Language of document : ECLI:EU:C:2022:696

CONCLUSÕES DA ADVOGADA‑GERAL

LAILA MEDINA

apresentadas em 15 de setembro de 2022(1)

Processo C343/21

PV

contra

Zamestnik izpalnitelen direktor na Darzhaven fond «Zemedelie»

[pedido de decisão prejudicial apresentado pelo Varhoven administrativen sad (Supremo Tribunal Administrativo, Bulgária)]

«Reenvio prejudicial — Política agrícola comum — Fundo Europeu Agrícola de Desenvolvimento Rural (FEADER) — Medidas de apoio ao desenvolvimento rural — Pagamentos agroambientais — Regulamento n.o 1974/2006 — Artigo 45.o, n.o 4 — Medidas de emparcelamento e intervenção de ordenamento fundiário — Impedimento do beneficiário de continuar a cumprir os compromissos assumidos — Falta de medidas necessárias para permitir a adaptação dos compromissos à nova situação da exploração»






 Introdução

1.        O presente pedido de decisão prejudicial tem por objeto a interpretação do artigo 45.o, n.o 4, do Regulamento n.o 1974/2006 (2). Antes da sua revogação (3), esta disposição previa as consequências financeiras para um beneficiário de pagamentos agroambientais quando a sua exploração tenha sido objeto de um emparcelamento ou de intervenções de ordenamento fundiário durante o período abrangido pelos compromissos assumidos ao abrigo do Fundo Europeu Agrícola de Desenvolvimento Rural (FEADER) (4).

2.        Este pedido foi apresentado no âmbito de um litígio que opõe um agricultor búlgaro ao Zamestnik izpalnitelen direktor na Darzhaven fond «Zemedelie» (Diretor Executivo Adjunto do Fundo Agrícola do Estado, a seguir «autoridade recorrida»), a respeito de um recurso contra uma decisão administrativa que exige o reembolso de uma parte da contribuição recebida por esse agricultor, devido ao facto de estar impedido de cumprir o compromisso assumido no âmbito do FEADER de garantir a exploração de todas as terras inicialmente declaradas durante cinco anos consecutivos.

3.        O caso em apreço tem por objeto a interpretação dos conceitos de «emparcelamento» e «intervenções de ordenamento fundiário» na aceção do artigo 45.o, n.o 4, do Regulamento n.o 1974/2006 a fim de determinar se uma situação como a do processo principal está abrangida pelo âmbito de aplicação desta disposição. Em caso de resposta afirmativa, há que determinar se, na falta de medidas necessárias adotadas pelo Estado‑Membro, o impedimento do beneficiário de continuar a cumprir os compromissos assumidos para os pagamentos agroambientais constitui uma circunstância que não permite solicitar o reembolso dos fundos anteriormente recebidos.

 Quadro jurídico

 Direito da União

 Regulamento n.o 1698/2005

4.        O artigo 4.o do Regulamento n.o 1698/2005, sob a epígrafe «Objetivos», prevê:

«1.      O apoio ao desenvolvimento rural deve contribuir para atingir os seguintes objetivos:

a)      Aumento da competitividade da agricultura e da silvicultura através do apoio à reestruturação, ao desenvolvimento e à inovação;

b)      Melhoria do ambiente e da paisagem rural através do apoio à gestão do espaço rural;

c)      Promoção da qualidade de vida nas zonas rurais e da diversificação das atividades económicas.

[…]»

5.        O artigo 36.o do Regulamento n.o 1698/2005, sob a epígrafe «Medidas», prevê:

«O apoio ao abrigo da presente secção incide nas:

a)      Medidas destinadas à utilização sustentável das terras agrícolas através de:

[…]

iv)      pagamentos agroambientais;

[…]»

6.        O artigo 39.o do Regulamento n.o 1698/2005, sob a epígrafe «Pagamentos agroambientais», dispõe:

«1.      Os Estados‑Membros concedem o apoio previsto na subalínea iv) da alínea a) do artigo 36.o no conjunto do respetivo território, de acordo com as suas necessidades específicas.

2.      Os pagamentos agroambientais são concedidos aos agricultores que assumam, a título voluntário, compromissos agroambientais. Quando devidamente justificados, para atingir objetivos ambientais, os pagamentos agroambientais podem ser concedidos a outros gestores do espaço rural.

3.      Os pagamentos agroambientais abrangem apenas os compromissos que ultrapassem as normas obrigatórias estabelecidas nos termos dos artigos 4.o e 5.o e dos anexos III e IV do Regulamento (CE) n.o 1782/2003, assim como os requisitos mínimos relativos à utilização de adubos e produtos fitossanitários e outros requisitos obrigatórios pertinentes estabelecidos na legislação nacional e identificados no programa.

Esses compromissos são assumidos, regra geral, por um período de cinco a sete anos. Quando necessário e justificado, para tipos especiais de compromissos, deve ser determinado um período mais longo nos termos do n.o 2 do artigo 90.o

[…]»

 Regulamento n.o 1974/2006

7.        Os considerandos 23 e 37 do Regulamento n.o 1974/2006 dispõem:

«23)      Quanto ao apoio agroambiental […], os requisitos mínimos a respeitar pelos beneficiários em ligação com os diferentes compromissos em matéria agroambiental […] devem garantir uma aplicação equilibrada do apoio, que tenha em conta os objetivos, e contribuir assim para um desenvolvimento rural sustentável.

[…]

(37)      Devem ser estabelecidas regras comuns para várias medidas, nomeadamente no que se refere à execução de operações integradas, investimentos, cedência de explorações durante o período relativamente ao qual tiver sido assumido um compromisso como condição para a concessão do apoio, aumento da superfície da exploração e definição de diferentes categorias de casos de força maior ou de circunstâncias excecionais.»

8.        O artigo 44.o do mesmo regulamento prevê:

«1.      Se, durante o período de um compromisso assumido como condição para a concessão de apoio, a totalidade ou parte da exploração do beneficiário for cedida a outra pessoa, esta pode retomar o compromisso em relação à parte desse período que falta decorrer. Se tal não acontecer, o beneficiário terá de reembolsar a ajuda recebida.

2.      Os Estados‑Membros podem optar por não exigir o reembolso referido no n.o 1 nos seguintes casos:

[…]

3.      Os Estados‑Membros podem tomar medidas específicas para evitar que, em caso de alterações de pouca importância da situação da exploração agrícola, a aplicação do n.o 1 conduza a resultados inadequados no que se refere ao compromisso assumido.

Uma redução da superfície da exploração até 10 % da superfície sujeita ao compromisso é considerada uma alteração de pouca importância para efeitos do primeiro parágrafo.»

9.        O artigo 45.o do Regulamento n.o 1974/2006 prevê:

«1.      Se, durante o período de um compromisso assumido como condição para a concessão de apoio, o beneficiário aumentar a superfície da sua exploração, os Estados‑Membros podem prever a extensão do compromisso à superfície adicional no que respeita à parte do período do compromisso que falta decorrer, em conformidade com o n.o 2, ou a substituição do compromisso original do beneficiário por um novo compromisso, em conformidade com o n.o 3.

A referida substituição pode igualmente ser prevista nos casos em que a superfície objeto de um compromisso for aumentada no interior da exploração.

2.      A extensão referida no n.o 1 só pode ser concedida se:

[…]

3.      O novo compromisso referido no n.o 1 diz respeito à totalidade da superfície em causa, em condições pelo menos tão rigorosas como as do compromisso inicial.

4.      Sempre que o beneficiário não puder continuar a cumprir os compromissos assumidos devido ao facto de a sua exploração ser objeto de um emparcelamento ou de intervenções públicas de ordenamento fundiário decididas ou aprovadas pelas autoridades públicas competentes, os Estados‑Membros tomarão as medidas necessárias para permitir a adaptação dos compromissos à nova situação da exploração. Se essa adaptação se revelar impossível, o compromisso cessa sem ser exigido reembolso relativamente ao período em que o compromisso tiver sido efetivo.»

 Regulamento n.o 65/2011

10.      O artigo 18.o do Regulamento n.o 65/2011, sob a epígrafe «Reduções e exclusões no caso de incumprimento de outros critérios de elegibilidade, compromissos e obrigações conexas», prevê:

«1.      A ajuda solicitada é reduzida ou recusada quando não estejam cumpridas as obrigações e critérios seguintes:

[…]

b)      critérios de elegibilidade diferentes dos relacionados com a dimensão da superfície ou o número de animais declarados.

No caso de compromissos plurianuais, as reduções de ajudas, as exclusões e as recuperações são também aplicáveis aos montantes já pagos nos anos anteriores por esses compromissos.

2.      O Estado‑Membro recupera e/ou recusa o apoio, ou determina o montante da redução da ajuda, nomeadamente baseando‑se [na] severidade, na extensão e na natureza permanente do incumprimento constatado.

A severidade do incumprimento depende, em especial, da importância das consequências do mesmo, tendo em conta os objetivos dos critérios não cumpridos.

A extensão do incumprimento depende, nomeadamente, do seu efeito na operação no seu conjunto.

A permanência de um incumprimento depende, nomeadamente, da duração dos seus efeitos, ou da possibilidade de pôr fim a esses efeitos por meios razoáveis.

3.      Sempre que o incumprimento resulte de irregularidades cometidas deliberadamente, o beneficiário é excluído da medida em questão no ano civil em causa e no ano civil seguinte.»

 Direito búlgaro

11.      O artigo 37.o‑C da Zakon za sobstvenostta i polzvaneto na zemedelskit zemi (Lei Relativa à Propriedade e à Exploração de Terras Agrícolas) (5) prevê:

«1.      Os agrupamentos para a exploração de terras agrícolas são constituídos por acordo entre os proprietários e/ou os possuidores. A celebração do acordo é supervisionada por uma comissão para cada localidade do território do município, instituída por despacho do diretor da Direção Regional da “Agricultura” até 5 de agosto do ano em causa. […]

2.      O acordo é celebrado em conformidade com um modelo estabelecido pelo Ministro da Agricultura, da Alimentação e das Florestas, […] A celebração e atualização do acordo deve ser feita a cada ano até 30 de agosto, para o exercício seguinte, na aceção do n.o 2, ponto 3, das Disposições Complementares da Zakon za arendata v zemedelieto [(Lei Relativa ao Arrendamento Rural)]. Não pode abranger terrenos declarados para agricultura dentro dos seus limites reais e terrenos que sejam permanentemente explorados como pastagens, pradarias e prados. O acordo produz efeitos desde que abranja pelo menos dois terços da superfície total dos agrupamentos para a exploração de terras na localidade correspondente.

3.      Nos casos em que os possuidores não possam chegar a acordo nas circunstâncias previstas no n.o 1 e, de igual modo, no que se refere às terras não abrangidas pelo acordo, a comissão elabora, até 15 de setembro do ano em causa, um projeto de atribuição de exploração de terras por agrupamentos da seguinte forma:

1)      o direito de exploração do agrupamento individual é concedido ao possuidor que detenha a maior parte de terras agrícolas próprias e/ou arrendadas no agrupamento;

2)      a superfície das terras agrícolas relativamente às quais não tenham sido celebrados contratos e não tenham sido apresentadas declarações pelos seus proprietários nos termos do artigo 37.o‑B é repartida proporcionalmente entre os possuidores e segundo a forma como as terras agrícolas detidas e/ou arrendadas na correspondente localidade são utilizadas de modo permanente.

4)      A comissão elabora o relatório para o diretor da Direção Regional da “Agricultura”, que inclui o acordo celebrado, a atribuição de agrupamentos de terras, informação sobre o terreno referido no n.o 3, ponto 2, relativamente aos seus proprietários e aos pagamentos de rendas devidos, com base no qual o diretor da Direção Regional da “Agricultura” emite uma decisão para a atribuição dos agrupamentos de terras na localidade antes de 1 de outubro do ano em causa.

[…]

14.      O acordo relativo à criação de agrupamentos para a exploração de terras ou a sua afetação constitui uma base jurídica para efeitos da Zakon za podpomagane na zemedelskite proizvoditeli [(Lei Relativa ao Apoio aos Agricultores)], e, na parte relativa às terras a que se refere o n.o 3, constitui base jurídica desde que tenha sido efetuado o respetivo pagamento.

15.      A atribuição das terras agrícolas incluídas nos agrupamentos de explorações de terras e aprovadas para apoio ao abrigo da medida “Pagamentos agroambientais” do Programa de Desenvolvimento Rural para o período 2007 — 2013 e/ou ao abrigo da medida “Agroambiente e clima” e “Agricultura biológica” do Programa de Desenvolvimento Rural 2014 — 2020 é feita sem alteração da localização das pessoas aprovadas ao abrigo da medida quando:

1)      os terrenos disponibilizados em conformidade com o artigo 37.o‑B para participação no procedimento disponham de uma superfície superior ou igual à superfície autorizada para apoio ao abrigo da medida; e

2)      os proprietários e possuidores cujos terrenos foram colocados à disposição das pessoas aprovadas nos termos da medida tenham declarado a sua intenção de participar no processo de criação de agrupamentos para a exploração de terras, nos termos deste artigo, relativamente aos mesmos terrenos.»

 Matéria de facto, tramitação processual e questões prejudiciais

12.      PV, recorrente no processo principal, é um agricultor que apresentou um pedido de apoio ao abrigo da «Medida 214 — Pagamentos agroambientais do Programa de desenvolvimento rural para o período 2007‑2013» (a seguir «medida 214»).

13.      O pedido foi aprovado e PV assumiu um compromisso agroambiental de cinco anos ao abrigo da referida medida. Uma das condições que PV se comprometeu a cumprir foi a realização das atividades referidas no pedido durante cinco anos consecutivos nas mesmas terras agrícolas.

14.      Essa área correspondia a uma superfície de 857 ha de terras agrícolas, sendo utilizada por PV, a partir de 2012, com base em acordos celebrados nos termos do artigo 37.o‑C da Lei Relativa à Propriedade e à Exploração de Terras Agrícolas. Esta disposição permitia, essencialmente, que, para cada exercício financeiro, fossem celebrados acordos entre os proprietários e os possuidores de terrenos agrícolas contíguos para a criação de agrupamentos de terras. Nos termos do direito búlgaro, o acordo para criar agrupamentos de terras ou a sua subdivisão foi considerado uma base jurídica válida para os apoios a favor dos agricultores que os utilizavam.

15.      PV participou nos agrupamentos de terras assim criados com terrenos por ele arrendados para os exercícios de 2012/2013, 2013/2014, 2014/2015 e 2015/2016. Durante esses anos, o recorrente foi objeto de todos os controlos administrativos e presenciais obrigatórios e, na sequência dos seus pedidos de pagamento, foram‑lhe concedidos, ao abrigo da medida 214, pagamentos no montante total de 1 063 317,54 Leva (BGN).

16.      Para o exercício de 2016/2017, não se chegou, contudo, a acordo sobre a exploração de todas as terras declaradas por PV. Embora PV tenha pretendido celebrar tal acordo em conformidade com o artigo 37.o‑C da Lei Relativa à Propriedade e à Exploração de Terras Agrícolas, foi informado pelos restantes participantes nos acordos anteriores da sua intenção de cultivarem as terras agrícolas dentro dos respetivos limites efetivos das suas propriedades. Neste contexto, PV foi impedido de explorar as terras agrícolas assumidas desde 2012 e de cumprir o compromisso assumido de forma a receber pagamentos agroambientais (6).

17.      Em 29 de maio de 2017, PV comunicou a cessação do seu compromisso agroambiental ao Darzhaven fond «Zemedelie» (Fundo Agrícola do Estado) em Targovishte. Essa comunicação foi efetuada quase 10 meses após PV ter tomado conhecimento de que, no exercício de 2016/2017, não lhe iria assistir o direito de exploração de uma parte dos terrenos que serviram de base ao seu compromisso ao abrigo da medida 214, e oito meses após o termo do último acordo.

18.      Em 17 de agosto de 2018, PV foi informado da cessação do seu compromisso agroambiental ao abrigo da medida 214, por incumprimento das condições aplicáveis. Essa decisão não foi contestada por PV e tornou‑se definitiva.

19.      Consequentemente, em 14 de novembro de 2018, a autoridade recorrida iniciou um procedimento para a emissão de um despacho de declaração de um crédito público do Estado (Akt za Ustanovyavane na Publichno Darzhavno Vsemane; a seguir «decisão controvertida»), exigindo a PV o reembolso de 20 % da subvenção paga ao abrigo da respetiva medida para as campanhas 2012‑2016, acrescido de juros legais, ou seja, 212 663,51 Leva (BGN).

20.      Em sede de recurso, o tribunal administrativo de primeira instância considerou que o apoio concedido tinha sido legalmente reduzido e que, no caso em apreço, não havia motivos de força maior na aceção do artigo 31.o do Regulamento n.o 73/2009 (7). Por conseguinte, esse órgão jurisdicional negou provimento ao recurso de PV contra a decisão controvertida.

21.      O Varhoven administrativen sad (Supremo Tribunal Administrativo, Bulgária), chamado a conhecer de um recurso de cassação da sentença proferida em primeira instância, considera que é necessária uma interpretação do direito da União para resolver o litígio. Mais especificamente, observa que o artigo 45.o, n.o 4, do Regulamento n.o 1974/2006 visa três casos específicos em que um beneficiário de pagamentos agroambientais não é obrigado a reembolsar as medidas de apoio anteriormente recebidas. Esses casos seriam quando a (i) exploração das suas atividades agrícolas fosse objeto de um emparcelamento (ii) ou de intervenções públicas de ordenamento fundiário (iii) ou de intervenções de ordenamento fundiário decididas ou aprovadas pelas autoridades públicas competentes. Este órgão jurisdicional observa que, se se considerar que o presente processo pode ser abrangido por uma das situações descritas na referida disposição, a obrigação de reembolso parcial ou total do apoio recebido não figura entre as consequências jurídicas da cessação do compromisso agroambiental.

22.      Foi nestas circunstâncias que o Varhoven administrativen sad (Supremo Tribunal Administrativo) decidiu suspender a instância e submeter ao Tribunal de Justiça as duas seguintes questões prejudiciais:

«1)      A interpretação do artigo 45.o, n.o 4, do [Regulamento n.o 1974/2006] permite considerar que, num caso como o presente, existe um “emparcelamento” ou uma “intervenção de ordenamento fundiário” que leva a que o beneficiário não possa continuar a cumprir os compromissos assumidos?

2)      Em caso de resposta afirmativa à primeira questão: o facto de um Estado‑Membro não ter tomado as medidas necessárias para permitir a adaptação dos compromissos à nova situação da exploração, não lhe permite exigir o reembolso dos fundos relativamente [ao] período em que o compromisso foi efetivo?

[…]»

 Análise

23.      Em consonância com o pedido do Tribunal de Justiça, as presentes conclusões analisam, em substância, as questões submetidas pelo órgão jurisdicional de reenvio no sentido de saber se um caso como o do processo principal constitui um «emparcelamento» ou uma «intervenção de ordenamento fundiário», na aceção do artigo 45.o, n.o 4, do Regulamento n.o 1974/2006 (primeira questão) e, em caso afirmativo, se a não adoção por um Estado‑Membro das medidas necessárias para permitir a adaptação dos compromissos à nova situação da exploração confere ao beneficiário o direito de recusa de reembolso dos fundos recebidos (segunda questão).

 Quanto à primeira questão

24.      A título preliminar, importa recordar que, durante o período no qual se inscrevem os factos do processo principal, o Regulamento n.o 1698/2005 era a legislação em vigor que regulava o apoio da União ao desenvolvimento rural financiado pelo FEADER (8). Este regulamento estabeleceu as regras gerais para a concessão de apoio às práticas agrícolas destinadas a melhorar o ambiente e as zonas rurais (9).

25.      Em especial, o Regulamento n.o 1698/2005 enumerava os pagamentos agroambientais entre as medidas destinadas a promover a utilização sustentável das terras agrícolas (10). Esses pagamentos consistiam em apoios concedidos anualmente aos agricultores, cumulativamente com outros pagamentos agrícolas, contanto que esses agricultores assumissem, a título voluntário, compromissos para a utilização sustentável das terras agrícolas (11). Os compromissos deviam ultrapassar as normas obrigatórias da legislação agrícola da União, bem como os requisitos específicos estabelecidos na legislação dos Estados‑Membros (12).

26.      Conforme esclarece a Comissão Europeia, um aspeto fundamental dos pagamentos agroambientais era que implicavam, regra geral, compromissos que deviam ser assumidos pelos agricultores por um período de, pelo menos, de cinco anos (13). Partindo do princípio de que os compromissos de curta duração reduziam o impacto positivo desses pagamentos, a exigência de um compromisso plurianual visava incentivar os agricultores a utilizarem as suas terras durante um período considerado necessário para alcançar efeitos benéficos para a sustentabilidade ambiental.

27.      É por este motivo que o Regulamento n.o 1974/2006, ao estabelecer as normas de execução do Regulamento n.o 1698/2005, abordou, entre outros elementos importantes, as vicissitudes que poderiam ocorrer durante o período de cinco anos de compromisso assumido pelos agricultores ao abrigo do FEADER (14). Mais concretamente, o Regulamento n.o 1974/2006 definiu as obrigações dos Estados‑Membros e dos beneficiários de pagamentos agroambientais em caso de cessão de propriedade e/ou de utilização da exploração (15), ou em caso de alteração da dimensão da exploração, quer alargando quer reduzindo a mesma (16).

28.      Constato que o litígio do processo principal se enquadra nessa segunda categoria, na medida em que um agricultor que se tinha comprometido a explorar uma determinada superfície de terreno agrícola se viu, no último ano de compromisso ao abrigo do FEADER, impedido de explorar a totalidade da superfície inicialmente declarada no seu pedido ao abrigo da medida 214. Conforme indica o órgão jurisdicional de reenvio, o artigo 45.o, n.o 4, do Regulamento n.o 1974/2006 torna‑se, assim, na disposição central quanto à determinação das consequências financeiras para um agricultor em tais circunstâncias.

29.      Durante a sua vigência (17), o referido artigo regulava as situações em que um beneficiário de pagamentos agroambientais seria impedido de cumprir o compromisso assumido de explorar a mesma superfície durante cinco anos consecutivos devido i) ao emparcelamento da exploração em causa, ii) a intervenções públicas de ordenamento fundiário ou a iii) a intervenções de ordenamento fundiário decididas ou aprovadas pelas autoridades públicas competentes relativamente a essa exploração.

30.      Nestes três cenários, caso o Estado‑Membro não tenha tomado as medidas necessárias para permitir a adaptação dos compromissos à nova situação da exploração, o beneficiário dos pagamentos agroambientais não é obrigado a reembolsar o apoio recebido relativamente ao período em que o compromisso tenha sido efetivo.

31.      Importa salientar que o artigo 45.o, n.o 4, do Regulamento n.o 1974/2006 introduziu uma exceção singular à regra geral aplicável às situações em que os beneficiários de pagamentos agroambientais não cumpriram os compromissos assumidos ao abrigo do FEADER. Com efeito, o incumprimento dos critérios de elegibilidade, dos compromissos ou das obrigações associadas originaria normalmente reduções, exclusões e recuperações do apoio concedido (18). No caso de compromissos plurianuais, essas reduções, exclusões e recuperações aplicar‑se‑iam igualmente aos montantes já pagos em anos anteriores no que se refere a um determinado compromisso (19).

32.      No caso em apreço, pelo contrário, se a impossibilidade de honrar o compromisso de exploração da mesma superfície de terreno agrícola por um período de cinco anos for considerada consequência direta de um emparcelamento ou de uma intervenção de ordenamento fundiário, na aceção do artigo 45.o, n.o 4, do Regulamento n.o 1974/2006, o agricultor em causa no processo principal pode ser dispensado de reembolsar parte dos pagamentos recebidos em anos anteriores, contanto que as autoridades nacionais não tenham adotado as medidas necessárias para adaptar o compromisso do agricultor à nova situação.

33.      Devo salientar que o direito da União não define o conceito de «emparcelamento», nem o conceito de «intervenção de ordenamento fundiário». Contudo, é evidente que ambos os conceitos se referem a instrumentos jurídicos cuja definição, tipologia e requisitos concretos variam consoante os Estados‑Membros (20).

34.      Nestas circunstâncias, segundo jurisprudência constante, há que dar ao artigo 45.o, n.o 4, do Regulamento n.o 1974/2006 uma interpretação autónoma e uniforme na União, tendo em conta não só os seus termos, mas também o seu contexto e os objetivos prosseguidos pela regulamentação em que se integra (21).

35.      No que respeita aos termos do artigo 45.o, n.o 4, do Regulamento n.o 1974/2006, o conceito de «emparcelamento» refere‑se a medidas que consistem na alteração dos limites comuns das parcelas fundiárias, normalmente com o objetivo de aumentar as explorações. A doutrina define‑o como um instrumento de reajustamento fundiário, sendo frequentemente utilizado como sinónimo dos conceitos de «reestruturação fundiária», «reagrupamento fundiário», «reemparcelamento fundiário», «reconfiguração fundiária» e «redistribuição fundiária» (22). Na medida em que o emparcelamento pressupõe uma permuta de terras, uma característica peculiar desta operação é que exige a reorganização da propriedade e/ou utilização não só em termos de parcelas, mas também em termos de direitos (23). O seu objetivo é criar explorações mais racionais, que podem assim ser geridas de forma mais eficiente devido à localização das parcelas reconfiguradas, à sua dimensão ou à sua forma.

36.      Por sua vez, o conceito de «intervenção de ordenamento fundiário» engloba um conceito mais amplo. Enquanto anteriormente este conceito era frequentemente utilizado como um equivalente do conceito de «emparcelamento», atualmente é definido como um procedimento de reafetação de terras mais abrangente que é conjugado com a disponibilização de instalações necessárias para uma área rural definida (24). Nesta perspetiva, o conceito de intervenção de ordenamento fundiário implica não apenas a reestruturação de parcelas agrícolas fragmentadas, principalmente por meio de emparcelamento, mas também um planeamento agrário especial que pressupõe a disponibilização das infraestruturas necessárias — tais como estradas, sistemas de irrigação, sistemas de drenagem, criação de espaços verdes, gestão ambiental, renovação das aldeias, conservação do solo, etc. — para o loteamento em questão (25).

37.      Resulta das considerações precedentes que, além das especificidades que caracterizam cada tipo de medidas, os conceitos de «emparcelamento» e «intervenção de ordenamento fundiário», decorrentes do artigo 45.o, n.o 4, do Regulamento n.o 1974/2006, referem‑se a operações que visam o reajustamento e a reestruturação de parcelas agrícolas fragmentadas, normalmente aplicadas com o intuito de formar explorações que primam pela racionalização, a fim de melhorar a infraestrutura rural e implementar políticas ambientais e de desenvolvimento.

38.      Saliento que, da redação do artigo 45.o, n.o 4, do Regulamento n.o 1974/2006, resulta também que os conceitos de «emparcelamento» e «intervenção de ordenamento fundiário» foram concebidos, na aceção desta disposição, como medidas que comportam um elemento de intervenção pública.

39.      Isso é manifesto no que diz respeito às intervenções de ordenamento fundiário que, nos termos do artigo 45.o, n.o 4, do Regulamento n.o 1974/2006, devem ser públicas por natureza — o que sugere uma participação total das autoridades públicas competentes na criação e adoção dessas medidas — ou decididas ou aprovadas por essas autoridades.

40.      No que diz respeito ao «emparcelamento», a versão em língua inglesa do Regulamento n.o 1974/2006 não é tão evidente a este respeito. Todavia, a leitura de outras versões linguísticas — entre as quais as versões alemã e espanhola — sugere que a exigência de intervenção pública também deve estar presente neste tipo de operações (26). Com efeito, estas versões fazem referência ao emparcelamento e a «outras intervenções públicas de ordenamento fundiário» (27), uma formulação que, conforme a Comissão salienta com razão, foi inclusivamente utilizada na versão inglesa da disposição que precedeu o artigo 45.o, n.o 4, do Regulamento n.o 1974/2006, nomeadamente, o artigo 38.o do Regulamento n.o 817/2004 (28).

41.      A participação pública das autoridades nacionais nos três cenários indicados é ainda confirmada, a meu ver, por uma interpretação contextual do artigo 45.o do Regulamento n.o 1974/2006. Como já indiquei, esta disposição não se limitou a regular as situações em que a dimensão da superfície dos terrenos agrícolas foi reduzida durante o período de compromisso de cinco anos. Também regulava as situações em que essa superfície era alargada, ou mesmo em que a superfície ocupada dentro de uma exploração era alargada. No entanto, enquanto os casos relativos a extensões de superfície são descritos, nos n.os 1, 2 e 3 do artigo 45.o do Regulamento n.o 1974/2006, como uma consequência de uma ação voluntária por parte do beneficiário, o n.o 4 do artigo 45.o refere‑se a reduções da superfície dos terrenos agrícolas resultantes de medidas que escapam ao controlo do beneficiário, destinadas nomeadamente a apoiar o objetivo público de melhoria da estrutura agrícola.

42.      A sua consideração não significa, contudo, que a autoridade pública deva estar presente em todas as fases do emparcelamento ou da intervenção de ordenamento fundiário. O artigo 45.o, n.o 4, do Regulamento n.o 1974/2006 apenas menciona a decisão ou aprovação, o que se torna então uma indicação da participação pública mínima necessária para que uma medida nacional seja considerada abrangida pelo âmbito de aplicação desta disposição. Pelo mesmo motivo, o artigo 45.o, n.o 4, do Regulamento n.o 1974/2006 deve ser interpretado no sentido de não excluir o emparcelamento e as intervenções de ordenamento fundiário desencadeadas por iniciativas privadas, nem o recurso a procedimentos concertados, desde que as autoridades públicas conservem, pelo menos, a aprovação final para estes tipos de operações (29). Afinal, a participação pública em operações de emparcelamento ou intervenções de ordenamento fundiário justifica‑se, em última análise, com base na necessidade, por exemplo, de assegurar o respeito pelos objetivos públicos, a reorganização adequada dos direitos face à permuta de terras e a implementação dessas medidas, sem ser posta em causa devido ao desacordo de alguns dos proprietários ou possuidores em causa.

43.      Por último, do ponto de vista teleológico, parece‑me evidente que o artigo 45.o, n.o 4, do Regulamento n.o 1974/2006 foi criado, conforme salienta a Comissão, para evitar a penalização dos agricultores quando o emparcelamento de uma exploração ou uma intervenção de ordenamento fundiário que afetava essa exploração os impediu de cumprir o compromisso assumido ao abrigo do FEADER no sentido de explorar a mesma superfície de terras agrícolas durante cinco anos consecutivos. Caso contrário, os agricultores sentir‑se‑iam dissuadidos de assumir compromissos agroambientais, que, ao mesmo tempo, são instrumentos importantes para melhorar a estrutura fundiária, aumentar a competitividade do setor agrícola e promover o desenvolvimento fundiário em consonância com as políticas rurais. Na minha opinião, esta é, em última análise, a razão pela qual o artigo 45.o, n.o 4, do Regulamento n.o 1974/2006 exige que os Estados‑Membros adaptem o compromisso à nova situação da exploração ou, se tal adaptação for impossível, isentem o beneficiário da obrigação de proceder ao reembolso do apoio.

44.      No que respeita ao processo principal, cabe certamente ao órgão jurisdicional nacional apreciar se o procedimento descrito na legislação em causa conduz a um emparcelamento ou a uma intervenção de ordenamento fundiário, sendo assim abrangido pelo âmbito de aplicação do artigo 45.o, n.o 4, do Regulamento n.o 1974/2006.

45.      No entanto, resulta dos elementos constantes do despacho de reenvio, em primeiro lugar, que, pelo procedimento previsto nessa legislação nacional, os proprietários e os possuidores podem acordar no reagrupamento ou na reafetação de terrenos agrícolas. Ainda que não expressamente declarado, é razoável supor, tendo em conta os factos do presente processo, que esses acordos são celebrados de forma a reajustar as explorações para fins de eficiência fundiária. Em segundo lugar, segundo essa legislação, a celebração do acordo é gerida por uma comissão, situada no território de cada município e nomeada por decisão da direção regional competente. Essa comissão também pode elaborar uma proposta de reagrupamento de terras nos casos em que os agricultores não conseguem chegar a acordo. Em terceiro lugar, com base num relatório elaborado e apresentado por essa comissão, o qual inclui o acordo celebrado, o diretor da direção regional da agricultura promulga um decreto para a atribuição de terras na correspondente localidade.

46.      A meu ver, uma legislação nacional como a que está em causa no processo principal, que, por um lado, é destinada a promover acordos de reagrupamento fundiário e, por outro, prevê que, para que esses acordos entrem em vigor, têm de ser aprovados pelas autoridades públicas competentes, deve ser considerada um emparcelamento na aceção do artigo 45.o, n.o 4, do Regulamento n.o 1974/2006. Como já explicado, o facto de o referido emparcelamento se basear em acordos voluntários celebrados entre proprietários ou possuidores e de esses acordos não implicarem a cessão de direitos de propriedade não põe em causa esta conclusão, na medida em que o elemento de intervenção pública assenta no ato final de aprovação pela autoridade competente.

47.      A República da Bulgária alega, em substância, que os terrenos agrícolas do agricultor no processo principal, no seu último ano de compromisso, não foram abrangidos por uma operação de emparcelamento, mas precisamente pela inexistência de emparcelamento dos terrenos agrícolas inicialmente assumidos uma vez que os terrenos agrícolas dos restantes proprietários mantiveram os seus limites efetivos. Considera ainda que, em conformidade com a decisão proferida pelo tribunal administrativo de primeira instância búlgaro, que o agricultor não podia ter a expectativa legítima de que os proprietários desses terrenos agrícolas fossem posteriormente renovar os acordos celebrados ao abrigo do artigo 37.o‑C da Lei Relativa à Propriedade e à Exploração de Terras Agrícolas, após o termo do seu prazo de um ano. Consequentemente, segundo a República da Bulgária, ao ter aceitado receber pagamentos agroambientais com base no regime estabelecido pela legislação nacional, o agricultor incorreu no risco de não cumprir o seu compromisso, o que não cabe às autoridades públicas assumir.

48.      Todavia, considero, em primeiro lugar, evidente que, relativamente a um terreno agrícola explorado por um agricultor durante um exercício financeiro, se pode considerar que ocorreu um emparcelamento a partir do momento que a organização desse terreno é reconfigurada no âmbito de um procedimento que implica uma intervenção pública. Além disso, um agricultor que participa no sistema de pagamentos agroambientais utilizando terrenos emparcelados, promovendo assim os objetivos fixados pela legislação da União em termos de melhoria da estrutura fundiária e de ordenamento do território, não deve ser penalizado quando a inexistência de um acordo celebrado com os proprietários desse terreno o impeça de cumprir o compromisso assumido ao abrigo do FEADER. As considerações teleológicas expostas no n.o 43 das presentes conclusões corroboram esta abordagem.

49.      Em segundo lugar, devo sublinhar que, como salienta o órgão jurisdicional de reenvio no despacho de reenvio, o artigo 45.o, n.o 4, do Regulamento n.o 1974/2006 não estabelece fundamentos concretos para o emparcelamento de um terreno agrícola inicialmente declarado, que pode resultar no não reembolso dos fundos anteriormente recebidos ao abrigo do FEADER. Isto leva‑me a considerar que o incumprimento do compromisso assumido de explorar a área total dessa superfície deve estar sujeito a uma avaliação objetiva e independente da base jurídica nacional perante a qual o agricultor se compromete ao abrigo do FEADER.

50.      Por outro lado, a legislação nacional controvertida reconhece expressamente o emparcelamento voluntário de terras agrícolas como base jurídica válida para o requerimento de apoios financeiros ao abrigo do FEADER. Isto significa que, ao aprovar o pedido dos pagamentos agroambientais, as autoridades competentes aprovam o instrumento jurídico pelo qual os agricultores definem os seus compromissos como compensação pela concessão desses pagamentos. Nestas circunstâncias, não subscrevo o entendimento segundo o qual o risco num caso como o do processo principal deva ser suportado pelo agricultor.

51.      Daqui resulta que nenhum dos argumentos apresentados pela República da Bulgária é suficiente para contradizer a conclusão de que se deve considerar que uma legislação nacional como a que está em causa dá origem a um emparcelamento, na aceção do artigo 45.o, n.o 4, do Regulamento n.o 1974/2006.

52.      À luz das considerações precedentes, e tendo em conta os elementos de facto indicados no despacho de reenvio, concluo que o artigo 45.o, n.o 4, do Regulamento n.o 1974/2006, deve ser interpretado no sentido de que é aplicável numa situação como a do processo principal quando o impedimento do agricultor de cumprir as obrigações que lhe incumbem por força do FEADER for devido a um emparcelamento aprovado pelas autoridades públicas competentes, afetando a estrutura da exploração, o que cabe ao órgão jurisdicional de reenvio verificar.

 Quanto à segunda questão

53.      Com a sua segunda questão, o órgão jurisdicional de reenvio pergunta, em substância, se a não adoção, por um Estado‑Membro, das medidas necessárias para permitir a adaptação dos compromissos à nova situação da exploração confere ao beneficiário o direito de recusar o reembolso dos fundos recebidos.

54.      A este respeito, basta observar que o artigo 45.o, n.o 4, do Regulamento n.o 1974/2006 prevê que, se um beneficiário de pagamentos agroambientais não puder honrar os compromissos assumidos devido ao emparcelamento da sua exploração, os Estados‑Membros devem tomar as medidas necessárias para permitir a adaptação dos compromissos à nova situação da exploração. Se essa adaptação se revelar impossível, o compromisso cessa sem que seja exigido reembolso relativamente ao período em que o compromisso tiver sido efetivo.

55.      Como refere o órgão jurisdicional de reenvio no despacho de reenvio, seria necessário apreciar se o Estado‑Membro em causa adotou ou não medidas destinadas a adaptar as obrigações do beneficiário, conforme exigido pelo artigo 45.o, n.o 4, do Regulamento n.o 1974/2006. No entanto, uma vez que o beneficiário foi obrigado a reembolsar uma determinada percentagem do apoio recebido durante o período de vigência do compromisso, afigura‑se que tais medidas não foram adotadas.

56.      Se o Estado‑Membro não tiver tomado as medidas necessárias para adaptar os compromissos do beneficiário à nova situação, conclui‑se que a declaração de um crédito público do Estado exigindo o reembolso parcial dos apoios recebidos durante os primeiros quatro anos do compromisso é contrária ao artigo 45.o, n.o 4, do Regulamento n.o 1974/2006.

57.      Por conseguinte, o artigo 45.o, n.o 4, do Regulamento n.o 1974/2006 deve ser interpretado no sentido de que, em circunstâncias como as que estão em causa no processo principal, em que a redução da superfície da exploração do beneficiário, que impede o cumprimento do compromisso agroambiental quinquenal, resulte de um emparcelamento, o Estado‑Membro deve tomar as medidas necessárias para permitir a adaptação dos compromissos à nova situação da exploração. Na falta de tais medidas, o compromisso cessa sem que seja exigido qualquer reembolso relativamente ao período em que o compromisso tiver sido efetivo.

 Conclusão

58.      Com base na análise exposta supra, proponho que o Tribunal de Justiça responda às duas primeiras questões submetidas pelo Varhoven administrativen sad (Supremo Tribunal Administrativo, Bulgária) da seguinte forma:

1)      O artigo 45.o, n.o 4, do Regulamento (CE) n.o 1974/2006 da Comissão, de 15 de dezembro de 2006, que estabelece normas de execução do Regulamento (CE) n.o 1698/2005 do Conselho relativo ao apoio ao desenvolvimento rural pelo Fundo Europeu Agrícola de Desenvolvimento Rural (FEADER),

deve ser interpretado no sentido de:

ser aplicável aos factos do litígio no processo principal, na medida em que o impedimento do agricultor de cumprir as suas obrigações se deveu a um emparcelamento aprovado pelas autoridades públicas competentes que afeta a estrutura da exploração, o que cabe ao órgão jurisdicional de reenvio verificar.

2)      O artigo 45.o, n.o 4, do Regulamento n.o 1974/2006,

deve ser interpretado no sentido de que:

em circunstâncias como as que estão em causa no processo principal, em que a redução da superfície da exploração do beneficiário, que impede o cumprimento do compromisso agroambiental quinquenal, resulte de um emparcelamento, o Estado‑Membro deve tomar as medidas necessárias para permitir a adaptação dos compromissos à nova situação da exploração. Na falta de tais medidas, o compromisso cessa sem que seja exigido qualquer reembolso relativamente ao período em que o compromisso tiver sido efetivo.


1      Língua original: inglês.


2      Regulamento (CE) n.o 1974/2006 da Comissão, de 15 de dezembro de 2006, que estabelece normas de execução do Regulamento (CE) n.o 1698/2005 do Conselho relativo ao apoio ao desenvolvimento rural pelo Fundo Europeu Agrícola de Desenvolvimento Rural (FEADER) (JO 2006, L 368, p. 15), conforme alterado posteriormente, já não está em vigor.


3      Regulamento Delegado (UE) n.o 807/2014 da Comissão, de 11 de março de 2014, que complementa o Regulamento (UE) n.o 1305/2013 do Parlamento Europeu e do Conselho, relativo ao apoio ao desenvolvimento rural pelo Fundo Europeu Agrícola de Desenvolvimento Rural (FEADER), e que estabelece disposições transitórias (JO 2014, L 227, p. 1).


4      V., neste sentido, Regulamento (CE) n.o 1698/2005 do Conselho, de 20 de setembro de 2005, relativo ao apoio ao desenvolvimento rural pelo Fundo Europeu Agrícola de Desenvolvimento Rural (FEADER) (JO 2005, L 277, p. 1), conforme alterado posteriormente; já não está em vigor.


      V., igualmente, Regulamento (UE) n.o 65/2011 da Comissão, de 27 de janeiro de 2011, que estabelece as regras de execução do Regulamento (CE) n.o 1698/2005 do Conselho relativas aos procedimentos de controlo e à condicionalidade no que respeita às medidas de apoio ao desenvolvimento rural (JO 2011, L 25, p. 8), conforme alterado posteriormente; já não está em vigor.


5      Darzhaven vestnik n.o 17, 1 de março de 1991, conforme alterado.


6      O órgão jurisdicional de reenvio explica que PV seria capaz de explorar 76,18 % das terras agrícolas inicialmente declaradas, mas não 90 %, conforme exigido pela lei nacional búlgara que aplica a medida 214.


7      Regulamento (CE) do Conselho n.o 73/2009, de 19 de janeiro de 2009, que estabelece regras comuns para os regimes de apoio direto aos agricultores no âmbito da Política Agrícola Comum e institui determinados regimes de apoio aos agricultores, que altera os Regulamentos (CE) n.o 1290/2005 (CE) n.o 247/2006 e (CE) n.o 378/2007 e revoga o Regulamento (CE) n.o 1782/2003 (JO 2009, L 30, p. 16).


8      V. artigo 88.o do Regulamento (UE) n.o 1305/2013 do Parlamento Europeu e do Conselho, de 17 de dezembro de 2013, relativo ao apoio ao desenvolvimento rural pelo Fundo Europeu Agrícola de Desenvolvimento Rural (FEADER) e que revoga o Regulamento (CE) n.o 1698/2005 (JO 2013, L 347, p. 487), que estabelece que o Regulamento n.o 1698/2005 continua a aplicar‑se às operações executadas em aplicação dos programas aprovados pela Comissão nos termos desse regulamento antes de 1 de janeiro de 2014.


9      V. secção 2 do Regulamento n.o 1698/2005.


10      Artigo 36.o, alínea a), iv), do Regulamento n.o 1698/2005.


11      Artigo 39.o, n.o 2, do Regulamento n.o 1698/2005.


12      Artigo 39.o, n.o 3, primeiro parágrafo, do Regulamento n.o 1698/2005.


13      Artigo 39.o, n.o 3, segundo parágrafo, do Regulamento n.o 1698/2005.


14      V. considerando 37 do Regulamento n.o 1974/2006.


15      V. artigo 44.o do Regulamento n.o 1974/2006.


16      V. artigo 45.o do Regulamento n.o 1974/2006.


17      V., atualmente, artigo 47.o, n.o 3, do Regulamento n.o 1305/2013.


18      Artigo 18.o, n.o 1, primeiro parágrafo, do Regulamento n.o 65/2011.


19      Artigo 18.o, n.o 1, segundo parágrafo, do Regulamento n.o 65/2011.


20      V., por exemplo, Thomas, J., «What's on Regarding About Land Consolidation in Europe?», XXIII International FIG Congress, Munich, Germany, 8‑13 October 2006, que sugere que em toda a Europa há uma falta de transparência quanto aos conceitos utilizados relativamente ao ordenamento fundiário.


21      Acórdão de 16 de novembro de 2016, Hemming e o. (C‑316/15, EU:C:2016:879, n.o 27 e jurisprudência referida).


22      Demetriou, D., The Development of an Integrated Planning and Decision Support System (IPDSS) for Land Consolidation, Springer, 2014, p. 8.


23      Ibidem.


24      V. Organização das Nações Unidas para a Alimentação e a Agricultura (FAO), Opportunities to Mainstream Land Consolidation in Rural Development Programmes of the European Union, FAO‑Land Tenure Policy Series, Roma, 2008, p. 3.


25      V. Thomas, J., op. cit., p. 6.


26      A este respeito, importa recordar que, segundo jurisprudência constante, a necessidade de uma interpretação uniforme das disposições do direito da União impede que o texto de uma disposição seja considerado isoladamente numa das suas versões, mas exige, pelo contrário, que seja interpretado e aplicado à luz das versões redigidas nas restantes línguas oficiais (v., nomeadamente, Acórdão de 19 de abril de 2007, Profisa, C‑63/06, EU:C:2007:233, n.o 13 e jurisprudência referida).


27      O sublinhado é meu.


28      Regulamento (CE) n.o 817/2004 da Comissão, de 29 de abril de 2004, que estabelece as regras de execução do Regulamento (CE) n.o 1257/1999 do Conselho relativo ao apoio do Fundo Europeu de Orientação e de Garantia Agrícola (FEOGA) ao desenvolvimento rural (JO 2004, L 153, p. 30).


29      Esta é, aliás, uma característica comum desse tipo de operações fundiárias, segundo publicações especializadas. V. Thomas, J., op. cit., p. 7.