetine, acima referido no n.° 240, fosse correta, tal como a sua convicção de poder bloquear a entrada dos genéricos através das suas patentes, teriam certamente sido concedidas medidas provisórias contra a Arrow no Reino Unido se esta tentasse entrar nesse mercado com os seus medicamentos genéricos, permitindo‑lhes assim bloquear tal entrada enquanto se aguardasse por uma decisão favorável quanto ao mérito.

264    Na medida em que as recorrentes invocam, no essencial, a assimetria dos riscos entre as próprias e a Arrow, há que constatar que tal argumento não é suscetível, por si só, de pôr em causa a conclusão de que estas consideravam que a Arrow era uma ameaça no mercado do citalopram, no momento da celebração do acordo Arrow UK.

265    No que respeita aos argumentos das recorrentes de que não consideravam que a Arrow era um concorrente potencial, mas sim uma empresa que podia violar as suas patentes, importa observar que o próprio facto de terem celebrado um acordo com a Arrow constitui um indício bastante forte de que a consideravam um concorrente potencial (v. n.° 181, supra). Além disso, importa recordar que a convicção da Lundbeck de que as suas patentes tinham sido violadas não era partilhada pela Arrow (v. sétimo considerando do preâmbulo Arrow UK e n.° 35, supra) e não tinha sido confirmada por nenhum órgão jurisdicional no momento da celebração do acordo Arrow UK.

266    Por conseguinte, há que concluir que, na decisão impugnada, a Comissão não cometeu qualquer erro de apreciação ao considerar que a Arrow era um concorrente potencial da Lundbeck no Reino Unido.

2.     Quanto à situação na Dinamarca

267    Em segundo lugar, no que respeita à concorrência potencial na Dinamarca, há que rejeitar, antes de mais, o argumento das recorrentes relativo ao facto de a Arrow não ter entrado no mercado a partir do expirar do acordo Arrow dinamarquês, em abril de 2003, mas apenas em 2005. A este propósito, há que observar, em primeiro lugar, que se trata de uma prova ex post referente à concorrência efetiva, e não à concorrência potencial. Por outro lado, importa observar que a situação que existia após o expirar desse acordo não era comparável com aquela que o precedeu, uma vez que as condições deste mercado foram entretanto alteradas.

268    Em segundo lugar, quanto ao facto de as recorrentes terem obtido várias injunções na Dinamarca, há que observar que estas são posteriores à data de celebração do acordo Arrow dinamarquês, pelo que a Comissão não estava obrigada a basear‑se nelas para avaliar se as possibilidades de a Arrow entrar no mercado eram reais e concretas no momento da celebração deste acordo. Admitindo que estas injunções poderiam ser tidas em conta, também se deviam considerar as decisões em sede de recurso que revogaram várias injunções obtidas em primeira instância, conforme observou a Comissão no considerando 185 da decisão impugnada.

269    Em terceiro lugar, embora seja verdade que, no momento da celebração do acordo Arrow dinamarquês, a Arrow sabia que o processo Cipla I era provavelmente contrafeito, não é menos verdade, por um lado, que poderia ter tentado obter a declaração de invalidade da patente sobre a cristalização e, por outro, que poderia ter tentado abastecer‑se, em primeiro lugar, do citalopram da Matrix, produzido segundo o processo Matrix I, em seguida, do citalopram produzido segundo os processos Cipla II ou Matrix II ou ainda do citalopram da Ranbaxy (v. n.os 198 a 201 e 256, supra). A este respeito, há que observar que a Arrow, mesmo depois de a Lundbeck ter obtido a patente sobre a cristalização na Dinamarca, continuou a efetuar diligências a fim de poder dispor de uma AIM num prazo razoável, para poder vender no mercado dinamarquês o citalopram genérico fornecido pela Tiefenbacher, produzido a partir dos IFA da Cipla ou da Matrix (v. considerandos 450, 454, 967 e 968 da decisão impugnada, assim como o terceiro considerando do preâmbulo do acordo Arrow dinamarquês).

270    Daqui resulta que a Comissão considerou corretamente que a Arrow também era um concorrente potencial da Lundbeck na Dinamarca.

271    Por conseguinte, improcede a sétima parte.

J –  Quanto à oitava parte, relativa à inexistência de concorrência potencial entre a Lundbeck e a Alpharma no momento da celebração dos acordos controvertidos

272    As recorrentes alegam que, no momento da celebração do acordo Alpharma, não se encontravam numa situação de concorrência potencial com a Alpharma.

273    Com efeito, em primeiro lugar, a Alpharma não tinha acesso a nenhum citalopram que não violasse as suas patentes, na medida em que estava obrigada a comprar os seus produtos à Tiefenbacher. Ora, esta forneceu à Alpharma citalopram genérico obtido segundo o processo Cipla I, que era claramente contrafeito, e só lhe poderia ter fornecido outros produtos contrafeitos, obtidos segundo o processo Matrix I ou, posteriormente, segundo os processos Cipla II e Matrix II. Por outro lado, as dúvidas da Alpharma acerca da validade da patente sobre a cristalização não significavam que era um concorrente potencial, tendo em conta, nomeadamente, o facto de estas se basearem em apreciações subjetivas.

274    Em segundo lugar, as recorrentes observam que a Alpharma apenas dispunha de uma AIM para oito países do EEE, incluindo a AIM para o Reino Unido, que não foi concedida até julho de 2002.

275    A Comissão contesta estes argumentos.

276    A este respeito, importa recordar que, no considerando 1035 da decisão impugnada, a Comissão declarou que, segundo uma mensagem de correio eletrónico de 19 de fevereiro de 2002 do diretor‑geral da Alpharma responsável pelo processo em questão, em vez de celebrar o acordo Alpharma, o grupo Alpharma poderia ter entrado no mercado com os comprimidos de citalopram que já tinha recebido ou encomendado, produzidos segundo o processo Cipla I, e poderia ter invocado a invalidade da patente sobre a cristalização, que este processo violava, segundo as informações de que o grupo Alpharma e a Lundbeck dispunham à data.

277    Em primeiro lugar, importa observar que o facto de a Alpharma não ter excluído de forma alguma entrar no mercado com os comprimidos que já tinha recebido ou encomendado resulta igualmente da mensagem de correio eletrónico interna de 14 de fevereiro de 2002, do mesmo diretor‑geral, referida no considerando 516 da decisão impugnada. Com efeito, o autor dessa mensagem de correio eletrónico explicou a um dos seus colegas que, nesse momento, a Alpharma utilizou uma estratégia dupla, como demonstra a expressão «we are riding two horses» (apostamos em dois cavalos), que consistia, por um lado, em preparar o lançamento do citalopram em vários países do EEE e, por outro, em negociar com a Lundbeck, e que, na semana seguinte, seria provavelmente necessário tomar uma decisão. A este propósito, esclarecia que, para adotar a melhor decisão possível, precisava de receber uma descrição da situação do ponto de vista jurídico nos referidos países e dos riscos a que a Alpharma estava exposta.

278    Por conseguinte, resulta das mensagens de correio eletrónico de 14 e 19 de fevereiro de 2002 que a Alpharma, apesar de conhecer os riscos que a entrada no mercado podia comportar, não teria abandonado os seus planos se não tivesse podido celebrar com a Lundbeck um acordo suficientemente vantajoso. Na medida em que se trata de mensagens de correio eletrónico internas, não é verosímil que as posições nelas expressas pretendessem fazer «bluff» à Lundbeck. Além disso, esta era uma empresa experiente que seguia há muito as diligências da Alpharma, como demonstram as cartas referidas nos considerandos 477 e 496 da decisão impugnada. Estas cartas referiam‑se, nomeadamente, ao modelo de utilidade da Lundbeck, assim como à patente sobre a cristalização, pelo que não é possível considerar que os referidos correios eletrónicos apresentavam as posições expressadas sem conhecimento dos riscos relacionados com estes direitos de propriedade intelectual.

279    Por outro lado, importa recordar as considerações acima formuladas nos n.os 122 e 254 quanto à eventual invalidade da patente sobre a cristalização.

280    As declarações contidas nos correios eletrónicos acima referidos devem ser lidas à luz das diligências que a Alpharma tinha realizado até então para preparar a sua entrada no mercado.

281    A este respeito, resulta, nomeadamente, dos considerandos 476, 486, 490, 516 e 1017 da decisão impugnada que, no momento da celebração do acordo Alpharma, esta:

–        já tinha celebrado com a Tiefenbacher um contrato de fornecimento de citalopram genérico produzido a partir do IFA da Cipla ou da Matrix, em 25 de junho de 2001;

–        podia, nos termos desse contrato e de um contrato anterior entre as mesmas partes, de 31 de julho de 2000, obter uma AIM aos Países Baixos, com base na AIM que a Tiefenbacher tinha recebido em 31 de agosto de 2001 das autoridades deste Estado‑Membro, e podia, em aplicação do processo de reconhecimento mútuo previsto pela Diretiva 2001/83, obter AIM noutros países do EEE;

–        já tinha existências de 9,4 milhões de comprimidos de citalopram e tinha encomendado mais 16 milhões;

–        já tinha obtido AIM nos Países Baixos, na Finlândia, na Dinamarca e na Suécia e tinha recebido, em 9 de janeiro de 2002, garantias de que iria obter uma no Reino Unido num futuro muito próximo;

–        já tinha publicado uma lista dos preços para o seu citalopram no Reino Unido.

282    Em segundo lugar, há que observar, tal como fez a Comissão no considerando 1035 da decisão impugnada, que, segundo a mensagem de correio eletrónico de 19 de fevereiro de 2002, em vez de celebrar o acordo Alpharma, a Alpharma poderia ter igualmente adiado a sua entrada no mercado até à primavera ou ao verão do mesmo ano, passando para o citalopram da Matrix, que não era considerado problemático no que respeita à patente sobre a cristalização.

283    É certo que, segundo a mensagem de correio eletrónico de 19 de fevereiro de 2002, a passagem para o citalopram da Matrix tinha sérios inconvenientes. Todavia, importa salientar, em primeiro lugar, que o contrato celebrado entre a Tiefenbacher e a Alpharma permitia a esta obter tanto citalopram da Cipla como citalopram da Matrix (v. considerando 480 da decisão impugnada).

284    Em segundo lugar, embora a mensagem de correio eletrónico de 19 de fevereiro de 2002 precise que a passagem para o IFA da Matrix teria conduzido a um adiamento da entrada no mercado, o que teria reduzido os benefícios previstos, esta desvantagem deve ser ponderada com a vantagem constituída pelo facto de reduzir o risco de contrafação da patente sobre a cristalização. Em qualquer caso, essa mensagem de correio eletrónico não afeta de modo algum o facto de, apesar do referido adiamento e das suas consequências, a passagem para o IFA da Matrix constituir uma opção economicamente viável. Tratava‑se simplesmente de um fator que tornava financeiramente preferível a celebração de um acordo vantajoso com a Lundbeck. Ora, esta questão é irrelevante para apreciar se existiam possibilidades reais e concretas de a Alpharma entrar no mercado.

285    Em terceiro lugar, o facto de, numa data posterior à da celebração do acordo Alpharma, a Matrix ter alterado o processo que utilizava para produzir o IFA citalopram, conforme resulta da nota de rodapé n.° 155 da decisão impugnada, não demonstra que o processo antes disponível violava a patente sobre a cristalização, mas demonstra apenas os esforços da Matrix para posteriormente se proteger de qualquer risco de contrafação. Por outro lado, esta alteração ocorreu durante a vigência do referido acordo, pelo que a Alpharma poderia ter utilizado o novo IFA da Matrix, produzido segundo o processo Matrix II, se não tivesse sido paga para permanecer fora do mercado. Em qualquer caso, em 19 de fevereiro de 2002, o grupo Alpharma considerava que o IFA da Matrix, baseado no processo Matrix I que esta utilizava à data, podia permitir‑lhe entrar no mercado sem violar a patente sobre a cristalização.

286    Daqui resulta que, no momento da celebração do acordo Alpharma, esta empresa dispunha de possibilidades reais e concretas de entrar no mercado com o citalopram genérico produzido segundo os processos Cipla I ou Matrix I. Por outro lado, conforme foi examinado nos n.os 198 e 200, supra, durante a vigência deste acordo, o citalopram genérico produzido segundo os processos Matrix II e Cipla II tornou‑se igualmente disponível.

287    A constatação de que a Alpharma era um concorrente potencial das recorrentes não é posta em causa pela referência que estas fazem a uma declaração da Alpharma à imprensa em 28 de fevereiro de 2002. Através desta declaração, a Alpharma anunciou, no essencial, que ia adiar as vendas do citalopram pelo menos até ao fim do período das férias de verão e que, eventualmente, poderia abandonar o projeto referente a estas vendas, porque as suas existências colocavam problemas em relação às patentes das recorrentes. Acrescentou que devia procurar outro produtor de IFA e obter as autorizações necessárias.

288    A este propósito, importa observar que, conforme constatou a Comissão no considerando 1055 da decisão impugnada, esta declaração apresenta a alteração de planos da Alpharma como sendo a consequência de uma decisão unilateral por parte desta. Com efeito, não contém qualquer referência ao acordo Alpharma, respeitando o caráter secreto deste, conforme consta do n.° 3.1 do dito acordo. Além disso, há que ter em conta o facto de que a referida declaração visava fornecer explicações aos potenciais clientes da Alpharma.

289    Por conseguinte, esta declaração não afeta a tese da Comissão, baseada, nomeadamente, nos correios eletrónicos de 14 e 19 de fevereiro de 2002 e nas diligências que a Alpharma tinha realizado até então, segundo a qual, se o acordo Alpharma não tivesse sido celebrado, esta empresa dispunha de uma possibilidade real e concreta de entrar no mercado.

290    No que respeita ao argumento das recorrentes relativo ao facto de que a Alpharma não dispunha de uma AIM em todos os países do EEE, basta observar que já podia contar com várias AIM e que tinha possibilidades reais e concretas de obter outras em aplicação do processo de reconhecimento mútuo previsto no artigo 18.° da Diretiva 2001/83. Além disso, em virtude das considerações acima expostas nos n.os 163 e 171, tais possibilidades representam certamente uma concorrência potencial.

291    Tendo em consideração o exposto, improcede a oitava parte.

K –  Quanto à nona parte, relativa à inexistência de concorrência potencial entre a Lundbeck e a Ranbaxy no momento da celebração dos acordos controvertidos

292    As recorrentes alegam que, no momento da celebração do acordo Ranbaxy, não se encontravam numa situação de concorrência potencial com a Ranbaxy.

293    Em primeiro lugar, as recorrentes afirmam que, embora a Ranbaxy as tenha informado, numa reunião que se realizou em 17 de abril de 2002, de que dispunha de um processo que não violava nenhuma patente, que previa obter uma AIM num prazo de oito meses e que estava prestes a celebrar um acordo com outra empresa de genéricos que poderia comprar o seu IFA e entrar no mercado com o citalopram genérico produzido a partir desse IFA num prazo máximo de quatro meses, tratava‑se, todavia, de «bluff», efetuado para as persuadir a celebrarem um acordo favorável à Ranbaxy. O facto de esta ter feito declarações no mesmo sentido a outras empresas de genéricos que eram potenciais compradoras do seu IFA também não tem valor probatório. Em particular, a sua declaração à Alpharma é anterior à apreciação, por parte da Lundbeck, das formas de reação da Ranbaxy, que permitiu demonstrar que o processo desta violava as suas patentes sobre o amido e sobre o iodo.

294    Em segundo lugar, as recorrentes observam que a Ranbaxy não tinha possibilidades reais e concretas de obter uma AIM durante a vigência do acordo Ranbaxy. No decurso do procedimento administrativo, esta admitiu todas as dificuldades associadas ao processo de reconhecimento mútuo previsto no artigo 18.° da Diretiva 2001/83.

295    Em terceiro lugar, as recorrentes sublinham que, em outubro de 2002, a Ranbaxy declarou que não vendeu citalopram após junho de 2002, não só na Europa, mas no mundo inteiro, o que demonstra que não podia fazê‑lo, independentemente do acordo Ranbaxy, que apenas dizia respeito ao EEE.

296    Em quarto lugar, as recorrentes assinalam que a Ranbaxy, após a expiração do acordo que a afetava, lhes solicitou uma licença relativa à patente sobre o iodo, em vez de simplesmente utilizar o seu processo, o que confirma que este violava a referida patente.

297    Em quinto lugar, a decisão impugnada não apresenta qualquer prova de que as recorrentes ou a Ranbaxy tinham dúvidas acerca da validade das patentes sobre o amido e sobre o iodo, uma vez que as declarações referidas eram apenas relativas à patente sobre a cristalização.

298    A Comissão contesta estes argumentos.

299    Em primeiro lugar, no que respeita aos argumentos das recorrentes referentes ao alegado «bluff» efetuado pela Ranbaxy, importa recordar que, conforme a Comissão salientou nos considerandos 1095 e 1096 da decisão impugnada, resulta da ata da reunião de 17 de abril de 2002 entre as recorrentes e a Ranbaxy que, nessa ocasião, esta afirmou o seguinte:

–        utilizava um processo que não violava as patentes da Lundbeck;

–        a Lundbeck tinha conhecimento desse processo;

–        pretendia apresentar pedidos de AIM para o Reino Unido e para a Alemanha, ou tinha as suas próprias filiais, e esperava receber as suas AIM num prazo de oito meses;

–        estava pronta para celebrar um acordo com outra empresa de genéricos, que não identificou, mas que a Lundbeck acreditava ser a Tiefenbacher ou uma sociedade do grupo Merck, através do qual previa que o seu IFA entrasse no mercado da Europa do Norte num prazo de três a quatro meses;

–        a sua capacidade de produção era de 4,5 toneladas de IFA por ano no mundo inteiro;

–        estava pronta para celebrar um acordo com a Lundbeck.

300    De igual modo, há que constatar, que segundo esta ata, a Lundbeck sabia que tal acordo podia ser oneroso e difícil, nomeadamente do ponto de vista do direito da concorrência (v. considerandos 188 e 1095 da decisão impugnada).

301    Por conseguinte, a Lundbeck decidiu celebrar o acordo Ranbaxy, o que demonstra que levou a sério a ameaça que esta empresa representava.

302    Neste contexto, importa observar que, em conformidade com a jurisprudência (v. n.os 101 e 104, supra), a perceção que a Lundbeck tinha da Ranbaxy é um elemento que pode ser tido em consideração, apesar de não ser suficiente, por si só, para demonstrar a existência de uma concorrência potencial.

303    Quanto à possibilidade de a perceção das recorrentes ter sido afetada pelo êxito de «bluff» efetuado pela Ranbaxy, importa observar, antes de mais, que estas constituíam uma empresa experiente, que há muito acompanhava as diligências das empresas de genéricos em relação ao citalopram (v., nomeadamente, considerandos 172 a 183 da decisão impugnada).

304    No que respeita à Ranbaxy, em particular, as recorrentes acompanharam‑na de forma especialmente atenta, uma vez que, entre janeiro e julho de 2001, tinham tido contactos frequentes, com o objetivo declarado de explorarem a possibilidade de utilizarem o citalopram da Ranbaxy, apesar de, na realidade, se tratar de uma estratégia dilatória da sua parte (v. considerandos 549 a 552 da decisão impugnada). Além disso, no mês de maio de 2002, as recorrentes ficaram a saber que a Ranbaxy tinha apresentado dois pedidos de patente na Índia e, após ter apreciado as formas de reação da Ranbaxy, consideraram que estes pedidos podiam ser incompatíveis com as patentes sobre o amido e sobre o iodo (v. considerandos 560 a 564 da decisão impugnada).

305    Mesmo na sequência da assinatura do acordo Ranbaxy, as recorrentes nunca se queixaram de terem sido vítimas de um estratagema, mas, como resulta do considerando 206 da decisão impugnada, regozijaram‑se, no mês de dezembro de 2002, de terem obtido o adiamento do lançamento do citalopram genérico, esperado para o primeiro trimestre de 2002, o que criava condições positivas para o desenvolvimento das vendas do seu novo medicamento, o Cipralex (v. n.° 22, supra). Inclusivamente, pretenderam prorrogar este acordo até 31 de dezembro de 2003 através da assinatura de uma adenda, em 19 de fevereiro de 2003. Ora, na falta de qualquer prova para o efeito, não é crível que a Ranbaxy pudesse ter enganado a Lundbeck por duas vezes, durante tão longo período.

306    Por outro lado, conforme resulta do considerando 1105 da decisão impugnada, antes e depois da celebração do acordo Ranbaxy, esta empresa afirmou junto de terceiros que os seus processos não violavam as novas patentes da Lundbeck. Em particular, nos considerandos 554, 557 e 1093 da decisão impugnada, a Comissão constatou que a Ranbaxy tinha tido contactos com a Arrow, primeiro em janeiro, posteriormente em abril de 2002, que terminaram com uma oferta concreta a favor desta, relativa à venda de 500 a 1000 kg de IFA. Ora, não é crível que a Ranbaxy tenha dado deliberadamente informações falsas aos seus potenciais clientes com o objetivo de os convencer a comprar o seu IFA. Com efeito, tal comportamento tê‑la‑ia exposto a ações de indemnização por parte destes clientes. Além disso, um destes clientes recebeu da Ranbaxy toda a documentação necessária para confirmar que os seus processos não constituíam infrações.

307    O facto de a Ranbaxy não estar a fazer «bluff» em relação às recorrentes é igualmente confirmado por outros elementos de prova que a Comissão referiu na decisão impugnada.

308    Assim, em primeiro lugar, importa recordar que, conforme a Comissão declarou no considerando 1091 da decisão impugnada, a Ranbaxy já tinha começado a desenvolver um processo para produzir citalopram em janeiro de 2001. Resulta do documento referido nos considerandos 552 e 1091 da decisão impugnada que, quando, em julho de 2001, a Lundbeck informou a Ranbaxy de que não pretendia comprar os 400 kg de IFA que esta lhe tinha proposto, a Ranbaxy ficou particularmente dececionada porque, durante todo o período anterior, em que a Lundbeck a levou a acreditar que tinha interesse no seu IFA, renunciou deliberadamente a outras possibilidades que surgiram.

309    Em segundo lugar, nos considerandos 566 e 1092 da decisão impugnada, a Comissão constatou, antes de mais, que a Ranbaxy forneceu dados técnicos relativos ao seu IFA a um potencial cliente em Itália no mês de dezembro de 2001, aos quais se seguiu, no primeiro semestre de 2002, o envio de 16 kg de IFA. Posteriormente, em janeiro de 2002, um potencial cliente em França também recebeu dados técnicos. Em seguida, em 2002, a Ranbaxy enviou uma pequena quantidade de IFA a um potencial cliente sueco.

310    Em terceiro lugar, deve observar‑se, como referiu a Comissão no considerando 584 da decisão impugnada, em julho de 2002, a Ranbaxy vendeu uma pequena quantidade do seu IFA ao cliente italiano com o qual tinha estado em contacto alguns meses antes. Ora, se a Ranbaxy estava em condições de vender uma pequena quantidade de IFA até à celebração do acordo Ranbaxy, há que constatar que, no mínimo, dispunha de possibilidades reais e concretas de o fazer anteriormente.

311    Por último, importa observar que, mesmo depois de as recorrentes terem apreciado as suas formas de reação, a Ranbaxy decidiu apresentar o seu DMF às autoridades do Reino Unido competentes e, em seguida, solicitou uma AIM. Ora, tais diligências não teriam sido realizadas se, na sequência da referida apreciação, tivesse concluído que o processo utilizado pela Ranbaxy para produzir o seu IFA violava as patentes sobre o amido e sobre o iodo.

312    Em segundo lugar, no que respeita ao argumento das recorrentes relativo ao prazo necessário para obtenção de uma AIM, há que recordar as considerações expostas nos n.os 171, 177 e 178, supra, assim como os elementos referentes aos prazos anunciados pela Ranbaxy na reunião de 17 de abril de 2002 (v. n.° 299, terceiro e quarto travessões, supra).

313    Com efeito, uma vez que, por um lado, as diligências que uma empresa de genéricos como a Ranbaxy realiza para preparar a sua entrada no mercado com o citalopram genérico, incluindo no que respeita ao processo necessário para obter as AIM, são relevantes para efeitos da apreciação da concorrência potencial e, por outro, estas diligências foram levadas a sério pela Lundbeck, pouco importa saber se os processos necessários para que estas AIM sejam concedidas podiam ser concluídos nos prazos previstos pela Ranbaxy ou mais tarde.

314    Importa precisar que, embora a conclusão do processo para obtenção de uma AIM seja indispensável para que possa existir concorrência efetiva, o caminho para a alcançar, quando é efetuado por uma empresa que está há muito a preparar seriamente a sua entrada no mercado, faz parte da concorrência potencial, mesmo que, na realidade, possa exigir um período mais extenso do que o previsto pelos interessados.

315    A este respeito, admitindo que a Ranbaxy subestimou a duração do período necessário para obter uma AIM, em primeiro lugar, importa observar que a Lundbeck, não obstante, sentiu uma pressão concorrencial, ao ponto de ter considerado que era do seu interesse pagar à Ranbaxy para limitar, ou até excluir, o seu acesso ao mercado durante a vigência do acordo Ranbaxy.

316    Em segundo lugar, este pagamento tornou forçosamente menos urgente a necessidade de a Ranbaxy acelerar ao máximo o processo para a concessão de uma AIM, uma vez que, através da celebração do acordo Ranbaxy, garantiu benefícios significativos à sua escala, em contrapartida desta limitação ou exclusão. O facto de que, devido a uma «reformatação» do processo, tinha apresentado o seu pedido de AIM em agosto de 2002, quando, segundo as constatações da Comissão que figuram na nota de rodapé n.° 1887 da decisão impugnada, todos os resultados dos testes relevantes tinham sido transmitidos desde a Índia em junho, confirma que já não tinha especial pressa em obter uma AIM, após a celebração do acordo celebrado com a Lundbeck.

317    Em qualquer caso, importa observar, antes de mais, que nos termos do artigo 17.°, n.° 1, da Diretiva 2001/83, os Estados‑Membros tomarão as medidas adequadas para assegurar que o processo de concessão de AIM no mercado fique concluído no prazo de 210 dias a contar da apresentação de um pedido válido. Deste modo, se a Ranbaxy tivesse apresentado um pedido com todos os esclarecimentos necessários, as autoridades competentes deveriam tê‑lo apreciado num prazo inferior ao prazo de oito meses referido na ata da reunião de 17 de abril de 2002.

318    É certo que o prazo de 210 dias previsto pelo artigo 17.°, n.° 1, da Diretiva 2001/83 é suspenso quando a autoridade competente considera que um pedido não é válido e convida a empresa em causa a fornecer‑lhe informações complementares.

319    Todavia, quando redigiu a ata da reunião de 17 de abril de 2002, a Lundbeck não incluiu observações para indicar que o prazo de oito meses previsto pela Ranbaxy não era realista, mas referiu apenas que um acordo poderia custar cerca de 10 a 20 milhões de USD, ou mais (considerando 1095 da decisão impugnada).

320    Daqui resulta que a Ranbaxy dispunha de uma possibilidade real e concreta de obter uma AIM durante a vigência do acordo Ranbaxy, o que era suficiente, nas circunstâncias do caso em apreço, para exercer uma pressão concorrencial sobre a Lundbeck.

321    Em seguida, há que recordar que, segundo a ata de 17 de abril de 2002, a Ranbaxy tinha a possibilidade de comprar uma AIM existente ou de vender o seu IFA a uma empresa de genéricos que já dispunha de uma AIM, sendo que estas duas opções exigiam, no entanto, que tais AIM fossem sujeitas a uma alteração de tipo II.

322    Importa constatar que, conforme foi referido nos n.os 306 e 309, supra, antes de celebrar o acordo com a Lundbeck, a Ranbaxy tinha efetuado várias diligências para vender o seu IFA, e não para vender produtos acabados realizados a partir deste. O facto de a venda de produtos acabados poder ter sido mais rentável não impede que se considere que a venda do seu IFA constituía uma possibilidade real e concreta de a Ranbaxy concorrer com a Lundbeck, como tinha sido referido na ata da reunião de 17 de abril de 2002.

323    Por último, conforme a Comissão referiu na nota de rodapé n.° 1885 da decisão impugnada, o prazo de três a quatro meses mencionado na ata de 17 de abril de 2002 é compatível com as estatísticas da autoridade do Reino Unido competente sobre a duração dos processos relativos às alterações de tipo II, que a Comissão apresentou no Tribunal Geral, das quais decorre que, entre março de 2001 e fevereiro de 2002, na sua maioria, estes processos estavam concluídos num período de 90 dias.

324    A este respeito, é certo que, como resulta das explicações introdutórias destas estatísticas, o referido período foi calculado a partir da apresentação de um pedido completo, sem ter em conta as suspensões que se devem a pedidos de informações suplementares. Todavia, conforme a Comissão referiu em resposta a uma questão do Tribunal Geral, a autoridade do Reino Unido competente confirmou que, durante o período visado pelas estatísticas em causa, 50% dos pedidos de alterações de tipo II apresentados tinham sido tratados num prazo máximo de 90 dias. Com efeito, em 40% dos casos, não tinha sido apresentado qualquer pedido de informações suplementares e, em 10% dos casos, o envio de tal pedido não prolongou o processo para além do referido prazo.

325    Estas estatísticas confirmam, assim, que existia uma possibilidade real e concreta de alterar uma AIM existente para que incluísse o citalopram produzido segundo os processos da Ranbaxy num prazo semelhante ao mencionado na ata da reunião de 17 de abril de 2002, uma vez que o pedido de alteração podia ser abrangido por alguma das hipóteses referidas no n.° 324, supra.

326    Por outro lado, importa observar que, embora as explicações da autoridade do Reino Unido competente sejam posteriores à assinatura do acordo Ranbaxy e até mesmo posteriores à adoção da decisão impugnada, uma vez que foram apresentadas para efeitos do processo no Tribunal Geral, referem‑se à situação que existia aquando das negociações mantidas com vista à celebração do acordo Ranbaxy e fornecem precisões no que respeita à interpretação de elementos que figuram na decisão impugnada. Assim, estas explicações podem ser tidas em consideração nas condições referidas nos n.os 138 a 141, supra.

327    Em terceiro lugar, relativamente ao facto de a Ranbaxy ter declarado que, durante a vigência do acordo Ranbaxy, não tinha vendido citalopram nem na Europa, nem no mundo inteiro após junho de 2002 (v. considerando 577 da decisão impugnada), importa constatar que não se trata de uma circunstância relevante para avaliar a concorrência potencial no EEE no momento da celebração do referido acordo. Com efeito, a inexistência de vendas efetuadas pela Ranbaxy também fora do EEE demonstra, no máximo, que esta empresa não era um concorrente efetivo da Lundbeck fora do EEE, mas não tem qualquer impacto na existência de uma relação de concorrência potencial, quer no EEE quer fora deste território. Por outro lado, há que salientar que a Comissão não estava de forma alguma obrigada a apreciar a concorrência potencial fora do EEE.

328    Em quarto lugar, no que respeita ao argumento das recorrentes relativo ao facto de que, em janeiro de 2004, a Ranbaxy solicitou‑lhes uma licença de patente sobre o iodo, concedida em 23 de março de 2003, importa observar que tal circunstância não significa que esta não dispunha de possibilidades reais e concretas de entrar no mercado com os seus produtos antes de 2004. Com efeito, um pedido de licença pode ser motivado por várias razões distintas, tais como evitar qualquer ação por contrafação. A Ranbaxy podia considerar que as recorrentes teriam aceitado conceder‑lhe uma licença a um preço reduzido, o que lhe teria permitido proteger‑se, a baixo custo, de qualquer risco de violação potencial da patente sobre o iodo. Por conseguinte, o acordo de licença invocado pelas recorrentes não é determinante para a questão de saber se eram concorrentes potenciais da Ranbaxy no momento da celebração do acordo Ranbaxy.

329    Em quinto lugar, há que constatar, à semelhança das recorrentes, que a decisão impugnada não parece incluir qualquer referência à existência de dúvidas quanto à validade das patentes sobre o amido e sobre o iodo. Todavia, para além de que a patente sobre o iodo ainda não tinha sido concedida no momento da celebração do acordo Ranbaxy, pelo que não podia ser utilizada como fundamento de uma ação por contrafação, importa observar que a avaliação da concorrência potencial entre a Lundbeck e a Ranbaxy efetuada na decisão impugnada baseia‑se, antes de mais, nas provas que demonstram que a Ranbaxy se preparava para entrar no mercado porque considerava que o seu processo não constituía uma infração, e não na possibilidade de obter a anulação das patentes da Lundbeck suscetíveis de ser contrafeitas.

330    Tendo em consideração o exposto, há que rejeitar a nona parte, assim como o primeiro fundamento na íntegra.

II –  Quanto ao segundo, terceiro, quarto, quinto e sexto fundamentos, relativos, no essencial, a uma violação do artigo 101.°, n.° 1, TFUE

331    Antes de apreciar os argumentos das recorrentes relativos ao conteúdo, à finalidade e ao contexto dos acordos controvertidos, importa recordar brevemente a abordagem seguida pela Comissão na decisão impugnada para, no caso em apreço, qualificar os acordos controvertidos de restrição da concorrência por objetivo, assim como a jurisprudência relevante.

A –  Análise relativa à existência de uma restrição da concorrência por objetivo na decisão impugnada

332    A Comissão considerou, na decisão impugnada, que os acordos controvertidos constituíam uma restrição da concorrência por objetivo na aceção do artigo 101.°, n.° 1, TFUE, baseando‑se, a este respeito, em todos os fatores relativos ao conteúdo, ao contexto e à finalidade dos referidos acordos (n.os 61 a 67, supra).

333    Assim, entendeu que um elemento importante do contexto económico e jurídico em que os acordos controvertidos tinham sido celebrados residia no facto de as patentes originárias da Lundbeck terem expirado antes da celebração dos acordos controvertidos, mas que a Lundbeck tinha obtido — ou estava prestes a obter — várias patentes de processo quando estes acordos foram celebrados, entre as quais a patente sobre a cristalização. A Comissão considerou, no entanto, que uma patente não concedia o direito de limitar a autonomia comercial das partes para além dos direitos que eram conferidos por esta mesma patente (considerando 638 da decisão impugnada).

334    Por conseguinte, considerou que embora nem todos os acordos amigáveis em matéria de patentes fossem necessariamente problemáticos à luz do direito da concorrência, isso sucedia quando tais acordos previam a exclusão do mercado de uma das partes que, no mínimo, era um concorrente potencial da outra parte, durante um período determinado, e quando eram acompanhados de uma transferência de valor do titular da patente para a empresa de genéricos suscetível de violar essa patente (a seguir «pagamento compensatório») (considerandos 639 e 640 da decisão impugnada).

335    Resulta igualmente da decisão impugnada que, mesmo se as restrições previstas pelos acordos controvertidos estavam abrangidas pelo âmbito de aplicação das patentes da Lundbeck, ou seja, que estes acordos impediram unicamente a entrada no mercado de um citalopram genérico que, segundo consideravam as partes nos acordos, potencialmente violava estas patentes e não a entrada de qualquer tipo de citalopram genérico, estes seriam, não obstante, restritivos da concorrência por objetivo, na medida em que impediram ou tornaram inútil todo o tipo de contestação das patentes da Lundbeck nos órgãos jurisdicionais nacionais, apesar de, de acordo com a Comissão, este tipo de contestação fazer parte do funcionamento normal da concorrência em matéria de patentes (considerandos 603 a 605, 625, 641 e 674 da decisão impugnada).

336    Por outras palavras, segundo a Comissão, os acordos controvertidos transformaram a incerteza quanto ao resultado de tais ações judiciais na certeza de que os genéricos não entrariam no mercado, o que podia igualmente constituir uma restrição da concorrência por objetivo quando tais limitações não resultavam de uma análise, efetuada pelas partes, dos méritos do direito exclusivo em causa, mas antes da importância do pagamento compensatório que, em tal caso, encobria esta avaliação e incitava a empresa de genéricos a não prosseguir os seus esforços para entrar no mercado (considerando 641 da decisão impugnada).

337    É à luz destas considerações que devem ser apreciados os argumentos das recorrentes que visam pôr em causa a existência de uma restrição por objetivo no caso em apreço.

B –  Princípios e jurisprudência aplicáveis

338    Importa recordar que o artigo 101.°, n.° 1, TFUE prevê que «[s]ão incompatíveis com o mercado interno e proibidos todos os acordos entre empresas, todas as decisões de associações de empresas e todas as práticas concertadas […] que tenham por objetivo ou efeito impedir, restringir ou falsear a concorrência no mercado interno, designadamente as que consistam em:

a)      Fixar, de forma direta ou indireta, os preços de compra ou de venda, ou quaisquer outras condições de transação;

b)      Limitar ou controlar a produção, a distribuição, o desenvolvimento técnico ou os investimentos;

c)      Repartir os mercados ou as fontes de abastecimento;

d)      Aplicar, relativamente a parceiros comerciais, condições desiguais no caso de prestações equivalentes colocando‑os, por esse facto, em desvantagem na concorrência;

e)      Subordinar a celebração de contratos à aceitação, por parte dos outros contraentes, de prestações suplementares que, pela sua natureza ou de acordo com os usos comerciais, não têm ligação com o objeto desses contratos.»

339    A este respeito, resulta da jurisprudência que determinadas formas de coordenação entre empresas revelam um grau suficiente de nocividade para a concorrência para que se possa considerar que não há que examinar os seus efeitos (acórdão CB/Comissão, n.° 78, supra, EU:C:2014:2204, n.° 49; v., igualmente, neste sentido, acórdãos de 30 de junho de 1966, LTM, 56/65, Colet., EU:C:1966:38, p. 359 e 360, e de 14 de março de 2013, Allianz Hungária Biztosító e o., C‑32/11, Colet., EU:C:2013:160, n.° 34).

340    Esta jurisprudência tem em conta o facto de determinadas formas de coordenação entre empresas poderem ser consideradas, pela sua própria natureza, prejudiciais ao bom funcionamento do jogo da concorrência (acórdão CB/Comissão, n.° 78, supra, EU:C:2014:2204, n.° 50; v., igualmente, neste sentido, acórdão Allianz Hungária Biztosító e o., n.° 339, supra, EU:C:2013:160, n.° 35 e jurisprudência aí referida).

341    Assim, é pacífico que determinados comportamentos colusórios, como os que levam à fixação horizontal dos preços por cartéis ou que consistem na exclusão de determinados concorrentes do mercado, podem ser considerados de tal modo suscetíveis de terem efeitos negativos, em especial, sobre o preço, a quantidade ou a qualidade dos produtos e dos serviços que se pode considerar inútil, para efeitos de aplicação do artigo 101.°, n.° 1, TFUE, demonstrar que produzem efeitos concretos no mercado. Com efeito, a experiência mostra que esses comportamentos provocam reduções da produção e subidas de preços, conduzindo a uma má repartição dos recursos em prejuízo, especialmente, dos consumidores (v. acórdão CB/Comissão, n.° 78, supra, EU:C:2014:2204, n.° 51 e jurisprudência aí referida; v., igualmente, neste sentido, acórdão de 20 de novembro de 2008, Beef Industry Development Society e Barry Brothers, C‑209/07, Colet., a seguir «acórdão BIDS», EU:C:2008:643, n.os 33 e 34).

342    Se a análise de um tipo de coordenação entre empresas não apresentar um grau suficiente de nocividade para a concorrência, há que examinar, em contrapartida, os seus efeitos e, para que a mesma possa ser objeto da proibição, exigir que estejam reunidos os elementos que determinam que a concorrência foi de facto impedida, restringida ou falseada de forma sensível (acórdãos Allianz Hungária Biztosító e o., n.° 339, supra, EU:C:2013:160, n.° 34, e CB/Comissão, n.° 78, supra, EU:C:2014:2204, n.° 52).

343    Para estabelecer o caráter anticoncorrencial de um acordo e apreciar se este apresenta um grau suficiente de nocividade para ser considerado uma restrição da concorrência por objetivo na aceção do artigo 101.°, n.° 1, TFUE, deve atender‑se ao teor das suas disposições, aos objetivos que visa atingir, bem como ao contexto económico e jurídico em que o mesmo se insere. No âmbito da apreciação do referido contexto, há também que tomar em consideração a natureza dos bens ou dos serviços afetados e as condições reais do funcionamento e da estrutura do mercado ou dos mercados em causa (acórdãos Allianz Hungária Biztosító e o., n.° 339, supra, EU:C:2013:160, n.° 36, e CB/Comissão, n.° 78, supra, EU:C:2014:2204, n.° 53).

344    Além disso, embora a intenção das partes não seja um elemento necessário para determinar o caráter restritivo de um acordo entre empresas, nada impede que as autoridades da concorrência ou os órgãos jurisdicionais nacionais e da União a tenham em conta (acórdãos Allianz Hungária Biztosító e o., n.° 339, supra, EU:C:2013:160, n.° 37, e CB/Comissão, n.° 78, supra, EU:C:2014:2204, n.° 54).

C –  Quanto ao segundo fundamento, relativo a um erro de direito e de facto e a uma falta de fundamentação na avaliação do papel das transferências de valor nos acordos controvertidos

345    Segundo as recorrentes, a decisão erra quando considera que o facto de prever nos acordos controvertidos pagamentos por parte da Lundbeck significa que estes acordos tinham um objetivo anticoncorrencial, porque estes pagamentos demonstravam que as restrições previstas nos referidos acordos não correspondiam às apreciações das partes relativas à força das patentes pertinentes e à violação destas (primeira parte). Além disso, a decisão equivoca‑se na parte em que conclui que as restrições previstas nos acordos controvertidos reduziam ou eliminavam os incentivos das empresas de genéricos para prosseguirem os seus esforços de modo independente a fim de integrarem o mercado, mesmo se estas restrições não excediam as que eram inerentes à existência das patentes da Lundbeck. A decisão não estabelece que os pagamentos efetuados pela Lundbeck tinham tido esse efeito, nem que as restrições em causa não correspondiam à apreciação das partes (segunda parte). A tese acolhida pela Comissão na decisão impugnada a este respeito é incoerente e irrealista e aplica um critério jurídico impraticável (terceira parte).

1.     Quanto à primeira parte

346    As recorrentes consideram que a decisão equivoca‑se tanto em matéria de direito como de facto quando conclui que os acordos controvertidos não refletiam a apreciação da força das patentes efetuada pelas partes.

347    Observam que a decisão impugnada constata que um acordo de transação é provavelmente legal quando «foi celebrado com base numa apreciação contraditória efetuada por cada parte sobre o estado das patentes» (considerando 604), mas que as restrições previstas no âmbito de um transação «são suscetíveis de violar o artigo 101.° [TFUE] quando estas limitações são injustificáveis e não decorrem da apreciação, efetuada pelas partes, das qualidades do direito exclusivo propriamente dito» (considerando 641). Ora, a constatação da decisão impugnada segundo a qual os acordos controvertidos não refletiam a apreciação da força das patentes pelas partes, por um lado, não é demonstrada por qualquer prova escrita que evidencie a desconfiança das partes quanto à força das patentes em causa e, por outro, baseia‑se na presunção arbitrária de que as transferências de valor implicavam que as restrições contidas nestes acordos não correspondiam à ideia que as partes tinham da força das referidas patentes.

348    A Comissão contesta estes argumentos.

349    Importa recordar que a Comissão considerou, na decisão impugnada, que o facto de as restrições contidas nos acordos controvertidos terem sido obtidas através de pagamentos compensatórios significativos constituía um elemento decisivo para a apreciação jurídica destes acordos (considerando 660 da decisão impugnada).

350    A decisão impugnada reconhecia, não obstante, que a existência de um pagamento compensatório no âmbito de uma transação em matéria de patentes nem sempre é problemática, nomeadamente quando este pagamento está ligado à força da patente, tal como é entendida por cada uma das partes, é necessário para encontrar uma solução aceitável e legítima aos olhos de ambas as partes e não é acompanhado de restrições que visam adiar a entrada de genéricos no mercado (considerandos 638 e 639 da decisão impugnada). Assim, tomou o exemplo da Neolab, com a qual Lundbeck tinha igualmente celebrado um acordo amigável, que não tinha sido considerado problemático apesar de ter implicado um pagamento compensatório, uma vez que este pagamento a favor da Neolab tinha sido realizado em troca de um compromisso que esta assumiu de não apresentar pedidos de indemnização nos órgãos jurisdicionais competentes e que a Lundbeck tinha renunciado a qualquer reivindicação em matéria de patentes durante um determinado período (considerandos 164 e 639 da decisão impugnada). Em tal caso, todavia, o pagamento compensatório tinha efetivamente como objetivo resolver um litígio entre as partes sem, no entanto, adiar a entrada de genéricos no mercado.

351    Embora seja verdade, conforme alegam as recorrentes, que, no caso da Neolab, existiu igualmente uma primeira transação entre as partes que previa adiar a entrada da Neolab no mercado, até ao desfecho do processo Lagap, esta própria resolução não era acompanhada de uma transferência de valor e estava condicionada ao pagamento de indemnizações por parte da Lundbeck à Neolab em caso de decisão desfavorável no âmbito deste processo. Após a Lundbeck ter finalmente decidido resolver o seu litígio com a Lagap de forma amigável, a Neolab ainda mantinha o interesse em receber indemnizações, obtendo a declaração de invalidade da patente da Lundbeck. Neste contexto, a Lundbeck preferiu também resolver o seu litígio com a Neolab de forma amigável, aceitando pagar‑lhe as indemnizações devidas em relação ao ano em que se retirou do mercado e comprometendo‑se a não efetuar reivindicações em matéria de patentes caso esta entrasse no mercado (considerando 164 da decisão impugnada). Por conseguinte, este último compromisso é crucial, uma vez que, contrariamente aos acordos controvertidos no caso em apreço, o pagamento compensatório efetuado pela Lundbeck não constituía a contrapartida de uma exclusão do mercado, mas, pelo contrário, era acompanhado de uma aceitação de não contrafação e de um compromisso de não dificultar a entrada no mercado da Neolab com os seus genéricos.

352    Em contrapartida, quando um pagamento compensatório é conjugado com uma exclusão do mercado de concorrente ou com uma limitação dos elementos incentivadores para que tal entrada ocorra, a Comissão considerou corretamente que era possível considerar que tal limitação não decorria exclusivamente da apreciação da força das patentes pelas partes, mas que era obtida através de tal pagamento (considerando 604 da decisão impugnada), que, por isso, se assemelha à compra da concorrência.

353    Com efeito, a importância de um pagamento compensatório pode constituir uma indicação da força ou da fragilidade de uma patente, tal como entendida pelas partes nos acordos no momento em que estes são celebrados, e do facto de que a empresa de medicamentos originais não estava intimamente convencida das suas possibilidades de êxito em caso de litígio. No mesmo sentido, a Supreme Court of the United States (Supremo Tribunal dos Estados Unidos) considerou igualmente que a presença de um pagamento compensatório significativo num acordo de transação em matéria de patentes podia constituir uma alternativa viável para a fragilidade de uma patente, sem que um órgão jurisdicional deva efetuar uma apreciação aprofundada da validade desta patente [acórdão da Supreme Court of the United States de 17 de junho de 2013, Federal Trade Commission v. Actavis, 570 U.S. (2013), a seguir «acórdão Actavis»]. Aliás, as recorrentes, citando o considerando 640 da decisão impugnada nas suas alegações escritas, parecem reconhecer que, quanto mais a empresa de medicamentos originais considerar que as suas possibilidades de ter uma patente revogada, ou não violada, são elevadas e quanto maior for o dano resultante de uma entrada de genéricos no mercado, mais este laboratório estará disposto a pagar quantias significativas às empresas de genéricos para evitar tal risco.

354    Importa sublinhar, a este respeito, que a Comissão não estabeleceu, na decisão impugnada, que todas as transações em matéria de patentes que preveem pagamentos compensatórios eram contrárias ao artigo 101.°, n.° 1, TFUE, mas unicamente que o caráter desproporcionado de tais pagamentos, conjugado com vários outros fatores, como o facto de que os montantes destes pagamentos pareciam, pelo menos, corresponder aos lucros esperados pelas empresas de genéricos em caso de entrada no mercado, a inexistência de cláusulas que permitiam às empresas de genéricos lançar os seus produtos no mercado quando os acordos expirassem sem terem de temer ações por contrafação por parte da Lundbeck, ou ainda a presença, nestes acordos, de restrições que excediam o alcance das patentes da Lundbeck, permitia concluir que, no caso em apreço, os acordos controvertidos tinham por objetivo restringir a concorrência por objetivo, na aceção desta disposição (v. considerandos 661 e 662 da decisão impugnada).

355    Por conseguinte, importa constatar que a Comissão não cometeu um erro ao considerar, na decisão impugnada, que a própria existência de pagamentos compensatórios e o caráter desproporcionado destes eram elementos pertinentes para demonstrar que os acordos controvertidos constituíam infrações da concorrência «por objetivo» na aceção do artigo 101.° TFUE na medida em que, através destes pagamentos, a empresa de medicamentos originais incentivou as empresas de genéricos a não prosseguirem os seus esforços independentes para entrar no mercado.

356    Nenhum dos argumentos das recorrentes é suscetível de pôr em causa esta conclusão.

357    As recorrentes alegam, em primeiro lugar, que a decisão impugnada não estabelece que os acordos controvertidos não refletiam a apreciação das partes quanto à força das patentes. A decisão impugnada remete para uma leitura literal das cláusulas específicas dos acordos controvertidos e para as declarações isoladas da Lundbeck e das empresas de genéricos relativamente à eventual nulidade ou à eventual não violação da patente sobre a cristalização, e daí conclui que as partes não chegaram a um acordo com base na força das patentes. Ora, estas cláusulas e estas declarações, que são os únicos indícios escritos que figuram na decisão, não permitem demonstrar que as partes duvidavam da força das patentes da Lundbeck.

358    As recorrentes não contestam, no entanto, que os pagamentos previstos nos acordos controvertidos representaram uma «contrapartida» e estavam «ligados aos» compromissos assumidos pelas empresas de genéricos de não lançarem citalopram que violava as patentes da Lundbeck. Também não negam que os pagamentos possam ter representado um incentivo suplementar para as empresas de genéricos chegarem a um acordo. Não obstante, em seu entender, uma simples contrapartida ou uma simples ligação não prova que os pagamentos «encobriram» a apreciação do valor das patentes pelas partes nos acordos controvertidos de tal forma que «o resultado da exclusão do mercado [foi obtido], não pela força da patente, mas pelo montante da transferência de valor» (considerandos 604 e 641 da decisão impugnada).

359    Basta constatar que tal argumento é inoperante na medida em que assenta numa leitura errada da decisão impugnada.

360    Com efeito, a Comissão não considerou, na decisão impugnada, que apenas as transações que se baseiam «exclusivamente» na apreciação das partes quanto à força das patentes estão excluídas da aplicação do artigo 101.°, n.° 1, TFUE. Em contrapartida, entendeu, tendo em conta uma série de fatores a este respeito (v. n.° 354, supra), que, quando tais acordos previam pagamentos compensatórios significativos, que reduziam ou eliminavam qualquer incentivo para as empresas de genéricos entrarem no mercado durante um determinado período, sem, no entanto, resolverem o litígio subjacente em matéria de patentes, tais acordos estavam abrangidos pelo âmbito de aplicação desta disposição (considerando 604 da decisão impugnada). Com efeito, em tal caso, a transferência de valor substitui‑se à apreciação autónoma, efetuada pelas partes, da força das patentes da empresa de medicamentos originais e à avaliação das suas possibilidades de vencerem um eventual litígio baseado nessas patentes ou relativo à validade destas (v. n.° 353, supra).

361    Ora, em primeiro lugar, no caso em apreço, importa recordar, à semelhança do que fez a Comissão, que as partes nos acordos controvertidos estavam em desacordo quanto à questão de saber se as patentes da Lundbeck eram suficientemente sólidas para excluir uma entrada do citalopram genérico no mercado, pelo que estas patentes não podem ter sido decisivas para que as empresas de genéricos se comprometessem a não entrar no mercado. Assim, os pagamentos serviram de elemento impulsionador para se alcançar um acordo (dealclincher) e foram determinantes para convencer as empresas de genéricos a cessar os seus esforços para entrar no mercado.

362    Em segundo lugar, as recorrentes não contestam que os montantes que pagaram às empresas de genéricos podiam ter sido calculados com base nos lucros ou no volume de negócios que estas esperavam obter durante a vigência dos acordos controvertidos caso tivessem entrado no mercado, o que constitui um indício significativo a este respeito. Na audiência, as recorrentes alegaram que tal cálculo apenas podia ter sido efetuado pelas empresas de genéricos e não por si próprias, o que não altera de forma alguma esta conclusão.

363    Em terceiro lugar, os elementos de prova relativos ao período anterior à celebração dos acordos controvertidos demonstram que as empresas de genéricos realizaram esforços consideráveis para preparar a sua entrada no mercado e que não pretendiam renunciar a estes esforços devido às patentes da Lundbeck. É certo que existia incerteza quanto à questão de saber se os seus produtos seriam eventualmente declarados contrafeitos por um órgão jurisdicional competente. A decisão impugnada demonstra, todavia, que as empresas de genéricos tinham possibilidades reais de obter ganho de causa em caso de litígio (v. n.° 122, supra, e considerandos 75 e 76 da decisão impugnada). Por conseguinte, ao celebrarem os acordos controvertidos, as recorrentes trocaram esta incerteza pela certeza de que as empresas de genéricos não entrariam no mercado, através de pagamentos compensatórios significativos (considerando 604 da decisão impugnada), eliminando assim toda concorrência, mesmo potencial, no mercado, durante a vigência destes acordos.

364    Em segundo lugar, as recorrentes consideram que a decisão impugnada não demonstra de que modo a existência de uma transferência de valor indica que as restrições não correspondiam à apreciação das partes quanto à força das patentes em causa. Em seu entender, a decisão impugnada baseia‑se na existência de pagamentos da sua parte a favor das empresas de genéricos para presumir a existência de dúvidas quanto à validade das patentes pertinentes ou à violação destas. Seria errado afirmar que «quanto mais a empresa de medicamentos originais considerar que a sua patente provavelmente é nula ou não foi violada […], maior é a quantia que está disposta a pagar ao fabricante de genéricos para evitar tal risco» (considerando 640 da decisão impugnada). Por conseguinte, a decisão impugnada viola as regras aplicáveis em matéria de prova, que impõem à Comissão o dever de refutar todas as explicações para as transferências de valor distintas da concertação anticoncorrencial.

365    As recorrentes alegam que uma presunção económica, como a que a Comissão invocou na decisão impugnada, apenas pode ser admitida se assentar em fundamentos empíricos e teóricos sólidos, e que a Comissão só pode invocar uma presunção insuficientemente clara se tiver provado que se tratava da única explicação plausível. Esta norma deve ser aplicada por analogia à inferência de que um pagamento compensatório que figura numa transação implica que as partes duvidavam da força da patente pertinente.

366    A este respeito, importa constatar que, em conformidade com a jurisprudência referida nos n.os 105 a 112, supra, no caso em apreço, a Comissão baseou‑se num conjunto de elementos de prova na decisão impugnada para demonstrar que foi principalmente a importância dos pagamentos compensatórios a favor das empresas de genéricos que as incentivou a aceitar as limitações que regulam a sua conduta e não a existência das patentes de processo da Lundbeck ou ainda a vontade de evitar as despesas associadas a um eventual litígio (v., nomeadamente, considerandos 255 e 748 da decisão impugnada e n.os 354 e 363, supra). Quanto à Merck (GUK), por exemplo, a decisão impugnada demonstra que estes montantes correspondiam aos benefícios que contava obter com a entrada no mercado, sem ter de prosseguir os seus esforços e de assumir os riscos de tal entrada (considerandos 350, 809 e 862 da decisão impugnada). Considerações análogas figuram nos considerandos 398, 460, 1071 e 1157 da decisão impugnada no que respeita à Arrow, à Alpharma e à Ranbaxy.

367    Além disso, nas suas alegações, as próprias recorrentes citam o considerando 640 da decisão impugnada (n.° 353, supra), no qual a Comissão constatou que a importância de um pagamento compensatório está frequentemente associada ao risco, tal como avaliado pela empresa de medicamentos originais, de obter uma decisão que declare a invalidade da sua patente ou o caráter não contrafeito dos produtos genéricos, assim como ao dano resultante para esta empresa de medicamentos originais de uma entrada de tais produtos no mercado. As recorrentes também não contestam que os pagamentos compensatórios representavam uma contrapartida aos compromissos assumidos pelas empresas de genéricos de não entrarem no mercado com o citalopram genérico que, em seu entender, violava as suas patentes, nem que estes pagamentos poderiam ter representado um incentivo suplementar para as empresas de genéricos celebrarem os acordos controvertidos.

368    Quanto ao resto, as provas contemporâneas aos acordos controvertidos demonstram que as recorrentes pretendiam utilizar «uma grande pilha de [USD]» para excluir os genéricos do mercado (considerando 131 da decisão impugnada), quando duvidavam da validade das suas patentes e das suas possibilidades de vencerem um eventual processo judicial (considerando 149 da decisão impugnada e n.° 126, supra).

369    Em qualquer caso, a Comissão não estava obrigada a demonstrar, de forma irrefutável, que as recorrentes duvidavam da validade das suas patentes para provar a existência de uma infração por objetivo no caso em apreço, uma vez que os elementos de prova que figuram na decisão impugnada demonstram que as empresas de genéricos estavam confiantes das suas possibilidades de poder entrar no mercado num prazo suficientemente curto, quer resistindo às alegações por contrafação por parte das recorrentes, quer contestando a validade das suas patentes, em caso de litígio (v. primeiro fundamento, supra). Por conseguinte, o que importa é que existia incerteza, no momento da celebração dos acordos controvertidos, quanto à possibilidade de as empresas de genéricos entrarem no mercado sem serem objeto de injunções ou de ações por contrafação ou de contestarem com êxito a validade das patentes das recorrentes, e que estes acordos tinham substituído tal incerteza, através de pagamentos compensatórios significativos, pela certeza de que as empresas de genéricos não entrariam no mercado durante a vigência dos acordos controvertidos (n.os 336 e 363, supra).

370    Em terceiro lugar, as recorrentes consideram que a decisão impugnada não refuta as outras explicações das transferências de valor e recordam que, na sua resposta à comunicação de acusações, afirmaram que os pagamentos em causa demonstravam a pressão que sofreram por parte das empresas de genéricos em razão da assimetria entre os riscos suportados pelas recorrentes e os riscos suportados por estas empresas. Com efeito, as recorrentes arriscavam‑se a sofrer um prejuízo considerável e irreversível devido à contrafação cometida pelas empresas de genéricos, ao passo que estas estariam expostas a um risco menor, ou até inexistente. Esta assimetria explica o motivo pelo qual as recorrentes aceitaram prever pagamentos compensatórios a seu cargo nos acordos controvertidos. Este problema de «chantagem» é manifesto em cada um dos acordos identificados na comunicação de acusações.

371    A decisão impugnada, nomeadamente no considerando 644, reconhece a existência dessa assimetria dos riscos, afirmando que o lucro que uma empresa de genéricos obteria com a entrada no mercado seria inferior, até mesmo bastante inferior, às perdas que a empresa de medicamentos originais provavelmente sofreria se os medicamentos genéricos entrassem no mercado. Além disso, as indemnizações a que poderiam ser condenadas as empresas de genéricos seriam também muito inferiores aos danos potenciais e apenas representariam uma parte do prejuízo causado à empresa de medicamentos originais pela entrada ilícita das empresas de genéricos. Com efeito, em determinados casos, as empresas de genéricos não teriam de reparar nenhum dos prejuízos irreversíveis causados pela sua entrada ilícita. Quanto ao resto, os níveis dos preços ou dos reembolsos, fixados pelos poderes públicos, poderiam ser reduzidos automaticamente a partir da entrada de versões genéricas no mercado, independentemente da questão de saber se estas violam, ou não, patentes válidas. O montante das despesas associadas aos múltiplos litígios em matéria de patentes também é extremamente elevado.

372    Assim, as empresas de genéricos exploraram esta assimetria de riscos, fazendo crer que estavam prestes a vender os seus produtos contrafeitos e que tal assimetria lhes deu o poder necessário para extorquirem pagamentos à Lundbeck. Tanto a literatura económica como a decisão impugnada, nomeadamente no considerando 640, reconhecem igualmente que quanto mais a empresa de medicamentos originais considerava que o prejuízo causado por uma entrada das empresas de genéricos no mercado era elevado, maior era a quantia que estava disposta a pagar a estas empresas para evitar tal risco.

373    Deste modo, segundo as recorrentes, na decisão impugnada, a Comissão erra quando presume que só a apreciação da força de uma patente por uma empresa de genéricos determina a sua motivação para lançar um medicamento, quando tal apreciação constitui apenas um critério entre outros critérios relevantes para a decisão de proceder ao lançamento e pode não revelar‑se pertinente quando as empresas de genéricos têm a expectativa de poder lucrar com uma contrafação.

374    Por conseguinte, na falta de um nexo entre os pagamentos e a perceção subjetiva que as partes nos acordos controvertidos tinham das suas respetivas reivindicações em matéria de patentes, a decisão impugnada não é capaz de fundamentar a consideração de que o pagamento levou as empresas de genéricos a aceitarem restrições que não teriam admitido apenas com base na sua apreciação da força das patentes, pelo que o primeiro nexo de causalidade em que a decisão impugnada fundamentava a sua teoria é improcedente e a conclusão de que os acordos controvertidos violavam o artigo 101.°, n.° 1, TFUE é desprovida de fundamento.

375    A interveniente considera igualmente que a Comissão deveria ter demonstrado que não existia outra explicação legítima para a transferência de valor, tendo em conta, em primeiro lugar, o risco de prejuízo irreparável para o titular de patentes em caso de entrada ilegal dos genéricos no mercado, em segundo lugar, a probabilidade de poder obter uma indemnização adequada por via de indemnizações ou de poder obter medidas provisórias e, em terceiro lugar, os custos associados ao facto de apresentar em diferentes órgãos jurisdicionais múltiplos pedidos, incluindo o risco de chegar a resultados diferentes em órgãos jurisdicionais diferentes. Assim, a Comissão está obrigada a demonstrar o motivo pelo qual a existência de uma transferência de valor transforma uma transação legal num acordo horizontal anticoncorrencial.

376    Importa observar que, contrariamente ao que alegam as recorrentes, a Comissão refutou, na decisão impugnada, as outras explicações apresentadas pelas recorrentes quanto à existência de pagamentos compensatórios nos acordos controvertidos, em particular as relativas à «teoria do bluff» e à assimetria dos riscos.

377    Assim, na decisão impugnada, a Comissão reconheceu que, para a empresa de medicamentos originais, podia ser interessante, do ponto de vista comercial, pagar às empresas de genéricos para evitar a sua entrada no mercado, atendendo aos montantes que poderia perder caso tal entrada se verificasse. Além disso, estes montantes provavelmente excederiam os benefícios que as empresas de genéricos teriam obtido se tal entrada se verificasse, admitindo que os seus produtos não fossem considerados contrafeitos ou que conseguiram obter a declaração de invalidade das patentes em questão. Em tal caso, a Comissão considerou que os consumidores perderiam, uma vez que seriam privados da possibilidade de pagar os preços mais baixos resultantes da entrada dos genéricos no mercado (considerando 640 da decisão impugnada).

378    As recorrentes alegam a este respeito que, em determinados casos, os riscos relativos a uma entrada no mercado são muito baixos, ou até inexistentes, para as empresas de genéricos, que poderiam evitar injunções que proibissem essa entrada ou a condenação de pagarem indemnizações em caso de entrada ilegal, nomeadamente através de expedientes artificiais tais como a transferência de lucros entre entidades jurídicas distintas. A decisão impugnada reconhece, além disso, que as indemnizações a que poderiam ser condenadas seriam frequentemente muito inferiores aos danos sofridos pela empresa de medicamentos originais em caso de entrada ilegal no mercado, devido à espiral negativa sobre os preços induzida por tal entrada (considerandos 93 e 645 da decisão impugnada).

379    É certo que a assimetria dos riscos em que as empresas de genéricos e empresa de medicamentos originais incorriam permite explicar parcialmente as razões pelas quais esta pode ser levada a realizar pagamentos compensatórios significativos para evitar qualquer risco, ainda que mínimo, de os genéricos poderem entrar no mercado. Em particular, isto ocorre quando um medicamento patenteado, como o Cipramil em questão, constitui o produto com maior êxito da empresa de medicamentos originais, representando a maior parte do seu volume de negócios (considerandos 26 e 120 da decisão impugnada).

380    Importa recordar, todavia, que o facto de a adoção de um comportamento anticoncorrencial poder revelar‑se como a solução mais rentável ou menos arriscada para uma empresa não exclui de forma alguma a aplicação do artigo 101.° TFUE (v., neste sentido, acórdãos de 8 de julho de 2004, Corus UK/Comissão, T‑48/00, Colet., EU:T:2004:219, n.° 73, e Dalmine/Comissão, T‑50/00, Colet., EU:T:2004:220, n.° 211), em particular quando se trata de pagar aos concorrentes reais ou potenciais para que permaneçam fora do mercado e de partilhar com estes os benefícios resultantes da inexistência de medicamentos genéricos em tal mercado, em detrimento dos consumidores, como sucede no caso em apreço.

381    Segundo as recorrentes, a assimetria dos riscos possibilitou que as empresas de genéricos fizessem uma chantagem (ou um «bluff») que lhes permitiu obter quantias de dinheiro significativas, fazendo crer que estavam prestes a entrar no mercado através de produtos não contrafeitos.

382    No entanto, isto apenas confirma a tese da Comissão segundo a qual existia uma grande incerteza, no momento da celebração dos acordos controvertidos, quanto ao desfecho de eventuais litígios em matéria de patentes, e que esta incerteza tinha sido eliminada pelo facto de ter sido substituída pela certeza de que as empresas de genéricos não entrariam no mercado durante a vigência destes acordos.

383    Por outro lado, o facto de um pagamento compensatório poder constituir o único meio para alcançar um acordo mediante o «colmatar do fosso» entre as partes neste acordo não significa que tal pagamento constitui um meio legítimo para alcançar o referido acordo ou que este não está abrangido pela aplicação do direito da concorrência, em particular em circunstâncias em que o montante desse pagamento parece estar ligado aos lucros esperados pelas empresas de genéricos em caso de entrada no mercado, em que o acordo não permite resolver o litígio subjacente em matéria de patentes entre as partes e em que este acordo contém restrições que excedem o âmbito de aplicação das patentes da empresa de medicamentos originais (v. n.° 354, supra, e considerandos 661 e 662 da decisão impugnada).

384    Além disso, se as recorrentes estavam de tal forma convencidas da validade das suas patentes e do facto de que os produtos que as empresas de genéricos pretendiam comercializar as violavam, podiam obter injunções para impedir essa entrada nos órgãos jurisdicionais nacionais competentes ou, em caso de entrada ilegal das empresas de genéricos, obter indemnizações por parte destas. Podiam igualmente, como no caso da Neolab (n.° 350, supra), concluir uma transação com o objetivo real de resolver o seu litígio subjacente em matéria de patentes, sem que as limitações à autonomia comercial das empresas de genéricos eventualmente obtidas no âmbito de um tal acordo sejam motivadas por um pagamento compensatório.

385    Embora seja possível, como a Comissão admite, que a empresa de medicamentos originais possa ter sofrido um dano irreparável em caso de entrada ilegal das empresas de genéricos no mercado, devido às reduções de preços irreversíveis que tal entrada teria gerado, a redução dos preços regulamentares subsequente à expiração de uma patente sobre o IFA é uma característica dos mercados farmacêuticos conhecida das recorrentes e constitui, assim, um risco comercial normal que não pode justificar a celebração de acordos anticoncorrenciais. Por outro lado, tais reduções de preços resultantes de uma intervenção regulamentar, num contexto em que a patente sobre o IFA já expirou, ilustram o equilíbrio estabelecido pelos Estados‑Membros entre a proteção concedida à patente da empresa de medicamentos originais, por um lado, e as economias para os orçamentos dos Estados e para os consumidores obtidas pela entrada dos genéricos no mercado e pelo funcionamento da concorrência, por outro.

386    Por conseguinte, aceitar a tese das recorrentes relativa à assimetria dos riscos equivaleria, em definitivo, a considerar que estas podiam, ao celebrarem acordos como os acordos controvertidos com as empresas de genéricos, proteger‑se contra uma redução irreversível dos preços que, segundo as suas próprias afirmações, não poderia ter sido evitada mesmo que tivessem obtido ganho de causa nas ações por contrafação nos órgãos jurisdicionais nacionais. Assim, ao celebrarem tais acordos, poderiam manter preços superiores para os seus produtos, em detrimento dos consumidores e dos orçamentos dos cuidados de saúde nos Estados‑Membros, ainda que tal resultado não pudesse ter sido obtido se os órgãos jurisdicionais nacionais tivessem confirmado a validade das suas patentes e os produtos das empresas de genéricos tivessem sido considerados contrafeitos. Tal resultado seria manifestamente contrário aos objetivos das disposições do Tratado sobre a concorrência, que visam, nomeadamente, proteger os consumidores dos aumentos de preços injustificados resultantes de uma colusão entre concorrentes (v., neste sentido, acórdãos de 19 de março de 2015, Dole Food e Dole Fresh Fruit Europe/Comissão, C‑286/13 P, Colet., EU:C:2015:184, n.° 115 e jurisprudência aí referida, e de 9 de julho de 2015, InnoLux/Comissão, C‑231/14 P, Colet., EU:C:2015:451, n.° 61). Não existe qualquer razão para admitir que tal colusão é lícita no caso em apreço, sob o pretexto de estarem em causa patentes de processo, mesmo que a defesa dessas patentes nos órgãos jurisdicionais nacionais, mesmo no cenário mais favorável para as recorrentes, não pudesse ter conduzido aos mesmos resultados negativos para a concorrência e, em particular, para os consumidores.

387    Com efeito, importa recordar que não se pode aceitar que as empresas obviem aos efeitos de normas jurídicas que consideram excessivamente desfavoráveis através da celebração de acordos que têm por objeto corrigir essas desvantagens sob pretexto de as mesmas criarem um desequilíbrio em seu detrimento (v. acórdão de 27 de julho de 2005, Brasserie nationale e o./Comissão, T‑49/02 a T‑51/02, Colet., EU:T:2005:298, n.° 81 e jurisprudência aí referida).

388    Por último, na medida em que as recorrentes, apoiadas pela interveniente, alegam que os acordos controvertidos permitiram evitar os custos consideráveis associados aos processos judiciais em diferentes Estados‑Membros, assim como o risco de decisões divergentes resultante de tais processos em múltiplos órgãos jurisdicionais, importa observar, em primeiro lugar, que a maioria dos acordos controvertidos não continha qualquer referência precisa às despesas judiciais que teriam sido evitadas, nem a menor estimativa destas. Além disso, as recorrentes não forneceram qualquer explicação quanto à forma como os montantes dos pagamentos compensatórios tinham sido calculados, exceto que resultavam das suas negociações com as empresas de genéricos, ao passo que da decisão impugnada constam vários elementos de prova que demonstram que estes montantes correspondiam aproximadamente aos benefícios previstos pelas empresas de genéricos em caso de entrada no mercado ou às indemnizações que poderiam ter obtido se tivessem vencido o litígio contra a Lundbeck (v., nomeadamente, considerandos 398, 460, 809, 862, 1071 e 1157 da decisão impugnada).

389    Em qualquer caso, contrariamente ao que alegam as recorrentes, é pouco provável que o montante dos custos relativos a eventuais processos judiciais em diferentes países do EEE tivesse sido superior ao montante dos pagamentos obtidos pelas empresas de genéricos em virtude dos acordos controvertidos no caso em apreço, que correspondia a vários milhões de euros. Com efeito, é pouco frequente que as empresas farmacêuticas instaurarem processos em todos os Estados‑Membros simultaneamente. Em geral, como demonstra o caso da Lagap no Reino Unido (considerando 63 da decisão impugnada), decidem concentrar‑se em alguns processos teste, em vez de multiplicarem processos em diferentes órgãos jurisdicionais quando estão em causa as mesmas questões. No caso da Lagap, todavia, as recorrentes acabaram por preferir ceder a fim de evitarem uma derrota que seria utilizada contra elas noutros órgãos jurisdicionais (considerando 160 da decisão impugnada).

390    A decisão impugnada reconhece, por outro lado, que existem modalidades de transação de um litígio, aceitáveis à luz do direito da concorrência, diferentes das que consistem em adiar a entrada no mercado de concorrentes potenciais através de pagamentos compensatórios, como sucede no caso em apreço (n.° 354, supra). Segundo a jurisprudência, o objeto específico da patente não pode ser entendido como garantia de uma proteção igualmente dirigida contra as ações que visem contestar a validade da patente, considerando que é de interesse público eliminar qualquer obstáculo à atividade económica que possa resultar de uma patente concedida injustificadamente (v., neste sentido, acórdão Windsurfing, n.° 119, supra, EU:C:1986:75, n.° 92). Embora as recorrentes tivessem o direito de celebrar acordos amigáveis com as empresas de genéricos para evitar eventuais despesas judiciais, não podiam, por este meio, substituir a sua própria apreciação relativa à validade das suas patentes e ao caráter contrafeito, ou não, dos produtos das empresas de genéricos pela apreciação de um tribunal independente, pagando às empresas de genéricos para que respeitassem essa apreciação e continuassem afastadas do mercado durante um determinado período.

391    Assim, a decisão impugnada concluiu acertadamente que os pagamentos compensatórios tinham incentivado as empresas de genéricos a aceitar as limitações à sua autonomia comercial previstas pelos acordos controvertidos, sem que as outras explicações apresentadas pelas recorrentes para justificar tais pagamentos permitam pôr em causa esta conclusão.

392    Por conseguinte, improcede a primeira parte.

2.           Quanto à segunda parte

393    As recorrentes consideram que a decisão impugnada afirma erradamente que as restrições contratuais que decorrem dos acordos controvertidos eliminaram os outros incentivos para integrar o mercado.

394    Alegam, em primeiro lugar, que as limitações abrangidas pelo âmbito de aplicação das patentes não atenuam nem eliminam os incentivos à manutenção dos esforços independentes para integração no mercado. Deste modo, as empresas de genéricos que concordaram em não integrar o mercado com medicamentos contrafeitos em troca de uma transferência de valor podem continuar a pretender obter uma decisão que declare que os seus medicamentos não são contrafeitos ou que a patente alegadamente violada é nula. Além disso, nada permite concluir que um pagamento que remunera o não lançamento de medicamentos contrafeitos reduziria o incentivo de uma empresa de genéricos para manter os seus esforços para integrar o mercado através de medicamentos não contrafeitos. O facto de uma empresa de genéricos se contentar com o valor transferido pela empresa de medicamentos originais e não pretender contestar a patente relevante, apesar da inexistência de qualquer cláusula de não contestação, sugere unicamente que esta empresa duvida das suas possibilidades de obter a anulação da patente.

395    As recorrentes consideram, assim, que uma presunção legal de que uma exclusão do mercado mediante pagamento restringe a concorrência por objetivo ao reduzir ou eliminar o incentivo das empresas de genéricos para manterem esforços independentes para integrarem o mercado apenas pode surgir quando as restrições contratuais não estão abrangidas pelo âmbito de aplicação da patente relevante.

396    Em segundo lugar, as recorrentes consideram que a decisão impugnada não fundamenta suficientemente a sua conclusão de que as transferências de valor reduzem incontestavelmente os incentivos das empresas de genéricos para agirem judicialmente. A decisão impugnada reconhece que a perspetiva de concluir, algum tempo após a propositura de uma ação judicial contra a empresa de medicamentos originais, uma transação que prevê um pagamento compensatório, é suscetível de incentivar as empresas de genéricos a intentar tal ação (considerando 711). Este reconhecimento contradiz a argumentação da decisão impugnada segundo a qual é provável que os pagamentos compensatórios apenas dissuadam as empresas de genéricos de agir judicialmente (considerando 966). Esta incoerência intrínseca revela que a decisão impugnada não assenta numa base económica rigorosa e compromete a sua conclusão segundo a qual os pagamentos compensatórios «consideráveis» são necessariamente feitos em detrimento dos consumidores (considerando 646).

397    A Comissão contesta estes argumentos.

398    Quanto ao argumento das recorrentes segundo o qual os acordos controvertidos não continham qualquer cláusula que impedisse as empresas de genéricos de contestar a validade das suas patentes, pelo que não eliminaram todos os incentivos para estas empresas entrarem no mercado, importa constatar, antes de mais, que tal argumento é inoperante, uma vez que a decisão impugnada estabelece unicamente que os pagamentos compensatórios previstos pelos acordos controvertidos encorajaram ou incentivaram as empresas de genéricos a aceitarem limitações à sua autonomia comercial que não teriam aceitado na falta destes pagamentos e não que eliminaram todos os incentivos a este respeito (considerandos 604 e 659 a 661 da decisão impugnada).

399    Em qualquer caso, apesar de os acordos controvertidos não preverem qualquer cláusula de não contestação, as empresas de genéricos não tinham nenhum interesse em contestar as patentes da Lundbeck após terem celebrado os acordos controvertidos, uma vez que os pagamentos compensatórios correspondiam aproximadamente aos lucros que contavam realizar em caso de entrada no mercado ou às indemnizações que poderiam ter recebido se tivessem obtido ganho de causa num processo judicial contra a Lundbeck (v. n.° 388, supra). Mesmo admitindo que estes pagamentos tinham sido inferiores aos benefícios previstos, tratava‑se, apesar de tudo, de um benefício certo e imediato, que não as expunha aos riscos que uma entrada no mercado teria implicado. Além disso, os factos que efetivamente ocorreram no caso em apreço confirmam esta interpretação, uma vez que nenhuma empresa de genéricos contestou as patentes da Lundbeck nem entrou no mercado durante a vigência dos acordos controvertidos. De facto, se a Merck (GUK) entrou no mercado do citalopram durante alguns dias no Reino Unido, após o expirar do acordo GUK para o Reino Unido, foi por considerar que as condições propostas pela Lundbeck para prorrogar este acordo não eram suficientemente boas e que pretendia uma compensação mais lucrativa em troca de uma segunda prorrogação deste acordo (considerando 299 da decisão impugnada).

400    Em seguida, na medida em que as recorrentes alegam que as empresas de genéricos poderiam ter entrado no mercado através de produtos genéricos não contrafeitos, há que remeter para apreciação do sexto fundamento, relativo à apreciação do conteúdo e do alcance dos acordos controvertidos, efetuada em seguida.

401    Em qualquer caso, mesmo que as restrições previstas nos acordos controvertidos estivessem potencialmente abrangidas pelo âmbito de aplicação das patentes da Lundbeck, no sentido de que também poderiam ter sido obtidas no âmbito de ações judiciais, a decisão impugnada constata, corretamente, que se tratava apenas de uma possibilidade, no momento em que os acordos controvertidos foram celebrados. Ora, o facto de ter substituído esta incerteza relativa ao caráter contrafeito, ou não, dos produtos das empresas de genéricos e à validade das patentes das recorrentes pela certeza de que as empresas de genéricos não entrariam no mercado durante a vigência dos acordos controvertidos constitui, enquanto tal, uma restrição da concorrência por objetivo no caso em apreço, uma vez que tal resultado foi obtido através de um pagamento compensatório (v. n.os 336 e 363, supra).

402    Por último, as recorrentes alegam em vão que a decisão impugnada não está suficientemente fundamentada a este respeito. Com efeito, as numerosas passagens da decisão impugnada consagradas aos pagamentos compensatórios, referidas pelas próprias recorrentes, demonstram que estas compreenderam a tese da Comissão a este propósito, mesmo que não a compartilhem. Quanto ao resto, não existe qualquer contradição na decisão impugnada por reconhecer, por um lado, que a perspetiva de poderem obter pagamentos compensatórios por parte da empresa de medicamentos originais é suscetível de encorajar as empresas de genéricos a intentarem ações judiciais, e, por outro, que os pagamentos compensatórios obtidos em virtude dos acordos controvertidos dissuadiram as empresas de genéricos de intentarem tais ações no caso em apreço. Com efeito, tal como a Comissão refere, no essencial, nos considerandos 639 e 660 da decisão impugnada, as transações que preveem pagamentos — mesmo compensatórios — nem sempre são problemáticas à luz do direito da concorrência, em particular quando não são acompanhadas de nenhuma restrição à entrada dos genéricos no mercado e quando visam, em contrapartida, oferecer uma compensação às empresas de genéricos pelo seu lucro cessante, uma vez que a empresa de medicamentos originais reconhece que os seus produtos genéricos não violam qualquer patente.

403    Por conseguinte, há que concluir que a Comissão não cometeu qualquer erro de apreciação ao considerar, na decisão impugnada, que as restrições previstas nos acordos controvertidos, obtidas em troca de pagamentos compensatórios significativos, reduziram os incentivos às empresas de genéricos para integrarem o mercado.

404    Assim, improcede igualmente a segunda parte.

3.     Quanto à terceira parte

405    As recorrentes consideram que a norma aplicada pela decisão, segundo a qual os acordos amigáveis em matéria de patentes induzidos por uma transferência de valor têm um objetivo restritivo da concorrência, é impraticável.

406    Em primeiro lugar, alegam que esta norma é intrinsecamente incoerente e tem um efeito dissuasivo sobre a celebração de acordos que preveem uma entrada rápida no mercado, que beneficiam os consumidores, na medida em que conduz a resultados diferentes consoante a transferência de valor assuma a forma de um pagamento a pronto ou de uma entrada rápida no mercado.

407    Em segundo lugar, consideram que um acordo não pode basear‑se «unicamente» na apreciação da força da patente efetuada pelas partes e que a norma aplicada pela Comissão, na prática, proíbe qualquer pagamento compensatório. Nenhuma transação pode basear‑se «unicamente» na apreciação das partes quanto à força da patente, pela simples razão de que a «força» de uma patente não é um conceito preciso. Exigir que as transações se baseiem «unicamente» na apreciação efetuada pelas partes quanto à força da patente, equivaleria a impor às partes o dever de agirem judicialmente. A decisão não deixa qualquer margem de manobra às partes para utilizarem um pagamento compensatório a fim de dissuadirem uma empresa de genéricos de violar as patentes de uma empresa de medicamentos originais.

408    Em terceiro lugar, as recorrentes consideram que o critério jurídico baseado no montante da quantia paga é impraticável, uma vez que a decisão impugnada não estabelece qualquer limite claro que permita determinar se um pagamento é aceitável ou anticoncorrencial.

409    A Comissão contesta estes argumentos.

410    Em primeiro lugar, o argumento das recorrentes segundo o qual a decisão impugnada tem um efeito dissuasivo sobre a celebração de acordos amigáveis que preveem uma entrada rápida dos genéricos no mercado é manifestamente improcedente, uma vez que a Comissão considerou, em contrapartida, que os acordos controvertidos eram problemáticos à luz do direito da concorrência, visto que tinham como objetivo adiar a entrada dos genéricos no mercado e não facilitar tal entrada. Importa recordar, por outro lado, que a Comissão também teve em conta o facto de que os acordos controvertidos não previam qualquer compromisso por parte da Lundbeck de não intentar ações por contrafação contra as empresas de genéricos na hipótese de estas entrarem no mercado com citalopram genérico após o expirar dos referidos acordos (considerando 662 da decisão impugnada).

411    Além disso, a decisão reconhece que, em determinados casos, as transações não são problemáticas, mesmo quando contêm pagamentos compensatórios, se previrem, por outro lado, uma entrada imediata dos genéricos no mercado (v. o exemplo da Neolab, referido no n.° 350, supra). O facto de a Comissão ter tratado de forma diferente os acordos acompanhados por um pagamento compensatório dos acordos que não preveem tal pagamento é plenamente justificável, à luz do efeito incentivador que tal pagamento exerce sobre as empresas de genéricos para que aceitem restrições que não teriam aceitado se esse incentivo não existisse (v. n.os 349 e seguintes, supra). Quanto ao resto, um acordo que permita uma entrada mais rápida no mercado não é, evidentemente, problemático à luz do direito da concorrência, pelo que tal contrapartida de outros compromissos previstos num acordo amigável não pode ser comparada a um pagamento compensatório que visa adiar tal entrada.

412    Em segundo lugar, importa recordar que a decisão impugnada não estabelece que um acordo deve basear‑se exclusivamente na apreciação da força de uma patente efetuada pelas partes nesse acordo para evitar a aplicação do artigo 101.°, n.° 1, TFUE (n.° 360, supra). Por conseguinte, as recorrentes alegam incorretamente que a decisão impugnada produz o efeito de reduzir quaisquer incentivos para celebrar transações em matéria de patentes, conduzindo assim a uma avalanche de litígios em todo o EEE. Com efeito, a Comissão apenas condenou os acordos celebrados sob a forma de transações, como no caso em apreço, que não têm realmente como objetivo resolver o litígio subjacente em matéria de patentes entre as partes neste acordo e que preveem pagamentos compensatórios em contrapartida do compromisso assumido pelas empresas de genéricos de permanecerem fora do mercado. Além disso, embora seja verdade que a Comissão considerou que tais acordos eram anticoncorrenciais, não existe qualquer obrigação de a empresa de medicamentos originais intentar processos em todos os tribunais do EEE para proteger as suas patentes, uma vez que é sempre possível, por exemplo, concluir transações que não estabeleçam qualquer pagamento compensatório ou concluir transações que, mesmo que prevejam tais pagamentos, não são acompanhadas por qualquer restrição à entrada dos genéricos no mercado (v. o exemplo da Neolab, referido no n.° 350, supra).

413    Por último, o argumento das recorrentes segundo o qual a decisão impugnada não lhes deixa qualquer margem para utilizarem pagamentos compensatórios com vista a dissuadirem as empresas de genéricos de violarem as suas patentes assenta novamente na premissa errada de que os produtos das empresas de genéricos violavam as suas patentes, quando isto não foi demonstrado no momento da celebração dos acordos controvertidos.

414    Em terceiro lugar, a Comissão explicou, na decisão impugnada, que, no caso em apreço, os pagamentos compensatórios eram particularmente problemáticos, uma vez que os montantes previstos pelos acordos controvertidos correspondiam, aproximadamente, aos benefícios esperados pelas empresas de genéricos em caso de entrada no mercado ou às indemnizações que poderiam ter obtido se tivessem vencido um processo judicial contra a Lundbeck (n.° 388, supra). Com efeito, em tal caso, qualquer incentivo para as empresas de genéricos entrarem no mercado é consideravelmente reduzido, ou até eliminado. Assim, no caso em apreço, o que importa é que os montantes dos pagamentos compensatórios previstos em cada um dos acordos controvertidos eram suficientemente elevados para permitir às empresas de genéricos aceitar as limitações à sua autonomia e para reduzir os incentivos que tinham para entrar no mercado com os seus produtos genéricos (v., nomeadamente, considerando 644 da decisão impugnada).

415    É certo que a Comissão se baseou num conjunto de fatores para demonstrar a existência de uma restrição por objetivo no caso em apreço (v. n.° 354, supra, e considerandos 661 e 662 da decisão impugnada). No entanto, as recorrentes não podem acusar a Comissão de não ter clarificado suficientemente, na decisão impugnada, a importância que atribuía ao facto de os pagamentos compensatórios corresponderem aos lucros esperados pelas empresas de genéricos. Em qualquer caso, importa sublinhar, à semelhança do que fez a Comissão, que, nas suas decisões, esta não tinha de fixar normas jurídicas geralmente aplicáveis, mas unicamente de determinar, em cada caso concreto, se os acordos que examina são compatíveis com as disposições do Tratado sobre a concorrência, fundamentando‑as de forma suficientemente clara e convincente a este respeito. Ora, à luz dos elementos expostos, há que concluir que a Comissão cumpriu estas exigências no caso em apreço.

416    Por conseguinte, improcede a terceira parte, assim como o segundo fundamento na íntegra.

D –  Quanto ao terceiro fundamento, relativo a um erro de direito cometido na aplicação dos princípios respeitantes ao objetivo restritivo da concorrência

417    As recorrentes consideram que a decisão impugnada enferma de um erro de direito, uma vez que conclui que os acordos controvertidos têm um objetivo restritivo da concorrência em aplicação dos princípios constantes da interpretação do artigo 101.°, n.° 1, TFUE. Em particular, a decisão impugnada erra, em primeiro lugar, ao comparar estes acordos aos acordos que estavam em causa no processo que deu origem ao acórdão BIDS, n.° 341, supra (EU:C:2008:643), assim como noutros processos clássicos relativos às repartições de mercado que não diziam respeito à aplicação de patentes, em segundo lugar, ao considerar que uma transferência de valor podia, por si só, tornar um acordo amigável em matéria de patentes restritivo por objetivo, em terceiro lugar, ao não reconhecer que o objetivo prosseguido pelos acordos controvertidos, ou seja, respeitar as patentes da Lundbeck, se opunha à declaração de uma restrição da concorrência por objetivo e, em quarto lugar, ao não considerar que a situação que teria prevalecido na falta dos acordos controvertidos (a seguir «cenário contrafactual») excluía a existência de qualquer restrição da concorrência por objetivo no caso em apreço.

1.     Quanto à primeira parte

418    As recorrentes consideram que a Comissão, na decisão impugnada, erra quando equipara os acordos controvertidos a acordos de repartição dos mercados como os que estão em causa no processo BIDS, n.° 341, supra (EU:C:2008:643).

419    A este respeito, em primeiro lugar, as recorrentes alegam que, contrariamente ao que sucede no caso em apreço, os acordos em causa no acórdão BIDS, n.° 341, supra (EU:C:2008:643), não tinham por objetivo preservar uma patente que confere ao seu titular o direito de impedir a entrada de produtos contrafeitos no mercado e o prejuízo irreparável que teria decorrido de tal entrada.

420    Em segundo lugar, contrariamente ao que sucede no caso em apreço, as empresas que saíram do mercado relevante em virtude dos acordos em causa no processo que deu origem ao acórdão BIDS, n.° 341, supra (EU:C:2008:643), teriam certamente concorrido com as empresas que permaneceram neste mercado se tais acordos não tivessem sido celebrados.

421    Em terceiro lugar, contrariamente à argumentação apresentada no presente processo, os acordos em causa no acórdão BIDS, n.° 341, supra (EU:C:2008:643), presumiram‑se restritivos da concorrência, mesmo na falta de pagamento. O facto de, no referido processo, estarem em causa pagamentos compensatórios não foi crucial para considerar que estes acordos tinham por objetivo restringir a concorrência.

422    A Comissão contesta estes argumentos.

423    Em primeiro lugar, importa observar que a analogia efetuada pela Comissão, nos considerandos 657 e 658 da decisão impugnada, entre os acordos que estavam em causa no processo que deu origem ao acórdão BIDS, n.° 341, supra (EU:C:2008:643), e os acordos controvertidos não enferma de qualquer erro de direito.

424    Com efeito, conforme resulta do n.° 8 do referido acórdão, neste processo, as empresas ativas no mercado da transformação da carne de bovino na Irlanda tinham criado um mecanismo em virtude do qual algumas empresas se comprometiam a permanecer fora do referido mercado durante dois anos em contrapartida de pagamentos por parte das empresas que se mantinham neste mercado. Uma dinâmica análoga ocorreu no caso em apreço com a celebração dos acordos controvertidos, em virtude dos quais a Lundbeck, que era a principal, ou mesmo a única empresa presente no mercado nos países afetados por estes acordos, pagou às empresas de genéricos, que eram concorrentes potenciais, para que permanecessem fora do mercado durante um determinado período.

425    Daqui resulta que, tanto no processo que deu origem ao acórdão BIDS, n.° 341, supra (EU:C:2008:643), como no presente processo, estavam em causa acordos que limitaram a faculdade de operadores económicos concorrentes determinarem de maneira autónoma a política que pretendiam seguir no mercado, impedindo o processo normal da concorrência de seguir o seu curso (v., neste sentido, acórdão BIDS, n.° 341, supra, EU:C:2008:643, n.os 33 a 35).

426    Quanto ao argumento das recorrentes segundo o qual, ao contrário do que sucedia no processo que deu origem ao acórdão BIDS, n.° 341, supra (EU:C:2008:643), os acordos controvertidos no caso em apreço foram celebrados num contexto em que as recorrentes possuíam patentes que permitiam impedir a entrada no mercado dos produtos contrafeitos, há que recordar, antes de mais, que, no caso em apreço, a existência de novas patentes de processo da Lundbeck não se opunha a que as empresas de genéricos pudessem ser consideradas concorrentes potenciais desta, conforme resulta da apreciação do primeiro fundamento. Ora, o artigo 101.° TFUE protege a concorrência potencial e a concorrência atual (v. n.° 99, supra).

427    Além disso, importa recordar que, segundo a jurisprudência, um acordo não está imune ao direito da concorrência pelo simples facto de ser relativo a uma patente ou de visar resolver amigavelmente um litígio em matéria de patentes (v., neste sentido, acórdão de 27 de setembro de 1988, Bayer e Maschinenfabrik Hennecke, 65/86, Colet., EU:C:1988:448, n.° 15). Por outro lado, pode considerar‑se que um acordo tem um objeto restritivo da concorrência mesmo que não tenha por único objetivo restringir a concorrência, prosseguindo igualmente outros objetivos legítimos (v. acórdão BIDS, n.° 341, supra, EU:C:2008:643, n.° 21 e jurisprudência aí referida).

428    Em segundo lugar, embora seja verdade que, no processo que deu origem ao acórdão BIDS, n.° 341, supra (EU:C:2008:643), as empresas em causa eram concorrentes atuais, na medida em que se tratava de fazer sair do mercado em questão as empresas que já estavam aí presentes, ao passo que, no caso em apreço, a Lundbeck e as empresas de genéricos apenas eram concorrentes potenciais, não deixa de ser verdade que neste acórdão o Tribunal de Justiça não exigiu à Comissão a demonstração de que, na falta dos acordos, as empresas teriam permanecido no mercado. Com efeito, relativamente a uma restrição da concorrência por objetivo, a análise dos efeitos dos acordos é supérflua (v. n.° 341, supra). Assim, neste processo, o Tribunal de Justiça limitou‑se a constatar que os acordos em causa visavam implementar uma política comum que tinha por objetivo favorecer a saída do mercado de algumas delas e, consequentemente, reduzir o excesso de capacidade que afetava a sua rentabilidade e que as impedia de realizar economias de escala. Declarou, por conseguinte, que este tipo de acordos contrariava de forma manifesta a conceção inerente às disposições do Tratado relativas à concorrência, segundo a qual todos os operadores económicos devem determinar de forma autónoma a política que pretendem seguir no mercado, recordando que o artigo 101.°, n.° 1, TFUE visa proibir todas as formas de coordenação que substituam conscientemente os riscos da concorrência por uma cooperação prática entre empresas (acórdão BIDS, n.° 341, supra, EU:C:2008:643, n.os 33 e 34).

429    Ora, no caso em apreço, as partes nos acordos controvertidos preferiram substituir os riscos inerentes ao normal desenrolar do funcionamento da concorrência e ao estado de incerteza que rodeava a validade das patentes de processo da Lundbeck, assim como a questão de saber se os produtos que as empresas de genéricos pretendiam comercializar violavam estas patentes, ou não, pela certeza de que estas não entrariam no mercado durante a vigência destes acordos, através de pagamentos compensatórios significativos que correspondiam aproximadamente aos benefícios que teriam obtido se tivessem entrado no mercado. Por conseguinte, pouco importa saber se as empresas teriam efetivamente entrado no mercado durante a vigência dos acordos controvertidos, uma vez que estes eliminaram precisamente tal possibilidade substituindo‑a pela certeza de que não entrariam com os seus produtos durante esse período. Ora, ao agirem assim, as partes nos acordos controvertidos puderam partilhar uma parte dos benefícios de que a Lundbeck continuou a beneficiar, em detrimento dos consumidores que continuaram a pagar preços mais elevados do que aqueles que teriam pago em caso de entrada dos genéricos no mercado (v. considerandos 644 a 646 da decisão impugnada).

430    Em terceiro lugar, há também que rejeitar o argumento das recorrentes segundo o qual, ao contrário dos acordos controvertidos, os acordos em causa no processo que deu origem ao acórdão BIDS, n.° 341, supra (EU:C:2008:643) teriam sido anticoncorrenciais mesmo na falta dos pagamentos efetuados em virtude destes acordos. Com efeito, importa observar, à semelhança do que fez a Comissão, que, nestes dois processos, os pagamentos desempenharam um papel determinante na medida em que incentivaram as empresas a retirar‑se do mercado. Assim, no processo que deu origem ao acórdão BIDS, n.° 341, supra (EU:C:2008:643), é pouco provável que as empresas que saíram tivessem aceitado retirar‑se do mercado sem os pagamentos efetuados pelas empresas que nele se mantêm. De igual modo, no caso em apreço, resulta dos elementos dos autos que as empresas de genéricos não teriam aceitado permanecer fora do mercado unilateralmente, após terem efetuado diligências e investimentos significativos, sem os pagamentos compensatórios.

431    É certo que a Comissão reconheceu que, em determinados casos, a conclusão de uma transação em matéria de patentes não era anticoncorrencial, nomeadamente quando assentava na apreciação da força das patentes por cada uma das partes no acordo, ou quando previa um pagamento compensatório sem, no entanto, adiar a entrada dos genéricos no mercado (considerandos 638 e 639 da decisão impugnada). Não obstante, no caso em apreço, a Comissão considerou acertadamente que os pagamentos compensatórios tinham desempenhado um papel determinante, uma vez que tinham permitido à Lundbeck obter compromissos por parte das empresas de genéricos que não teria conseguido obter na falta desses pagamentos, adiando, assim, a sua entrada no mercado.

432    Em resposta a uma questão do Tribunal Geral relativa às implicações do acórdão CB/Comissão, n.° 78, supra (EU:C:2014:2204), as recorrentes alegaram que este acórdão corroborava o seu ponto de vista segundo o qual a Comissão tinha qualificado erradamente como restrição por objetivo os acordos controvertidos. Com efeito, em primeiro lugar, o Tribunal de Justiça recordou que o conceito de restrição por objetivo devia ser interpretado de forma restritiva. Em segundo lugar, a existência de uma restrição por objetivo apenas podia ser declarada se o acordo apresentasse, em si mesmo, um grau suficiente de nocividade. Por conseguinte, segundo a decisão impugnada, a questão de saber se é possível considerar que uma transação respeita, ou não, o direito da concorrência exige uma análise aprofundada do acordo individual tendo em conta o contexto factual, económico e jurídico. Resulta igualmente de uma nota interna da KFST que a Comissão não tinha considerado que a extensão dos pagamentos no caso da Lundbeck constituía um exemplo claro de uma empresa que paga aos seus concorrentes para que permaneçam fora do mercado. Assim, entendiam que, com a sua abordagem, a Comissão pretende, na realidade, evitar a análise factual e o ónus da prova que lhe incumbe relativamente à demonstração da existência de uma restrição da concorrência baseada nos efeitos produzidos por um acordo. Em terceiro lugar, o contexto em que os acordos controvertidos foram celebrados, nomeadamente a existência de patentes de processo válidas, a duração limitada dos acordos, o quadro regulamentar específico no EEE e a inexistência de produtos não contrafeitos disponíveis num prazo suficientemente curto, não pode ser ignorado. Em quarto lugar, a experiência adquirida é importante para estabelecer se um comportamento tem por objetivo restringir a concorrência. Esta experiência deve ser entendida no sentido de que é a que resulta tradicionalmente da análise económica, tal como confirmada pelas autoridades da concorrência e corroborada, se necessário, pela jurisprudência. Ora, no caso em apreço, não existe nenhuma experiência deste género.

433    Por seu turno, a Comissão explicou que aplicou a jurisprudência constante na matéria, conforme recordada pelo Tribunal de Justiça no seu acórdão CB/Comissão, n.° 78, supra (EU:C:2014:2204).

434    Com efeito, importa observar que no acórdão CB/Comissão, n.° 78, supra (EU:C:2014:2204), o Tribunal de Justiça não pôs em causa os princípios de base relativos ao conceito de restrição por objetivo tais como resultam da jurisprudência anterior. É certo que, no seu acórdão, o Tribunal de Justiça rejeitou a análise efetuada pelo Tribunal Geral no acórdão de 29 de novembro de 2012, CB/Comissão (T‑491/07, EU:T:2012:633), que tinha considerado que o conceito de restrição da concorrência por objetivo não devia ser interpretado de forma restritiva. Recordou que, sob pena de dispensar a Comissão do dever de provar os efeitos concretos no mercado de acordos em que não estava demonstrado que eram, pela sua natureza, prejudiciais ao bom funcionamento do jogo normal da concorrência, o conceito de restrição da concorrência por objetivo só podia ser aplicado a certos tipos de colusões entre empresas que revelassem um grau suficiente de nocividade relativamente à concorrência para que se pudesse considerar que o exame dos seus efeitos não era necessário (acórdão CB/Comissão, n.° 78, supra, EU:C:2014:2204, n.° 58).

435    Ora, resulta da sistemática geral da decisão impugnada, nomeadamente dos seus considerandos 802 e 1338, que os acordos controvertidos eram comparáveis aos acordos de exclusão do mercado, que figuram entre as restrições mais graves da concorrência. Com efeito, a exclusão de concorrentes do mercado constitui uma forma extrema de repartição de mercado e de limitação da produção. As recorrentes não podem acusar a Comissão de não ter tido em conta a existência das suas patentes de processo ou o quadro regulamentar específico do EEE no caso em apreço enquanto elementos de contexto relevantes a este respeito. Com efeito, resulta dos considerandos 666 a 671 da decisão impugnada que a Comissão teve em conta as patentes de processo das recorrentes, mas considerou que estas, mesmo presumindo que eram válidas, não permitiam excluir toda a concorrência relativa ao IFA citalopram. Além disso, a Comissão teve igualmente em conta o facto de que existia incerteza, no momento da celebração dos acordos controvertidos, quanto à questão da validade das patentes das recorrentes, em particular da patente sobre a cristalização, e que nenhum órgão jurisdicional do EEE se tinha pronunciado sobre esta questão no momento da celebração dos acordos controvertidos.

436    Assim, há que considerar que a Comissão aplicou corretamente a jurisprudência acima recordada nos n.os 338 a 344 que consiste em determinar se um acordo pode, pela sua própria natureza, ser considerado restritivo da concorrência de forma suficientemente grave para poder ser qualificado de restrição por objetivo no caso em apreço (v., nomeadamente, considerando 651 da decisão impugnada).

437    Por conseguinte, a Comissão também não estava obrigada a examinar os efeitos concretos dos acordos controvertidos na concorrência, nomeadamente a questão de saber se, na falta destes acordos, as empresas de genéricos teriam entrado no mercado sem violar alguma das patentes da Lundbeck, para poder demonstrar a existência de uma restrição da concorrência por objetivo, na aceção do artigo 101.°, n.° 1, TFUE, uma vez que dispunham de possibilidades reais e concretas a este respeito e eram concorrentes potenciais da Lundbeck no momento da celebração dos acordos controvertidos (v. primeiro fundamento, supra).

438    Por outro lado, contrariamente ao que alegaram as recorrentes, não é necessário que o mesmo tipo de acordos já tenha sido condenado pela Comissão para que possa ser considerado uma restrição da concorrência por objetivo. O papel da experiência, referido pelo Tribunal de Justiça no n.° 51 do acórdão CB/Comissão, n.° 78, supra (EU:C:2014:2204), não está relacionado com a categoria específica de um acordo num setor particular, mas remete para o facto de que está estabelecido que determinadas formas de colusão são, em geral e à luz da experiência adquirida, de tal modo suscetíveis de terem efeitos negativos na concorrência que não é necessário demonstrar que produzem efeitos no processo em causa. O facto de a Comissão não ter considerado, no passado, que um acordo de um determinado tipo era, pelo seu próprio objetivo, restritivo da concorrência não é, em si mesmo, suscetível de a impedir de o fazer no futuro, na sequência de uma análise individual e circunstanciada das medidas controvertidas, atendendo ao seu conteúdo, à sua finalidade e ao seu contexto (v., neste sentido, acórdão CB/Comissão, n.° 78, supra, EU:C:2014:2204, n.° 51; conclusões do advogado‑geral N. Wahl no processo CB/Comissão, C‑67/13 P, Colet., EU:C:2014:1958, n.° 142, e do advogado‑geral M. Wathelet no processo Toshiba Corporation/Comissão, C‑373/14 P, Colet., EU:C:2015:427, n.° 74).

439    Assim, as recorrentes alegam erradamente que a Comissão não demonstrou de forma suficiente que os acordos controvertidos podiam ser considerados, devido ao seu conteúdo e aos seus objetivos, apreciados no seu contexto económico e jurídico, suficientemente nocivos para a concorrência (v. n.° 343, supra).

440    Por conseguinte, improcede a primeira parte.

2.     Quanto à segunda parte

441    As recorrentes consideram que a Comissão comete um erro de direito quando conclui na decisão impugnada que uma transferência de valor é, por si só, suficiente para tornar restritivo por objetivo um acordo amigável em matéria de patentes.

442    Observam que a decisão impugnada declara que os «meios utilizados pelos titulares de patente para defender os seus direitos são tidos em conta» (considerando 641), o que significa que os «meios» podem, por si só, tornar um acordo anticoncorrencial por objetivo. Ora, não consta de nenhum processo anterior que uma medida de incentivo externa, quer assuma a forma de vantagens económicas ou de uma pressão física ou psicológica, é capaz, por si só, de tornar anticoncorrencial um acordo que, de outro modo, seria lícito. Além disso, se a existência de um incentivo externo não pode justificar um acordo que, de outro modo, seria anticoncorrencial, também não pode tornar anticoncorrencial um acordo que, de outro modo, seria lícito. Por último, a jurisprudência do Tribunal de Justiça confirma que o objetivo anticoncorrencial de um acordo deve ser estabelecido independentemente de qualquer consideração sobre os incentivos financeiros das partes. Assim, a decisão impugnada erra na parte em que confere uma importância decisiva ao pagamento, quando este é neutro no âmbito do direito da concorrência.

443    A Comissão contesta estes argumentos.

444    Na medida em que, através desta parte, as recorrentes põem em causa a apreciação efetuada pela Comissão relativamente aos pagamentos compensatórios na decisão impugnada, há que remeter, a este respeito, para os desenvolvimentos consagrados a esta questão no âmbito do segundo fundamento (v. n.os 345 a 416, supra).

445    Além disso, importa acrescentar que a jurisprudência invocada pelas recorrentes, segundo a qual é indiferente, no que se refere à existência da infração, que o acordo tenha ou não sido celebrado no interesse comercial das partes que o celebram (v., neste sentido, acórdão de 25 de janeiro de 2007, Sumitomo Metal Industries e Nippon Steel/Comissão, C‑403/04 P e C‑405/04 P, Colet., EU:C:2007:52, n.os 44 e 45 e jurisprudência aí referida), significa unicamente que as partes num acordo não podem invocar que este acordo constituía a solução mais rentável para evitar a proibição prevista no artigo 101.° TFUE (v. n.° 380, supra). Em contrapartida, não se opõe a que a Comissão tenha em conta o conteúdo de um acordo e a sua finalidade e o contexto em que foi celebrado, tal como, no caso em apreço, a presença de pagamentos compensatórios significativos, para dar por provada a existência de uma restrição por objetivo.

446    Por conseguinte, a segunda parte também deve ser rejeitada.

3.     Quanto à terceira parte

447    As recorrentes alegam que a decisão impugnada enferma de um erro de direito, em primeiro lugar, na parte em que não reconhece que os acordos controvertidos eram necessários para alcançar um objetivo legítimo, designadamente a salvaguarda e a execução de uma patente, e em segundo lugar, na parte em que aplica erradamente ao caso em apreço a jurisprudência sobre os «outros objetivos legítimos».

448    As recorrentes invocam uma jurisprudência constante dos órgãos jurisdicionais da União segundo a qual uma restrição da liberdade de agir das partes não restringe sistematicamente a concorrência, em particular quando esta restrição é necessária para a prossecução de um objetivo principal que é neutro no plano da concorrência ou a favorece. Ora, a proteção do investimento realizado pelo titular de um direito de propriedade intelectual pode, em seu entender, constituir tal objetivo legítimo.

449    No caso em apreço, os acordos controvertidos prosseguiam o objetivo legítimo de proteger e de fazer respeitar as patentes de processo da Lundbeck e, assim, de salvaguardar o investimento efetuado por esta impedindo o prejuízo irreparável que teria sido causado pelo lançamento de medicamentos genéricos. Também forneceram às empresas de genéricos o tempo necessário para determinarem se as patentes da Lundbeck eram violadas, sem terem de suportar despesas ou outros encargos ou estarem sujeitas aos prazos inerentes a um litígio. Além disso, o alcance e a duração dos acordos controvertidos eram proporcionais, na medida em que apenas visavam impedir as empresas de genéricos de comercializar o citalopram que violava as patentes da Lundbeck e em que a sua duração estava definitivamente ligada ao desfecho do processo Lagap no Reino Unido, que devia permitir abordar os processos judiciais subjacentes e determinar se a Lundbeck ainda teria motivação para executar as suas patentes de processo.

450    A Comissão contesta estes argumentos.

451    A este respeito, importa recordar que, segundo a jurisprudência, se uma operação ou uma atividade determinada não estiver abrangida pelo princípio da proibição previsto no artigo 101.°, n.° 1, TFUE, devido à sua neutralidade ou ao seu efeito positivo no plano da concorrência, uma restrição da autonomia comercial de um ou de vários dos participantes nessa operação ou nessa atividade também não está abrangida pelo referido princípio da proibição se essa restrição for objetivamente necessária à realização da referida operação ou da referida atividade e proporcionada aos objetivos de uma ou da outra (v. acórdão de 11 de setembro de 2014, MasterCard e o./Comissão, C‑382/12 P, Colet., EU:C:2014:2201, n.° 89 e jurisprudência aí referida).

452    Com efeito, quando não for possível dissociar tal restrição da operação ou da atividade principal sem comprometer a existência e os objetos das mesmas, há que analisar a compatibilidade com o artigo 101.° TFUE desta restrição juntamente com a compatibilidade da operação ou da atividade principal de que é acessória, mesmo apesar de, tomada isoladamente, se afigurar que essa restrição pode, à primeira vista, ser abrangida pelo princípio da proibição do artigo 101.°, n.° 1, TFUE (acórdão MasterCard e o./Comissão, n.° 450, supra, EU:C:2014:2201, n.° 90).

453    Tratando‑se de determinar se uma restrição anticoncorrencial pode escapar à proibição prevista no artigo 101.°, n.° 1, TFUE, por constituir o acessório de uma operação principal desprovida de tal caráter anticoncorrencial, há que apurar se a realização dessa operação seria impossível na falta dessa restrição. Não se pode considerar que o facto de a referida operação se tornar simplesmente mais difícil de realizar ou até menos rentável sem a restrição em causa confere a esta restrição o caráter «objetivamente necessário» exigido para poder ser qualificada de acessória. Com efeito, tal interpretação equivaleria a alargar esse conceito a restrições que não são estritamente indispensáveis à realização da operação principal. Esse resultado poria em causa o efeito útil da proibição prevista no artigo 101.°, n.° 1, TFUE (acórdão MasterCard e o./Comissão, n.° 450, supra, EU:C:2014:2201, n.° 91).

454    A condição relativa ao caráter necessário de uma restrição implica, assim, um duplo exame. Com efeito, há que apurar, por um lado, se a restrição é objetivamente necessária à realização da operação principal e, por outro, se é proporcionada em relação a esta (v. acórdão E.ON Ruhrgas e E.ON/Comissão, n.° 98, supra, EU:T:2012:332, n.° 64 e jurisprudência aí referida).

455    Por outro lado, há que sublinhar que, na medida em que a existência de uma regra de razão de direito da União da concorrência não pode ser admitida, seria errado interpretar, no âmbito da qualificação das restrições acessórias, a condição da necessidade objetiva como implicando uma ponderação dos efeitos pró‑concorrenciais e anticoncorrenciais de um acordo (v., neste sentido, acórdão E.ON Ruhrgas e E.ON/Comissão, n.° 98, supra, EU:T:2012:332, n.° 65 e jurisprudência aí referida).

456    No caso em apreço, as recorrentes alegam que as restrições à autonomia comercial das empresas de genéricos eram acessórias à realização de um objetivo principal, que consiste na proteção dos seus direitos de propriedade intelectual.

457    Tal argumento não pode ser acolhido.

458    Com efeito, em primeiro lugar, as recorrentes não demonstraram que as restrições estipuladas nos acordos controvertidos eram objetivamente necessárias para proteger os seus direitos de propriedade intelectual, na aceção da jurisprudência referida. Por um lado, poderiam ter protegido estes direitos mediante a propositura de ações nos órgãos jurisdicionais nacionais competentes em caso de violação das suas patentes. Por outro, conforme a Comissão referiu nos considerandos 638 e seguintes da decisão impugnada, existiam várias formas de resolver amigavelmente um litígio em matéria de patentes, sem estipular restrições relativas à entrada de genéricos no mercado, através de pagamentos compensatórios que correspondem aproximadamente aos lucros esperados por estas em caso de entrada no mercado (v. n.os 334 e 411, supra). As recorrentes não demonstram, assim, que estas restrições eram objetivamente necessárias para se alcançar o alegado objetivo, que consiste em fazer respeitar os seus direitos de propriedade intelectual.

459    Em segundo lugar, importa recordar que, segundo a jurisprudência, um acordo não está imune ao direito da concorrência pelo simples facto de ser relativo a uma patente ou de visar resolver amigavelmente um litígio em matéria de patentes, e que é possível considerar‑se que tem um objetivo restritivo mesmo que não tenha como único objetivo restringir a concorrência, mas prossiga igualmente outros objetivos legítimos (v. n.° 427, supra, e jurisprudência aí referida). O facto de poder ter sido a solução mais rentável ou menos arriscada de um ponto de vista comercial não exclui de forma alguma a aplicação do artigo 101.° TFUE (n.° 380, supra).

460    Em terceiro lugar, em qualquer caso, admitindo que as restrições estipuladas nos acordos controvertidos pudessem ser consideradas objetivamente necessárias para o objetivo principal alegado pelas recorrentes, que consistem em fazer respeitar os seus direitos de propriedade intelectual, não deixa de ser verdade que são desproporcionadas em relação à prossecução deste objetivo. Com efeito, contrariamente ao que alegam as recorrentes, os acordos controvertidos não resolveram qualquer litígio em matéria de patentes, uma vez que previam unicamente que as empresas de genéricos permaneceriam fora do mercado do citalopram durante um determinado período, em contrapartida de um pagamento, sem sequer preverem que, no termo deste período, poderiam entrar neste mercado sem terem de enfrentar ações por contrafação por parte da Lundbeck. Além disso, o alcance das restrições previstas nestes acordos excedia frequentemente o âmbito de aplicação das patentes da Lundbeck (v. sexto fundamento em seguida). Por último, as recorrentes afirmam erradamente que o processo Lagap no Reino Unido servia de processo chave que permitia resolver os processos judiciais com as empresas de genéricos, uma vez que, conforme declara a Comissão nos considerandos 683 e seguintes da decisão impugnada, os acordos GUK para o Reino Unido, Arrow UK, Arrow dinamarquês, Alpharma e Ranbaxy foram todos celebrados antes de a Lundbeck intentar uma ação por contrafação contra a Lagap no Reino Unido, em 14 de outubro de 2002. No que respeita ao único acordo celebrado posteriormente, ou seja, o acordo GUK para o EEE, o litígio com a Lagap não era realmente pertinente, uma vez que o IFA em causa no processo Lagap, baseado no processo Matrix II, era diferente do IFA da Natco, a partir do qual era produzido o citalopram genérico que a Merck (GUK) previa comercializar (considerando 687 da decisão impugnada).

461    Assim, as recorrentes afirmam erradamente que as restrições estipuladas nos acordos controvertidos eram objetivamente necessárias e proporcionadas para proteger os seus direitos de propriedade intelectual.

462    Em segundo lugar, as recorrentes consideram que, na decisão impugnada, a Comissão aplica de forma errada a jurisprudência sobre os outros objetivos legítimos no caso em apreço. Com efeito, nesta decisão, a Comissão declara que o facto de, por outro lado, um acordo poder prosseguir outros objetivos perfeitamente legítimos não impede que seja possível declarar a existência de uma restrição por objetivo. Os processos referidos pela Comissão em apoio desta afirmação são relativos, não obstante, às situações em que o objetivo legítimo poderia ter sido alcançado sem restringir a concorrência, ao passo que no caso em apreço os acordos controvertidos eram necessários para assegurar o respeito pelas patentes da Lundbeck.

463    A interveniente apoia os argumentos das recorrentes e considera igualmente que a Comissão utilizou erradamente o critério jurídico relativo à aplicação do artigo 101.°, n.° 1, TFUE. Em seu entender, a jurisprudência do Tribunal de Justiça baseia‑se num critério de «necessidade objetiva» para determinar se o artigo 101.° TFUE é, ou não, aplicável. Por conseguinte, a Comissão deveria ter apreciado se foi celebrada de boa‑fé uma transação para resolver um litígio real em matéria de patentes e se as restrições estipuladas eram necessárias e proporcionadas a esse objetivo legítimo.

464    A este respeito, importa observar que, contrariamente ao que alegam as recorrentes e a interveniente, a Comissão não cometeu um erro de direito ao aplicar a jurisprudência sobre os outros objetivos legítimos no caso em apreço (v. n.° 427, supra, e jurisprudência aí referida) e que rejeitou os argumentos das recorrentes a este propósito, no considerando 653 da decisão impugnada, na medida em que estes argumentos assentavam igualmente na premissa errada de que o objetivo legítimo alegado pelas recorrentes, que consistia em proteger os seus direitos de propriedade intelectual, não poderia ter sido alcançado sem restringir a concorrência (v. n.os 458 a 461, supra).

465    Por conseguinte, improcede a terceira parte.

4.     Quanto à quarta parte

466    As recorrentes consideram que a decisão enferma de um erro de direito ao não admitir que o cenário contrafactual no caso em apreço exclui a possibilidade de dar por provada uma restrição da concorrência por objetivo.

467    Alegam que a decisão impugnada ignora o facto de que, mesmo sem os acordos controvertidos, as empresas de genéricos não teriam vendido citalopram não contrafeito. Ora, decorre de jurisprudência constante que o critério geral para apreciar se um acordo tem por objetivo ou por efeito restringir a concorrência consiste em examinar qual teria sido o funcionamento da concorrência no mercado em causa na falta do acordo em questão. A menor dúvida quanto ao facto de que teria existido concorrência na falta de acordo seria, assim, suficiente para excluir qualquer infração ao artigo 101.° TFUE. Além disso, a eliminação de uma incerteza é inerente a qualquer transação e a decisão impugnada reconhece que as transações que adiam uma entrada no mercado podem, em determinados casos, não violar o artigo 101.° TFUE.

468    As perspetivas realistas de integrar um ou vários mercados do EEE durante o período abrangido pelos acordos controvertidos referidas na decisão impugnada carecem de fundamento e, em qualquer caso, constituem apenas perspetivas, o que implica, pelo menos, que não era certo que, na falta desses acordos, as empresas de genéricos teriam vendido citalopram não contrafeito. De facto, segundo as recorrentes, as empresas de genéricos não dispunham de qualquer AIM e, admitindo que poderiam ter lançado os seus produtos genéricos contrafeitos, teriam sido objeto de injunções solicitadas pelas recorrentes. Além disso, estas empresas poderiam ter optado por permanecer fora do mercado ou dele sair a fim de evitarem um processo judicial contra a Lundbeck. Quanto ao resto, várias empresas de genéricos continuaram ativamente a preparar a sua entrada no mercado, nomeadamente, prosseguindo as suas investigações de citalopram não contrafeito, e os acordos controvertidos também não as impediram de contestar a validade das patentes da Lundbeck.

469    A Comissão contesta estes argumentos.

470    Em primeiro lugar, na medida em que, através dos seus argumentos, as recorrentes parecem pretender pôr em causa a conclusão de que as empresas de genéricos eram concorrentes potenciais da Lundbeck no momento da celebração dos acordos controvertidos e em que estes argumentos já foram refutados no âmbito do primeiro fundamento, há que remeter para os desenvolvimentos apresentados a esse respeito.

471    Além disso, importa recordar que o artigo 101.° TFUE visa proteger a concorrência potencial e a concorrência atual entre as empresas no mercado (v. n.° 99, supra). Por conseguinte, as recorrentes afirmam novamente em vão que não existia qualquer certeza quanto ao facto de que as empresas teriam entrado efetivamente no mercado durante a vigência dos acordos controvertidos, uma vez que tal argumentação ignora a distinção entre concorrência atual e concorrência potencial.

472    Em segundo lugar, na medida em que as recorrentes alegam que a Comissão deveria ter examinado o cenário contrafactual no caso em apreço, importa recordar que, tratando‑se de restrições da concorrência por objetivo, a Comissão estava unicamente obrigada a demonstrar que os acordos controvertidos apresentavam um grau suficiente de nocividade para a concorrência, atendendo ao teor das suas disposições, aos objetivos que visavam atingir e ao contexto económico e jurídico em que se inseriam, sem, no entanto, estar obrigada a examinar os efeitos (n.° 341, supra).

473    O exame de um hipotético cenário contrafactual, além de que seria dificilmente praticável na medida em que imporia à Comissão o dever de reconstruir os acontecimentos que teriam ocorrido na falta dos acordos controvertidos, quando estes tinham precisamente por objetivo adiar a entrada das empresas de genéricos no mercado (v. n.os 138 e 139, supra), assemelha‑se mais a um exame dos efeitos dos acordos controvertidos no mercado do que a um exame objetivo do caráter suficientemente nocivo destes na concorrência. Ora, tal exame dos efeitos não é exigido no âmbito de uma análise baseada na existência de uma restrição da concorrência por objetivo (n.° 341, supra).

474    Por conseguinte, mesmo admitindo que determinadas empresas de genéricos não entraram no mercado durante a vigência dos acordos controvertidos, devido a ações por contrafação intentadas pela Lundbeck ou devido à impossibilidade de obterem uma AIM num prazo suficientemente curto, o que importa é que estas empresas dispunham de possibilidades reais e concretas de entrarem no mercado no momento da celebração dos acordos controvertidos com a Lundbeck, pelo que exerciam uma pressão concorrencial sobre esta. Ora, tal pressão concorrencial foi eliminada durante a vigência dos acordos controvertidos, o que constitui, por si só, uma restrição da concorrência por objetivo na aceção do artigo 101.°, n.° 1, TFUE.

475    Embora seja verdade que as transações têm frequentemente por objetivo reduzir as incertezas inerentes a um processo judicial, tais resoluções não são imunes à aplicação do direito da concorrência (v. n.° 427, supra). Além disso, conforme constatou a Comissão na decisão impugnada, são particularmente problemáticas quando visam pagar aos concorrentes potenciais para que permaneçam fora do mercado durante um período determinado, sem, contudo, resolverem qualquer litígio subjacente em matéria de patentes, como sucede no caso em apreço.

476    Assim, a Comissão considerou corretamente que os acordos controvertidos se assemelhavam a acordos de exclusão do mercado entre concorrentes e que eram suscetíveis de produzir efeitos negativos na concorrência, sem que fosse necessário, para efeitos da aplicação do artigo 101.°, n.° 1, TFUE, demonstrar que tinham produzido tais efeitos.

477    Por conseguinte, improcede igualmente a quarta parte, bem como o terceiro fundamento na íntegra.

E –  Quanto ao quarto fundamento, relativo a um erro de direito e a uma falta de fundamentação cometidos no momento da rejeição do critério do âmbito de aplicação da patente como norma essencial de avaliação dos acordos de transação em matéria de patentes no âmbito do artigo 101.°, n.° 1, TFUE

478    As recorrentes consideram que a Comissão recusa erradamente admitir que os acordos que incluem restrições que correspondem às restrições inerentes ao exercício dos direitos que uma patente confere ao seu titular não estão abrangidos pelo artigo 101.°, n.° 1, TFUE e sugere incorretamente que os acordos que preveem restrições que excedem o âmbito de aplicação desta patente provavelmente estão abrangidos por essa disposição. Em seu entender, em primeiro lugar, a decisão impugnada enferma de um erro de direito na medida em que afasta o critério do âmbito de aplicação da patente como norma de controlo pertinente para avaliar os acordos de transação em matéria de patentes no âmbito do artigo 101.°, n.° 1, TFUE e, em segundo lugar, a argumentação exposta pela Comissão na decisão impugnada para rejeitar este critério é ininteligível, absurda e desmentida pela argumentação chave subjacente ao resto da decisão impugnada.

1.     Quanto à primeira parte

479    Em primeiro lugar, as recorrentes alegam que as restrições contratuais abrangidas pelo âmbito temporal, territorial e material dos direitos do titular da patente não violam o direito da concorrência, uma vez que essas restrições são análogas às restrições inerentes à patente subjacente, independentemente da questão de saber se, além disso, a transação implica, ou não, uma transferência de valor da empresa de medicamentos originais em benefício do fabricante de genéricos.

480    Tal condição respeita o princípio de que as patentes são presumivelmente válidas até à declaração expressa da sua nulidade. No acórdão Windsurfing, n.° 119, supra (EU:C:1986:75), o Tribunal de Justiça reconheceu que qualquer cláusula respeitante aos produtos cobertos por uma patente era justificada pela proteção de um direito de propriedade intelectual. Por conseguinte, o alcance da patente é pertinente para efeitos da apreciação de uma violação do artigo 101.° TFUE.

481    Em segundo lugar, as recorrentes consideram que qualquer transação deve estar ligada a um processo judicial «de boa‑fé» entre as partes no acordo, relativo à validade ou à violação de uma patente. Tais acordos têm uma legalidade e uma utilidade intrínsecas e só estariam sujeitos a um controlo «antitrust» se o processo judicial subjacente fosse fictício.

482    Ora, em matéria de transações relativas às patentes e aos medicamentos genéricos, um processo judicial deve ser qualificado de autêntico quando, por um lado, não está demonstrado que o titular de uma patente sabia ou estava plenamente convencido de que esta era nula e, por outro, este titular dispunha de elementos de prova suficientes para alegar que os medicamentos genéricos violavam a sua patente. Se o titular de uma patente tiver meras dúvidas quanto à validade desta, tais dúvidas, que traduzem a incerteza inerente ao desfecho de qualquer litígio, não são suficientes para afetar a natureza autêntica deste e para tornar ilegal um acordo de transação. Por conseguinte, declarações como a que é referida várias vezes na decisão impugnada, feita mais de um ano e meio após a celebração dos acordos controvertidos, e que sugere que um funcionário da Lundbeck tinha avaliado em 60% o risco de a patente sobre a cristalização ser anulada pelos órgãos jurisdicionais do Reino Unido, não podem em caso algum ser tidas em conta para demonstrar que a Lundbeck acreditava que a patente sobre a cristalização era nula ou que não tinha qualquer possibilidade de obter a sua aplicação em juízo.

483    Em terceiro lugar, as recorrentes consideram, assim, que o critério do âmbito de aplicação da patente constitui a única norma adequada. Antes de mais, tal critério permite estabelecer um equilíbrio razoável entre o direito da concorrência e o direito das patentes. Em seguida, responde às preocupações da Comissão quanto às transações em matéria de patentes, dado que uma empresa de genéricos que celebra tal acordo pode, nomeadamente, integrar o mercado de uma forma que não viole o alcance material, temporal ou territorial da patente em causa. Por último, não enferma de erros que viciem o critério seguido na decisão impugnada.

484    Em quarto lugar, segundo as recorrentes, nenhum dos acordos controvertidos viola o artigo 101.° TFUE, uma vez que cumprem, por um lado, o requisito da manutenção no âmbito de aplicação da patente, pois as restrições contratuais estavam limitadas aos medicamentos contrafeitos e não excediam o alcance territorial e temporal das patentes de processo da Lundbeck e, por outro, o requisito do processo judicial autêntico, visto que nenhum elemento de prova sugere que a Lundbeck considerava que as suas patentes eram nulas e que, além disso, dispunha de elementos científicos que demonstravam que as empresas de genéricos violavam as suas patentes de processo.

485    A Comissão contesta estes argumentos.

486    Antes de mais, importa recordar que, segundo a jurisprudência, o artigo 101.°, n.° 1, TFUE não faz qualquer distinção entre os acordos que têm por objeto pôr termo a um processo e aqueles que prosseguem outras finalidades (acórdão Bayer e Maschinenfabrik Hennecke, n.° 427, supra, EU:C:1988:448, n.° 15). Embora o artigo 101.° TFUE não afete a existência dos direitos reconhecidos pela legislação de um Estado‑Membro no domínio da propriedade industrial, as condições de exercício do referido direito podem, todavia, ser abrangidas pelas proibições previstas nesse artigo. Tal pode ser o caso sempre que o exercício do referido direito seja suscetível de constituir o objeto, o meio ou a consequência de um cartel (acórdão Centrafarm e de Peijper, n.° 117, supra, EU:C:1974:114, n.os 39 e 40).

487    Por conseguinte, embora seja verdade que o objeto específico da propriedade industrial é o de assegurar ao titular, como forma de recompensar o esforço criador do inventor, o direito exclusivo de utilizar uma invenção destinada ao fabrico e ao primeiro lançamento em circulação de produtos industriais, quer diretamente, quer mediante a concessão de licenças a terceiros, bem como o direito de se opor a qualquer violação do referido direito (acórdão Centrafarm e de Peijper, n.° 117, supra, EU:C:1974:115, n.° 9), este não pode ser interpretado como garantia de uma proteção igualmente dirigida contra as ações que visem contestar a validade da patente, considerando que é do interesse público eliminar qualquer obstáculo à atividade económica que possa resultar de uma patente concedida injustificadamente (acórdão Windsurfing, n.° 119, supra, EU:C:1986:75, n.° 92).

488    A este respeito, importa observar que, contrariamente ao que alegam as recorrentes, as considerações expressas no n.° 92 do acórdão Windsurfing, n.° 119, supra (EU:C:1986:75), não podem valer unicamente para as cláusulas que manifestamente não estão abrangidas pelo âmbito de aplicação da patente. Com efeito, no n.° 46 do mesmo acórdão, o Tribunal de Justiça considerou que, mesmo admitindo que a patente alemã tinha coberto toda a prancha à vela e, por conseguinte, também o flutuador, o que implicava que a cláusula em questão estava abrangida pelo âmbito de aplicação da patente, isto não significa que tal cláusula era compatível com o artigo 101.° TFUE.

489    Além disso, segundo a jurisprudência, embora a Comissão não possa deixar de intervir, quando a extensão de uma patente é relevante para a apreciação de uma violação dos artigos 101.° e 102.° TFUE, não lhe cabe definir a extensão de uma patente (acórdão Windsurfing, n.° 119, supra, EU:C:1986:75, n.° 26).

490    À luz desta jurisprudência, assim como dos objetivos inerentes ao artigo 101.° TFUE, que exigem, nomeadamente, que cada operador económico determine de maneira autónoma a política que pretende seguir no mercado (v., neste sentido, acórdão BIDS, n.° 341, supra, EU:C:2008:643, n.os 33 e 34) a fim de proteger os consumidores dos aumentos de preços injustificados resultantes de uma colusão entre concorrentes (v. n.° 386, supra), a Comissão teve razão ao rejeitar, no caso em apreço, a aplicação do critério do âmbito de aplicação da patente para avaliar os acordos controvertidos à luz do artigo 101.°, n.° 3, TFUE.

491    Com efeito, conforme declarou a Comissão no considerando 698 da decisão impugnada, este critério é problemático do ponto de vista do direito da concorrência em vários aspetos. Em primeiro lugar, conduz à presunção de que um medicamento genérico viola a patente da empresa de medicamentos originais e permite, assim, excluir o medicamento genérico com esse fundamento, quando o caráter ilícito, ou não, do medicamento genérico é uma questão não resolvida. Em segundo lugar, baseia‑se na presunção de que qualquer patente invocada no âmbito de uma transação é considerada válida em caso de contestação da sua validade, embora não exista fundamento para tal no direito ou na prática (n.° 122, supra). Assim, o critério do âmbito de aplicação da patente assenta na apreciação subjetiva das recorrentes relativamente ao âmbito de aplicação das suas patentes e da validade destas, ao passo que um órgão jurisdicional nacional ou uma autoridade competente poderia ter tido um ponto de vista diferente.

492    A Supreme Court of the United States, pondo termo a um debate intenso a este respeito, seguiu a mesma abordagem, rejeitando o critério do âmbito de aplicação da patente aplicado por alguns órgãos jurisdicionais inferiores no seu acórdão Actavis, referido no n.° 353, supra, no qual considerou que o facto de um acordo estar abrangido pelo âmbito de aplicação de uma patente não tornava esse acordo imune a uma ação «antitrust».

493    De facto, a questão de saber se uma restrição está abrangida, ou não, pelo âmbito de aplicação de uma patente é uma conclusão que decorre de um exame relativo ao alcance e à validade desta e não, como sugerem as recorrentes, o ponto de partida de tal exame (v. n.° 353, supra, a propósito do acórdão Actavis).

494    Deste modo, quando as recorrentes alegam que os produtos que as empresas de genéricos pretendiam comercializar violavam as suas patentes ou entravam no âmbito de aplicação material, temporal e territorial destas, trata‑se na realidade apenas de especulações que se baseiam nas suas próprias apreciações subjetivas, uma vez que não contestam o facto de que, no momento da celebração dos acordos controvertidos, nenhum órgão jurisdicional nacional ou autoridade competente tinha estabelecido que estes produtos violavam alguma das suas patentes de processo (n.° 145, supra). Além disso, como sublinha a Comissão, a patente sobre a cristalização nem sequer tinha sido concedida no momento em que a maioria dos acordos controvertidos tinha sido celebrada (n.° 127, supra), pelo que o âmbito de aplicação das patentes das recorrentes era incerto, tal como o alcance das restrições incluídas nestes acordos.

495    Por outro lado, o facto de a Comissão ter considerado que determinadas restrições incluídas nos acordos controvertidos estavam potencialmente abrangidas pelo âmbito de aplicação das patentes da Lundbeck significa apenas que as recorrentes poderiam ter obtido restrições comparáveis através de decisões judiciais adotadas com vista à aplicação das suas patentes, admitindo que tinham obtido ganho de causa nos órgãos jurisdicionais nacionais competentes. Neste sentido, mesmo que os acordos controvertidos também previssem restrições potencialmente abrangidas pelo âmbito de aplicação das patentes das recorrentes, estes acordos excediam o objeto específico dos seus direitos de propriedade intelectual, que incluíam, certamente, o direito de se oporem às contrafações, mas não o direito de celebrarem acordos através dos quais os concorrentes reais ou potenciais do mercado eram pagos para não entrarem no mercado (v. n.° 487, supra, e considerando 698 da decisão impugnada).

496    As recorrentes alegam, não obstante, que existiam litígios reais em matéria de patentes entre as partes nos acordos controvertidos no caso em apreço, pelo que podiam resolver tais litígios amigavelmente sem violarem o artigo 101.° TFUE.

497    No entanto, é duvidoso que os acordos controvertidos tenham realmente permitido pôr termo aos litígios subjacentes em matéria de patentes entre as recorrentes e as empresas de genéricos, uma vez que estes acordos não previam qualquer entrada imediata dos genéricos no mercado logo que expirassem, acompanhada de uma renúncia, por parte das recorrentes, às suas reivindicações em matéria de patentes (v. n.° 354, supra, e considerando 662 da decisão impugnada).

498    Por outro lado, mesmo admitindo que os acordos controvertidos permitiram resolver amigavelmente um litígio entre as partes, basta recordar que o artigo 101.°, n.° 1, TFUE não faz qualquer distinção entre os acordos que têm por objeto pôr termo a um processo e aqueles que prosseguem outras finalidades (v., neste sentido, acórdão Bayer e Maschinenfabrik Hennecke, n.° 427, supra, EU:C:1988:448, n.° 15). Ora, estando suficientemente demonstrado o objetivo anticoncorrencial destes acordos, que excluem os concorrentes potenciais do mercado em contrapartida de um pagamento, admitindo que também podiam ter beneficiado a concorrência e os consumidores, tais efeitos deveriam ser demonstrados pelas recorrentes e examinados à luz do artigo 101.°, n.° 3, TFUE (v., em seguida, a apreciação ao sétimo fundamento) e não avaliados pela Comissão no âmbito do n.° 1 do mesmo artigo (v., neste sentido, acórdão Brasserie nationale e o./Comissão, n.° 387, supra, EU:T:2005:298, n.° 85).

499    Assim, as recorrentes alegam erradamente que o critério jurídico aplicado pela Comissão não tinha fundamento na jurisprudência ou que o exercício de direitos de propriedade intelectual apenas pode estar abrangido pela proibição prevista no artigo 101.°, n.° 1, TFUE em circunstâncias excecionais. A Comissão não cometeu qualquer erro de direito ao rejeitar o critério do âmbito de aplicação da patente enquanto critério pertinente para examinar os acordos controvertidos à luz do artigo 101.°, n.° 3, TFUE. Conforme alega a Comissão, o critério pertinente no caso em apreço era o conceito de restrição por objetivo, tal como desenvolvido pela jurisprudência dos órgãos jurisdicionais da União (n.os 338 a 344, supra).

500    Por conseguinte, no caso em apreço, a Comissão tinha o direito de se basear num conjunto de fatores, enquanto elementos de contexto, tais como a existência de um pagamento compensatório, a importância de tal pagamento e o facto de este parecer corresponder aos ganhos previstos pelas empresas de genéricos em caso de entrada no mercado, bem como a inexistência de cláusulas que pudessem facilitar a entrada dos genéricos no mercado logo que os acordos controvertidos expirassem e a presença de restrições que excediam o âmbito de aplicação das patentes das recorrentes, para declarar que esses acordos tinham por objetivo restringir a concorrência na aceção do artigo 101.° TFUE (v. considerandos 661 e 662 da decisão impugnada).

501    Por conseguinte, improcede a primeira parte.

2.     Quanto à segunda parte

502    As recorrentes alegam, em primeiro lugar, que a fundamentação da rejeição do critério do âmbito de aplicação da patente figura apenas no considerando 698 da decisão impugnada, que, além disso, enferma de um raciocínio absurdo, uma vez que, em seu entender, este critério não incentiva as empresas de genéricos a abandonarem todos os seus esforços para integrar os mercados, mas unicamente para vender os produtos contrafeitos.

503    Além disso, o direito de se opor às contrafações também implica que o titular de patentes possa opor‑se a estas mediante a transação de um litígio. Tal direito decorre igualmente do objeto específico de uma patente, contrariamente ao que sugere a decisão impugnada. O acórdão Windsurfing, n.° 119, supra (EU:C:1986:75), citado na decisão impugnada, só pode ser invocado para defender que a Lundbeck não está habilitada a dirimir um conflito entre os produtos de dois fabricantes terceiros, o que não corresponde ao caso em apreço. Por outro lado, o argumento que consta da decisão impugnada, segundo o qual as transações apenas são autorizadas caso se baseiem na apreciação subjetiva das partes relativamente à força da patente, contradiz a alegação de que os titulares de uma patente não deveriam ser capazes de apreciar, por si só, se os medicamentos genéricos violam a sua patente. A decisão impugnada também não explica a razão pela qual este critério do âmbito de aplicação da patente, que existe no direito dos Estados Unidos da América, não é transponível para o direito da União.

504    As recorrentes consideram, em segundo lugar, que a rejeição, por parte da Comissão, do critério do âmbito de aplicação da patente não é coerente com o raciocínio chave da decisão impugnada em que a Comissão centrou a sua avaliação acerca dos acordos controvertidos. Com efeito, a Comissão fundamentou a sua conclusão de que estes acordos tinham por objetivo restringir a concorrência na asserção de que continham restrições que excediam o âmbito de aplicação das patentes da Lundbeck, uma vez que visavam impedir a entrada de qualquer citalopram genérico no mercado, independentemente da questão de saber se este era, ou não, contrafeito. Ora, noutras passagens, a Comissão declarou que os pagamentos compensatórios, enquanto tais, indicavam que os acordos controvertidos tinham por objetivo obrigar as empresas de genéricos a permanecer fora do mercado do citalopram genérico durante o período em que estavam em vigor, independentemente da questão de saber se os medicamentos que estas empresas poderiam ter vendido constituíam, ou não, uma contrafação.

505    Isto demonstra que o critério do âmbito de aplicação da patente desempenhou um papel central na análise da Comissão, o que contradiz a sua alegação de que a questão de saber se os acordos controvertidos permaneciam abrangidos pelo âmbito de aplicação das patentes da Lundbeck não teria alterado fundamentalmente a análise jurídica da Comissão em relação a estas restrições.

506    A Comissão contesta estes argumentos.

507    Em primeiro lugar, importa recordar que a fundamentação exigida pelo artigo 296.° TFUE deve ser adaptada à natureza do ato em causa e deixar transparecer, de forma clara e inequívoca, o raciocínio da instituição autora do ato, de forma a permitir aos interessados conhecerem as razões da medida adotada e ao órgão jurisdicional competente exercer a sua fiscalização (v. acórdão de 29 de setembro de 2011, Elf Aquitaine/Comissão, C‑521/09 P, Colet., EU:C:2011:620, n.° 147 e jurisprudência aí referida).

508    Assim, no âmbito das decisões individuais, resulta de jurisprudência constante que o dever de fundamentar tal decisão tem por finalidade, além de permitir uma fiscalização jurisdicional, fornecer ao interessado indicações suficientes para saber se a decisão enferma eventualmente de um vício que permita contestar a sua validade. No entanto, importa recordar que o dever de fundamentação previsto no artigo 296.° TFUE constitui uma formalidade essencial que deve ser distinguida da questão da procedência da fundamentação, a qual faz parte da legalidade do ato litigioso em sede de mérito (acórdão Elf Aquitaine/Comissão, n.° 507, supra, EU:C:2011:620, n.os 146 e 148 e jurisprudência aí referida).

509    No caso em apreço, no que respeita à fundamentação, na decisão impugnada, da rejeição do critério da extensão da patente, há que observar que a Comissão respondeu expressamente aos argumentos das recorrentes sobre este aspeto no considerando 698 da decisão impugnada. A Comissão explicou, nomeadamente, as razões pelas quais tal critério não permitia responder às preocupações suscitadas pelos acordos controvertidos sob a perspetiva do direito da concorrência (v. n.° 491, supra). Além disso, resulta da sistemática de toda a decisão impugnada que a Comissão aplicou o conceito de restrição por objetivo, nos termos do artigo 101.°, n.° 1, TFUE, aos acordos controvertidos, tendo em conta o contexto económico e jurídico em que estes foram celebrados e tendo em conta uma série de fatores a este respeito (v. n.° 354, supra), afastando, necessariamente, o critério da extensão da patente enquanto critério jurídico pertinente para avaliar estes acordos à luz do artigo 101.°, n.° 1, TFUE.

510    Por conseguinte, as recorrentes não podem acusar a Comissão de não ter fundamentado suficientemente, na decisão impugnada, a rejeição do critério do âmbito de aplicação da patente, assim como a questão de saber se os titulares de patentes têm o direito de se opor às contrafações resolvendo amigavelmente os seus litígios, a qual está abrangida pelo exame do mérito da decisão impugnada, que foi acima efetuada no âmbito da análise do segundo e do terceiro fundamento.

511    Além disso, as recorrentes alegam em vão que a Comissão deveria ter fundamentado a sua decisão impugnada fazendo referência aos critérios jurídicos aplicáveis no direito dos Estados Unidos da América. Com efeito, já foi declarado que uma posição adotada pelo direito de um país terceiro não pode impor‑se à que é adotada pelo direito da União e que uma violação de tal direito não constitui, enquanto tal, um vício suscetível de gerar a ilegalidade de uma decisão adotada com fundamento no direito (v., neste sentido, acórdão de 30 de setembro de 2003, Atlantic Container Line e o./Comissão, T‑191/98 e T‑212/98 a T‑214/98, Colet., EU:T:2003:245, n.os 1406 e 1407 e jurisprudência aí referida).

512    Em qualquer caso, basta observar que o acórdão que manifesta a opinião maioritária da Supreme Court of the United States no processo que deu origem ao acórdão Actavis, referido no n.° 353, supra — e não a opinião discordante do juiz J. Roberts — estabelece claramente que o facto de um acordo estar abrangido pelo âmbito de aplicação de uma patente não o torna imune a uma ação «antitrust», rejeitando, assim, o critério do âmbito de aplicação da patente como norma pertinente para efeitos do exame ao caráter anticoncorrencial de acordos amigáveis em matéria de patentes que preveem pagamentos compensatórios, designados por «pay for delay», como os acordos controvertidos no caso em apreço.

513    É certo que, tal como alegaram as recorrentes na audiência, o contexto regulamentar que prevalece nos Estados Unidos é distinto do que existe nos diferentes Estados‑Membros da União. Por conseguinte, a Comissão teve razão ao não examinar mais aprofundadamente os argumentos das recorrentes relativos à aplicação do critério do âmbito de aplicação da patente, que tinha sido aplicado por alguns órgãos jurisdicionais de grau inferior dos Estados Unidos antes do acórdão Actavis, n.° 353 já referido, a fim de examinar os acordos controvertidos sob a perspetiva do artigo 101.° TFUE.

514    Em segundo lugar, as recorrentes alegam erradamente que a decisão impugnada é contraditória, na parte em que admite, por um lado, que os acordos controvertidos eram anticoncorrenciais, quer previssem, ou não, restrições que excediam o âmbito de aplicação das suas patentes e, por outro, que estes acordos previam restrições que excediam o âmbito de aplicação das suas patentes, na medida em que visavam impedir a venda de todo o tipo de citalopram genérico pelas empresas de genéricos.

515    Com efeito, a Comissão explicou, nos considerandos 661 e 662 da decisão impugnada, que o facto de a Lundbeck não ter podido obter as mesmas limitações à entrada dos genéricos no mercado invocando as suas patentes de processo constituía um indício significativo, entre outros, de que os acordos controvertidos eram contrários ao artigo 101.°, n.° 1, TFUE. Por outras palavras, a questão de saber se as restrições previstas nos acordos controvertidos não estavam abrangidas pelo âmbito de aplicação das patentes das recorrentes foi considerada um fator pertinente, mas não decisivo, para estabelecer a existência de uma restrição por objetivo na aceção desta disposição, o que resulta claramente do considerando 641 da decisão impugnada (n.os 335, 336 e 354, supra). Assim, não existe qualquer contradição na decisão impugnada sobre este aspeto.

516    Por conseguinte, improcede o quarto fundamento.

F –  Quanto ao quinto fundamento, relativo a um erro manifesto de apreciação dos factos, a uma violação do dever de diligência e a uma falta de fundamentação por as ações da Lundbeck terem sido qualificadas de estratégia global hostil à entrada dos genéricos e como pertinentes para avaliar os acordos controvertidos à luz do artigo 101.°, n.° 3, TFUE

517    Segundo as recorrentes, a decisão impugnada está insuficientemente fundamentada, enferma de erros manifestos de apreciação dos factos e viola o dever de diligência a que está obrigado a Comissão, na parte em que se centra em algumas declarações selecionadas e em que ignorou os factos essenciais para concluir que prosseguiam uma «estratégia global» de oposição contra as versões genéricos do citalopram e se baseou nessa alegada estratégia para avaliar os acordos controvertidos à luz do artigo 101.°, n.° 3, TFUE.

518    Em primeiro lugar, as recorrentes alegam que a sua estratégia global consistiu em ações unilaterais sem qualquer ligação aos acordos controvertidos e em qualquer caso lícitas. Consideram que a Comissão cometeu um determinado número de erros graves ao afirmar, na decisão impugnada, que tinham prosseguido várias políticas que se inseriam numa alegada estratégia global contra a entrada dos genéricos no mercado do citalopram, ou seja, em primeiro lugar, a criação de um período propício para o lançamento do escitalopram, em segundo lugar, a apresentação de patentes de processo para o fabrico de citalopram, em terceiro lugar, a intervenção nos processos de AIM para as versões genéricos do citalopram, em quarto lugar, a eliminação da ameaça concorrencial que os futuros fabricantes do IFA citalopram representavam e, em quinto lugar, o incentivo às empresas de genéricos para cessarem os seus esforços para integrarem o mercado do citalopram.

519    Em segundo lugar, afirmam que a decisão impugnada não explica por que razão as suas ações são pertinentes para constatar a existência de uma infração ao artigo 101.°, n.° 1, TFUE. Segundo as recorrentes, a intenção das partes não pode tornar incompatíveis com o direito da concorrência acordos que, de outro modo, são lícitos. A intenção subjetiva destas partes é acessória à questão principal de saber se uma restrição da concorrência resulta das finalidades objetivas prosseguidas por estes acordos, à luz do contexto em que se inserem. Ora, a decisão impugnada centra‑se erradamente sobre o comportamento unilateral da Lundbeck e não explica de que modo é que as empresas de genéricos partilharam da alegada intenção da Lundbeck ou se tinham conhecimento desta intenção. Por conseguinte, a Comissão não pode invocar este comportamento para demonstrar a existência de uma concordância de vontades entre a Lundbeck e as empresas de genéricos, que visa limitar a concorrência exercida pela versão genérica do citalopram.

520    Em terceiro lugar, as recorrentes consideram que a Comissão não cumpriu o seu dever de diligência, que lhe impõe examinar, com cuidado e imparcialidade, todos os elementos pertinentes do caso em apreço, ao não ter tido em conta todos os outros factos que demonstram que as suas ações visavam a prossecução de objetivos legítimos, tais como a aplicação de uma patente válida para se oporem a uma entrada contrafeita, o lançamento de um produto inovador em benefício dos consumidores, a informação das autoridades de saúde da existência de potenciais riscos para a segurança ou a obtenção de uma capacidade de produção adicional.

521    Em quarto lugar, as recorrentes consideram que a decisão impugnada qualificou erradamente de ilegais algumas das suas ações, tais como a transferência dos seus esforços comerciais para um novo produto mais eficaz, o Cipralex, a apresentação de vários pedidos de patentes que abrangem processos que permitem fabricar o citalopram, as suas intervenções nos processos de concessão da AIM, ou as suas operações com os produtores de IFA. Além disso, as recorrentes consideram que a decisão impugnada sugere erradamente que, no decurso do processo Lagap, admitiram que os produtos genéricos baseados no processo utilizado pela Matrix não eram contrafeitos, ao passo que a AIM baseada no processo Matrix II, que inclui uma fase suplementar de lavagem, apenas foi concedida no Reino Unido em 4 de junho de 2003. Aliás, a Lundbeck nunca admitiu que a Matrix recorreu a um processo utilizado a uma escala industrial que, ao mesmo tempo, era comercialmente viável e não constituía uma contrafação.

522    A Comissão contesta estes argumentos.

523    Importa recordar, antes de mais, que a Comissão tinha efetivamente o direito de ter em conta a intenção das recorrentes no momento da celebração dos acordos controvertidos, uma vez que a jurisprudência reconhece que a intenção das partes pode constituir um elemento relevante para estabelecer a existência de uma restrição por objetivo na aceção do artigo 101.°, n.° 1, TFUE (n.° 344, supra).

524    Em seguida, na medida em que as recorrentes alegam que a sua estratégia não era ilegal, na parte em que consistia, nomeadamente, em desenvolver um novo produto patenteado, o escitalopram, em registar patentes de processo para o citalopram ou em defender estas patentes de processo intervindo nos processos de concessão de AIM das empresas de genéricos, há que observar que a decisão impugnada não estabelece que tais ações foram, por si só, ilegais. A Comissão teve unicamente em conta estes elementos, enquanto elementos factuais relevantes, que permitiam colocar os acordos controvertidos no seu contexto mais amplo e que demonstravam que as recorrentes visavam adiar a entrada dos genéricos no mercado a fim de encontrar um espaço propício para o lançamento do escitalopram (considerandos 123 e seguintes da decisão impugnada), através de todos os meios — legais e ilegais — possíveis. Por conseguinte, estes argumentos são amplamente inoperantes.

525    Não obstante, na medida em que os argumentos das recorrentes podem igualmente ser interpretados no sentido de que visam contestar as apreciações factuais efetuadas pela Comissão na decisão impugnada, invocando uma desvirtuação dos elementos de prova a este respeito, importa observar o seguinte.

526    Em primeiro lugar, quanto às alegações das recorrentes segundo as quais as suas patentes de processo eram presumivelmente válidas e que nenhum órgão jurisdicional tinha declarado a inexistência de contrafação pelas empresas de genéricos no momento da celebração dos acordos controvertidos, importa recordar que a Comissão não estabeleceu de forma alguma, na decisão impugnada, que as patentes de processo das recorrentes não eram válidas ou que estas não tinham qualquer possibilidade de se opor à entrada dos genéricos no mercado em caso de entrada com risco, mas que existia uma incerteza a este respeito, incerteza que foi consideravelmente reduzida ou eliminada pelos acordos controvertidos (n.os 336, 363 e 429, supra).

527    Além disso, as avaliações internas da Lundbeck relativas às possibilidades de a patente sobre a cristalização ser declarada inválida foram utilizadas principalmente pela Comissão na decisão impugnada para demonstrar que a Lundbeck e as empresas de genéricos eram concorrentes potenciais no momento da celebração dos acordos controvertidos (v. n.° 96, supra, e considerando 627 da decisão impugnada). Independentemente do contexto em que esta declaração foi efetuada, ou da identidade do seu autor, daí decorre efetivamente, como a Comissão constatou na decisão impugnada, que existia uma incerteza quanto à questão de saber se as patentes da Lundbeck permitiram bloquear qualquer entrada das empresas de genéricos no mercado e que estas dispunham de possibilidades reais e concretas a este respeito no momento da celebração dos acordos controvertidos. Aliás, as recorrentes reconhecem que os processos de declaração de nulidade a nível nacional se caracterizavam por uma aleatoriedade significativa.

528    Em segundo lugar, as recorrentes consideram erradamente que a decisão impugnada não se baseia em nenhum documento concreto para estabelecer uma ligação entre os acordos controvertidos e o lançamento do escitalopram. Com efeito, a decisão impugnada baseia‑se nomeadamente, a este respeito, num excerto do plano estratégico da Lundbeck para o ano de 1993 (considerando 135), num documento preparado para uma reunião do conselho de administração da Lundbeck de 24 de abril de 1998 (considerando 136), num documento da Lundbeck de 24 de setembro de 1999 (considerando 138), no plano estratégico de atividade e no orçamento da Lundbeck para os anos de 1999 (considerando 137), 2001 (considerando 139) e 2002 (considerando 140), e nas notas escritas numa reunião de estratégia da Lundbeck no início do ano de 2003 (considerando 141). Este documento demonstra, por exemplo, que a Lundbeck pretendia combater os genéricos para criar uma oportunidade para mudar para o escitalopram. Além disso, no seu plano estratégico de atividade e no seu orçamento para o ano de 2003, a Lundbeck concluiu que a entrada no mercado dos genéricos, inicialmente prevista para o primeiro quadrimestre do ano de 2002, tinha sido reportada de forma bastante eficaz até ao mês de outubro de 2002 e que era evidente que a inexistência de genéricos tinha tido um efeito positivo no desenvolvimento de vendas do Cipralex (escitalopram) em 2003 (considerando 206 da decisão impugnada).

529    Em terceiro lugar, é igualmente em vão que as recorrentes evocam uma desvirtuação dos elementos do processo Lagap no Reino Unido, na decisão impugnada. Com efeito, das provas apresentadas pela Comissão, que, de resto, não são postas em causa pelas recorrentes, resulta que, embora no âmbito deste processo, as recorrentes tenham efetivamente alegado que o citalopram produzido pela Matrix violava a patente sobre a cristalização, tratava‑se, contudo, novamente da sua apreciação subjetiva, uma vez que essa alegação nunca tinha sido confirmada pelo tribunal chamado a dirimir o processo, dado que as recorrentes preferiram fazer cedências à Lagap para evitarem uma derrota que, segundo os seus próprios termos, teria sido «humilhante» e que «teria sido utilizada contra elas noutros órgãos jurisdicionais» (considerando 160 da decisão impugnada). As recorrentes não demonstraram de que modo é que a decisão impugnada desvirtuou os elementos de prova que aí figuravam este respeito.

530    As recorrentes afirmam, não obstante, que a AIM relativa à fase de lavagem suplementar (ou seja, o processo Matrix II) não foi concedida até 3 de dezembro de 2003 no Reino Unido, pelo que o citalopram genérico comercializado antes desta data no Reino Unido se baseava no processo Matrix I, que, em seu entender, violava as suas patentes na medida em que era baseado em dados falsificados. Todavia, isso nunca foi demonstrado, pelo contrário, uma vez que resulta do considerando 155 da decisão impugnada que, numa decisão provisória de 14 de fevereiro de 2003, o tribunal do Reino Unido chamado a dirimir o litígio contra a Lagap declarou que «a Lundbeck passava a estar obrigada a admitir que a sua convicção firme e inabalável de que era impossível a Lagap e os seus fornecedores utilizarem um processo não contrafeito carecia de fundamento», pelo que as recorrentes não podem invocar uma desvirtuação da prova a esse respeito.

531    Em quarto lugar, no que respeita à alegação das recorrentes de que as suas operações com os produtores de IFA tinham unicamente por objetivo encontrar uma solução para os problemas de capacidade com que se confrontavam, há que observar que tal explicação é pouco provável, à luz dos elementos de prova apresentados pela Comissão nos considerandos 172 e seguintes da decisão impugnada. Em particular, é difícil compreender por que motivo era indispensável ou até mesmo útil a Lundbeck comprar a empresa italiana VIS Farmaceutici SpA (a seguir «VIS») e retirar o seu DMF do pedido da AIM da Tiefenbacher, que estava pendente nas autoridades neerlandesas (considerando 176 da decisão impugnada), a fim de resolver tais problemas de capacidade.

532    Por último, as recorrentes afirmam erradamente que a decisão impugnada constatou que as ações por contrafação falharam. Esta decisão reconhece que, numa primeira fase, as recorrentes puderam obter injunções em alguns órgãos jurisdicionais ou embargos em alguns Estados, mas que, na sequência da passagem de várias empresas de genéricos no processo Matrix II, estas foram revogadas, rejeitadas ou conduziram a transações. A decisão impugnada conclui unicamente que, no momento da celebração dos acordos controvertidos, nenhum órgão jurisdicional do EEE tinha constatado que a patente sobre a cristalização era válida e que tinha sido violada (considerando 185 da decisão impugnada), o que, de resto, as recorrentes não contestam (n.° 145, supra).

533    Tendo em consideração o exposto, há que julgar o quinto fundamento inoperante ou, em qualquer caso, improcedente.

G –  Quanto ao sexto fundamento, relativo a um erro manifesto de apreciação dos factos na medida em que a decisão impugnada conclui que os acordos controvertidos previam restrições que excediam as restrições inerentes ao exercício dos direitos conferidos pelas patentes da Lundbeck

534    As recorrentes alegam que a decisão impugnada enferma de um erro manifesto de apreciação na parte em que não examina todas as circunstâncias que rodeiam os acordos controvertidos e conclui erradamente que estes previam restrições que excediam as restrições inerentes ao exercício dos direitos que as suas patentes lhes conferiam. Cada um dos acordos controvertidos mantinha‑se no âmbito de aplicação das suas patentes e apenas impediu a venda do citalopram contrafeito.

535    Em primeiro lugar, as recorrentes consideram que a decisão impugnada conclui erradamente que os acordos controvertidos impediram as empresas de genéricos de vender citalopram, incluindo aquele que não era contrafeito, e, por conseguinte, excediam os direitos decorrentes das suas patentes.

536    Alegam que, se tivessem tido a intenção de impedir as empresas de genéricos de vender qualquer tipo de citalopram, deveriam ter celebrado acordos com todos os potenciais novos operadores, quando, à data, existiam mais de 300 empresas de genéricos a vender antidepressivos no EEE. A Lundbeck não tinha qualquer motivo plausível para impedir a venda dos medicamentos não contrafeitos de apenas quatro empresas de genéricos.

537    Em segundo lugar, as recorrentes alegam que, relativamente a cada um dos acordos controvertidos, a decisão impugnada não tem em conta todas as circunstâncias em que se inserem e não examina a expressão fiel da intenção das partes, que pode resultar tanto das cláusulas de um contrato como do comportamento das empresas em causa, para concluir que excediam o âmbito de aplicação das suas patentes.

538    A Comissão contesta estes argumentos.

539    A título preliminar, importa observar, à semelhança do que fez a Comissão, que, embora os acordos controvertidos não excedessem o âmbito de aplicação das patentes das recorrentes, constituíam restrições da concorrência por objetivo na aceção do artigo 101.°, n.° 1, TFUE, uma vez que consistiram em acordos que visavam adiar a entrada das empresas de genéricos no mercado, em troca de pagamentos compensatórios significativos (v. segundo, terceiro e quarto fundamentos, supra), que transformaram a incerteza relativa a tal entrada na certeza de que esta não teria lugar durante a vigência dos acordos controvertidos (n.° 363, supra).

540    O presente fundamento é, assim, inoperante.

541    Contudo, há que examinar os argumentos das recorrentes a este respeito, a título subsidiário, na medida em que a Comissão considera que as recorrentes não cumprem os requisitos que as próprias estabeleceram, dado que as restrições contratuais previstas nos acordos controvertidos não se limitavam aos produtos potencialmente contrafeitos e excediam o âmbito de aplicação das patentes em causa.

1.     Acordo GUK para o Reino Unido

542    Segundo as recorrentes, a decisão impugnada erra quando considera, em primeiro lugar, que a obrigação de a Merck (GUK) não lançar citalopram baseado apenas no IFA da Natco aplicava‑se independentemente da questão de saber se o IFA da Natco era, ou não, contrafeito e, em segundo lugar, se a obrigação de compra exclusiva prevista neste acordo impedia a Merck (GUK) de vender qualquer outra versão genérica de citalopram.

543    A Comissão contesta estes argumentos.

544    Em primeiro lugar, as recorrentes consideram que a decisão impugnada conclui erradamente que o acordo GUK para o Reino Unido impedia as vendas do citalopram da Natco, independentemente da questão de saber se este era contrafeito. Alegam que o acordo GUK para o Reino Unido era relativo a um único produto, designadamente, o citalopram da Natco, que a Lundbeck tinha submetido a testes e considerado que violava as suas patentes.

545    A decisão impugnada baseia‑se erradamente nas declarações que figuram em dois correios eletrónicos internos da Merck (GUK) para concluir que as patentes da Lundbeck, no caso em apreço a patente sobre a cristalização, nem eram válidas nem tinham sido violadas e que nenhum dos pedidos de patente publicados colocava problemas. Por outro lado, a decisão impugnada não tem em conta outros documentos da Merck (GUK) contemporâneos dos factos, que demonstram que esta tinha um grande receio de que o IFA da Natco violasse as patentes da Lundbeck, nem o facto de, no decurso do procedimento administrativo, a Merck (GUK) ter admitido que não estava segura de que o processo da Natco não violava as patentes de processo da Lundbeck.

546    Além disso, as recorrentes consideram que o acordo GUK para o Reino Unido não podia em caso algum abranger o citalopram produzido segundo processos diferentes e não contrafeitos, uma vez que a Natco e a Merck (GUK) não poderiam ter recorrido a um novo medicamento no curto período de duração desse acordo.

547    Importa recordar, a este respeito, que resulta explicitamente do ponto C do preâmbulo do acordo GUK para o Reino Unido que a Merck (GUK) não aceitou que o seu produto fosse considerado contrafeito, mas que, em contrapartida, reconheceu que existia o risco de ser intentado um processo judicial em matéria de patentes, o que poderia causar atrasos e inconvenientes.

548    Além disso, há que observar como fez a Comissão no considerando 768 da decisão impugnada, que o acordo GUK para o Reino Unido nem sequer identificava qual a patente das recorrentes que teria sido violada.

549    Por conseguinte, as recorrentes alegam erradamente, de novo, que os produtos genéricos da Merck (GUK) eram contrafeitos, sendo que tal afirmação se baseia apenas na sua própria perceção subjetiva (n.° 221, supra). O facto de a Merck (GUK) poder ter tido dúvidas quanto ao caráter contrafeito dos seus produtos só confirma o grau de incerteza em que se encontravam as recorrentes e as empresas de genéricos no momento da celebração dos acordos controvertidos, mas não permite em caso algum estabelecer que o IFA da Natco era contrafeito. Além disso, os elementos de prova objetivos em que a Comissão se baseou na decisão impugnada demonstram antes que a Merck (GUK) estava confiante em relação às suas possibilidades de vencer um litígio contra a Lundbeck (n.° 125, supra).

550    Tendo os outros argumentos das recorrentes já sido rejeitados no âmbito do exame ao primeiro fundamento relativo à concorrência potencial, há que remeter para o exame deste fundamento e para os n.os 207 a 236, supra, no que respeita à situação da Merck (GUK) em particular.

551    Por conseguinte, o argumento das recorrentes de que a Comissão concluiu erradamente que o acordo GUK para o Reino Unido tinha limitado as vendas do citalopram da Natco, independentemente da questão de saber se este era contrafeito, deve ser rejeitado.

552    Em segundo lugar, as recorrentes consideram que a decisão impugnada conclui erradamente que a cláusula de exclusividade prevista no n.° 3.2 do acordo GUK para o Reino Unido impedia a Merck (GUK) de integrar o mercado com outra versão genérica do citalopram, quer sob a forma de produto acabado ou sob a forma de IFA. Em seu entender, o n.° 3.2 apenas impôs à Merck (GUK) a obrigação de comprar placas alveoladas de 28 comprimidos de Cipramil de 20 mg exclusivamente à Lundbeck e não limitou a liberdade de a GUK comprar a terceiros medicamentos acabados que contêm citalopram que não sejam da Lundbeck, ou citalopram sob qualquer outra forma, por exemplo, o IFA citalopram.

553    Contrariamente ao que a Comissão alega na decisão impugnada, tal interpretação faz sentido, uma vez que, na falta de tal cláusula, a Merck (GUK) poderia ter comprado o Cipramil da Lundbeck a terceiros, como os grossistas, o que teria reduzido a zero o objetivo da Lundbeck de aumentar todas as vendas deste medicamento no Reino Unido.

554    Além disso, a decisão impugnada reconhece que, «caso se interpretem de forma literal os termos utilizados nestas disposições, é possível que a Merck (GUK) não tenha sido efetivamente impedida, no n.° 3.2, de comprar o IFA citalopram a terceiros» (considerando 781). Todavia, a decisão impugnada conclui erradamente que a Merck (GUK) foi impedida de comprar o IFA citalopram a terceiros, na medida em que esta não tinha qualquer incentivo para fazê‑lo. Com efeito, por um lado, a Merck (GUK) tinha a liberdade de vender o citalopram não proveniente da Lundbeck, sob a forma de produto acabado, exceto o citalopram contrafeito da Natco e, por outro, se, ao comprar o IFA citalopram a terceiros, a Merck (GUK) violou o artigo 1.3 do seu acordo com a Schweizerhall, nos termos do qual se comprometia a comprar todas as suas necessidades anuais de IFA citalopram à Schweizerhall (considerando 783), a Lundbeck desconhecia esta disposição e, assim, não podia ter consciência da alegada falta de incentivo da Merck (GUK) para comprar o IFA a terceiros. Em qualquer caso, tal falta de incentivo não resulta do acordo GUK para o Reino Unido e, consequentemente, não pode ser invocada para definir o âmbito de aplicação deste.

555    A Comissão contesta estes argumentos e recorda que o n.° 3.2 do acordo GUK para o Reino Unido prevê que «a GUK aceita adquirir exclusivamente os produtos acabados à [Lundbeck] para uma revenda pela GUK e pelas suas sociedades afiliadas». Esta disposição significa, no seu sentido comum, que a Merck (GUK) apenas podia adquirir os produtos acabados à Lundbeck, com exclusão de outros fornecedores. Esta interpretação é confirmada pelo ponto D do preâmbulo, que prevê que «além disso, as partes acordaram que a GUK comprará as suas necessidades de produtos acabados à [Lundbeck]». As recorrentes admitiram inclusivamente no decurso do procedimento administrativo que a Merck (GUK) «[tinha] aceitado comprar as suas necessidades de citalopram exclusivamente à Lundbeck para revenda no Reino Unido». Ora, estes compromissos excedem claramente o âmbito de aplicação das patentes da Lundbeck.

556    A Comissão rejeita a interpretação proposta pelas recorrentes, segundo a qual os termos «produtos acabados» se referem unicamente ao Cipramil da Lundbeck. Com efeito, estes termos são definidos no artigo 1.1 do acordo como «os produtos que contêm citalopram sob a forma de embalagem acabada que a [Lundbeck] deve fornecer à GUK em conformidade com o presente acordo». A interpretação proposta pelas recorrentes torna redundante o termo «exclusivamente», uma vez que é evidente que a Merck (GUK) apenas poderia ter comprado o Cipramil da Lundbeck à Lundbeck. O termo «exclusivamente» significa, assim, que a Merck (GUK) devia comprar todas as suas necessidades de citalopram sob a forma de produto acabado à Lundbeck. Além disso, há que interpretar esta disposição tendo em conta a intenção das recorrentes, que era evitar uma presença independente das empresas de genéricos no mercado.

557    Quanto à compra do IFA de citalopram a terceiros, a decisão impugnada reconheceu que uma interpretação literal do artigo 3.2 do acordo GUK para o Reino Unido, inquestionavelmente, não impedia a compra de IFA a terceiros. Todavia, a decisão impugnada concluiu que, tendo em conta o acordo de fornecimento celebrado entre a Merck (GUK) e a Schweizerhall em maio de 2011, cujas condições reforçaram as do acordo GUK para o Reino Unido, a Merck (GUK) já não tinha qualquer incentivo para comprar o IFA citalopram a terceiros. Com efeito, mesmo se a Merck (GUK) tivesse comprado o IFA não proveniente da Natco para produzir e vender, por si mesma, um produto acabado, teria corrido o risco de não cumprir a obrigação que lhe incumbe, em virtude do acordo GUK para o Reino Unido, de «comprar as suas necessidades» de citalopram sob a forma de produtos acabados exclusivamente à Lundbeck.

558    A este respeito, à semelhança do que fazem as recorrentes, importa considerar que a interpretação do n.° 3.2 do acordo GUK para o Reino Unido adotada pela Comissão na decisão impugnada, segundo a qual a Merck (GUK) se comprometeu a comprar exclusivamente o citalopram sob a forma de produtos acabados proveniente da Lundbeck para os comercializar no Reino Unido, com exclusão de qualquer outro citalopram, não pode ser acolhida.

559    De facto, resulta claramente da definição de «produtos acabados» no n.° 1.1 do acordo GUK para o Reino Unido (n.° 26, supra) que estes se referem aos produtos acabados provenientes da Lundbeck, ou seja, ao Cipramil. Assim, mediante esta cláusula, a Merck (GUK) comprometeu‑se apenas a comprar os comprimidos de Cipramil da Lundbeck, para os revender no Reino Unido, em virtude de um acordo de distribuição. O termo «exclusivamente» utilizado nesta disposição não significa, ao contrário do que afirma a Comissão, que a Merck (GUK) se comprometeu a comprar e a vender exclusivamente citalopram sob a forma de produtos acabados provenientes da Lundbeck, com exclusão de qualquer outro citalopram, mas que se comprometeu a comprar o Cipramil, para revenda no Reino Unido, unicamente à Lundbeck, com exclusão de outros fornecedores. Contrariamente ao que afirma a Comissão no considerando 779 da decisão impugnada, tal interpretação não é absurda, uma vez que o termo «exclusivamente» que figura no n.° 3.2 podia, assim, ter como objetivo evitar que a Merck (GUK) pudesse adquirir Cipramil a grossistas ou a fornecedores distintos da Lundbeck, em conformidade com o objetivo desta de aumentar o volume de vendas do Cipramil.

560    Além disso, a Comissão baseia‑se erradamente no ponto D do preâmbulo do acordo GUK para o Reino Unido, cuja redação é, no essencial, idêntica ao n.° 3.2 do acordo, para sustentar a sua interpretação, uma vez que neste artigo é também feita referência aos «Produtos acabados» em maiúsculas, que são claramente definidos no n.° 1.1 do mesmo acordo.

561    Por outro lado, tal como a própria Comissão admite no considerando 781 da decisão impugnada, uma interpretação textual do n.° 3.2 do acordo GUK para o Reino Unido conduz à conclusão de que esta disposição não impedia a Merck (GUK) de se abastecer de citalopram sob a forma de IFA junto de terceiros.

562    Com efeito, importa observar que o n.° 2.2 do acordo GUK para o Reino Unido prevê unicamente que a Merck (GUK) se compromete a entregar à Lundbeck todos os seus «Produtos», que são definidos no n.° 1.1 do acordo como os «produtos de citalopram […] sob a forma de matéria‑prima, a granel ou sob a forma de comprimidos, tais como especificados em Anexo, e manufaturados em conformidade com a especificação de produtos tal como fornecida pela GUK à data da assinatura [do acordo], junta no Anexo 2». Ora, este anexo refere efetivamente o IFA da Natco. Isto implica que a Merck (GUK) estava apenas obrigada, nos termos desta disposição, a entregar as suas existências de citalopram, já constituídas no momento da assinatura do acordo, e não qualquer outro tipo de citalopram genérico, proveniente de produtores distintos da Natco, que poderia ter adquirido posteriormente. Por outro lado, a Comissão reconhece no considerando 763 da decisão impugnada que esta obrigação visava apenas o IFA da Natco.

563    No considerando 783 da decisão impugnada, a Comissão entendeu, não obstante que, caso a Merck (GUK) se tivesse abastecido de citalopram sob a forma de IFA junto de terceiros, teria violado o n.° 1.3 do contrato de abastecimento que celebrou com a Schweizerhall, nos termos do qual a Merck (GUK) lhe compraria 100% das suas necessidades anuais de citalopram genérico (n.° 210, supra). A Comissão considerou, por conseguinte, na nota de rodapé n.° 1435 da decisão impugnada, que, apesar de ser formalmente possível a Merck (GUK) entrar no mercado com um citalopram genérico proveniente de fontes distintas da Natco em virtude do acordo GUK para o Reino Unido, isso não era possível devido ao acordo Schweizerhall. Ora, segundo a Comissão, estes dois acordos reforçavam‑se mutuamente, pelo que deviam ser lidos em conjunto.

564    Contudo, há que observar, à semelhança do que fizeram as recorrentes, que, mesmo admitindo que tivessem conhecimento de que a Merck (GUK) estava obrigada a abastecer‑se de citalopram genérico exclusivamente junto da Natco, em virtude do contrato de abastecimento celebrado com a Schweizerhall, tal obrigação não decorre das disposições do acordo GUK para o Reino Unido mas do acordo Schweizerhall.

565    Ora, a Comissão não pode basear‑se nas disposições de outro acordo que não dizem respeito às mesmas partes para determinar o conteúdo das cláusulas do acordo GUK para o Reino Unido e, em particular, para estabelecer se essas cláusulas previam restrições que excediam o âmbito de aplicação das patentes da Lundbeck ou não. Com efeito, tal interpretação permitiria considerar que qualquer tipo de acordo celebrado pela Merck (GUK) que previsse restrições relativas ao IFA da Natco, o qual, não obstante, era identificado como potencialmente contrafeito pelas partes no acordo GUK para o Reino Unido, excedia o âmbito de aplicação das patentes da Lundbeck, devido à obrigação de abastecimento exclusivo que decorre do acordo Schweizerhall, celebrado anteriormente e entre partes diferentes.

566    Por conseguinte, mesmo que a Lundbeck pudesse ter tido conhecimento da existência do acordo Schweizerhall, a Comissão não podia basear‑se em tal circunstância para concluir que o n.° 3.2 do acordo GUK para o Reino Unido visava, por si mesmo, impedir a Merck (GUK) de entrar no mercado com qualquer tipo de citalopram, quer fosse proveniente, ou não, da Natco e quer fosse, ou não, julgado pelas partes como potencialmente contrafeito.

567    É certo que, tal como alega a Comissão, importa interpretar os acordos controvertidos tendo em conta não apenas os seus termos, mas igualmente o seu contexto e os objetivos que prosseguem. Todavia, tal método de interpretação não pode levar a Comissão a ignorar a redação das disposições de um acordo quando esta redação é suficientemente clara.

568    Por outro lado, importa observar a este respeito que a própria Comissão afirmou, no considerando 635 e na nota de rodapé n.° 1562 da decisão impugnada, assim como em resposta a uma questão do Tribunal Geral, que o acordo Schweizerhall poderia ter sido ser resolvido em caso de contrafação das patentes da Lundbeck (v. n.° 224, supra). Ora, tal interpretação do acordo Schweizerhall é dificilmente conciliável com a interpretação do acordo GUK para o Reino Unido proposta pela Comissão na decisão impugnada, segundo a qual as restrições excediam o âmbito de aplicação das patentes da Lundbeck devido à obrigação que incumbe à Merck (GUK), decorrente do acordo Schweizerhall, de se abastecer exclusivamente de citalopram genérico junto desta. Com efeito, o facto de a Merck (GUK) poder não ter tido a intenção de comprar citalopram que não era produzido pela Natco não significa que o acordo GUK para o Reino Unido continha restrições que excediam o âmbito de aplicação das patentes da Lundbeck.

569    Por conseguinte, há que declarar que a Comissão, à qual incumbe o ónus da prova a este respeito (n.os 105 a 112, supra), não fez prova bastante, na decisão impugnada, de que as restrições previstas no acordo GUK para o Reino Unido excediam o âmbito de aplicação das patentes da Lundbeck, ou seja, que tais restrições não teriam podido ser obtidas pela Lundbeck perante um tribunal competente em matéria de patentes se os produtos genéricos baseados no IFA da Natco, que a Merck (GUK) pretendia comercializar, tivessem sido considerados contrafeitos e se estas patentes tivessem resistido a eventuais pedidos reconvencionais destinados a questionar a sua validade.

570    Todavia, isto não é suscetível de ter consequências no exame da legalidade da decisão impugnada, na medida em que a alegação das recorrentes é inoperante, pelas razões adiante expostas.

571    Em primeiro lugar, há que observar que as recorrentes não contestam que, nos termos do n.° 1.1 do acordo GUK para o Reino Unido, a Merck (GUK) se comprometeu a não entrar no mercado com os seus produtos genéricos baseados no IFA da Natco e que, nos termos dos n.os 2.2 e 2.3 do mesmo acordo, esta se comprometeu a entregar‑lhes todas as existências de citalopram que possuía (considerandos 771 e 772 da decisão impugnada), nem o facto de que pagaram uma quantia de 3 milhões de GBP à Merck (GUK) em troca deste compromisso (n.° 26, supra). De igual modo, as recorrentes não contestam que, nos termos do n.° 2.7 do acordo GUK para o Reino Unido, a Merck (GUK) se comprometeu a não conceder ou a não licenciar uma cópia das suas AIM já obtidas no Reino Unido, durante a vigência deste acordo.

572    Ora, como alega a Comissão, em qualquer caso, tais compromissos são anticoncorrenciais pelo seu próprio objeto, quer tivessem excedido o âmbito de aplicação das patentes da Lundbeck ou não, na medida em que, longe de resolver algum litígio em matéria de patentes entre as partes no acordo GUK para o Reino Unido, foram obtidos em contrapartida de pagamentos compensatórios significativos e que tinham por objetivo impedir a Merck (GUK) — e qualquer empresa que pretendesse utilizar a sua AIM — de entrar no mercado durante a vigência do acordo com os seus produtos genéricos, baseados no IFA da Natco, nos quais tinha fundamentado até então toda a sua estratégia para entrar no mercado.

573    Conforme a Comissão sublinhou nos considerandos 641 e 820 da decisão impugnada, o que importa, a este respeito, é que o acordo GUK para o Reino Unido transformou a incerteza quanto ao desfecho de eventuais ações por contrafação na certeza de que a Merck (GUK) não entraria com os seus produtos genéricos no mercado durante a vigência deste acordo, apesar de as limitações à autonomia comercial da Merck (GUK) não resultarem exclusivamente de uma análise, efetuada pelas partes no acordo, das patentes da Lundbeck, mas antes da importância do pagamento compensatório que, em tal caso, prevaleceu sobre esta avaliação e incentivou a empresa de genéricos a não prosseguir os seus esforços para entrar no mercado.

574    Em segundo lugar, importa observar, por acréscimo, que a Comissão entendeu acertadamente, no considerando 784 da decisão impugnada, que a Merck (GUK) já não tinha qualquer incentivo, devido às disposições do acordo GUK para o Reino Unido, consideradas no seu contexto, para adquirir citalopram sob a forma de IFA a terceiros ou para vender citalopram sob a forma de produtos acabados distinto do citalopram da Lundbeck, mesmo que, em princípio, tivesse liberdade para o fazer em virtude deste acordo.

575    Com efeito, há que assinalar, antes de mais, que a Merck (GUK) se comprometeu, nos termos do n.° 3.2 do acordo GUK para o Reino Unido, a vender o Cipramil da Lundbeck no Reino Unido durante a vigência do acordo e que, nos termos do n.° 6.2 deste acordo, o pagamento de um montante de 5 milhões de GBP, qualificado de «lucros líquidos», estava condicionado à venda de um determinado volume destes medicamentos no Reino Unido durante a vigência do acordo. Importa recordar, além disso, que esta quantia devia ser paga em várias prestações, o que permitia à Lundbeck garantir a boa execução do acordo.

576    Assim, mesmo que a Merck (GUK) teoricamente tivesse podido adquirir citalopram genérico sob a forma de IFA a terceiros e vender tipos de produtos acabados distintos dos da Lundbeck, não tinha qualquer interesse em fazê‑lo, uma vez que podia, sem correr qualquer risco, obter a quantia de 5 milhões de GBP enquanto benefícios garantidos pela venda do Cipramil nos termos do n.° 6.2 do acordo GUK para o Reino Unido, ao passo que qualquer tentativa de entrar no mercado com outros produtos genéricos a poderia ter exposto a ações por contrafação e de indemnização intentadas pela Lundbeck. Além disso, como alega a Comissão no considerando 784 da decisão impugnada, é difícil perceber o interesse de terceiros em comprar citalopram genérico sob a forma de IFA por intermédio da Merck (GUK), para o revender sob a forma de produtos acabados no Reino Unido, quando podiam adquiri‑lo ao produtor de IFA ou ao seu fornecedor privilegiado diretamente.

577    Por conseguinte, o argumento das recorrentes de que a Comissão concluiu erradamente que o acordo GUK para o Reino Unido tinha limitado as vendas de citalopram diferente do produzido a partir do IFA da Natco deve ser julgado inoperante.

2.     Acordo GUK para o EEE

578    No que respeita ao acordo GUK para o EEE, as recorrentes consideram que a decisão impugnada concluiu erradamente que o âmbito de aplicação desse acordo incluía o citalopram não contrafeito e que pretendia eliminar a Natco enquanto fornecedor de IFA.

579    Em primeiro lugar, as recorrentes consideram que a decisão impugnada concluiu erradamente que o acordo GUK para o EEE era aplicável a qualquer tipo de citalopram. A decisão impugnada realiza de forma incorreta uma interpretação textual do n.° 1.1 do acordo GUK para o EEE, que prevê que a GUK «deixará de vender e de fornecer produtos farmacêuticos que contenham citalopram», quando, no direito dinamarquês, que é o direito aplicável a este acordo, a interpretação dos acordos deve basear‑se na intenção comum das partes. Ora, a intenção das partes, corroborada pelos pontos D, F e G do preâmbulo do acordo, era de que este apenas fosse aplicável ao citalopram baseado no IFA da Natco. Além disso, há que interpretar este acordo de forma conexa e conforme ao acordo GUK para o Reino Unido, uma vez que estes dois acordos constituem, segundo a Comissão, uma infração única e continuada.

580    A interpretação efetuada pela Comissão relativamente ao n.° 1.1 do acordo GUK para o EEE também não tem em conta o facto de a Merck dura, uma filial alemã da Merck, continuou a vender o citalopram da Tiefenbacher na Alemanha a partir de 15 de abril de 2002 e durante todo o período abrangido pelo acordo GUK para o EEE e que a Lundbeck intentou uma ação por contrafação contra a Merck dura em vez de executar o referido acordo. Ora, nos termos do n.° 1.1 deste, que prevê uma proibição de a Merck (GUK) vender e fornecer produtos que contêm citalopram, a Merck dura era uma «parte afiliada» da Merck (GUK) na aceção desta disposição, o que implica que a expressão «produtos que contêm citalopram» só pode referir‑se ao citalopram da Natco e não a qualquer tipo de citalopram.

581    Por último, as recorrentes criticam a conclusão da Comissão formulada no considerando 845 da decisão impugnada, segundo a qual, não é lógico que decorra do simples facto de a Merck (GUK) fazer parte de um contrato nos termos do qual devia satisfazer todas as suas necessidades abastecendo‑se junto da Natco até 2008, que o seu compromisso de não vender citalopram durante a vigência do acordo GUK para o EEE deveria também ser limitado ao citalopram da Natco. Tal conclusão contradiz claramente a argumentação da decisão impugnada relativa ao acordo GUK para o Reino Unido, segundo a qual o compromisso contratual da Merck (GUK) de satisfazer todas as suas necessidades abastecendo‑se junto da Natco demonstra que a Merck (GUK) não tinha incentivos para vender IFA ou produtos acabados de terceiros nessa base.

582    Em segundo lugar, as recorrentes consideram que a decisão impugnada concluiu erradamente que o acordo celebrado com a Merck (GUK) relativamente ao EEE visava eliminar a Natco enquanto fornecedor de IFA.

583    Contestam o facto de o n.° 1.1 do acordo GUK para o EEE, nos termos do qual a Merck (GUK) «dev[er] desenvolver os seus melhores esforços para garantir que a Natco deix[asse] de fornecer citalopram e medicamentos que [contivessem] Citalopram no Território», tenha sido concebido para eliminar a Natco enquanto fornecedor de IFA. Esta disposição constituía um simples instrumento para garantir que a Merck (GUK) não poderia contornar o referido acordo e vender citalopram contrafeito baseado no IFA da Natco através, por exemplo, de uma sociedade distinta. É baseada no facto de a Lundbeck acreditar — erradamente —, pelo menos até junho de 2002, que a Merck (GUK) era o distribuidor exclusivo da Natco. Por outro lado, se a Comissão reconhece, relativamente ao acordo GUK para o Reino Unido, que as restrições impostas ao IFA da Natco não estavam fora do âmbito de aplicação das patentes da Lundbeck, a mesma conclusão deveria ser aplicada às restrições contratuais previstas no acordo GUK para o EEE.

584    A Comissão contesta estes argumentos.

585    Importa observar, a este respeito, que a redação do primeiro período do n.° 1.1 do acordo GUK para o EEE prevê que a Merck (GUK) «compromete‑se a deixar de vender e de abastecer‑se de produtos farmacêuticos que contêm citalopram no território do EEE (incluindo, sem limitação, deixar de vender e de abastecer‑se de NM Pharma AB) durante a vigência do acordo», sem mais explicações.

586    Os pontos D e E do preâmbulo deste acordo fazem certamente referência ao facto de que a Merck (GUK) era o distribuidor de produtos que continham citalopram fabricado ou entregue pela Natco e ao facto de que a venda e o abastecimento pela Merck (GUK) de produtos que continham citalopram no Reino Unido tinham sido efetuados sem licença da Lundbeck.

587    No entanto, isto não permite confirmar a interpretação das recorrentes, segundo a qual o n.° 1.1 do acordo GUK para o EEE visava unicamente o citalopram da Natco.

588    Com efeito, se as partes no acordo GUK para o EEE tivessem pretendido visar unicamente o citalopram da Natco, teriam expressamente feito referência, no n.° 1.1 do acordo, a este citalopram, tal como no preâmbulo do acordo, e não aos «produtos farmacêuticos que contêm citalopram», de forma geral, como alega acertadamente a Comissão. Poderiam ter igualmente definido o termo «citalopram» de modo a precisar que este apenas abrangia alguns tipos de citalopram produzidos segundo determinados métodos, como no âmbito do acordo UK (v. n.° 562, supra).

589    Além disso, a interpretação proposta pelas recorrentes é pouco plausível quando confrontada com a redação do n.° 1.3 do acordo GUK para o EEE, nos termos do qual a Lundbeck se comprometeu a não intentar qualquer ação judicial contra a Merck (GUK) desde que esta respeitasse o n.° 1.1 do acordo. Caso a interpretação das recorrentes fosse aceite, isto significaria efetivamente que a Lundbeck se teria comprometido a não intentar qualquer ação por contrafação contra a Merck (GUK) desde que esta não vendesse ou fornecesse o citalopram da Natco no EEE, mesmo se vendesse outra versão do citalopram proveniente de outro produtor. Isto é dificilmente compatível com o contexto em que os acordos controvertidos foram celebrados, que demonstra, nomeadamente, que a Lundbeck tinha a firme intenção de impedir qualquer entrada dos genéricos no mercado.

590    As recorrentes alegam, não obstante, que a Merck dura, uma filial alemã da Merck (GUK), pôde entrar no mercado do citalopram na Alemanha, apesar de ser uma parte afiliada na aceção do n.° 1.1 do acordo GUK para o EEE, o que implica que a expressão «produtos que contêm citalopram», utilizada no referido número, apenas podia referir‑se ao citalopram da Natco e não a qualquer tipo de citalopram.

591    Importa observar, todavia, à semelhança do que fez a Comissão, que o n.° 1.1 do acordo para o EEE só era aplicável à Merck (GUK), tal como o restante acordo, devido ao efeito relativo deste contrato, pelo que a obrigação de Merck (GUK) não vender citalopram genérico às suas sociedades afiliadas não significa que estas sociedades afiliadas, tais como a Merck dura, não se podiam abastecer junto de outra fonte e vender citalopram genérico por si mesmas, como fez a Merck dura no caso em apreço ao abastecer‑se junto da Tiefenbacher. Assim, não pode deduzir‑se do facto de a Merck dura ter entrado no mercado alemão durante a vigência do acordo para o EEE, nem do facto de as recorrentes terem intentado ações por contrafação contra esta, que os termos «produtos que contêm citalopram», utilizados no n.° 1.1 deste acordo, não visavam qualquer tipo de citalopram, mas unicamente o citalopram da Natco.

592    Por conseguinte, ao prever uma obrigação de a Merck (GUK) não vender ou fornecer produtos que contêm citalopram aos seus associados ou a qualquer terceiro (incluindo a NM Pharma, que tinha começado a vender o citalopram na Suécia) durante a vigência do acordo GUK para o EEE, o n.° 1.1 deste acordo previa restrições que excediam o âmbito de aplicação das patentes da Lundbeck, uma vez que tal obrigação não era limitada ao citalopram considerado potencialmente contrafeito pelas partes neste acordo.

593    Além disso, importa recordar que o n.° 1.1 do acordo GUK para o EEE previa não só a obrigação de a Merck (GUK) não vender ou fornecer produtos que contivessem citalopram durante a vigência do acordo, mas também que esta faria todos os esforços razoáveis para garantir que a Natco deixava de abastecer o território do EEE de citalopram e de produtos que contêm citalopram durante a vigência do acordo.

594    Ora, nada indica que tal obrigação era um compromisso pouco importante ou até inexistente ou que se baseava na convicção errada das recorrentes de que a Merck (GUK) era o distribuidor exclusivo da Natco. Com efeito, como alega a Comissão, esta cláusula foi considerada suficientemente importante pelas partes no acordo para condicionar o pagamento de uma quantia de 12 milhões de euros. Por outro lado, o n.° 1.2 do acordo GUK para o EEE previa expressamente que a Lundbeck não teria de efetuar pagamentos ainda não vencidos na hipótese de a Natco fornecer citalopram ou produtos que contivessem citalopram no território do EEE durante a vigência do acordo.

595    Assim, mesmo que a Merck (GUK) não tivesse a capacidade de impedir a Natco de fornecer citalopram no território do EEE, como alegam as recorrentes, não deixa de ser verdade que o n.° 1.1 do acordo GUK para o EEE incitava fortemente a Merck (GUK) a efetuar todas as diligências necessárias e «todos os esforços razoáveis» nesse sentido, sob pena de se ver privada de uma parte substancial dos pagamentos prometidos pela Lundbeck em virtude desse acordo.

596    Isto demonstra, como a Comissão constatou acertadamente no considerando 848 da decisão impugnada, que a finalidade objetiva do acordo GUK para o EEE era não só eliminar a Merck (GUK) dos mercados do EEE, enquanto vendedor de produtos genéricos baseados no citalopram da Natco, mas igualmente eliminar a Natco enquanto produtor de citalopram genérico neste território.

597    Por conseguinte, há que concluir que resulta suficientemente do conteúdo do acordo GUK para o EEE, lido no seu contexto, que a Merck (GUK), em virtude das cláusulas deste acordo, abandonou qualquer possibilidade de vender a sua versão genérica do citalopram, quer fosse proveniente da Natco ou não e quer tivesse potencialmente violado uma patente de Lundbeck ou não.

598    Deste modo, não cometeu qualquer erro a Comissão ao considerar, no considerando 846 da decisão impugnada, que o acordo GUK para o EEE e, em particular, o n.° 1.1 deste acordo, devia ser interpretado no sentido de que obrigou a Merck (GUK) a deixar de vender e de fornecer qualquer tipo de citalopram durante a vigência do acordo, em todo o território do EEE, o que excedia o âmbito de aplicação das patentes da Lundbeck.

599    Em qualquer caso, independentemente da interpretação dada a este acordo e de as restrições impostas à Merck (GUK) decorrerem, ou não, do âmbito de aplicação das patentes da Lundbeck, estas seriam, apesar de tudo, anticoncorrenciais por objetivo, na medida em que não estava demonstrado que o citalopram produzido pela Natco violava uma dessas patentes, em que a Merck (GUK) negou explicitamente que os seus produtos genéricos eram contrafeitos (v. ponto G do preâmbulo do acordo GUK para o EEE) e em que as restrições à sua autonomia comercial tinham sido induzidas por pagamentos compensatórios significativos, que constituíam a contrapartida de tais restrições (v. n.os 572 e 573, supra).

600    Além disso, conforme constatou a Comissão no considerando 847 da decisão impugnada, os acordos controvertidos não previam qualquer contrapartida às restrições em questão distintas dos pagamentos compensatórios prometidos pela Lundbeck, tal como a possibilidade de a Merck (GUK) entrar imediatamente no mercado logo que estes acordos expirassem sem ter de temer ações por contrafação intentadas pela Lundbeck, de modo que não visavam resolver qualquer litígio em matéria de patentes.

601    Por conseguinte, a alegação das recorrentes de que o acordo GUK para o EEE não previa qualquer restrição que excedesse o âmbito de aplicação das patentes da Lundbeck deve ser julgada inoperante e, qualquer caso, improcedente.

3.     Acordo Arrow UK

602    As recorrentes alegam que a Comissão cometeu um erro manifesto de apreciação ao interpretar o acordo Arrow UK no sentido de que este impedia a Arrow de vender qualquer forma de citalopram genérico durante a vigência deste acordo, que apenas dizia respeito ao citalopram que violava as suas patentes. Isto é demonstrado pelos termos deste acordo e pelas circunstâncias que rodearam a sua celebração, entre as quais, nomeadamente, a existência de um processo judicial em matéria de patentes com a Arrow e o processo Lagap.

603    A Comissão contesta estes argumentos.

604    Em primeiro lugar, as recorrentes contestam o facto de a expressão «o referido citalopram», definida no quarto considerando do preâmbulo Arrow UK e utilizada no n.° 1.1 do acordo Arrow UK (v. n.° 35, segundo e sexto travessões, supra), se referir a qualquer tipo de citalopram que Arrow poderia ter comprado à Tiefenbacher. Em seu entender, esta expressão só se refere ao citalopram que a Arrow já tinha comprado ou encomendado a esta última e que violava as suas patentes.

605    A interpretação proposta pelas recorrentes para a referida expressão, por um lado, é confirmada pelo facto, enunciado no sexto considerando do preâmbulo Arrow UK (v. n.° 35, terceiro travessão, supra), de que «o referido citalopram» tinha sido submetido a testes de laboratório e, por outro, não é posto em causa pela referência, que figura no n.° 1.1 do acordo Arrow UK, a uma proibição de importar, nomeadamente «o referido citalopram» após a segunda data de entrega definida no n.° 3.4 do acordo Arrow UK (v. n.° 35, último travessão, supra) (a seguir «segunda data de entrega»). Com efeito, esta referência só é aplicável à expressão «qualquer outro citalopram», utilizada no n.° 1.1 do acordo Arrow UK. Em qualquer caso, mesmo após a segunda data de entrega, a Arrow dispunha de comprimidos de citalopram encomendados à Tiefenbacher, que não tinham sido entregues às recorrentes.

606    Importa recordar que o n.° 1.1 do acordo Arrow UK tem a seguinte redação:

«A Arrow [UK], em seu próprio nome e em nome de todas as entidades associadas e vinculadas, compromete‑se, durante a [vigência do acordo Arrow UK] e no território do Reino Unido, a não fabricar, ceder, propor ceder, utilizar ou, após a segunda data de entrega, importar ou conservar para cessão ou outra finalidade (1) [‘] o referido Citalopram [’] ou (2) qualquer outro citalopram que, segundo a Lundbeck, viole os seus direitos de propriedade [intelectual], e, para permitir à Lundbeck determinar a existência, ou não, de uma infração, a fornecer‑lhe [durante a vigência do acordo Arrow UK] amostras suficientes para análise, pelo menos um mês antes de qualquer fabrico, importação, venda ou proposta de venda que a Arrow [UK] ameace efetuar enquanto aguarda por uma decisão final irrecorrível no [âmbito da ação por contrafação contra a Arrow] […]»

607    Para interpretar o significado a expressão «o referido citalopram», que figura no n.° 1.1 do acordo Arrow UK, há que recordar que:

–        esta expressão é uma convenção de escrita utilizada no quarto considerando do preâmbulo Arrow UK, nos termos seguintes: «a Arrow [UK] obteve uma licença junto de um terceiro para importar para o Reino Unido citalopram não fabricado pela Lundbeck ou com a autorização da Lundbeck («o referido Citalopram», tal definição inclui, para evitar qualquer dúvida, apenas o Citalopram destinado ao marketing e à venda no Reino Unido e exclui o que se destina ao marketing e à venda noutros países)»;

–        resulta do n.° 3.4 do acordo Arrow UK que a «segunda data de entrega» referida no n.° 1.1 do acordo Arrow UK é a data em que a Arrow UK devia entregar à Lundbeck a segunda parte das suas existências «do referido citalopram» e que esta entrega devia ser efetuada o mais tardar em 15 de fevereiro de 2002.

608    Nos considerandos 905, 910 a 913 e 916 da decisão impugnada, a Comissão considerou que a expressão «o referido citalopram» devia ser interpretada no sentido de que visava não apenas o citalopram que a Arrow já tinha comprado à Tiefenbacher, mas também qualquer citalopram que esta poderia comprar à mesma empresa posteriormente, mesmo apesar de o IFA utilizado já ser produzido de acordo com os processos Cipla II ou Matrix II. Para o efeito, a Comissão baseou‑se na referência efetuada no n.° 1.1 do acordo Arrow UK ao período posterior à «segunda data de entrega», tal como resulta do n.° 3.4 do acordo Arrow UK, o que, em seu entender, impede a limitação do conceito visado pela expressão «do referido citalopram» às existências que a Arrow já possuía, e na redação do quarto considerando do preâmbulo Arrow UK, do qual resulta que «o referido citalopram» é todo o citalopram produzido pela Tiefenbacher e abrangido pela sua AIM.

609    À luz dos elementos que acabam de ser recordados, há que observar que uma das obrigações previstas no n.° 1.1 do acordo Arrow UK consiste em proibir a Arrow de importar ou de conservar «o referido citalopram» após a segunda data de entrega referida no n.° 3.4 deste acordo. Ora, esta obrigação apenas tem um sentido e um efeito útil se esta expressão visar igualmente o citalopram que de facto provém da Tiefenbacher, mas que a Arrow encomendou após essa entrega. Quanto a este aspeto, importa salientar que nada na redação desta cláusula permite considerar que a obrigação referida não visa «o referido citalopram», mas apenas «qualquer outro citalopram que, segundo a Lundbeck, viola os seus direitos de propriedade [intelectual]».

610    De igual modo, a definição da expressão «do referido citalopram» que figura no quarto considerando do preâmbulo Arrow UK é formulada em termos que não podem ser interpretados no sentido de que apenas visam o citalopram que a Arrow já tinha comprado à Tiefenbacher. Com efeito, este considerando significa que todo o citalopram abrangido pela AIM de que a Tiefenbacher dispunha estava incluído na definição da expressão «do referido citalopram». Ora, esta AIM aplicava‑se ao citalopram produzido segundo os processos Cipla I e Matrix I, independentemente do facto de que os comprimidos que a Arrow possuía eram unicamente produzidos através do processo Cipla I.

611    Embora seja verdade que o requerente ou o titular de uma AIM pode requerer à administração que a deve conceder ou que a concedeu alterações para também ampliar o alcance a outros processos, as recorrentes têm, não obstante, fundamento para afirmar que nada no considerando em causa permite estabelecer que as partes no acordo Arrow UK, quando definiram «o referido citalopram», visaram igualmente o IFA citalopram produzido segundo os processos Cipla II e Matrix II, que não estavam incluídos na «licença» referida em tal considerando. Com efeito, estes processos apenas poderiam ter sido abrangidos pela AIM da Tiefenbacher na sequência de uma alteração desta AIM.

612    Por último, esta interpretação não é posta em causa pelo facto, invocado pela Comissão, de que, no despacho de homologação Arrow (n.° 36, supra), a expressão «o referido citalopram» foi substituída pela expressão «Citalopram não produzido pela Lundbeck ou com a autorização desta». Com efeito, o despacho de homologação, apesar de ter sido adotado na sequência da celebração do acordo Arrow UK, é um instrumento jurídico distinto deste.

613    Por conseguinte, há que entender «o referido citalopram» como todo o citalopram genérico produzido pela Tiefenbacher segundo os processos utilizados pela Cipla ou pela Matrix, que a Arrow já tinha comprado à data da assinatura do acordo Arrow UK ou que poderia ter comprado posteriormente, que estava abrangido pela AIM da Tiefenbacher.

614    Em segundo lugar, de acordo com as recorrentes, a expressão «qualquer outro citalopram que, segundo a Lundbeck, viole os seus direitos de propriedade [intelectual]», utilizada no n.° 1.1 do acordo Arrow UK, não lhes conferia um direito de veto, na medida em que não podiam limitar‑se a invocar o caráter contrafeito do citalopram que a Arrow poderia ter utilizado, mas deveriam ter apresentado a prova da contrafação das suas patentes, mediante o mecanismo de amostragem previsto no referido número, o que está em conformidade com a jurisprudência resultante do acórdão Paroxetine, acima referido no n.° 240. A este respeito, as recorrentes salientam que o acordo Arrow UK não impedia a Arrow de contestar em juízo as eventuais alegações das recorrentes relativas ao facto de o citalopram que a Arrow poderia ter tentado utilizar violar as suas patentes.

615    Importa recordar que, nos considerandos 917 e 922 a 924 da decisão impugnada, a Comissão afirmou que a expressão em causa permitia à Lundbeck vetar a importação ou a venda, por parte da Arrow, de citalopram produzido segundo qualquer processo, na medida em que a Lundbeck podia limitar‑se a declarar que acreditava que um determinado processo violava os seus direitos de propriedade intelectual. A Comissão declarou igualmente que o mecanismo de amostragem previsto no n.° 1.1 do acordo Arrow UK nunca tinha sido utilizado, uma vez que a Arrow não tinha qualquer interesse em pôr em causa as alegações da Lundbeck relativas ao resultado de eventuais testes, nem sequer em lhe submeter os IFA a testar enquanto a Lundbeck efetuasse os pagamentos previstos.

616    A este respeito, importa observar que, assim como assinala acertadamente a Comissão, a Arrow, em resposta a um pedido de informações apresentado por esta em 18 de dezembro de 2008, que as próprias recorrentes anexaram à petição e que foi objeto de debate na audiência, admitiu o seguinte:

«O teste previsto [no n.° 1.1 do acordo Arrow UK] é um teste subjetivo relativo a uma alegada infração, e não a uma infração demonstrada. Por conseguinte, os produtos que contêm citalopram relativamente aos quais nenhum órgão jurisdicional declarou a inexistência de violação [dos direitos de propriedade intelectual da Lundbeck], mas que realmente não violavam [esses direitos], poderiam ter sido incluídos no âmbito de aplicação [do referido número], mas isto é bastante usual nos acordos desta natureza.»

617    Esta declaração confirma a tese da Comissão de que a Lundbeck dispunha, no essencial, de um direito de veto. Contrariamente ao que alegam as recorrentes, não é possível considerar que tal direito é equivalente à situação alegadamente criada pelo acórdão Paroxetine, acima referido no n.° 240. Com efeito, além das considerações acima expostas nos n.os 258 a 263, há que observar que o mecanismo previsto no n.° 1.1 do acordo Arrow UK não implica a intervenção de um juiz, o que acontecia claramente no caso apreciado pelo referido acórdão, precisando‑se que não é de prever que um juiz adote uma medida provisória com base em simples alegações formuladas pelo titular de uma patente supostamente violada.

618    Por outro lado, importa observar que a existência deste direito de veto não torna supérflua a parte do ponto 1.1 do acordo Arrow UK que visa «o referido citalopram», uma vez que, no que respeita a este, a Lundbeck nem sequer tinha exercido o seu direito de veto, dado que as proibições impostas à Arrow relativamente a tal citalopram eram aplicáveis sem que a Lundbeck tivesse de fazer alguma coisa além da realização dos pagamentos previstos.

619    O facto de que o teste previsto no n.° 1.1 do acordo Arrow UK, devido à sua natureza subjetiva, equivalia a conferir à Lundbeck um direito de veto, do qual a Arrow estava consciente, é corroborado pela não utilização desse teste durante toda a vigência do referido acordo. Com efeito, ainda que, durante a vigência deste acordo, a Arrow tenha continuado a procurar novas fontes de IFA, nunca apresentou amostras à Lundbeck para que esta as examinasse.

620    No que respeita a este aspeto, em primeiro lugar, importa observar que as investigações efetuadas pela Arrow para o efeito podem ser explicadas pela vontade de entrar em mercados distintos do mercado do Reino Unido. Com efeito, por um lado, a Arrow estava a preparar a sua entrada no mercado dinamarquês até ao momento da celebração do acordo Arrow dinamarquês, que ocorreu vários meses após o acordo Arrow UK. Por outro, conforme a Comissão referiu no considerando 931 da decisão impugnada, a Arrow interessava‑se igualmente pelo mercado sueco. Em segundo lugar, a Arrow tinha necessidade de uma alternativa à Tiefenbacher para levar a bom termo o seu projeto de poder, no futuro, produzir por si mesma os seus comprimidos de citalopram genérico, comprando diretamente o IFA a produtores, sem passar por um intermediário como a Tiefenbacher que transformava esse IFA em comprimidos (v. nota de rodapé n.° 1935 da decisão impugnada).

621    Por outro lado, tais investigações podiam fazer parte das diligências efetuadas para preparar o período abrangido após o expirar do acordo Arrow UK, que tinha inicialmente sido celebrado com uma duração inferior a um ano e que, posteriormente, foi prorrogado duas vezes. Estas considerações são igualmente válidas no que respeita ao facto de que, durante a vigência do acordo Arrow UK, a Arrow requereu uma alteração da AIM referente aos IFA da Cipla e da Matrix para que também abrangesse os processos Cipla II e Matrix II.

622    Estas considerações permitem também rejeitar o argumento das recorrentes de que o facto de a Arrow, mesmo após a celebração do acordo Arrow UK, ter continuado a procurar fornecedores que lhe pudessem entregar um IFA que não constituísse uma contrafação das patentes da Lundbeck confirma que este acordo só abrangia o citalopram que violava tais patentes.

623    Em terceiro lugar, as recorrentes recordam que, em conformidade com o direito inglês, que regula o acordo Arrow UK, este deve ser interpretado com base no seu objetivo comercial, que era servir de solução de substituição ao pedido de uma injunção provisória no órgão jurisdicional nacional. Ora, tal injunção só poderia ter afetado o citalopram genérico que constituísse uma contrafação das patentes da Lundbeck.

624    Todavia, há que observar que a referência feita pelas recorrentes aos princípios de direito inglês relativos à interpretação dos contratos não põe em causa a interpretação adotada pela Comissão.

625    É certamente necessário recordar que uma questão relativa à interpretação do direito nacional de um Estado‑Membro constitui uma questão de facto a respeito da qual o Tribunal Geral está, em princípio, obrigado a exercer uma fiscalização integral (n.° 258, supra).

626    Contudo, o objetivo comercial da Lundbeck, que a Arrow não podia ignorar, era impedir esta última de entrar no mercado com o citalopram genérico. Foi por este motivo que a Lundbeck pagou à Arrow os montantes ligados aos lucros que esta esperava obter com a sua entrada no mercado. Nestas circunstâncias, não é surpreendente que as partes no acordo Arrow UK tenham aceitado conceder à Lundbeck um direito de veto, também oponível ao citalopram produzido segundo os processos Cipla II e Matrix II.

627    Na realidade, tal pagamento era dificilmente compatível com a possibilidade de a Arrow manter a liberdade de começar a vender citalopram diferente do «referido citalopram», ou seja, o que é produzido segundo os processos Cipla I ou Matrix I. Com efeito, se tivesse sido de outra forma, a Arrow poderia ter beneficiado não só dos pagamentos efetuados pela Lundbeck, mas igualmente dos benefícios da entrada no mercado, por exemplo com o citalopram genérico produzido segundo os processos Cipla II ou Matrix II, enquanto a Lundbeck deveria ter assumido tanto os pagamentos como as perdas resultantes da referida entrada.

628    Em quarto lugar, as recorrentes alegam que a Comissão não pode deduzir qualquer consequência, quanto ao alcance do acordo Arrow UK, do n.° 3 da segunda adenda deste, nos termos do qual, na hipótese de ter sido demonstrado no processo Lagap que a patente sobre a cristalização era inválida, deveriam ter pago à Arrow a quantia de 750 000 GBP para que lhes fossem entregues as existências de comprimidos que esta ainda possuía. Com efeito, este pagamento era justificado pelo facto de a validade dos comprimidos em causa expirar em outubro de 2003, pelo que a Arrow não poderia tê‑los vendido no mercado. Por outro lado, as recorrentes invocam a inadmissibilidade desta acusação da Comissão, uma vez que não é suscitada nem na decisão impugnada nem na comunicação de acusações.

629    A este respeito, importa observar que este argumento é inoperante, uma vez que a interpretação do alcance do acordo Arrow UK adotada na decisão impugnada não se fundamenta de modo algum no n.° 3 da segunda adenda deste acordo. Com efeito, só no Tribunal Geral é que a Comissão invocou este número, que se limitou a referir no considerando 441 da decisão impugnada, sem daí extrair consequências.

630    Resulta do exposto que a Comissão não cometeu qualquer erro ao interpretar o n.° 1.1 do acordo Arrow UK no sentido de que visava impedir que a Arrow entrasse no mercado do Reino Unido durante a vigência deste acordo, não só com o citalopram genérico que já tinha encomendado ou comprado à Tiefenbacher, mas igualmente com qualquer outro citalopram genérico que pudesse ter obtido posteriormente, incluindo o que é produzido segundo os processos Cipla II e Matrix II.

631    Por conseguinte, improcede a presente alegação.

4.     Acordo Arrow dinamarquês

632    As recorrentes alegam que a Comissão cometeu um erro manifesto de apreciação ao interpretar o acordo Arrow dinamarquês no sentido de que impedia a Arrow de vender qualquer forma de citalopram genérico durante a vigência deste acordo, que apenas abrangia o citalopram que violasse as suas patentes.

633    Em primeiro lugar, o n.° 1.1 do acordo Arrow dinamarquês (v. n.° 39, segundo travessão, supra), lido à luz do preâmbulo e do contexto geral deste acordo, apenas se refere ao citalopram que Arrow já tinha importado e que as recorrentes tinham submetido a testes de laboratório. Trata‑se, assim, do citalopram proveniente da Tiefenbacher, que violava as suas patentes.

634    Em segundo lugar, as recorrentes afirmam que, segundo o direito dinamarquês, que rege este acordo, deve ser dada especial importância à intenção comum das partes, que era garantir o respeito das patentes das recorrentes. Deste modo, a interpretação bastante ampla adotada pela Comissão viola o direito dinamarquês.

635    Em terceiro lugar, as recorrentes invocam argumentos análogos aos referidos em relação ao acordo Arrow UK, nomeadamente no que respeita ao facto de a Arrow ter continuado a procurar outras fontes de IFA e poder ter recorrido a um órgão jurisdicional nacional para que este se pronunciasse sobre a eventual inexistência de violação das suas patentes.

636    Em quarto lugar, as recorrentes alegam que, se o acordo Arrow dinamarquês e o acordo Arrow UK constituem uma infração única e contínua, como é declarado na decisão impugnada, é inconcebível que o primeiro também se refira ao citalopram não contrafeito, quando isso não sucede em relação ao segundo.

637    A Comissão contesta estes argumentos.

638    Importa recordar que o n.° 1.1 do acordo Arrow dinamarquês tem a seguinte redação:

«A Arrow [Group] aceita anular e cessar qualquer importação, fabrico, produção, venda ou outra comercialização de produtos que contenham citalopram e que violem, segundo a Lundbeck, os direitos de propriedade intelectual desta no território [da Dinamarca] durante a vigência [do acordo dinamarquês].»

639    As recorrentes alegam que o preâmbulo do acordo Arrow dinamarquês permite compreender que o referido número deve ser interpretado no sentido de que apenas visa o citalopram que a Arrow já tinha comprado à Tiefenbacher.

640    Importa observar que, na realidade, o terceiro e o quinto considerando do preâmbulo do acordo Arrow dinamarquês, lidos à luz das precisões que figuram a seu respeito no considerando 986 da decisão impugnada, não questionadas pelas recorrentes, referem‑se ao facto de que a Arrow estava prestes a comprar uma AIM que lhe teria permitido vender na Dinamarca o citalopram genérico que tinha sido produzido a partir do IFA da Cipla ou da Matrix e que tinha sido objeto de testes de laboratório por parte da Lundbeck. O quarto considerando deste preâmbulo refere igualmente a intenção de a Arrow exportar da Alemanha para a Dinamarca citalopram a granel proveniente da Tiefenbacher.

641    Todavia, estas referências, embora expliquem o contexto em que o acordo Arrow dinamarquês foi celebrado, não bastam para pôr em causa o facto de que o n.° 1.1 deste tem uma redação clara, cujo alcance não pode ser reduzido ao alcance proposto pelas recorrentes.

642    Com efeito, se as partes neste acordo tivessem pretendido reduzir o alcance das obrigações previstas por este às existências de citalopram que a Arrow possuía, poderiam ter optado por uma redação adaptada a essa finalidade, em vez de escolherem uma bastante ampla, mas cujo alcance teve de ser limitado por uma interpretação à luz de considerandos do preâmbulo que, além disso, não estavam formulados em termos que manifestavam a vontade de introduzir limitações.

643    No que respeita mais particularmente à referência efetuada pelas recorrentes à importância da intenção comum das partes segundo o direito dinamarquês, que rege o acordo em questão, há que observar que as recorrentes não forneceram qualquer prova do facto de que esta intenção era distinta da que resulta claramente do teor do acordo e que não era posta em causa pelos considerandos do preâmbulo deste.

644    Por outro lado, o argumento das recorrentes de que, uma vez que os dois acordos que celebraram com a Arrow constituem uma infração única e continuada, deveria ser reconhecido ao acordo Arrow dinamarquês um alcance restrito por motivos de coerência com o acordo Arrow UK, também não pode ser acolhido. Com efeito, este último acordo não tem o alcance restrito que as recorrentes lhe atribuem, segundo resulta da análise acima efetuada nos n.os 604 a 629.

645    Por conseguinte, há que concluir que a Comissão não cometeu qualquer erro de apreciação ao considerar que o n.° 1.1 do acordo Arrow dinamarquês devia ser interpretado no sentido de que a Arrow não entraria no mercado dinamarquês durante a vigência deste, com nenhum citalopram genérico.

646    Tendo em consideração o exposto, a quarta parte deve ser rejeitada.

5.     Acordo Alpharma

647    As recorrentes alegam que a Comissão cometeu um erro manifesto de apreciação ao considerar que o acordo Alpharma incluía a proibição de esta empresa vender qualquer forma de citalopram genérico durante a vigência deste acordo, que apenas abrangia o citalopram genérico cuja produção violava as patentes da Lundbeck, entre as quais as duas que constam do anexo A.

648    A Comissão contesta estes argumentos.

649    Importa observar que, nos considerandos 1042, 1059 e 1061 da decisão impugnada, a Comissão interpretou o n.° 1.1 do acordo Alpharma no sentido de que, através deste, a Alpharma se comprometeu a não vender qualquer citalopram durante o período em causa ou, pelo menos, tinha aceitado limitações às suas possibilidades de vender o citalopram que excediam largamente as limitações que a Lundbeck poderia ter obtido por via contenciosa com base nas suas novas patentes.

650    Segundo as recorrentes, em primeiro lugar, a redação do n.° 1.1 do acordo Alpharma deve ser interpretada à luz do contexto e dos elementos de prova disponíveis, que permitem concluir que o termo «Citalopram» que nele figura apenas visa o citalopram que viola as suas patentes. Esta interpretação decorre da leitura do preâmbulo do acordo Alpharma e do anexo A, que demonstram que era essa a intenção das partes neste acordo.

651    Importa recordar, a este respeito, que o n.° 1.1 do acordo Alpharma prevê que a Alpharma, incluindo as suas «[f]iliais», «anula, cessa e abstém‑se de qualquer importação, […] produção […] ou venda de produtos farmacêuticos que contenham citalopram no Território […] durante o [período em causa]» e que a Lundbeck retira a ação por contrafação contra a Alpharma. É igualmente precisado que este número não se aplica a «qualquer produto que contenha escitalopram».

652    Importa constatar que o acordo Alpharma, incluindo no n.° 1.1, utiliza sempre a palavra «Citalopram» escrita com um «c» maiúsculo. De igual modo, este acordo utiliza palavras escritas com a primeira letra em maiúsculo quando usa convenções de escrita, como é o caso das palavras «Território», no segundo considerando do preâmbulo, e «Filiais», no referido n.° 1.1. Todavia, estas convenções de escrita são estabelecidas de forma expressa, com a definição precisa do seu alcance, fornecida no local em que surgem pela primeira vez. Deste modo, é evidente que «Território» é um termo utilizado para designar o conjunto formado pelos Estados‑Membros da União, a Noruega e a Suíça, ao passo que o termo «Filiais» designa qualquer sociedade que, direta ou indiretamente, controla, é controlada ou está sob controlo comum com a Alpharma ApS.

653    Em contrapartida, o acordo Alpharma não contém qualquer definição do termo «Citalopram» que permita atribuir‑lhe um significado mais restrito do que o significado próprio da denominação comum internacional do citalopram, enquanto IPA, reconhecido pela Organização Mundial da Saúde (OMS), tal como alega a Comissão.

654    Por outro lado, conforme assinalou acertadamente a Comissão no considerando 1050 da decisão impugnada, a circunstância de o n.° 1.1 do acordo Alpharma prever, in fine, que não é aplicável ao escitalopram confirma o facto de que, quando as partes neste acordo pretenderam limitar o alcance das obrigações que resultam do referido número, fizeram‑no de forma expressa.

655    A este respeito, embora a falta de um «e» maiúsculo no que respeita à palavra «escitalopram», sublinhada pelas recorrentes, revele uma incoerência na ortografia das palavras utilizadas no acordo Alpharma para se referir aos IFA, importa observar, todavia, que isso não basta para considerar que as partes deste quiseram limitar o alcance da palavra «Citalopram».

656    Em seguida, em relação ao preâmbulo do acordo Alpharma, importa observar que o primeiro considerando deste preâmbulo prevê que a «Lundbeck é titular de direitos de propriedade intelectual que incluem, em particular, patentes relativas à produção do IFA Citalopram, que incluem as patentes que constam do anexo A».

657    Resulta do sétimo considerando do preâmbulo do acordo Alpharma que a Lundbeck tinha intentado a ação por contrafação Alpharma «procurando obter uma injunção contra as vendas, por parte do [grupo] Alpharma, de produtos que contêm citalopram por violação dos direitos de propriedade intelectual da Lundbeck».

658    Por último, decorre do oitavo considerando do preâmbulo que a Alpharma reconheceu que as observações da Lundbeck relativas à infração cometida em detrimento das suas patentes eram corretas e que se comprometia a não introduzir no mercado «tais produtos».

659    A este respeito, importa observar, à semelhança do que, no essencial, a Comissão declarou no considerando 1047 da decisão impugnada, que a mera referência, no primeiro considerando do preâmbulo, ao facto de que a Lundbeck detinha patentes relativas ao «Citalopram», cuja lista figura no anexo A, não permite concluir que as partes no acordo Alpharma pretenderam, nem sequer de forma implícita, introduzir uma definição da palavra «Citalopram» não coincidente com a que é normalmente atribuída ao citalopram, sem «c» maiúsculo, ou seja, o IFA citalopram, independentemente do processo utilizado para o produzir.

660    Além disso, como observou a Comissão nos considerandos 1047 a 1049 da decisão impugnada, é certo que o sétimo e o oitavo considerando do preâmbulo recordam o contexto em que o acordo Alpharma foi celebrado, mas não são determinantes para poder atribuir à palavra «Citalopram» um significado restrito. Com efeito, por um lado, o sétimo considerando não está redigido em termos que definem essa palavra, mas refere‑se ao pedido de injunção formulado com vista à proibição da venda de produtos que contêm «Citalopram» por violação de patentes que pertencem à Lundbeck. Por outro, mesmo admitindo que, no oitavo considerando, a expressão «de tais produtos» designa unicamente os produtos que contêm o citalopram sintetizado seguindo os processos que eram visados pelo referido pedido e cujo caráter contrafeito era reconhecido pela Alpharma, essa circunstância não permite concluir que, em todo acordo Alpharma, incluindo o n.° 1.1, a palavra «Citalopram» só abrangia esses produtos.

661    Por conseguinte, na falta de limitações claras do significado do termo «Citalopram» que decorre do preâmbulo, não é possível considerar que, através de simples referências aos antecedentes da celebração do acordo Alpharma, as partes neste acordo pretenderam limitar o alcance das obrigações assumidas pela Alpharma apenas ao citalopram que reconhecidamente tinha sido produzido em violação das novas patentes da Lundbeck.

662    Em segundo lugar, as recorrentes invocam o facto de que o referido acordo visava resolver um conflito entre elas e a Alpharma cujo objeto era precisamente a violação das suas patentes por esta. Mencionam igualmente a importância do processo Lagap. 

663    A este respeito, há que observar, em primeiro lugar, que o facto de o acordo Alpharma ter sido celebrado após as recorrentes terem intentado a ação por contrafação Alpharma, que tinha especificamente por objeto os comprimidos que esta empresa já tinha recebido ou encomendado, não significa, enquanto elemento de contexto, que as obrigações previstas no n.° 1.1 deste acordo, apesar da ampla redação deste, devem ser interpretadas no sentido de que estão limitadas ao que as recorrentes poderiam ter obtido através da referida ação. Em segundo lugar, o acordo Alpharma não pôs termo a essa ação, que foi simplesmente suspensa durante a vigência deste acordo, sem qualquer garantia de que seria retirada no termo desta. Com efeito, o acordo Alpharma não prevê de modo algum que a Lundbeck não intentará posteriormente ações contra o grupo Alpharma por contrafação das suas patentes. Além disso, resulta da declaração da Lundbeck que consta do considerando 80 da decisão impugnada que esta não considerava que os acordos controvertidos, entre os quais o acordo Alpharma, permitiam pôr termo a um litígio. Em terceiro lugar, o processo Lagap, tendo sido iniciado em outubro de 2002, conforme resulta do considerando 63 da decisão impugnada, não pode ter qualquer impacto no alcance das obrigações que decorrem do n.° 1.1 do acordo Alpharma.

664    Em terceiro lugar, as recorrentes invocam uma declaração que o diretor‑geral da Alpharma encarregado do processo relevante proferiu à imprensa em 28 de fevereiro de 2002 (a seguir «declaração de 28 de fevereiro de 2002»), que menciona o facto de que o lançamento do citalopram genérico estava atrasado, mas que não era de excluir que pudesse ocorrer no fim das férias de verão se as dificuldades que decorrem das novas patentes da Lundbeck fossem entretanto resolvidas. Atendendo à duração do acordo Alpharma, esta declaração confirma que o n.° 1.1 do acordo Alpharma não se referia a todos os tipos de citalopram.

665    Importa observar que, através da declaração de 28 de fevereiro de 2002, a Alpharma, no essencial, anunciou à imprensa que iria adiar as vendas do citalopram pelo menos até ao fim do período das férias de verão e que poderia, eventualmente, abandonar o projeto relativo a tais vendas, com o fundamento de que as suas existências colocavam problemas relativamente às patentes da Lundbeck. Acrescentou que devia procurar outro produtor de IFA e obter as autorizações necessárias.

666    A este respeito, há que salientar que, conforme afirmou a Comissão no considerando 1055 da decisão impugnada, esta declaração, que é posterior à celebração do acordo Alpharma, demonstra que a alteração de planos da Alpharma era a consequência de uma decisão unilateral sua, independente dos pagamentos previstos no acordo Alpharma. Por conseguinte, à luz das considerações acima expostas nos n.os 138 e 139, não pode ser conferida a tal declaração uma força probatória significativa, tanto mais que a Alpharma, que tinha secretamente aceitado as limitações à sua autonomia comercial resultantes do acordo Alpharma em contrapartida dos pagamentos neste previstos, devia justificar, mesmo que apenas aos seus potenciais clientes, as alterações nos planos que tinha anunciado anteriormente. Daí decorre que a declaração de 28 de fevereiro de 2002 não é um elemento de contexto importante para interpretar o alcance do acordo Alpharma.

667    Em qualquer caso, deve ser observado que, embora a Alpharma tenha referido que eventualmente poderia entrar no mercado depois do verão, também evocou a possibilidade de renunciar ao projeto, possibilidade que está em conformidade com a interpretação do acordo Alpharma adotada pela Comissão.

668    Nestas circunstâncias, tal declaração não permite concluir que o n.° 1.1 do acordo Alpharma apenas se referia ao citalopram produzido segundo processos cujo caráter contrafeito era admitido.

669    Em quarto lugar, as recorrentes referem o despacho de homologação Alpharma (v. n.° 45, supra), cujo conteúdo é relevante para interpretar o n.° 1.1 do acordo Alpharma, na medida em que este despacho foi proferido para pôr termo à ação por contrafação Alpharma. A este propósito, as recorrentes sublinham que o referido despacho precisa que o alcance das restrições impostas à Alpharma está limitado ao citalopram que viola as suas patentes. Por outro lado, as recorrentes contestam a tese proposta na decisão impugnada, segundo a qual o despacho de homologação Alpharma tinha sido redigido em termos menos restritivos do que os do n.° 1 do acordo Alpharma, porque, de outro modo, teria sido difícil um tribunal aprová‑lo. Salientam que seria igualmente difícil um tribunal assegurar o respeito do referido número, tal como interpretado pela Comissão.

670    A este respeito, é verdade que o despacho de homologação Alpharma de 2 de maio de 2002 é redigido nos termos recordados pelas recorrentes (n.° 45, supra), que claramente incluem limitações ao comportamento da Alpharma menos extensas do que as que decorrem do n.° 1.1 do acordo Alpharma, tal como interpretado pela Comissão na decisão impugnada.

671    É igualmente verdade que existe uma ligação entre este despacho e o acordo Alpharma. Com efeito, este foi adotado para suspender a ação por contrafação contra a Alpharma, precisamente por o referido acordo ter sido celebrado.

672    Não obstante, estes elementos não bastam para acolher uma interpretação do n.° 1.1 do acordo Alpharma que coincida com o alcance do despacho de homologação Alpharma.

673    Com efeito, conforme a Comissão declarou no considerando 1054 da decisão impugnada, trata‑se de dois instrumentos jurídicos separados. O que conta, para que o acordo Alpharma poder ter constituído a razão de ser do despacho de homologação Alpharma, é que as obrigações aceites pela Alpharma em virtude do acordo Alpharma são suficientes para que, durante a vigência deste, a Lundbeck deixasse de ter interesse em intentar a ação por contrafação contra a Alpharma, que se limitava à questão de saber se esta já estava a violar as novas patentes da Lundbeck. Ora, este requisito é preenchido mesmo que o alcance do acordo Alpharma exceda o do referido despacho.

674    Por outro lado, uma vez que não era necessário revelar ao órgão jurisdicional nacional que adotou o despacho de homologação Alpharma qual era o alcance exato do acordo Alpharma, é perfeitamente razoável que as partes neste acordo se tenham limitado a reproduzir, no texto do despacho que lhe tinham apresentado, as obrigações resultantes deste acordo que eram relevantes para efeitos do processo relativo à ação por contrafação contra a Alpharma. Quanto ao resto, a inexistência de correspondência direta entre o acordo Alpharma e o referido despacho é confirmada pela circunstância de este despacho não fazer qualquer menção ao facto de tal acordo prever um pagamento compensatório a favor da Alpharma, apesar de se tratar de um elemento fundamental para a celebração deste.

675    Daqui resulta que o despacho de homologação Alpharma não permite interpretar o n.° 1.1 do acordo Alpharma no sentido preconizado pelas recorrentes.

676    Em quinto lugar, as recorrentes referem o correio eletrónico de 12 de março de 2002 de um dos seus quadros envolvidos nos autos (a seguir «correio eletrónico de 12 de março de 2002»), que afirmou que, embora existissem numerosas incertezas, não pensava que a Alpharma entraria no mercado do Reino Unido num futuro previsível. Segundo as recorrentes, não teria existido qualquer incerteza se o n.° 1.1 do acordo Alpharma tivesse o alcance que a Comissão lhe atribuía.

677    Importa observar, a este respeito, que o referido correio eletrónico constitui a resposta a outro correio eletrónico que mencionava uma lista de preços da Alpharma referente ao citalopram e que solicitava ao destinatário de tal correio eletrónico que verificasse a situação junto desta. Segundo a Comissão, uma vez que, na sua resposta a este pedido, o autor do correio eletrónico de 12 de março de 2002 indicava que provavelmente se tratava de uma antiga lista de preços e precisava não ter contactado a Alpharma sobre esta questão, nada neste correio eletrónico permite pôr em causa a interpretação do alcance do acordo Alpharma adotada na decisão impugnada.

678    Com efeito, se o acordo Alpharma tinha um alcance limitado ao citalopram produzido segundo o processo Cipla I, que a Alpharma já tinha recebido ou encomendado, como alegam as recorrentes, estas deveriam ter‑se preocupado com a referida lista de preços, pelo que o autor do correio eletrónico de 12 de março de 2002 teria provavelmente tomado iniciativas para apurar se a Alpharma já tinha podido obter o citalopram produzido segundo outros processos, que não estava abrangido pelas obrigações que decorrem do acordo Alpharma assim interpretado. Por conseguinte, o facto de o autor do referido correio eletrónico não ter dado resposta ao pedido que tinha recebido do seu colega, afirmando que não pensava que a Alpharma entraria no mercado num futuro previsível, leva a considerar que entendia que o acordo Alpharma não dizia respeito ao citalopram produzido segundo o processo Cipla I.

679    Todavia, uma vez que se trata apenas de hipóteses, há que constatar que o correio eletrónico de 12 de março de 2002 não permite extrair verdadeiras conclusões quanto ao alcance do acordo Alpharma. A este respeito, importa observar que a Comissão não se baseou neste correio eletrónico para sustentar a sua interpretação do acordo Alpharma, mas que só o mencionou na decisão impugnada para rejeitar um argumento das recorrentes em apoio da sua interpretação do referido acordo.

680    Tendo em consideração o exposto, importa salientar que a Comissão fez prova bastante de que uma interpretação literal, contextual e teleológica do acordo Alpharma permitia concluir que as obrigações assumidas pela Alpharma nos termos do n.° 1.1 deste acordo não estavam limitadas ao citalopram produzido segundo processos que, tal como reconheceram a Alpharma e a Lundbeck, violavam as novas patentes desta. Com efeito, tais obrigações diziam respeito não somente às existências de citalopram que a Alpharma já possuía, produzido segundo o processo Cipla I, mas igualmente ao citalopram que encomendou ou encomendaria à Tiefenbacher, independentemente do processo utilizado pelo produtor de IFA que a abastecia.

681    Esta interpretação do n.° 1.1 do acordo Alpharma permite considerar que as obrigações nele assumidas pela Alpharma excediam as que a Lundbeck poderia ter obtido em aplicação das suas novas patentes.

682    Uma vez que as recorrentes não conseguiram refutar os elementos que permitiram à Comissão provar que o acordo Alpharma impunha a esta empresa restrições que excediam as que poderiam ter obtido baseando‑se nas suas novas patentes e vencendo um eventual processo judicial a este respeito, a presente parte deve ser rejeitada.

6.     Acordo Ranbaxy

683    As recorrentes alegam que a Comissão cometeu um erro manifesto de apreciação ao considerar que o acordo Ranbaxy previa a proibição de esta empresa vender não apenas o citalopram produzido segundo o processo que já utilizava, mas igualmente o citalopram produzido segundo processos que poderia ter desenvolvido durante a vigência deste acordo.

684    A Comissão contesta esta interpretação.

685    Em primeiro lugar, as recorrentes alegam, a este respeito, que o n.° 1.1 do acordo Ranbaxy (v. n.° 48, primeiro travessão, supra), quando menciona «qualquer método de produção utilizado pela Ranbaxy», não se refere aos métodos que esta teve a possibilidade de desenvolver na sequência da celebração do acordo Ranbaxy e que poderiam não ter violado as suas patentes, possibilidade que, por outro lado, não existia. Em seu entender, a interpretação adotada pela Comissão é incompatível com os considerandos do preâmbulo Ranbaxy e com as circunstâncias que rodeiam a celebração deste acordo.

686    Importa recordar que as obrigações assumidas pela Ranbaxy em virtude do acordo Ranbaxy são as que figuram no n.° 1.1 deste acordo, que tem a seguinte redação:

«Sem prejuízo das condições e dos pagamentos por parte da Lundbeck previstos [neste acordo], a Ranbaxy Laboratories não reivindica qualquer direito sobre o [p]edido de [p]atente [visado no preâmbulo deste] ou sobre qualquer método de produção utilizado pela Ranbaxy Laboratories e anula, cessa e renuncia ao fabrico ou à venda de produtos farmacêuticos baseados nestes [nomeadamente no EEE] durante a vigência deste acordo […]»

687    Importa observar que a Comissão concluiu, nomeadamente nos considerandos 1131 a 1137 da decisão impugnada, que a expressão «qualquer método de produção utilizado pela Ranbaxy Laboratories» abrangia não só o processo que a Ranbaxy já utilizava no momento da celebração do acordo Ranbaxy, mas igualmente os métodos que poderia ter desenvolvido em seguida, durante a vigência desse acordo.

688    As recorrentes contestam esta interpretação e alegam que a referida expressão apenas visa os processos de que a Ranbaxy já dispunha no momento da celebração do acordo Ranbaxy.

689    No que respeita à redação do referido número, há que observar que a utilização da expressão «qualquer método» permite, por si só, considerar que não se tratava apenas dos métodos que a Ranbaxy já utilizava quando assinou este acordo e que os métodos que poderia ter desenvolvido em seguida eram igualmente visados, tal como considerou a Comissão na decisão impugnada.

690    No entanto, importa verificar se outros elementos que decorrem do próprio acordo Ranbaxy ou do contexto em que ocorreram infirmam a referida interpretação.

691    A este propósito, em primeiro lugar, as recorrentes observam que o quinto e o sexto considerando do preâmbulo Ranbaxy mencionam os pedidos de patente que a Ranbaxy tinha apresentado na Índia (terceiro considerando) e que, de acordo com o seu ponto de vista, decorrente de resultados de análises laboratoriais, eram relativos a processos que violavam as suas patentes sobre o amido e sobre o iodo.

692    Todavia, trata‑se de elementos que explicam o contexto em que o acordo Ranbaxy foi celebrado, mas que não bastam para pôr em causa o facto de que, à luz da sua redação clara, o n.° 1.1 do acordo Ranbaxy não prevê limitações relativa aos processos visados pelas obrigações que a Ranbaxy aceitou. Ora, se as partes neste acordo tivessem pretendido limitar o alcance destas aos processos que correspondem aos pedidos de patente da Ranbaxy, poderiam ter escolhido uma redação adaptada para o efeito, em vez de optarem por uma mais ampla, mas cujo alcance deveria ser reduzido mediante uma interpretação construtiva à luz do preâmbulo do mesmo acordo.

693    Em segundo lugar, o contexto em que o acordo Ranbaxy foi celebrado confirma a interpretação do n.° 1.1 do referido acordo acima enunciada no n.° 689. Com efeito, tal como a Comissão declarou, no essencial, nos considerandos 130 a 132, 140, 204 e 206 da decisão impugnada, a Lundbeck pretendia adiar a entrada do citalopram genérico no mercado, a fim de criar as melhores condições possíveis para o lançamento do seu novo medicamento, o Cipralex, que era protegido por uma patente (v. n.° 22, supra).

694    À luz deste objetivo, não é de crer que as recorrentes tivessem aceitado pagar à Ranbaxy os montantes previstos no acordo Ranbaxy, se este lhe tivesse permitido produzir e vender citalopram genérico através de processos diferentes dos referidos pelos seus pedidos de patente apresentados na Índia. Na realidade, é pouco provável que a Lundbeck tivesse celebrado um acordo oneroso se este não incluísse a certeza de que a Ranbaxy ficaria fora do mercado com o seu citalopram genérico durante a vigência deste acordo, período em que a Lundbeck planeava começar a comercializar o Cipralex.

695    Embora seja verdade que a Ranbaxy não partilhava do objetivo das recorrentes relativo ao Cipralex, não deixa de ser verdade que não podia ignorá‑lo e, sobretudo, que tinha um interesse evidente em obter determinados montantes em vez de correr os riscos que a sua entrada no mercado teria implicado.

696    Estas considerações permitem rejeitar igualmente o argumento das recorrentes segundo o qual, em aplicação do direito sueco, que rege o acordo Ranbaxy, a Comissão deveria ter tido em maior conta a intenção comum das partes neste acordo.

697    Resulta do exposto que a Comissão não cometeu qualquer erro ao concluir, nos considerandos 1137 e 1172 da decisão impugnada, que as obrigações aceites pela Ranbaxy nos termos do n.° 1.1 do acordo Ranbaxy, também lidos à luz do seu contexto, não estavam limitadas ao citalopram produzido segundo os processos que esta utilizava no momento da assinatura do referido acordo, pelo que tais obrigações excediam o âmbito de aplicação das patentes da Lundbeck.

698    Em segundo lugar, as recorrentes alegam que a interpretação da Comissão não é compatível com o reconhecimento, por esta, do facto de a Ranbaxy continuar a ter liberdade para vender o citalopram que violava as suas patentes, desde que o IFA utilizado para o produzir fosse proveniente de um terceiro.

699    A este propósito, conforme observa acertadamente a Comissão, pouco importa que esta tenha admitido, no considerando 694 da decisão impugnada, que o acordo Ranbaxy não impedia esta empresa de vender produtos farmacêuticos que contêm citalopram, desde que o IFA utilizado para o efeito fosse proveniente de um terceiro. Com efeito, as obrigações aceites pela Ranbaxy segundo a interpretação do n.° 1.1 do acordo Ranbaxy adotada pela Comissão, que dizem respeito à venda do citalopram produzido por esta mesma empresa, não estão ligadas à possibilidade puramente teórica de a Ranbaxy vender produtos que contêm citalopram proveniente de outros produtores de IFA. A este respeito, há que observar que a Ranbaxy era inicialmente um produtor de IFA, pelo que não tinha qualquer interesse em obter IFA noutras partes para produzir comprimidos de citalopram sob a forma de produtos acabados.

700    Em terceiro lugar, as recorrentes alegam que o n.° 1.4 do acordo Ranbaxy (v. n.° 48, último travessão, supra) não impedia esta empresa de contestar a validade das suas patentes. Com efeito, uma ação judicial que visa obter a declaração de invalidade de uma patente não é «baseada» nesta patente, enquanto este número menciona o compromisso de não intentar ações «baseadas» nas patentes referidas no acordo Ranbaxy. A Ranbaxy apenas estava proibida de intentar uma ação judicial contra as recorrentes por violação das patentes que tinha solicitado na Índia.

701    A este respeito, importa observar, antes de mais, que estes argumentos são inoperantes uma vez que, conforme acima resulta dos n.os 398 e 399, a qualificação dos acordos controvertidos de restrições por objetivo não se baseia na presença de cláusulas de não contestação nestes acordos. Além disso, resulta claramente do considerando 1174 que a presença de tal cláusula no acordo Ranbaxy não foi referida pela Comissão como um dos fatores relevantes para concluir pela existência de uma infração por objetivo.

702    Em qualquer caso, há que observar que a expressão «comprometem‑se a não intentar ações judiciais […] baseadas em qualquer patente acima referida», que consta do n.° 1.4 do acordo Ranbaxy, é suficientemente flexível para que seja possível incluir neste as ações destinadas a contestar a validade das patentes em causa. Por outro lado, deve ser salientado que a Ranbaxy não contestou a validade destas patentes durante a vigência do acordo Ranbaxy.

703    Em quarto lugar, as recorrentes alegam que a acusação relativa ao n.° 1.4 do acordo Ranbaxy apenas foi suscitada na exposição dos factos mas não na comunicação de acusações, o que violou os seus direitos de defesa.

704    A este propósito, basta observar que as recorrentes admitem que esta cláusula e a interpretação que dela é feita pela Comissão na decisão impugnada figuravam na exposição dos factos, à qual responderam, inclusivamente sobre este aspeto. Daqui resulta que tiveram a possibilidade de se pronunciar a este respeito, pelo que os seus direitos de defesa não foram violados (v., neste sentido, acórdão de 20 de março de 2002, LR AF 1998/Comissão, T‑23/99, Colet., EU:T:2002:75, n.° 190 e jurisprudência aí referida).

705    Por conseguinte, a presente parte deve ser rejeitada, improcede assim o sexto fundamento na íntegra.

III –  Quanto ao sétimo fundamento, relativo a um erro manifesto de apreciação cometido na medida em que os ganhos de eficácia dos acordos controvertidos não foram corretamente avaliados

706    As recorrentes recordam que declararam, no âmbito da sua resposta à comunicação de acusações, que os acordos controvertidos favoreciam a concorrência, uma vez que os acordos de transação preservam o incentivo à inovação, por um lado, e podem facilitar uma entrada mais rápida dos genéricos, por outro. A Comissão não examinou estes argumentos ao nível exigido. Além disso, as explicações fornecidas a posteriori pela Comissão na sua contestação são inadmissíveis.

707    A Comissão contesta estes argumentos.

708    Importa observar que a Comissão examinou a eventual aplicação do artigo 101.°, n.° 3, TFUE aos acordos controvertidos nos considerandos 1212 e seguintes da decisão impugnada.

709    Assim, recordou acertadamente que o artigo 101.°, n.° 3, TFUE permitia que as empresas se defendessem da existência de uma infração ao artigo 101.°, n.° 1, TFUE, através da demonstração de que estavam preenchidos quatro pressupostos:

–        em primeiro lugar, o acordo em causa deve contribuir para melhorar a produção ou a distribuição dos produtos ou para promover o progresso técnico ou económico;

–        em segundo lugar, o acordo em causa não deve impor restrições que não sejam indispensáveis para alcançar esses objetivos;

–        em terceiro lugar, deve dar aos consumidores uma parte equitativa dos benefícios obtidos;

–        em quarto lugar, não deve permitir que as empresas eliminem toda a concorrência ou uma parte substancial desta no que respeita aos produtos em questão.

710    O artigo 2.° do Regulamento n.° 1/2003 prevê, como a jurisprudência (v., neste sentido, acórdão de 6 de outubro de 2009, GlaxoSmithKline Services e o./Comissão e o., C‑501/06 P, C‑513/06 P, C‑515/06 P e C‑519/06 P, Colet., EU:C:2009:610, n.° 82), que é à parte que invoca a aplicação do artigo 101.°, n.° 3, TFUE que cabe demonstrar, através de argumentos e de elementos de prova convincentes, que estão reunidos os requisitos exigidos para beneficiar de uma isenção.

711    O ónus da prova incumbe, portanto, à empresa que pede o benefício da isenção ao abrigo do artigo 101.°, n.° 3, TFUE. Todavia, os elementos factuais invocados pela referida empresa podem obrigar a outra parte a fornecer uma explicação ou uma justificação, sem a qual se pode concluir que o ónus da prova foi satisfeito (v., neste sentido, acórdão GlaxoSmithKline Services e o./Comissão e o., n.° 710 já referido, n.° 83 e jurisprudência aí referida).

712    Contrariamente ao que alegam as recorrentes, a Comissão examinou ao nível exigido, na decisão impugnada, os diferentes argumentos invocados pelas empresas de genéricos e pelas recorrentes no procedimento administrativo.

713    Em primeiro lugar, no que respeita ao argumento segundo o qual os acordos controvertidos fomentaram o incentivo à inovação das recorrentes, embora seja verdade que tal argumento não foi examinado especificamente pela Comissão na parte da decisão relativa ao exame da aplicabilidade do artigo 101.°, n.° 3, TFUE, importa observar, à semelhança do que fez a Comissão, que, na sua resposta à comunicação de acusações, as recorrentes se limitaram a afirmar de forma geral que as transações em matéria de patentes preservavam o incentivo à inovação, baseando‑se num estudo económico, sem explicar, todavia, de que modo é que os acordos controvertidos contribuíram para criar tal incentivo no caso em apreço, além da proteção regulamentar inerente às patentes, nem de que modo é que os quatro requisitos de aplicação do artigo 101.°, n.° 3, TFUE estavam preenchidos no caso em apreço. Com efeito, o estudo apresentado pelas recorrentes punha mais em questão a própria aplicabilidade do artigo 101.°, n.° 1, TFUE, na medida em que contestava o facto de acordos amigáveis em matéria de patentes, tais como os acordos controvertidos, poderem produzir efeitos negativos para os consumidores. Por conseguinte, tendo este argumento já sido rejeitado pela Comissão no âmbito do exame da existência de uma restrição por objetivo (considerandos 710 a 713 da decisão impugnada), esta não tinha o dever de examiná‑lo novamente à luz do artigo 101.°, n.° 3, TFUE, na falta de argumentos mais fundamentados a este respeito.

714    Em qualquer caso, no processo principal é manifesto que os acordos controvertidos, que previam adiar a entrada dos genéricos no mercado através de pagamentos compensatórios, não eram indispensáveis para preservar o incentivo à inovação das recorrentes. Além disso, é difícil compreender as vantagens que tais acordos teriam proporcionado aos consumidores. Por último, o pressuposto da não eliminação de toda a concorrência também não está preenchido no processo principal, uma vez que as empresas de genéricos eram efetivamente concorrentes potenciais no momento da celebração dos acordos controvertidos e tinham‑se comprometido, em contrapartida de um pagamento, a não entrar no mercado durante a vigência dos referidos acordos.

715    Assim, importa observar, que a Comissão não cometeu qualquer erro ao não aprofundar o exame do argumento das recorrentes, relativo ao incentivo à inovação dos acordos controvertidos, à luz do artigo 101.°, n.° 3, TFUE, na decisão impugnada.

716    Em segundo lugar, no que respeita à alegação de que os acordos controvertidos permitiram assegurar uma entrada mais rápida dos genéricos no mercado, a Comissão teve razão ao rejeitá‑la nos considerandos 1228 a 1230 da decisão impugnada, por considerar que não era corroborada pelos factos, uma vez que os acordos controvertidos não previam qualquer compromisso por parte da Lundbeck de autorizar a entrada dos genéricos no mercado quando estes acordos expirassem, e que, na realidade, impediram uma entrada potencialmente imediata destes no mercado.

717    Com efeito, resulta dos elementos dos autos e, em particular, do conteúdo dos acordos controvertidos, que estes não previam qualquer data precisa em que as empresas de genéricos poderiam ter entrado no mercado antes de expirarem as patentes da Lundbeck. Tal como constatou a Comissão no considerando 662 da decisão impugnada, os acordos controvertidos não previam qualquer compromisso por parte da Lundbeck de não intentar ações por contrafação em caso de entrada dos genéricos após a expiração destes. Por conseguinte, os acordos controvertidos efetivamente não resolveram um litígio em matéria de patentes ou permitiram uma entrada mais rápida dos genéricos no mercado, como afirmam os recorrentes, mas simplesmente permitiram à Lundbeck ganhar tempo adiando a entrada dos genéricos no mercado através do pagamento de quantias significativas às empresas de genéricos.

718    Em terceiro lugar, a alegação de que os acordos controvertidos permitiram evitar despesas judiciais avultadas ou decisões judiciais divergentes também não é corroborada pelos factos, pois esses acordos não permitiram pôr termo ao litígio subjacente em matéria de patentes entre as partes nestes acordos, uma vez que não estava excluído que a Lundbeck pudesse intentar ações judiciais contra as empresas de genéricos quando estes acordos expirassem, incluindo em órgãos jurisdicionais diferentes sediados em diferentes Estados do EEE. Por conseguinte, os números invocados pelas recorrentes, que referem vários milhões de euros de despesas judiciais evitadas em todo o EEE, não são relevantes, na medida em que não se afigura que tais custos se teriam efetivamente verificado se os acordos controvertidos não existissem. Embora seja verdade que, por fim, a Lundbeck não intentou qualquer processo judicial após a expiração destes acordos, isso sucedeu, principalmente, porque tal processo judicial já não tinha qualquer interesse para a Lundbeck, uma vez que outras empresas de genéricos, tais como a Lagap no Reino Unido, já tinham entrado no mercado nesse momento.

719    Em qualquer caso, mesmo admitindo que os acordos controvertidos permitiram evitar alguns custos ligados a potenciais processos judiciais em diferentes órgãos jurisdicionais, as recorrentes não demonstraram de que modo as restrições da concorrência que decorriam destes acordos eram indispensáveis para alcançar tal objetivo, mesmo que a conclusão de outros tipos de transações, que não apresentavam qualquer caráter anticoncorrencial, fosse possível (v. n.os 350 e 529, supra). Também não explicaram de que forma é que estes acordos reservaram aos consumidores uma parte equitativa dos benefícios alegadamente obtidos.

720    Assim, há que considerar que a Comissão não cometeu qualquer erro nem violou as regras relativas ao ónus da prova, ao concluir que os requisitos do artigo 101.°, n.° 3, TFUE não estavam preenchidos no caso em apreço.

721    Por conseguinte, improcede o sétimo fundamento.

IV –  Quanto ao oitavo fundamento, relativo a uma violação dos direitos de defesa

722    As recorrentes alegam que a decisão impugnada viola os seus direitos de defesa, uma vez que a Comissão alterou os elementos constitutivos da infração alegada na comunicação de acusações, sem as ouvir previamente. Não tiveram a possibilidade de refutar as alegações da Comissão segundo as quais as empresas de genéricos eram suas concorrentes potenciais apesar da eventual ou provável violação das suas patentes, assim como o ponto de vista da Comissão de acordo com o qual os pagamentos compensatórios eram, por si só, suficientes para demonstrar que os acordos controvertidos constituíam infrações por objetivo. Por outro lado, a Comissão deveria ter permitido que as recorrentes acedessem à sua correspondência com a KFST, na medida em que esta correspondência podia conter elementos de prova ilibatórios.

A –  Quanto à primeira parte

723    As recorrentes consideram que a modificação integral da teoria da Comissão viola o seu direito de audiência. Recordam que, segundo a jurisprudência, mesmo que todos os elementos de facto constassem da comunicação de acusações, os direitos de defesa não eram respeitados uma vez que estes elementos de facto tinham sido mencionados em diversos pontos da referida comunicação de acusações, sem que tivesse sido estabelecida qualquer ligação entre estes ou que a Comissão lhes tivesse atribuído qualquer qualificação.

724    Em primeiro lugar, as recorrentes alegam que a decisão impugnada modificou substancialmente a posição que tinha sido expressa na comunicação de acusações no que respeita à questão da concorrência potencial, que é um elemento constitutivo essencial da alegada infração. Assim, na decisão impugnada, a Comissão, em primeiro lugar, alterou substancialmente a sua posição ao declarar que se devia presumir que mesmo as empresas de genéricos que não tinham acesso ao citalopram não contrafeito eram concorrentes potenciais da Lundbeck, em segundo lugar, distinguiu duas fases nas quais a concorrência potencial era exercida e, em terceiro lugar, acrescentou que a concorrência potencial também se manifestava através de contestações da validade das patentes, de tentativas de inovar a partir das patentes de processo ou do pedido de declarações judiciais de não contrafação, e mesmo da entrada «com risco» que, efetivamente, é a essência da concorrência no setor farmacêutico.

725    A Comissão contesta estes argumentos.

726    Importa recordar que o respeito dos direitos de defesa é um direito fundamental do direito da União, consagrado no artigo 41.°, n.° 2, alínea a), da Carta dos Direitos Fundamentais, que exige o respeito destes direitos em qualquer processo.

727    O respeito dos direitos de defesa exige assim que a empresa interessada tenha podido, durante o procedimento administrativo, dar a conhecer utilmente o seu ponto de vista sobre a realidade e a pertinência dos factos e das circunstâncias alegados bem como sobre os documentos considerados pela Comissão em apoio da sua alegação de existência de uma infração ao Tratado (acórdão Aalborg Portland e o./Comissão, n.° 111, supra, EU:C:2004:6, n.° 66; v. igualmente, neste sentido, acórdão de 13 de fevereiro de 1979, Hoffmann‑La Roche/Comissão, 85/76, Colet., EU:C:1979:36, n.° 9).

728    Neste sentido, o artigo 27.°, n.° 1, do Regulamento n.° 1/2003 prevê, por um lado, que a Comissão dá às empresas ou associações de empresas sujeitas ao processo instruído pela Comissão a oportunidade de se pronunciarem sobre as acusações por ela formuladas, e, por outro, que a Comissão deve basear as suas decisões apenas em acusações sobre as quais as partes tenham tido oportunidade de apresentar as suas observações.

729    Esta exigência deve ser interpretada à luz da jurisprudência segundo a qual a comunicação de acusações deve especificar, de maneira clara, todos os elementos essenciais em que a Comissão se baseia nessa fase do procedimento. Todavia, essa indicação pode ser sumária e a decisão não tem necessariamente de constituir uma cópia da exposição das acusações, uma vez que essa comunicação constitui um documento preparatório cujas apreciações de facto e de direito têm caráter puramente provisório (v. acórdão Aalborg Portland e o./Comissão, n.° 111, supra, EU:C:2004:6, n.° 67 e jurisprudência aí referida).

730    Em primeiro lugar, no que respeita ao argumento segundo o qual a Comissão alterou substancialmente a sua posição acerca da questão da concorrência potencial na decisão impugnada em relação à comunicação de acusações, antes de mais, há que observar, contrariamente ao que alegam as recorrentes, que esta não considerou que apenas as empresas de genéricos que tinham acesso ao citalopram não contrafeito podiam ser consideradas concorrentes potenciais da Lundbeck. De facto, resulta dos considerandos 468 e 469 da comunicação de acusações que a Comissão entendeu que as empresas de genéricos e a empresa de medicamentos originais podiam ser consideradas concorrentes potenciais, independentemente da questão de saber se os produtos genéricos que estas empresas pretendiam comercializar poderiam ter violado, ou não, uma patente de processo. Além disso, resulta dos considerandos 519, 550, 586, 612, 645 e 683 da comunicação de acusações que a Comissão se baseou num conjunto de fatores, entre os quais o facto de as empresas de genéricos já terem desenvolvido esforços significativos a fim de preparar a sua entrada no mercado e, em determinados casos, já terem obtido as AIM necessárias ou acumulado existências consideráveis de citalopram genérico para o efeito, para concluir pela existência de uma concorrência no mínimo potencial entre estas e a Lundbeck.

731    Em segundo lugar, embora a Comissão tenha distinguido duas fases relativas à concorrência potencial no setor farmacêutico na decisão impugnada (n.° 91, supra), há que observar que, no caso em apreço, é pacífico que as patentes originárias da Lundbeck tinham expirado em quase todos os países do EEE no momento da celebração dos acordos controvertidos, pelo que todas as empresas de genéricos se encontravam numa fase avançada dos seus preparativos para entrar no mercado. O facto de a Comissão ter entendido, no considerando 616 da decisão impugnada, que a concorrência potencial já podia ter começado antes do expirar da patente sobre o IFA não era decisivo nem mesmo relevante para a apreciação da situação relativa à concorrência potencial entre as recorrentes e as empresas de genéricos no caso em apreço. Por conseguinte, a fortiori, tal apreciação não poderia produzir efeitos nos direitos de defesa das recorrentes a este respeito.

732    Em terceiro lugar, resulta igualmente da comunicação de acusações que a entrada «com riscos» das empresas de genéricos era considerada parte do processo concorrencial entre estas e a Lundbeck (v., nomeadamente, considerandos 29, 488, 528, 562, 594, 621 e 656 da comunicação de acusações). Embora seja verdade que a decisão impugnada contém mais desenvolvimentos a este respeito, importa recordar que tal decisão não deve necessariamente ser uma cópia da exposição das acusações (n.° 729, supra) e que a Comissão deve poder ter em conta as respostas das empresas à comunicação de acusações, inclusive completando, aprofundando ou reformulando os argumentos em apoio das acusações que mantém (v., neste sentido, acórdãos de 10 de maio de 2007, SGL Carbon/Comissão, C‑328/05 P, Colet., EU:C:2007:277, n.° 62, e de 15 de março de 2006, BASF/Comissão, T‑15/02, Colet., EU:T:2006:74, n.° 93 e jurisprudência aí referida).

733    Em quarto lugar, as recorrentes afirmam erradamente que a Comissão constatou, na decisão impugnada, que a possibilidade de litígios em matéria de patentes é suficiente para demonstrar a existência de uma concorrência potencial entre estas e as empresas de genéricos. Com efeito, a decisão impugnada, tal como a comunicação de acusações, baseia‑se num conjunto de fatores a este respeito, entre os quais o facto de as empresas de genéricos terem efetuado diligências importantes a fim de preparar a sua entrada no mercado (n.os 96 e 730, supra). Além disso, a comunicação de acusações fazia igualmente referência ao facto de os litígios em matéria de patentes serem parte integrante do processo concorrencial no setor farmacêutico (v., nomeadamente, considerando 27 da comunicação de acusações).

734    As recorrentes afirmam erradamente que a Comissão alterou de forma substancial a sua posição quanto à concorrência potencial entre a comunicação de acusações e a decisão impugnada.

735    Em segundo lugar, as recorrentes consideram que a comunicação de acusações não enunciou uma norma jurídica clara e coerente para examinar os pagamentos compensatórios previstos nos acordos de transação em matéria de patentes à luz do direito da concorrência da União.

736    De igual modo, a comunicação de acusações não forneceu qualquer indicação sobre o limiar a partir do qual uma quantia de dinheiro devia ser qualificada de «considerável», sendo que o único ponto de referência é ter sido «proposto mais dinheiro do que aquele que podiam ganhar no mercado com a venda de versões genéricas do citalopram» às empresas de genéricos, o que as «incentivou a não atuarem como [rivais] da Lundbeck» (considerando 710 da comunicação de acusações).

737    A inexistência de normas de exame claras impediu as recorrentes de exporem eficazmente o seu ponto de vista, o que constitui um vício jurídico particularmente grave, na medida em que o presente processo suscita questões jurídicas complexas e novas e que não é possível deduzir da jurisprudência anterior qualquer orientação distinta do critério do alcance da patente, que é rejeitado pela decisão.

738    Refira‑se a este respeito, contrariamente ao que afirmam as recorrentes, que o considerando 480 da comunicação de acusações indica expressamente que a existência de pagamentos compensatórios é decisiva para efeitos da apreciação jurídica dos acordos controvertidos, em termos idênticos aos que figuram no considerando 660 da decisão impugnada. Além disso, tal como a comunicação de acusações, a decisão impugnada baseia‑se igualmente na alegação de que a existência de pagamentos compensatórios nos acordos controvertidos constitui um dos fatores relevantes para declarar a existência de uma restrição por objetivo (v. considerandos 661 e 662 da decisão impugnada). Por outro lado, a comunicação de acusações refere, tal como a decisão impugnada, que os montantes dos pagamentos compensatórios eram problemáticos na medida em que tinham em conta os lucros ou o volume de negócios que as empresas de genéricos teriam realizado em caso de entrada no mercado, o que reduzia os incentivos para as empresas de genéricos prosseguirem os seus esforços para entrarem no mercado (v., nomeadamente, considerandos 469, 496, 543, 588, 638, 687 da comunicação de acusações e n.° 366, supra).

739    Por conseguinte, a segunda alegação das recorrentes deve igualmente ser rejeitada.

740    Em terceiro lugar, as recorrentes alegam que a decisão impugnada e a exposição dos factos contêm vários elementos que não eram referidos na comunicação de acusações, tais como as quotas de mercado que a Lundbeck detinha no mercado dos antidepressivos do EEE (considerando 215 da decisão impugnada e n.° 17 da exposição dos factos). O método utilizado pela Comissão para calcular estas quotas de mercado, assim como a definição precisa do mercado continuam obscuros e inexplicados e também não figuravam na exposição dos factos.

741    No que respeita às quotas de mercado das recorrentes apresentadas pela Comissão na exposição dos factos de 12 de abril de 2013 para reforçar a sua conclusão relativa às distorções de concorrência causadas pelos acordos controvertidos, importa recordar, antes de mais, que um acordo suscetível de afetar o comércio entre os Estados‑Membros e que tenha um objetivo anticoncorrencial constitui, pela sua natureza e independentemente de qualquer efeito concreto do mesmo, uma restrição sensível à concorrência (acórdão de 13 de dezembro de 2012, Expedia, C‑226/11, Colet., EU:C:2012:795, n.° 37). Assim, a Comissão não tinha de demonstrar de forma detalhada, quer na comunicação de acusações quer na decisão impugnada, a existência de uma restrição sensível da concorrência, uma vez que fez prova bastante de que os acordos controvertidos tinham um objetivo anticoncorrencial e eram suscetíveis de afetar o comércio entre Estados‑Membros (v., nomeadamente, considerandos 196, 197, 209 a 213, 724 e 726 da decisão impugnada). Em qualquer caso, as recorrentes tiveram a possibilidade de apresentar as suas observações após a comunicação da exposição dos factos, pelo que não podem invocar uma violação dos seus direitos de defesa a este respeito (v. n.° 704, supra).

742    Por conseguinte, há que rejeitar a primeira parte na íntegra.

B –  Quanto à segunda parte

743    As recorrentes consideram que a Comissão recusou erradamente conceder‑lhes o acesso às suas comunicações com a KFST. Embora seja verdade, em seu entender, que a comunicação da Comissão relativa às regras de acesso ao processo da Comissão nos processos abrangidos pelos artigos [101.° TFUE] e [102.° TFUE], pelos artigos 53.°, 54.° e 57.° do acordo EEE e do Regulamento (CE) n.° 139/2004 do Conselho (JO 2005, C 325, p. 7), exclui a correspondência entre a Comissão e as autoridades nacionais da concorrência do direito de acesso ao processo, decorre de jurisprudência constante que, se as circunstâncias excecionais do caso em apreço o exigirem, os documentos internos da Comissão podem ser dados a conhecer às partes. Ora, basta que demonstrem a existência de uma oportunidade, mesmo reduzida, de que os documentos não divulgados no procedimento administrativo poderiam ter sido úteis à sua defesa. É o que sucede no caso em apreço, na medida em que a correspondência com a KFST inclui provas potencialmente ilibatórias, que permitem estabelecer, sob a perspetiva factual e contrariamente ao que alega a Comissão, a incerteza do direito da concorrência em relação às transações que preveem um pagamento compensatório à data em que as recorrentes celebraram os acordos controvertidos. Em qualquer caso, a divulgação posterior destes documentos pela Comissão demonstra que estes não continham qualquer informação confidencial, pelo que a Comissão devia tê‑los tornado imediatamente acessíveis. Isto é suficiente para anular a decisão impugnada.

744    A Comissão contesta estes argumentos.

745    Segundo a jurisprudência, no caso de a Comissão, no procedimento administrativo, ter indeferido um pedido da recorrente que tinha por objeto o acesso a documentos não constantes do processo instrutor, só pode provar‑se que houve uma violação dos direitos de defesa se se provar que o procedimento administrativo podia ter conduzido a um resultado diferente se a recorrente tivesse tido acesso aos documentos em questão ao longo desse procedimento (v. acórdão de 16 de junho de 2011, Solvay/Comissão, T‑186/06, Colet., EU:T:2011:276, n.° 227 e jurisprudência aí referida).

746    Importa recordar igualmente que, em qualquer caso, uma violação dos direitos de defesa não é suscetível, em si, de afetar a validade da decisão no seu conjunto, dado que esta não se baseou unicamente nos dados em causa. Em contrapartida, em tal caso, o Tribunal Geral não deve considerar o conteúdo desses documentos na apreciação do mérito da decisão (v., neste sentido, acórdãos de 7 de junho de 1983, Musique Diffusion française e o./Comissão, 100/80 a 103/80, Colet., EU:C:1983:158, n.° 30, e de 14 de maio de 1998, Mo och Domsjö/Comissão, T‑352/94, Colet., EU:T:1998:103, n.° 74).

747    No caso em apreço, no que respeita a estes dois documentos que relatam a correspondência entre a Comissão e a KFST, importa recordar que a Comissão os apresentou espontaneamente, em anexo à sua contestação, em resposta ao pedido das recorrentes. Trata‑se, por um lado, de um relatório da KFST de 7 de outubro de 2003, relativo ao inquérito realizado por esta autoridade a respeito das atividades da Lundbeck e dos acordos celebrados por esta no mercado dos antidepressivos farmacêuticos e, por outro, de um memorando da KFST de 10 de junho de 2005 que relata, em resumo, as conclusões da referida autoridade sobre a avaliação destes acordos à luz das disposições do Tratado sobre a livre concorrência.

748    Importa constatar, antes de mais, que não se trata de documentos que emanam diretamente da Comissão ou dos seus serviços, mas de comunicados de uma autoridade nacional da concorrência. Ora, segundo a jurisprudência, as autoridades nacionais da concorrência não podem criar nas empresas uma confiança legítima de que o seu comportamento não viola o artigo 101.° TFUE, uma vez que não são competentes para tomar uma decisão negativa, concretamente, uma decisão no sentido da inexistência de uma violação da referida disposição (v., neste sentido, acórdão de 18 de junho de 2013, Schenker & Co. e o., C‑681/11, Colet., EU:C:2013:404, n.° 42 e jurisprudência aí referida). Por conseguinte, mesmo admitindo que constataram a inexistência de uma infração ou que questionaram a teoria adotada pela Comissão na decisão impugnada, estes documentos não poderiam ser eficazmente invocados pelas recorrentes enquanto elementos ilibatórios, dado que, pressupondo que tinham sido comunicados às recorrentes no decurso do procedimento administrativo, tal comunicação não teria tido impacto no resultado deste.

749    Em qualquer caso, estes documentos, em vez de porem em causa a apreciação dos acordos controvertidos efetuada pela Comissão na decisão impugnada, reforçam‑na, uma vez que, aos olhos da KFST, no seu relatório de 7 de outubro de 2003, os acordos controvertidos podiam influenciar a concorrência, uma vez que a Lundbeck tinha pago aos concorrentes para se manterem fora do mercado e o efeito daí decorrente consistia incontestavelmente em preços mais altos. Considerou, assim, que estes acordos constituíam infrações muito graves ao artigo 101.° TFUE.

750    Embora seja verdade que resulta do memorando da KFST de 10 de junho de 2005 que, aos olhos da Comissão, existia uma dúvida quanto à questão de saber se tais acordos eram anticoncorrenciais, ou não, à luz da importância do pagamento efetuado pela Lundbeck a favor das empresas de genéricos, há que recordar que se tratava apenas de uma apreciação preliminar da Comissão e que, em resultado destas informações, esta decidiu abrir um inquérito mais amplo sobre este tipo de acordos no domínio farmacêutico para ter uma opinião mais precisa sobre o funcionamento deste setor e sobre a compatibilidade de tais acordos com os artigos 101.° e 102.° TFUE. Ora, na sequência desse inquérito, a Comissão iniciou um processo com fundamento no artigo 101.°, n.° 1, TFUE contra a Lundbeck e as empresas de genéricos.

751    Além disso, resulta igualmente deste memorando da KFST que a Comissão atribuía uma importância primordial ao facto de um pagamento compensatório significativo poder constituir um indício de que a empresa de medicamentos originais tinha pago às empresas genéricos para se manterem fora do mercado. Com efeito, resulta do referido memorando que «a questão de saber se um acordo pode ser justificado depende, entre outras coisas, do montante do pagamento», que, «[s]e este apenas cobre os custos expectáveis caso o litígio fosse levado ao tribunais, então este acordo poderia não ser abrangido pelo âmbito de aplicação do artigo [101.° TFUE] ou [102.° TFUE]» e que, «[e]m contrapartida, se o pagamento é mais significativo, pode ser encarado como um meio para pagar aos seus concorrentes para se manterem fora do mercado, o que viola o artigo [101.° TFUE] ou [102.° TFUE]». Ora, também resulta claramente da decisão impugnada que o facto de os pagamentos compensatórios previstos nos acordos controvertidos em causa no processo principal serem significativos e corresponderem, aproximadamente, aos lucros esperados pelas empresas de genéricos em caso de entrada no mercado e não às eventuais despesas judiciais que teriam sido evitadas, constituía um elemento decisivo para concluir pela existência de uma infração ao artigo 101.°, n.° 1, TFUE (n.os 354, 414 e 415, supra).

752    Por conseguinte, as recorrentes alegam incorretamente que esses documentos poderiam ter sido úteis à sua defesa se lhes tivessem sido comunicados imediatamente no procedimento administrativo, uma vez que apenas permitem afirmar, eventualmente, que nesse momento existia uma dúvida sobre a questão de saber se os acordos controvertidos podiam ser qualificados imediatamente, sem exame aprofundado, de restrições da concorrência por objetivo na aceção do artigo 101.°, n.° 1, TFUE. A jurisprudência não exige, todavia, que um acordo deva ser considerado suficientemente nocivo para a concorrência à primeira vista ou indubitavelmente, sem a realização de um exame aprofundado do seu conteúdo, da sua finalidade, e do contexto económico e jurídico em que se insere, para que possa ser qualificado de restrição da concorrência por objetivo na aceção desta disposição (n.os 338 a 344 e 438, supra).

753    Assim, importa concluir que os direitos de defesa das recorrentes não foram violados no caso em apreço, na medida em que não se verifica que o procedimento administrativo poderia ter conduzido a um resultado diferente caso estas tivessem tido acesso aos documentos em questão no decurso desse procedimento (n.° 745, supra).

754    Por conseguinte, improcedem a segunda parte e o oitavo fundamento na íntegra.

V –  Quanto ao nono fundamento, relativo, a título subsidiário, ao facto de a aplicação de coimas à Lundbeck enfermar de um erro de direito

755    As recorrentes alegam, em primeiro lugar, a inexistência de processos anteriores que avaliem os acordos de transação em matéria de patentes e, em segundo lugar, a inaplicabilidade do acórdão de 1 de julho de 2010, AstraZeneca/Comissão (T‑321/05, Colet., EU:T:2010:266), às transações em matéria de patentes, pelo que a aplicação de coimas a seu respeito era desprovida de qualquer base legal e era contrária ao princípio da segurança jurídica no caso em apreço.

756    A Comissão contesta estes argumentos.

A –  Quanto à primeira parte

757    As recorrentes alegam, antes de mais, que, admitindo que a Comissão teve razão ao concluir que os acordos controvertidos tinham violado o artigo 101.° TFUE, nenhum motivo válido a autorizava a aplicar‑lhes coimas no caso em apreço, tendo em conta a novidade e a complexidade das questões factuais e jurídicas suscitadas, o que, aliás, é reconhecido pela Comissão. A aplicação de coimas em tal hipótese viola os princípios da segurança jurídica e da legalidade dos crimes e das penas (nullum crimen, nulla poena sine lege). Por outro lado, a contestação reconhece que se tratava da primeira decisão da Comissão a declarar uma infração no que respeita aos acordos designados por «pay for delay» (acordos que pretendem adiar a entrada dos genéricos no mercado em contrapartida de um pagamento).

758    A jurisprudência existente, nomeadamente o acórdão BIDS, n.° 341, supra (EU:C:2008:643), não forneceu qualquer orientação que permitisse prever que os pagamentos compensatórios previstos nos acordos controvertidos serviriam à Comissão como elemento decisivo para declarar que violavam o artigo 101.°, n.° 1, TFUE. Com efeito, a Comissão alegou que, se estes acordos não tivessem previsto pagamentos compensatórios, teriam em princípio constituído ferramentas legítimas para garantir o respeito das patentes da Lundbeck. Por outro lado, as recorrentes alegam que o acórdão BIDS, n.° 341, supra (EU:C:2008:643), não tinha sido proferido no momento da celebração dos acordos controvertidos.

759    Além disso, no início de 2004, a KFST forneceu indicações fundamentais sobre a insegurança jurídica que rodeava os acordos em matéria de patentes que previam pagamentos compensatórios. Em particular, o comunicado de imprensa da KFST de 28 de janeiro de 2004 demonstra que a Comissão considerava, à época, que os montantes dos pagamentos efetuados pela Lundbeck eram tais que não era possível demonstrar de forma plausível que serviam para compensar o afastamento de um concorrente do mercado. Por outro lado, o facto de a Comissão demorar mais de uma década para formar um ponto de vista sobre a qualificação jurídica de acordos que preveem um pagamento compensatório demonstra a extrema complexidade e enorme novidade das questões subjacentes.

760    A Comissão contesta estes argumentos.

761    Deve recordar‑se que o princípio da segurança jurídica exige que uma regulamentação da União permita aos interessados conhecer com exatidão a extensão das obrigações que ela lhes impõe e que estes últimos possam conhecer sem ambiguidade os seus direitos e obrigações e agir em conformidade (v. acórdão de 29 de março de 2011, ArcelorMittal Luxembourg/Comissão e Comissão/ArcelorMittal Luxembourg e o., C‑201/09 P e C‑216/09 P, Colet., EU:C:2011:190, n.° 68 e jurisprudência aí referida).

762    Todavia, quanto à questão de saber se uma infração foi cometida deliberadamente ou por negligência e se, por isso, é punível com coima nos termos do artigo 23.°, n.° 2, primeiro parágrafo, do Regulamento n.° 1/2003, resulta da jurisprudência que este requisito está preenchido quando a empresa em causa não possa ignorar o caráter anticoncorrencial do seu comportamento, quer tenha tido ou não consciência de violar as regras de concorrência do Tratado (v. acórdão Schenker & Co. e o., n.° 748, supra, EU:C:2013:404, n.° 37 e jurisprudência aí referida).

763    Em seguida, importa recordar que os princípios da segurança jurídica e da legalidade das penas, previstos no artigo 7.° da Convenção para a Proteção dos Direitos do Homem e das Liberdades Fundamentais, assinada em Roma, em 4 de novembro de 1950, assim como no artigo 49.° da Carta dos Direitos Fundamentais, não podem ser interpretados no sentido de impedir a clarificação gradual das regras da responsabilidade penal, mas podem opor‑se à aplicação retroativa de uma nova interpretação de uma norma que cria uma infração (v., neste sentido, acórdão Telefónica e Telefónica de España/Comissão, n.° 113, supra, EU:C:2014:2062, n.° 148 e jurisprudência aí referida).

764    No caso em apreço, contrariamente ao que alegam as recorrentes, não era imprevisível que os acordos através dos quais a empresa de medicamentos originais conseguiu afastar os concorrentes potenciais do mercado durante um período determinado, mediante pagamentos compensatórios significativos, pudessem ser contrários ao artigo 101.°, n.° 1, TFUE, quer excedessem, ou não, o âmbito de aplicação das patentes de tal empresa (v. n.os 486 a 490, supra).

765    Conforme observou acertadamente a Comissão nos considerandos 1312 e 1313 da decisão impugnada, uma leitura literal do artigo 101.°, n.° 1, TFUE permitia compreender que os acordos entre concorrentes que visam excluir alguns deles do mercado eram ilegais. Com efeito, os acordos de repartição ou de exclusão do mercado figuram entre as restrições mais graves da concorrência expressamente referidas no artigo 101.°, n.° 1, TFUE (n.° 338, supra).

766    No caso em apreço, o facto de os acordos controvertidos terem sido celebrados sob a forma de transações relativas aos direitos de propriedade intelectual não pode permitir às recorrentes inferir que a sua ilegalidade à luz do direito da concorrência era totalmente nova ou imprevisível.

767    O alcance do conceito de previsibilidade depende em larga medida do conteúdo do texto em questão, do domínio que abrange, bem como do número e da qualidade dos seus destinatários. A previsibilidade da lei não se opõe a que a pessoa em causa recorra a aconselhamento especializado a fim de avaliar, com um grau razoável nas circunstâncias do caso, as consequências que podem resultar de um determinado ato. É, em especial, o que acontece com os profissionais habituados a ter de demonstrar grande prudência no exercício da sua profissão. Por conseguinte, pode esperar‑se que eles avaliem com particular cuidado os riscos que a mesma comporta (v., neste sentido, acórdão de 28 de junho de 2005, Dansk Rørindustri e o./Comissão, C‑189/02 P, C‑202/02 P, C‑205/02 P a C‑208/02 P e C‑213/02 P, Colet., EU:C:2005:408, n.° 219 e jurisprudência aí referida).

768    Nenhum dos argumentos apresentados pelas recorrentes é suscetível de pôr em causa esta conclusão.

769    Com efeito, em primeiro lugar, embora seja verdade que o acórdão BIDS, n.° 341, supra (EU:C:2008:643), invocado pela Comissão na decisão impugnada, foi proferido após a celebração dos acordos controvertidos, a jurisprudência anterior precisava, não obstante, que um acordo não estava imune ao direito da concorrência pelo simples facto de ser relativo a uma patente ou de visar resolver amigavelmente um litígio em matéria de patentes (v., neste sentido, acórdão Bayer e Maschinenfabrik Hennecke, n.° 427, supra, EU:C:1988:448, n.° 15) e que o facto de substituir a apreciação discricionária de uma das partes pelas decisões dos tribunais nacionais para constatar a existência de uma violação de uma patente manifestamente não fazia parte do objeto específico da patente e constituía uma restrição ao livre funcionamento da concorrência (v., neste sentido, acórdão Windsurfing, n.° 119, supra, EU:C:1986:75, n.os 52 e 92).

770    O acórdão Centrafarm e de Peijper, n.° 117, supra (EU:C:1974:114, n.os 39 e 40), precisava igualmente que as condições de exercício de um direito de propriedade intelectual podiam ser abrangidas pelas proibições previstas 101.° TFUE, e que tal podia ser o caso sempre que o exercício do referido direito fosse suscetível de constituir o objeto, o meio ou a consequência de uma «entente».

771    Em segundo lugar, no que respeita aos documentos que emanam da KFST e, em particular, ao comunicado de imprensa de 28 de janeiro de 2004, importa recordar, antes de mais, que não se trata de um documento que emana da Comissão e que, nessa medida, não podia, enquanto tal, criar expectativas legítimas às recorrentes. Além disso, importa recordar que as autoridades nacionais da concorrência não são competentes para adotar uma decisão negativa, nomeadamente, uma decisão que conclui pela inexistência de uma violação do artigo 101.°, n.° 1, TFUE (n.° 748, supra).

772    Além disso, resulta claramente do comunicado da KFST que os acordos que têm por objetivo comprar a exclusão do mercado de um concorrente são anticoncorrenciais. No termo do seu inquérito aprofundado sobre o setor farmacêutico, a Comissão teve a possibilidade de aperfeiçoar a sua abordagem e compreender plenamente o caráter anticoncorrencial de determinados acordos, nomeadamente quando estes implicavam um pagamento compensatório significativo, como sucede no caso em apreço (n.os 349 a 403, supra).

773    Em terceiro lugar, na medida em que as recorrentes invocam a prática anterior da Comissão para alegarem que a infração constatada no caso em apreço era inédita e só exigia uma coima simbólica, importa recordar que, segundo a jurisprudência, a Comissão dispõe de uma margem de apreciação na fixação do montante das coimas, a fim de orientar o comportamento das empresas no sentido do cumprimento das regras da concorrência. O facto de a Comissão ter aplicado, no passado, coimas de certo nível a determinados tipos de infrações não pode privá‑la da possibilidade de aumentar esse nível, dentro dos limites indicados no Regulamento n.° 1/2003, se isso for necessário para assegurar a execução da política de concorrência da União. A aplicação eficaz das regras comunitárias da concorrência exige, pelo contrário, que a Comissão possa, em qualquer altura, adaptar o nível das coimas às necessidades dessa política (v. acórdão de 25 de outubro de 2011, Aragonesas Industrias y Energía/Comissão, T‑348/08, Colet., EU:T:2011:621, n.° 293 e jurisprudência aí referida).

774    Além disso, o facto de a Comissão não ter, no passado, considerado que um acordo de determinado tipo era, pelo seu próprio objetivo, restritivo da concorrência não pode, por si só, impedi‑la de fazê‑lo no futuro na sequência de um exame individual e circunstanciado das medidas controvertidas, à luz do seu conteúdo, da sua finalidade e do seu contexto. Por conseguinte, não é exigido que o mesmo tipo de acordos já tenha sido condenado pela Comissão para poderem ser considerados restritivos da concorrência por objetivo (n.° 438, supra).

775    A jurisprudência também não exige que um acordo tenha de ser suficientemente nocivo para a concorrência à primeira vista ou sem qualquer dúvida, sem a realização de um exame aprofundado do seu conteúdo, da sua finalidade, e do contexto económico e jurídico no qual se insere, para poder ser qualificado de restrição da concorrência por objetivo na aceção desta disposição (n.° 752, supra).

776    Por último, resulta da decisão impugnada que determinadas empresas de genéricos tinham compreendido bem o caráter ilícito de acordos análogos aos acordos controvertidos e recusaram entrar em tais acordos precisamente por esse motivo (v. considerando 190 da decisão impugnada). De igual modo, um funcionário da Lundbeck reagiu a algumas trocas de correios eletrónicos que estabeleciam os preços e as quantidades de citalopram compradas pela Merck (GUK) à Lundbeck em virtude dos acordos controvertidos, precisando que «se [opunha] fortemente ao conteúdo desse correio eletrónico» e que «[não podiam] e não [deviam] [acordar] os preços de revenda», uma vez que «isso [era] ilegal» (considerando 265 da decisão impugnada). No que respeita ao acordo Ranbaxy, a Lundbeck afirmou igualmente, no decurso das negociações relativas a este acordo, que seria oneroso e difícil, nomeadamente do ponto de vista do direito da concorrência (v. considerando 188 da decisão impugnada).

777    Estes elementos demonstram que, longe de serem imprevisíveis nesse momento, as restrições da concorrência previstas pelos acordos controvertidos podiam razoavelmente ser compreendidas pelas partes nestes acordos como contrárias ao artigo 101.°, n.° 1, TFUE.

778    Por conseguinte, as recorrentes afirmam erradamente que a Comissão violou os princípios da segurança jurídica e da legalidade das penas no caso em apreço.

779    A primeira parte deve, assim, ser rejeitada.

B –  Quanto à segunda parte

780    Segundo as recorrentes, decorre do acórdão AstraZeneca/Comissão, n.° 755, supra (EU:T:2010:266), que não há justificação para aplicar coimas devido ao caráter inédito de um processo quando, por um lado, nenhuma jurisprudência anterior teve por objeto o comportamento considerado e, por outro, esse comportamento não é fortemente anticoncorrencial, pelo que a empresa interessada não podia prever que era ilícito. Ora, em seu entender, o considerando 1300 da decisão impugnada reconhece que o primeiro requisito está preenchido no caso em apreço, ao passo que, no que respeita ao segundo requisito, os acordos controvertidos não constituem práticas abusivas, tais como as que estão em causa no processo que deu origem ao acórdão AstraZeneca/Comissão, n.° 755, supra (EU:T:2010:266). Além disso, as empresas que, à semelhança da Lundbeck, não se encontram em posição dominante não têm qualquer responsabilidade especial. Por conseguinte, a Comissão não pode aplicar, no âmbito de um inquérito nos termos do artigo 101.°, n.° 1, TFUE, critérios estabelecidos num processo relativo a um abuso de posição dominante.

781    A Comissão contesta estes argumentos.

782    Importa observar, a este respeito, como recordou a Comissão no considerando 1300 da decisão impugnada, que, no seu acórdão AstraZeneca/Comissão, n.° 163, supra (EU:C:2012:770), o Tribunal de Justiça declarou, respondendo a um argumento análogo da recorrente neste processo, que, «embora a Comissão e os órgãos jurisdicionais da União ainda não tivessem tido a ocasião de se pronunciar, especificamente, sobre um comportamento como o que caracterizou estes abusos, o AZ estava consciente da natureza fortemente anticoncorrencial do seu comportamento e devia ter previsto que o mesmo era incompatível com as regras de concorrência do direito da União». Por conseguinte, as recorrentes deduzem erradamente desse acórdão que a Comissão não pode aplicar uma coima na falta de precedentes análogos confirmados pelos órgãos jurisdicionais da União (n.os 438 e 774, supra).

783    Além disso, tal como no processo que deu origem ao acórdão AstraZeneca, n.° 755, supra (EU:T:2010:266), os comportamentos das recorrentes no caso em apreço não faziam manifestamente parte do funcionamento normal da concorrência, uma vez que visavam excluir os concorrentes potenciais do mercado através de pagamentos compensatórios significativos. O facto de algumas transações em matéria de patentes poderem, por outro lado, ser legítimas e não violar as disposições do Tratado sobre a livre concorrência, em nada afeta o facto de, no caso em apreço, os acordos controvertidos celebrados pelas recorrentes serem anticoncorrenciais, pelos motivos expostos pela Comissão na decisão impugnada (v. n.° 354, supra, e considerandos 661 e 662 da decisão impugnada).

784    Por último, embora seja verdade que as empresas que se encontram em situação de posição dominante têm a responsabilidade especial, em virtude do artigo 102.° TFUE, de não adotarem determinados tipos de comportamentos unilaterais que afetam a concorrência, como aqueles que estavam em causa no acórdão AstraZeneca, n.° 755, supra (EU:T:2010:266), não deixa de ser verdade que todas as empresas, quer se encontrem em situação de posição dominante ou não, estão igualmente sujeitas ao artigo 101.° TFUE quando os pressupostos de aplicação deste artigo estiverem preenchidos e podem ser‑lhes aplicadas coimas a este título. Ora, foi esta última disposição, e não o artigo 102.° TFUE, que a Comissão aplicou no caso em apreço.

785    Por conseguinte, improcede a segunda parte, assim como o nono fundamento na íntegra.

VI –  Quanto ao décimo fundamento, relativo, a título eminentemente subsidiário, a erros de direito e de facto no cálculo do montante das coimas

786    As recorrentes consideram que, em qualquer caso, para calcular o montante da coima na decisão impugnada a Comissão deveria, em primeiro lugar, ter utilizado uma taxa de gravidade inferior, em segundo lugar, ter em conta que as infrações alegadas tinham durado pouco tempo, em terceiro lugar, não impor qualquer montante adicional e, em quarto lugar, aplicar circunstâncias atenuantes.

787    A Comissão contesta estes argumentos.

788    Importa recordar, a título preliminar, que, relativamente às recorrentes, a Comissão seguiu a metodologia geral descrita nas orientações de 2006, baseada no valor das vendas do produto em causa, no que respeita direta ou indiretamente às infrações cometidas, no setor geográfico relevante no interior do território do EEE (n.os 13 e 19 das referidas orientações). A proposta formulada foi de 10% ou 11%, segundo o alcance geográfico dos acordos controvertidos (v. n.os 68 a 75, supra, e considerandos 1316 a 1358 da decisão impugnada).

789    Importa recordar igualmente que, segundo jurisprudência constante, para a determinação dos montantes das coimas a aplicar em caso de violação das regras da concorrência, há que ter em conta a duração das infrações e todos os elementos que podem entrar na apreciação da gravidade daquelas, tais como o comportamento de cada uma das empresas, o papel desempenhado por cada uma delas no estabelecimento das práticas concertadas, o benefício que retiraram dessas práticas, a sua dimensão e o valor das mercadorias em causa, bem como o risco que as infrações deste tipo representam (v. acórdão de 8 de dezembro de 2011, KME Germany e o./Comissão, C‑272/09 P, Colet., EU:C:2011:810, n.° 96 e jurisprudência aí referida).

790    O Tribunal de Justiça declarou igualmente que elementos objetivos, como o conteúdo e a duração dos comportamentos anticoncorrenciais, o seu número e a sua intensidade, a extensão do mercado afetado e a deterioração sofrida pela ordem pública económica, devem ser tidos em conta (v. acórdão KME Germany e o./Comissão, n.° 789, supra, EU:C:2011:810, n.° 97 e jurisprudência aí referida).

791    A este respeito, importa recordar que o dever de fundamentação reveste particular importância. Incumbe à Comissão fundamentar a sua decisão e, nomeadamente, explicar a ponderação e a avaliação que fez dos elementos tomados em consideração. A existência de fundamentação deve ser verificada oficiosamente pelo juiz (v., neste sentido, acórdão KME Germany e o./Comissão, n.° 789, supra, EU:C:2011:810, n.° 101 e jurisprudência aí referida).

792    Por outro lado, compete ao juiz da União efetuar a fiscalização da legalidade que lhe incumbe com base nos elementos apresentados pelo recorrente para alicerçar os fundamentos invocados. Nesta fiscalização, o juiz não se pode apoiar na margem de apreciação de que dispõe a Comissão nem relativamente à escolha dos elementos a levar em conta no momento da aplicação dos critérios mencionados nas orientações nem relativamente à avaliação destes elementos, renunciando ao exercício de uma fiscalização aprofundada, tanto de direito como de facto (acórdão KME Germany e o./Comissão, n.° 789, supra, EU:C:2011:810, n.° 102).

793    A fiscalização da legalidade é completada pela competência de plena jurisdição que é reconhecida ao juiz da União pelo artigo 31.° do Regulamento n.° 1/2003, em conformidade com o artigo 261.° TFUE. Esta competência habilita o juiz, para além da simples fiscalização da legalidade da punição, a substituir pela sua apreciação da Comissão e, deste modo, a suprimir, reduzir ou aumentar a coima ou a sanção pecuniária compulsória aplicada (v., neste sentido, acórdão KME Germany e o./Comissão, n.° 789, supra, EU:C:2011:810, n.° 103 e jurisprudência aí referida).

794    Porém, impõe‑se realçar que o exercício da competência de plena jurisdição não equivale a uma fiscalização a título oficioso e recordar que a tramitação processual nos órgãos jurisdicionais da União é contraditória. Com exceção dos fundamentos de ordem pública que o juiz tem o dever de suscitar oficiosamente, como a inexistência de fundamentação da decisão impugnada, é ao recorrente que compete suscitar fundamentos contra essa decisão e apresentar elementos de prova que alicercem estes fundamentos (acórdão KME Germany e o./Comissão, n.° 789, supra, EU:C:2011:810, n.° 104).

795    Os argumentos das recorrentes devem ser apreciados à luz destas considerações.

A –  Quanto à primeira parte

796    As recorrentes alegam que as taxas de gravidade, fixadas em 11% do valor das vendas para os acordos celebrados com a Merck (GUK), Alpharma e Ranbaxy e em 10% para s acordos celebrados com a Arrow, são bastante elevadas. Com efeito, em primeiro lugar, a decisão impugnada não tem em conta o alcance limitado das restrições incluídas nos acordos controvertidos, que, pelo menos em parte, estão abrangidas pelo âmbito de aplicação das patentes da Lundbeck. A quota de mercado da Lundbeck era inferior a 19% na maioria dos países do EEE e o alcance geográfico dos acordos deveria ter sido limitado aos países do EEE em relação aos quais as empresas de genéricos tinham perspetivas realistas de integrar o mercado.

797    Em segundo lugar, a decisão não tem em conta o facto de que os acordos controvertidos não eram secretos e de que incluíam cláusulas clássicas para este tipo de acordos, o que justifica uma taxa de gravidade inferior, em conformidade com a prática decisória da Comissão. Em terceiro lugar, os acordos controvertidos não têm natureza colusória, o que, de resto, é reconhecido pela decisão impugnada. Ora, no passado, a Comissão ou não aplicou qualquer coima ou aplicou uma coima bastante inferior ou fixou a taxa de gravidade no nível mais baixo da escala para este tipo de acordos restritivos não colusórios. Por conseguinte, a decisão erra ao concluir que os acordos controvertidos constituem infrações graves ao artigo 101.° TFUE. O princípio da proporcionalidade exige, pelo contrário, que a taxa de gravidade no presente processo seja fixada no nível mais baixo da escala.

798    A Comissão contesta estes argumentos.

799    A este respeito, importa recordar que, nos termos do n.° 21 das orientações de 2006, a proporção do valor das vendas tomada em conta será fixada num nível que pode ir até 30%. O n.° 22 das referidas orientações precisa que, a fim de decidir se a proporção do valor das vendas a tomar em consideração num determinado caso se deverá situar num nível inferior ou superior desta escala, a Comissão terá em conta certos fatores, como a natureza da infração, a quota de mercado agregada de todas as partes em causa, o âmbito geográfico da infração e se a infração foi ou não posta em prática.

800    Em primeiro lugar, há que observar que a Comissão qualificou acertadamente as infrações em causa no caso em apreço de «graves», na medida em que eram restrições da concorrência por objetivo, cujo caráter nocivo para a concorrência foi suficientemente demonstrado, que consistiam em pagar aos concorrentes para que se mantivessem fora do mercado durante um período determinado (considerando 1331 da decisão impugnada).

801    A circunstância de algumas restrições incluídas nos acordos controvertidos poderem estar abrangidas pelo âmbito de aplicação das patentes da Lundbeck (tal como definido nos n.os 335 e 569, supra) não é suscetível de pôr em causa esta conclusão, uma vez que apenas se tratava de um elemento entre outros que foram tidos em conta pela Comissão para demonstrar a existência de uma restrição por objetivo no caso em apreço (n.° 354, supra). Por conseguinte, pouco importa que estes previssem eventualmente também restrições abrangidas pelo âmbito de aplicação de tais patentes, dado que, tal como a Comissão concluiu na decisão impugnada, o determinante é que, no momento da celebração dos acordos controvertidos, existia incerteza quanto à questão de saber se os produtos que as empresas de genéricos pretendiam comercializar violavam, ou não, alguma das patentes da Lundbeck, que a validade destas também poderia ter sido posta em causa num órgão jurisdicional e que foi através de um pagamento compensatório significativo que as recorrentes obtiveram a certeza de que as empresas de genéricos não entrariam no mercado durante a vigência dos acordos controvertidos (n.os 363 e 429, supra). Em qualquer caso, a Comissão considerou acertadamente que os acordos controvertidos continham, na grande maioria dos casos, restrições que excediam o âmbito de aplicação das patentes da Lundbeck (v. sexto fundamento, supra).

802    Em segundo lugar, a Comissão considerou, sem cometer qualquer erro, que a Lundbeck detinha uma quota de mercado muito significativa do produto atingido pelas infrações em causa nos mercados geográficos afetados pelos acordos controvertidos. Deste modo, pelo menos implicitamente, resulta da decisão impugnada que a Lundbeck beneficiava de um monopólio no que respeita ao citalopram no momento da celebração dos acordos controvertidos, uma vez que as suas patentes originárias relativas ao IFA citalopram tinham acabado de expirar e ainda não tinha entrado no mercado nenhuma das empresas que comercializava medicamentos genéricos. Além disso, mesmo que o mercado relevante tivesse sido mais amplo e tivesse incluído todos os medicamentos antidepressivos, a Comissão afirmou, no considerando 215 da decisão impugnada, que a Lundbeck detinha uma quota de mercado substancial deste mercado na maioria dos países do EEE.

803    Em terceiro lugar, a Comissão considerou acertadamente que as infrações em causa tinham um alcance geográfico amplo, uma vez que, excetuando a infração relativa à Arrow, todas abrangiam o conjunto do território do EEE.

804    Contrariamente ao que alegam as recorrentes a este respeito, a Comissão não tinha que reduzir o montante de base da coima para ter em conta apenas o valor das vendas nos países em que as empresas de genéricos estavam mais adiantadas nos seus preparativos para entrar no mercado. Com efeito, relativamente às infrações por objetivo, na medida em que as infrações constituídas pelos acordos controvertidos (excetuando os acordos celebrados com Arrow) tinham um alcance geográfico que abrangia todo o EEE, a Comissão podia basear‑se nesse alcance geográfico, sem realizar um exame aprofundado das perspetivas concretas de entrada das empresas de genéricos em cada Estado do EEE. Com efeito, foram as partes nos acordos controvertidos que definiram o alcance geográfico desses acordos e, consequentemente, das infrações em causa no processo principal quando decidiram que estes abrangeriam todo o EEE (excetuando a infração relativa à Arrow).

805    Em quarto lugar, também não cometeu qualquer erro a Comissão ao ter em consideração o facto de que todos os acordos controvertidos tinham sido executados, o que não é impugnado pelas recorrentes, uma vez que as empresas de genéricos não entraram no mercado durante a vigência dos acordos controvertidos, com exceção da Merck (GUK) antes da segunda prorrogação do acordo GUK para o Reino Unido (n.os 28, 131 e 399, supra).

806    Por conseguinte, à luz de todas estas circunstâncias, há que declarar que, ao fixar a proporção dos valores das vendas que deviam ser tidos em conta para fixar o montante de base da coima aplicada à Lundbeck em 11% e em 10% respetivamente, consoante o alcance geográfico dos acordos visados pela infração era todo o EEE ou não, a Comissão não cometeu qualquer erro de direito. Por outro lado, atendendo aos elementos expostos, tais taxas de gravidade, que se encontram na base da escala prevista pelo n.° 21 das orientações de 2006, não podem ser consideradas desproporcionadas.

807    As recorrentes alegam igualmente em vão que a inexistência de caráter secreto dos acordos justificava que a Comissão fixasse uma taxa de gravidade inferior para determinar o montante da coima que lhes tinha aplicado.

808    Com efeito, o n.° 23 das orientações de 2006 prevê que «[o]s acordos horizontais de fixação de preços, de repartição de mercado e de limitação de produção, que são geralmente secretos, são pela sua natureza considerados as restrições de concorrência mais graves», que «[n]o âmbito da política da concorrência serão sancionados severamente» e que, «[p]or conseguinte, a proporção das vendas tida em conta para tais infrações situar‑se‑á geralmente num nível superior da escala».

809    Ora, basta observar que, mesmo que os acordos controvertidos não tivessem qualquer caráter secreto, ao fixar a proporção das vendas tidas em conta em 10% e em 11% respetivamente, no caso em apreço, a Comissão não se colocou no topo da escala prevista pelo n.° 21 das orientações de 2006, que está fixado em 30% do valor das vendas.

810    Além disso, embora em alguns casos a Comissão tenha tido a possibilidade de considerar que não era necessário aplicar uma coima ou tomar em consideração uma proporção do valor das vendas situada na base da escala de gravidade, por diversos motivos, importa recordar que, segundo jurisprudência constante, a prática decisória anterior da Comissão não serve em si mesma de quadro jurídico às coimas em matéria de concorrência, dado que este está definido unicamente no Regulamento n.° 1/2003 e nas orientações. Assim, as decisões referentes a outros processos só podem assumir caráter indicativo no que respeita à eventual existência de discriminações, posto que é pouco provável que as circunstâncias desses processos, tais como os mercados, os produtos, as empresas e os períodos em causa, sejam idênticos (v., neste sentido, acórdão E.ON Ruhrgas e E.ON/Comissão, n.° 98, supra, EU:T:2012:332, n.os 260 a 262 e jurisprudência aí referida). Ora, no caso em apreço, os dados circunstanciais dos processos relativos às decisões anteriores invocadas pelas recorrentes, tais como os mercados, os produtos, os países, as empresas e os períodos em causa, não são comparáveis aos do caso em apreço, pelo que as referidas decisões não são relevantes, à luz do respeito do princípio da igualdade de tratamento, em conformidade com a jurisprudência referida.

811    Por último, as recorrentes invocam erradamente uma violação do princípio da proporcionalidade no caso em apreço. Com efeito, este princípio apenas implica neste contexto que a Comissão deve fixar a coima proporcionalmente aos elementos tidos em conta para apreciar a gravidade da infração e que deve aplicar esses elementos de forma coerente e objetivamente justificada (v. acórdão de 27 de setembro de 2006, Jungbunzlauer/Comissão, T‑43/02, Colet., EU:T:2006:270, n.° 228 e jurisprudência aí referida). Ora, resulta dos considerandos 1330 a 1333 da decisão impugnada que a Comissão aplicou os princípios fixados no n.° 22 das orientações de 2006 de forma coerente e objetivamente justificada no caso em apreço.

812    Por conseguinte, a primeira parte deve ser rejeitada.

B –  Quanto à segunda parte

813    As recorrentes afirmam que, no considerando 1335, a decisão impugnada recusa erradamente aceitar que as infrações alegadas tiveram uma duração mais curta. Esta duração deveria ser limitada ao período em que as empresas de genéricos estavam efetivamente prontas para integrar o mercado, o que exigia que dispusessem, no mínimo, de uma AIM nos países relevantes. Ora, na Áustria, por exemplo, a patente sobre o IFA não expirou até abril de 2003, pelo que as infrações cometidas juntamente com a GUK, a Alpharma e a Ranbaxy não poderiam ter restringido a concorrência na Áustria antes da referida data. Esta abordagem é análoga à posição adotada pela Comissão na Decisão C (2009) 5355 final, de 8 de julho de 2009, relativa a um processo nos termos do artigo [101.° TFUE] (processo COMP/39.401 — E.ON/GDF) (resumo no JO C 248, p. 5, a seguir «Decisão E.ON/GDF»), na qual apenas o período posterior a 1998 foi tido em consideração para efeitos do cálculo do montante da coima.

814    A Comissão contesta estes argumentos.

815    A este respeito, importa observar, à semelhança do que fez a Comissão, que tal argumento equivale a negar a distinção existente entre a concorrência real e a concorrência potencial, e o facto de que o artigo 101.° TFUE protege igualmente esta última (n.° 99, supra). Ora, a Comissão estabeleceu de forma suficiente, em relação a todas as empresas de genéricos em causa, que estas dispunham de possibilidades reais e concretas de entrar no mercado e que, assim, eram concorrentes potenciais da Lundbeck no momento da celebração dos acordos controvertidos (v. primeiro fundamento, supra).

816    O processo que deu origem ao acórdão E.ON Ruhrgas e E.ON/Comissão, n.° 98, supra (EU:T:2012:332), não fornece qualquer apoio às recorrentes, pois em tal processo, como estas reconhecem, não era possível qualquer concorrência, mesmo sem a existência do acordo anticoncorrencial durante uma parte do período da infração, uma vez que o mercado estava legalmente fechado à concorrência em virtude da legislação nacional aplicável durante esse período, o que criava uma situação de monopólio de facto. Aliás, foi por esta razão que, no referido processo, o Tribunal Geral anulou parcialmente a decisão da Comissão, na medida em que não tinha sido suficientemente demonstrada a existência de uma restrição da concorrência no mercado do gás alemão durante esse período (acórdão E.ON Ruhrgas e E.ON/Comissão, n.° 98, supra, EU:T:2012:332, n.os 105 e 155). No caso em apreço, em contrapartida, a Comissão demonstrou de forma suficiente, na decisão impugnada, que a concorrência tinha sido restringida devido aos acordos controvertidos, durante a vigência destes. As recorrentes não demonstraram que, na falta dos acordos controvertidos, a concorrência — mesmo potencial — entre estas e as empresas de genéricos teria sido impossível ou inexistente, nem que estes acordos tinham restringido de alguma forma a concorrência.

817    Por conseguinte, há que rejeitar a segunda parte.

C –  Quanto à terceira parte

818    As recorrentes consideram que não lhes devia ter sido aplicado qualquer montante adicional, nem sequer pelos acordos celebrados com a Arrow (v. n.° 73, supra), uma vez que as infrações alegadas não correspondem a nenhuma das hipóteses às quais as orientações de 2006 recomendam a aplicação de um montante adicional (sendo estes casos os «acordos horizontais de fixação de preços, de repartição de mercado e de limitação de produção») e na medida em que não era necessário qualquer efeito dissuasivo reforçado relativamente às infrações cujo início remonta há mais de dez anos e que não foram objeto de reincidência.

819    A Comissão contesta estes argumentos.

820    Importa recordar, antes de mais, que o n.° 25 das orientações de 2006, que prevê a inclusão de um direito de entrada no montante de base da coima, dispõe o seguinte:

«[I]ndependentemente da duração da participação de uma empresa na infração, a Comissão incluirá no montante de base uma soma compreendida entre 15% e 25% do valor das vendas […], a fim de dissuadir as empresas de participarem até mesmo em acordos horizontais de fixação de preços, de repartição de mercado e de limitação de produção. A Comissão pode igualmente aplicar tal montante adicional no caso de outras infrações. Para decidir a proporção do valor das vendas a ter em conta num determinado caso, a Comissão terá em conta certos fatores, em especial os identificados no ponto 22 [ou seja, a natureza da infração, a quota de mercado agregada de todas as partes em causa, o âmbito geográfico da infração e se a infração foi ou não posta em prática].»

821    As recorrentes afirmam, no essencial, que a Comissão não podia incluir tal direito de entrada no montante da coima que lhes foi aplicada, a título dissuasivo, uma vez que as alegadas infrações não correspondem a nenhuma das hipóteses às quais as orientações de 2006 recomendam a aplicação de um montante adicional e na medida em que as infrações, que remontam a mais de dez anos, não foram objeto de qualquer reincidência.

822    Contudo, há que recordar que a missão de fiscalização conferida à Comissão pelo direito da União, no domínio do direito da concorrência, inclui a investigação e a repressão das infrações individuais e o dever de prosseguir uma política geral dirigida a aplicar em matéria de concorrência os princípios consagrados no Tratado e a orientar o comportamento das empresas nesse sentido. Daí resulta que a Comissão deve garantir o caráter dissuasor das coimas (v., neste sentido, acórdão de 17 de dezembro de 2014, Pilkington Group e o./Comissão, T‑72/09, EU:T:2014:1094, n.° 302 e jurisprudência aí referida).

823    Assim, o efeito dissuasivo da coima não visa apenas fazer com que a empresa não reincida. A Comissão tem o poder de decidir sobre o nível das coimas com vista a reforçar o seu efeito dissuasivo a nível geral, nomeadamente quando infrações de determinado tipo sejam ainda relativamente frequentes ou devam ser consideradas graves (v. acórdão Pilkington Group e o./Comissão, n.° 822, supra, EU:T:2014:1094, n.° 303 e jurisprudência aí referida).

824    Além disso, como alega a Comissão, no caso em apreço, os acordos controvertidos assemelhavam‑se muito aos acordos de repartição do mercado ou de limitação da produção, que estão expressamente previstos pelo n.° 25 das orientações de 2006 (n.° 820, supra). Em qualquer caso, o mesmo número das referidas orientações autoriza a Comissão, em conformidade com a jurisprudência, a aplicar tal montante adicional a fim de assegurar um caráter dissuasivo à coima para outros tipos de infrações.

825    Importa concluir, assim, que a Comissão não ultrapassou a margem de apreciação de que dispunha em matéria de coimas, nem violou as suas orientações de 2006 ao aplicar um montante adicional de 10% do valor das vendas anuais em relação à primeira infração cometida juntamente com a Arrow, com vista a assegurar um caráter suficientemente dissuasivo ao montante da coima aplicada às recorrentes (considerando 1340 da decisão impugnada).

826    Por conseguinte, a terceira parte deve igualmente ser rejeitada.

D –  Quanto à quarta parte

827    As recorrentes consideram, em primeiro lugar, que a Comissão recusou erradamente conceder à Lundbeck o benefício da circunstância atenuante que decorre da existência de uma dúvida razoável da empresa sobre o caráter ilícito do comportamento restritivo. O argumento da decisão impugnada segundo o qual a circunstância atenuante relativa à dúvida razoável sobre a existência da infração também não figurava nas orientações de 2006 (considerando 1343 da decisão impugnada) não constitui um fundamento válido para não a aplicar, uma vez que tanto estas orientações como o Tribunal Geral reconhecem que a lista das circunstâncias atenuantes não é taxativa. Além disso, resulta claramente das comunicações entre a KFST e a Comissão que, aos olhos desta, o critério jurídico aplicável aos acordos controvertidos não era evidente à época, pelo que também não podia sê‑lo para a Lundbeck.

828    Em segundo lugar, as recorrentes alegam que foram injustamente privadas do benefício da circunstância atenuante que resulta do facto de as alegadas infrações terem sido cometidas por negligência, apesar de terem celebrado os acordos controvertidos de boa‑fé, a fim de impedirem a contrafação das suas patentes por parte das empresas de genéricos, circunscrevendo o alcance desses acordos apenas aos produtos que infringiam tais patentes, e não terem tentado de forma alguma mantê‑los secretos, o que teriam feito caso pretendessem violar o direito da concorrência da União.

829    A Comissão contesta estes argumentos.

830    Em primeiro lugar, importa observar, como fazem as recorrentes, que o facto de a existência de uma dúvida razoável sobre a existência de uma infração também não figurar expressamente entre as circunstâncias atenuantes referidas nas orientações de 2006 não basta para que a Comissão exclua automaticamente a sua aplicação enquanto circunstância atenuante. Com efeito, a jurisprudência precisou, a este respeito, que, na falta de uma indicação de natureza imperativa nas orientações em relação às circunstâncias atenuantes que podem ser tidas em conta, a Comissão conservou uma certa margem de apreciação para analisar de forma global a importância de uma eventual redução do montante das coimas a título de circunstâncias atenuantes (v., neste sentido, acórdão Dalmine/Comissão, n.° 380, supra, EU:T:2004:220, n.° 326 e jurisprudência aí referida).

831    Todavia, a circunstância de uma decisão da Comissão constituir o primeiro caso de aplicação das regras da concorrência num determinado setor da economia não pode ser qualificada de atenuante se o autor da infração sabia ou não podia ignorar que o seu comportamento era suscetível de causar uma restrição da concorrência no mercado e de colocar problemas sob a perspetiva do direito da concorrência (v., neste sentido, acórdão de 8 de março de 2011, World Wide Tobacco España/Comissão, T‑37/05, EU:T:2011:76, n.° 160).

832    Ora, no caso em apreço, as recorrentes não podiam ignorar que os acordos controvertidos eram suscetíveis de violar o artigo 101.° TFUE. Com efeito, estes visavam excluir os concorrentes potenciais do mercado durante o seu período de vigência, em contrapartida de um pagamento, o que se enquadra nas infrações graves expressamente referidas pelo artigo 101.°, n.° 1, TFUE.

833    Além disso, resulta da decisão impugnada que a Lundbeck estava consciente do caráter potencialmente ilícito dos referidos acordos (v. n.° 776, supra).

834    Por outro lado, no que respeita aos comunicados da KFST, invocados pelas recorrentes, há que recordar que uma empresa que violou o artigo 101.° TFUE não pode escapar à aplicação de uma coima quando a referida infração tenha origem num erro dessa empresa quanto à legalidade do seu comportamento devido ao teor de um parecer jurídico de um advogado ou de uma decisão de uma autoridade nacional da concorrência (acórdão Schenker & Co. e o., n.° 748, supra, EU:C:2013:404, n.° 43). Além disso, no caso em apreço, longe de colocar uma dúvida sobre a aplicabilidade do artigo 101.° TFUE aos acordos controvertidos, estes comunicados precisavam que os acordos controvertidos podiam influenciar a concorrência caso se verificasse que a Lundbeck tinha pago aos concorrentes para se manterem fora do mercado.

835    Em qualquer caso, admitindo que, no momento da celebração dos acordos controvertidos, possa ter existido uma dúvida razoável sobre a articulação dos elementos a ter em conta para estabelecer a existência de uma restrição da concorrência por objetivo no caso em apreço, num contexto em que as recorrentes possuíam patentes de processo que podiam opor‑se à entrada das empresas de genéricos no mercado, não deixa de ser verdade que, nesse momento, não podia existir qualquer dúvida sobre o facto de que acordos que, como no caso em apreço, tinham por objetivo pagar aos concorrentes potenciais para que se mantivessem fora do mercado durante um período definido não podiam ser conformes ao artigo 101.°, n.° 1, TFUE, uma vez que não permitiam de modo algum facilitar a entrada dos genéricos no mercado, mesmo após a sua expiração, e que não permitiam realmente resolver o litígio subjacente em matéria de patentes entre as partes (n.os 475 e 497, supra).

836    Além disso, conforme foi estabelecido no âmbito do sexto fundamento, os acordos controvertidos, excetuando o acordo GUK para o Reino Unido, previam restrições que excediam o âmbito de aplicação das patentes da Lundbeck, pelo que, mesmo se o critério do âmbito de aplicação das patentes, proposto pelas recorrentes, tinha sido o critério jurídico pertinente para avaliar a legalidade destes acordos à luz do artigo 101.°, n.° 3, TFUE, os acordos controvertidos não respeitaram esse critério e, assim, constituíram igualmente restrições da concorrência por objetivo na aceção desta disposição. Quanto ao acordo GUK para o Reino Unido, há que assinalar que este faz parte, juntamente com o acordo GUK para o EEE, da mesma infração única e continuada cometida pela Lundbeck e pela Merck (GUK). Ora, tal como foi acima referido, a Comissão demonstrou de forma suficiente que o acordo GUK para o EEE previa restrições que excediam o âmbito de aplicação das patentes da Lundbeck.

837    Em segundo lugar, as recorrentes alegam que as infrações em questão no caso em apreço foram cometidas por negligência, o que constitui igualmente uma circunstância atenuante que justifica uma redução do montante da coima.

838    O n.° 29 das orientações de 2006 precisa que o montante de base da coima pode ser diminuído sempre que a Comissão verifique existirem circunstâncias atenuantes, nomeadamente, por exemplo, quando a empresa em causa prove que a infração foi cometida por negligência.

839    No caso em apreço, contudo, importa recordar que os acordos controvertidos foram celebrados pelas recorrentes intencionalmente e que faziam parte de uma estratégia deliberada que visava evitar a entrada potencialmente imediata dos genéricos no mercado (n.os 126 e 528, supra).

840    Com efeito, o argumento das recorrentes baseia‑se novamente na premissa de que os acordos controvertidos apenas impediram o acesso ao mercado dos produtos genéricos que potencialmente violavam as suas patentes. Ora, conforme foi demonstrado no âmbito do sexto fundamento, não é esse o caso. De qualquer maneira, existia incerteza quanto à questão de saber se as patentes da Lundbeck eram válidas e se eram violadas pelos produtos que as empresas de genéricos pretendiam comercializar no momento da celebração dos acordos controvertidos (v. segundo fundamento, supra), incerteza que foi eliminada por esses acordos. Por conseguinte, as recorrentes alegam erradamente que as infrações foram cometidas por negligência no caso em apreço e que a Comissão deveria ter‑lhes concedido o benefício desta circunstância atenuante.

841    Além disso, mesmo admitindo que, no caso em apreço, as infrações foram cometidas por negligência, a Comissão não estava, no entanto, obrigada a conceder uma redução do montante da coima às recorrentes. Com efeito, como confirma a redação do n.° 29 das orientações de 2006, a Comissão dispõe de uma margem de apreciação a este respeito, tendo em conta todas as circunstâncias do caso. Assim, embora seja certo que as circunstâncias enumeradas nas orientações se encontram entre as que podem ser tidas em conta pela Comissão num determinado caso, esta não é obrigada, quando uma empresa apresenta elementos que podem indicar a presença de uma dessas circunstâncias, a conceder uma redução suplementar automática, sem proceder a uma análise global. Com efeito, a adequação de uma eventual redução do montante da coima a título de circunstâncias atenuantes deve ser apreciada de um ponto de vista global e tendo em conta o conjunto das circunstâncias pertinentes do caso em apreço (v., neste sentido, acórdão de 5 de dezembro de 2013, Caffaro/Comissão, C‑447/11 P, EU:C:2013:797, n.° 103).

842    Ora, à luz de todas as circunstâncias do caso em apreço e do facto de a Comissão ter tido em conta a duração do processo para conceder uma redução de 10% de montante de base da coima aplicada às recorrentes, o Tribunal Geral considera, exercendo os seus poderes de plena jurisdição conferidos pelo artigo 31.° do Regulamento n.° 1/2003, em conformidade com o artigo 261.° TFUE (n.° 793, supra), que, no caso em apreço, o benefício de circunstâncias atenuantes não deve ser concedido e que o montante da coima aplicada às recorrentes na decisão impugnada deve ser confirmado.

843    No que respeita, em particular, ao acordo GUK para o Reino Unido, importa sublinhar que, mesmo que se tenha considerado, no âmbito do sexto fundamento, que, na decisão impugnada, a Comissão não demonstrou de forma suficiente que este acordo previa restrições que excediam o âmbito de aplicação das patentes da Lundbeck, tal alegação foi declarada inoperante pelos motivos expostos nos n.os 539 e 5710 a 577, supra. Assim, o Tribunal Geral não deve conceder uma redução do montante da coima aplicada às recorrentes com base neste aspeto.

844    Por conseguinte, improcedem a quarta parte e o décimo fundamento na íntegra.

845    Uma vez que nenhum dos fundamentos invocados pelas recorrentes em apoio do seu pedido de anulação da decisão impugnada é procedente ou eficaz e que o exame dos argumentos apresentados em apoio do seu pedido de reforma do montante da coima não revelou elementos inadequados no cálculo do montante desta efetuado pela Comissão, há que negar provimento ao recurso na íntegra.

 Quanto às despesas

846    Nos termos do artigo 134.° do Regulamento de Processo, a parte vencida é condenada nas despesas se a parte vencedora o tiver requerido. Tendo as recorrentes sido vencidas, há que condená‑las a suportar as despesas, em conformidade com os pedidos da Comissão.

847    Nos termos do artigo 138.°, n.° 3, do Regulamento de Processo e dos pedidos da Comissão, há que decidir que a interveniente suportará as suas próprias despesas.

Pelos fundamentos expostos,

O TRIBUNAL GERAL (Nona Secção)

decide:

1)      É negado provimento ao recurso.

2)      A H. Lundbeck A/S e a Lundbeck Ltd suportarão as suas próprias despesas, bem como as despesas efetuadas pela Comissão Europeia.

3)      A European Federation of Pharmaceutical Industries and Associations (EFPIA) suportará as suas próprias despesas.

Berardis

Czúcz

Popescu

Proferido em audiência pública no Luxemburgo, em 8 de setembro de 2016.

Assinaturas

Índice


Antecedentes do litígio

I –  Sociedades em causa no presente processo

II –  Produto em causa e patentes relacionadas com este

III –  Acordos controvertidos

A –  Acordos com a Merck (GUK)

B –  Acordos com a Arrow

C –  Acordo com a Alpharma

D –  Acordo com a Ranbaxy

IV –  Diligências da Comissão no setor farmacêutico e procedimento administrativo

V –  Decisão impugnada

Tramitação do processo e pedidos das partes

Questão de direito

I –  Quanto ao primeiro fundamento, relativo a erros de direito e de apreciação cometidos na medida em que a decisão impugnada considera que as empresas de genéricos e a Lundbeck eram, no mínimo, concorrentes potenciais no momento da celebração dos acordos controvertidos

A –  Análise relativa à concorrência potencial na decisão impugnada

B –  Princípios e jurisprudência aplicáveis

1.  Quanto ao conceito de concorrência potencial

2.  Quanto ao ónus da prova

3.  Quanto ao alcance da fiscalização exercida pelo Tribunal Geral

C –  Quanto à primeira parte, relativa ao facto de o lançamento de medicamentos que violam os direitos de propriedade intelectual de terceiros não constituir a expressão de uma concorrência potencial nos termos do artigo 101.° TFUE

D –  Quanto à segunda parte, relativa ao facto de a Comissão se ter baseado em avaliações subjetivas para concluir que as empresas de genéricos eram concorrentes reais ou potenciais da Lundbeck

E –  Quanto à terceira parte, relativa ao facto de a contestação de uma patente válida não constituir uma possibilidade real e concreta de entrar no
mercado

F –  Quanto à quarta parte, relativa ao facto de a inexistência de AIM impedir a existência de uma concorrência real ou potencial

G –  Quanto à quinta parte, relativa ao facto de as empresas de genéricos não poderem ter recorrido a outros processos ou a outros produtores de IFA durante a vigência dos acordos controvertidos

H –  Quanto à sexta parte, relativa à inexistência de concorrência potencial entre a Lundbeck e a Merck (GUK) no momento da celebração dos acordos controvertidos

1.  Situação no Reino Unido

2.  Situação no EEE

I –  Quanto à sétima parte, relativa à inexistência de concorrência potencial entre a Lundbeck e a Arrow no momento da celebração dos acordos controvertidos

1.  Situação no Reino Unido

2.  Quanto à situação na Dinamarca

J –  Quanto à oitava parte, relativa à inexistência de concorrência potencial entre a Lundbeck e a Alpharma no momento da celebração dos acordos controvertidos

K –  Quanto à nona parte, relativa à inexistência de concorrência potencial entre a Lundbeck e a Ranbaxy no momento da celebração dos acordos controvertidos

II –  Quanto ao segundo, terceiro, quarto, quinto e sexto fundamentos, relativos, no essencial, a uma violação do artigo 101.°, n.° 1, TFUE

A –  Análise relativa à existência de uma restrição da concorrência por objetivo na decisão impugnada

B –  Princípios e jurisprudência aplicáveis

C –  Quanto ao segundo fundamento, relativo a um erro de direito e de facto e a uma falta de fundamentação na avaliação do papel das transferências de valor nos acordos controvertidos

1.  Quanto à primeira parte

2.  Quanto à segunda parte

3.  Quanto à terceira parte

D –  Quanto ao terceiro fundamento, relativo a um erro de direito cometido na aplicação dos princípios respeitantes ao objetivo restritivo da concorrência

1.  Quanto à primeira parte

2.  Quanto à segunda parte

3.  Quanto à terceira parte

4.  Quanto à quarta parte

E –  Quanto ao quarto fundamento, relativo a um erro de direito e a uma falta de fundamentação cometidos no momento da rejeição do critério do âmbito de aplicação da patente como norma essencial de avaliação dos acordos de transação em matéria de patentes no âmbito do artigo 101.°, n.° 1, TFUE

1.  Quanto à primeira parte

2.  Quanto à segunda parte

F –  Quanto ao quinto fundamento, relativo a um erro manifesto de apreciação dos factos, a uma violação do dever de diligência e a uma falta de fundamentação por as ações da Lundbeck terem sido qualificadas de estratégia global hostil à entrada dos genéricos e como pertinentes para avaliar os acordos controvertidos à luz do artigo 101.°, n.° 3, TFUE

G –  Quanto ao sexto fundamento, relativo a um erro manifesto de apreciação dos factos na medida em que a decisão impugnada conclui que os acordos controvertidos previam restrições que excediam as restrições inerentes ao exercício dos direitos conferidos pelas patentes da Lundbeck

1.  Acordo GUK para o Reino Unido

2.  Acordo GUK para o EEE

3.  Acordo Arrow UK

4.  Acordo Arrow dinamarquês

5.  Acordo Alpharma

6.  Acordo Ranbaxy

III –  Quanto ao sétimo fundamento, relativo a um erro manifesto de apreciação cometido na medida em que os ganhos de eficácia dos acordos controvertidos não foram corretamente avaliados

IV –  Quanto ao oitavo fundamento, relativo a uma violação dos direitos de defesa

A –  Quanto à primeira parte

B –  Quanto à segunda parte

V –  Quanto ao nono fundamento, relativo, a título subsidiário, ao facto de a aplicação de coimas à Lundbeck enfermar de um erro de direito

A –  Quanto à primeira parte

B –  Quanto à segunda parte

VI –  Quanto ao décimo fundamento, relativo, a título eminentemente subsidiário, a erros de direito e de facto no cálculo do montante das coimas

A –  Quanto à primeira parte

B –  Quanto à segunda parte

C –  Quanto à terceira parte

D –  Quanto à quarta parte

Quanto às despesas


* Língua do processo: inglês.