Language of document : ECLI:EU:T:2007:128

ACÓRDÃO DO TRIBUNAL DE PRIMEIRA INSTÂNCIA (Segunda Secção alargada)

8 de Maio de 2007 (*)

«Responsabilidade contratual – Cláusula compromissória – Contrato de arrendamento – Inadmissibilidade – Responsabilidade extracontratual – Negociações pré‑contratuais – Excepção de ilegalidade – Confiança legítima – Boa‑fé – Abuso de direito – Prejuízo material – Perda de uma oportunidade»

No processo T‑271/04,

Citymo SA, estabelecida em Bruxelas (Bélgica), representada por P. Van Ommeslaghe, I. Heenen e P.‑M. Louis, advogados,

demandante,

contra

Comissão das Comunidades Europeias, representada por L. Parpala e E. Manhaeve, na qualidade de agentes, assistidos por D. Philippe e M. Gouden, advogados,

demandada,

que tem por objecto, a título principal, uma acção fundada em responsabilidade contratual destinada a obter a condenação da Comissão a pagar à demandante uma indemnização pela rescisão de um contrato de arrendamento pretensamente celebrado entre esta e a Comunidade Europeia, representada pela Comissão Europeia e, a título subsidiário, uma acção fundada em responsabilidade extracontratual destinada a obter a reparação do prejuízo pretensamente sofrido pela demandante na sequência da decisão da Comissão de pôr termo às negociações pré‑contratuais com vista à celebração do referido contrato de arrendamento,

O TRIBUNAL DE PRIMEIRA INSTÂNCIA DAS COMUNIDADES EUROPEIAS (Segunda Secção alargada),

composto por: J. Pirrung, presidente, A. W. H. Meij, N. J. Forwood, I. Pelikánová e S. Papasavvas, juízes,

secretário: K. Pocheć, administradora,

vistos os autos e após a audiência de 17 de Maio de 2006,

profere o presente

Acórdão

 Matéria de facto na origem do litígio

1        A demandante é uma sociedade anónima de direito belga especializada em operações imobiliárias. Faz parte do grupo Fortis que, nos países do Benelux, tem actividades nos domínios dos seguros e dos serviços financeiros.

2        No final do ano de 2002, a demandante remodelou, em Bruxelas, um complexo imobiliário do qual é proprietária, denominado «City Center» e composto por dois edifícios, o edifício B 1 e o edifício B 2.

3        No início do ano de 2003, o Parlamento Europeu iniciou negociações com a demandante para tomar de arrendamento a totalidade da área do edifício B 1 do City Center, ou seja 16 954 m2 a para instalação de escritórios, bem como 205 lugares de estacionamento (a seguir «imóvel»). Porém, posteriormente, o Parlamento renunciou ao arrendamento do imóvel, afirmando que a Comissão pretendia prosseguir as negociações por sua conta. No âmbito da cooperação interinstitucional entre as duas instituições comunitárias, foi acordado que a mudança de certos serviços da Comissão para o imóvel permitiria ao Parlamento ocupar as instalações deixadas vagas por esses serviços.

4        Em 13 de Maio de 2003, a Comissão, por intermédio do Sr. C. (a seguir «negociador»), agente do Serviço «Infra‑estruturas e logística» – Bruxelas (OIB), organismo criado pela Decisão 2003/523/CE da Comissão, de 6 de Novembro de 2002 (JO 2003, L 183, p. 35), entrou em contacto com a demandante e com a Fortis Real Estate, o departamento especializado em imobiliário da sociedade direito belga Fortis AG (a seguir «sociedade Fortis»), uma sociedade irmã da demandante no grupo Fortis, a fim de finalizar a negociação dos termos do contrato de arrendamento relativo ao imóvel (a seguir «contrato de arrendamento»).

5        Em três reuniões organizadas, respectivamente, em 16 de Maio, 3 e 6 de Junho de 2003, o negociador e a sociedade Fortis (a seguir «partes nas negociações») discutiram os termos do contrato de arrendamento, bem como a questão das obras de remodelação interior a realizar no Imóvel. A Comissão pediu que fosse estipulado no contrato de arrendamento que essas obras seriam efectuadas em nome e por conta da demandante e que o seu montante seria posteriormente reembolsado através do pagamento de uma renda suplementar. Além disso, a Comissão pediu que ficasse previsto no contrato de arrendamento que essas obras deveriam estar concluídas até 31 de Outubro de 2003, ou seja, precisamente antes da data em que se previa que o contrato de arrendamento começava a produzir efeitos, e que uma penalização seria devida em caso de atraso.

6        Numa mensagem electrónica de 11 de Junho de 2003, a sociedade Fortis comunicou ao negociador que não era razoável formalizar as encomendas relativas à execução das obras antes da confirmação do acordo da Comissão sobre os termos do contrato de arrendamento.

7        Em anexo a uma carta de 16 de Junho de 2003, a sociedade Fortis enviou à Comissão um projecto do contrato de arrendamento, que tinha sido previamente comunicado a esta última por via electrónica. Esse projecto de contrato mencionava, no artigo 4.4, que as obras de remodelação interior do imóvel pretendidas pela Comissão, excepto as relativas à cafetaria e à segurança (a seguir «obras de remodelação»), deveriam estar concluídas até 31 de Outubro de 2003 e que, caso contrário, uma indemnização por mora seria devida a partir de 1 de Novembro de 2003, data em que o contrato de arrendamento começaria a produzir efeitos. No entanto, a carta da sociedade Fortis precisava que o prazo para a realização das obras de remodelação e a data de início de contagem para efeitos da indemnização por mora previstos no projecto do contrato estavam sujeitos, designadamente, à seguinte condição: «o mais tardar até 30 de Junho de 2003 deverá ser‑nos enviado um duplicado da presente carta simplesmente assinado por V. Ex.as e confirmando assim o vosso acordo no que respeita aos termos e condições do [contrato de] arrendamento». A sociedade Fortis indicava além disso: «A partir da recepção [do documento pedido], formalizaremos, conforme solicitado por V. Ex.as, as encomendas para as obras [de remodelação] sem esperar pela assinatura formal do arrendamento». Essa carta precisava igualmente que, caso o documento pedido não fosse recebido dentro do prazo fixado, «o prazo para a realização das obras e a data de início da contagem do prazo para efeitos da indemnização por mora seriam adiados tendo em conta a data da recepção [do documento pedido] e as férias da construção civil, e isto sem modificação da data em que o arrendamento começa a produzir efeitos».

8        Em 19 de Junho de 2003, tendo sido clarificados certos aspectos entre as partes nas negociações, a sociedade Fortis comunicou uma segunda versão do projecto de contrato de arrendamento, que introduzia algumas modificações ao artigo 4.5, conforme consta da versão de 16 de Junho de 2003.

9        Em 23 de Junho de 2003, na sequência de novas discussões entre serviços técnicos, a sociedade Fortis comunicou ao negociador uma terceira versão do projecto de contrato de arrendamento, que introduzia modificações nos artigos 4.3, 11 e 12, conforme constam da versões anteriores de 16 e 19 de Junho de 2003, bem como um anexo recapitulativo do acordo das partes na negociação sobre o orçamento e a memória descritiva das obras de remodelação. No correio electrónico enviado, a sociedade Fortis precisava que este terceiro projecto do contrato anulava e substituía os projectos anteriormente enviados mas que o conteúdo da sua carta de 16 de Junho de 2003 continuava inteiramente aplicável.

10      Por nota de 25 de Junho de 2003, o OIB submeteu, para parecer, aos serviços e direcções‑gerais (DG) da Comissão que devem ser consultados no âmbito de qualquer processo imobiliário, ou seja, o serviço jurídico, a DG «Orçamento» e a DG «Pessoal e administração» (a seguir, conjuntamente considerados, «autoridades de controlo»), o projecto de carta de intenções e do contrato de arrendamento.

11      Por fax de 26 de Junho de 2003, o negociador devolveu à sociedade Fortis uma cópia da sua carta de 16 de Junho de 2003 que exibia a sua assinatura sob a seguinte menção manuscrita:

«O OIB considera satisfatórios os termos do contrato de arrendamento. Este foi submetido às [a]utoridades de controlo.»

12      Por correio electrónico de 30 de Junho de 2003, na sequência de uma reunião com as autoridades de controlo, o negociador colocou à sociedade Fortis uma questão relativa à recuperação do imposto sobre o valor acrescentado (IVA) sobre as obras de remodelação. Precisava, além disso, que o serviço jurídico teria desejado modificar o artigo 7.° do projecto do contrato de arrendamento. Por fim, indicava:

«Há outras observações mas sem grande importância. Atenção, isto não significa que este dossier já esteja aprovado.»

13      Par correio electrónico de 1 de Julho de 2003, a sociedade Fortis respondeu negativamente ao negociador a propósito da recuperação eventual do IVA e da modificação do artigo 7.° do projecto de contrato de arrendamento.

14      No mesmo dia, o serviço jurídico emitiu um parecer favorável sobre o projecto de contrato de arrendamento, sem prejuízo das modificações propostas no projecto de carta de intenções, as quais se destinavam a reforçar o carácter condicional desta, e no próprio contrato de arrendamento, as quais incluíam uma modificação da cláusula de atribuição de competência aos tribunais de Bruxelas.

15      Em 4 de Julho de 2003, a demandante fez às sociedades B e A as primeiras encomendas necessárias à realização das obras de remodelação.

16      No mesmo dia, a DG «Orçamento» emitiu um parecer favorável sobre o projecto de locação do imóvel na condição de serem tomados em conta os seus comentários. Estes últimos tinham por objecto a obrigação de respeitar o processo de autorização orçamental, a necessidade de reforçar o carácter condicional da carta de intenções e algumas propostas de modificação do contrato de arrendamento.

17      Nessa mesma altura, a Comissão preparou um projecto de comunicação ao Conselho e ao Parlamento, na sua qualidade de autoridades orçamentais, que tinha por objecto um pedido de orçamento adicional. Esta diligência era necessária devido aos significativos custos adicionais provocados em 2003 pela locação do imóvel.

18      Também em 4 de Julho de 2003, um agente do OIB, F., confirmava por fax à sociedade Fortis que aceitava as despesas de vigilância do estaleiro do imóvel.

19      Em 5 de Julho de 2003, a DG «Orçamento» emitiu um parecer favorável a propósito do projecto de comunicação ao Conselho e ao Parlamento relativo ao pedido de orçamento adicional.

20      Em 7 de Julho de 2003, DG «Pessoal e administração» emitiu um parecer favorável sobre o projecto de locação do imóvel, sob reserva de serem estudadas e tomadas em conta as consequências do projecto sobre os orçamentos em curso e futuros e a estratégia geral de implantação dos serviços da Comissão e de ser dada resposta às questões suscitadas, em 25 de Junho de 2003, pelo Comité de sécurité, d’hygiène et d’embellissement des lieux de travail de Bruxelles (CSHT) quanto a certos problemas técnicos e de segurança colocados pelo imóvel e a sua implantação geográfica.

21      Durante uma conversa telefónica de 10 de Julho de 2003, o negociador indicou à demandante que a aprovação de princípio da locação estava relativamente atrasada devido à descoberta de fraudes na Comissão e que, provavelmente, essa aprovação não seria dada antes de meados de Setembro de 2003.

22      Par correio electrónico de 14 de Julho de 2003, o negociador confirmou à sociedade Fortis que a aprovação do contrato de arrendamento estava suspensa e que era difícil prever quando poderia ser tomada uma decisão a esse respeito. Precisava, no entanto, que nessa fase, não estava em causa o próprio princípio de locação. Concluía nos seguintes termos: «Deixo à sua apreciação a tomada de quaisquer medidas que, tendo em conta esta suspensão, considere úteis e necessárias». Ao mesmo tempo, o OIB encetava negociações com outros proprietários a fim de encontrar eventualmente outra solução que permitisse proceder à mudança o mais brevemente possível.

23      Nesse mesmo dia, a sociedade Fortis indicou ter tomado conhecimento da suspensão do processo de aprovação do contrato de arrendamento e informava o negociador de que, em consequência, tinha notificado imediatamente aos seus fornecedores a suspensão de quaisquer encomendas formalizadas com vista à realização das obras de remodelação e a interrupção de quaisquer compromissos relacionados com a execução dessas encomendas. Precisava igualmente que a realização das obras de remodelação e a data de início da contagem para efeitos das indemnizações por mora deviam ser proteladas para uma data a determinar posteriormente tendo em conta as férias no sector da construção civil, a data do fim da suspensão do processo de assinatura formal do contrato de arrendamento e o prazo de reactivação das encomendas, e isto sem modificação da data em que o contrato de arrendamento começaria a produzir efeitos. Por fim, a sociedade Fortis pedia ao negociador que, na hipótese de o próprio princípio da locação vir a ser posto em causa, a informasse o mais rapidamente possível.

24      Em 16 de Julho de 2003, o Building Policy Group (BPG, grupo da política imobiliária do OIB) teve uma reunião na qual foi decidido, tendo em conta o atraso de dois meses para a ocupação do imóvel, examinar seriamente e muito rapidamente a possibilidade de arrendar outro edifício, denominado «M.», situado em Bruxelas e, em consequência, suspender as encomendas já formalizadas pelos próprios serviços da Comissão com vista à remodelação interior do imóvel.

25      Por carta recebida em 23 de Julho de 2003, o negociador informou a sociedade Fortis de que a Comissão recusava qualquer responsabilidade quanto ao prejuízo que esta pudesse eventualmente sofrer devido ao atraso verificado na aprovação do contrato de arrendamento. A este respeito, precisava:

«O acordo por mim dado quanto aos termos do contrato de arrendamento em caso algum significava a sua aprovação definitiva, mas apenas uma garantia da parte do OIB de fazer avançar este dossier no circuito decisório da Comissão, que é, como sabem, constituído por várias etapas sem as quais o OIB não pode assinar um contrato.»

26      Por carta de 27 de Agosto de 2003, a sociedade Fortis informou o negociador de que considerava a Comissão responsável pelo prejuízo que pudesse eventualmente sofrer devido à renúncia desta à conclusão do contrato de arrendamento. Além disso, informava o negociador de que alguns dos seus fornecedores já tinham feito despesas na sequência do início das obras de remodelação.

27      Por carta registada com aviso de recepção de 9 de Setembro de 2003, dirigida ao director do OIB, Sr. V., e ao negociador, a sociedade Fortis comunicou a estes últimos informações segundo as quais o OIB teria dado início, depois de 14 de Julho de 2003, a negociações relativas à tomada de arrendamento de outro edifício, as quais estavam em vias de finalização. Indicava, nessa ocasião, que qualquer renúncia da Comissão à locação negociada seria por ela considerada uma ruptura unilateral do contrato de arrendamento celebrado.

28      Por carta registada com aviso de recepção de 16 de Setembro de 2003, o director do OIB respondeu às duas cartas anteriores da sociedade Fortis afirmando que as partes nunca tinham chegado a celebrar o contrato de arrendamento, pelo que as relações entre elas tinham ficado na fase de negociações. Indicava igualmente que o OIB, devido às suas funções, estava permanentemente em contacto com os promotores imobiliários e em discussão com eles sobre vários projectos realizados em paralelo. Incidentalmente, o director do OIB indicava:

«[C]onfirmo que o Projet City Center deixou de fazer parte das prioridades actuais da Comissão para a instalação dos seus próprios serviços [mas] o City Center continua a ser, na óptica da Comissão, uma opção muito interessante que não deixaremos de […] propor [às outras organizações europeias existentes ou em vias de criação]. A este respeito, esperamos retomar contacto com V. Ex.as muito rapidamente.»

29      Por carta registada com aviso de recepção de 24 de Setembro de 2003, dirigida ao director do OIB, a sociedade Fortis tomou nota da renúncia da Comissão à locação e manifestou a sua intenção de recorrer aos seus consultores jurídicos.

30      Por carta de 26 de Setembro de 2003, a sociedade B. informou a sociedade Fortis de que tencionava facturar‑lhe o montante de 297 000 EUR correspondente ao custo dos materiais e da mão‑de‑obra utilizados. Por carta de 12 de Novembro de 2003, a sociedade B. comunicou à sociedade Fortis uma avaliação detalhada das despesas efectuadas as quais ascendiam a 302 870 EUR. Por carta de 18 de Junho de 2004, confirmada por carta de 14 de Janeiro de 2005, a sociedade B. rectificou esta avaliação, reduzindo‑a para o montante de 16 842 EUR na sequência da reutilização de uma grande parte dos materiais.

31      Por carta registada com aviso de recepção de 14 de Outubro de 2003, dirigida ao director do OIB, a sociedade Fortis pediu à Comissão que se responsabilizasse pela indemnização da sociedade B.

32      Por carta de 20 de Novembro de 2003, a sociedade A., por sua vez, pediu à sociedade Fortis a indemnização do prejuízo sofrido devida às encomendas anuladas, que calculava ascenderem a 24 795,77 EUR.

33      Por carta de 24 de Novembro de 2003, o director do OIB recusou dar seguimento favorável ao pedido da sociedade Fortis relativo à indemnização da sociedade B., por considerar que não existia responsabilidade contratual por parte da Comissão. Afirmava, designadamente, que «qualquer iniciativa por parte da [sociedade] Fortis quanto à pretensa locação do imóvel ou quanto à eventual encomenda de obras, [tinha] carácter puramente unilateral e não [era] oponível ao OIB» e que «as consequências prejudiciais de uma interpretação errada do alcance dos compromissos do OIB no âmbito das negociações [eram] exclusivamente imputáveis à [sociedade] Fortis».

34      Por carta de 10 de Dezembro de 2003, a sociedade Fortis manteve a sua posição segundo a qual a Comissão tinha incorrido em responsabilidade contratual ao recusar‑se a executar o contrato de arrendamento.

35      Por carta de 22 de Dezembro de 2003, o director do OIB manteve igualmente a sua posição segundo a qual o OIB não tinha violado nenhuma obrigação para com a sociedade Fortis.

36      Por carta de 18 de Fevereiro de 2004, dirigida ao negociador, o consultor jurídico da demandante concluiu que a Comissão tinha incorrido em responsabilidade contratual e reclamou a esta última o pagamento à sua cliente do montante de 1 137 039 EUR a título de indemnização do prejuízo por esta pretensamente sofrido.

37      Por carta de 19 de Março de 2004, o director do OIB não aceitou o pedido de indemnização apresentado pelo consultor jurídico da demandante.

 Tramitação processual e pedidos das partes

38      Por petição apresentada na Secretaria do Tribunal de Primeira Instância em 5 de Julho de 2004, a demandante intentou a presente acção.

39      Em 16 de Fevereiro de 2005, a demandante apresentou um pedido requerendo a apresentação do contrato de arrendamento relativo a uma parte do imóvel que acabara de celebrar com a Communauté française de Belgique, bem como uma nota explicativa do impacto da celebração deste contrato no cálculo dos seus prejuízos. Em 10 de Março de 2005, ouvida a Comissão, o presidente da Segunda Secção do Tribunal deferiu o pedido da demandante. Esta apresentou os documentos indicados no seu pedido dentro do prazo fixado.

40      Em 17 de Janeiro de 2006, com base em relatório do juiz relator, o Tribunal (Segunda Secção) decidiu dar início à fase oral e, no âmbito das medidas de organização do processo, convidou as partes a responder por escrito a uma série de questões e a demandante a apresentar certos documentos. As partes responderam a este pedido dentro dos prazos fixados.

41      Em 7 de Fevereiro de 2006, ouvidas as partes, o Tribunal remeteu o processo à Segunda Secção alargada.

42      Em 27 de Março de 2006, a demandante formulou um novo pedido de apresentação de um contrato de arrendamento celebrado com a sociedade Fortis sobre uma parte ainda não arrendada do imóvel, bem como uma breve nota explicativa do impacto da celebração deste último contrato sobre no cálculo dos seus prejuízos. Por decisão do Tribunal de 4 de Abril de 2006, ouvida a Comissão, o pedido da demandante foi deferido. Em 26 de Abril de 2006, apresentou os documentos mencionados no seu pedido na Secretaria do Tribunal.

43      Na audiência de 17 de Maio de 2006, foram ouvidas as alegações das partes e as suas respostas às questões colocadas pelo Tribunal. Na acta da audiência, o Tribunal registou as modificações introduzidas pela demandante no seu pedido de indemnização, as quais não suscitaram objecções por parte da Comissão, bem como a renúncia da demandante aos seus pedidos alternativos de indemnização, tendo em conta a indexação das rendas, que tinham sido apresentados pela primeira vez em 26 de Abril de 2006.

44      A demandante conclui pedindo que o Tribunal se digne, a título principal:

–        declarar que a Comissão, por actos que lhe são imputáveis, incorreu em responsabilidade contratual, e condená‑la a pagar‑lhe, em última análise, o montante de 8 853 399,44 EUR, montante do prejuízo calculado, acrescido dos juros à taxa legal aplicável na Bélgica a partir da data do pedido até à data do pagamento efectivo;

–        se for caso disso, citar o negociador para comparecer a fim de ser ouvido a propósito das afirmações que proferiu na reunião de 6 de Junho e da conversa telefónica de 10 de Julho de 2003.

45      A título subsidiário, a demandante conclui pedindo que o Tribunal se digne:

–        declarar que a Comunidade, representada pela Comissão, incorreu em responsabilidade extracontratual e condenar a Comissão a pagar‑lhe o montante de 6 731 448,46 EUR a título de indemnização do prejuízo sofrido, bem como os juros de mora sobre este montante a partir da data da decisão que venha a ser proferida e até ao pagamento efectivo, à taxa de 6%;

–        se for caso disso, ordenar a diligência de instrução proposta no pedido principal.

46      Em qualquer caso, a demandante conclui pedindo que o Tribunal se digne condenar a Comissão nas despesas.

47      A Comissão conclui pedindo que o Tribunal se digne:

–        julgar o pedido da demandante inadmissível na parte relativa à sua responsabilidade contratual;

–        julgar o pedido da demandante improcedente na parte relativa à sua responsabilidade extracontratual;

–        condenar a demandante nas despesas, incluindo as despesas necessárias à sua defesa, que ascendem a 15 000 EUR.

 Quanto à acção principal fundada em responsabilidade contratual

48      Na petição, a demandante refere que intentou a sua acção fundada em responsabilidade no Tribunal, a título principal, ao abrigo da cláusula compromissória contida no artigo 17.° do contrato de arrendamento que alegadamente concluiu, o mais tardar em 26 de Junho de 2003, com a Comunidade, representada pela Comissão e, consequentemente, com fundamento no artigo 225.°, n.° 1, CE e no artigo 238.° CE.

49      A Comissão sustenta que a acção fundada em responsabilidade contratual intentada pela demandante é inadmissível.

A –  Argumentos das partes

50      A Comissão afirma que o Tribunal não tem competência para se pronunciar com base numa cláusula compromissória estipulada num contrato que não foi validamente celebrado entre as partes.

51      A demandante sustenta que o Tribunal tem competência para se pronunciar sobre a sua acção baseada em responsabilidade contratual ao abrigo de uma cláusula compromissória contida no projecto de contrato que enviou à Comissão em 16 de Junho de 2003. Com efeito, esse projecto do contrato correspondeu a uma proposta para contratar emitida pela demandante, representada pela sociedade Fortis, que foi seguidamente aceite, o mais tardar em 26 de Junho de 2003, pela Comunidade Europeia, representada pela Comissão. O acordo da Comissão resulta da menção manuscrita e da assinatura apostas pelo negociador na carta anexa ao projecto de contrato enviado à Comissão em 16 de Junho de 2003. A demandante invoca, portanto, o artigo 17.° do projecto do contrato, intitulado «Cláusula atributiva de competência e lei aplicável», que estipula, designadamente, que «[e]m caso de litígio, e na falta de acordo amigável, será competente o Tribunal de Justiça das Comunidades Europeias».

52      Na audiência, a Comissão contestou a existência da cláusula compromissória invocada pela demandante, pelo facto de nenhum acordo ter existido sobre esta cláusula entre as partes na acção intentada no Tribunal com fundamento no artigo 238.° CE, ou seja, a Comunidade Europeia, representada para este efeito pela Comissão, e a demandante. Nos seus articulados, a Comissão alegou, designadamente, que as partes nas negociações não estavam habilitadas, na falta das autorizações ou aprovações necessárias, a vincular contratualmente as partes no presente litígio, pelo que nenhum contrato pôde ser validamente celebrado entre estas últimas.

B –  Apreciação do Tribunal de Primeira Instância

53      Nos termos das disposições conjugadas do artigo 225.°, n.° 1, CE e do artigo 238.° CE, o Tribunal tem competência para se pronunciar com base numa cláusula compromissória contida num contrato de direito público ou de direito privado celebrado pela Comunidade ou por conta desta. A jurisprudência precisa que só as partes na cláusula compromissória podem ser partes na acção proposta com fundamento no artigo 238.° CE (v., neste sentido, acórdão do Tribunal de Justiça de 7 Dezembro de 1976, Pellegrini/Comissão, 23/76, Colect., p. 713, Recueil, p. 1807, n.° 31). Na falta de uma manifestação de vontade das partes no sentido de lhe atribuírem competência para se pronunciar sobre um litígio baseado num contrato, o Tribunal não pode, pois, aceitar ser chamado a conhecer do litígio (v., neste sentido, despacho do Tribunal de 3 de Outubro de 1997, Mutual Aid Administration Services/Comissão, T‑186/96, Colect., p. II‑1633, n.° 46); caso contrário, alargaria a sua competência jurisdicional para além dos litígios cujo conhecimento lhe está limitativamente reservado pelo artigo 240.° CE, uma vez que esta disposição confere aos órgãos jurisdicionais nacionais a competência de direito comum para conhecer dos litígios nos quais a Comunidade é parte (acórdão do Tribunal de Justiça de 21 de Maio de 1987, Rau e o., 133/85 a 136/85, Colect., p. 2289, n.° 10, e despacho Mutual Aid Administration Services/Comissão, já referido, n.° 47). Sendo esta competência comunitária derrogatória do direito comum, deve, além disso, ser interpretada restritivamente (acórdão do Tribunal de Justiça de 18 Dezembro de 1986, Comissão/Zoubek, 426/85, Colect., p. 4057, n.° 11).

54      Deve, pois, examinar‑se se a cláusula compromissória invocada pela demandante foi validamente estipulada entre a Comissão ou os seus representantes, agindo por conta da Comunidade, e a demandante ou os seus representantes.

55      A este respeito, resulta da jurisprudência que, embora, no âmbito de uma cláusula compromissória estipulada ao abrigo do artigo 238.° CE, o Tribunal de Justiça possa ser chamado a decidir o litígio aplicando o direito nacional que rege o contrato, a sua competência para conhecer de um litígio relativo a esse contrato deve ser apreciada exclusivamente à luz das disposições do artigo 238.° CE e das estipulações da cláusula compromissória, sem que lhe possam ser opostas disposições do direito nacional que poderiam alegadamente obstar à sua competência (acórdão do Tribunal de Justiça de 8 de Abril de 1992, Comissão/Feilhauer, C‑209/90, Colect., p. I‑2613, n.° 13).

56      Embora o artigo 238.° CE não precise a forma que deve revestir a cláusula compromissória, resulta do artigo 44.°, n.° 5A, do Regulamento de Processo, que impõe que a petição apresentada com fundamento no artigo 225.°, n.° 1, CE e no artigo 238.° CE seja acompanhada de um exemplar da cláusula atributiva de competência às jurisdições comunitárias, que esta deve, em princípio, ser estipulada por escrito. O artigo 44.°, n.° 5A, do Regulamento de Processo prossegue, todavia, uma finalidade probatória e a formalidade que nele se prescreve deve considerar‑se cumprida quando os documentos apresentados pela demandante permitam à jurisdição comunitária à qual se recorreu ter um conhecimento suficiente do acordo celebrado entre as partes no litígio no sentido de subtrair o diferendo que os opõe a propósito do contrato aos órgãos jurisdicionais nacionais para os submeter às jurisdições comunitárias (v., neste sentido, acórdão Pellegrini/Comissão, n.° 53 supra, n.° 10).

57      No caso vertente, o artigo 17.° do projecto de contrato de arrendamento estipula que, na falta de acordo entre as partes, o «Tribunal de Justiça» tem competência para dirimir os litígios emergentes do contrato. Segundo a jurisprudência, estes últimos termos devem ser interpretados no sentido de que designam a instituição visada no artigo 238.° CE, que inclui, designadamente, o Tribunal de Primeira Instância (v., neste sentido, acórdão do Tribunal de Justiça de 17 de Março de 2005, Comissão/AMI Semiconductor Belgium e o., C‑294/02, Colect., p. I‑2175, n.os 43 a 53), que é, no caso vertente, a jurisdição competente por força do artigo 225.°, n.° 1, CE.

58      No entanto, as partes no presente litígio não estão de acordo sobre o facto de a estipulação que figura no artigo 17.° do projecto do contrato de arrendamento ter o valor de acordo sobre a cláusula compromissória alegada.

59      A este respeito, importa ter presente que a demandante não contestou validamente as afirmações da Comissão segundo as quais o ordenador competente para celebrar o contrato era, no caso dos autos, o director do OIB, afirmações que são corroboradas pelas disposições do artigo 16.° da Decisão 2003/523 e do Título V da Parte II do Regulamento (CE, Euratom) n.° 1605/2002 do Conselho, de 25 de Junho de 2002, que institui o Regulamento Financeiro aplicável ao orçamento geral das Comunidades Europeias (a seguir «Regulamento Financeiro») (JO L 248, p. 1), para o qual este último artigo remete. Importa, além disso, sublinhar que a demandante, interrogada na audiência sobre esta questão, alegou unicamente que a cláusula compromissória foi «aparentemente» acordada, uma vez que o negociador se lhe apresentou sempre como titular do poder de vincular contratualmente a Comissão e, em última instância, a Comunidade para efeitos da presente transacção imobiliária. Nos seus articulados, a Comissão contestou que a demandante possa, no caso vertente, invocar a teoria do mandato aparente, por não ter demonstrado de que modo o comportamento adoptado pelo negociador poderá ter feito crer que estava habilitado a vincular contratualmente a Comissão.

60      Na hipótese de a teoria da aparência ser reconhecida em direito comunitário, designadamente em matéria de representação das partes num contrato, a aplicação desta teoria pressupõe necessariamente que o terceiro que invoca a aparência demonstre que as circunstâncias da causa o autorizavam a acreditar que a referida aparência estava de acordo com a realidade. Daqui resulta, no caso dos autos, que a demandante, que intentou a sua acção com fundamento numa cláusula compromissória «aparentemente» acordada entre ela e a Comissão, deve, no mínimo, provar que, tendo em conta as circunstâncias da causa, podia legitimamente acreditar que o negociador tinha o poder de vincular contratualmente a Comissão, agindo em nome e por conta da Comunidade.

61      Não é esse o caso dos autos. Com efeito, a demandante não forneceu nenhum elemento comprovativo das suas alegações segundo as quais o negociador se apresentou perante ela como sendo o ordenador competente titular dos poderes necessários para vincular contratualmente a Comissão e a Comunidade. Assim, não está demonstrado que o erro invocado pela demandante sobre os limites exactos dos poderes do negociador tenha sido induzido pelo comportamento deste último.

62      Por outro lado, a demandante não demonstrou que os factos da causa justificavam que tenha podido, sem imprudência ou negligência da sua parte, equivocar‑se sobre os limites exactos dos poderes do negociador e o alcance da menção manuscrita e da assinatura por este apostas, em 26 de Junho de 2003, na carta que acompanhava o projecto de contrato (v. n.° 11, supra). Como resulta dos autos, a sociedade Fortis, que representava a demandante nas negociações pré‑contratuais, é um profissional avisado e um operador importante no mercado imobiliário de Bruxelas. Antes destas negociações já tinha tido, entre 1999 e 2002, várias negociações semelhantes com os serviços da Comissão. Os documentos apresentados a este respeito pela Comissão demonstram que, neste tipo de negociações, é habitual negociar os termos do contrato a celebrar e qualquer pacto atributivo de jurisdição relativo a este último antes de dar início ao procedimento interno de controlo e de decisão que culmina no compromisso contratual da Comissão. Tendo em conta a sua experiência na matéria, a sociedade Fortis sabia perfeitamente que o acordo sobre os termos do contrato e da convenção atributiva de jurisdição é anterior ao compromisso jurídico da Comissão, o qual só tem lugar depois da fase de controlo e de decisão interna na instituição. No caso dos autos, a menção manuscrita de 26 de Junho de 2003, através da qual o negociador precisava, designadamente, que os termos do pacto atributivo de jurisdição negociado tinham sido submetidos às autoridades de controlo, era suficientemente clara e precisa para permitir à sociedade Fortis compreender que a fase de controlo e de decisão interna da Comissão tinha sido desencadeada e que, segundo a prática habitual, o compromisso contratual apenas seria concluído pelo ordenador no termo do referido procedimento.

63      Esta conclusão não pode ser posta em causa pelo facto de a Comissão não ter comunicado expressamente ao seu parceiro, por ocasião das presentes negociações, as regras precisas do seu procedimento interno de controlo e decisão ou que as presentes negociações foram conduzidas com um novo organismo, criado especificamente pela Comissão para gerir as transacções imobiliárias. Com efeito, o facto de a situação aparente invocada pela demandante derrogar a prática habitual na matéria (v. n.° 62, supra), que era conhecida da demandante, deveria ter suscitado a desconfiança desta última e deveria tê‑la incitado a verificar, no caso concreto, os limites exactos dos poderes do negociador. Ao não proceder a esse controlo nas circunstâncias do caso dos autos, a demandante cometeu uma negligência que não pode legitimamente invocar no âmbito da presente acção.

64      Atento o exposto, a demandante não pode sustentar que acreditou legitimamente que o poder de negociar os termos do contrato coincidia com o poder de vincular contratualmente a Comissão e que o acordo celebrado em 26 de Junho de 2003 entre as partes nas negociações tinha o valor de compromisso contratual da Comissão. Não pode, portanto, alegar, no caso presente, que a cláusula compromissória teria «aparentemente» existido em relação a ela a partir de 26 de Junho de 2003.

65      Consequentemente, e não sendo sequer necessário decidir sobre a eventual habilitação da sociedade Fortis para representar a demandante para efeitos de estipular a alegada cláusula compromissória, há que concluir que, dado que a demandante não demonstrou a existência de uma cláusula compromissória validamente celebrada entre as partes no presente litígio, e que não observou, a este respeito, o disposto no artigo 44.°, n.° 5A, do Regulamento de Processo, a sua acção é inadmissível porquanto foi proposta com fundamento nas disposições conjugadas do artigo 225.°, n.° 1, CE e do artigo 238.° CE.

 Quanto à acção subsidiária com base em responsabilidade extracontratual

66      Na sua petição, a demandante referiu que intentou a sua acção fundada em responsabilidade no Tribunal, a título subsidiário e na hipótese de o Tribunal considerar que as partes não celebraram o contrato de arrendamento, com fundamento nos artigos 225.° CE e 235.° CE, bem como no artigo 288.°, segundo parágrafo, CE.

67      Consequentemente, há que conhecer da acção fundada em responsabilidade extracontratual regularmente proposta pela demandante com fundamento nos artigos atrás referidos.

A –  Quanto ao mérito

1.     Argumentos das partes

68      A demandante considera que a Comissão violou o seu dever de agir de boa‑fé no âmbito das negociações pré‑contratuais e abusou do seu direito de não contratar rompendo as negociações pré‑contratuais numa fase muito avançada destas. Em primeiro lugar, a Comissão não a informou, a partir da recepção da proposta emitida em 16 de Junho de 2003, que não podia aceitar esta última devido a imperativos ligados ao seu procedimento interno de tomada de decisão, tendo, pelo contrário, assinado a proposta sabendo que, nessa base, a demandante contrataria as obras de remodelação. Seguidamente, permitiu que, até 14 de Setembro de 2003, se realizassem negociações, apesar de saber, desde o início do mês de Julho de 2003, que estas estavam condenadas ao fracasso. Por fim, nunca chegou a comunicar o verdadeiro motivo da ruptura das negociações e comprometeu‑se nessas negociações com ligeireza, ao não tomar em conta a oposição dos funcionários à localização do imóvel. A demandante contesta que o Regulamento Financeiro confira à Comissão o direito absoluto de não levar a seu termo o processo de celebração de um contrato, sem obrigação de indemnização. Invoca, a este respeito, a ilegalidade das disposições do Título V da Parte I do Regulamento Financeiro, quer porque foram adoptadas com uma base jurídica inadequada, em violação do princípio da competência de atribuição da Comunidade, quer porque violam o artigo 288.° CE, ao exonerar ilegalmente a Comissão de uma parte da sua responsabilidade. A título subsidiário, a demandante sustenta que a Comissão não lhe pode opor, no caso vertente, a regra contida no artigo 101.°, primeiro parágrafo, do Regulamento Financeiro, na medida em que ela própria não respeitou o prescrito no segundo parágrafo deste artigo, que impõe a comunicação aos proponentes interessados dos fundamentos da decisão de renunciar à celebração do contrato.

69      Na fase da réplica, a demandante alega, além disso, que a Comissão violou os princípios gerais do direito comunitário que proíbem a revogação de um acto administrativo que tenha conferido direitos subjectivos a particulares, na medida em que retirou a sua aceitação da proposta.

70      A demandante sustenta que a Comissão violou igualmente o princípio da protecção da confiança legítima ao romper as negociações depois de ter suscitado na demandante, em 26 de Junho de 2003, a esperança fundada de que a assinatura formal do contrato se seguiria ao acordo de princípio que tinha sido dado sobre os termos do contrato. A Comissão induziu‑a, em primeiro lugar, em erro sobre o alcance das suas obrigações ao não a ter informado de que, por imperativos ligados ao seu procedimento interno, só ficaria vinculada juridicamente através da assinatura formal do contrato de arrendamento pelo ordenador competente e que qualquer iniciativa tomada entretanto pela demandante correria por seu próprio risco. Seguidamente, considera que a Comissão a incitou a formalizar as encomendas necessárias às obras de remodelação. Assim, insistiu várias vezes em que essas obras fossem realizadas rapidamente para que a instalação dos funcionários se efectuasse na data da entrada em vigor do contrato de arrendamento, em 1 de Novembro de 2003. Além disso, o negociador assinou, sem ter manifestado a menor reserva, a carta de 16 de Junho de 2003, que precisava: «A partir da recepção [da carta assinada], formalizaremos, conforme solicitado por V. Ex.as, as encomendas para as obras sem esperar pela assinatura formal do contrato de arrendamento.» Além do mais, na reunião de 6 de Junho de 2003 referida no n.° 5, supra, o negociador, por um lado, comunicou à sociedade Fortis que, apesar de a assinatura do contrato não poder ocorrer antes de 15 de Junho de 2003, a conclusão do contrato era certa e sugeriu, por outro, aos seus interlocutores que se baseassem na sua palavra para formalizarem as encomendas necessárias às obras de remodelação. Foi com fundamento na confiança legítima deste modo suscitada, e que não foi posta em causa posteriormente, que a demandante formalizou, a partir de 4 de Julho de 2003, as encomendas necessárias às obras de remodelação a fim de poder cumprir, nos prazos fixados, as suas obrigações decorrentes do contrato de arrendamento. Só mais tarde, implicitamente a partir de 10 de Julho de 2003, depois explicitamente em 14 de Setembro de 2003, é que a Comissão manifestou dúvidas sobre a assinatura formal do contrato.

71      A título do dano resultante destas ilegalidades, a demandante reclama, em primeiro lugar, uma indemnização por ter perdido a oportunidade de concluir o contrato de arrendamento, correspondente a 75% do montante dos ganhos contratuais esperados, ou seja, um montante que ascende a 6 608 821,25 EUR.

72      A demandante pede, além disso, o reembolso das despesas em que incorreu inutilmente devido às negociações. No que diz respeito, em primeiro lugar, às despesas reclamadas pelos seus fornecedores, as sociedades B. e A., na sequência das encomendas formalizadas e que ascendiam ao montante de 41 637,7 EUR, essas despesas foram efectuadas com fundamento na confiança legítima que a demandante depositou na assinatura do contrato. No que respeita, em segundo lugar, ao custo das prestações executadas pela sociedade anónima Fortis Real Estate Property Management (a seguir «FREPM»), uma sociedade do grupo Fortis que interveio nas negociações na qualidade de chefe de projecto, num montante que se elevava a 19 298,76 EUR, excluindo o IVA, e pelo pessoal da sociedade Fortis num montante que calcula em 21 690,68 EUR, estas despesas foram efectuadas em benefício exclusivo da Comissão, com fundamento na confiança legítima de que o contrato de arrendamento seria celebrado.

73      Por fim, a demandante pede uma indemnização pela perda da oportunidade de arrendar o imóvel a um terceiro, em condições equivalentes, enquanto duraram as negociações, ou seja, o período compreendido entre 13 de Maio e 14 de Setembro de 2003. Durante esse período, a demandante renunciou a manter negociações sobre o imóvel com terceiros e, deste modo, conferiu à Comissão uma exclusividade justificada pela urgência manifestada por esta em concluir o contrato de arrendamento. A demandante avalia o prejuízo, ex aequo et bono, num montante que ascende a 40 000 EUR.

74      A Comissão sustenta, em primeiro lugar, que, ao romper as negociações encetadas com a demandante, não adoptou um comportamento faltoso na acepção do artigo 288.°, segundo parágrafo, CE.

75      O artigo 101.° do Regulamento Financeiro conferia‑lhe o direito absoluto de não celebrar o contrato de arrendamento, sem obrigação de indemnização. Este direito de renunciar ao contrato, exercido sem prejuízo da aplicação do artigo 288.°, segundo parágrafo, CE, é oponível à demandante. No caso vertente, a Comissão considera que respeitou o imposto no artigo 101.° do Regulamento Financeiro apesar de não ter comunicado à demandante os motivos da sua decisão de renunciar ao contrato, uma vez que esta última não lhe tinha dirigido um pedido escrito prévio nesse sentido.

76      A Comissão contesta a excepção de ilegalidade suscitada pela demandante. As regras aplicáveis à adjudicação dos contratos públicos comunitários e aos compromissos jurídicos das autoridades da União Europeia fixadas no Regulamento Financeiro foram legalmente adoptadas com fundamento nos artigos 274.° CE e 279.° CE, pelo que a sua aplicação no caso vertente não deve ser afastada.

77      A Comissão alega que, uma vez que se limitou a exercer os seus direitos, observando os procedimentos de adjudicação dos contratos públicos comunitários, ao renunciar ao contrato de arrendamento em razão de considerações muito concretas ligadas a problemas técnicos colocados pelo imóvel e pela sua situação geográfica, que informou a demandante, em 26 de Junho de 2003, do início do procedimento de consulta e de decisão e que informou, sem demora, esta última da suspensão desse processo e, posteriormente, da renúncia à celebração do contrato de arrendamento, não lhe pode ser imputada nenhuma violação grave e manifesta dos limites que, no caso vertente, se impunham ao seu poder de apreciação. Do mesmo modo, não pode ser acusada de não ter informado expressamente a demandante de que a aprovação definitiva do contrato estava sujeita a um procedimento de consulta e de decisão, dado que as normas correspondentes são obrigatórias para todos os sujeitos, são publicadas no Jornal Oficial e, por conseguinte, são do conhecimento de todos, designadamente da demandante, que delas tomou, de resto, conhecimento em negociações anteriores. Nestas condições, não se pode considerar que a Comissão teve um comportamento contrário à boa‑fé por ocasião das negociações pré‑contratuais controvertidas.

78      A Comissão considera igualmente que não pode ser acusada de ter retirado o seu consentimento à celebração do contrato de arrendamento, uma vez que nunca deu o seu consentimento, contrariamente ao que alega a demandante.

79      A Comissão sustenta ainda que não violou o princípio da protecção da confiança legítima nas circunstâncias do caso presente. Com efeito, jamais incitou a demandante a efectuar despesas com vista à realização das obras de remodelação, nem suscitou à demandante qualquer confiança legítima no facto de o contrato de arrendamento vir a ser celebrado. Em especial, não forneceu nenhuma garantia precisa sobre o resultado do procedimento de consulta e de decisão. Pelo contrário, o negociador emitiu reservas sobre a conclusão do contrato na sua menção manuscrita de 26 de Junho de 2003 e na sua mensagem electrónica de 30 de Junho de 2003. Além disso, indicou à demandante, ao longo das negociações, que o desejo de esta ver o contrato aprovado num determinado prazo não se podia concretizar tendo em conta a obrigação de respeitar o procedimento de consulta e de decisão.

80      Em segundo lugar, a Comissão contesta que a demandante tenha feito a prova que lhe incumbe de um nexo de causalidade directo entre o comportamento ilegal e o dano alegado. Quanto à perda de oportunidade de contratar, não se pode considerar que o prejuízo que resulta da não ocupação de um imóvel, sofrido vários anos depois da ruptura das negociações pré‑contratuais, seja o resultado normal dessa ruptura. Quanto às despesas em que incorreram os fornecedores, foi a demandante que, através do seu comportamento, causou directamente esse dano ao decidir formalizar as encomendas num momento em que tinha consciência de que o contrato ainda não tinha sido aprovado, e isso não obstante as reservas emitidas pelo negociador. Por fim, quanto às despesas da FREPM e de pessoal da sociedade Fortis, a demandante não demonstrou que as alegadas prestações tivessem sido executadas por ocasião das negociações do contrato de arrendamento.

81      Em terceiro lugar, a Comissão nega que a demandante tenha apresentado a prova que lhe incumbe da existência de um prejuízo real e certo.

82      Em direito comunitário, a perda do lucro que se espera obter com a execução de um contrato não é susceptível de indemnização na falta de contrato. Além disso, a indemnização de uma perda de oportunidade é discutível no caso vertente, uma vez que a demandante nunca perdeu a possibilidade de arrendar o imóvel a um terceiro. De qualquer modo, a demandante não demonstrou a dimensão do dano alegado.

83      No que diz respeito às despesas reclamadas pelos fornecedores, a demandante não demonstrou a realidade do dano por ela alegado, ou seja, o pagamento dos materiais e o facto de terem sido encomendados em vão.

84      As despesas em que incorreu a FREPM ou a sociedade Fortis por ocasião das negociações não constituem um prejuízo susceptível de indemnização, uma vez que a Comissão tem o direito de renunciar, sem indemnização, à adjudicação de contratos públicos. Além disso, a demandante não faz prova suficiente de que sofreu um prejuízo real e pessoal nem demonstrou a pertinência dos elementos utilizados para avaliar o prejuízo alegado.

85      Por último, a demandante não pode reclamar um montante a título da alegada perda de uma oportunidade de arrendar o imóvel a um terceiro durante as negociações, uma vez que a perda de um lucro devido à não celebração de um contrato não é susceptível de indemnização. De qualquer modo, a demandante não fez prova de ter tido uma oportunidade real de arrendar o imóvel a um terceiro enquanto duraram as negociações.

2.     Apreciação do Tribunal de Primeira Instância

86      Resulta de jurisprudência assente que para existir responsabilidade extracontratual da Comunidade na acepção do artigo 288.°, segundo parágrafo, CE é necessário estarem reunidos uma série de requisitos, a saber, a ilegalidade do comportamento censurado às instituições, a realidade do dano e a existência de um nexo de causalidade entre o comportamento alegado e o prejuízo invocado (acórdão do Tribunal de Justiça de 29 de Setembro de 1982, Oleifici Mediterranei/CEE, 26/81, Recueil, p. 3057, n.° 16; acórdãos do Tribunal de Primeira Instância de 11 de Julho de 1996, International Procurement Services/Comissão, T‑175/94, Colect., p. II‑729, n.° 44; de 16 de Outubro de 1996, Efisol/Comissão, T‑336/94, Colect., p. II‑1343, n.° 30, e de 11 de Julho de 1997, Oleifici Italiani/Comissão, T‑267/94, Colect., p. II‑1239, n.° 20).

87      Quando um destes requisitos não estiver preenchido, a acção de indemnização deve ser totalmente julgada improcedente, sem que seja necessário examinar os restantes requisitos dessa responsabilidade (acórdão do Tribunal de Primeira Instância de 20 de Fevereiro de 2002, Förde‑Reederei/Conselho e Comissão, T‑170/00, Colect., p. II‑515, n.° 37), não sendo, além disso, o Tribunal obrigado a examinar os requisitos da responsabilidade numa ordem determinada (acórdão do Tribunal de Justiça de 9 de Setembro de 1999, Lucaccioni/Comissão, C‑257/98 P, Colect., p. I‑5251, n.° 13).

a)     Quanto ao comportamento ilegal alegado

 Observações preliminares

88      É necessário, a título preliminar, precisar o contexto no qual se inscreveram as presentes negociações pré‑contratuais.

89      Nos termos do artigo 104.° do Regulamento Financeiro e do artigo 116.°, n.° 7, do Regulamento (CE, Euratom) n.° 2342/2002 da Comissão, de 23 de Dezembro de 2002, que estabelece as normas de execução do Regulamento (CE, Euratom) n.° 1605/2002 do Conselho, que institui o Regulamento Financeiro aplicável ao orçamento geral das Comunidades Europeias (a seguir «normas de execução») (JO L 357, p. 1), as instituições comunitárias e os seus serviços são consideradas entidades adjudicantes relativamente aos contratos celebrados por sua própria conta.

90      O artigo 88.°, n.° 1, do Regulamento Financeiro determina que os contratos públicos são contratos a título oneroso celebrados por escrito por uma entidade adjudicante tendo em vista obter, mediante pagamento de determinado preço, no todo ou em parte a cargo do orçamento, o fornecimento de bens móveis ou imóveis, a execução de obras ou a prestação de serviços. Segundo este mesmo artigo, esses contratos incluem, designadamente, os relativos à aquisição ou arrendamento de um imóvel.

91      No caso vertente, não é contestado que o contrato de arrendamento devia ser celebrado entre a demandante, uma sociedade imobiliária de direito belga, e a Comunidade Europeia, e que tinha por objecto a locação de um edifício existente, ou seja, o edifício B 1 do City Center, e isto por conta da Comissão, que pretendia instalar nesse local alguns dos seus serviços.

92      Resulta do exposto que a Comissão agiu, no caso vertente, como uma «entidade adjudicante» na acepção do artigo 104.° do Regulamento Financeiro e do artigo 116.°, n.° 7, das normas de execução e que o contrato de arrendamento deve ser qualificado como um «contrato público» na acepção do artigo 88.°, n.° 1, do Regulamento Financeiro ou, mais precisamente, como um «contrato relativo a imóveis» na acepção do artigo 116.°, n.° 1, das normas de execução.

93      Não sendo este o momento de apreciar a natureza ou a legalidade do Título V da Parte I do Regulamento Financeiro e das normas de execução (v., respectivamente, n.os 114 a 117 e 118 a 125, a seguir), há que reconhecer que o contrato de arrendamento estava sujeito a estas disposições, que regulam os procedimentos de adjudicação dos contratos celebrados por uma instituição comunitária por sua própria conta, incluindo os contratos públicos relativos a bens imóveis (v., neste sentido, acórdão do Tribunal de Primeira Instância de 6 de Julho de 2005, TQ3 Travel Solutions Belgium/Comissão, T‑148/04, Colect., p. II‑2627, n.° 1).

94      O artigo 126.°, n.° 1, das normas de execução determina que, quando adjudicam contratos relativos a bens imóveis, as entidades adjudicantes podem, sem limite de valor, recorrer ao procedimento por negociação sem publicação prévia de um anúncio de concurso, após prospecção do mercado local. No âmbito desse procedimento, a entidade adjudicante pode escolher livremente a empresa ou empresas com as quais pretende negociar.

95      No caso vertente, resulta dos elementos dos autos que a Comissão optou por recorrer ao procedimento por negociação, sem publicação prévia de um anúncio de concurso e após prospecção do mercado local, para satisfazer as suas necessidades de instalação de uma parte do seu pessoal.

96      É no contexto muito particular desse procedimento de adjudicação de um contrato que devem ser examinadas as acusações de ilegalidade suscitadas pela demandante.

 Quanto à revogação de uma aceitação validamente dada, à não comunicação dos motivos da ruptura e ao lançamento irreflectido das negociações pré‑contratuais

97      Quanto à acusação de que a Comissão violou a proibição de revogação de uma aceitação validamente dada, deve começar por observar‑se que essa acusação foi formulada pela primeira vez na fase da réplica. Ora, nos termos do artigo 48.°, n.° 2, do Regulamento de Processo, a apresentação de fundamentos novos no decurso da instância é proibida, a menos que esses fundamentos assentem em elementos de direito e de facto que se tenham revelado durante o processo.

98      No caso vertente, a acusação em causa podia ter sido formulada na fase da petição apresentada em 5 de Julho de 2004. Com efeito, resulta dos elementos dos autos que foi em 24 de Setembro de 2003 que a demandante confirmou, por carta dirigida à Comissão, que o director do OIB a tinha oficialmente informado de que «o Projet City Center [tinha deixado] de fazer parte das prioridades […] da Comissão para a instalação dos seus próprios serviços». Foi, pois, nessa data que tomou conhecimento da ilegalidade que alega, ou seja, a violação da proibição de revogada de uma aceitação validamente dada.

99      Consequentemente, a presente acusação da demandante, formulada tardiamente no decurso do presente processo, deve ser julgada inadmissível.

100    Quanto à acusação de que a Comissão violou o princípio da boa‑fé e abusou do seu direito de não contratar por não ter comunicado à demandante os motivos reais da sua decisão de renunciar ao contrato objecto das negociações pré‑contratuais e, por conseguinte, de romper essas negociações, sublinhe‑se que essa acusação se assemelha, no essencial, nas circunstâncias do caso vertente, a uma acusação de falta de fundamentação da decisão de renunciar à adjudicação do contrato. Com efeito, por força do disposto no artigo 101.°, segundo parágrafo, do Regulamento Financeiro e, mais genericamente, do dever geral de fundamentação que decorre do artigo 253.° CE, a Comissão tinha o dever de comunicar à demandante a decisão de renunciar à adjudicação do contrato a que se candidatava e, ao mesmo tempo, os fundamentos dessa decisão.

101    Observe‑se, no entanto, que a demandante não alega nenhum prejuízo (v. n.° 157, infra) que possa ter resultado, por um nexo de causa e efeito, do facto de a Comissão não ter comunicado os fundamentos da sua decisão quando renunciou ao contrato e, por conseguinte, do rompimento das negociações pré‑contratuais. Consequentemente, os requisitos relativos à existência de um prejuízo e de um nexo de causalidade entre esse prejuízo e o comportamento ilegal da instituição comunitária, que são necessários para que exista responsabilidade extracontratual da Comunidade (v. n.os 86 e 87, a seguir), não estão, no caso vertente, preenchidos. Por conseguinte, não se verifica a responsabilidade extracontratual da Comunidade baseada nesta pretensa ilegalidade.

102    Consequentemente, a acusação de não comunicação dos motivos da ruptura das negociações pré‑contratuais deve ser julgada inoperante.

103    Do mesmo modo, deve ser afastada a acusação segundo a qual a Comissão violou o princípio da boa‑fé e abusou do seu direito de não contratar ao comprometer‑se com ligeireza nas negociações pré‑contratuais que a seguir teve de romper. Esta acusação assenta na hipótese de que a ruptura das negociações pré‑contratuais foi exclusivamente devida à oposição dos funcionários à localização do imóvel, que era do conhecimento da Comissão no momento em que encetou as negociações. Ora, a veracidade desta alegação não está demonstrada. Pelo contrário, resulta da tréplica e dos elementos dos autos que a ruptura das negociações pré‑contratuais se ficou a dever a uma série de problemas técnicos ligados, designadamente, à situação geográfica do imóvel, que foram referidos por algumas autoridades de controlo (v. n.° 20, supra) quando foram consultadas no âmbito do procedimento interno de controlo e de decisão.

104    Assim, é, tendo em conta as restantes acusações da demandante que se deve apreciar se a Comissão adoptou, no caso vertente, um comportamento ilegal.

 Quanto à comunicação tardia da decisão de romper as negociações pré‑contratuais, à não comunicação das regras internas de tomada de decisão e às garantias dadas sobre a celebração do contrato de arrendamento e/ou a responsabilização pelos investimentos relativos ao mesmo

105    No que diz respeito ao requisito do comportamento ilegal, a jurisprudência exige que se demonstre uma violação suficientemente caracterizada de uma regra jurídica que tenha por objecto conferir direitos aos particulares (acórdão do Tribunal de Justiça de 4 de Julho de 2000, Bergaderm e Goupil/Comissão, C‑352/98 P, Colect., p. I‑5291, n.° 42). O critério determinante para considerar que uma violação do direito comunitário é suficientemente caracterizada é o da violação manifesta e grave, pela instituição comunitária em causa, dos limites que se impõem ao seu poder de apreciação. Quando essa instituição apenas dispõe de uma margem de apreciação consideravelmente reduzida, ou mesmo inexistente, a simples infracção ao direito comunitário pode ser suficiente para demonstrar a existência de uma violação suficientemente caracterizada (acórdão do Tribunal de Justiça de 10 de Dezembro de 2002, Comissão/Camar e Tico, C‑312/00 P, Colect., p. I‑11355, n.° 54; acórdão do Tribunal de Primeira Instância de 12 de Julho de 2001, Comafrica e Dole Fresh Fruit Europe/Comissão, T‑198/95, T‑171/96, T‑230/97, T‑174/98 e T‑225/99, Colect., p. II‑1975, n.° 134).

106    À luz dos critérios elaborados pela jurisprudência, importa, em primeiro lugar, examinar se as violações invocadas pela demandante se referem a regras jurídicas que conferem direitos aos particulares. A este respeito, importa sublinhar que a alegação de um abuso de direito resultante das circunstâncias que rodearam a renúncia à celebração do contrato e a ruptura das negociações pré‑contratuais não reveste, na argumentação da demandante, alcance autónomo relativamente à acusação de violação do princípio da boa‑fé. A invocação de um abuso de direito confunde‑se, pois, no caso presente, com esta última acusação.

–       Quanto à natureza das normas cuja violação é alegada

107    Nos processos que deram lugar aos acórdãos de 15 de Julho de 1960, Von Lachmüller e o./Comissão CEE (43/59, 45/59 e 48/59, Colect. 1954‑1961, p. 531), e de 16 de Dezembro de 1960, Fiddelaar/Comissão CEE (44/59, Colect. 1954‑1961, p. 541), o Tribunal de Justiça considerou que a acção da autoridade pública comunitária, tanto no domínio administrativo como no domínio contratual, está sempre sujeita ao respeito do princípio da boa‑fé. Além disso, da jurisprudência comunitária resulta uma regra segundo a qual os litigantes não podem invocar as normas comunitárias de modo abusivo (v., neste sentido, acórdãos do Tribunal de Justiça de 3 de Dezembro de 1974, Van Binsbergen, 33/74, Colect., p. 552, n.° 13; de 10 de Janeiro de 1985, Leclerc e o., 229/83, Recueil, p. 1, n.° 27; de 21 de Junho de 1988, Lair, 39/86, Colect., p. 3161, n.° 43; de 3 de Março de 1993, General Milk Products, C‑8/92, Colect., p. I‑779, n.° 21; de 5 de Outubro de 1994, TV10, C‑23/93, Colect., p. I‑4795, n.° 21; de 12 de Maio de 1998, Kefalas e o., C‑367/96, Colect., p. I‑2843, n.° 20; de 23 de Março de 2000, Diamantis,C‑373/97, Colect., p. I‑1705, n.° 33, e de 21 de Fevereiro de 2006, Halifax e o.,C‑255/02, Colect., p. I‑1609, n.° 69). Por ocasião de negociações com vista à celebração de um contrato entre a autoridade pública comunitária e um concorrente no âmbito de um processo de adjudicação de um contrato público, estas regras jurídicas conferem direitos ao concorrente em questão, impondo determinados limites à acção da entidade adjudicante que decide renunciar ao concurso e não contratar.

108    Por outro lado, da jurisprudência que o princípio da protecção ou do respeito da confiança legítima é um princípio geral de direito comunitário que confere direitos aos particulares (acórdão do Tribunal de Justiça de 19 de Maio de 1992, Mulder e o./Conselho e Comissão, C‑104/89 e C‑37/90 Colect., p. I‑3061, n.° 15; acórdão do Tribunal de Primeira Instância de 6 de Dezembro de 2001, Emesa Sugar/Conselho, T‑43/98, Colect., p. II‑3519, n.° 64 e 87). Num processo de adjudicação de um contrato público, este princípio confere direitos a qualquer concorrente que se encontre numa situação da qual resulte que a administração comunitária, dando‑lhe garantias precisas, lhe criou fundadas expectativas (v., neste sentido, acórdão do Tribunal de Primeira Instância de 17 de Dezembro de 1998, Embassy Limousines & Services/Parlamento,T‑203/96, Colect., p. II‑4239, n.os 74 e segs.).

109    Atentas as considerações anteriores, há que concluir que a demandante invoca, no caso presente, a violação de regras que conferem direitos aos particulares.

110    Os critérios enunciados pela jurisprudência implicam, em segundo lugar, que seja precisada a margem de manobra de que a Comissão dispunha no caso vertente, por força, designadamente, do artigo 101.°, primeiro parágrafo, do Regulamento Financeiro, para renunciar à celebração do contrato e romper, em consequência, as negociações que tinha encetado.

–       Quanto ao âmbito, à natureza, à legalidade e à oponibilidade do artigo 101.°, primeiro parágrafo, do Regulamento Financeiro

111    Decorre, designadamente, do artigo 101.°, primeiro parágrafo, do Regulamento Financeiro que, no âmbito de um procedimento por negociação, sem publicação prévia de anúncio de concurso, após prospecção do mercado local, como o que foi legalmente adoptado no caso vertente, a entidade adjudicante dispõe de um amplo poder de apreciação para renunciar a celebrar o contrato e, portanto, para romper as negociações pré‑contratuais iniciadas (v., igualmente neste sentido e por analogia, acórdão do Tribunal de Justiça de 16 de Setembro de 1999, Fracasso e Leitschutz,C‑27/98, Colect., p. I‑5697, n.os 23 a 25, e acórdão Embassy Limousines & Services/Parlamento, n.° 108 supra, n.° 54).

112    Daqui resulta que, para que o requisito relativo à existência de um comportamento ilegal seja preenchido, a demandante deve, não só demonstrar que a Comissão violou uma das regras jurídicas que invoca, tendo em conta as circunstâncias que rodearam a sua decisão de renunciar a celebrar o contrato e de romper, em consequência, as negociações pré‑contratuais, mas ainda que essa violação constituiu uma violação manifesta e grave dos limites que se impunham a essa instituição no exercício do seu poder de apreciação.

113    Esta conclusão não é invalidada pelos argumentos ou excepções suscitadas no caso vertente pela demandante.

114    Quanto à argumentação da demandante segundo a qual, à semelhança das outras disposições do Título V da Parte I do Regulamento Financeiro, o artigo 101.°, primeiro parágrafo, do referido regulamento não é aplicável à celebração do contrato de arrendamento na medida em que se limita a estabelecer medidas de organização interna das instituições comunitárias que, devido à sua própria natureza, não podem produzir efeitos jurídicos em relação a terceiros, basta assinalar que este artigo contém, pelo contrário, prescrições de natureza regulamentar que são, por força do artigo 249.° CE, de alcance geral, obrigatórias e directamente aplicáveis em todos os seus elementos à situação objectiva que regulam.

115    Resulta, com efeito, das disposições finais do Regulamento Financeiro que, do mesmo modo que todas as disposições deste, as disposições do artigo 101.°, primeiro parágrafo, são obrigatórias em todos os seus elementos e directamente aplicáveis em todos os Estados‑Membros. Foram publicadas no Jornal Oficial como actos cuja publicação é uma condição da sua aplicabilidade.

116    Resulta, além disso, do considerando 24 do Regulamento Financeiro que o artigo 101.°, primeiro parágrafo, regula os contratos públicos adjudicados pelas instituições comunitárias por sua própria conta. Em razão do seu objecto, este artigo destina‑se, portanto, a produzir efeitos jurídicos em relação a quaisquer terceiros que concorram à adjudicação destes contratos. Acrescente‑se que artigo 101.°, primeiro parágrafo, define precisamente os direitos da entidade adjudicante nas suas relações com os concorrentes a esse contrato público. Ora, como acertadamente refere a Comissão, estas disposições não teriam qualquer sentido nem alcance se tivessem a natureza de uma simples regra de funcionamento interno das instituições. Decorre, portanto, do próprio conteúdo do artigo 101.°, primeiro parágrafo, que este se destina a produzir efeitos jurídicos em relação a terceiros que concorram a um contrato público celebrado por uma instituição comunitária por sua própria conta e que, nesta medida, é de alcance geral.

117    No caso vertente, as disposições do artigo 101.°, primeiro parágrafo, eram oponíveis à demandante e aplicáveis ao processo de adjudicação do contrato em causa no presente processo, uma vez que as negociações pré‑contratuais foram iniciadas posteriormente à data da publicação e da aplicação do Regulamento Financeiro. Com efeito, este último foi publicado no Jornal Oficial em 16 de Setembro de 2002 e passou a ser aplicável a partir de 1 de Janeiro de 2003, em conformidade com as disposições do seu artigo 187.°, ao passo que as negociações pré‑contratuais entre a Comissão e a demandante apenas tiveram início no mês de Maio de 2003.

118    Por outro lado, são de afastar as excepções de ilegalidade suscitadas pela demandante para sustentar a inaplicabilidade, no caso vertente, do artigo 101.°, primeiro parágrafo, do Regulamento Financeiro, assim como de outras disposições do Título V da Parte I deste mesmo regulamento.

119    Recorde‑se que, no âmbito do sistema de competências da Comunidade, a escolha da base jurídica de um acto deve assentar em elementos objectivos susceptíveis de fiscalização jurisdicional e que, entre esses elementos figuram, designadamente, o objectivo e o conteúdo do acto (v. acórdão do Tribunal de Justiça de 12 de Novembro de 1996, Reino Unido/Conselho,C‑84/94, Colect., p. I‑5755, n.° 25, e jurisprudência citada).

120    O artigo 279.° CE habilita «[o] Conselho, deliberando por unanimidade, sob proposta da Comissão e após consulta ao Parlamento Europeu e parecer do Tribunal de Contas [a adoptar] a regulamentação financeira que especifique nomeadamente as modalidades relativas à elaboração e execução do orçamento e à prestação e fiscalização das contas». Este artigo atribui ao Conselho competência geral para fixar as regras que regulam toda a matéria orçamental abrangida pelo Tratado CE, o qual inclui não só as modalidades relativas à elaboração e à execução do orçamento, bem como à apresentação e à verificação das contas, mas também, conforme indicado pelo uso do advérbio «nomeadamente», qualquer outra questão estreitamente relacionada com as anteriores.

121    Como resulta do artigo 88.°, n.° 1, do Regulamento Financeiro, os contratos públicos regulados pelo Regulamento Financeiro são contratos que são financiados, no todo ou em parte, pelo orçamento comunitário. No âmbito de um contrato público comunitário, a celebração do contrato dá origem a uma obrigação (compromisso jurídico) da qual resulta uma despesa que onera o orçamento (autorização orçamental). Por força do princípio da unidade e da verdade orçamental, a despesa correspondente ao compromisso jurídico deve, portanto, ser inscrita no orçamento. Nesta medida, a adjudicação dos contratos públicos pelas instituições comunitárias por sua própria conta e a celebração dos contratos correspondentes estão estreitamente relacionadas com a execução da parte despesas do orçamento.

122    Embora, em geral, a regulamentação dos contratos públicos não seja considerada parte integrante do direito orçamental, cujo âmbito é mais reduzido, refira‑se que, em direito comunitário, o respeito dos princípios que decorrem da economia das disposições financeiras do Tratado CE e, em especial, dos princípios da transparência e da boa gestão financeira justifica que os contratos públicos adjudicados pelas instituições comunitárias, por sua própria conta, que podem ser ligados à execução do orçamento, sejam sujeitos a regras transparentes, que garantam a observância dos procedimentos de tutela dos fundos comunitários. Além disso, e ainda que na maioria dos casos o direito financeiro ou orçamental não se caracterize por criar direitos ou obrigações em relação às pessoas que não pertencem à esfera pública, nada se opõe a que essas regras possam produzir efeitos jurídicos próprios em relação a terceiros que aceitem candidatar‑se à adjudicação de um contrato público comunitário financiado, no todo ou em parte, pelo orçamento comunitário.

123    Resulta precisamente do artigo 89.° do Regulamento Financeiro que a finalidade ou o objecto das disposições do Título V da Parte I deste mesmo Regulamento, conforme completadas pelas disposições correspondentes das normas de execução, é que todos os contratos públicos financiados total ou parcialmente pelo orçamento respeitem os princípios da transparência, da proporcionalidade, da igualdade de tratamento e da não‑discriminação e que qualquer processo de adjudicação de contratos decorra garantindo a maior concorrência possível, salvo nos casos de recurso ao procedimento por negociação. Tais disposições destinam‑se, assim, a submeter os contratos públicos adjudicados pelas instituições comunitárias, por sua própria conta, a regras transparentes e que garantam a observância dos procedimentos de tutela dos fundos comunitários.

124    Resulta do exposto que o artigo 279.° CE constituiu uma base jurídica adequada para a adopção das disposições do Título V da Parte I do Regulamento Financeiro. Além disso, há que declarar que, ao adoptar as regras referidas, o Conselho agiu com base e dentro dos limites das competências que lhe são conferidas pelo artigo 279.° CE.

125    Quanto à argumentação da demandante segundo a qual o artigo 101.°, primeiro parágrafo, do Regulamento Financeiro, ao exonerar ilegalmente a Comissão de uma parte da sua responsabilidade, viola o artigo 288.° CE basta observar que o direito de renunciar a um concurso público e de não celebrar o respectivo contrato se exerce sem prejuízo da aplicação do artigo 288.°, segundo parágrafo, CE. Daqui resulta que, embora a Comissão disponha de um amplo poder de apreciação para romper as negociações, pode, no entanto, desencadear a responsabilidade extracontratual da Comunidade quando resulte das próprias circunstâncias da ruptura que, ao fazê‑lo, adoptou um comportamento ilegal na acepção do artigo 288.°, segundo parágrafo, CE.

126    Por fim, quanto à argumentação da demandante segundo a qual a Comissão não lhe pode opor a regra contida no artigo 101.°, primeiro parágrafo, do Regulamento Financeiro na medida em que ela própria não respeitou o prescrito no segundo parágrafo deste mesmo artigo, que impõe a comunicação aos proponentes interessados dos motivos da renúncia ao contrato, assinale‑se que esta última disposição impõe, com efeito, que a decisão de renunciar ao contrato seja fundamentada e levada ao conhecimento dos candidatos ou proponentes. A violação do dever de fundamentação desta forma enunciado pode afectar a validade da decisão de renunciar ao contrato e de não o celebrar. Em contrapartida, não pode excluir nesta fase a aplicação de disposições que, no caso vertente, se destinam a ser aplicadas à celebração do contrato em razão da sua natureza regulamentar.

–       Quanto à violação do princípio da boa‑fé e à proibição do abuso de direito

127    Deve examinar‑se, em primeiro lugar, à luz dos critérios anteriormente enunciados (n.° 112, supra), a acusação da demandante segundo a qual a Comissão ultrapassou os limites que, no caso vertente, o princípio da boa‑fé e a proibição de abuso de direito impõem ao seu direito de não contratar, ao prosseguir, durante mais de dois meses, negociações que sabia estarem condenadas ao fracasso.

128    Importa, em primeiro lugar, recordar que a Comissão informou a demandante da sua decisão de renunciar ao contrato e, portanto, rompeu as negociações pré‑contratuais em 24 de Setembro de 2003 (v. n.° 98, supra).

129    Esta conclusão não é posta em causa pelas alegações da Comissão segundo as quais a informação controvertida foi comunicada à demandante durante uma reunião que se realizou no princípio do mês de Julho. Para além de não serem precisas, estas alegações não assentam em nenhuma prova e são desmentidas pela correspondência de Julho de 2003 trocada entre o OIB e a sociedade Fortis. Embora mencione um atraso ou uma suspensão da aprovação do contrato, na correspondência em causa não é feita referência a qualquer renúncia ao próprio princípio do contrato. Antes pelo contrário, dela resulta que, em 14 de Julho de 2003, o negociador mencionou ao seu parceiro nas negociações que o princípio da celebração do contrato de arrendamento não estava, até esse momento, em causa. Além disso, em carta não datada, que a sociedade Fortis recebeu em 23 de Julho de 2003, o negociador informou‑a ainda de que a manteria informada da evolução do dossier.

130    Importa seguidamente determinar a data em que a Comissão decidiu renunciar ao contrato. A demandante sustenta que essa decisão foi tomada em Julho de 2003, mas não apresentou nenhum elemento de prova a este respeito. Resulta, no entanto, dos próprios documentos da Comissão que, «início do mês de Julho de 2003» e «[d]evido às dificuldades que surgiram ao longo do procedimento, [tinha] finalmente decidido renunciar a tomar de locação o [imóvel]». Decorre destes mesmos documentos que foi durante o mês de Julho que «o OIB [tentou] encontrar outra eventual solução [para a locação do imóvel] que permitisse uma mudança no mais curto prazo possível e [que], para tanto, foram encetadas negociações com outros eventuais locadores». Resulta, além disso, dos documentos apresentados pela Comissão ao longo do processo que, na reunião de 16 de Julho de 2003, referida no n.° 24, supra, o BPG decidiu, tendo em conta o atraso de dois meses previsto para a ocupação do imóvel, examinar séria e rapidamente a possibilidade de arrendar o edifício M. e, consequentemente, suspender as encomendas feitas tendo em vista as obras de remodelação no interior do imóvel. Em resposta às questões colocadas pelo Tribunal, a Comissão confirmou, além disso, que após a análise do BPG, «o OIB lançou finalmente o procedimento de consulta e de decisão para o edifício M.». Deve, portanto, considerar‑se que foi em 16 de Julho de 2003 que a Comissão tomou a decisão de renunciar ao contrato que negociava com a demandante e de dar início a um novo procedimento por negociação relativo a outro edifício.

131    Atento o prazo, de mais de dois meses, decorrido entre a tomada da decisão e a sua comunicação à demandante, impõe‑se concluir que a Comissão tardou em informar o seu parceiro nas negociações da sua decisão de renunciar ao contrato. Ou seja, manteve negociações pré‑contratuais que sabia condenadas ao fracasso, privando a demandante da possibilidade de procurar outro eventual locatário para o imóvel a partir de 16 de Julho de 2003. No âmbito de um contrato relativo a imóveis negociado exclusivamente com a demandante e tendo por objecto um bem imobilizado devido às negociações pré‑contratuais, o referido comportamento da Comissão viola o princípio da boa‑fé e revela um exercício abusivo, por parte desta, do seu direito de não contratar.

132    Atentas as regras jurídicas cuja violação foi constatada, essa violação constitui, no caso presente, um desrespeito manifesto e grave dos limites que se impunham ao poder de apreciação da Comissão no exercício do seu direito de renunciar ao contrato negociado com a demandante e, portanto, de romper as negociações com ela encetadas.

133    Deve, em segundo lugar, apreciar‑se a acusação segundo a qual a Comissão excedeu os limites que o princípio da boa‑fé e a proibição do abuso de direito impunham ao exercício do seu poder de não contratar ao não indicar, depois da recepção do projecto de contrato de 16 de Junho de 2003, que não podia aceitar este último em razão dos imperativos do seu procedimento interno de aprovação, tendo, pelo contrário, assinado a carta que acompanhava esse projecto sabendo que, com base nisso, a demandante formalizaria as encomendas relativas às obras de remodelação. No essencial, a demandante acusa a Comissão de ter rompido as negociações pré‑contratuais depois de, por falta de informações, a ter induzido em erro sobre o alcance das obrigações por ela efectivamente subscritas, causando‑lhe, assim, um prejuízo. Esta argumentação coloca a questão de saber se o princípio da boa‑fé impunha, no caso vertente, à Comissão um especial dever de informação em relação a seu parceiro no que respeita às obrigações que efectivamente subscreveu no âmbito das negociações pré‑contratuais.

134    A título preliminar, deve precisar‑se que a Comissão só poderia estar vinculada, por força do princípio da boa‑fé ou da proibição de abuso de direito, por um dever de informação específico para com a demandante se a informação em causa fosse indisponível ou, no mínimo, muito dificilmente acessível a esta última.

135    Em conformidade com o artigo 101.°, primeiro parágrafo, do Regulamento Financeiro, a Comissão podia renunciar à adjudicação do contrato e à celebração do contrato de arrendamento até ao dia da assinatura deste último. Daqui resulta que a Comissão não podia estar juridicamente vinculada por esse contrato antes da referida data. Além disso, como o Tribunal precisou no n.° 117, infra, as disposições deste artigo eram aplicáveis e oponíveis à demandante. Consequentemente, deve considerar‑se que a demandante sabia ou devia saber, mesmo na falta de informações específicas fornecidas pela Comissão, que este última podia renunciar ao contrato, sem obrigação de indemnização, até ao dia da assinatura do contrato, pelo que o vínculo jurídico só podia nascer formalmente com a assinatura do contrato pela Comissão. Ora, as partes não contestam que a assinatura formal do contrato não chegou a concretizar‑se no caso presente.

136    Deve, portanto, concluir‑se que a demandante não pode fundadamente invocar, no caso presente, uma violação do princípio da boa‑fé ou da proibição do abuso de direito unicamente pelo facto de a Comissão não lhe ter fornecido informações sobre as obrigações por ela efectivamente subscritas no âmbito das negociações pré‑contratuais.

137    Atentas as considerações expostas, há que concluir que a Comissão violou, de modo suficientemente caracterizado, o princípio da boa‑fé e abusou do seu direito de não celebrar contratos ao informar tardiamente a demandante da sua decisão de romper as negociações pré‑contratuais.

–       Quanto à violação do princípio da protecção da confiança legítima

138    Segundo a jurisprudência, o direito de reclamar a protecção da confiança legítima é extensivo a qualquer particular que se encontre numa situação da qual resulte que a administração comunitária, ao fornecer‑lhe garantias precisas, suscitou‑lhe esperanças fundadas. Constituem tais garantias, seja qual for a forma por que são comunicadas, informações precisas, incondicionais e concordantes que emanam de fontes autorizadas e fiáveis. Em contrapartida, ninguém pode invocar a violação deste princípio na falta de garantias precisas que a Administração alegadamente lhe tenha fornecido (v. acórdão do Tribunal de Primeira Instância de 19 de Março de 2003, Innova Privat‑Akademie/Comissão, T‑273/01, Colect., p. II‑1093, n.° 26, e jurisprudência referida). Além disso, resulta da jurisprudência que garantias que não tenham em conta as disposições aplicáveis não podem criar no interessado uma confiança legítima, mesmo admitindo que estejam provadas (v., no contencioso da função pública, acórdão do Tribunal de Justiça de 6 de Fevereiro de 1986, Vlachou/Tribunal de Contas, 162/84, Recueil. p. 481, n.° 6, e acórdãos do Tribunal de Primeira Instância de 27 de Março de 1990, Chomel/Comissão, T‑123/89, Colect., p. II‑131, n.° 30, e de 7 de Maio de 1991, Jongen/Comissão,T‑18/90, Colect., p. II‑187, n.° 34).

139    Resulta, além disso, da jurisprudência que os operadores económicos devem, em princípio, suportar os riscos económicos inerentes às suas actividades, atentas as circunstâncias de cada caso concreto. No âmbito de um processo de adjudicação esses riscos económicos incluem, designadamente, os custos ligados à apresentação de uma proposta. As despesas assim efectuadas ficam, portanto, a cargo da empresa que optou por participar no processo, uma vez que a faculdade de concorrer a um contrato não implica a certeza da adjudicação daí resultante (acórdão Embassy Limousines & Services/Parlamento, n.° 108 supra, n.° 75). No entanto, se, antes da adjudicação ao concorrente que ganhou o contrato em causa, um concorrente for incitado pela instituição adjudicante a fazer investimentos antecipados irreversíveis e, portanto, a exceder os riscos inerentes às actividades consideradas, que consistem em apresentar uma proposta, pode existir responsabilidade extracontratual da Comunidade (acórdão Embassy Limousines & Services/Parlamento, n.° 108, supra, n.° 76).

140    No caso vertente, a demandante alega, em primeiro lugar, que a Comissão não a informou do direito que lhe assistia de renunciar ao contrato até à assinatura deste, e isso sem qualquer obrigação de indemnização.

141    No entanto, conforme referido nos n.os 117 e 135, a demandante devia saber que, mesmo na falta de informações específicas, que a Comissão tinha o direito de renunciar ao contrato, sem obrigação de indemnização, até à assinatura do contrato e que, por conseguinte, o vínculo jurídico apenas podia nascer com a assinatura do contrato pela Comissão. Não pode, portanto, invocar garantias concretas, susceptíveis de criar uma esperança fundada na conclusão do contrato de arrendamento, resultantes simplesmente do silêncio da Comissão sobre a regulamentação aplicável à celebração do referido contrato.

142    A demandante alega, em segundo lugar, que, na reunião de 6 de Junho de 2003, evocada no n.° 5, supra, o negociador a incitou a começar imediatamente as obras. Basta, a este respeito, observar que, mesmo supondo que o negociador tenha efectivamente feito as afirmações que lhe são imputadas, estas não foram de molde a alimentar a confiança legítima alegada pela demandante. Com efeito, resulta da mensagem electrónica de 11 de Junho de 2003, evocada no n.° 6, supra, que, posteriormente à reunião em questão, a sociedade Fortis indicou ainda ao negociador que não podia razoavelmente dar ordem de execução das obras antes de a Comissão confirmar o seu acordo sobre os termos do contrato de arrendamento. Além disso, nos seus articulados, a própria demandante acrescenta que, quando impôs determinadas condições na sua carta de 16 de Junho de 2003, referido no n.° 7, supra, queria reservar‑se a prova do acordo entre as partes nas negociações, não podendo aceitar contentar‑se com a palavra do negociador na reunião de 6 de Junho de 2003. Atentas as suas próprias declarações, a demandante não pode, portanto, sustentar que as afirmações do negociador foram de molde a criar‑lhe esperanças fundadas no facto de que o contrato seria celebrado e que a teriam incitado a formalizar as encomendas com vista à realização das obras de remodelação.

143    A demandante afirma, em terceiro lugar, que a Comissão insistiu, em várias ocasiões, que as obras fossem executadas rapidamente de modo a que a instalação dos seus funcionários tivesse lugar na data da entrada em vigor do contrato de arrendamento.

144    Resulta dos autos, designadamente do acordo de cooperação interinstitucional assinado com o Parlamento, que a observância da data de 1 de Novembro de 2003 para a entrada nas instalações era uma condição essencial para que a Comissão se comprometesse. Daqui resulta que a adjudicação do contrato à demandante e a celebração do contrato de arrendamento com esta dependiam, em princípio, da capacidade de esta última concluir as obras de remodelação, o mais tardar em 31 de Outubro de 2003.

145    Resulta igualmente dos autos e das próprias afirmações da Comissão que, até meados de Julho de 2003, a Comissão negociava exclusivamente com a demandante para satisfazer uma necessidade de instalação de uma parte do seu pessoal. Daqui resulta que, até esse momento, a Comissão, mais precisamente o OIB, se comportavam e agiam como se o contrato viesse a ser adjudicado à demandante e por esta executado. Além disso, resulta dos documentos apresentados no decurso da instância pela Comissão que, até 7 de Julho de 2003, data do parecer da DG «Pessoal e Administração», o OIB não tinha razões para pensar que os problemas técnicos relacionados designadamente com a situação geográfica do imóvel que foram seguidamente invocados pela Comissão como sendo a causa da ruptura das negociações pré‑contratuais poderiam comprometer a adjudicação do contrato à demandante e a celebração do contrato de arrendamento.

146    Resulta, além disso, dos autos que, antes de ter tomado conhecimento das negociações paralelas encetadas pela Comissão com outros operadores imobiliários no mercado de Bruxelas, a demandante não tinha razões para pensar que outros problemas além da realização das obras dentro dos prazos poderiam comprometer a celebração do contrato de arrendamento. Com efeito, foi no âmbito do presente processo e, portanto, posteriormente à data invocada como sendo a data em que surgiu a confiança legítima, ou seja, 26 de Junho de 2003, que a demandante pôde tomar conhecimento dos problemas que motivaram a decisão da Comissão de renunciar à adjudicação e à celebração do contrato de arrendamento.

147    É à luz destas conclusões que deve ser apreciada a pertinência dos elementos adiantados pela demandante para sustentar as suas alegações segundo as quais a Comissão a incitou a realizar as obras de remodelação sem esperar pela assinatura formal do contrato de arrendamento.

148    A demandante alega que o negociador assinou, sem a menor reserva, a carta de 16 de Junho de 2003 que precisava que, a partir da recepção da carta assinada, formalizaria, como lhe tinha sido pedido, as encomendas para as obras de remodelação sem esperar pela assinatura formal do contrato de arrendamento (v. n.° 7, supra). A Comissão contesta as alegações da demandante e sustenta que esta última tomou a iniciativa de dar início às obras de remodelação sem esperar pela celebração do contrato, aceitando assim correr o risco de estas obras de remodelação não lhe serem reembolsadas em aplicação das cláusulas contratuais.

149    Quanto ao facto de o OIB não ter reagido à menção que figura na carta de 16 de Junho de 2003 da qual resulta que a Comissão pediu à demandante que desse início às obras de remodelação sem esperar pela assinatura formal do contrato de arrendamento, observe‑se que o negociador, não só não contestou esta afirmação, como ainda agiu de modo a respeitar as condições impostas pela demandante para aceitar submeter‑se a prazos rigorosos que desencadeiam as indemnizações por mora e para formalizar as encomendas de obras de remodelação sem esperar pela assinatura formal do contrato de arrendamento. Todas estas circunstâncias infirmam a tese da Comissão segundo a qual a demandante tomou uma iniciativa não solicitada, ao formalizar as encomendas sem esperar pela assinatura do contrato. Com efeito, estas circunstâncias confirmam que o OIB incitou a demandante a formalizar as encomendas necessárias à realização das obras de remodelação sem mesmo esperar pela assinatura formal do contrato de arrendamento, estipulando que estas seriam assumidas pela Comissão através do pagamento de uma renda adicional.

150    Como a demandante referiu acertadamente, a incitação para dar início às obras de remodelação é confirmada pela aceitação dada, em 4 de Julho de 2003 (v. n.° 18, supra), por outro agente do OIB a uma proposta da sociedade Fortis relativa ao custo horário das despesas de vigilância dos estaleiros do imóvel, uma vez que os montantes correspondentes a essas despesas deviam ser inscritos na rubrica «Instalação de estaleiro» do orçamento das obras de remodelação. Este acordo expresso demonstra que os agentes do OIB agiram de modo a que todas as condições ficassem preenchidas para que a demandante pudesse realizar as obras de remodelação sem esperar pela assinatura formal do contrato.

151    A incitação assim dada, em 26 de Junho de 2003, pelo OIB e, por último, pela Comissão a uma execução antecipada das obras de remodelação era de molde a suscitar, nessa data, a confiança legítima da demandante em que os investimentos realizadas mesmo antes da assinatura formal do contrato de arrendamento lhe seriam reembolsados pela Comissão.

152    Estas afirmações não podem ser postas em causa, como sustenta a Comissão, pela menção manuscrita, aposta pelo Sr. S. na carta de 16 de Junho de 2003, conforme assinada, em 26 de Junho de 2003, pelo negociador, e que colocava a questão de saber se as encomendas podiam ser formalizadas. Com efeito, tendo em conta a ambiguidade e o carácter lacónico da fórmula em questão, a interpretação da Comissão, segundo a qual essa menção traduz as dúvidas da demandante quanto à possibilidade de formalizar, sem riscos jurídicos, as encomendas com fundamento no acordo celebrado em 26 de Junho de 2003, afigura‑se demasiado especulativa e aleatória para poder ser acolhida. Como acertadamente referiu a demandante, essa menção pode ser igualmente interpretada como um pedido puro e simples de que as encomendas fossem feitas a partir desse momento.

153    Atentas as circunstâncias do caso concreto, deve concluir‑se que a demandante foi incitada pela Comissão, considerada na sua qualidade de entidade adjudicante, a fazer antecipadamente investimentos irreversíveis e, portanto, a exceder os riscos inerentes às actividades em causa, que consistiam em apresentar uma proposta no âmbito de um processo de adjudicação de um contrato público. Além disso, deve considerar‑se que a demandante agiu de modo razoável e realista ao aceitar fazer antecipadamente os investimentos necessários para poder executar o contrato de arrendamento em conformidade com as exigências da Comissão. Com efeito, esta tinha obtido previamente garantias precisas da Comissão no sentido de que as obras de remodelação que tinha de realizar à margem da cobertura contratual lhe seriam reembolsadas pela Comissão.

154    Esta conclusão não é posta em causa pelo facto de a Comissão poder renunciar a adjudicar o contrato e, portanto, a celebrá‑lo, sem obrigação de indemnização, até à data da assinatura deste, em conformidade com o disposto no artigo 100.° e no artigo 101.°, primeiro parágrafo, do Regulamento Financeiro. Com efeito, a existência dessa faculdade não invalida que, através do seu comportamento, a Comissão possa ter dado ao seu parceiro a impressão de que não poria essa faculdade em prática num caso determinado (v., neste sentido e por analogia, acórdão Embassy Limousines & Services/Parlamento, n.° 108 supra, n.os 54 e 86).

155    Deve, portanto, concluir‑se que a Comissão violou, de modo suficientemente caracterizado, o princípio da protecção da confiança legítima ao romper as negociações pré‑contratuais depois de ter incitado a demandante a realizar as obras de remodelação para poder arrendar o imóvel a partir de 1 de Novembro de 2003.

156    Atentas as considerações precedentes, e no que diz respeito ao requisito de um comportamento ilegal, deve concluir‑se que, por ocasião da ruptura das negociações pré‑contratuais, a Comissão adoptou um comportamento ilegal gerador de responsabilidade extracontratual da Comunidade ao deixar prosseguir negociações pré‑contratuais que sabia condenadas ao fracasso e ao romper essas negociações pré‑contratuais depois de ter incitado a demandante a realizar as obras de remodelação necessárias à locação do imóvel a partir de 1 de Novembro de 2003. A argumentação da demandante deve ser julgada improcedente quanto ao restante.

b)     Quanto ao dano alegado e ao nexo de causalidade entre o comportamento ilegal e esse dano

157    A demandante pede a indemnização da perda de oportunidade de celebrar o contrato, das despesas em que incorreu por ocasião das negociações pré‑contratuais e da perda da oportunidade de arrendar o imóvel a um terceiro enquanto duraram essas negociações.

158    A este respeito, importa recordar que o nexo de causalidade exigido pelo artigo 288.°, segundo parágrafo, CE pressupõe que exista um nexo de causalidade directo entre o comportamento ilegal da Comunidade e o prejuízo invocado, ou seja, que o prejuízo decorra directamente do referido comportamento (acórdão do Tribunal de Primeira Instância de 17 de Dezembro de 2003, DLD Trading/Conselho, T‑146/01, Colect., p. II‑6005, n.° 72; v. igualmente, neste sentido, acórdãos do Tribunal de Justiça de 4 de Outubro de 1979, Dumortier frères e o./Conselho, 64/76 e 113/76, 167/78 e 239/78, 27/79, 28/79 e 45/79, Recueil, p. 3091, n.° 21, e de 5 de Março de 1996, Brasserie de pêcheur e Factortame, C‑46/93 e C‑48/93, Colect., p. I‑1029, n.° 51, e acórdão do Tribunal de Primeira Instância, International Procurement Services/Comissão, n.° 86 supra, n.° 55).

159    Sublinhe‑se, além disso, que, segundo jurisprudência assente, compete em primeira linha à parte que põe em causa a responsabilidade da Comunidade apresentar provas concludentes quanto à existência ou à extensão do prejuízo que invoca e demonstrar o nexo de causalidade entre esse prejuízo e o comportamento ilegal das instituições comunitárias (acórdãos do Tribunal de Justiça de 7 de Maio de 1998, Somaco/Comissão, C‑401/96 P, Colect., p. I‑2587, n.° 71, e do Tribunal de 18 de Setembro de 1995, Blackspur e o./Conselho e Comissão, T‑168/94, Colect., p. II‑2627, n.° 40).

160    É à luz destas considerações que devem ser apreciados os pedidos de indemnização apresentados pela demandante.

 Quanto ao pedido de indemnização da perda de oportunidade de contratar

161    A ruptura unilateral das negociações contratuais decorre, no caso vertente, da faculdade de a entidade adjudicante não celebrar o contrato de arrendamento projectado, por força do disposto no artigo 101.°, primeiro parágrafo, do Regulamento Financeiro. Por conseguinte, a demandante nunca chegou a adquirir um direito à celebração desse contrato. Além disso, na falta de acordo firme e definitivo entre as partes, a demandante não pôde adquirir um direito por força do contrato nem, consequentemente, um direito de obter o ganho contratual esperado.

162    Daqui resulta que o comportamento ilegal adoptado pela Comissão, que procede unicamente das circunstâncias que rodearam o exercício por esta do seu direito de renunciar ao contrato e de romper unilateralmente as negociações pré‑contratuais, não pode ser visto como a causa do prejuízo consistente na perda de uma oportunidade de contratar e de realizar os ganhos que a conclusão do contrato permitia esperar. O prejuízo sofrido pela demandante devido a esse comportamento ilegal não pode, consequentemente, incluir os ganhos que esta podia esperar obter da locação do imóvel nem sequer da perda de uma oportunidade de obter esses ganhos (v., neste sentido, acórdão Embassy Limousines & Services/Parlamento, n.° 108 supra, n.° 96).

163    Esta solução não é posta em causa pelos elementos apresentados no caso vertente pela demandante. Por um lado, os documentos que apresentou para sustentar o seu pedido dizem respeito unicamente aos direitos belga e francês e não demonstram que estes consagrem o princípio da indemnização dos lucros cessantes resultantes da não celebração do contrato. Estes documentos comprovam, pelo contrário, que a doutrina maioritária se opõe a essa solução, que não está, de resto, consagrada na jurisprudência. Por outro lado, o facto de a indemnização pedida no caso vertente pela demandante corresponder apenas a uma fracção de lucros não é susceptível de pôr em causa a solução já referida e, uma vez que levaria, de qualquer modo, a atribuir efeitos, ainda que parcialmente, a um contrato que nunca chegou a ser celebrado e a cuja celebração a demandante nunca chegou a adquirir direito.

164    Atento o exposto, e sem que seja necessário pronunciar‑se sobre os restantes argumentos apresentados pela Comissão, deve ser indeferido o pedido de indemnização da perda de oportunidade de vir a obter a adjudicação do contrato e de realizar o lucro esperado com a execução deste.

 Quanto ao pedido de indemnização dos encargos suportados e das despesas efectuadas

165    Resulta do artigo 101.°, primeiro parágrafo, do Regulamento Financeiro que, em princípio, os encargos e despesas em que inutilmente incorreu um proponente por ocasião da sua participação num processo de adjudicação de um contrato público não podem constituir um prejuízo susceptível de ser ressarcido através da concessão de uma indemnização (v., por analogia, acórdãos do Tribunal de 29 de Outubro de 1998, TEAM/Comissão, T‑13/96, Colect., p. II‑4073, n.° 71, e Embassy Limousines & Services/Parlamento, n.° 108 supra, n.° 97). No entanto, a referida disposição não pode, sem se correr o risco de violar os princípios da segurança jurídica e da protecção da confiança legítima, aplicar‑se nos casos em que a violação do direito comunitário na condução do processo de adjudicação de um contrato tenha afectado a oportunidade de ser adjudicado um contrato a um concorrente (v., por analogia, acórdão TEAM/Comissão, já referido, n.° 72), ou tenha directamente levado este último a realizar despesas ou encargos injustificados.

166    No que diz respeito às despesas de pessoal da sociedade Fortis efectuadas no âmbito das negociações pré‑contratuais, observe‑se que a demandante não forneceu nenhum elemento que permita concluir que estas resultam directamente de um comportamento ilegal da Comissão. Assim, não ficou demonstrado nem foi alegado pela demandante que essas despesas foram efectuadas no período durante o qual a Comissão permitiu que se prolongassem negociações pré‑contratuais que sabia condenadas ao fracasso. Além disso, na falta de elementos fornecidos pela demandante nesse sentido, não se pode considerar que as despesas de pessoal da sociedade Fortis tenham sido feitas de modo injustificado por terem excedido os riscos inerentes à apresentação de uma proposta no âmbito de um processo de adjudicação de um contrato.

167    De qualquer modo, há que concluir que, na petição, a demandante se limitou a avaliar o montante do prejuízo que teria correspondido às despesas de pessoal da sociedade Fortis efectuadas no âmbito das negociações pré‑contratuais, sem apresentar a menor prova nesse sentido. Na réplica, alegou que esta avaliação foi feita com base no tempo dedicado às negociações pré‑contratuais pelos Srs. S. e D., dois membros do pessoal da sociedade Fortis, ou seja, respectivamente, 150 e 100 horas, e de uma estimativa de taxa horária destes, ou seja, respectivamente, 62 e 124 EUR, sem apresentar nenhum elemento concreto e detalhado a este respeito. Ora, essa avaliação, cuja pertinência ou credibilidade não é possível apreciar por falta de elementos suficientemente concretos e detalhados fornecidos pela demandante, não basta para demonstrar a realidade e a dimensão do prejuízo correspondente às despesas de pessoal da sociedade Fortis para cujo ressarcimento é reclamada uma indemnização.

168    Atento o exposto, há que julgar improcedente o pedido de indemnização das despesas de pessoal da sociedade Fortis apresentado pela demandante.

169    No que respeita às despesas reclamadas pelos fornecedores, as sociedades B. e A., deve precisar‑se que a demandante alega unicamente que as encomendas correspondentes foram formalizadas em razão da confiança legítima na celebração do contrato de arrendamento, confiança que foi frustrada quando a Comissão rompeu posteriormente as negociações pré‑contratuais. Em contrapartida, não é contestado que este prejuízo não apresenta um nexo de causalidade com a violação do princípio da boa‑fé e com o abuso de direito constatados (v. n.° 137 supra). Como já foi referido no n.° 153, supra, tem razão a demandante ao alegar que foi com fundamento na confiança legítima de que as obras de remodelação lhe seriam reembolsadas pela Comissão que formalizou, em 4 de Julho de 2003, as encomendas relativas a essas obras. Contrariamente ao que defende a Comissão, existe, pois, um nexo de causalidade directo entre o prejuízo cuja reparação a demandante pede, que resulta das encomendas assim formalizadas, e a ilegalidade consistente numa violação pela Comissão do princípio da protecção da confiança legítima. Este último justifica, por conseguinte, que as despesas em causa sejam objecto de indemnização.

170    No entanto, os elementos fornecidos pela demandante não fazem prova suficiente da realidade e a dimensão do prejuízo realmente sofrido por esta em consequência da ilegalidade referida. Por um lado, a demandante, para sustentar o seu pedido, apresentou simples notas de despesas redigidas pelos seus fornecedores e dirigidas à sociedade Fortis, as quais não comprovam a existência de um prejuízo realmente sofrido pela demandante. Por outro lado, reconheceu que até ao momento não reembolsou aos seus fornecedores nenhum montante correspondente a essas notas de despesas e que não o faria antes de a presente acção ser decidida. Alega, com efeito, que, ao abrigo dos acordos que celebrou com os fornecedores em questão, o pagamento foi suspenso até a demandante ser eventualmente indemnizada pela Comissão. Porém, a demandante não forneceu nenhum elemento comprovativo das suas alegações, não se podendo excluir, como defende a Comissão, que a falta de pagamento resulte de outra causa, como um perdão de dívida ou a reutilização dos materiais.

171    Consequentemente, há que declarar que o pedido apresentado pela demandante de indemnização das despesas reclamadas pelo fornecedores e que ascendem ao montante de 41 637,77 EUR é improcedente.

172    Por fim, no que respeita ao pedido de indemnização correspondente às despesas de intervenção da FREPM, importa sublinhar que, segundo a demandante, estas despesas foram por ela efectuadas em exclusivo benefício da Comissão, tendo em conta a garantia dada pelo negociador de que o contrato seria celebrado. O dano é, também neste caso, uma consequência directa da violação, pela Comissão, do princípio da protecção da confiança legítima. Deve também apreciar‑se se o dano não é uma consequência directa da violação do princípio da boa‑fé e do abuso de direito referidos no n.° 137, supra.

173    Ora, como resulta dos autos, este pedido de indemnização não corresponde a despesas efectuadas pela FREPM, mas a duas notas de honorários de arquitectos directamente dirigidas à demandante. A primeira nota de honorários n.° 37‑2003, datada de 1 de Setembro de 2003, provém da sociedade G. Refere‑se ao dossier «Obras locatário City Center – Botannique 1» para prestações efectuadas durante os meses de Maio e Junho de 2003. A segunda nota de honorários n.° 242‑2003, igualmente datada de 1 de Setembro de 2003, provém da sociedade P. Diz respeito ao projecto «Obras escritórios Comissão» para prestações efectuadas durante os meses de Abril, Maio, Junho, Julho e Agosto de 2003. Estas duas facturas correspondem, assim, a prestações que tiveram início e, portanto, foram encomendadas numa data anterior àquela em que surgiu a confiança legítima da demandante no facto de os investimentos realizados serem da responsabilidade da Comissão, ou seja, 26 de Junho de 2003. Além disso, estas despesas foram efectuadas antes de a Comissão ter decidido renunciar ao contrato.

174    Atento o exposto, há que declarar que a demandante não sofreu qualquer dano ao fazer, sem a isso ser incitada pela Comissão, despesas que não excedem os riscos económicos inerentes à actividade que consiste em concorrer a um contrato público. Com efeito, os honorários dos arquitectos correspondentes às facturas já referidas são encargos e despesas em que a demandante incorreu por ocasião da sua participação num processo de adjudicação de um contrato público, os quais lhe incumbem e não podem constituir um prejuízo susceptível de ser reparado pela Comunidade através da concessão de uma indemnização. Além disso, há que reconhecer que, neste contexto, a demandante não demonstrou a existência de um nexo de causalidade entre o comportamento ilegal da Comissão e a realização de despesas que vieram a revelar‑se totalmente inúteis.

175    Consequentemente, há que julgar improcedente o pedido de indemnização dos encargos e despesas em que a demandante incorreu no âmbito das negociações pré‑contratuais.

 Quanto ao pedido de indemnização da perda de oportunidade de arrendar a um terceiro

176    A título preliminar, importa recordar que, segundo a jurisprudência, a perda de uma oportunidade pode constituir um prejuízo susceptível de reparação (v. acórdão do Tribunal de 27 de Outubro de 1994, C/Comissão, T‑47/93, ColectFP, pp. I‑A‑233 e II‑743, n.° 54, e jurisprudência referida).

177    Quanto à argumentação da demandante segundo a qual, durante o período das negociações pré‑contratuais compreendido entre 13 de Maio e 14 de Setembro de 2003, a demandante não pôde arrendar o imóvel a um terceiro em condições equivalentes às negociadas com a Comissão, assinale‑se que, supondo que o imóvel tivesse continuado no mercado imobiliário de escritórios em Bruxelas no período controvertido, a demandante teve uma oportunidade real de arrendar o imóvel a um terceiro. Essa oportunidade da demandante de arrendar o imóvel a um terceiro decorre do facto de, como reconheceu a Comissão, o mercado do imobiliário de escritórios em Bruxelas ser um mercado em permanente evolução e que cresce de modo regular, designadamente para responder a uma procura crescente das instituições europeias.

178    Todavia, no caso presente, a demandante indicou nos seus articulados que tinha «renunciado à oportunidade [real de arrendar o imóvel a um terceiro] durante todo o período em que […] levou a cabo negociações exclusivas com a Comissão», donde resulta que ela própria tomou a decisão, desde o início das negociações pré‑contratuais, de retirar o imóvel do mercado imobiliário de escritórios de Bruxelas. A este respeito, não tem razão a demandante quando alega que a sua decisão foi determinada pela pressão da Comissão e pelas garantias que lhe terão sido dadas por esta de que o contrato seria assinado.

179    Consequentemente, a perda de oportunidade de arrendar o imóvel enquanto duraram as negociações pré‑contratuais, que resulta da exclusividade que a demandante reconheceu à Comissão sobre o imóvel e da consequente imobilização deste último, resulta da própria decisão da demandante, que, deste forma, aceitou assumir o risco de perder uma oportunidade de arrendar o imóvel a outro locatário.

180    No entanto, ao não avisar imediatamente a demandante da decisão que tinha tomado, em 16 de Julho de 2003, de renunciar à adjudicação do contrato e, por conseguinte, a tomar o imóvel de arrendamento, a Comissão privou a demandante da possibilidade de reintroduzir o imóvel no mercado de locação dois meses mais cedo do que o fez. Daqui resulta que a Comissão privou efectivamente a demandante de uma oportunidade de poder arrendar o imóvel a um terceiro durante um período que pode ser razoavelmente avaliado em dois meses.

181    A fim de avaliar o montante do prejuízo realmente sofrido pela demandante, há que ter em conta as dificuldades inerentes ao mercado de locação da época. Na medida em que essas dificuldades foram reconhecidas e tomadas em conta pela demandante, a atribuição do montante de 10 000 EUR por cada mês em questão, que corresponde à própria avaliação da demandante, constitui uma indemnização adequada do prejuízo efectivamente sofrido por esta. Deve, portanto, fixar‑se o prejuízo a indemnizar a título de perda da oportunidade de arrendar o imóvel a um terceiro, entre meados de Julho e meados de Setembro de 2003, no montante de 20 000 EUR.

182    Atentas as considerações precedentes, o prejuízo global a indemnizar no caso vertente pela Comunidade é fixado em 20 000 EUR.

183    A demandante pede que o montante atribuído a título de reparação do seu prejuízo seja acrescido de juros a contar da data da prolação do acórdão e até pagamento efectivo, à taxa de 6%.

184    O montante da indemnização devida deve ser acrescido de juros de mora, cuja taxa não pode ser superior ao reclamado nos pedidos formulados na petição (acórdão Mulder e o./Conselho e Comissão, n.° 108 supra, n.° 35).

185    Daqui resulta que, no caso vertente, o montante da indemnização já referida deve ser acrescido do montante dos juros de mora a contar da data da prolação do presente acórdão até ao pagamento efectivo, à taxa fixada pelo Banco Central Europeu para as operações principais de refinanciamento, majorada de 2 pontos, estabelecendo‑se como limite a taxa de 6%, conforme pedido pela demandante.

B –  Quanto ao pedido de diligência de instrução

186    A demandante pediu que o negociador fosse notificado para comparecer a fim de ser ouvido sobre afirmações por ele supostamente feitas na reunião de 6 de Junho e da conversa telefónica de 10 de Julho de 2003. A demandada não reagiu a este pedido de diligência de instrução.

187    Segundo jurisprudência assente, é ao Tribunal que cabe apreciar a utilidade de diligências de instrução, na acepção dos artigos 65.° e seguintes do Regulamento de Processo, para efeitos da resolução do litígio (acórdãos do Tribunal de Primeira Instância de 28 de Setembro de 1999, Hautem/BEI, T‑140/97, ColectFP pp. I‑A‑171 e II‑897, n.° 92, e de 22 de Fevereiro de 2000, ACAV e o./Conselho, T‑138/98, Colect., p. II‑341, n.° 72).

188    No caso vertente, o Tribunal considera que a diligência de instrução solicitada pela demandante não é necessária para decidir o presente litígio. Assim, não há que recorrer a tal diligência.

 Quanto às despesas

189    Por força do disposto no artigo 87.°, n.° 3, primeiro parágrafo, do Regulamento de Processo, se cada parte obtiver vencimento parcial ou perante circunstâncias excepcionais, o Tribunal pode determinar que as despesas sejam repartidas entre as partes ou que cada uma das partes suporte as suas próprias despesas.

190    No caso vertente, a demandante foi parcialmente vencida, uma vez que a acção principal foi julgada inadmissível e que uma parte dos pedidos de indemnização foi igualmente julgada improcedente no âmbito da acção subsidiária. Tendo em conta estas circunstâncias, deve decidir‑se que cada parte suportará as suas próprias despesas.

Pelos fundamentos expostos,

O TRIBUNAL DE PRIMEIRA INSTÂNCIA (Segunda Secção alargada)

decide:

1)      A Comissão é condenada a pagar à demandante o montante de 20 000 EUR, acrescido de juros de mora a contar da data da prolação do presente acórdão até ao pagamento efectivo, a uma taxa anual igual à taxa fixada pelo Banco Central Europeu para as operações principais de refinanciamento, acrescida de 2 pontos, não devendo ultrapassar a taxa de 6%.

2)      A acção é julgada improcedente quanto ao restante.

3)      Cada parte suportará as suas próprias despesas.

Pirrung

Meij

Forwood

Pelikánová

 

      Papasavvas

Proferido em audiência pública no Luxemburgo, em 8 de Maio de 2007.

O secretário

 

       O presidente

Índice


Matéria de facto na origem do litígio

Tramitação processual e pedidos das partes

Quanto à acção principal fundada em responsabilidade contratual

A –  Argumentos das partes

B –  Apreciação do Tribunal de Primeira Instância

Quanto à acção subsidiária com base em responsabilidade extracontratual

A –  Quanto ao mérito

1.  Argumentos das partes

2.  Apreciação do Tribunal de Primeira Instância

a)  Quanto ao comportamento ilegal alegado

Observações preliminares

Quanto à revogação de uma aceitação validamente dada, à não comunicação dos motivos da ruptura e ao lançamento irreflectido das negociações pré‑contratuais

Quanto à comunicação tardia da decisão de romper as negociações pré‑contratuais, à não comunicação das regras internas de tomada de decisão e às garantias dadas sobre a celebração do contrato de arrendamento e/ou a responsabilização pelos investimentos relativos ao mesmo

–  Quanto à natureza das normas cuja violação é alegada

–  Quanto ao âmbito, à natureza, à legalidade e à oponibilidade do artigo 101.°, primeiro parágrafo, do Regulamento Financeiro

–  Quanto à violação do princípio da boa‑fé e à proibição do abuso de direito

–  Quanto à violação do princípio da protecção da confiança legítima

b)  Quanto ao dano alegado e ao nexo de causalidade entre o comportamento ilegal e esse dano

Quanto ao pedido de indemnização da perda de oportunidade de contratar

Quanto ao pedido de indemnização dos encargos suportados e das despesas efectuadas

Quanto ao pedido de indemnização da perda de oportunidade de arrendar a um terceiro

B –  Quanto ao pedido de diligência de instrução

Quanto às despesas


* Língua do processo: francês.