Language of document : ECLI:EU:C:2016:479

CONCLUSÕES DO ADVOGADO‑GERAL

MICHAEL BOBEK

apresentadas em 28 de junho de 2016 (1)

Processo C‑304/15

Comissão Europeia

contra

Reino Unido da Grã‑Bretanha e da Irlanda do Norte

«Incumprimento das obrigações — Diretiva 2001/80/CE relativa à limitação das emissões para a atmosfera de certos poluentes provenientes de grandes instalações de combustão — Artigo 4.°, n.° 3 — Anexo VI, parte A, nota 3 — Âmbito da derrogação — Central de energia de Aberthaw — Elegibilidade»





I –    Introdução

1.        A Diretiva 2001/80/CE do Parlamento Europeu e do Conselho, de 23 de outubro de 2001, relativa à limitação das emissões para a atmosfera de certos poluentes provenientes de grandes instalações de combustão (a seguir «Diretiva 2001/80») (2) aplica‑se às instalações de combustão com potência térmica nominal igual ou superior a 50 MW, independentemente do tipo de combustível utilizado (sólido, líquido ou gasoso) (3) e visa a redução de emissões de dióxido de enxofre, óxidos de azoto e poeiras emitidas por essas centrais.

2.        A Comissão Europeia investigou a compatibilidade das grandes instalações de combustão, incluindo a central de energia de Aberthaw (País de Gales) com os requisitos da Diretiva 2001/80 e chegou à conclusão de que o Reino Unido não cumpriu os requisitos do artigo 4.°, n.° 3, conjugado com o anexo VI, parte A, da Diretiva 2001/80 que exigem que os Estados‑Membros alcancem reduções significativas de emissões e estabelece os valores‑limite das emissões de óxidos de azoto (NOx) em 500 mg/Nm3.

3.        O Reino Unido alega que a central de energia de Aberthaw estava autorizada, com base na nota de rodapé 3 ao anexo VI, parte A, da Diretiva 2001/80 (a seguir «nota 3»), a emitir mais do que 500 mg/Nm3 de NOx para a atmosfera. Essa nota de rodapé permite uma derrogação ao valor‑limite de emissões geralmente aplicável a centrais que queimem combustíveis sólidos cujo teor de componentes voláteis seja inferior a 10%.

4.        O presente litígio prende‑se com a interpretação correta da nota 3: é a mesma aplicável à central de energia de Aberthaw?

II – Legislação aplicável

5.        O artigo 4.°, n.° 3, da Diretiva 2001/80/CE estabelece: «Sem prejuízo do disposto na Diretiva 96/61/CE e na Diretiva 96/62/CE do Conselho, de 27 de setembro de 1996, relativa à avaliação e gestão da qualidade do ar ambiente, os Estados‑Membros devem, até 1 de janeiro de 2008, alcançar reduções significativas de emissões:

a)      Quer tomando as medidas apropriadas para que todas as licenças de exploração das instalações existentes incluam condições relativas à observância dos valores‑limite de emissão estabelecidos para as novas instalações referidas no n.° 1;

b)      Quer garantindo que as instalações existentes fiquem sujeitas ao plano nacional de redução das emissões a que se refere o n.° 6[…]».

6.        O anexo VI, parte A, da Diretiva 2001/80/CE define os valores‑limite de emissões de NOx a aplicar nas instalações novas e existentes nos termos do artigo 4.°, n.° 1 e artigo 4.°, n.° 3, respetivamente. Estabelece o valor‑limite de 500 mg/Nm3 para instalações com uma potência térmica nominal superior a 500 MWth. A partir de 1 janeiro de 2016, deverá aplicar‑se o valor‑limite de 200 mg/Nm3.

7.        A nota 3 ao anexo VI, parte A, da Diretiva 2001/80prevê que «até 1 de janeiro de 2018 as instalações que tenham funcionado nos 12 meses que antecedem o dia 1 de janeiro de 2001 e continuem a funcionar com combustíveis sólidos com um teor de componentes voláteis inferior a 10%, é aplicável o limite de 1 200 mg/Nm3».

8.        A Diretiva 2001/80 foi reformulada e revogada a partir de 1 de janeiro de 2016 pela Diretiva 2010/75/UE do Parlamento Europeu e do Conselho, de 24 de novembro de 2010, relativa às emissões industriais (prevenção e controlo integrados da poluição) (4). Essa nova Diretiva estabelece valores‑limite de emissão mais baixos. Além disso, elimina a derrogação prevista na nota 3 ao anexo VI, parte A, da Diretiva 2001/80.

III – Processo

9.        Em 29 de maio de 2012, a Comissão abriu um processo‑piloto da UE com o objetivo de investigar a observância dos valores‑limite de emissões de NOx previstos na Diretiva 2001/80 por parte de algumas grandes instalações de combustão [em particular, a central de energia Aberthaw (a seguir «Aberthaw»)]. No decorrer deste processo, o Reino Unido afirmou que a Aberthaw beneficiava, com base no anexo VI, parte A, nota 3, da Diretiva 2001/80, de um valor‑limite de emissões superior a 1 200 mg/Nm3 de NOx, e não do valor‑limite fixado de 500 mg/Nm3. Contudo, foi referido que o teor de componentes voláteis do combustível sólido utilizado em Aberthaw, em 2009, era de 13,5%, quando o requisito previsto na nota 3 exige um teor de componentes voláteis inferior a 10%.

10.      O Reino Unido informou posteriormente a Comissão de que o valor‑limite das emissões de NOx constante da autorização concedida pelas autoridades nacionais à Aberthaw foi reduzido para 1 100 mg/Nm3, quando o valor anual do teor de componentes voláteis do carvão oscilou entre 11,39% e 12,89% nos anos 2008‑2011.

11.      Na opinião da Comissão, o requisito de funcionar com combustíveis com um teor de componentes voláteis inferior a 10% estabelecido na nota 3 não foi observada por Aberthaw em qualquer dos anos entre 2008 e 2011, inclusive. Por conseguinte, a Comissão considerou que o valor‑limite fixado de 500 mg/Nm3 era o valor aplicável à Aberthaw e não foi cumprido pela central.

12.      Assim, a Comissão emitiu uma carta de notificação formal ao Reino Unido em 21 de junho de 2013, alegando que a central de energia Aberthaw não havia aplicado corretamente o artigo 4.°, n.° 3, conjugado com o anexo VI, parte A, nota 3, da Diretiva 2001/80, desde 1 de janeiro de 2008, pelo que não havia cumprido as suas obrigações decorrentes da referida diretiva.

13.      O Reino Unido respondeu por carta datada de 9 de setembro de 2013, declarando que havia cumprido as suas obrigações nos termos da Diretiva 2001/80 em relação à central de energia Aberthaw. Argumentou que a derrogação negociada e consagrada na nota 3 da Diretiva 2001/80 visava especificamente a central de Aberthaw.

14.      A Comissão não ficou convencida e emitiu um parecer fundamentado em 16 de outubro de 2014. Assumiu, nomeadamente, a posição de que uma instalação só pode ser autorizada a exceder o valor‑limite de emissões normais se queimar combustíveis sólidos com um teor de componentes voláteis inferior a 10%.

15.      O Reino Unido respondeu ao parecer fundamentado por carta datada de 17 de dezembro de 2014. Explicou que a central de Aberthaw continuava a fazer investimentos para melhorar o seu desempenho, tendo a expectativa de descer as emissões de NOx para 450 mg/Nm3 até ao final de 2017. Afirmou também que a autorização concedida pelas autoridades britânicas à Aberthaw previa novamente uma redução em 2013, fixando o valor‑limite de emissões de NOx em 1 050 mg/Nm3.

16.      Neste contexto, a Comissão intentou uma ação e requereu ao Tribunal de Justiça que:

–        Declare que, ao não aplicar corretamente a Diretiva 2001/80 em relação à central de energia de Aberthaw, País de Gales, o Reino Unido não cumpriu as obrigações que lhe incumbem por força do artigo 4.°, n.° 3, conjugado com o anexo VI, parte A, da Diretiva 2001/80; e

–        Condene o Reino Unido nas despesas.

17.      O Reino Unido reitera que sempre aplicou corretamente as disposições da Diretiva em Aberthaw e alega que o pedido da Comissão deve ser julgado improcedente e esta condenada nas despesas.

18.      Foram apresentadas observações escritas pelas partes, tendo ambas também apresentado alegações orais na audiência realizada em 21 de abril de 2016.

IV – Análise

19.      Nos termos do anexo VI, parte A, nota 3, da Diretiva 2001/80, «[a]té 1 de janeiro de 2018 as instalações que tenham funcionado nos 12 meses que antecedem o dia 1 de janeiro de 2001 e continuem a funcionar com combustíveis sólidos com um teor de componentes voláteis inferior a 10%, é aplicável o limite de 1 200 mg/Nm3».

20.      Na primeira parte destas Conclusões (A), apresentarei a interpretação mais natural do âmbito de aplicação dessa disposição. Na segunda parte (B), concentro‑me nos argumentos baseados na história legislativa da nota 3, debatidos de forma aturada, concretamente, pelo Governo do Reino Unido.

A –    Âmbito da nota 3

21.      Existem dois elementos na interpretação da nota 3 relativamente aos quais a Comissão e o Reino Unido discordam: primeiro, a percentagem de baixo teor de componentes voláteis de carvão que é exigida para poder beneficiar da derrogação, tendo em conta o consumo total de combustível de uma central de energia e, em segundo lugar, o período que deve ser utilizado para o cálculo do teor de componentes voláteis de uma central de energia por forma a continuar a ser elegível para derrogação ao abrigo dessa disposição.

22.      A Comissão interpreta os dois elementos acima mencionados da nota 3 no sentido de que uma instalação deve ter sempre funcionado utilizando uma mistura de carvão com um teor de componentes voláteis inferior a 10% como média anual.

23.      De acordo com o Governo do Reino Unido, a nota 3 exige apenas uma «percentagem substancial» ou uma «quantidade de minimis» de carvão com um teor de componentes voláteis inferior a 10%. Alega que a central de energia Aberthaw funcionou sempre utilizando uma mistura de carvão com base, sobretudo, em antracite com um teor de componentes voláteis entre 6% e 15%, incluindo uma percentagem substancial de carvão com um teor de componentes voláteis inferior a 10%. Contudo, nunca funcionou utilizando exclusivamente carvão com um teor de componentes voláteis inferior a 10%. O Reino Unido explica ainda que a central não poderia trabalhar com um combustível exclusivamente à base de carvão com um teor de componentes voláteis inferior a 10%, uma vez que é perigoso utilizar carvão com um teor de componentes voláteis inferior a 9% e praticamente impossível manter estes níveis entre 9% e 10%. Além disso, o Reino Unido alega que seria impossível obter fornecimentos suficientes de carvão de modo a alcançar, de forma consistente, um teor de componentes voláteis anual inferior a 10%. Questiona pois o método proposto pela Comissão para o cálculo do teor de componentes voláteis, considerando que este deve antes ser calculado numa base mensal ou mesmo de 48 horas.

24.      Em meu entender, a posição do Reino Unido é insustentável.

25.      Em primeiro lugar, quanto à percentagem de carvão com baixo teor de componentes voláteis que é exigida para beneficiar da derrogação prevista na nota 3, tendo em conta o consumo total de combustível de uma central de energia, o argumento do Reino Unido segundo o qual é suficiente utilizar uma «percentagem substancial» deste tipo de carvão como combustível de uma central, não encontra qualquer fundamento no texto.

26.      A expressão «tenha funcionado com [...] combustíveis sólidos com um teor de componentes voláteis inferior a 10%» permite apenas duas interpretações que não distorcem o significado original do seu texto. Primeira: todo o carvão queimado deve ter um teor de componentes voláteis inferior a 10%, o que significaria de facto que apenas o carvão com um teor de componentes voláteis inferior a 10% pode ser utilizado. Segunda: a média da mistura de carvão utilizada deve ter um teor de componentes voláteis inferior a 10%. Por conseguinte, uma central de energia não necessita de queimar exclusivamente carvão com um teor de componentes voláteis inferior a 10% para poder beneficiar da derrogação estabelecida na nota 3. Apenas se exige que a média, calculada ao longo de um determinado período de tempo, seja inferior a esse limiar.

27.      É, para mim, claro que apenas a última interpretação é razoável: a mistura de carvão queimado pela central deve ter, em média, um teor de componentes voláteis inferior a 10%. Os argumentos a favor desta opção não são apenas sistémicos (5), são também funcionais. Na verdade, o Governo do Reino Unido argumentou, pormenorizadamente, que seria difícil, se não impossível, garantir que todos os carregamentos de carvão tenham o mesmo teor de componentes voláteis. Por outro lado, o responsável pela central deve poder garantir que a mistura de carvão que queima tem determinadas características ao longo de um dado período de tempo.

28.      Em segundo lugar, quanto ao período relativamente ao qual o teor de componentes voláteis deve ser calculado, o significado mais natural da nota 3 aponta para que a média do teor de componentes voláteis seja calculada anualmente.

29.      A nota 3 refere‑se ao período de 12 meses que antecedem o dia 1 de janeiro de 2001 — ou seja, à média agregada do ano 2000 — como condição partida para a elegibilidade para a derrogação. É verdade que a nota 3 é omissa quanto ao período concreto relevante para a aplicação contínua da mesma derrogação. No entanto, não posso deixar de concluir que o mais correto será estabelecer uma analogia no interior da mesma frase (e, portanto, o mais próxima possível): a mesma média anual é aplicável, por analogia, aos anos subsequentes, de molde a determinar se as instalações, de acordo com a letra da nota 3, «continuam a funcionar» com combustíveis sólidos com um teor de componentes voláteis inferior a 10%.

30.      Por estas razões, sou da opinião de que a nota 3 deve ser entendida no sentido de que a exigência de menos de 10% se refere à média anual do teor de componentes voláteis da mistura de carvão queimada nas instalações.

31.       Como afirma a Comissão, a exigência de 10% é um limiar de separação. Só as instalações que tenham funcionado nos 12 meses que antecedem o dia 1 de janeiro de 2001 e continuem a funcionar com uma mistura de carvão cujo teor de componentes voláteis seja inferior a 10%, em média anual, podem pretender beneficiar da derrogação prevista na nota 3.

32.      O Reino Unido reconheceu expressamente na audiência que não era esse o caso da central de Aberthaw. Estas instalações nunca funcionaram com uma mistura de carvão que tivesse, em média anual, um teor de componentes voláteis inferior a 10%, quer no período de 12 meses que antecedem 1 de janeiro de 2001, quer nos anos subsequentes. Assim, é de facto, incontestável que, caso a nota 3 seja interpretada como supramencionado, a central de Aberthaw não poderia beneficiar da derrogação prevista na referida Nota.

B –    O papel da história legislativa

33.      O Governo do Reino Unido alega que a nota 3 da Diretiva 2001/80 foi elaborada tendo especificamente em vista a central de energia de Aberthaw. Insiste no argumento de que a nota 3 deve ser vista, mais precisamente, como uma disposição feita à medida, que impõe um valor limite específico e apropriado de emissões de NOx tendo em conta as características de Aberthaw e de centrais de energia semelhantes.

34.      O Reino Unido sustenta, nomeadamente, que a central de energia de Aberthaw é uma central singular entre as centrais a carvão do Reino Unido. Foi alegadamente concebida com o fim específico de queimar carvão com um baixo teor de componentes voláteis, para poder processar o tipo de carvão que predominantemente se encontra na região de Gales do Sul — a saber, antracite, que geralmente possui um baixo teor de componentes voláteis de entre 6% e 15% — enquanto o carvão utilizado nas centrais de energia a carvão convencionais apresenta normalmente um teor de componentes voláteis entre 20% e 35%. Uma vez que o carvão com um baixo teor de componentes voláteis é de mais difícil combustão, exige uma caldeira especialmente concebida para o efeito, ao contrário das centrais a carvão convencionais. Aparentemente, as emissões de NOx geradas por estas caldeiras especiais são sempre mais elevadas. Por conseguinte, é impossível no caso da central de Aberthaw cumprir aqueles limites estritos de emissão de NOx.

35.      O Reino Unido argumenta que a nota 3 foi especialmente concebida tendo em vista a central de Aberthaw em virtude da sua importância económica significativa para a região de Gales do Sul, nomeadamente porque as restantes minas de carvão do País de Gales dela dependem como a única saída para o carvão que mineram, uma vez que o carvão com baixo teor de componentes voláteis não é adequado para a maioria dos outros mercados.

36.      De acordo com a Comissão, a nota 3 prevê uma derrogação que não foi especialmente concebida tendo em vista a central de Aberthaw mas que se destina em geral a um número limitado de instalações localizadas em regiões onde a antracite de origem local apresenta um conteúdo volátil naturalmente de baixo, como no Reino Unido, mas também em Espanha.

37.      Com base na documentação apresentada ao Tribunal de Justiça, é difícil concluir inequivocamente que a derrogação constante da nota 3 tenha sido especificamente concebida tendo em vista a central Aberthaw.

38.      Em primeiro lugar, a derrogação foi inicialmente concebida para novas instalações, por oposição às instalações existentes. Isto é evidente quando se compara a Diretiva 2001/80/CE e a sua antecessora, a Diretiva 88/609/CEE (6). O anexo VI da Diretiva 88/609/CEE define diferentes valores‑limite de emissão de NOx de acordo com o tipo de combustível utilizado nas centrais de energia e permite valores‑limite até 1 300 mg/Nm3 no caso do combustível sólido com menos de 10% de teor de componentes voláteis. No entanto, nada indica que os redatores do anexo VI da Diretiva 88/609/CEE tivessem a central de Aberthaw (uma instalação já existente) em mente, uma vez que a derrogação prevista no anexo VI da referida Diretiva se aplicava apenas a instalações novas e não às já existentes.

39.      Em segundo lugar, não existe qualquer indício nos trabalhos preparatórios da Diretiva 2001/80 no sentido de que a nota 3 seja uma disposição elaborada tendo especificamente em vista a central de Aberthaw. Não foi apresentada qualquer prova conclusiva ao Tribunal de Justiça a este respeito. O Governo do Reino Unido baseou as suas observações num conjunto de materiais apresentados por diversos indivíduos, deputados ao Parlamento Europeu, ou diversos dignitários britânicos intervenientes no processo legislativo conducente à adoção da Diretiva 2001/80 ou ligados ao mesmo. No entanto, esses materiais resumem‑se a cartas, notas da autoria desses indivíduos e registos de debates no Parlamento Europeu. Nenhum desses documentos reflete, porém, a posição oficial de uma instituição da UE envolvida no processo legislativo que pudesse ser entendida como expressão de uma intenção legislativa clara por parte uma instituição da UE no seu conjunto.

40.      Por último, a Diretiva 2001/80 refere explicitamente, noutras disposições, os nomes de instalações específicas que beneficiam de uma derrogação aos valores‑limite de emissão estabelecidos na mesma diretiva. Trata‑se nomeadamente do caso das «duas instalações em Creta e Rodes», às quais se aplica um valor‑limite específico (anexo VI, parte B). A mesma técnica legislativa poderia igualmente ter sido invocada para o caso específico da central de Aberthaw. No entanto, o legislador optou por não o fazer.

41.      Seja como for, independentemente da intenção legislativa, sou da opinião de que, neste caso particular, não é decisiva.

42.      Em geral, resulta da jurisprudência assente do Tribunal de Justiça que a história legislativa e a intenção legislativa têm alguma relevância para a interpretação, quer do direito derivado (7), quer, mais recentemente, do direito primário (8).

43.      No entanto, deve colocar‑se a ênfase na palavra «interpretação», e não em «reformulação» judicial. Um argumento baseado na intenção legislativa é um argumento válido; útil, na verdade, em casos de incerteza ou ambiguidade do texto. A meu ver, no entanto, apenas pode conduzir o seu intérprete até onde a própria ambiguidade do texto o permitir; a interpretação deve permanecer dentro dos limites do texto escrito e da sua possível imprecisão semântica.

44.      Por conseguinte, mesmo que se demonstrasse que a nota 3 foi redigida especificamente tendo em vista a central de Aberthaw, o que não foi comprovado no presente processo, essa conclusão poderia, talvez, ser relevante para uma potencial anulação (9) de tal disposição hipoteticamente vazia de sentido ab initio. No entanto, na minha opinião, não poderia levar à reformulação judicial de um valor, número ou percentagem concretos e escolhido e indicado pelo legislador no texto da lei. Isso equivaleria a uma interpretação «contra legem», ou seja, uma interpretação contrária à letra clara de uma disposição, que o Tribunal de Justiça definiu como o limite exterior de qualquer esforço interpretativo (10).

45.      Tais limites interpretativos são claramente alcançados no presente processo. Pode afirmar‑se com razoabilidade que existe ambiguidade interpretativa no que diz respeito à forma como o teor de componentes voláteis é calculado e ao período utilizado para esse cálculo, conforme descrito na seção anterior. Não existe, porém, qualquer ambiguidade relativamente ao limiar dos 10%. Dez por cento significam dez por cento.

46.      Consequentemente, a discussão sobre a história legislativa da nota 3 não pode alterar a conclusão de que o Reino Unido não aplicou corretamente o artigo 4.°, n.° 3, conjugado com o anexo VI, parte A, nota 3, da Diretiva 2001/80 no caso da central de energia de Aberthaw e não cumpriu, portanto, as suas obrigações ao abrigo da referida diretiva.

V –    Custos

47.      Nos termos do artigo 138.°, n.° 1, do Regulamento de Processo, a parte vencida é condenada nas despesas se a parte vencedora o tiver requerido. Tendo a Comissão requerido que o Reino Unido fosse condenado nas despesas e tendo este sido vencido, o Reino Unido deve ser condenado em conformidade.

VI – Conclusão

48.      Pelas razões acima expostas, proponho que o Tribunal de Justiça:

1)      Declare que o Reino Unido da Grã‑Bretanha e da Irlanda do Norte não aplicou corretamente o artigo 4.°, n.° 3, conjugado com o anexo VI, parte A, nota 3, da Diretiva 2001/80/CE do Parlamento Europeu e do Conselho, de 23 de outubro de 2001, relativa à limitação das emissões para a atmosfera de certos poluentes provenientes de grandes instalações de combustão, na central de energia de Aberthaw no País de Gales, pelo que não cumpriu as obrigações que lhe incumbem por força dessa mesma diretiva;

2)      Condene o Reino Unido da Grã‑Bretanha e da Irlanda do Norte nas despesas.


1 —      Língua original: inglês.


2 —      JO 2001, L 309, p. 1.


3 —      V. artigo 1.° da Diretiva 2001/80.


4 —      JO 2010, L 334, p. 17.


5 —      A Diretiva 2001/80 considera e remete para médias como uma forma de cálculo de determinados valores em várias outras disposições, como, por exemplo, no artigo 4.°, n.° 6, artigo 5.°, artigo 8.°, n.° 3, artigo 14.°, n.° 4 e anexo VI, A, nota 2.


6 —      JO 1988, L 336, p. 1.


7 —      V., por exemplo, os acórdãos de 19 de abril de 2007, Farrell (C‑356/05, EU:C:2007:229, n.° 24); de 21 de junho de 2012, Wolf Naturprodukte (C‑514/10, EU:C:2012:367, n.° 26); e de 23 de fevereiro de 2010, Ibrahim (C‑310/08, EU:C:2010:80, n.os 46 a 47).


8 —      V., por exemplo, acórdãos de 12 de abril de 2005 no processo (C‑61/03, EU:C:2005:210, n.° 29); de 27 de novembro de 2012, Pringle (C‑370/12, EU:C:2012:756, n.os 32 e segs.); de 3 de outubro de 2013, Inuit Tapiriit Kanatami e o./Parlamento e Conselho (C‑583/11 P, EU:C:2013:625, n.° 59); e de 16 de junho de 2015, Gauweiler e o. (C‑62/14, EU:C:2015:400, n.° 100).


9 —      Uma posição que o Reino Unido nunca assumiu, o que pode parecer um pouco surpreendente quando, hoje, alega, com veemência, que a forma como a derrogação foi elaborada jamais permitiria que a central de Aberthaw beneficiasse da mesma, devido às condições estruturais relacionadas com o funcionamento da referida central, que foram sempre distintas das restantes instalações.


10 —      V. acórdão de 14 de julho de 1994, Faccini Dori (C‑91/92, EU:C:1994:292, n.° 24); de 8 de dezembro de 2005, BCE/Alemanha (C‑220/03, EU:C:2005:748, n.° 31); e de 15 de julho de 2010, Comissão/Reino Unido (EU:C:2010:429, n.° 33).