Language of document : ECLI:EU:C:2024:616

Edição provisória

CONCLUSÕES DA ADVOGADA‑GERAL

JULIANE KOKOTT

apresentadas em 11 de julho de 2024 (1)

Processo C376/23

SIA «BALTIC CONTAINER TERMINAL»

contra

Valsts ieņēmumu dienests

[pedido de decisão prejudicial apresentado pelo Augstākā tiesa (Senāts) (Supremo Tribunal, Letónia)]

«Reenvio prejudicial — União aduaneira — Código Aduaneiro da União — Retirada de mercadorias de uma zona franca — Obrigações em sede de direito da União do titular de uma zona franca — Dívida aduaneira em caso de incumprimento de obrigações — Princípio da proteção da confiança legítima — Proteção da confiança legítima através de uma prática administrativa constante — Extensão da autoridade de caso julgado de uma sentença que revogou uma sanção aplicada pelo incumprimento de obrigações aduaneiras»






I.      Introdução

«Temos de confiar nas pessoas. De outra forma é impossível.» (Anton Pawlowitsch Tchékhow, escritor e dramaturgo russo, de 1860 a 1904.)

1.        A confiança que nos permite viver também abrange a confiança numa prática constante da Administração Tributária de um Estado‑Membro da União Europeia? Até onde vai essa proteção da confiança legítima: também inclui a atuação ilícita das autoridades nacionais e, nomeadamente, não apenas no que respeita ao direito nacional, mas também ao direito da União? Nos casos em que um órgão jurisdicional já tenha negado a existência de incumprimento das obrigações aduaneiras com força de caso julgado e revogado uma sanção paralelamente aplicada pelo mesmo motivo, pode o interessado confiar que, apesar disso, as autoridades públicas não vêm, por seu turno, a declarar o incumprimento das obrigações noutro processo e, por conseguinte, a fixar dívidas aduaneiras?

2.        O Tribunal de Justiça pode examinar todas estas questões fundamentais nesta causa. Em última análise, trata‑se da alteração de uma prática administrativa constante da Administração Tributária letã. Até à data, as mercadorias que se encontravam na respetiva zona franca eram autorizadas a sair da zona franca com base nas cartas de porte das mercadorias (a seguir «carta de porte CMR (2)»), sempre que as autoridades tributárias, depois de examinarem as mercadorias, as identificavam como «mercadorias UE» mediante a aposição de um carimbo da estância aduaneira e de uma assinatura. Tal era controlado pelo titular de zona franca, que fazia o respetivo registo e autorizava a saída das mercadorias da zona franca. Aparentemente, a Administração Tributária alterou esta prática constante em julho de 2019 e acusou o titular de zona franca de ter autorizado a saída das mercadorias no período entre 2018 e julho de 2019, sem indicação do número de referência principal. O Tribunal de Justiça deverá agora decidir se o número de referência principal deveria efetivamente ter sido indicado. O órgão jurisdicional de reenvio tem dúvidas de que assim seja.

3.        A existência de um incumprimento da obrigação aduaneira já tinha sido negada previamente por outro órgão jurisdicional (Secção Criminal do Tribunal Regional de Riga, Letónia). O titular de zona franca atuou em conformidade com a prática habitual das autoridades tributárias e estas não lograram referir nenhuma disposição legislativa da qual resultasse a obrigação de um exame mais aprofundado das mercadorias identificadas pela Administração Tributária como «mercadorias UE».

4.        No entanto, paralelamente, a Administração Tributária impôs ao titular de zona franca os direitos de importação, bem como o IVA, uma vez que a autorização de saída das mercadorias da zona franca tinha sido concedida em incumprimento das suas obrigações. Por esse motivo, o titular de zona franca (também) era devedor da respetiva dívida aduaneira. O interessado recorre desta decisão.

5.        Para esse efeito, o mesmo interroga‑se sobre como deverá cumprir as suas obrigações de titular de uma zona franca, se dois órgãos jurisdicionais nacionais já chegaram a conclusões diferentes sobre o âmbito das mesmas e a questão é tão pouco clara que é necessário solicitar previamente a interpretação do Tribunal de Justiça no Luxemburgo. Além disso, também se interroga sobre como poderia ter previsto uma alteração da prática administrativa com efeitos retroativos. Pelo contrário, o titular de zona franca confiou na prática anterior e também pôde confiar nela, tanto mais que a mesma foi confirmada com autoridade de caso julgado por um órgão jurisdicional letão.

II.    Quadro jurídico

6.        No presente caso, o quadro jurídico da União é bastante complexo e consiste, na totalidade, em três atos jurídicos diferentes, nomeadamente, um regulamento, um regulamento delegado e um regulamento de execução.

A.      Direito da União

1.      Regulamento (UE) n.° 952/201(3) (a seguir «Código Aduaneiro»)

7.        O artigo 79.° do Código Aduaneiro regula a constituição de uma dívida aduaneira:

«1.      Relativamente às mercadorias passíveis de direitos de importação, é facto constitutivo da dívida aduaneira na importação o incumprimento de:

a)      Uma das obrigações previstas na legislação aduaneira em matéria de introdução de mercadorias não‑UE no território aduaneiro da União, de subtração à fiscalização aduaneira, ou de circulação, transformação, armazenamento, depósito temporário, importação temporária ou cessão de tais mercadorias nesse território,

[...]

3.      Nos casos a que se refere o n.° 1, alíneas a) e b), são devedoras:

a)      As pessoas responsáveis pelo cumprimento das obrigações em causa; [...]»

8.        No capítulo 2 (Sujeição das mercadorias a um regime aduaneiro), o artigo 158.°, n.° 1, do Código Aduaneiro regula a declaração aduaneira das mercadorias e a fiscalização aduaneira das mercadorias UE:

«1.      Qualquer mercadoria destinada a ser sujeita a um regime aduaneiro, exceto o regime de zona franca, deve ser objeto de uma declaração aduaneira específica para o regime aduaneiro em causa.»

9.        Os documentos de suporte necessários para esse efeito são regulados pelo artigo 163.° do Código Aduaneiro:

«1.      Os documentos de suporte necessários à aplicação das disposições que regem o regime aduaneiro para o qual são declaradas as mercadorias devem estar na posse do declarante e à disposição das autoridades aduaneiras no momento da entrega da declaração aduaneira.

2.      Sempre que a legislação da União assim o exigir ou seja necessário para os controlos aduaneiros, os documentos de suporte devem ser entregues às autoridades aduaneiras.

3.      Em casos específicos, os operadores económicos podem emitir os documentos de suporte, desde que autorizados para o fazer, pelas autoridades aduaneiras.»

10.      Nos termos do artigo 211.°, n.° 1, alínea b), do Código Aduaneiro, a exploração de instalações de armazenamento pressupõe uma autorização:

«1.      É necessária uma autorização das autoridades aduaneiras para:

b)      A exploração de instalações de armazenamento para o entreposto aduaneiro das mercadorias, exceto quando essa exploração seja efetuada pela própria autoridade aduaneira.

As condições em que é autorizado o recurso a um ou mais dos regimes referidos no primeiro parágrafo ou a exploração de instalações de armazenamento são definidas na autorização.»

11.      O artigo 214.°, n.° 1, do Código Aduaneiro regula os registos a realizar nos regimes aduaneiros especiais, entre os quais, nos termos do artigo 210.°, alínea b), do Código Aduaneiro, também se encontra o armazenamento numa zona franca:

«1.      Exceto no que respeita ao regime de trânsito, e salvo disposição em contrário, o titular da autorização, o titular do regime e todas as pessoas que exerçam atividades de armazenamento, de fabrico ou de aperfeiçoamento de mercadorias, ou de compra ou venda de mercadorias numa zona franca, devem manter registos adequados sob uma forma aprovada pelas autoridades aduaneiras.

Os registos devem conter as informações e os elementos que permitam às autoridades aduaneiras assegurar a fiscalização do regime em causa, nomeadamente a identificação das mercadorias a ele sujeitas, bem como o estatuto aduaneiro e a circulação dessas mercadorias.»

12.      O artigo 215.° do Código Aduaneiro regula o apuramento de um regime especial como o do armazenamento numa zona franca:

«1.      Em casos distintos do regime de trânsito e sem prejuízo do disposto no artigo 254.°, um regime especial é apurado quando as mercadorias a ele sujeitas ou os produtos transformados forem sujeitos a um regime aduaneiro subsequente, tiverem sido retirados do território aduaneiro da União, tiverem sido inutilizados sem deixar resíduos ou forem abandonados a favor do Estado nos termos do artigo 199.°

2.      As autoridades aduaneiras apuram o regime de trânsito caso possam determinar, com base na comparação dos dados disponíveis na estância aduaneira de partida com os dados disponíveis na estância aduaneira de destino, que o regime terminou corretamente.

3.      As autoridades aduaneiras devem tomar todas as medidas necessárias para regularizar a situação das mercadorias cujo regime não tenha sido apurado nas condições estabelecidas.

4.      Salvo disposição em contrário, o apuramento do regime deve ser feito dentro de um determinado prazo.»

13.      A este respeito, o artigo 7.°, alínea c), do Código Aduaneiro prevê a seguinte habilitação geral da Comissão:

«A Comissão fica habilitada a adotar atos delegados, nos termos do artigo 284.°, que determinem:

c)      O tipo de informações e os elementos que devem constar dos registos a que se referem o artigo 148.°, n.° 4, e o artigo 214.°, n.° 1.»

2.      Regulamento Delegado (UE) 2015/244(4) (a seguir «Regulamento Delegado»)

14.      O artigo 178.°, n.° 1, alíneas b), c), d) e f), n.os 2 e 3, do Regulamento Delegado estabelece o seguinte:

«1.      Os registos referidos no artigo 214.°, n.° 1, do Código devem conter as seguintes informações:

b)      O [número de referência principal (MRN)] ou, quando não exista, qualquer outro número ou código de identificação das declarações aduaneiras através dos quais as mercadorias são sujeitas ao regime especial e, quando o apuramento do regime tenha sido efetuado em conformidade com o artigo 215.°, n.° 1, do Código, informações sobre a forma como o regime tiver sido apurado;

c)      Dados que permitam a identificação inequívoca dos documentos aduaneiros, com exceção de declarações aduaneiras, de quaisquer outros documentos relevantes para a sujeição das mercadorias a um regime especial ou de quaisquer outros documentos relevante para o apuramento do regime;

d)      Elementos relativos às marcas, números de identificação, quantidade e natureza dos volumes, quantidade e designação comercial ou técnica usual das mercadorias e, se for caso disso, os sinais de identificação do contentor necessários para identificar as mercadorias;

f)      Estatuto aduaneiro das mercadorias;

2.      No caso de zonas francas, os registos devem, além das informações previstas no n.° 1, conter o seguinte:

a)      Elementos que identifiquem os documentos de transporte para as mercadorias que entram ou saem das zonas francas;

b)      Elementos sobre a utilização ou o consumo de mercadorias relativamente às quais a introdução em livre prática ou a importação temporária não implique a aplicação de direitos de importação ou de medidas estabelecidas no âmbito das políticas agrícola e comercial comuns, em conformidade com o artigo 247.°, n.° 2, do Código.

3.      As autoridades aduaneiras podem dispensar da obrigação de fornecer algumas das informações previstas nos n.os 1 e 2, desde que tal não afete negativamente a fiscalização aduaneira e os controlos da utilização de um regime especial.»

3.      Regulamento de Execução (UE) 2015/244(5) (a seguir Regulamento de Execução)

15.      O modo como é feita a prova do estatuto aduaneiro de mercadorias da União resulta dos artigos 199.° e seguintes do Regulamento de Execução. Para esse efeito, o artigo 200.°, n.os 1, 3 e 4, do Regulamento de Execução prevê o seguinte:

«1.      A estância aduaneira competente visa e regista os meios de prova do estatuto aduaneiro das mercadorias UE a que se refere o artigo 199.°, n.° 1, alíneas b) e c), do presente regulamento, exceto nos casos referidos no artigo 128.°, n.° 1, do Regulamento Delegado (UE) 2015/2446 e comunica o NRP dos referidos meios de prova à pessoa interessada.

3.      Os meios de prova a que se refere o n.° 1 são apresentados na estância aduaneira competente em que as mercadorias são apresentadas após a reentrada no território aduaneiro da União, mediante indicação do respetivo NRP.

4.      A estância aduaneira competente controla a utilização dos meios de prova referidos no n.° 1, com o intuito de garantir, em particular, que os mesmos não são utilizados para mercadorias diferentes daquelas para as quais foram emitidos.»

16.      O artigo 211.° do Regulamento de Execução diz respeito à prova do estatuto aduaneiro de mercadorias da União para as mercadorias cujo valor não exceda 15 000 euros e estabelece o seguinte:

«No caso de mercadorias com o estatuto aduaneiro de mercadorias da União cujo valor não exceda 15 000 [euros], o estatuto aduaneiro de mercadorias da União pode ser provado mediante a apresentação da fatura ou do documento de transporte relativo a essas mercadorias, desde que seja relativo exclusivamente às mercadorias que tenham o estatuto aduaneiro de mercadorias da União.»

17.      O artigo 226.° do Regulamento de Execução esclarece o número de referência principal e tem o seguinte teor:

«Com exceção dos casos em que a declaração aduaneira é apresentada verbalmente ou por um ato considerado como sendo uma declaração aduaneira, ou dos casos em que a declaração aduaneira reveste a forma de uma inscrição nos registos do declarante em conformidade com o artigo 182.° do Código, as autoridades aduaneiras notificam o declarante da aceitação da declaração aduaneira e fornecem‑lhe um NRP para essa declaração e a data da sua aceitação.

O presente artigo não é aplicável até às respetivas datas de aplicação do AES (Sistema Automatizado de Exportação) e do NCTS (Novo Sistema de Trânsito Informatizado) e até que a modernização dos sistemas nacionais de importação referidos no anexo da Decisão 2014/255/UE esteja operacional.»

B.      Direito letão

18.      O artigo 153.°, n.° 3, do Administratīvā procesa likums (Código de Procedimento Administrativo) regula o seguinte:

«Os factos que se considerem provados na fundamentação de uma decisão judicial transitada em julgado não têm de ser novamente objeto de prova na apreciação de uma causa administrativa entre as mesmas partes.»

19.      O artigo 16.°, n.os 3 e 4, da Likums «Par tiesu varu» (Lei do Poder Judicial) estabelece o seguinte:

«3.      De acordo com o procedimento previsto na lei, uma decisão prejudicial é vinculativa para o tribunal quando conheça de outros processos relacionados com esse processo.

4.      Essas decisões judiciais têm força de lei, têm efeitos vinculativos erga omnes e devem ser observadas nos mesmos termos das leis.»

20.      O Ministru kabineta 2017. gada 22. augusta noteikumi Nr. 500 «Muitas noliktavu, pagaidu uzglabāšanas un brīvo zonu noteikumi» (Decreto n.° 500 do Conselho de Ministros, de 22 de agosto de 2017, que aprova as normas relativas aos entrepostos aduaneiros, ao depósito temporário e às zonas francas), estabelece no n.° 77 que qualquer pessoa em cuja zona franca sejam armazenadas mercadorias não‑UE deve manter um registo dessas mercadorias armazenadas em zona franca. Nos termos do n.° 78, os registos devem incluir os dados mencionados, designadamente, no artigo 178.°, n.° 1, alíneas b) e c), e no n.° 2 do Regulamento Delegado 2015/2446. Segundo o n.° 79, o registo relativo às mercadorias não‑UE deve incluir o número do documento aduaneiro ou o número da carta de porte das mercadorias utilizado para a entrada e saída das mesmas da zona franca.

III. Matéria de facto e pedido de decisão prejudicial

21.      A SIA «BALTIC CONTAINER TERMINAL» (a seguir «recorrente») é titular de uma autorização para carga, descarga e armazenamento de mercadorias na zona franca do porto franco de Riga e tem a obrigação de manter um registo das mercadorias que se encontram nessa zona.

22.      A Valsts ieņēmumu dienests (Administração Tributária letã, a seguir «Administração Tributária») efetuou um controlo das mercadorias que se encontravam na zona franca da recorrente e constatou que, por três vezes nos anos de 2018 e 2019, mercadorias que se encontravam na zona franca saíram dessa zona sem serem sujeitas a um regime aduaneiro subsequente e que, por conseguinte, não fora apurado o regime especial de «zona franca». A Administração Tributária concluiu que essas mercadorias tinham sido efetivamente subtraídas à fiscalização aduaneira, pelo que a recorrente (também) tinha contraído uma dívida aduaneira nos termos do artigo 79.°, n.os 1, alínea a), e 3, alínea a), do Código Aduaneiro.

23.      As mercadorias em questão foram entregues para saída da zona franca com base nas cartas de porte CMR, nas quais se indicava o estatuto aduaneiro das mercadorias como «mercadorias UE» («C»). Esta menção foi corroborada por um funcionário da autoridade aduaneira através da aposição do carimbo da estância aduaneira e da sua assinatura, procedimento este que estava em conformidade com a prática existente segundo a qual a Administração Tributária efetuava um controlo do estatuto aduaneiro das mercadorias antes de estas saírem do porto e anotava‑o nos documentos de transporte, embora a legislação não previsse esse procedimento. No entanto, depois de as mercadorias terem saído da zona franca, os funcionários da autoridade aduaneira verificaram que não dispunham de documentos que justificassem a alteração do estatuto aduaneiro das mercadorias controvertidas de «mercadorias não‑UE» («N») para «mercadorias UE» («C»).

24.      Por decisão de 19 de julho de 2019, a Administração Tributária impôs à recorrente a obrigação de pagar ao erário público os direitos de importação, bem como o IVA, acrescidos das sanções por mora correspondentes. A recorrente interpôs recurso judicial desta decisão.

25.      O Administratīvā apgabaltiesa (Tribunal Administrativo Regional, Letónia) negou provimento ao recurso, considerando que a simples aposição do carimbo e a assinatura na carta de porte CMR não podiam certificar o estatuto aduaneiro de mercadorias UE de mercadorias que tinham sido importadas como mercadorias não‑UE. Em seu entender, não é possível deduzir apenas da carta de porte CMR a que regime aduaneiro subsequente as mercadorias tinham sido sujeitas. Para a alteração do estatuto das mercadorias era necessária uma declaração com o número de referência principal (Master Reference Number, a seguir, e também até aqui, «MRN») ou uma carta de porte CMR em que figurasse o carimbo da estância aduaneira e o MRN. Ora, não foi esse o caso.

26.      A recorrente interpôs recurso de cassação desta sentença para o Augstākā tiesa (Senāts) (Supremo Tribunal, Letónia).

27.      A recorrente defende que não estão reunidas as condições de aplicação do artigo 79.°, n.° 1, alínea a) e n.° 3, alínea a), do Código Aduaneiro e, por conseguinte, não se constituiu qualquer dívida aduaneira. Afirma que manteve os registos exigidos de acordo com a autorização emitida pela Administração Tributária e entregou as mercadorias ao transportador com base nas cartas de porte CMR apresentadas. Em conformidade com a prática habitual da Administração Tributária, estavam patentes nestas cartas de porte CMR o estatuto das mercadorias indicado pelo funcionário aduaneiro (mercadorias UE), a assinatura do funcionário da autoridade aduaneira e o carimbo da estância aduaneira. Por conseguinte, entende que podia validamente considerar que as mesmas tinham sido introduzidas em livre prática. Deste modo, também foi apurado o regime especial de zona franca.

28.      Paralelamente, a recorrente instaurou na Rīgas apgabaltiesas Krimināllietu kolēģija (Secção Criminal do Tribunal Regional de Riga) um processo de impugnação da aplicação de uma sanção administrativa pelos mesmos factos. Por Sentença de 5 de fevereiro de 2021, este órgão jurisdicional anulou a sanção administrativa aplicada à recorrente por considerar que esta não violara os termos do regime aduaneiro e agira de acordo com a prática habitual das autoridades aduaneiras. Em especial, a Administração Tributária não conseguiu indicar normas jurídicas que impusessem à recorrente a obrigação de fazer prova de outros dados relativos à validade da alteração de estatuto das mercadorias para além da confirmação das autoridades aduaneiras.

29.      Segundo o órgão jurisdicional de reenvio, no momento em que ocorreram os factos do processo principal, era prática habitual da Administração Tributária os funcionários da autoridade aduaneira efetuarem a verificação do estatuto aduaneiro antes de as mercadorias saírem da zona franca e aporem nos documentos de saída (geralmente, a carta de porte CMR) as anotações correspondentes (estatuto aduaneiro das mercadorias, carimbo da estância de controlo aduaneira e assinatura do funcionário aduaneiro). O procedimento atual também prevê que o próprio funcionário aduaneiro confirme a alteração de estatuto aduaneiro das mercadorias e que a recorrente, confiando na informação facultada por este, apure o regime especial de «zona franca».

30.      Assim, o Augstākā tiesa (Senāts) (Supremo Tribunal, Letónia) suspendeu o processo e submeteu ao Tribunal de Justiça, por via do processo de reenvio prejudicial, nos termos do artigo 267.° TFUE, as cinco questões prejudiciais seguintes:

1.      Permite o artigo 178.°, n.° 1, alíneas b) e c), do Regulamento Delegado 2015/2446, conjugado com o artigo 214.°, n.° 1, do Código Aduaneiro da União, apurar o regime especial de «zona franca» sem que tenha sido inserido no sistema de registo eletrónico o número de referência principal [(Master Reference Number, MRN)] que identifica a declaração aduaneira que sujeita as mercadorias ao regime aduaneiro subsequente?

2.      Permitem os artigos 214.°, n.° 1, e 215.°, n.° 1, do Código Aduaneiro da União e o artigo 178.°, n.° 1, alíneas b) e c), do Regulamento Delegado 2015/2446, que o titular do regime especial «de zona franca» apure este regime baseando‑se apenas numa anotação efetuada por um funcionário da autoridade aduaneira no título de transporte das mercadorias (carta de porte CMR) relativa ao estatuto aduaneiro das mesmas, sem verificar por si próprio a validade do estatuto aduaneiro das referidas mercadorias?

3.      Em caso de resposta negativa à segunda questão prejudicial, que nível de verificação nos termos dos artigos 214.°, n.° 1, e 215.°, n.° 1, do Código Aduaneiro da União e do artigo 178.°, n.° 1, alíneas b) e c), do Regulamento Delegado 2015/2446 é suficiente para se considerar que o regime especial «de zona franca» foi apurado corretamente?

4.      Podia o titular do regime especial «de zona franca» criar uma confiança legítima na confirmação por parte das autoridades aduaneiras de que o estatuto aduaneiro das mercadorias tinha passado de «mercadorias não‑UE» a «mercadorias UE», uma vez que esta confirmação não indica o motivo da alteração de estatuto das mercadorias nem dados que permitam verificar esse motivo?

5.      Em caso de resposta negativa à quarta questão prejudicial, pode constituir um motivo de isenção da dívida aduaneira constituída por força do artigo 79.°, n.os 1, alínea a), e 3, alínea a), do Código Aduaneiro da União, atendendo ao princípio do caso julgado consagrado no direito nacional e no direito da União, o facto de noutro processo que correu perante um órgão jurisdicional nacional ter sido declarado, por decisão judicial transitada em julgado, que, de acordo com os procedimentos estabelecidos pelas autoridades aduaneiras, o titular do regime aduaneiro não tinha cometido nenhuma infração no respeitante ao regime aduaneiro «de zona franca»?

31.      No processo perante o Tribunal de Justiça, a recorrente, a Letónia e a Comissão Europeia apresentaram observações escritas. Nos termos do artigo 76.°, n.° 2, do Regulamento de Processo, o Tribunal de Justiça decidiu não realizar audiência de alegações.

IV.    Apreciação jurídica

32.      As cinco questões prejudiciais dizem essencialmente respeito a duas temáticas. As primeiras três questões dizem respeito às obrigações aduaneiras de registo e de verificação que impendem sobre o titular de uma autorização relativa ao regime especial de zona franca (a seguir «titular de zona franca») que permitiu a saída da zona franca de mercadorias não‑UE que nela estavam armazenadas (v., a este respeito, A). Em contrapartida, a quinta questão diz respeito à extensão da autoridade de caso julgado de uma sentença que, possivelmente em violação do direito da União, recusou reconhecer a existência de um incumprimento do dever de cuidado do titular de uma zona franca (v., a este respeito, B.2.). A montante desta questão situa‑se a questão relacionada com a proteção da confiança legítima do titular de uma zona franca que seguiu a prática anterior da Administração Tributária no Estado‑Membro, ainda que esta prática fosse contrária ao direito da União (v., a este respeito, B.1.).

A.      Quanto à interpretação do Código Aduaneiro da União

33.      Foi fixada à recorrente, na qualidade de titular de uma zona franca, uma dívida de direitos de importação (a seguir «dívida aduaneira»). A dívida aduaneira do titular de uma zona franca baseia‑se no artigo 79.°, n.° 1, alínea a), do Código Aduaneiro, estando relacionada com o incumprimento de uma das obrigações previstas na legislação aduaneira em matéria de introdução de mercadorias não‑UE no território aduaneiro da União. O Tribunal de Justiça desconhece se, entretanto, foi possível cobrar a dívida aduaneira do declarante que se constituiu com a colocação em livre prática.

34.      Com efeito, o titular de uma zona franca está sujeito a obrigações especiais (6) cujo incumprimento pode dar origem a uma dívida aduaneira. No entanto, esta é apenas uma dívida aduaneira adicional, solidária (v. artigo 84.° do Código Aduaneiro), relativa ao incumprimento de uma obrigação própria que, em última análise, visa garantir a correta cobrança da dívida aduaneira. A dívida aduaneira (original) do declarante (artigo 77.°, n.° 3, do Código Aduaneiro) manter‑se‑á.

1.      Quanto à obrigação de registo do «Master Reference Number»

35.      A recorrente não registou nem inscreveu nenhum MRN no sistema eletrónico. Com a sua primeira questão, o órgão jurisdicional de reenvio pretende saber se o registo e a inscrição do MRN eram exigidos pelo direito da União, e, por conseguinte, se desta omissão resulta o incumprimento de uma obrigação da recorrente necessária para a fixação de uma dívida aduaneira.

36.      Para tanto, importa determinar se o titular de uma zona franca deve sempre registar o MRN para evitar a constituição de uma dívida aduaneira própria, além da dívida aduaneira do declarante, nos termos do artigo 79.°, n.° 1, alínea a) e n.° 3, do Código Aduaneiro. O artigo 214.°, n.° 1, do Código Aduaneiro regula os registos que devem ser realizados nos regimes aduaneiros especiais. Nos termos do artigo 210.°, alínea b), do Código Aduaneiro, o armazenamento também é um regime aduaneiro especial.

37.      Nos termos do artigo 214.°, n.° 1, do Código Aduaneiro, o «titular do regime» (neste caso, do regime de zona franca) deve manter registos adequados sob uma forma aprovada pelas autoridades aduaneiras. Os registos devem conter as informações e os elementos que permitam às autoridades aduaneiras assegurar a fiscalização do regime em causa, nomeadamente a identificação das mercadorias a ele sujeitas, bem como o estatuto aduaneiro e a circulação dessas mercadorias.

38.      É necessária uma autorização das autoridades, nos termos do artigo 211.°, n.° 1, alínea b), do Código Aduaneiro, para a exploração de instalações de armazenamento para o entreposto aduaneiro das mercadorias. Em regra, desta autorização resultam obrigações concretas de registo que visam documentar e supervisionar o fim deste regime especial pela sujeição a outro regime aduaneiro (muitas vezes, a introdução em livre prática, nos termos do artigo 77.°, n.° 1, alínea a), do Código Aduaneiro). No entanto, do pedido de decisão prejudicial não é possível retirar o teor exato que a autorização da recorrente tem ou tinha, no caso em apreço.

39.      Além das obrigações de registo que podem resultar da autorização, o artigo 7.°, alínea c), do Código Aduaneiro habilita a Comissão a adotar atos delegados que regulem o tipo de informações e os elementos que devem constar dos registos a que se refere o artigo 214.°, n.° 1, do Código Aduaneiro. Assim, o artigo 178.°, n.° 1, alínea b), do Regulamento Delegado prevê que os registos nos termos do artigo 214.° do Código Aduaneiro devem conter «o MRN ou, quando não exista, qualquer outro número ou código de identificação das declarações aduaneiras através dos quais as mercadorias são sujeitas ao regime especial e, quando o apuramento do regime tenha sido efetuado em conformidade com o artigo 215.°, n.° 1, do Código, informações sobre a forma como o regime tiver sido apurado».

40.      Só daí já se pode concluir que não existe qualquer obrigação de registo do MRN.

41.      Por um lado, o artigo 178.°, n.° 1, alínea b), do Regulamento Delegado, na sua primeira alternativa, diz apenas respeito ao MRN com o qual as declarações aduaneiras, «através das quais as mercadorias são sujeitas ao regime especial», podem ser apuradas. A sujeição ao regime de zona franca não necessita de uma declaração aduaneira (v. artigo 158.°, n.° 1, do Código Aduaneiro). Por conseguinte, no presente caso só pode estar em causa a sujeição a um outro regime especial. No entanto, neste caso, as mercadorias não foram sujeitas a um outro regime especial (constante do título VII do Código Aduaneiro), mas ao regime «normal» nos termos do título VI do Código Aduaneiro (Introdução em livre prática). A primeira alternativa do artigo 178.°, n.° 1, alínea b), do Regulamento Delegado não exige o registo do MRN nesta situação.

42.      Por outro lado, o próprio artigo 178.°, n.° 1, alínea b), do Regulamento Delegado considera que não é atribuído um MRN por cada declaração aduaneira. O mesmo é confirmado pelo artigo 226.° do Regulamento de Execução, segundo o qual as autoridades aduaneiras devem, em princípio, fornecer ao declarante (não ao titular de uma zona franca) esse MRN para a sua declaração aduaneira. No entanto, tal não se aplica a todas as declarações aduaneiras nem nas respetivas datas de aplicação do AES (Sistema Automatizado de Exportação) e do NCTS (Novo Sistema de Trânsito Informatizado) e até que a modernização dos sistemas nacionais de importação referidos no anexo da Decisão 2014/255/UE esteja operacional. O Tribunal de Justiça não foi informado sobre se é esse sequer o caso no presente processo.

43.      Uma vez que a Administração Tributária comunica o MRN ao declarante (e não ao titular de zona franca), o artigo 178.°, n.° 1, alínea b), do Regulamento Delegado só exige expressamente ao titular de zona franca a indicação desse número quando o mesmo exista. Caso contrário, o mesmo cumpre as suas obrigações de registo quando indica outro número ou código que permitam identificar as mercadorias. Por esse motivo, do Código Aduaneiro e do Regulamento Delegado não resulta a obrigatoriedade de registo do MRN, conforme a Comissão também alega, corretamente. Por maioria de razão, o mesmo se aplica nos casos em que as mercadorias não foram sujeitas a um regime especial.

44.      Acresce ainda a norma do artigo 178.°, n.° 3, do Regulamento Delegado, segundo a qual as autoridades aduaneiras podem dispensar da obrigação de fornecer algumas das informações previstas nos n.os 1 e 2. Por conseguinte, o direito da União não impõe o registo do MRN, sendo, pelo contrário, decisivo saber se o direito nacional (que vincula as autoridades aduaneiras) ou a própria autoridade aduaneira nacional dispensaram esse registo. Em caso afirmativo, a falta de registo não constitui fundamento de uma dívida aduaneira.

45.      Tal dispensa também se pode encontrar, por exemplo, na prática administrativa constante das autoridades aduaneiras letãs, comunicada pelo órgão jurisdicional de reenvio. Com efeito, segundo o órgão jurisdicional de reenvio, no momento em que ocorreram os factos do processo principal, era prática habitual da Administração Tributária os funcionários da autoridade aduaneira efetuarem a verificação do estatuto aduaneiro antes de as mercadorias saírem da zona franca e aporem nos documentos de saída (geralmente, a carta de porte CMR) as anotações correspondentes (estatuto aduaneiro das mercadorias, carimbo da estância de controlo aduaneira e assinatura do funcionário aduaneiro). Aparentemente, até à data, tal tem sido suficiente para o cumprimento das obrigações de registo.

46.      O direito da União não prevê nenhuns requisitos especiais para tal dispensa. Por conseguinte, a dispensa implícita da obrigação de registo, nos termos do artigo 178.°, n.° 1, alínea b), do Regulamento Delegado, também é possível, tanto mais que as declarações implícitas não são estranhas ao direito aduaneiro (como a quaisquer procedimentos em grande escala). Assim, nos termos do artigo 158.°, n.° 2, do Código Aduaneiro, em conjugação com os artigos 135.° e seguintes e o artigo 141.° do Regulamento Delegado, é inclusivamente possível entregar declarações aduaneiras verbais ou implícitas. A questão de saber se a prática administrativa constante, tal como descrita pelo órgão jurisdicional de reenvio, reflete uma dispensa expressa ou implícita da Administração Tributária, é uma questão de apreciação da matéria de facto que é da competência exclusiva deste órgão jurisdicional.

47.      Por conseguinte, a resposta que proponho para a primeira questão é que o artigo 214.° do Código Aduaneiro, em conjugação com o artigo 178.° do Regulamento Delegado, não impõe necessariamente nem em todos os casos que o titular de uma zona franca registe o MRN para cumprimento das suas obrigações aí estabelecidas. Pelo contrário, esta disposição permite que as autoridades aduaneiras aprovem expressa ou implicitamente formas diferentes de registo.

2.      Apuramento do regime de zona franca

48.      Na primeira questão, o órgão jurisdicional de reenvio pergunta ainda se o artigo 214.° do Código Aduaneiro permite apurar o regime especial de zona franca sem o registo de um MRN. Está em causa a segunda alternativa das obrigações de registo referidas no artigo 178.°, n.° 1, alínea b), do Regulamento Delegado, segundo a qual também devem ser registadas informações sobre a forma como o regime tiver sido apurado.

49.      O apuramento de um regime aduaneiro especial (neste caso, o regime da zona franca) nos termos do artigo 215.° do Código Aduaneiro é distinto do cumprimento acima referido das obrigações de registo nos termos do artigo 214.° do Código Aduaneiro. Com efeito, o apuramento é apenas realizado quando as mercadorias tenham ficado sujeitas a um regime aduaneiro subsequente. Neste caso, as mercadorias foram introduzidas em livre prática (título VI do Código Aduaneiro) e o seu estatuto foi alterado de mercadorias não‑UE para mercadorias UE.

50.       A Administração Tributária já não sabe, simplesmente, por que motivo tal aconteceu. Das observações escritas da Letónia também não se vislumbra por que razão um funcionário aduaneiro teria sequer aposto, carimbado e assinado um «C» (para mercadorias da União) na carta de porte CMR se estas mercadorias tivessem de continuar a ser mercadorias não‑UE. Em todo o caso, as mesmas foram introduzidas na sequência de uma verificação por uma pessoa. Em qualquer o caso, a questão de saber se esta introdução foi legítima (em especial, se existe a respetiva declaração aduaneira) e se a dívida aduaneira que se constituiu foi paga pelo declarante é irrelevante para o apuramento do «regime de zona franca».

51.      Porém, o direito da União não prevê, de forma taxativa, o modo como o titular de uma zona franca deve realizar os respetivos registos (v., supra, n.os 35 e seguintes). Em última análise, a questão do apuramento do regime especial de zona franca através do registo da carta de porte CMR na qual foram apostos um carimbo e a assinatura da Administração Tributária depende do regime jurídico nacional (teor da autorização ou renúncia da Administração Tributária a determinadas obrigações de registo). Por conseguinte, tal só poderá, pois, ser apreciado pelo órgão jurisdicional de reenvio.

52.      Se se concluir que da prática constante resulta que a mercadoria foi entregue ao declarante e que o estatuto de mercadoria UE foi confirmado na carta de porte CMR pelo carimbo e a assinatura de um funcionário da autoridade tributária e que tal só acontece nos casos de apuramento do regime aduaneiro de zona franca, a documentação constituída por esta carta de porte parece suficiente para também documentar o apuramento do regime especial de zona franca através da introdução em livre prática. Tal pode constituir uma dispensa expressa ou implícita, permitida pelo direito da União, de eventuais outras exigências de prova.

3.      Obrigação de verificação e âmbito de verificação com respeito à validade do estatuto aduaneiro das mercadorias (segunda e terceira questões)

53.      Com as suas segunda e terceira questões, o órgão jurisdicional de reenvio pretende saber se os artigos 214.°, n.° 1, e 215.°, n.° 1, do Código Aduaneiro permitem que o titular de uma zona franca apure o regime de zona franca sem ter ele próprio verificado a validade do regime aduaneiro das mercadorias ou o âmbito de verificação dessa obrigação.

54.      Esta questão tem como contexto o facto de as mercadorias sem declaração aduaneira poderem ser sujeitas ao regime de zona franca para depois, regra geral, serem sujeitas a outros regimes aduaneiros através de uma declaração aduaneira apresentada pelo declarante. Neste contexto, podem, por exemplo, ser armazenadas mercadorias de diferentes tipos (mercadorias UE e mercadorias não‑UE) numa zona franca (v. artigo 177.° do Regulamento Delegado). Geralmente, as mercadorias armazenadas numa zona franca são subsequentemente sujeitas a outros regimes aduaneiros especiais (título VII do Código Aduaneiro, tal como, por exemplo, o regime de importação temporária ou o regime de aperfeiçoamento) ou também ao regime aduaneiro geral (introdução em livre prática, título VI do Código Aduaneiro), através de uma declaração aduaneira (artigo 158.°, n.° 1, do Código Aduaneiro) apresentada por um terceiro (ou seja, regra geral, não pelo titular de zona franca).

55.      O ponto decisivo no que respeita à questão a apreciar no caso vertente, relativa à obrigação de verificação ou ao âmbito da verificação pelo titular de zona franca, é que a verificação da declaração aduaneira nos termos do artigo 188.° do Código Aduaneiro é realizada apenas pela autoridade aduaneira, que, nos termos do artigo 189.° do Código Aduaneiro, pode proceder à verificação, designadamente, das mercadorias. Em contrapartida, o Código Aduaneiro não prevê obrigações de verificação do titular de zona franca. A autorização de saída das mercadorias, também é concedida apenas pelas autoridades aduaneiras (e não por um particular), nos termos do artigo 194.° do Código Aduaneiro, quando as condições de sujeição ao regime em causa estejam reunidas. Nos termos do artigo 195.°, n.° 1, do Código Aduaneiro, a autorização de saída das mercadorias fica subordinada ao pagamento da dívida aduaneira que se tenha constituído ou à prestação de uma garantia para cobrir essa dívida. Aparentemente, na Letónia, a autorização de saída da mercadoria foi concedida, na prática, pela autoridade aduaneira, através da aposição do carimbo e da assinatura na carta de porte CMR.

56.      Em contrapartida, o regime especial de zona franca é regulado pelos artigos 210.° e seguintes do Código Aduaneiro. No entanto, este capítulo também não prevê a obrigação de controlo da declaração aduaneira de um terceiro quanto à exatidão do seu conteúdo. Pelo contrário, o artigo 214.° do Código Aduaneiro estabelece as já referidas (v., a este respeito, n.os 35 e seguintes) obrigações de registo. O artigo 215.° do Código Aduaneiro regula os casos em que é apurado um regime especial (como o de zona franca), sendo o motivo principal a sujeição a um regime aduaneiro subsequente.

57.      O artigo 214.°, n.° 1, segundo período, do Código Aduaneiro esclarece, neste contexto, que os registos devem conter as informações e os elementos que permitam às autoridades aduaneiras assegurar a fiscalização do regime em causa, nomeadamente a identificação das mercadorias a ele sujeitas, bem como o estatuto aduaneiro e a circulação dessas mercadorias. Em contrapartida, o artigo 214.° do Código Aduaneiro tão‑pouco menciona a validade do regime aduaneiro ou a verificação de tal validade.

58.      Daqui também resulta que apenas devem ser realizados os registos do regime aduaneiro, mas não que a validade do conteúdo deste regime deva ser verificada. A este respeito, as obrigações de prova em vigor na Letónia não são, em princípio, pertinentes, o que a Comissão parece ignorar. Se a Administração Tributária tiver dispensado (expressa ou implicitamente) outras provas além da carta de porte CMR com um carimbo relativo ao estatuto das mercadorias e uma assinatura do funcionário aduaneiro (v. artigo 178.°, n.° 3, do Regulamento Delegado), não haverá quaisquer outras obrigações de prova nem, muito menos, outras obrigações de verificação. Só o órgão jurisdicional de reenvio pode apreciar se é esse o caso.

59.      Por conseguinte, a recorrente não estava obrigada a verificar o motivo pelo qual a carta de porte CMR teria sido carimbada e o motivo pelo qual, na mesma carta de porte CMR, as mercadorias foram declaradas pelas autoridades aduaneiras como sendo mercadorias UE. Também é duvidoso que a mesma pudesse realizar tal verificação com eficácia.

60.      Com efeito, o regime aduaneiro da mercadoria resulta da declaração aduaneira de uma outra pessoa, que deve ser verificada pelas autoridades aduaneiras. Se as mercadorias tiverem então sido introduzidas em livre prática, o seu regime passaria de mercadorias não‑UE a mercadorias UE. Foi o que o funcionário aduaneiro aparentemente confirmou aqui mediante a aposição do carimbo, juntamente com a assinatura, na carta CMR (v. apenas quarta questão do órgão jurisdicional de reenvio). Não parece oportuno nem possível que outro particular o verifique novamente. No presente processo, segundo informações do órgão jurisdicional de reenvio e as observações escritas da recorrente, a alteração do regime no sistema eletrónico da recorrente também só é realizada pela Administração Tributária, sem que esta possa verificar a exatidão.

61.      Normalmente, a legalidade e, sobretudo, a validade de uma decisão administrativa é apreciada por outra autoridade (superior) ou por um órgão jurisdicional, mas não por um particular. Quanto não existam nenhuns indícios de falsificação das provas apresentadas (neste caso, relativas ao regime das mercadorias), além das obrigações de registo, não resulta do Código Aduaneiro» nenhuma obrigação de verificação do titular de zona franca sobre se o regime aduaneiro das mercadorias também é realmente «válido».

62.      Por conseguinte, há que responder à segunda e terceira questões que o apuramento do regime especial de zona franca não exige que o titular de zona franca verifique autonomamente a validade do estatuto das mercadorias certificada pela Administração Tributária. Poderá não ser assim se existirem indícios de falsificação do certificado. Em última análise, a forma que este certificado deve revestir e a prova do estatuto das mercadorias autorizadas a sair resultam do regime jurídico nacional, uma vez que, nos termos do artigo 178.°, n.° 3, do Regulamento Delegado, as autoridades aduaneiras podem dispensar a prestação de algumas informações.

B.      A título subsidiário: a proteção da confiança legítima e a extensão da autoridade de caso julgado (quarta e quinta questões)

63.      Com a quarta e quinta questões, o órgão jurisdicional de reenvio pretende, no essencial, saber se, pelo menos, a recorrente, caso as mercadorias não fossem mercadorias UE e a mesma tivesse de o provar antes de as autorizar a sair da zona franca, beneficia de um certo grau de proteção da confiança legítima. Em favor de resposta afirmativa milita, por um lado, o facto de a Administração Tributária ter confirmado o estatuto de mercadoria UE mediante a aposição de um carimbo e de uma assinatura na carta de porte CMR. Por outro lado, outro órgão jurisdicional já negou, por decisão transitada em julgado, a existência de uma violação do artigo 79.° do Código Aduaneiro. Porém, tal violação é condição prévia para que se constitua uma dívida aduaneira (adicional) do titular de zona franca. Por conseguinte, a autoridade de caso julgado desta decisão também se poderia opor à fixação da dívida aduaneira.

64.      No entanto, as duas questões apenas se colocam se existir sequer um incumprimento das obrigações de prova do artigo 214.° do Código Aduaneiro, em conjugação com o artigo 178.° do Regulamento Delegado. Por seu turno, por força do artigo 178.°, n.° 3, do Regulamento Delegado, tal depende da decisão tomada naquela altura pela autoridade aduaneira letã em relação ao âmbito das obrigações de prova. Tal como acima referido (n.os 44 e seguintes), tem sido prática constante das autoridades aduaneiras dispensar outros elementos de prova, pelo que é pouco provável a constituição de uma dívida aduaneira adicional da recorrente.

65.      Só na hipótese de o Tribunal de Justiça chegar a uma conclusão contrária ou o órgão jurisdicional de reenvio, ainda assim, concluir pela existência de incumprimento de obrigações aduaneiras por parte da recorrente, é que as questões acima referidas se colocam. Por esse motivo, serão analisadas apenas a título subsidiário.

1.      Proteção da confiança legítima em caso de prática administrativa contrária ao direito da União

66.      O princípio da proteção da confiança legítima faz parte da ordem jurídica da União e impõe‑se a qualquer autoridade nacional encarregada de aplicar o direito da União (7). Assim, na aplicação das disposições do Código Aduaneiro e do Regulamento Delegado, as autoridades nacionais são obrigadas a respeitar o princípio da proteção da confiança legítima.

67.      Contudo, o princípio da proteção da confiança legítima não pode ser invocado contra uma disposição precisa de um preceito do direito da União (8). No presente caso, não se vislumbra tal disposição precisa, da qual resulte obrigatoriamente que a recorrente tinha a obrigação de registar o MRN e que o carimbo e a assinatura da Administração Tributária não eram suficientes. Também não existe uma disposição clara segundo a qual o titular de uma zona franca deve analisar o motivo da mudança de estatuto de uma mercadoria (v. n.os 35 e seguintes, supra). Além disso, estas obrigações já foram negadas por um órgão jurisdicional nacional e existe outro órgão jurisdicional nacional que tem dúvidas, pelo que pede ao Tribunal de Justiça ajuda na interpretação. Por conseguinte, mesmo se o Tribunal de Justiça chegar a uma conclusão diferente, não se poderá, em caso algum, considerar que existe uma «disposição precisa» na aceção da jurisprudência acima referida.

68.      Por esse motivo, poderá estar em causa, neste caso, a proteção da confiança legítima consagrada no direito da União, que, além disso, pressupõe que os atos das autoridades administrativas tenham criado, no entendimento de um operador económico prudente e informado, uma confiança razoável e legítima (9).

69.      Também parece ser esse o caso no presente processo. A recorrente confiou, aparentemente, que tinha cumprido as suas obrigações de registo ao registar a carta de porte CMR na qual a autoridade aduaneira tinha anotado o estatuto da mercadoria por carimbo e assinatura, depois de o ter analisado, tendo tal resultado na mudança para um regime aduaneiro subsequente (neste caso, a introdução em livre prática). Deste modo, em seu entender, o processo da zona franca foi regularmente concluído. Esta confiança decorre, tal como informa o órgão jurisdicional de reenvio, da prática administrativa constante das autoridades tributárias letãs, que presumivelmente se devia às necessidades de um procedimento em grande escala. Uma prática administrativa constante que, tal como acima referido, aparentemente não é contrária ao direito da União, pode justificar as expectativas razoáveis e legítimas de que esta prática não será derrogada com efeitos retroativos.

70.      Por conseguinte, há que responder à quarta questão que uma prática administrativa constante segundo a qual, após a verificação da autoridade aduaneira, o estatuto das mercadorias era anotado na carta de porte CMR por carimbo e assinatura, e que, no passado, sempre permitiu apurar o regime de zona franca com eficácia, pode justificar a proteção da confiança legítima. O mesmo se aplica quando o documento não refere detalhadamente o motivo da alteração do estatuto. Em todo o caso, tal não viola manifestamente o direito da União, uma vez que o mesmo permite que as autoridades aduaneiras nacionais estabeleçam requisitos de prova divergentes (v. n.os 44 e seguintes, supra).

2.      Extensão da autoridade de caso julgado de uma decisão contrária ao direito da União

71.      Com a quinta questão, que também deve ser respondida a título subsidiário, o órgão jurisdicional de reenvio pretende saber, em última análise, se, no presente caso, o princípio do caso julgado se pode opor à fixação de uma dívida aduaneira, nos termos do artigo 79.°, n.° 1, alínea a), e n.° 3, alínea a), do Código Aduaneiro.

72.      Esta questão tem como contexto o facto de, num processo relativo à aplicação de uma sanção administrativa à recorrente, ter sido negado o incumprimento das obrigações aduaneiras por decisão transitada em julgado. Aparentemente, a Administração Tributária também interveio neste processo. Nos termos do direito nacional em vigor, os factos que se considerem provados na fundamentação de uma decisão judicial transitada em julgado não têm de ser novamente objeto de prova na apreciação de uma causa administrativa entre as mesmas partes (artigo 153.°, n.° 3, do Código de Procedimento Administrativo). Além disso, uma decisão é vinculativa para o tribunal quando conheça de outros processos relacionados com esse processo (artigo 16.°, n.os 3 e 4, da Lei do Poder Judicial). Uma vez que o tribunal anterior negou, com autoridade de caso julgado, o incumprimento de obrigações nos termos do Código Aduaneiro, o órgão jurisdicional de reenvio vê‑se impedido de fixar uma dívida aduaneira que pressuponha o incumprimento de obrigações decorrentes do Código Aduaneiro.

73.      O princípio do caso julgado assume uma enorme importância, tanto na ordem jurídica da União como nas ordens jurídicas nacionais. Com efeito, para garantir tanto a estabilidade do direito e das relações jurídicas como a boa administração da justiça, é necessário que as decisões judiciais que transitaram em julgado após o esgotamento das vias de recurso disponíveis ou depois de terminados os prazos previstos para essas ações já não possam ser postas em causa (10).

74.      Por conseguinte, o direito da União não obriga o juiz nacional a afastar a aplicação das regras processuais internas que confiram força de caso julgado a uma decisão judicial, mesmo que tal permitisse reparar uma situação nacional incompatível com esse direito (11).

75.      Na falta de regulamentação da União na matéria, as modalidades de aplicação do princípio da força de caso julgado fazem parte do ordenamento jurídico interno dos Estados‑Membros, em virtude do princípio da autonomia processual destes últimos. Todavia, não devem ser menos favoráveis do que as que regulam situações semelhantes de natureza interna (princípio da equivalência) nem ser concebidas de forma que, na prática, tornem impossível ou excessivamente difícil o exercício dos direitos conferidos pelo ordenamento jurídico da União (princípio da efetividade) (12). No entanto, esta última hipótese só é parcialmente aplicável ao presente processo. Com efeito, no presente caso, a extensão da autoridade de caso julgado de uma sentença (possivelmente contrária ao direito da União), em detrimento do Estado‑Membro, não tornou difícil o exercício de direitos por um particular.

76.      No entanto, o princípio da efetividade opõe‑se ao princípio do caso julgado reconhecido no direito nacional, nos casos em que uma decisão transitada em julgado contrária ao direito da União também seja vinculativa para outros períodos que não tenham sequer sido objeto da sentença transitada em julgado, uma vez que, nesse caso, a situação contrária ao direito da União também não poderia ser corrigida no futuro (13).

77.      No entanto, contrariamente ao que aparentemente a Comissão entende, não é isso que está aqui em causa. A autoridade de caso julgado de uma sentença não é estendida a outros períodos do futuro, sendo desse modo impedida a correção da situação violadora do direito da União no futuro. Pelo contrário, é apenas a autoridade de caso julgado de uma sentença relativamente à apreciação jurídica de um determinado ato (violação dos deveres de diligência enquanto titular de uma zona franca) em relação ao mesmo período que é transposta do direito em matéria de sanções para o direito aduaneiro. Por conseguinte, trata‑se da apreciação jurídica de um ato idêntico (numa data idêntica), que é pertinente tanto para a aplicação de uma sanção administrativa como também para a fixação de uma dívida aduaneira.

78.      Também a obrigação imposta aos Estados‑Membros pelo direito da União de prever sanções administrativas dissuasivas não conduz ao afastamento da força de caso julgado (14). Uma sentença penal de absolvição que, nos termos do direito nacional tinha autoridade de caso julgado em relação a um processo de aplicação de uma sanção administrativa, no qual estava em causa o mesmo ato que na sentença condenatória, é tão pouco suscetível de levantar preocupações do ponto de vista do direito da União (15) como, no presente caso, uma sentença de absolvição de uma sanção administrativa. No presente caso, a obrigação de fixação da dívida aduaneira também não pode exigir a cessação da autoridade de caso julgado, se estiver em causa o mesmo ato e se o direito nacional estabelecer tal extensão da autoridade de caso julgado.

79.      Uma vez que, em ambos os casos, um órgão jurisdicional de um Estado‑Membro decide num processo contraditório sobre a existência de incumprimento das obrigações aduaneiras e é provável que em ambos os processos intervenham as mesmas partes (a recorrente e a autoridade tributária), o entendimento contrário poderá eventualmente apresentar problemas relacionados com o princípio ne bis in idem (artigo 50.° da Carta dos Direitos Fundamentais) (16).

80.      Em contrapartida, a decisão do Tribunal de Justiça no processo Avio Lucos (17) dizia respeito a uma situação muito diferente. Neste caso, o Tribunal de Justiça concluiu que o facto de uma decisão jurisdicional num processo administrativo, de condenação da recorrente, também ser estendida ao processo civil e a todas as decisões sobre a mesma relação jurídica constitui uma violação do princípio da efetividade.

81.      A decisão do Tribunal de Justiça no processo CRPNPAC e Vueling Airlines, que negou a extensão da autoridade de caso julgado de uma sentença condenatória de um particular, contrária ao direito da União, ao direito civil, na relação com outras pessoas, também dizia respeito a uma situação diferente (18). Com efeito, no presente caso não está em causa a vinculação de um particular a uma sentença contrária ao direito da União proferida contra o mesmo.

82.      Consequentemente, o direito da União não se opõe a que o princípio do caso julgado consagrado no direito nacional impeça a fixação de uma dívida aduaneira em razão do incumprimento de obrigações nos termos do artigo 79.°, n.° 1, alínea a), do Código Aduaneiro, quando um órgão jurisdicional nacional, no âmbito de um processo de sanção, já tenha negado por decisão transitada em julgado o incumprimento de obrigações aduaneiras no mesmo período.

V.      Conclusão

83.      Face ao exposto, proponho ao Tribunal de Justiça que responda o seguinte às questões prejudiciais submetidas pelo Augstākā tiesa (Senāts) (Supremo Tribunal, Letónia):

1.      O artigo 214.° do Regulamento (UE) n.° 952/2013, em conjugação com o artigo 178.° do Regulamento Delegado (UE) 2015/2446, não impõe que o titular de uma zona franca registe o «Master Reference Number» em todos os casos, para cumprir as suas obrigações de registo e apurar o regime especial de zona franca.

2.      A questão de saber se o apuramento do regime de zona franca pode ser realizado mediante o registo da carta de porte CMR, na qual foram apostos o carimbo e a assinatura da Administração Tributária, depende do conteúdo da autorização ou da dispensa por parte da Administração Tributária do cumprimento de determinadas obrigações de registo. Tal só pode ser apreciado pelo órgão jurisdicional de reenvio.

3.      O apuramento do regime especial de zona franca não exige que o titular de zona franca verifique autonomamente a validade do estatuto das mercadorias certificada pela Administração Tributária, quando não existam indícios de falsificação do respetivo certificado. A forma que tal certificado deve revestir e o modo como deve ser feita prova do estatuto das mercadorias autorizadas a sair resultam do regime jurídico nacional, uma vez que, nos termos do artigo 178.°, n.° 3, do Regulamento Delegado 2015/2446, as autoridades aduaneiras podem dispensar a prestação de algumas informações.

4.      Uma prática administrativa constante segundo a qual, após a verificação da autoridade aduaneira, o estatuto das mercadorias era anotado na carta de porte CMR por carimbo e assinatura, e que, no passado, sempre permitiu apurar o regime de zona franca com eficácia, pode justificar a proteção da confiança legítima, mesmo quando o documento não refira detalhadamente o motivo da alteração do estatuto das mercadorias. Em todo o caso, tal não viola manifestamente as disposições claras do Código Aduaneiro, uma vez que o mesmo permite requisitos de prova divergentes.

5.      O direito da União não se opõe a que o princípio de direito nacional da autoridade de caso julgado impeça a fixação de uma dívida aduaneira em razão do incumprimento de obrigações nos termos do artigo 79.°, n.° 1, alínea a), do Regulamento n.° 952/2013, quando um órgão jurisdicional nacional, no âmbito de um processo de sanção, já tenha negado com autoridade de caso julgado o incumprimento de obrigações aduaneiras no mesmo período.


1      Língua original: alemão.


2      Esta abreviatura significa «Convention relative au contrat de transport international de marchandises par route» (Convenção relativa ao Contrato de Transporte Internacional de Mercadorias por Estrada).


3      Regulamento (EU) n.° 952/2013 do Parlamento Europeu e do Conselho, de 9 de outubro de 2013, que estabelece o Código Aduaneiro da União (reformulação), com a redação de 14 de dezembro de 2016 (JO, de 23 de dezembro de 2016).


4      Regulamento Delegado (UE) 2015/2446 da Comissão, de 28 de julho de 2015, que completa o Regulamento (UE) n.° 952/2013 do Parlamento Europeu e do Conselho, com regras pormenorizadas relativamente a determinadas disposições do Código Aduaneiro da União, com a redação de 28 de julho de 2015 (JO 2015, L 343, p. 1).


5      Regulamento de Execução (UE) 2015/2447 da Comissão, de 24 de novembro de 2015, que estabelece as regras de execução de determinadas disposições do Regulamento (UE) n.° 952/2013 do Parlamento Europeu e do Conselho que estabelece o Código Aduaneiro da União, com a redação de 18 de abril de 2018 (JO 2015, L 343, p. 558).


6      Assim, p. ex., Acórdão de 6 de setembro de 2012, Eurogate Distribution (C‑28/11, EU:C:2012:533, n.os 27 e segs. relativo ao regime de entreposto aduaneiro). Em sentido semelhante relativamente ao processo de aperfeiçoamento: Acórdão de 6 de setembro de 2012, Döhler Neuenkirchen (C‑262/10, EU:C:2012:559, n.° 41) — «os seus beneficiários estão obrigados ao estrito respeito das obrigações que dele decorrem».


7      Jurisprudência constante: v. Acórdão de 14 de julho de 2022, Sense Visuele Communicatie en Handel vof (C‑36/21, EU:C:2022:556, n.° 26); v., neste sentido, igualmente, Acórdãos de 7 de agosto de 2018, Ministru kabinets (C‑120/17, EU:C:2018:638, n.° 48), e de 26 de abril de 1988, Krücken (316/86, EU:C:1988:201, n.° 22)


8      Jurisprudência constante: v. Acórdãos de 14 de julho de 2022, Sense Visuele Communicatie en Handel vof (C‑36/21, EU:C:2022:556, n.° 28), de 20 de dezembro de 2017, Erzeugerorganisation Tiefkühlgemüse (C‑516/16, EU:C:2017:1011, n.° 69), de 20 de junho de 2013, Agroferm (C‑568/11, EU:C:2013:407, n.° 52), e de 26 de abril de 1988, Krücken (316/86, EU:C:1988:201, n.° 24).


9      V. as minhas Conclusões no processo Agroferm (C‑568/11, EU:C:2013:35, n.° 59), e Acórdão de 14 de setembro de 2006, Elmeka (C‑181/04 a C‑183/04, EU:C:2006:563, n.° 32 e jurisprudência referida).


10      Acórdãos de 9 de abril de 2024, Profi Credit Polska (Reabertura do processo encerrado por uma decisão transitada em julgado) (C‑582/21, EU:C:2024:282, n.° 37); de 16 de julho de 2020, UR (Sujeição dos advogados ao IVA) (C‑424/19, EU:C:2020:581, n.° 22); de 4 de março de 2020, Telecom Italia (C‑34/19, EU:C:2020:148, n.° 64); de 11 de setembro de 2019, Călin (C‑676/17, EU:C:2019:700, n.° 26); e de 3 de setembro de 2009, Fallimento Olimpiclub (C‑2/08, EU:C:2009:506, n.° 22).


11      Acórdãos de 16 de julho de 2020, UR (Sujeição dos advogados ao IVA) (C‑424/19, EU:C:2020:581, n.° 23), e de 11 de setembro de 2019, Călin (C‑676/17, EU:C:2019:700, n.° 27 e jurisprudência referida).


12      Acórdãos de 16 de julho de 2020, UR (Sujeição dos advogados ao IVA) (C‑424/19, EU:C:2020:581, n.° 25); de 4 de março de 2020, Telecom Italia (C‑34/19, EU:C:2020:148, n.° 58); de 10 de julho de 2014, Impresa Pizzarotti (C‑213/13, EU:C:2014:2067, n.° 54); e de 3 de setembro de 2009, Fallimento Olimpiclub (C‑2/08, EU:C:2009:506, n.° 24).


13      Acórdão de 16 de julho de 2020, UR (UR (Sujeição dos advogados ao IVA) (C‑424/19, EU:C:2020:581, n.os 31 e 32).


14      Acórdão de 20 de março de 2018, Di Puma e Zecca (C‑596/16 e C‑597/16, EU:C:2018:192, n.° 35).


15      Acórdão de 20 de março de 2018, Di Puma e Zecca (C‑596/16 e C‑597/16, EU:C:2018:192, n.° 35).


16      Tal seria possível no presente caso, uma vez que o Tribunal de Justiça considera este princípio aplicável nas relações entre processo penal e processo tributário. V. Acórdão de 20 de março de 2018, Menci (C‑524/15, EU:C:2018:197). Neste sentido, não parece ser de excluir que este princípio também possa ser aplicável na relação entre o processo de sanção administrativa e o processo tributário.


17      V. as considerações muito vastas no Acórdão de 7 de abril de 2022, Avio Lucos (C‑116/20, EU:C:2022:273, n.° 97 e n.° 105).


18      Acórdão de 2 de abril de 2020, CRPNPAC e Vueling Airlines (C‑370/17 e C‑37/18, EU:C:2020:260, n.os 95 e segs.).