Language of document : ECLI:EU:C:2016:706

ACÓRDÃO DO TRIBUNAL DE JUSTIÇA (Sétima Secção)

21 de setembro de 2016 (*)

«Incumprimento de Estado — Diretiva 2001/80/CE — Artigo 4.°, n.° 3 — Anexo VI, parte A — Limitação das emissões para a atmosfera de certos poluentes provenientes de grandes instalações de combustão — Aplicação — Central elétrica de Aberthaw»

No processo C‑304/15,

que tem por objeto uma ação por incumprimento nos termos do artigo 258.° TFUE, que deu entrada em 19 de junho de 2015, no processo

Comissão Europeia, representada por K. Mifsud‑Bonnici e S. Petrova, na qualidade de agentes, com domicílio escolhido no Luxemburgo,

demandante,

contra

Reino Unido da Grã‑Bretanha e da Irlanda do Norte, representado por J. Kraehling e L. Christie, na qualidade de agentes, assistidos por G. Facenna, QC,

demandado,

O TRIBUNAL DE JUSTIÇA (Sétima Secção),

composto por: C. Toader (relatora), presidente de secção, A. Rosas e E. Jarašiūnas, juízes,

advogado‑geral: M. Bobek,

secretário: M. Aleksejev, administrador,

vistos os autos e após a audiência de 21 de abril de 2016,

ouvidas as conclusões do advogado‑geral na audiência de 28 de junho de 2016,

profere o presente

Acórdão

1        Com a sua petição, a Comissão Europeia pede ao Tribunal de Justiça que declare que, ao não ter aplicado corretamente a Diretiva 2001/80/CE do Parlamento Europeu e do Conselho, de 23 de outubro de 2001, relativa à limitação das emissões para a atmosfera de certos poluentes provenientes de grandes instalações de combustão (JO 2001, L 309, p. 1), à central elétrica de Aberthaw (Reino Unido, a seguir «central de Aberthaw»), o Reino Unido da Grã‑Bretanha e da Irlanda do Norte não cumpriu as obrigações que lhe incumbem por força do artigo 4.°, n.° 3, da referida diretiva, lido em conjugação com o seu anexo VI, parte A.

 Quadro jurídico

2        A Diretiva 2001/80, que substituiu a Diretiva 88/609/CEE do Conselho, de 24 de novembro de 1988, relativa à limitação das emissões para a atmosfera de certos poluentes provenientes de grandes instalações de combustão (JO 1988, L 336, p. 1), foi revogada, com efeitos a partir de 1 de janeiro de 2016, pela Diretiva 2010/75/UE do Parlamento Europeu e do Conselho, de 24 de novembro de 2010, relativa às emissões industriais (prevenção e controlo integrados da poluição) (JO 2010, L 334, p. 17). Segundo o seu artigo 1.°, a Diretiva 2001/80 aplicava‑se «às instalações de combustão com potência térmica nominal igual ou superior a 50 MW, independentemente do tipo de combustível utilizado (sólido, líquido ou gasoso)».

3        Nos termos dos considerandos 4 a 6 desta diretiva:

«(4)      A Comissão fez publicar uma comunicação sobre uma estratégia comunitária de luta contra a acidificação na qual a revisão da Diretiva [88/609] foi considerada parte integrante dessa estratégia, com o objetivo, a longo prazo, de reduzir suficientemente as emissões de dióxido de enxofre e óxidos de azoto para que as deposições e concentrações desçam a níveis inferiores aos níveis e cargas críticos.

(5)      De acordo com o princípio de subsidiariedade previsto no artigo 5.° do Tratado, o objetivo da redução das emissões acidificantes provenientes de grandes instalações de combustão não pode ser suficientemente realizado pelos Estados‑Membros agindo isoladamente, e uma ação não concertada não garante a consecução do objetivo pretendido. Tendo em conta a necessidade de reduzir as emissões acidificantes em toda a Comunidade, é mais eficaz adotar medidas a nível comunitário.

(6)      As grandes instalações de combustão existentes contribuem de forma significativa para as emissões de dióxido de enxofre e de óxidos de azoto na Comunidade e é necessário reduzir essas emissões. Por conseguinte, é necessário adaptar a abordagem às características diferentes do setor das grandes instalações de combustão nos Estados‑Membros.»

4        O artigo 4.° da referida diretiva previa:

«1.      Sem prejuízo do disposto no artigo 17.°, os Estados‑Membros tomarão as medidas apropriadas para que qualquer licença de construção ou, na sua falta, de exploração de uma nova instalação que, no parecer da autoridade competente, seja objeto de um pedido global de licença antes de 27 de novembro de 2002, na condição de a instalação ser posta a funcionar até 27 de novembro de 2003, inclua condições relativas à observância dos valores‑limite de emissão fixados na parte A dos anexos III a VII para o dióxido de enxofre, os óxidos de azoto e as poeiras.

[...]

3.      Sem prejuízo do disposto na Diretiva 96/61/CE [do Conselho, de 24 de setembro de 1996, relativa à prevenção e controlo integrados da poluição (JO 1996, L 257, p. 26),] e na Diretiva 96/62/CE do Conselho, de 27 de setembro de 1996, relativa à avaliação e gestão da qualidade do ar ambiente [(JO 1996, L 296, p. 55)], os Estados‑Membros devem, até 1 de janeiro de 2008, alcançar reduções significativas de emissões:

a)      Quer tomando as medidas apropriadas para que todas as licenças de exploração das instalações existentes incluam condições relativas à observância dos valores‑limite de emissão estabelecidos para as novas instalações referidas no n.° 1;

b)      Quer garantindo que as instalações existentes fiquem sujeitas ao plano nacional de redução das emissões a que se refere o n.° 6,

e, quando apropriado, aplicando os artigos 5.°, 7.° e 8.°

[...]»

5        Nos termos do artigo 14.° da mesma diretiva:

«1.      Em caso de medições contínuas, serão considerados observados os valores‑limite de emissão previstos na parte A dos anexos III a VII se a avaliação dos resultados demonstrar que, para as horas de funcionamento durante um ano civil:

a)      Nenhum dos valores médios de um mês de calendário excedeu os valores‑limite de emissão; e

b)      No caso:

[...]

ii)      dos óxidos de azoto: 95% de todos os valores médios de 48 horas não excedem 110% dos valores‑limite de emissão.

[...]»

6        O anexo VI, parte A, da Diretiva 2001/80 fixava, num quadro, os valores‑limite das emissões de óxidos de azoto aplicáveis às instalações existentes em conformidade com o artigo 4.°, n.° 3, dessa diretiva, para os diferentes tipos de combustíveis. Para os combustíveis sólidos utilizados numa instalação com uma capacidade superior a 500 MW, o valor‑limite estava fixado em 500 miligramas de óxidos de azoto por metro cúbico normal (mg/Nm3).

7        Além disso, no que respeita aos combustíveis sólidos, esse quadro remetia, no entanto, para a nota de rodapé (3) (a seguir «nota 3»), que tinha a seguinte redação:

«Até 1 de janeiro de 2018 as instalações que tenham funcionado nos 12 meses que antecedem o dia 1 de janeiro de 2001 e continuem a funcionar com combustíveis sólidos com um teor de componentes voláteis inferior a 10%, é aplicável o limite de 1 200 mg/Nm3

8        Ao abrigo do artigo 30.°, n.° 2, primeiro parágrafo, da Diretiva 2010/75, o anexo V, parte 1, n.° 4, dessa diretiva fixa os valores‑limite de emissão de óxidos de azoto para as instalações que utilizam combustíveis sólidos. A partir de 1 de janeiro de 2016, este valor é reduzido para 200 mg/Nm3.

 Procedimento pré‑contencioso

9        Em 29 de maio de 2012, a Comissão abriu um inquérito «EU Pilot» sobre a compatibilidade de certas grandes instalações de combustão e, em especial, da central de Aberthaw, com as exigências da Diretiva 2001/80. De acordo com as informações transmitidas à Comissão, esta instalação beneficiava, ao abrigo da nota 3, de um valor‑limite de emissão de óxidos de azoto menos estrito, isto é, 1 200 mg/Nm³, do que o normalmente aplicável a este tipo de instalações que utilizam combustíveis sólidos, ou seja, em conformidade com o quadro que figura no anexo VI, parte A, desta diretiva, 500 mg/Nm³. Segundo a Comissão, para beneficiar desta derrogação, a referida nota impunha, todavia, que os combustíveis utilizados tivessem um teor de componentes voláteis (a seguir «TCV») inferior a 10%. Assim, esta instituição questionou o Reino Unido quanto ao TCV dos combustíveis sólidos utilizados na central de Aberthaw durante os anos de 2009 a 2011.

10      O Reino Unido respondeu que, na sua opinião, o valor‑limite de emissão de óxidos de azoto aplicável à central de Aberthaw era de 1 200 mg/Nm3 e que este valor‑limite de emissão devia, por exemplo, ser considerado respeitado se 95% dos valores médios registados durante um período de 48 horas não excedessem os 1 320 mg/Nm3.

11      Em 20 de setembro de 2012, a Comissão enviou questões adicionais ao Reino Unido para avaliar se a central de Aberthaw cumpria os requisitos da nota 3 no que diz respeito ao TCV. Em resposta, este Estado‑Membro precisou que o valor médio do TCV do carvão utilizado nessa central entre os anos de 2008 e 2011 era de 12,81%, 11,75%, 12,89% e 11,39%, respetivamente. Assim, segundo estas informações, este carvão apenas apresentou um TCV médio inferior a 10% duas vezes entre os anos de 2008 e 2010 e cinco vezes durante o ano de 2011.

12      Uma vez que os combustíveis utilizados pela central de Aberthaw entre 2008 e 2011, inclusive, não cumpriam o requisito enunciado na nota 3 no que respeita ao TCV, a Comissão considerou que esta instalação nunca tinha tido direito a beneficiar da derrogação prevista por essa nota e que lhe devia ter sido aplicado, desde 1 de janeiro de 2008, o valor‑limite de emissão de óxidos de azoto de 500 mg/Nm3.

13      Em 21 de junho de 2013, a Comissão enviou uma notificação para cumprir em que acusava o Reino Unido de, desde 1 de janeiro de 2008, não ter cumprido a sua obrigação de se conformar ao artigo 4.°, n.° 3, da Diretiva 2001/80, lido em conjugação com a nota 3, devido ao incumprimento, no que se refere à central de Aberthaw, do valor‑limite de emissão de óxidos de azoto de 500 mg/Nm3 aplicável a esta instalação até 1 de janeiro de 2016.

14      Em resposta a esta notificação para cumprir, o Reino Unido indicou que considerava que a derrogação prevista na nota 3 tinha sido introduzida na Diretiva 2001/80 precisamente para abranger o caso da central de Aberthaw, pelo que a mesma devia ser interpretada de uma forma mais flexível, no sentido de que não estava subordinada ao requisito de a instalação em causa ter funcionado exclusivamente através de um combustível sólido com um TCV inferior a 10%. Este Estado‑Membro alegava também que não existia nenhuma correlação direta entre a volatilidade do combustível queimado por esta central e o nível de óxidos de azoto que emitia.

15      Não tendo a resposta do Reino Unido convencido a Comissão, esta última enviou ao referido Estado‑Membro em 16 de outubro de 2014, um parecer fundamentado nos termos do artigo 258.°, primeiro parágrafo, TFUE.

16      Nesse parecer fundamentado, a Comissão reiterou a sua argumentação de que a nota 3 derrogava os valores‑limite normais fixados para uma instalação do tamanho da central de Aberthaw e de que esta última excedia o valor‑limite de emissão de óxidos de azoto aplicável por força do artigo 4.°, n.os 1 e 3, da Diretiva 2001/80, lido em conjugação com essa nota.

17      Esta instituição rejeitou também a interpretação da nota 3 segundo a qual esta não exige que a instalação em causa utilize exclusivamente combustíveis sólidos cujo TCV não seja superior a 10% em média, medido numa base anual. Com efeito, ainda que este teor não seja explicitamente expresso em valor anual médio na Diretiva 2001/80, tal interpretação é conforme ao espírito desta diretiva, cujo artigo 14.°, n.° 1, menciona que os valores‑limite de emissão fixados na parte A dos anexos III a VII da referida diretiva são medidos ao longo de um ano civil.

18      Na sua resposta de 17 de dezembro de 2014, o Reino Unido, com base nos trabalhos preparatórios da Diretiva 2001/80, reiterou o seu ponto de vista de que a central de Aberthaw estava em conformidade com a Diretiva 2001/80, uma vez que a derrogação prevista na nota 3 visava especificamente esta instalação. Além disso, este Estado‑Membro precisou que esta central continuava a beneficiar de investimentos a fim de melhorar o seu desempenho.

19      Não estando satisfeita com a resposta dada pelo Reino Unido, a Comissão decidiu intentar a presente ação, em 19 de junho de 2015.

 Quanto à ação

 Argumentos das partes

20      A Comissão considera que, uma vez que a central de Aberthaw não respeita o critério enunciado na nota 3, esta instalação não pode beneficiar da derrogação aí prevista. Por conseguinte, a referida instalação deveria lançar emissões de óxidos de azoto compatíveis com o valor‑limite geral de 500 mg/Nm3. Todavia, o valor que figura na licença de exploração desta central era, no momento da propositura da presente ação, de 1 050 mg/Nm3, pelo que esta deve ser julgada procedente.

21      Em apoio desta alegação, em primeiro lugar, a referida instituição argumenta que a redação da nota 3 é clara. Esta disposição só se aplica às instalações que queimam efetivamente combustíveis sólidos com um TCV inferior a 10%. Nesta nota nem estão em causa instalações que «podem» ser alimentadas por este combustível nem um limite de aplicação correspondente a uma quantidade negligenciável de combustível. Com efeito, o critério de um TCV de 10% foi introduzido para fixar um limiar destinado a limitar as possibilidades de derrogação para as centrais elétricas.

22      Em segundo lugar, a circunstância de a derrogação contida na nota 3 visar em especial a central de Aberthaw não é relevante, na medida em que a intenção subjetiva de certos atores durante o procedimento legislativo não é um critério de interpretação válido.

23      Em terceiro lugar, ainda que fosse adotado um método de cálculo baseado numa média não anual, mas mensal, a central de Aberthaw continuaria a não preencher os critérios da referida derrogação.

24      O Reino Unido considera que a interpretação da nota 3 proposta pela Comissão é simultaneamente contrária à redação da referida nota e à intenção do legislador da União, pelo que a presente ação deve ser julgada improcedente.

25      Em primeiro lugar, segundo este Estado‑Membro, a central de Aberthaw sempre funcionou com um combustível composto principalmente por carvão antracite com um TCV compreendido entre 6% e 15%, incluindo uma proporção substancial de carvão com um TCV inferior a 10%. No entanto, nunca funcionou exclusivamente com carvão com um TCV inferior a 10% ou com uma mistura que, em média, tivesse um TCV inferior a 10%. Com efeito, opõem‑se a esse modo de funcionamento importantes considerações práticas e de segurança.

26      Em seguida, por um lado, o referido Estado‑Membro contesta a interpretação sugerida pela Comissão segundo a qual, para beneficiar da derrogação prevista pela nota 3, uma instalação deve funcionar exclusivamente com um combustível sólido com um TCV inferior a 10%, medido com base numa média anual. Esta interpretação pretende acrescentar uma exigência a essa derrogação, tornando os requisitos de acesso à mesma mais restritivos. Ora, a referida nota não contém os advérbios «apenas» ou «exclusivamente». Se o legislador da União tivesse querido restringir o benefício da nota 3 apenas às centrais que utilizam carvão com um TCV inferior a 10%, a sua redação teria refletido de forma expressa essa intenção. Além disso, segundo esse Estado‑Membro, quando a Diretiva 2001/80 prevê a utilização de um valor médio, especifica‑o expressamente.

27      Assim, o Reino Unido alega que a nota 3 se destina a aplicar às instalações que funcionam com uma proporção importante de carvão com um TCV inferior a 10%.

28      Por outro lado, a interpretação desta nota sugerida pela Comissão não tem em conta que a derrogação nela contida foi negociada e introduzida na Diretiva 2001/80 durante o procedimento legislativo especialmente para abranger o caso da central de Aberthaw.

29      Por último, a exigência operacional de segurança relativa à mistura de carvão utilizada na central de Aberthaw está fixada num TCV mínimo de 9%. Para se adequar aos limites decorrentes da interpretação da nota 3 da Comissão, o operador da referida central teria de utilizar apenas combustíveis sólidos que permitam respeitar uma margem muito baixa de TCV, compreendida entre 9% e 9,9%. Tendo em conta todos os parâmetros que devem ser tidos em consideração na mistura destes combustíveis, a saber, a taxa de humidade, as cinzas, o enxofre, o cloro, o poder calorífico, a dureza e a gama de diâmetros, isso não seria realista nem exequível para uma central desta dimensão. Em especial, tal operador não estaria em condições de se abastecer nem de testar de forma precisa e fiável as enormes quantidades de carvão que a central de Aberthaw utiliza para garantir que o TCV global se mantém exatamente entre 9% e 9,9%.

30      Além disso, a interpretação da nota 3 sugerida pela Comissão também não tem um objetivo ambiental. Com efeito, as emissões mais elevadas de óxidos de azoto da central de Aberthaw são consequência da conceção da caldeira e das temperaturas mais elevadas necessárias para manter a combustão de carvão antracite com um TCV baixo. Estas emissões não são afetadas de forma significativa pelo TCV da mistura de combustível, pelo que este teor não diminuiria de forma significativa se se obrigasse a referida central a utilizar como combustível não uma mistura de TCV global compreendida entre 11% e 12%, como atualmente, mas, supondo que tal seja possível, carvão cujo TCV é de 9,5%. Pelo contrário, a combustão de carvão com um TCV mais baixo conduz a emissões de óxidos de azoto mais elevadas.

 Apreciação do Tribunal de Justiça

31      Conforme resulta dos considerandos 4 a 6 da Diretiva 2001/80, esta visa lutar contra a acidificação, reduzindo as emissões de dióxido de enxofre e de óxidos de azoto, para as quais contribuem significativamente as grandes instalações de combustão.

32      A este respeito, os anexos III a VII desta diretiva preveem algumas limitações. Mais especificamente, o anexo VI, parte A, fixa, para os diferentes tipos de combustíveis, os valores‑limite de emissão de óxidos de azoto aplicáveis às instalações existentes, em conformidade com o artigo 4.°, n.° 3, da referida diretiva. Assim, para os combustíveis sólidos utilizados numa instalação com uma capacidade superior a 500 MW, o valor‑limite é fixado em 500 mg/Nm3.

33      A nota 3 prevê, contudo, que «[a]té 1 de janeiro de 2018 as instalações que tenham funcionado nos 12 meses que antecedem o dia 1 de janeiro de 2001 e continuem a funcionar com combustíveis sólidos com um teor de componentes voláteis inferior a 10%, é aplicável o limite de 1 200 mg/Nm3».

34      No caso vertente, a Comissão acusa o Reino Unido, no que se refere à central de Aberthaw, de não preencher os requisitos que permitem beneficiar da derrogação prevista nessa nota e, por conseguinte, de não respeitar o valor‑limite de emissão de óxidos de azoto fixado por defeito, isto é, 500 mg/Nm3.

35      O Reino Unido e a Comissão discordam, designadamente, quanto ao período que deve servir de referência à recolha de dados destinados a verificar se as instalações em causa respeitam os níveis de emissão de óxidos de azoto.

36      A este respeito, importa sublinhar que, embora a segunda parte da frase que integra a redação da nota 3 não defina esse período de referência, a primeira parte da referida disposição contém expressamente o sintagma «as instalações que tenham funcionado nos 12 meses que antecedem o dia 1 de janeiro de 2001».

37      Como salientou o advogado‑geral no n.° 29 das suas conclusões, daqui resulta que, por analogia, a nota 3 deve ser interpretada no sentido de que o período de referência para a recolha de dados, a fim de verificar se as instalações em causa continuam a operar em conformidade com o disposto na Diretiva 2001/80, é idêntico ao que permitiu determinar se uma instalação era ou não elegível para a derrogação introduzida pela referida nota, ou seja, um ano.

38      Desta forma, quer o TCV seja calculado numa base anual ou mensal, o Reino Unido não contesta que a central de Aberthaw nunca cumpriu o critério relativo aos combustíveis que devem ser utilizados por uma instalação, referido na nota 3 e conforme interpretado pela Comissão.

39      A este respeito, o referido Estado‑Membro defende que esta interpretação segundo a qual, para poder beneficiar da derrogação prevista pela referida nota, uma instalação deve utilizar apenas combustíveis com um TCV médio inferior a 10%, calculado ao longo de um ano, é errada, uma vez que o advérbio «exclusivamente» não figura na redação da referida nota.

40      Deve rejeitar‑se esta argumentação.

41      Com efeito, segundo jurisprudência constante do Tribunal de Justiça, para determinar o sentido e o alcance de uma disposição, há que interpretá‑la tendo em conta a sua redação, o seu contexto e o objetivo prosseguido pela legislação em causa (v., neste sentido, acórdão de 16 de julho de 2015, A, C‑184/14, EU:C:2015:479, n.° 32 e jurisprudência referida).

42      No que diz respeito à redação da nota 3, esta dispõe que, para beneficiar da derrogação aí prevista, a instalação em causa deve «funcionar com combustíveis sólidos com um teor de componentes voláteis inferior a 10%».

43      A este respeito, contrariamente aos argumentos do Reino Unido, o facto de a redação não conter os advérbios «apenas» ou «exclusivamente» não permite deduzir que, para poder beneficiar do regime derrogatório instituído pela referida nota, seja suficiente a presença de uma «proporção importante» ou de uma «proporção certa» de combustíveis sólidos com um TCV inferior a 10% no combustível utilizado por uma instalação. Como salientou o advogado‑geral no n.° 24 e seguintes das suas conclusões, não há nenhum argumento jurídico que permita apoiar a interpretação da nota 3 defendida pelo Reino Unido.

44      Com efeito, como sugere o advogado‑geral nos n.os 27 a 30 das suas conclusões, há que interpretar a nota 3 no sentido de que o limiar de 10% a que esta se refere significa que o carvão consumido por uma instalação deve ter um TCV médio inferior a 10%.

45      Esta interpretação é corroborada pelo contexto da nota 3, bem como pelo objetivo da Diretiva 2001/80.

46      Em primeiro lugar, no que se refere ao contexto desta disposição, importa recordar que esta permite aplicar, nas instalações que preenchem os requisitos nela previstos, um valor‑limite de emissão de óxidos de azoto mais elevado do que o valor‑limite de emissão geral de 500 mg/Nm3 referido no anexo VI, parte A, da Diretiva 2001/80.

47      A nota 3 constitui uma derrogação à regra geral prevista na referida disposição do anexo VI e deve, portanto, em conformidade com a jurisprudência constante do Tribunal de Justiça, ser objeto de uma interpretação estrita (v., por analogia, acórdão de 10 de setembro de 2015, Nannoka Vulcanus Industries, C‑81/14, EU:C:2015:575, n.° 73 e jurisprudência referida).

48      Em segundo lugar, no que diz respeito ao objetivo da Diretiva 2001/80, como alegou a Comissão e conforme salientou o advogado‑geral no n.° 38 das suas conclusões, a evolução dos instrumentos de direito da União que precederam esta diretiva, como a Diretiva 88/609, demonstra que o nível dos limiares estabelecidos em disposições como a nota 3 serve, antes de mais, para limitar ao máximo o número de instalações que podem beneficiar de tal derrogação, o que, em si mesmo, permite contribuir para a realização dos objetivos atribuídos à Diretiva 2001/80 e recordados no n.° 34 do presente acórdão.

49      Por conseguinte, há que rejeitar a argumentação do Reino Unido segundo a qual o limiar de TCV de 10% do combustível sólido utilizado não permite cumprir o objetivo ambiental da Diretiva 2001/80, pois não afeta de forma significativa as emissões de óxidos de azoto. Com efeito, como resulta do número anterior, a nota 3 contribui para o referido objetivo ambiental ao limitar o número de instalações que podem beneficiar da isenção prevista na referida nota.

50      Por outro lado, em primeiro lugar, cumpre rejeitar a argumentação do Reino Unido exposta no n.° 28 do presente acórdão, na medida em que, ainda que fosse facto assente que a derrogação prevista na nota 3 tinha sido negociada para incluir uma instalação como a central de Aberthaw, esta deveria, não obstante, preencher os critérios definidos por essa disposição para beneficiar e continuar a beneficiar da referida derrogação.

51      Em segundo lugar, há que afastar a argumentação do referido Estado‑Membro segundo a qual não é possível, por razões de segurança, aplicar o limiar de 10% em causa. A este respeito, resulta das observações desse Estado‑Membro que a mistura utilizada na central de Aberthaw tem um TCV que pode variar entre 6% e 15%. É assim certo que o carvão utilizado como combustível nessa instalação pode ter um TCV médio inferior a 10%.

52      Em terceiro lugar, há que rejeitar também a argumentação do Reino Unido segundo a qual foi principalmente devido a restrições económicas que não foram realizadas adaptações para melhorar o desempenho ambiental da referida instalação e torná‑la conforme às exigências da nota 3. Com efeito, resulta da jurisprudência do Tribunal de Justiça que o Reino Unido não pode validamente invocar, no presente caso, motivos de natureza puramente económica para contestar o incumprimento que lhe é imputado (v., neste sentido, acórdãos de 9 de dezembro de 1997, Comissão/França, C‑265/95, EU:C:1997:595, n.° 62, e de 21 de janeiro de 2016, Comissão/Chipre, C‑515/14, EU:C:2016:30, n.° 53).

53      Nestas condições, há que declarar que, ao não ter aplicado corretamente a Diretiva 2001/80 à central de Aberthaw, o Reino Unido não cumpriu as obrigações que lhe incumbem por força do artigo 4.°, n.° 3, da referida diretiva, lido em conjugação com o seu anexo VI, parte A.

 Quanto às despesas

54      Nos termos do artigo 138.°, n.° 1, do Regulamento de Processo do Tribunal de Justiça, a parte vencida é condenada nas despesas se a parte vencedora o tiver requerido. Tendo a Comissão pedido a condenação do Reino Unido e tendo este sido vencido, há que condená‑lo nas despesas.

Pelos fundamentos expostos, o Tribunal de Justiça (Sétima Secção) decide:

1)      Ao não ter aplicado corretamente a Diretiva 2001/80/CE do Parlamento Europeu e do Conselho, de 23 de outubro de 2001, relativa à limitação das emissões para a atmosfera de certos poluentes provenientes de grandes instalações de combustão, à central elétrica de Aberthaw (Reino Unido), o Reino Unido da Grã‑Bretanha e da Irlanda do Norte não cumpriu as obrigações que lhe incumbem por força do artigo 4.°, n.° 3, da referida diretiva, lido em conjugação com o seu anexo VI, parte A.

2)      O Reino Unido da Grã‑Bretanha e da Irlanda do Norte é condenado nas despesas.

Assinaturas


* Língua do processo: inglês.