Language of document : ECLI:EU:C:2024:467

ACÓRDÃO DO TRIBUNAL DE JUSTIÇA (Nona Secção)

6 de junho de 2024 (*)

«Reenvio prejudicial — Cooperação judiciária em matéria civil — Competência em matéria de obrigações alimentares — Regulamento (CE) n.o 4/2009 — Artigo 12.o, n.o 1 — Litispendência — Artigo 13.o — Conexão dos pedidos — Conceito»

No processo C‑381/23 [Geterfer] (i),

que tem por objeto um pedido de decisão prejudicial apresentado, nos termos do artigo 267.o TFUE, pelo Amtsgericht Mönchengladbach‑Rheydt (Tribunal de Primeira Instância de Mönchengladbach‑Rheydt, Alemanha), por Decisão de 19 de junho de 2023, que deu entrada no Tribunal de Justiça em 19 de junho de 2023, no processo

ZO

contra

JS

O TRIBUNAL DE JUSTIÇA (Nona Secção),

composto por: O. Spineanu‑Matei, presidente de secção, J.‑C. Bonichot e L. S. Rossi (relatora), juízes,

advogado‑geral: M. Campos Sánchez‑Bordona,

secretário: A. Calot Escobar,

vistos os autos,

vistas as observações apresentadas:

–        em representação da Comissão Europeia, por J. Vondung e W. Wils, na qualidade de agentes,

vista a decisão tomada, ouvido o advogado‑geral, de julgar a causa sem apresentação de conclusões,

profere o presente

Acórdão

1        O pedido de decisão prejudicial tem por objeto a interpretação do artigo 12.o do Regulamento (CE) n.o 4/2009 do Conselho, de 18 de dezembro de 2008, relativo à competência, à lei aplicável, ao reconhecimento e à execução das decisões e à cooperação em matéria de obrigações alimentares (JO 2009, L 7, p. 1).

2        Este pedido foi apresentado no âmbito de um litígio que opõe ZO, um filho que atingiu a maioridade no decurso da instância, à sua mãe JS, a respeito do pagamento de uma pensão de alimentos.

 Regulamento n.o 4/2009

3        Os considerandos 15 e 44 do Regulamento n.o 4/2009 têm a seguinte redação:

«(15)      A fim de preservar os interesses dos credores de alimentos e promover uma boa administração da justiça na União Europeia, deverão ser adaptadas as regras relativas à competência tal como decorrem do Regulamento (CE) n.o 44/2001 [do Conselho, de 22 de dezembro de 2000, relativo à competência judiciária, ao reconhecimento e à execução das decisões em matéria civil e comercial (JO 2001, L 12, p. 1)]. […]

[…]

(44)      O presente regulamento deverá alterar o Regulamento (CE) n.o 44/2001 substituindo as disposições desse regulamento aplicáveis em matéria de obrigações alimentares. Sob reserva das disposições transitórias do presente regulamento, os Estados‑Membros deverão, em matéria de obrigações alimentares, aplicar as disposições do presente regulamento sobre a competência, o reconhecimento, a força executória e a execução das decisões e sobre o apoio judiciário em vez das disposições do Regulamento (CE) n.o 44/2001 a contar da data de aplicação do presente regulamento.»

4        O artigo 1.o, n.o 1, deste regulamento prevê:

«O presente regulamento é aplicável às obrigações alimentares decorrentes das relações de família, de parentesco, de casamento ou de afinidade.»

5        O capítulo II do referido regulamento, intitulado «Competência», inclui os artigos 3.o a 14.o

6        O artigo 3.o do mesmo regulamento dispõe:

«São competentes para deliberar em matéria de obrigações alimentares nos Estados‑Membros:

a)      O tribunal do local em que o requerido tem a sua residência habitual; ou

b)      O tribunal do local em que o credor tem a sua residência habitual; ou

c)      O tribunal que, de acordo com a lei do foro, tem competência para apreciar uma ação relativa ao estado das pessoas, quando o pedido relativo a uma obrigação alimentar é acessório dessa ação, salvo se esta competência se basear unicamente na nacionalidade de uma das partes; […]

[…]»

7        O artigo 12.o do Regulamento n.o 4/2009, sob a epígrafe «Litispendência», enuncia:

«(1)      Quando ações com o mesmo pedido e a mesma causa de pedir e entre as mesmas partes forem submetidas à apreciação de tribunais de diferentes Estados‑Membros, o tribunal [em] que a ação foi submetida em segundo lugar suspende oficiosamente a instância, até que seja estabelecida a competência do tribunal [em] que a ação foi submetida em primeiro lugar.

2.      Quando estiver estabelecida a competência do tribunal [em] que a ação foi submetida em primeiro lugar, o segundo tribunal declara‑se incompetente em favor daquele.»

8        Nos termos do artigo 13.o deste regulamento, sob a epígrafe «Conexão»:

«1.      Quando ações conexas estiverem pendentes em tribunais de diferentes Estados‑Membros, o tribunal [em] que a ação foi submetida em segundo lugar pode suspender a instância.

2.      Se essas ações estiverem pendentes em primeira instância, o tribunal [em] que a ação foi submetida em segundo lugar pode igualmente declarar‑se incompetente, a pedido de uma das partes, se o tribunal [em] que a ação foi submetida em primeiro lugar for competente e a sua lei permitir a apensação das ações em questão.

3.      Para efeitos do presente artigo, consideram‑se conexas as ações ligadas entre si por um nexo tão estreito que haja interesse em que sejam instruídas e julgadas simultaneamente para evitar soluções que poderiam ser inconciliáveis se as causas fossem julgadas separadamente.»

9        O artigo 24.o, primeiro parágrafo, alínea c), do referido regulamento, sob a epígrafe «Motivos de recusa do reconhecimento», tem a seguinte redação:

«Uma decisão não é reconhecida:

[…]

c)      Se for inconciliável com uma decisão proferida entre as mesmas partes no Estado‑Membro em que é pedido o reconhecimento.»

10      Resulta do artigo 68.o, n.o 1, do Regulamento n.o 4/2009 que, sob reserva das disposições transitórias previstas no artigo 75.o, n.o 2, este regulamento altera o Regulamento n.o 44/2001 substituindo as disposições deste último aplicáveis em matéria de obrigações alimentares.

 Litígio no processo principal e questão prejudicial

11      ZO, requerente no processo principal, nasceu em novembro de 2001, fruto do casamento contraído entre o seu pai e JS, requerida no processo principal. Este casamento foi definitivamente dissolvido em novembro de 2010.

12      O pai de ZO reside na Alemanha, ao passo que a sua mãe reside na Bélgica.

13      Após a separação dos seus pais, ZO viveu primeiro com a sua mãe, devendo o seu pai pagar a esta última, em conformidade com uma Sentença de 17 de dezembro de 2014 do tribunal de première instance d’Eupen (Tribunal de Primeira Instância de Eupen, Bélgica), uma pensão de alimentos mensal para ZO e para o irmão desta.

14      Por Sentença de 31 de agosto de 2017, o tribunal de première instance d’Eupen (Tribunal de Primeira Instância de Eupen) transferiu o «direito de alojamento principal» para o pai.

15      ZO passa a semana no internato na Alemanha e reside a título principal em casa do seu pai durante as férias escolares. Segundo as indicações constantes do pedido de decisão prejudicial, ZO conserva um endereço no município onde reside a sua mãe na Bélgica, mas recusa entrar em contacto com esta.

16      No processo principal, ZO pede à sua mãe o pagamento de uma pensão de alimentos, que ainda tem de ser quantificada, relativamente ao período compreendido entre novembro de 2017 e uma data não especificada. A mãe invoca uma exceção de litispendência.

17      Com efeito, à data da propositura da ação principal, já estava pendente no tribunal de première instance d’Eupen (Tribunal de Primeira Instância de Eupen), um processo instaurado pela mãe contra o pai de ZO. No âmbito desse processo, a mãe invoca um direito a indemnização por ter assegurado o alojamento e o sustento da sua filha durante o período compreendido entre 1 de agosto de 2017 e 31 de dezembro de 2018.

18      Por Despacho de 3 de novembro de 2021, o Amtsgericht Mönchengladbach‑Rheydt (Tribunal de Primeira Instância de Mönchengladbach‑Rheydt, Alemanha) declarou‑se competente para conhecer do pedido de ZO ao abrigo do artigo 3.o, alínea b), do Regulamento n.o 4/2009. Todavia, julgou esse pedido inadmissível devido à existência de uma situação de litispendência, dado que a mãe tinha intentado previamente um processo no tribunal de première instance d’Eupen (Tribunal de Primeira Instância de Eupen). O Amtsgericht Mönchengladbach‑Rheydt (Tribunal de Primeira Instância de Mönchengladbach‑Rheydt) indicou, nomeadamente, que os dois processos visavam a obtenção de alimentos para um filho, precisando, além disso, que, na Bélgica, em conformidade com os artigos 203 e 203-A do Código Civil, os progenitores, por força de uma obrigação de contribuição mútua, são obrigados a assumir o sustento dos seus filhos até à conclusão da sua formação, mesmo após a sua maioridade fixada nos 18 anos.

19      Por Despacho de 26 de abril de 2022, o Oberlandesgericht Düsseldorf (Tribunal Regional Superior de Düsseldorf, Alemanha) deu provimento ao recurso interposto pela ZO do despacho do Amtsgericht Mönchengladbach‑Rheydt (Tribunal de Primeira Instância de Mönchengladbach‑Rheydt), com o fundamento de que os dois processos não dizem respeito às mesmas partes e não têm o mesmo pedido nem a mesma causa de pedir. Esse tribunal remeteu o processo ao Amtsgericht Mönchengladbach‑Rheydt (Tribunal de Primeira Instância de Mönchengladbach‑Rheydt) para reapreciação.

20      Este último tribunal, que é o órgão jurisdicional de reenvio, considera, referindo‑se ao Acórdão de 19 de maio de 1998, Drouot assurances (C‑351/96, EU:C:1998:242), que os interesses da requerente no processo principal e do seu pai, requerido no processo principal no tribunal de première instance d’Eupen (Tribunal de Primeira Instância de Eupen), são de tal modo idênticos que essas pessoas podem ser consideradas uma única e a mesma parte para efeitos da litispendência. Além disso, os dois processos pendentes têm o mesmo pedido, a saber, uma ação que visa obter o pagamento de uma pensão de alimentos. Todavia, o órgão jurisdicional de reenvio tem dúvidas sobre a interpretação do artigo 12.o do Regulamento n.o 4/2009 e sobre a aplicação deste artigo 12.o no processo principal.

21      Nestas condições, o Amtsgericht Mönchengladbach‑Rheydt (Tribunal de Primeira Instância de Mönchengladbach‑Rheydt) decidiu suspender a instância e submeter ao Tribunal de Justiça a seguinte questão prejudicial:

«Existe litispendência por identidade de objeto, nos termos do Regulamento (CE) n.o 4/2009 […], quando decorre na Bélgica uma ação de alimentos entre o pai e a mãe e, posteriormente, é intentada na Alemanha uma ação de alimentos [pelo filho], que entretanto atingiu a maioridade, contra a mãe?»

 Quanto à questão prejudicial

22      Com a sua questão, o órgão jurisdicional de reenvio pergunta, em substância, se o artigo 12.o, n.o 1, do Regulamento n.o 4/2009 deve ser interpretado no sentido de que as condições de reconhecimento de uma situação de litispendência previstas nesta disposição, segundo as quais as ações têm o mesmo pedido e devem ser intentadas entre as mesmas partes, estão satisfeitas quando, à data da ação de um filho, que, entretanto, atingiu a maioridade, para pagamento de uma pensão de alimentos contra a sua mãe, instaurada num tribunal de um Estado‑Membro, já tenha sido instaurada uma ação pela mãe num tribunal de outro Estado‑Membro, pela qual reclama ao pai do filho uma indemnização pelo alojamento e sustento desse filho.

23      A título preliminar, importa recordar que, como resulta do artigo 68.o, n.o 1, e do artigo 75.o, n.o 2, do Regulamento n.o 4/2009, este regulamento substituiu, em matéria de obrigações alimentares, o Regulamento n.o 44/2001, que tinha, ele próprio, substituído, entre os Estados‑Membros, a Convenção de Bruxelas, de 27 de setembro de 1968, relativa à Competência Jurisdicional e à Execução de Decisões em Matéria Civil e Comercial (JO 1972, L 299, p. 32; EE 01 F1 p. 186), conforme alterada pelas sucessivas convenções relativas à adesão dos novos Estados‑Membros a essa Convenção (a seguir «Convenção de Bruxelas»).

24      Como a Comissão alegou, em substância, nas suas observações escritas, a interpretação do Tribunal de Justiça das disposições de um destes instrumentos jurídicos também é válida para as disposições dos demais instrumentos, quando tais disposições puderem ser qualificadas de «equivalentes» (v., neste sentido, Acórdão de 20 de junho de 2022, London Steam‑Ship Owners’ Mutual Insurance Association, C‑700/20, EU:C:2022:488, n.o 42).

25      É esse o caso das disposições relativas à litispendência, que constam, respetivamente, do artigo 21.o, primeiro parágrafo, da Convenção de Bruxelas, do artigo 27.o do Regulamento n.o 44/2001, bem como, em matéria de obrigações alimentares, do artigo 12.o do Regulamento n.o 4/2009, e cujas disposições estão redigidas em termos semelhantes.

26      Assim, de forma análoga ao artigo 21.o, primeiro parágrafo, da Convenção de Bruxelas e ao artigo 27.o, n.o 1, do Regulamento n.o 44/2001, o artigo 12.o, n.o 1, do Regulamento n.o 4/2009 prevê que, quando ações com o mesmo pedido e a mesma causa de pedir e entre as mesmas partes forem submetidas à apreciação de tribunais de diferentes Estados‑Membros, o tribunal em que a ação foi submetida em segundo lugar suspende oficiosamente a instância até que seja estabelecida a competência do tribunal em que a ação foi submetida em primeiro lugar.

27      Esta regra de litispendência, à semelhança da regra do artigo 21.o, primeiro parágrafo, da Convenção de Bruxelas e do artigo 27.o do Regulamento n.o 44/2001, visa, no interesse de uma boa administração da justiça, tal como este interesse é designadamente recordado no considerando 15 do Regulamento n.o 4/2009, minimizar a possibilidade de processos paralelos em tribunais de diferentes Estados‑Membros e evitar que sejam proferidas decisões inconciliáveis quando sejam competentes vários foros para conhecer do mesmo litígio (v., por analogia, Acórdãos de 14 de outubro de 2004, Mærsk Olie & Gas, C‑39/02, EU:C:2004:615, n.o 31, e de 22 de outubro de 2015, Aannemingsbedrijf Aertssen e Aertssen Terrassements, C‑523/14, EU:C:2015:722, n.o 39).

28      Assim, o artigo 12.o do Regulamento n.o 4/2009 tem em vista, na medida possível, excluir uma situação como a contemplada no artigo 24.o, primeiro parágrafo, alínea c), deste regulamento, ou seja, o não reconhecimento de uma decisão por ser inconciliável com uma decisão proferida entre as mesmas partes no Estado‑Membro requerido (v., neste sentido, por analogia, Acórdão de 14 de outubro de 2004, Mærsk Olie & Gas, C‑39/02, EU:C:2004:615, n.o 31).

29      Este mecanismo de resolução dos casos de litispendência reveste um caráter objetivo e automático e baseia‑se na ordem cronológica em que as ações foram submetidas à apreciação dos órgãos jurisdicionais em questão (v., por analogia, Acórdão de 22 de outubro de 2015, Aannemingsbedrijf Aertssen e Aertssen Terrassements, C‑523/14, EU:C:2015:722, n.o 48 e jurisprudência referida).

30      Por outro lado, tendo em conta a circunstância de que o artigo 12.o, n.o 1, do Regulamento n.o 4/2009 não remete para as ordens jurídicas dos Estados‑Membros, mas se refere a várias condições materiais como elementos da definição de uma situação de litispendência, os conceitos utilizados neste artigo 12.o devem ser considerados autónomos (v., neste sentido, por analogia, Acórdão de 8 de dezembro de 1987, Gubisch Maschinenfabrik, 144/86, EU:C:1987:528, n.o 11).

31      Como resulta da redação do artigo 12.o, n.o 1, do Regulamento n.o 4/2009, conforme recordado no n.o 26 do presente acórdão, devem estar preenchidas várias condições cumulativas para determinar uma situação de litispendência. Assim, esta é demonstrada quando as ações são intentadas «entre as mesmas partes», têm «o mesmo pedido» e «a mesma causa de pedir».

32      No processo principal, o órgão jurisdicional de reenvio interroga‑se sobre o preenchimento das condições relativas à identidade das partes e à identidade do pedido das ações instauradas e a decorrer nos dois processos paralelos pendentes.

33      Em primeiro lugar, no que respeita à condição segundo a qual as ações devem ser submetidas entre as «mesmas partes», as dúvidas manifestadas pelo órgão jurisdicional de reenvio provêm da circunstância de, enquanto o litígio no tribunal de première instance d’Eupen (Tribunal de Primeira Instância de Eupen) opõe a mãe e o pai do filho, o litígio que lhe foi submetido opõe esse filho, que entretanto atingiu a maioridade, à sua mãe, pelo que, formalmente, essas partes não são idênticas.

34      A este respeito, é certo que o Tribunal de Justiça já declarou que importa, em princípio, que as partes nos litígios sejam idênticas, independentemente da posição de uma ou da outra nos dois processos paralelos (v., neste sentido, por analogia, Acórdão de 22 de outubro de 2015, Aannemingsbedrijf Aertssen e Aertssen Terrassements, C‑523/14, EU:C:2015:722, n.o 41 e jurisprudência referida).

35      Todavia, como salienta o órgão jurisdicional de reenvio, o Tribunal de Justiça admitiu, no Acórdão de 19 de maio de 1998, Drouot assurances (C‑351/96, EU:C:1998:242, n.os 19, 23 e 25), que tinha por objeto a interpretação do artigo 21.o, primeiro parágrafo, da Convenção de Bruxelas, que partes formalmente diferentes, a saber, um segurador e o seu segurado, possam, relativamente ao pedido de dois litígios em presença, ter interesses de tal modo idênticos e indissociáveis que uma sentença proferida contra uma teria força de caso julgado em relação à outra, de modo que deviam ser consideradas uma única e mesma parte para efeitos da aplicação desta disposição.

36      Uma interpretação análoga do conceito de «mesmas partes» pode ser adotada no âmbito do artigo 12.o, n.o 1, do Regulamento n.o 4/2009.

37      Com efeito, tendo em conta o objeto material deste regulamento, que diz respeito, como enuncia o seu artigo 1.o, n.o 1, a obrigações alimentares decorrentes das relações de família, de parentesco, de casamento ou de afinidade e, por conseguinte, diz frequentemente respeito a ações de prestações de alimentos de um filho menor de idade, que são instauradas por outras pessoas, como um e/ou outro dos seus progenitores ou um organismo público da Segurança Social legalmente sub‑rogado nos direitos desse credor, há que admitir que, em certas situações, partes formalmente diferentes possam, em relação ao pedido de dois litígios em presença, ter um interesse idêntico e indissociável, a saber, o interesse do filho em questão enquanto credor de alimentos, que uma sentença proferida contra uma dessas partes teria força de caso julgado em relação à outra. Nesse caso, as partes referidas devem poder ser consideradas uma única e a mesma parte, na aceção do artigo 12.o do referido regulamento.

38      Esta interpretação é corroborada pelo artigo 3.o, alínea c), do Regulamento n.o 4/2009. Com efeito, esta disposição admite que uma ação em matéria de obrigações alimentares também pode ser intentada a título acessório no âmbito de uma ação relativa ao estado das pessoas, como um processo de divórcio, em que as partes são necessariamente os progenitores do filho em causa e em que pelo menos um desses progenitores representa os interesses desse filho na ação acessória relativa à obrigação de alimentos.

39      No processo principal, incumbirá, portanto, ao órgão jurisdicional de reenvio assegurar‑se de que, tendo em conta o pedido dos processos paralelos e a circunstância de a requerente no processo principal ter atingido a maioridade no decurso do processo, os interesses dessa requerente são tão indissociáveis dos do seu pai, requerido no tribunal de première instance d’Eupen (Tribunal de Primeira Instância de Eupen), que uma sentença proferida num desses processos contra uma dessas partes teria força de caso julgado em relação à outra parte.

40      Em segundo lugar, quanto à condição segundo a qual o pedido das ações deve ser idêntico, importa recordar que esta condição significa que estas ações devem ter a mesma finalidade, tendo em conta as respetivas pretensões dos requerentes em cada um dos litígios e não os fundamentos de defesa eventualmente aduzidos por um requerido (v., neste sentido, por analogia, Acórdão de 8 de maio de 2003, Gantner Electronic, C‑111/01, EU:C:2003:257, n.os 25 e 26 e jurisprudência referida).

41      A este respeito, resulta do pedido de decisão prejudicial que, no tribunal de première instance d’Eupen (Tribunal de Primeira Instância de Eupen), a mãe reclama ao pai o reembolso das despesas de alojamento e de sustento da sua filha, que foram efetuadas no período compreendido entre 1 de agosto de 2017 e 31 de dezembro de 2018, ao passo que, no órgão jurisdicional de reenvio, a requerente no processo principal reclama à sua mãe o pagamento, em numerário, de uma pensão de alimentos, relativamente ao período compreendido entre 1 de novembro de 2017 e uma data não especificada, mas que pode prosseguir depois de novembro de 2019, mês durante o qual a requerente no processo principal atingiu a maioridade.

42      Por conseguinte, não se afigura, como a Comissão alegou nas suas observações escritas, que as ações submetidas em cada um dos litígios paralelos em causa tenham o mesmo pedido. Com efeito, embora estes litígios digam respeito, de forma genérica, ao pagamento de alimentos, verifica‑se que as pretensões dos requerentes não têm finalidade idêntica e não dizem respeito ao mesmo período.

43      Consequentemente, uma vez que as condições enunciadas no artigo 12.o, n.o 1, do Regulamento n.o 4/2009 são cumulativas, não se pode constatar uma situação de litispendência, atendendo às informações de que dispõe o Tribunal de Justiça.

44      Todavia, importa sublinhar que, como a Comissão salientou com razão, a inexistência de uma situação de litispendência não obsta à aplicação do artigo 13.o do Regulamento n.o 4/2009 se o órgão jurisdicional de reenvio considerar que as ações em causa estão ligadas entre si por um nexo suficientemente estreito para que possam ser consideradas conexas, na aceção deste artigo 13.o, n.o 3, pelo que, chamado a pronunciar‑se em segundo lugar, este órgão jurisdicional pode suspender a instância.

45      Tendo em conta todas as considerações precedentes, há que responder à questão submetida que o artigo 12.o, n.o 1, do Regulamento n.o 4/2009 deve ser interpretado no sentido de que as condições de reconhecimento de uma situação de litispendência previstas nesta disposição, segundo as quais as ações têm o mesmo pedido e devem ser submetidas entre as mesmas partes, não estão satisfeitas quando, à data da ação intentada por um filho, que entretanto atingiu a maioridade, para o pagamento de uma pensão de alimentos pela sua mãe, num tribunal de um Estado‑Membro, a mãe já tenha sido intentado uma ação num tribunal de outro Estado‑Membro na qual requer ao pai desse filho uma indemnização pelo alojamento e sustento desse filho, dado que os pedidos dos requerentes não têm uma finalidade idêntica e não coincidem do ponto de vista temporal. A inexistência de uma situação de litispendência, na aceção do artigo 12.o, n.o 1, do Regulamento n.o 4/2009, não obsta, porém, à aplicação do artigo 13.o deste regulamento se as ações em causa estiverem ligadas entre si por um nexo suficientemente estreito para que possam ser consideradas conexas, na aceção deste artigo 13.o, n.o 3, de modo que, chamado a pronunciar‑se em segundo lugar, o órgão jurisdicional de reenvio pode suspender a instância.

 Quanto às despesas

46      Revestindo o processo, quanto às partes nas causas principais, a natureza de incidente suscitado perante o órgão jurisdicional de reenvio, compete a este decidir quanto às despesas. As despesas efetuadas pelas outras partes para a apresentação de observações ao Tribunal de Justiça não são reembolsáveis.

Pelos fundamentos expostos, o Tribunal de Justiça (Nona Secção) declara:

O artigo 12.o, n.o 1, do Regulamento (CE) n.o 4/2009 do Conselho, de 18 de dezembro de 2008, relativo à competência, à lei aplicável, ao reconhecimento e à execução das decisões e à cooperação em matéria de obrigações alimentares,

deve ser interpretado no sentido de que:

as condições de reconhecimento de uma situação de litispendência previstas nesta disposição, segundo as quais as ações têm o mesmo pedido e devem ser submetidas entre as mesmas partes, não estão satisfeitas quando, à data da ação intentada por um filho, que entretanto atingiu a maioridade, para o pagamento de uma pensão de alimentos pela sua mãe, num tribunal de um EstadoMembro, a mãe já tenha sido intentado uma ação num tribunal de outro EstadoMembro na qual requer ao pai desse filho uma indemnização pelo alojamento e sustento desse filho, dado que as pretensões dos requerentes não têm uma finalidade idêntica e não coincidem do ponto de vista temporal. A inexistência de uma situação de litispendência, na aceção do artigo 12.o, n.o 1, do Regulamento n.o 4/2009, não obsta, porém, à aplicação do artigo 13.o deste regulamento se as ações em causa estiverem ligadas entre si por um nexo suficientemente estreito para que possam ser consideradas conexas, na aceção deste artigo 13.o, n.o 3, de modo que, chamado a pronunciarse em segundo lugar, o órgão jurisdicional de reenvio pode suspender a instância.

Assinaturas


*      Língua do processo: alemão.


i      O nome do presente processo é um nome fictício. Não corresponde ao nome verdadeiro de nenhuma das partes no processo.