Language of document : ECLI:EU:T:2010:396

ACÓRDÃO DO TRIBUNAL GERAL (Sexta Secção)

13 de Setembro de 2010 (*)

«Marca comunitária – Pedido de marca comunitária que consiste numa tonalidade da cor laranja – Motivo absoluto de recusa – Falta de carácter distintivo – Artigo 7.°, n.° 1, alínea b), do Regulamento (CE) n.° 40/94 [actual artigo 7.°, n.° 1, alínea b), do Regulamento (CE) n.° 207/2009]»

No processo T‑97/08,

KUKA Roboter GmbH, com sede em Augsburg (Alemanha), representada por A. Kohn e B. Hannemann, advogados,

recorrente,

contra

Instituto de Harmonização do Mercado Interno (marcas, desenhos e modelos) (IHMI), representado por R. Pethke, na qualidade de agente,

recorrido,

que tem por objecto um recurso interposto da decisão da Quarta Câmara de Recurso do Instituto de Harmonização do Mercado Interno (marcas, desenhos e modelos) de 14 de Dezembro de 2007 (processo R 1572/2007‑4), relativa a um pedido de registo de uma tonalidade da cor laranja como marca comunitária,

O TRIBUNAL GERAL (Sexta Secção),

composto por: A. W. H. Meij (relator), presidente, S. Papasavvas e L. Truchot, juízes,

secretário: C. Heeren, administradora,

vista a petição entrada na Secretaria do Tribunal Geral em 20 de Fevereiro de 2008,

vista a contestação apresentada na Secretaria do Tribunal Geral em 4 de Junho de 2008,

após a audiência de 17 de Junho de 2010,

profere o presente

Acórdão

 Antecedentes do litígio

1        Em 29 de Agosto de 2005, a recorrente, KUKA Roboter GmbH, submeteu um pedido de marca comunitária ao Instituto de Harmonização do Mercado Interno (marcas, desenhos e modelos) (a seguir «Instituto»), nos termos do Regulamento (CE) n.° 40/94 do Conselho, de 20 de Dezembro de 1993, sobre a marca comunitária (JO L 11, p. 1), conforme alterado [substituído pelo Regulamento (CE) n.° 207/2009 do Conselho, de 26 de Fevereiro de 2009, sobre a marca comunitária (JO L 78, p. 1)].

2        O sinal cujo registo foi requerido é a seguinte tonalidade da cor laranja:

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3        Os produtos para os quais o registo da marca foi requerido integram, após a limitação ocorrida no decurso do processo perante o IHMI, a classe 7 do Acordo de Nice relativo à Classificação Internacional dos Produtos e dos Serviços para o registo de marcas, de 15 de Junho de 1957, revisto e alterado, e correspondem à seguinte descrição: «Robots de braços articulados para manipular, tratar e soldar, com excepção dos robots para salas de operações, robots médicos e robots para lacar; peças dos produtos referidos».

4        Por decisão de 7 de Agosto de 2007, o examinador rejeitou o pedido de registo com base no artigo 7.°, n.° 1, alínea b), do Regulamento n.° 40/94 [actual artigo 7.°, n.° 1, alínea b), do Regulamento (CE) n.° 207/2009], com o fundamento de que a marca pedida não possui carácter distintivo.

5        Em 2 de Outubro de 2007, a recorrente, com base nos artigos 57.° a 62.° do Regulamento n.° 40/94 (actuais artigos 58.° a 64.° do Regulamento 207/2009), interpôs recurso da decisão do examinador.

6        Por decisão de 14 de Dezembro de 2007 (a seguir «decisão impugnada»), a Quarta Câmara de Recurso do Instituto negou provimento ao recurso com base no facto de a marca requerida não possuir carácter distintivo na acepção do artigo 7.°, n.° 1, alínea b), do Regulamento n.° 40/94. Considerou, em substância, que o público pertinente não apreende a cor visada pelo pedido de marca comunitária como sendo uma indicação, em si mesma, da origem comercial dos produtos em questão.

 Pedidos das partes

7        A recorrente conclui pedindo que o Tribunal se digne:

–        anular a decisão recorrida;

–        condenar o Instituto nas despesas;

8        O Instituto conclui pedindo que o Tribunal se digne:

–        negar provimento ao recurso;

–        condenar a recorrente nas despesas.

 Questão de direito

 Quanto à admissibilidade dos elementos de prova apresentados ao Tribunal

9        Em apoio da sua tese segundo a qual a marca requerida goza de carácter distintivo intrínseco, na acepção do artigo 7.°, n.° 1, alínea b), do Regulamento n.° 40/94, a recorrente, por carta de 25 de Março de 2009, apresentou os resultados de dois inquéritos de 27 de Junho de 2008, consistindo o primeiro num inquérito telefónico na Alemanha, na China, nos EUA e em Itália, e o segundo num questionário submetido ao público no decurso do salão profissional Automatica 2008, realizado em Junho de 2008, em Munique (Alemanha). A recorrente apresentou igualmente um CD‑ROM contendo brochuras publicitárias de diversos fabricantes, bem como fotos dos stands de diferentes empresas do sector, representadas nos salões profissionais.

10      Por carta de 12 de Maio de 2009, o Instituto contestou a admissibilidade dos referidos documentos, alegando que constituem elementos novos.

11      Para além de estes documentos terem sido apresentados tardiamente no decurso do processo no Tribunal Geral, em violação do artigo 48.°, n.° 1, do Regulamento de Processo sem justificação pelo atraso na apresentação, importa referir que, segundo jurisprudência assente, o recurso para o Tribunal Geral visa o controlo da legalidade das decisões das Câmaras de Recurso do Instituto na acepção do artigo 63.° do Regulamento n.° 40/94 (actual artigo 65.° do Regulamento n.° 207/2009), de modo que a função do Tribunal Geral não consiste em reexaminar as circunstâncias de facto à luz dos documentos nele apresentados pela primeira vez [v., neste sentido, acórdão do Tribunal de Primeira Instância de 24 de Novembro de 2005, Sadas/IHMI – LTJ Diffusion (ARTHUR ET FELICIE), T‑346/04, Colect., p. II‑4891, n.° 19 e jurisprudência referida]. Assim, a legalidade de uma decisão da Câmara de Recurso só pode ser questionada através da invocação de factos novos no Tribunal Geral se se demonstrar que a Câmara de Recurso devia ter tomado oficiosamente em consideração esses factos no decurso do procedimento administrativo antes de tomar qualquer decisão sobre o caso [acórdão do Tribunal de Primeira Instância de 12 de Dezembro de 2002, eCopy/OHMI (ECOPY), T‑247/01, Colect., p. II‑5301, n.° 46].

12      No caso concreto, uma vez que os documentos apresentados pela recorrente manifestamente não se prendem com factos que devessem ser tidos em conta oficiosamente pela Câmara de Recurso por força do artigo 74.°, n.° 1, do Regulamento n.° 40/94 (actual artigo 76.°, n.° 1, do Regulamento n.° 207/2009), há que pôr de parte os documentos em causa, sem que seja necessário analisar a respectiva força probatória.

 Quanto ao mérito

13      Em apoio do seu recurso, a recorrente invoca três fundamentos, relativos, respectivamente, à violação do artigo 28.° CE, à violação do artigo 7.°, n.° 1, b), do artigo 73.° (actual artigo 75.° do Regulamento n.° 207/2009) e do artigo 74.° do Regulamento n.° 40/94 e, por fim, a um desvio de poder.

14      Importa analisar desde logo o segundo fundamento, em seguida o terceiro fundamento e, por fim, o primeiro fundamento.

 Quanto ao segundo fundamento, relativo à violação do artigo 7.°, n.° 1, alínea b), bem como dos artigos 73.° e 74.° do Regulamento n.° 40/94

–       Argumentos das partes

15      A recorrente defende que a Câmara de Recurso considerou sem razão que a marca requerida não possui carácter distintivo no tocante aos produtos visados.

16      Desde logo, a recorrente alega que a Câmara de Recurso não teve em conta o alcance do acórdão do Tribunal de Justiça de 6 de Maio de 2003, Libertel Groep (C‑104/01, Colect., p. I‑3793), do qual resulta que o registo de uma cor como marca comunitária só está excluído se a cor não possuir carácter distintivo. Assim, todo e qualquer carácter distintivo de uma marca, ainda que limitado, deve permitir o seu registo.

17      A recorrente defende que os critérios enunciados pelo Tribunal de Justiça no acórdão Libertel, já referido, estão preenchidos no presente caso. Com efeito, a marca requerida visa apenas um tipo de produto específico, a saber robots de braços articulados para manipular, tratar e soldar, com excepção dos robots para salas de operações, robots médicos e robots para lacar. Por outro lado, a marca em causa é muito específica, na medida em que, em primeiro lugar, os robots visados pela marca requerida são bens de investimento de longa duração cujo valor unitário em euros inclui pelo menos cinco algarismos, em segundo lugar, os robots são empregues em aplicações altamente especializadas e, em terceiro lugar, a aquisição de um robot da recorrente implica importantes trabalhos de adaptação pelo adquirente.

18      Em seguida, a recorrente contesta a análise da Câmara de Recurso quanto ao público pertinente, que consta dos n.os19 e 20 da decisão impugnada, e alega que este é composto, no caso concreto, por adquirentes e negociantes de robots de braços articulados para manipular, tratar e soldar, que têm um bom conhecimento do mercado destes produtos na Europa. Opõe‑se, assim, à apreciação da Câmara de Recurso segundo a qual faz parte do público em causa não apenas o adquirente destes produtos visados pela marca requerida, mas também o pessoal técnico que trabalha nas fábricas em que estes robots se encontram.

19      A recorrente contesta a existência de um imperativo de disponibilidade em matéria de cores, devido ao reduzido número de cores susceptíveis de serem distinguidas. Alega que podem ser registadas marcas nominativas que comportam apenas alguns sinais, mesmo se estas provêm de um stock que não é ilimitado. Sublinha, além disso, que a monopolização da marca pedida só diz respeito a um conjunto de bens limitado. Acresce que, segundo a recorrente, o registo da marca requerida não obsta a que as empresas concorrentes comercializem robots de cor laranja, não constituindo essa comercialização uma utilização da marca requerida na acepção do artigo 9.° do Regulamento n.° 40/94 (actual artigo 9.° do Regulamento n.° 207/2009). A este respeito, insiste na circunstância de que, em princípio, os clientes escolhem a cor do produto aquando da encomenda, pelo que está excluído que um concorrente da recorrente seja impedido de vender robots cor de laranja. A marca requerida opõe‑se unicamente a que se utilize esta cor para fins publicitários e promocionais, por exemplo em feiras ou em brochuras.

20      Além disso, nenhum interesse geral se opõe ao registo da marca requerida. Esta última não é objecto de um uso descritivo e não prossegue um objectivo técnico.

21      A recorrente contesta igualmente a observação da Câmara de Recurso segundo a qual a marca requerida é muito próxima da cor do mínio, um agente de tratamento anti‑corrosão. Por um lado, as cores em questão são claramente distintas. Por outro lado, a utilização do mínio é proibida pela Directiva 2002/95/CE do Parlamento Europeu e do Conselho, de 27 de Janeiro de 2003, relativa à restrição do uso de determinadas substâncias perigosas em equipamentos eléctricos e electrónicos (JO L 37, p. 19). Por último, os robots da recorrente são essencialmente compostos de alumínio fundido, um material que não carece de tratamento anti‑corrosão.

22      A recorrente alega ainda que não se pode considerar que o número de pedidos de marcas tendo por objecto uma cor vermelha ou laranja sem contorno indica que a marca pedida não é invulgar e, por conseguinte, não possui carácter distintivo. Em seu entender, o simples número de pedidos de marcas submetidos relativos a cores sem contorno é irrelevante, devendo a Câmara de Recurso efectuar uma avaliação da marca requerida em cada caso concreto, tendo em conta os produtos e serviços visados pela marca requerida.

23      A recorrente defende que, ao considerar, no n.° 20 da decisão impugnada, que o público em causa decide sobre a aquisição dos produtos em causa apenas com base nos aspectos técnicos e económicos dos mesmos e não em função da sua cor, a Câmara de Recurso não teve em conta que a cor permite ao público em causa atribuir o produto a um determinado fabricante e fazer uma ideia da sua qualidade. A este respeito, a recorrente remete para as brochuras publicitárias apresentadas perante a Câmara de Recurso, de onde resulta que a cor dos robots de braços articulados para manipular, tratar e soldar constitui, nos meios interessados, uma indicação da origem comercial.

24      Além disso, a recorrente defende que o documento intitulado «Icon Added Value» relativo a um inquérito efectuado em 2005, cuja representatividade quanto ao conjunto da União Europeia é provada pelo documento intitulado «World Robotics 2006», apresentado perante a Câmara de Recurso, demonstra que o público em causa estabelece uma relação entre uma cor e a origem dos produtos. Segundo a recorrente, o mercado dos robots funciona de acordo com outras leis que não as dos mercados de bens de consumo. Contesta, por outro lado, que o inquérito realizado junto do público em causa assente numa questão mal colocada. Com efeito, a referência do fabricante não é de molde a falsear os resultados.

25      Por fim, a recorrente considera que a Câmara de Recurso violou os artigos 73.° e 74.° do Regulamento n.° 40/94, na medida em que não efectuou uma análise dos factos e das circunstâncias do caso concreto. Por este motivo, a decisão impugnada está também insuficientemente fundamentada.

26      O Instituto contesta o mérito dos argumentos da recorrente.

–       Apreciação do Tribunal Geral

27      Nos termos do artigo 7.°, n.° 1, alínea b), do Regulamento n.° 40/94, será recusado o registo de «marcas desprovidas de carácter distintivo». Além disso, o artigo 7.°, n.° 2, do Regulamento n.° 40/94 (actual artigo 7.°, n.° 2, do Regulamento n.° 207/2009) estabelece que o «n.° 1 é aplicável mesmo que os motivos de recusa apenas existam numa parte da Comunidade».

28      O carácter distintivo de uma marca, na acepção do artigo 7.°, n.° 1, alínea b), do Regulamento n.° 40/94, significa que essa marca permite identificar o produto para o qual é pedido o registo como proveniente de uma empresa determinada e, portanto, distinguir esse produto dos das outras empresas (acórdão do Tribunal de Justiça de 29 de Abril de 2004, Henkel/IHMI, C‑456/01 P e C‑457/01 P, Colect., p. I‑5089, n.° 34).

29      Esse carácter distintivo deve ser apreciado, por um lado, relativamente aos produtos ou serviços para os quais o registo foi pedido e, por outro, em relação à percepção que deles tem o público pertinente (acórdão Henkel/IHMI, já referido, n.° 35).

30      Para determinar se uma cor é só por si apta para distinguir os produtos ou os serviços de uma empresa dos de outras empresas na acepção do artigo 4.° do Regulamento n.°40/94 (actual artigo 4.° do Regulamento n.° 207/2009), há que apreciar se as cores são por elas mesmas susceptíveis de transmitir informações precisas, designadamente quanto à origem de um produto ou de um serviço (v., por analogia, acórdãos do Tribunal de Justiça Libertel, já referido, n.° 39, e de 24 de Junho de 2004, Heidelberger Bauchemie, C‑49/02, Colect., p. I‑6129, n.° 37).

31      A este respeito, deve recordar‑se que, embora as cores sejam adequadas a veicular determinadas associações de ideias e a suscitar sentimentos, em contrapartida, pela sua natureza, são pouco susceptíveis de comunicar informações precisas. São‑no tanto menos quanto é certo que são habitual e amplamente utilizadas na publicidade e na comercialização de produtos e serviços pelo seu poder de atracção, independentemente de toda e qualquer mensagem precisa. (acórdãos Libertel, já referido, n.° 40, e Heidelberger Bauchemie, já referido, n.° 38).

32      A percepção do público não é necessariamente a mesma no caso de um sinal que é constituído por uma cor do que no caso de uma marca nominativa ou figurativa, que consiste num sinal independente do aspecto dos produtos que designa. Com efeito, embora o público apreenda habitualmente de imediato as marcas nominativas ou figurativas como sinais identificadores da origem do produto, assim não sucede necessariamente quando um sinal se confunde com o aspecto do produto para o qual é pedido o registo do sinal como marca (acórdãos do Tribunal de Justiça Libertel, já referido, n.° 65, e de 21 de Outubro de 2004, KWS Saat/OHMI, C‑447/02 P, Colect., p. I‑10107, n.° 78).

33      No caso de uma cor, a existência de um carácter distintivo antes de qualquer utilização só é de conceber em circunstâncias excepcionais, designadamente quando o número de produtos ou serviços para os quais é pedida a marca é muito limitado e o mercado relevante muito específico (acórdãos Libertel, já referido, n.° 66, e KWS Saat/IHMI, já referido, n.° 79).

34      Importa igualmente sublinhar que, na medida em que o direito de marca constitui um elemento essencial do sistema de concorrência leal estabelecido pelo Tratado, os direitos e as faculdades que a marca confere ao seu titular devem ser analisados em função deste objectivo. Ora, tendo em conta que a marca registada confere ao seu titular, em relação a produtos ou serviços determinados, um direito exclusivo que lhe permite monopolizar o sinal registado como marca sem limitações no tempo, a possibilidade de registar uma marca pode ser objecto de restrições com base no interesse público (v., por analogia, acórdão Libertel, já referido, n.os 48 a 50).

35      A este respeito, o número reduzido de cores efectivamente disponíveis tem como resultado que um pequeno número de registos como marcas para produtos ou serviços determinados pode esgotar toda a paleta de cores disponíveis. Um monopólio assim entendido não seria compatível com o sistema de concorrência leal, designadamente na medida em que poderia criar uma vantagem concorrencial ilegítima a favor de um só operador económico. Deve, por isso, reconhecer‑se, no campo do direito das marcas, um interesse geral em não limitar indevidamente a disponibilidade das cores para os restantes operadores que oferecem produtos ou serviços do tipo daqueles para os quais o registo é pedido (acórdão Libertel, já referido, n.os 54 e 55).

36      É à luz destas considerações que importa analisar o presente fundamento relativo à violação do artigo 7.°, n.° 1, alínea b), do Regulamento n.° 40/94.

37      No que diz respeito ao público pertinente, a Câmara de Recurso teve em conta, por um lado, no n.° 19 da decisão impugnada, a percepção dos robots de braços articulados para manipular, tratar e soldar, por parte do pessoal técnico numa sala de máquinas, isto é os profissionais encarregues de pilotar ou fazer funcionar estes robots e, por outro lado, no n.° 20 da decisão impugnada, a percepção das empresas que adquirem estes robots.

38      A recorrente contesta que o público pertinente inclua igualmente o pessoal técnico que trabalha nas fábricas onde estes robots se encontram. Quanto a este ponto, basta recordar, como fez o IHMI com razão, que, embora o pessoal técnico não participe directamente na decisão de aquisição dos robots, não pode excluir‑se que, em determinadas empresas, influencia esta decisão, uma vez que está directamente exposto à sua colocação em serviço e utilização quotidiana. A Câmara de Recurso não cometeu, por isso, qualquer erro ao ter em conta, por um lado, a percepção do pessoal técnico, e, por outro, a dos quadros da empresa responsáveis pela escolha e aquisição dos produtos visados pela marca requerida, com o fim de apreciar o carácter distintivo desta última.

39      Decorre inequivocamente, em todo o caso, da decisão impugnada que a Câmara de Recurso tomou em consideração um público profissional particularmente atento, nas decisões de compra, às funções técnicas das referidas máquinas, incluindo, designadamente, as respectivas finalidades, modelos ou aspectos ligados à segurança no trabalho.

40      No que diz respeito à apreciação do carácter distintivo do sinal requerido, note‑se, como indicou a Câmara de Recurso nos n.os 11 e 12 da decisão impugnada, que a marca requerida consiste numa cor única, a saber uma tonalidade da cor laranja sem delimitação no espaço, susceptível de cobrir total ou parcialmente quer os produtos visados pela marca requerida quer a sua embalagem, ou, se for caso disso, de ser utilizada na publicidade de tais produtos.

41      Nos n.os 12 e 16 a 20 da decisão impugnada, a Câmara de Recurso concluiu pela falta de carácter distintivo da marca requerida por esta não ser apercebida como indicação da origem dos produtos em causa. Com efeito, considerou, em substância, que a cor requerida não é invulgar no sector dos robots industriais e da construção de instalações e não é, em si mesma, a tal ponto excepcional que possa ser considerada chamativa no sector considerado.

42      Ora, a recorrente não demonstra que a Câmara de Recurso tenha cometido um erro neste ponto. Com efeito, há que sublinhar que os consumidores não têm por hábito presumir a origem dos produtos com base na respectiva cor ou na da sua embalagem, na ausência de todo e qualquer elemento gráfico ou textual, uma vez que uma cor não é em si mesma utilizada, em princípio, como meio de identificação nos usos comerciais actuais. A propriedade inerente de distinguir os produtos de uma determinada empresa não existe normalmente numa cor (acórdão Libertel, já referido, n.° 65).

43      A este respeito, há que ter presente que a Câmara de Recurso declarou no n.° 26 da decisão impugnada, sem ser contestada neste ponto pela recorrente, que, no sector em causa, os robots industriais são habitualmente comercializados nas mais diversas cores. Ora, a recorrente não apresentou nenhum elemento que demonstre que, no sector em causa, as cores que revestem os robots industriais são geralmente apreendidas como indicando a origem comercial desses produtos.

44      Em qualquer caso, deve sublinhar‑se que o imperativo de disponibilidade das cores, que norteia a interpretação do artigo 7.°, n.° 1, alínea b), do Regulamento n.° 40/94, tende a constituir, salvo circunstâncias excepcionais, um obstáculo ao registo de uma marca que tem por objecto uma cor.

45      A este respeito, no que se refere à contestação pela recorrente do imperativo de disponibilidade das cores no sector dos robots de braços articulados, há que sublinhar que o registo enquanto marca comunitária de uma tonalidade da cor laranja não conduziria à monopolização dessa mesma tonalidade, mas obstaria a que as empresas concorrentes fizessem uso de qualquer tonalidade da cor laranja, ou ainda de cores que se lhe assemelhem, uma vez que não é de excluir que possa ser demonstrado um risco de confusão entre a tonalidade da cor laranja que é objecto do pedido de marca no caso concreto e outras tonalidades da cor laranja. Ora, atento o carácter particularmente limitado do número de cores disponíveis, a monopolização de uma determinada cor e, logo, potencialmente de toda a gama de cores disponíveis e tonalidades que se assemelhem seria susceptível de conduzir a um esgotamento rápido de toda a gama de cores disponíveis e de atribuir a certos operadores económicos uma vantagem concorrencial incompatível com um sistema de concorrência não falseada e com o interesse geral de não restringir indevidamente a disponibilidade das cores para os demais operadores económicos (v., neste sentido, acórdão Libertel, já referido, n.os 54 e 56).

46      No caso concreto, há que considerar que a recorrente não apresentou perante a Câmara de Recurso elementos que permitam considerar que se verificam circunstâncias excepcionais no presente processo e, designadamente, que o número de produtos para os quais a marca é requerida é tão limitado e o mercado pertinente tão específico que, por um lado, uma cor em si mesma é capaz de indicar a origem comercial dos produtos nos quais está aposta e que, por outro, a sua monopolização não cria uma vantagem comercial ilegítima a favor do titular da marca, contrária ao interesse público.

47      Com efeito, a recorrente invoca, a este respeito, as especificidades do sector em causa, atendendo designadamente ao facto de os robots visados pela marca requerida constituírem produtos muito específicos, serem bens de investimento de longa duração, onerosos, empregues em aplicações altamente especializadas e de a aquisição de um robot implicar importantes trabalhos de adaptação por parte do adquirente. Todavia, estes elementos não modificam a circunstância, referida pela Câmara de Recurso no n.° 26 da decisão impugnada, de ser habitual, no sector dos produtos em causa, que estes estejam disponíveis nas mais diversas cores. Quanto a este ponto, a própria recorrente alega que os clientes escolhem as cores dos produtos no momento da encomenda. É, por isso, forçoso considerar que, no sector visado, o público pertinente está habitualmente em contacto com os produtos em causa em diversas cores, sem que estas últimas sejam apreendidas como indicando a origem comercial dos referidos produtos.

48      Além disso, a recorrente não explica em que medida os elementos que invoca permitem considerar que, no sector visado, o registo da marca requerida não prejudica o interesse geral de não restringir indevidamente a disponibilidade das cores.

49      A recorrente defende, contudo, que pretende utilizar a marca requerida apenas para fins publicitários e promocionais e que o registo da mesma não irá obstar à livre escolha pelas sociedades concorrentes de cores susceptíveis de aplicação nos seus robots. A este respeito, há que recordar que, por força do artigo 9.° do Regulamento n.° 40/94, o direito exclusivo conferido por uma marca comunitária dá ao seu titular os meios jurídicos para proibir a qualquer terceiro a utilização na vida comercial de um sinal semelhante ou idêntico. O artigo 9.°, n.° 2, do Regulamento n.° 40/94 (actual artigo 9.°, n.° 2, do Regulamento n.° 207/2009) permite que se proíba, designadamente, apor o sinal nos produtos ou na respectiva embalagem, oferecer os produtos, colocá‑los no comércio ou possuí‑los para esses fins, ou oferecer ou prestar serviços sob esse sinal, importar ou exportar produtos sob esse sinal, utilizar o sinal em documentos comerciais e na publicidade.

50      A recorrente não pode, assim, defender que a aposição pelas sociedades concorrentes da cor laranja nos seus robots não constituiria uma utilização da marca requerida na acepção do artigo 9.° do Regulamento n.° 40/94.

51      Além disso, deve referir‑se que um conceito de comercialização depende unicamente da opção da empresa em questão, pelo que pode ser modificado posteriormente ao registo de um sinal como marca comunitária e não pode, portanto, ter qualquer incidência na apreciação do seu carácter do seu carácter registável [acórdão do Tribunal de Primeira Instância de 20 de Março de 2002, DaimlerChrysler/IHMI (TELE AID), T‑355/00, Colect., p. II‑1939, n.° 42]. Assim, embora a recorrente defenda que só utilizará a marca requerida para fins publicitários, não pode excluir‑se que exerça o seu direito exclusivo de modo a proibir os seus concorrentes de aplicarem a tonalidade da cor laranja em causa no presente caso nos seus próprios robots. Como tal, o argumento da recorrente de que o uso da marca requerida será limitado a fins publicitários não pode utilmente influir na apreciação da exigência de disponibilidade do sinal pedido.

52      A recorrente tem, contudo, razão quando afirma que a circunstância, referida pela Câmara de Recurso no n.° 20 da decisão impugnada, de o público em causa decidir sobre a aquisição dos produtos em causa apenas com base nos respectivos aspectos técnicos ou económicos é irrelevante para a questão de saber se uma cor é susceptível em si mesma de indicar a origem comercial dos produtos. Esta consideração não permite, todavia, concluir que a Câmara de Recurso cometeu um erro ao entender que o artigo 7.°, n.° 1, alínea b), do Regulamento n.° 40/94 se opunha ao registo da marca pedida, atentos os demais elementos tidos em conta na decisão impugnada.

53      Do mesmo modo, os argumentos da recorrente contestando a pertinência das considerações da Câmara de Recurso segundo as quais, por um lado, a cor objecto da marca requerida é próxima da cor do mínio, um agente anticorrosão e, por outro, um grande número de decisões do Instituto respeitam a pedidos de registo de tonalidades que vão do vermelho ao laranja, também não permitem pôr em causa a justeza da conclusão da Câmara de recurso, tendo em conta as considerações dos n.os 42 a 48 supra.

54      A recorrente afirma ainda que o documento intitulado «Icon Added Value» demonstra que, no sector em causa, o público pertinente estabelece uma relação entre uma cor e a origem dos produtos.

55      A este respeito, há, contudo, que concluir que o questionário do inquérito descrito neste documento inclui questões cuja formulação e ordem eram fortemente de molde a influenciar os resultados da sondagem. Com efeito, o questionário em causa compõe‑se de três partes. A primeira parte, a saber as questões K1 a K10, centra‑se totalmente na imagem que a pessoa interrogada faz da recorrente e, como nota a Câmara de Recurso, convida‑a a elaborar uma imagem desta. A segunda parte, a saber as questões HW1 a HW3, diz respeito a determinados concorrentes da recorrente e não menciona esta última. A terceira parte, composta por cinco questões, inclui duas questões visando comparar a recorrente a um dos seus concorrentes. Nesta terceira parte, situa‑se na penúltima posição uma questão que convida as pessoas sondadas a atribuir cores à recorrente e a três dos seus concorrentes.

56      Assim, tanto o conteúdo das questões como a ordem em que se sucedem informavam as pessoas sondadas do facto de que este questionário se concentrava na recorrente. Nestas condições, a questão que consistia em perguntar às pessoas interrogadas qual a cor que associavam à recorrente não permite determinar se, no sector em causa, a tonalidade da cor laranja que é objecto do pedido de marca possuía um carácter distintivo intrínseco na acepção do artigo 7.°, n.° 1, alínea b), do Regulamento n.° 40/94, nem se o público pertinente apreendia as cores como uma indicação da origem comercial dos produtos. Como a Câmara de Recurso indicou com razão no n.° 25 da decisão impugnada, o método utilizado é susceptível de ser pertinente para demonstrar um carácter distintivo adquirido pelo uso do sinal requerido, na acepção do artigo 7.°, n.° 3, do Regulamento n.° 40/94 (actual artigo 7.°, n.° 3, do Regulamento n.° 207/2009). Tal não é todavia o fundamento em que assentou o pedido apresentado no presente caso.

57      Face ao exposto, não é de considerar que a Câmara de Recurso tenha cometido um erro ao concluir que, atenta a formulação e a ordem das questões do questionário em causa, os resultados do documento intitulado «Icon Added Value» não permitiam apurar os hábitos em matéria de marcas no sector em causa, nem provar o carácter distintivo intrínseco do sinal requerido, na acepção do artigo 7.°, alínea b), do Regulamento n.° 40/94.

58      Por conseguinte, o argumento da recorrente segundo o qual a representatividade quanto ao conjunto da União do documento intitulado «Icon Added Value» é demonstrada pelo documento «World Robotics 2006» carece de pertinência.

59      Quanto ao argumento da recorrente segundo o qual a Câmara de Recurso não fundamentou suficientemente a decisão recorrida, note‑se que, nos termos do artigo 73.° do Regulamento 40/94, o dever de fundamentação das decisões do Instituto deve permitir dar a conhecer, sendo caso disso, as razões do indeferimento do pedido de registo e impugnar utilmente a decisão controvertida [v. acórdão do Tribunal de Primeira Instância de 9 de Outubro de 2002, KWS Saat/OHMI (tom de laranja), T‑173/00, Colect., p. II‑3843, n.° 55 e jurisprudência referida].

60      No caso concreto, decorre da decisão impugnada que a Câmara de Recurso indicou os diferentes elementos a ter em consideração para determinar se uma cor é distintiva, a saber, designadamente, a percepção da marca requerida pelo público pertinente, o carácter habitual dessa cor e os hábitos em matéria de marcas no sector em causa. A Câmara de Recurso fez em seguida uma análise não apenas da percepção em geral de uma tonalidade da cor laranja, mas também do contexto específico do sector dos robots industriais, com base em elementos de prova apresentados pela recorrente. Assim, a recorrente dispunha dos elementos necessários para compreender a decisão recorrida e contestar a respectiva legalidade perante o órgão jurisdicional da União. Por conseguinte, não há que considerar que a Câmara de Recurso violou o artigo 73.° do Regulamento n.° 40/94.

61      Por fim, quanto ao argumento da recorrente segundo o qual a Câmara de Recurso não efectuou uma análise individual e concreta dos factos e das circunstâncias do caso em apreço, em conformidade com o artigo 74.°, n.° 1, do Regulamento 40/94, há que concluir que a Câmara de Recurso, conforme resulta designadamente dos n.os 22 a 25 da decisão impugnada, examinou os factos pertinentes apresentados pela própria recorrente para avaliar o carácter distintivo da marca requerida no que respeita os produtos visados pelo pedido de registo. Há, por isso, que concluir que a Câmara de Recurso não violou o artigo 74.°, n.° 1, do Regulamento n.° 40/94.

62      À luz do que precede, há que julgar improcedente o segundo fundamento.

 Quanto ao terceiro fundamento, relativo a desvio de poder

–       Argumentos das partes

63      A recorrente defende que a decisão impugnada enferma de desvio de poder, na medida em que assenta em considerações que a recorrente considera ter demonstrado serem desprovidas de pertinência.

64      O Instituto contesta a justeza dos argumentos da recorrente.

–       Apreciação do Tribunal Geral

65      Deve recordar‑se que, segundo jurisprudência assente, o conceito de desvio de poder tem um alcance preciso em direito comunitário e refere‑se à situação em que uma autoridade administrativa utiliza os seus poderes com um objectivo diverso daquele para que lhe foram conferidos. Uma decisão só está viciada por desvio de poder quando se verifique, com base em indícios objectivos, pertinentes e concordantes, ter sido tomada para alcançar fins diversos dos invocados [acórdãos do Tribunal de Primeira Instância de 24 de Abril de 1996, Industrias Pesqueras Campos e o./Comissão, T‑551/93 e T‑231/94 a T‑234/94, Colect., p. II‑247, n.° 168, e de 12 de Janeiro de 2000, DKV/IHMI (COMPANYLINE), T‑19/99, Colect., p. II‑1, n.° 33].

66      Ora, no presente caso, a recorrente não provou e nem sequer alegou a existência de tais indícios. Mais precisamente, mesmo admitindo que a Câmara de Recurso, como pretende a recorrente, tenha baseado a decisão impugnada em considerações que a recorrente considera ter demonstrado desprovidas de pertinência, esta circunstância não constitui um indício revelador de que a decisão tenha sido tomada com a finalidade exclusiva, ou pelo menos determinante, de alcançar fins diversos dos invocados. Por outro lado, há que recordar que a Câmara de Recurso não cometeu qualquer erro na apreciação do carácter distintivo da marca pedida (v. n.os 41 a 58 supra). Improcede, por isso, o terceiro fundamento.

 Quanto ao primeiro fundamento, relativo à violação do artigo 28.° CE

–       Argumentos das partes

67      A recorrente defende que a recusa do registo da marca requerida constitui uma medida de efeito equivalente a uma restrição quantitativa à importação na acepção do artigo 28.° CE. Com efeito, esta recusa permite aos produtos contrafeitos aceder ao mercado, o que tem por consequência uma diminuição do volume de negócios da recorrente. Segundo a recorrente, nenhuma das excepções visadas no artigo 30.°CE é aplicável no caso concreto.

68      O Instituto contesta a justeza dos argumentos da recorrente.

–       Apreciação do Tribunal Geral

69      Quanto ao primeiro fundamento da recorrente, relativo à violação do artigo 28.° CE, importa referir que o direito sobre a marca comunitária, bem como a protecção conferida por este, só podem adquirir‑se pelo registo do sinal requerido. Ora, a protecção contra a comercialização de produtos contrafeitos, visada pela recorrente no seu primeiro fundamento, só é susceptível de se aplicar na medida em que a recorrente seja titular de uma marca comunitária (v., neste sentido e por analogia, acórdão do Tribunal de Justiça de 17 de Outubro de 1990, HAG GF, C‑10/89, Colect., p. I‑3711, n.° 14). Uma vez que a Câmara de Recurso não cometeu nenhum erro ao concluir pela ausência de carácter distintivo da marca pedida na acepção do artigo 7.°, n.° 1, alínea b), do Regulamento n.° 40/94 (v. n.os 41 a 58 supra), há que julgar igualmente improcedente o presente fundamento.

 Quanto às despesas

70      Nos termos do artigo 87.°, n.° 2, do Regulamento de Processo, a parte vencida é condenada nas despesas se a parte vencedora o tiver requerido.

71      Tendo o Instituto pedido a condenação da recorrente nas despesas e tendo esta sido vencida, há que condená‑la nas despesas.

Pelos fundamentos expostos,

O TRIBUNAL GERAL (Sexta Secção)

decide:

1)      É negado provimento ao recurso.

2)      A KUKA Roboter GmbH é condenada nas despesas.

Meij

Papasavvas

Truchot

Proferido em audiência pública no Luxemburgo, em 13 de Setembro de 2010.

Assinaturas


* Língua do processo: alemão.