Language of document : ECLI:EU:C:2022:897

ACÓRDÃO DO TRIBUNAL DE JUSTIÇA (Sétima Secção)

17 de novembro de 2022 (*)

«Reenvio prejudicial — Política social — Igualdade de tratamento no emprego e na atividade profissional — Artigo 21.o da Carta dos Direitos Fundamentais da União Europeia — Diretiva 2000/78/CE — Artigo 2.o, n.o 2, artigo 4.o, n.o 1, e artigo 6.o, n.o 1 — Proibição de discriminações com base na idade — Legislação nacional que fixa um limite máximo de idade de 30 anos para o recrutamento de comissários da polícia — Justificações»

No processo C‑304/21,

que tem por objeto um pedido de decisão prejudicial apresentado, nos termos do artigo 267.o TFUE, pelo Consiglio di Stato (Conselho de Estado, em formação jurisdicional, Itália), por Decisão de 23 de abril de 2021, que deu entrada no Tribunal de Justiça em 12 de maio de 2021, no processo

VT

contra

Ministero dell’Interno,

Ministero dell’Interno — Dipartimento della Pubblica Sicurezza — Direzione centrale per le risorse umane,

O TRIBUNAL DE JUSTIÇA (Sétima Secção),

composto por: M. L. Arastey Sahún (relatora), presidente de secção, N. Wahl e J. Passer, juízes,

advogado‑geral: J. Richard de la Tour,

secretário: A. Calot Escobar,

vistos os autos,

vistas as observações apresentadas:

—        em representação de VT, por A. Bonanni e P. Piselli, avvocati,

—        em representação do Governo italiano, por G. Palmieri, na qualidade de agente, assistida por E. De Bonis e G. M. De Socio, avvocati dello Stato,

—        em representação do Governo alemão, por J. Möller e A. Hoesch, na qualidade de agentes,

—        em representação do Governo helénico, por M. Tassopoulou, na qualidade de agente,

—        em representação da Comissão Europeia, por D. Martin e D. Recchia, na qualidade de agentes,

vista a decisão tomada, ouvido o advogado‑geral, de julgar a causa sem apresentação de conclusões,

profere o presente

Acórdão

1        O pedido de decisão prejudicial tem por objeto a interpretação da Diretiva 2000/78/CE do Conselho, de 27 de novembro de 2000, que estabelece um quadro geral de igualdade de tratamento no emprego e na atividade profissional (JO 2000, L 303, p. 16), do artigo 3.o TUE, do artigo 10.o TFUE e do artigo 21.o da Carta dos Direitos Fundamentais da União Europeia (a seguir «Carta»).

2        Este pedido foi apresentado no âmbito de um litígio que opõe VT ao Ministero dell’Interno (Ministério da Administração Interna, Itália) e ao Ministero dell’Interno — Dipartimento della Pubblica Sicurezza — Direzione centrale per le risorse umane (Ministério da Administração Interna — Departamento de Segurança Pública — Direção Central de Recursos Humanos, Itália), a respeito da decisão de não admitir a participação de VT num concurso organizado com vista ao preenchimento de lugares de comissário da Polizia di Stato (Polícia Nacional, Itália), por este ter atingido o limite máximo de idade previsto para esse efeito.

 Quadro jurídico

 Direito da União

3        Os considerandos 18 e 23 da Diretiva 2000/78 enunciam:

«(18)      A presente diretiva não poderá ter por efeito, designadamente, que as forças armadas, os serviços de polícia, prisionais ou de socorro sejam obrigados a recrutar ou a manter no seu posto de trabalho pessoas sem as capacidades necessárias para o exercício de todas as funções que possam ter de exercer, no âmbito do objetivo legítimo de manter a operacionalidade dos respetivos serviços.

[…]

(23)      Em circunstâncias muito limitadas, podem justificar‑se diferenças de tratamento sempre que uma característica relacionada com […] a idade […] constitua um requisito genuíno e determinante para o exercício da atividade profissional, desde que o objetivo seja legítimo e o requisito proporcional. […]»

4        Nos termos do artigo 1.o da Diretiva 2000/78, esta tem por objeto estabelecer um quadro geral para lutar contra a discriminação em razão da religião ou das convicções, de uma deficiência, da idade ou da orientação sexual, no que se refere ao emprego e à atividade profissional, com vista a pôr em prática nos Estados‑Membros o princípio da igualdade de tratamento.

5        O artigo 2.o desta diretiva, sob a epígrafe «Conceito de discriminação», dispõe:

«1.      Para efeitos da presente diretiva, entende‑se por “princípio da igualdade de tratamento” a ausência de qualquer discriminação, direta ou indireta, por qualquer dos motivos referidos no artigo 1.o

2.      Para efeitos do n.o 1:

a)      Considera‑se que existe discriminação direta sempre que, por qualquer dos motivos referidos no artigo 1.o, uma pessoa seja objeto de um tratamento menos favorável do que aquele que é, tenha sido ou possa vir a ser dado a outra pessoa em situação comparável;

[…]»

6        O artigo 3.o da referida diretiva, sob a epígrafe «Âmbito de aplicação», prevê:

«1.      Dentro dos limites das competências atribuídas à Comunidade, a presente diretiva é aplicável a todas as pessoas, tanto no setor público como no privado, incluindo os organismos públicos, no que diz respeito:

a)      Às condições de acesso ao emprego, ao trabalho independente ou à atividade profissional, incluindo os critérios de seleção e as condições de contratação, seja qual for o ramo de atividade e a todos os níveis da hierarquia profissional, incluindo em matéria de promoção;

[…]»

7        O artigo 4.o da mesma diretiva, sob a epígrafe «Requisitos para o exercício de uma atividade profissional», enuncia, no seu n.o 1:

«Sem prejuízo do disposto nos n.os 1 e 2 do artigo 2.o, os Estados‑Membros podem prever que uma diferença de tratamento baseada numa característica relacionada com qualquer dos motivos de discriminação referidos no artigo 1.o não constituirá discriminação sempre que, em virtude da natureza da atividade profissional em causa ou do contexto da sua execução, essa característica constitua um requisito essencial e determinante para o exercício dessa atividade, na condição de o objetivo ser legítimo e o requisito proporcional.»

8        O artigo 6.o da Diretiva 2000/78, sob a epígrafe «Justificação das diferenças de tratamento com base na idade», prevê, no seu n.o 1:

«Sem prejuízo do disposto no n.o 2 do artigo 2.o, os Estados‑Membros podem prever que as diferenças de tratamento com base na idade não constituam discriminação se forem objetiva e razoavelmente justificadas, no quadro do direito nacional, por um objetivo legítimo, incluindo objetivos legítimos de política de emprego, do mercado de trabalho e de formação profissional, e desde que os meios para realizar esse objetivo sejam apropriados e necessários.

Essas diferenças de tratamento podem incluir, designadamente:

[…]

c)      A fixação de uma idade máxima de contratação, com base na formação exigida para o posto de trabalho em questão ou na necessidade de um período razoável de emprego antes da reforma.»

 Direito italiano

 Decreto Legislativo n.o 165/1997

9        Em conformidade com os artigos 1.o e 2.o do Decreto Legislativo n.o 165 — Attuazione delle deleghe conferite dall’articolo 2, comma 23, della legge 8 agosto 1995, n.o 335, e dall’articolo 1, commi 97, lettera g), e 99, della legge 23 dicembre 1996, n.o 662, in materia di armonizzazione al regime previdenziale generale dei trattamenti pensionistici del personale militare, delle Forze di polizia e del Corpo nazionale dei vigili del fuoco, nonchè del personale non contrattualizzato del pubblico impiego [Decreto Legislativo n.o 165 relativo à execução das delegações conferidas pelo artigo 2.o, n.o 23, da Lei n.o 335, de 8 de agosto de 1995, e pelo artigo 1.o, n.o 97, alínea g), e n.o 99, da Lei n.o 662, de 23 de dezembro de 1996, relativa à harmonização com o sistema geral de segurança social das pensões dos militares, das forças policiais e dos bombeiros sapadores nacionais, bem como dos agentes públicos não contratuais], de 30 de abril de 1997 (GURI n.o 139, de 17 de junho de 1997), a idade limite de reforma do pessoal da Polícia Nacional é de 61 anos.

 Lei n.o 127/1997

10      As regras gerais relativas à idade no que respeita à participação nos concursos públicos estão previstas no artigo 3.o, n.o 6, da Legge n.o 127 — Misure urgenti per lo snellimento dell’attività amministrativa e dei procedimenti di decisione e di controllo (Lei n.o 127, que estabelece medidas urgentes de racionalização da atividade administrativa e dos procedimentos de decisão e controlo), de 15 de maio de 1997 (GURI n.o 113, de 17 de maio de 1997 — suplemento ordinário do GURI n.o 98), nos termos do qual «[a] participação nos concursos lançados pelas administrações públicas não está sujeita a limites de idade, sem prejuízo das exceções previstas nos regulamentos de cada administração fundadas na natureza do serviço ou nas necessidades objetivas da administração».

 Decreto legislativo n.o 334/2000

11      As funções de comissário da polícia são reguladas pelo decreto legislativo n.o 334 — Riordino dei ruoli del personale direttivo e dirigente della Polizia di Stato, a norma dell’articolo 5, comma 1, della legge 31 marzo 2000, n.o 78 (Decreto Legislativo n.o 334 — Reorganização das funções do pessoal executivo e de direção da Polícia Nacional, em conformidade com o artigo 5.o, n.o 1, da Lei n.o 78 de 31 de março de 2000), de 5 de outubro de 2000 (GURI n.o 271, de 20 de novembro de 2000 — suplemento ordinário do GURI n.o 190, a seguir «Decreto Legislativo n.o 334/2000»).

12      O artigo 2.o, n.o 2, deste decreto legislativo descreve as funções de comissário da polícia nos seguintes termos:

«O pessoal integrado na carreira de funcionário até à categoria de comissário chefe terá a categoria de oficial de segurança pública e de oficial de polícia judiciária. Na categoria que integra, exerce funções inerentes às atribuições institucionais da Polícia Nacional e da Administração de Segurança Pública, com responsabilidades decisórias autónomas e com o correspondente contributo profissional. Também assegura o treino do pessoal dependente e, em função das suas qualificações, exerce atribuições de educação e formação do pessoal da Polícia Nacional. Colaboram diretamente com os titulares de categorias superiores da mesma carreira e substituem‑nos na direção de gabinetes e departamentos em caso de ausência ou impedimento. Caso assumam esse cargo, ou substituam o responsável pelos comissariados destacados da segurança pública, os comissários chefe exercem igualmente as atribuições de Autoridade Local de segurança pública. Desempenham ainda, com plena responsabilidade pelas instruções dadas e pelos resultados alcançados, funções de direção de gabinetes e departamentos não reservados ao pessoal de categorias superiores, bem como funções de orientação e coordenação de várias unidades orgânicas no gabinete onde foram colocados. […]»

13      Nos termos do artigo 3.o, n.o 1, do referido decreto legislativo, «[o] limite de idade para participar no concurso, não superior a 30 anos, é estabelecido pelo regulamento adotado nos termos do artigo 3.o, n.o 6, da Lei n.o 127, de 15 de maio de 1997, sem prejuízo das exceções previstas no mesmo regulamento».

14      O artigo 3.o, n.o 3, do referido decreto legislativo prevê que um regulamento do Ministro da Administração Interna fixa «as modalidades de realização das provas de condição física, as exigências de capacidade física, psíquica e de aptidão, bem como as modalidades da respetiva avaliação».

15      Nos termos do artigo 3.o, n.o 4, do Decreto legislativo n.o 334/2000, «20 % dos lugares disponíveis para acesso à categoria de comissário são reservados para o pessoal da Polícia Nacional que possua uma licenciatura em ciências jurídicas e cuja idade não seja superior a 40 anos».

 Decreto ministerial n.o 103/2018

16      O regulamento referido no artigo 3.o, n.o 1, do Decreto Legislativo n.o 334/2000 é o decreto ministeriale n.o 103 — Regolamento recante norme per l’individuazione dei limiti di età per la partecipazione ai concorsi pubblici per l’accesso a ruoli e carriere del personale della Polizia di Stato (Decreto Ministerial n.o 103 — Regulamento relativo às regras de fixação dos limites de idade previstos para a participação nos concursos públicos de acesso às funções e carreiras do pessoal da Polícia Nacional), de 13 de julho de 2018 (GURI n.o 208, de 7 de setembro de 2018, a seguir «Decreto Ministerial n.o 103/2018»), adotado pelo Ministro da Administração Interna e cujo artigo 3.o, n.o 1, prevê:

«A participação no concurso público de acesso às funções de comissário e de diretor técnico da Polícia Nacional está sujeita a um limite máximo de idade de 30 anos.»

 Litígio no processo principal e questão prejudicial

17      Em 2 de dezembro de 2019, o Ministério da Administração Interna lançou um concurso documental e por prestação de provas para preencher 120 lugares de comissário da Polícia Nacional. Entre as condições gerais de admissão a esse concurso, o convite à apresentação de candidaturas indicava, em aplicação do Decreto ministerial n.o 103/2018, que os candidatos deviam ter pelo menos 18 anos e ainda não ter atingido a idade de 30 anos, sem prejuízo de determinados casos específicos.

18      VT tentou apresentar a sua candidatura ao referido concurso através do processo eletrónico aplicável. No entanto, a aplicação informática prevista para esse efeito impediu‑o de apresentar a referida candidatura, pelo facto de não cumprir o requisito de idade referido no número anterior. Com efeito, tendo nascido em 1988, já tinha atingido 30 anos de idade e não se enquadrava em nenhum dos casos específicos em que esse limite de idade é aumentado.

19      Consequentemente, VT interpôs recurso para o Tribunale amministrativo regionale per il Lazio (Tribunal Administrativo Regional do Lácio, Itália) do convite à apresentação de candidaturas, do Decreto Ministerial n.o 103/2018 e da decisão tácita de não admissão da sua candidatura ao mesmo concurso.

20      Por força de uma medida provisória adotada por aquele órgão jurisdicional, VT foi admitido, sob reserva, ao referido concurso, em cujas provas de pré‑seleção foi posteriormente aprovado.

21      Todavia, por Sentença de 2 de março de 2020, o referido órgão jurisdicional negou provimento ao recurso de VT, com o fundamento de que o limite de idade mencionado no n.o 17 do presente acórdão constituía uma «limitação razoável» e, nessa medida, não era contrário à Costituzione della Repubblica Italiana (Constituição da República Italiana) nem às disposições do direito da União que proíbem a discriminação, nomeadamente em razão da idade, particularmente a Diretiva 2000/78.

22      VT interpôs recurso dessa sentença para o órgão jurisdicional de reenvio, o Consiglio di Stato (Conselho de Estado, em formação jurisdicional, Itália), invocando a incompatibilidade das normas que fixam o limite de idade em causa tanto com o direito da União como com a Constituição da República Italiana e outras disposições do direito italiano.

23      No que respeita ao direito da União, VT invocou a aplicação da Diretiva 2000/78, do artigo 21.o da Carta e do artigo 10.o TFUE. Sustentou que a fixação de um limite máximo de idade de 30 anos para a participação no concurso em causa constituía uma discriminação irrazoável. O facto de determinadas disposições do convite à apresentação de candidaturas em causa preverem um limite de idade mais elevado para determinadas categorias de candidatos é ainda mais irrazoável. Com efeito, este convite à apresentação de candidaturas prevê que o limite máximo de idade «é aumentado até ao máximo de três anos de modo a ter em conta o serviço militar efetivo prestado pelos candidatos», que «[o] limite de idade não se aplica ao pessoal pertencente à Polícia Nacional» e que, «[p]ara o pessoal pertencente aos quadros oriundos da administração interna civil, o limite de idade para a participação no concurso é de 35 anos».

24      O Ministério da Administração Interna pediu que fosse negado provimento ao recurso interposto por VT.

25      O órgão jurisdicional de reenvio considera que, no caso em apreço, se trata de uma discriminação em razão da idade, na aceção do artigo 2.o da Diretiva 2000/78, que não é justificada à luz dos artigos 4.o e 6.o da mesma.

26      A este respeito, o referido órgão jurisdicional afirma que resulta de maneira evidente da leitura do artigo 2.o, n.o 2, do Decreto Legislativo n.o 334/2000 que as funções de comissário da polícia são essencialmente funções de direção e de natureza administrativa. Com efeito, as disposições nacionais aplicáveis não preveem como essenciais funções operacionais de execução que, enquanto tais, exigem aptidões físicas especialmente significativas, comparáveis às exigidas a um simples agente de um corpo da Polícia Nacional, na aceção do Acórdão de 15 de novembro de 2016, Salaberria Sorondo (C‑258/15, EU:C:2016:873).

27      Por outro lado, o referido órgão jurisdicional considera que o presente processo também deve ser comparado com o que deu origem ao Acórdão de 13 de novembro de 2014, Vital Pérez (C‑416/13, EU:C:2014:2371), no qual se considerou desproporcionado um limite de idade fixado em 30 anos para aceder à função de simples agente, numa situação em que as funções correspondentes teriam sido essencialmente de natureza administrativa, sem, no entanto, estarem excluídas intervenções que exijam o recurso à força física. Este limite de idade deve, por maioria de razão, ser considerado inadequado no presente processo, uma vez que as intervenções deste tipo são alheias às tarefas características dos comissários da polícia.

28      Outros argumentos corroboram igualmente o caráter desproporcionado do referido limite de idade.

29      Em primeiro lugar, o órgão jurisdicional de reenvio salienta que o concurso em causa inclui a prova de condição física prevista no artigo 3.o, n.o 3, do Decreto Legislativo n.o 334/2000 e que a não aprovação nessa prova tem a consequência de o candidato ser excluído do concurso. Uma vez que, no caso dos comissários da polícia, não estão previstos requisitos relativos a aptidões físicas especialmente significativas, como as referidas no processo que deu origem ao Acórdão de 15 de novembro de 2016, Salaberria Sorondo (C‑258/15, EU:C:2016:873), a existência de uma prova de condição física eliminatória deve, em todo o caso, ser considerada suficiente para garantir que as funções correspondentes poderão ser exercidas segundo as modalidades por elas exigidas.

30      Em segundo lugar, o artigo 3.o, n.o 4, do referido decreto legislativo, que prevê uma quota reservada aos agentes já em serviço que não tenham mais de 40 anos, demonstra que ter atingido essa idade à data da inscrição no concurso em causa não é incompatível com o exercício das funções de comissário da polícia.

31      Em terceiro lugar, a idade da reforma, fixada em 61 anos, permite, em qualquer caso, assegurar uma duração adequada de serviço, mesmo para aquele que inicie a sua carreira depois de ter atingido os 30 anos de idade.

32      Nestas condições, o Consiglio di Stato (Conselho de Estado, em formação jurisdicional) decidiu suspender a instância e submeter ao Tribunal de Justiça a seguinte questão prejudicial:

«Devem a Diretiva [2000/78], o artigo 3.o TUE, o artigo 10.o TFUE e o artigo 21.o da [Carta] ser interpretados no sentido de que se opõem à legislação nacional constante do Decreto Legislativo n.o 334/2000, e das suas sucessivas alterações e aditamentos, bem como das fontes secundárias adotadas pelo Ministero dell’interno [Ministério da Administração Interna, Itália], que prevê um limite de idade de 30 anos para a participação numa seleção para lugares de comissário da carreira dos funcionários da Polícia Nacional?»

 Quanto à questão prejudicial

33      A título preliminar, importa observar que, no âmbito do pedido de decisão prejudicial, o órgão jurisdicional de reenvio submete ao Tribunal de Justiça uma questão relativa à interpretação da Diretiva 2000/78, do artigo 3.o TUE, do artigo 10.o TFUE e do artigo 21.o da Carta.

34      No que respeita ao artigo 3.o TUE e ao artigo 10.o TFUE, basta constatar, por um lado, que o artigo 3.o TUE se limita a enunciar os objetivos da União, explicitados por outras disposições dos Tratados, e, por outro, que o artigo 10.o TFUE não impõe obrigações aos Estados‑Membros, mas à União. Por conseguinte, estes dois artigos não são pertinentes para efeitos da análise da questão submetida no presente processo.

35      Assim, há que considerar que, com a sua questão, o órgão jurisdicional de reenvio pergunta, em substância, se o artigo 2.o, n.o 2, o artigo 4.o, n.o 1, e o artigo 6.o, n.o 1, da Diretiva 2000/78, à luz do artigo 21.o da Carta, devem ser interpretados no sentido de que se opõem a uma legislação nacional que prevê a fixação de um limite máximo de idade de 30 anos para a participação num concurso destinado a recrutar comissários da polícia.

36      Antes de mais, há que recordar que a proibição de qualquer discriminação, nomeadamente em razão da idade, está consagrada no artigo 21.o da Carta e que essa proibição se materializou na Diretiva 2000/78 no domínio do emprego e da atividade profissional [Acórdão de 3 de junho de 2021, Ministero della Giustizia (Notários), C‑914/19, EU:C:2021:430, n.o 19 e jurisprudência referida].

37      Assim, em primeiro lugar, importa verificar se a legislação em causa no processo principal é abrangida pelo âmbito de aplicação da Diretiva 2000/78.

38      A este propósito, ao prever que as pessoas que tenham atingido 30 anos de idade não podem participar num concurso destinado a recrutar comissários da Polícia Nacional, o artigo 3.o, n.o 1, do Decreto Legislativo n.o 334/2000 afeta as condições de contratação desses trabalhadores. Por conseguinte, deve considerar‑se que uma legislação desta natureza estabelece regras em matéria de acesso ao emprego no setor público, na aceção do artigo 3.o, n.o 1, alínea a), da Diretiva 2000/78 (v., neste sentido, Acórdãos de 13 de novembro de 2014, Vital Pérez, C‑416/13, EU:C:2014:2371, n.o 30, e de 15 de novembro de 2016, Salaberria Sorondo, C‑258/15, EU:C:2016:873, n.o 25).

39      Nessas circunstâncias, a legislação em causa no processo principal é abrangida pelo âmbito de aplicação da Diretiva 2000/78.

40      No que respeita, em seguida, à questão de saber se esta legislação instaura uma diferença de tratamento diretamente baseada na idade, na aceção do artigo 2.o, n.o 1, da Diretiva 2000/78, há que recordar que, nos termos desta disposição, se entende por «princípio da igualdade de tratamento» a ausência de qualquer discriminação, direta ou indireta, por qualquer dos motivos referidos no artigo 1.o da mesma diretiva. O artigo 2.o, n.o 2, alínea a), da referida diretiva precisa que, para efeitos da aplicação do seu n.o 1, existe discriminação direta sempre que uma pessoa seja objeto de um tratamento menos favorável do que aquele que é dado a outra pessoa que se encontre numa situação comparável, com base em qualquer dos motivos referidos no artigo 1.o da mesma diretiva (Acórdão de 15 de novembro de 2016, Salaberria Sorondo, C‑258/15, EU:C:2016:873, n.o 28).

41      No caso em apreço, a exigência relativa à idade prevista no artigo 3.o, n.o 1, do Decreto 334/2000 tem por consequência que certas pessoas sejam tratadas de maneira menos favorável do que outras que se encontrem em situações comparáveis, unicamente pelo facto de terem atingido a idade de 30 anos.

42      Por conseguinte, como salientaram todos os interessados que apresentaram observações escritas, a legislação em causa no processo principal institui uma diferença de tratamento diretamente baseada na idade, na aceção das disposições conjugadas do artigo 1.o e do artigo 2.o, n.o 2, alínea a), da Diretiva 2000/78 (v., neste sentido, Acórdãos de 13 de novembro de 2014, Vital Pérez, C‑416/13, EU:C:2014:2371, n.o 33, e de 15 de novembro de 2016, Salaberria Sorondo, C‑258/15, EU:C:2016:873, n.o 30).

43      Nestas condições, importa, por último, verificar se essa diferença de tratamento pode ser justificada à luz do artigo 4.o, n.o 1, ou do artigo 6.o, n.o 1, da Diretiva 2000/78.

 Quanto ao artigo 4.o, n.o 1, da Diretiva 2000/78

44      Particularmente, o artigo 4.o, n.o 1, da Diretiva 2000/78, prevê que uma diferença de tratamento baseada numa característica relacionada com qualquer dos motivos de discriminação referidos no artigo 1.o desta diretiva não constituirá discriminação sempre que, em virtude da natureza da atividade profissional em causa ou do contexto da sua execução, essa característica constitua um requisito essencial e determinante para o exercício dessa atividade, na condição de o objetivo ser legítimo e o requisito proporcional.

45      Resulta desta disposição que não é o motivo em que se baseia a diferença de tratamento, mas uma característica relacionada com esse motivo que deve constituir um requisito profissional essencial e determinante (Acórdão de 15 de novembro de 2016, Salaberria Sorondo, C‑258/15, EU:C:2016:873, n.o 33 e jurisprudência referida).

46      A este respeito, o Tribunal de Justiça declarou que a posse de capacidades físicas específicas é uma característica relacionada com a idade e que as funções que dizem respeito à proteção das pessoas e bens, à detenção e vigilância dos autores de factos ilícitos e às patrulhas de prevenção podem exigir a utilização de força física. A natureza destas funções implica uma aptidão física específica, na medida em que as insuficiências físicas no exercício das referidas funções são suscetíveis de ter consequências importantes não só para os próprios agentes da polícia e para terceiros mas também para a manutenção da ordem pública (v., neste sentido, Acórdãos de 13 de novembro de 2014, Vital Pérez, C‑416/13, EU:C:2014:2371, n.os 37, 39 e 40, e de 15 de novembro de 2016, Salaberria Sorondo, C‑258/15, EU:C:2016:873, n.os 34 e 35).

47      Daí resulta que o facto de possuir capacidades físicas específicas para poder cumprir missões da polícia como assegurar a proteção das pessoas e bens, garantir o livre exercício dos direitos e liberdades individuais e garantir a segurança dos cidadãos, pode ser considerado uma exigência profissional essencial e determinante, na aceção do artigo 4.o, n.o 1, da Diretiva 2000/78, para o exercício da profissão de agente da polícia (v., neste sentido, Acórdão de 15 de novembro de 2016, Salaberria Sorondo, C‑258/15, EU:C:2016:873, n.o 36).

48      Ora, no presente processo, o órgão jurisdicional de reenvio afirma que resulta do artigo 2.o, n.o 2, do Decreto Legislativo n.o 334/2000 que as funções de comissário da polícia são essencialmente funções de direção e de natureza administrativa. As funções operacionais e de execução que exigem aptidões físicas especialmente significativas não são essenciais para o exercício da profissão de comissário da polícia e as intervenções que exigem o recurso à força física são alheias às tarefas características dos comissários da polícia.

49      Esta conclusão é, no entanto, contestada pelo Governo italiano nas suas observações escritas.

50      Segundo este governo, o artigo 2.o, n.o 2, do Decreto Legislativo n.o 334/2000 dispõe que os agentes como os comissários da polícia são oficiais da polícia judiciária que exercem funções inerentes a todos os serviços da Polícia Nacional, incluindo funções operacionais relativas à proteção das pessoas e bens, que podem implicar o emprego de meios coercivos físicos. Por outro lado, a qualificação de oficiais da segurança pública implica o emprego nos serviços de ordem pública, nomeadamente em serviços externos destinados a assegurar o bom desenrolar dos eventos e que possam exigir uma eficácia física máxima. A simples possibilidade de um comissário da polícia estar em situações de risco basta para justificar que seja imposta uma exigência de força física, associada à idade.

51      Cabe ao órgão jurisdicional de reenvio, que é o único competente para interpretar a legislação nacional aplicável, determinar quais são as funções efetivamente exercidas pelos comissários da Polícia Nacional e, à luz destas, determinar se a posse de capacidades físicas específicas é um requisito profissional essencial e determinante, na aceção do artigo 4.o, n.o 1, da Diretiva 2000/78.

52      A este respeito, o referido órgão jurisdicional deve ter em conta as funções efetivamente exercidas de modo habitual pelos comissários no cumprimento das suas funções normais. O facto de, após ter sido aprovado num concurso, se poder exigir que certos comissários, em função das características específicas do lugar a que serão concretamente afetados, possuam capacidades físicas específicas poderia certamente ser tomado em consideração para efeitos da seleção da pessoa que vai ocupar esse lugar. No entanto, isso não pode justificar a fixação de um limite de idade para a participação num concurso de âmbito geral, como o que está em causa no processo principal.

53      Se o órgão jurisdicional de reenvio constatar que, tendo em conta as funções efetivamente exercidas de modo habitual pelos órgãos da Polícia Nacional, a posse de capacidades físicas específicas não é um requisito profissional essencial e determinante, na aceção do artigo 4.o, n.o 1, da Diretiva 2000/78, deverá concluir que esta disposição, em conjugação com o artigo 2.o, n.o 2, da mesma diretiva, se opõe à legislação em causa no processo principal.

54      Em contrapartida, se o órgão jurisdicional de reenvio constatar que, tendo em conta essas funções, a posse de capacidades físicas específicas é um requisito profissional essencial e determinante, na aceção do artigo 4.o, n.o 1, da referida diretiva, deverá ainda verificar se o limite de idade em causa prossegue um objetivo legítimo e é proporcional, na aceção dessa disposição.

55      No que respeita, por um lado, ao objetivo prosseguido pela legislação em causa no processo principal, o Governo italiano sustenta que, ao fixar um limite de idade de 30 anos para a participação num concurso destinado a recrutar os comissários da polícia, esta legislação visa assegurar o caráter operacional e o bom funcionamento dos serviços de polícia.

56      A este respeito, o Tribunal de Justiça declarou que a preocupação de assegurar o caráter operacional e o bom funcionamento dos serviços de polícia constitui um objetivo legítimo na aceção do artigo 4.o, n.o 1, da Diretiva 2000/78 (Acórdãos de 13 de novembro de 2014, Vital Pérez, C‑416/13, EU:C:2014:2371, n.o 44, e de 15 de novembro de 2016, Salaberria Sorondo, C‑258/15, EU:C:2016:873, n.o 38).

57      No que respeita, por outro lado, ao caráter proporcionado dessa legislação, deve recordar‑se que, segundo o considerando 23 da Diretiva 2000/78, uma diferença de tratamento só «em circunstâncias muito limitadas» pode ser justificada, quando uma característica relacionada, nomeadamente, com a idade constitua um requisito profissional essencial e determinante. Por outro lado, na medida em que permite derrogar o princípio da não discriminação, o artigo 4.o, n.o 1, da referida diretiva deve ser objeto de interpretação estrita (Acórdão de 13 de novembro de 2014, Vital Pérez, C‑416/13, EU:C:2014:2371, n.os 46 e 47 e jurisprudência referida).

58      A este respeito, o Tribunal de Justiça declarou, em substância, no Acórdão de 15 de novembro de 2016, Salaberria Sorondo (C‑258/15, EU:C:2016:873, n.os 41, 48 e 50), que uma legislação que prevê a fixação de um limite máximo de idade máximo de 35 anos para os candidatos aos lugares de agentes de primeiro grau de um corpo de polícia que assumem todas as funções operacionais ou de execução que incumbem a esta última podia, em princípio, ser considerada como não excedendo o necessário à realização do objetivo referido no n.o 56 do presente acórdão. Em especial, o Tribunal de Justiça salientou que essas funções podiam implicar o recurso à força física e o desempenho de missões em condições de intervenção difíceis ou mesmo extremas.

59      Do mesmo modo, no Acórdão de 12 de janeiro de 2010, Wolf (C‑229/08, EU:C:2010:3, n.os 41 a 44), o Tribunal de Justiça concluiu pelo caráter proporcionado de uma medida que consistiu em fixar em 30 anos o limite máximo de idade de recrutamento para o serviço técnico intermédio dos bombeiros, depois de ter verificado, com base em dados científicos de que dispunha, que algumas das tarefas confiadas aos membros desse serviço, como o combate aos incêndios, requerem capacidades físicas excecionalmente elevadas e que muito poucos funcionários com idades superiores a 45 anos têm as capacidades físicas para exercer tal atividade.

60      Em contrapartida, no Acórdão de 13 de novembro de 2014, Vital Pérez (C‑416/13, EU:C:2014:2371, n.os 54 e 57), o Tribunal de Justiça declarou que uma legislação nacional que fixa em 30 anos o limite máximo de idade de recrutamento dos agentes de uma polícia local impõe um requisito desproporcionado, após ter salientado, nomeadamente, que, tendo em conta as funções exercidas por esses agentes, que incluía nomeadamente o auxílio aos cidadãos, a proteção das pessoas e bens, a detenção e custódia dos autores de delitos, as patrulhas de prevenção e o controlo do tráfego, as capacidades de que devem dispor nem sempre são comparáveis às capacidades físicas excecionalmente elevadas exigidas sistematicamente aos bombeiros.

61      Daqui resulta que, para determinar se, ao fixar o limite máximo de idade de 30 anos para a participação num concurso destinado a recrutar os comissários da polícia, a legislação em causa no processo principal impôs um requisito proporcionado, o órgão jurisdicional de reenvio deverá, em primeiro lugar, verificar se as funções efetivamente exercidas por esses comissários da polícia são essencialmente funções operacionais ou executivas que requerem capacidades físicas excecionalmente elevadas. Com efeito, é apenas nesta última hipótese que esse limite máximo de idade pode ser considerado proporcionado. Ora, parece decorrer do pedido de decisão prejudicial que os comissários da Polícia Nacional não exercem essas funções.

62      Por outro lado, para efeitos da análise da proporcionalidade da legislação em causa no processo principal, é igualmente pertinente a circunstância, suscitada pelo órgão jurisdicional de reenvio, de a prova física eliminatória prevista no âmbito do concurso em causa poder constituir uma medida adequada e menos restritiva do que a fixação do limite máximo de idade de 30 anos.

63      O Governo italiano invoca a necessidade de baixar a idade média na polícia, numa perspetiva futura, com vista a um reequilíbrio geral da estrutura global de acesso à Polícia Nacional.

64      A este respeito, no Acórdão de 15 de novembro de 2016, Salaberria Sorondo (C‑258/15, EU:C:2016:873, n.os 44 e 47), à luz dos dados precisos que lhe tinham sido fornecidos e que podiam deixar antever um envelhecimento massivo dos efetivos do corpo de polícia em questão, o Tribunal de Justiça declarou que, para restabelecer uma pirâmide de idades satisfatória, a posse de capacidades físicas específicas não devia estar prevista de modo estático, no âmbito das provas do concurso de recrutamento, mas de modo dinâmico, tomando em consideração os anos de serviço que serão cumpridos pelo agente após ter sido recrutado.

65      Além disso, importa sublinhar que, como resulta do n.o 58 do presente acórdão, no processo que deu origem a esse acórdão, tratava‑se de um concurso destinado a recrutar agentes de primeiro grau que não efetuavam tarefas administrativas, mas que exerciam essencialmente funções operacionais ou executivas.

66      Assim, em segundo lugar, caberá ao órgão jurisdicional de reenvio verificar à luz dos autos de que dispõe ou de possíveis informações que possa obter junto das autoridades nacionais, se um eventual restabelecimento de uma pirâmide de idades satisfatória na Polícia Nacional pode justificar o limite de idade em causa no processo principal. Dito isto, por um lado, deverá ter em conta a média de idade do pessoal objeto do concurso em causa, a saber, os comissários da Polícia Nacional, e não a de todo o pessoal da Polícia Nacional. Por outro lado, essa verificação só será pertinente se o referido órgão jurisdicional constatar que as funções efetivamente exercidas de modo habitual por esses comissários da polícia requerem a posse de capacidades físicas específicas, que justificam a necessidade dessa recalibragem da pirâmide das idades.

67      Na falta de tal necessidade, a existência de uma prova física eliminatória no âmbito do concurso em causa constitui efetivamente uma medida adequada e menos restritiva do que a fixação de um limite máximo de idade de 30 anos como o previsto na legislação em causa no processo principal.

68      Além disso, segundo o mesmo órgão jurisdicional, o facto de o artigo 3.o, n.o 4, do Decreto Legislativo n.o 334/2000 prever uma quota reservada aos agentes já em serviço que não tenham mais de 40 anos permite afirmar que ter atingido essa idade na data da inscrição no concurso não é incompatível com o exercício das funções de comissário da polícia e, por conseguinte, que o limite de idade em causa no processo principal é desproporcionado. Do mesmo modo, VT sublinha que este limite de idade é aumentado até três anos para os candidatos que cumpriram o serviço militar, suprimido para o pessoal da Polícia Nacional e fixado em 35 anos para o pessoal da administração civil do Ministério da Administração Interna.

69      O Governo italiano sustenta que a quota referida no número anterior se destina a manter as competências adquiridas por pessoas já formadas para o serviço da polícia ou para serviços úteis à função de comissário da polícia.

70      Dito isto, a existência dessa derrogação e das realçadas por VT corrobora o caráter desproporcionado do limite de idade em causa no processo principal. Com efeito, uma legislação só é apta a garantir a realização do objetivo invocado se responder verdadeiramente à intenção de o alcançar de uma maneira coerente e sistemática (Acórdão de 15 de julho de 2021, Tartu Vangla, C‑795/19, EU:C:2021:606, n.o 44 e jurisprudência referida).

71      Por conseguinte, sem prejuízo de verificações que incumbem ao órgão jurisdicional de reenvio, afigura‑se que, na medida em que as funções efetivamente exercidas pelos comissários da Polícia Nacional exigem capacidades físicas específicas, a fixação do limite máximo de idade de 30 anos previsto no artigo 3.o, n.o 1, do Decreto Legislativo n.o 334/2000 constitui uma exigência desproporcionada, à luz do artigo 4.o, n.o 1, da Diretiva 2000/78.

 Quanto ao artigo 6.o, n.o 1, da Diretiva 2000/78

72      No que respeita, em segundo lugar, à questão de saber se a diferença de tratamento instituída pela legislação em causa no processo principal pode ser justificada à luz do artigo 6.o, n.o 1, da Diretiva 2000/78, há que salientar que esta questão só deverá ser examinada se essa diferença de tratamento não puder ser justificada ao abrigo do artigo 4.o, n.o 1, da mesma (v., neste sentido, Acórdão de 15 de novembro de 2016, Salaberria Sorondo, C‑258/15, EU:C:2016:873, n.o 49).

73      O artigo 6.o, n.o 1, primeiro parágrafo, da Diretiva 2000/78 prevê que diferenças de tratamento com base na idade não constituem discriminação se forem objetiva e razoavelmente justificadas, no quadro do direito nacional, por um objetivo legítimo, relacionado, nomeadamente, com a política de emprego, o mercado de trabalho e a formação profissional, e desde que os meios para realizar esse objetivo sejam apropriados e necessários. O artigo 6.o, n.o 1, segundo parágrafo, alínea c), desta diretiva prevê que essas diferenças de tratamento podem incluir, designadamente, «[a] fixação de uma idade máxima de contratação, com base na formação exigida para o posto de trabalho em questão ou na necessidade de um período razoável de emprego antes da reforma».

74      Assim, importa verificar se o requisito da idade máxima de 30 anos para a participação num concurso destinado a recrutar comissários de polícia, conforme resulta do artigo 3.o, n.o 1, do Decreto Legislativo n.o 334/2000, se justifica por um objetivo legítimo, na aceção do artigo 6.o, n.o 1, da Diretiva 2000/78, e se os meios utilizados para o atingir são adequados e necessários.

75      Não resulta do pedido de decisão prejudicial que a legislação em causa no processo principal indique qual o objetivo que prossegue. Todavia, o Tribunal de Justiça declarou que não se pode inferir do artigo 6.o, n.o 1, da Diretiva 2000/78 que uma imprecisão da legislação nacional em causa, quanto ao objetivo prosseguido, tenha por efeito excluir automaticamente que essa legislação possa ser justificada nos termos desta disposição. Na falta de tal precisão, importa que outros elementos do contexto geral da medida em causa permitam a identificação do objetivo que lhe está subjacente, para efeitos do exercício da fiscalização jurisdicional quanto à sua legitimidade e quanto ao caráter apropriado e necessário dos meios utilizados para a concretização desse objetivo (Acórdão de 13 de novembro de 2014, Vital Pérez, C‑416/13, EU:C:2014:2371, n.o 62 e jurisprudência referida).

76      Além disso, os objetivos que podem ser considerados «legítimos» na aceção do artigo 6.o, n.o 1, da Diretiva 2000/78 e, consequentemente, suscetíveis de justificar uma exceção ao princípio da proibição da discriminação com base na idade, são objetivos de política social (Acórdão de 13 de setembro de 2011, Prigge e o., C‑447/09, EU:C:2011:573, n.o 81 e jurisprudência referida).

77      Na medida em que o limite de idade instituído pela legislação em causa no processo principal pode ser considerado como tendo por base a formação exigida para o posto de trabalho em questão ou a necessidade de um período razoável de emprego antes da reforma, na aceção do artigo 6.o, n.o 1, segundo parágrafo, alínea c), dessa diretiva, esse limite poderia justificar a diferença de tratamento em causa no processo principal, se esta for «objetiva e razoavelmente justificad[a], no quadro do direito nacional», na aceção desta disposição (v., neste sentido, Acórdão de 13 de novembro de 2014, Vital Pérez, C‑416/13, EU:C:2014:2371, n.os 64 e 65).

78      Ora, mesmo nessa hipótese, haveria que examinar se os meios implementados para realizar esses objetivos são apropriados e necessários.

79      A este respeito, por um lado, o Tribunal de Justiça não dispõe de elementos que permitam considerar que o limite de idade em causa no processo principal é adequado e necessário à luz do objetivo de assegurar a formação dos comissários da polícia.

80      Por outro lado, no que respeita ao objetivo de assegurar um período razoável de emprego antes da reforma, resulta das indicações fornecidas pelo órgão jurisdicional de reenvio que a idade da reforma do pessoal da Polícia Nacional está fixada em 61 anos.

81      Daqui resulta que uma legislação nacional que fixa em 30 anos a idade máxima para a participação num concurso que se destina a recrutar comissários da polícia não pode, em princípio, ser considerada necessária com vista a assegurar aos comissários em causa um período razoável de emprego antes da reforma, na aceção do artigo 6.o, n.o 1, alínea c), da Diretiva 2000/78 (v., neste sentido, Acórdão de 13 de novembro de 2014, Vital Pérez, C‑416/13, EU:C:2014:2371, n.o 72), especialmente se o órgão jurisdicional de reenvio confirmar, após a análise de um conjunto de elementos pertinentes, que as funções dos comissários da polícia não incluem essencialmente tarefas fisicamente exigentes que os comissários da polícia recrutados numa idade mais avançada não seriam capazes de executar durante um período suficientemente longo (v., neste sentido, Acórdãos de 12 de janeiro de 2010, Wolf, C‑229/08, EU:C:2010:3, n.o 43, e de 15 de novembro de 2016, Salaberria Sorondo, C‑258/15, EU:C:2016:873, n.o 46).

82      Nestas condições, e sob reserva de confirmação pelo órgão jurisdicional de reenvio, a diferença de tratamento resultante de uma disposição como o artigo 3.o, n.o 1, do Decreto Legislativo n.o 334/2000 não pode ser justificada ao abrigo do artigo 6.o, n.o 1, segundo parágrafo, alínea c), da Diretiva 2000/78.

83      Tendo em conta todas as considerações precedentes, há que responder à questão submetida que o artigo 2.o, n.o 2, o artigo 4.o, n.o 1, e o artigo 6.o, n.o 1, da Diretiva 2000/78, à luz do artigo 21.o da Carta, devem ser interpretados no sentido de que se opõem a uma legislação nacional que prevê a fixação de um limite máximo de idade de 30 anos para a participação num concurso destinado a recrutar comissários da polícia, na medida em que as funções efetivamente exercidas por esses comissários da polícia não exijam capacidades físicas específicas ou, se tais capacidades físicas forem exigidas, se verifique que tal legislação, ao mesmo tempo que prossegue um objetivo legítimo, impõe um requisito desproporcionado, o que incumbe ao órgão jurisdicional nacional verificar.

 Quanto às despesas

84      Revestindo o processo, quanto às partes na causa principal, a natureza de incidente suscitado perante o órgão jurisdicional de reenvio, compete a este decidir quanto às despesas. As despesas efetuadas pelas outras partes para a apresentação de observações ao Tribunal de Justiça não são reembolsáveis.

Pelos fundamentos expostos, o Tribunal de Justiça (Sétima Secção) declara:

O artigo 2.o, n.o 2, o artigo 4.o, n.o 1, e o artigo 6.o, n.o 1, da Diretiva 2000/78/CE do Conselho, de 27 de novembro de 2000, que estabelece um quadro geral de igualdade de tratamento no emprego e na atividade profissional, à luz do artigo 21.o da Carta dos Direitos Fundamentais da União Europeia, devem ser interpretados no sentido de que se opõem a uma legislação nacional que prevê a fixação de um limite máximo de idade de 30 anos para a participação num concurso destinado a recrutar comissários da polícia, na medida em que as funções efetivamente exercidas por esses comissários da polícia não exijam capacidades físicas específicas ou, se tais capacidades físicas forem exigidas, se verifique que tal legislação, ao mesmo tempo que prossegue um objetivo legítimo, impõe um requisito desproporcionado, o que incumbe ao órgão jurisdicional nacional verificar.

Assinaturas


*      Língua do processo: italiano.