Language of document : ECLI:EU:T:2014:122

ACÓRDÃO DO TRIBUNAL GERAL (Sétima Secção)

14 de março de 2014 (*)

«Concorrência — Procedimento administrativo — Decisão de pedido de informações — Caráter necessário das informações pedidas — Princípio da boa administração — Dever de fundamentação — Proporcionalidade»

No processo T‑297/11,

Buzzi Unicem SpA, com sede em Casale Monferrato (Itália), representada por C. Osti e A. Prastaro, advogados,

recorrente,

contra

Comissão Europeia, representada inicialmente por B. Gencarelli, L. Malferrari e C. Hödlmayr, e em seguida por Malferrari e Hödlmayr, na qualidade de agentes, assistidos por M. Merola, advogado,

recorrida,

que tem por objeto um pedido de anulação da Decisão C (2011) 2356 final da Comissão, de 30 de março de 2011, relativa a um procedimento de aplicação do artigo 18.°, n.° 3, do Regulamento (CE) n.° 1/2003 do Conselho (processo 39520 — Cimento e produtos conexos),

O TRIBUNAL GERAL (Sétima Secção),

composto por: A. Dittrich, presidente, I. Wiszniewska‑Białecka e M. Prek (relator), juízes,

secretário: J. Palacio González, administrador principal,

vistos os autos e após a audiência de 26 de abril de 2013,

profere o presente

Acórdão

 Factos na origem do litígio

1        No decurso do mês de outubro de 2008, a Comissão das Comunidades Europeias efetuou, em aplicação do artigo 20.° do Regulamento (CE) n.° 1/2003 do Conselho, de 16 de dezembro de 2002, relativo à execução das regras de concorrência estabelecidas nos artigos [101.° TFUE] e [102.° TFUE] (JO 2003, L 1, p. 1), várias inspeções nas instalações de sociedades com atividade no setor cimenteiro, incluindo nas instalações da recorrente, Buzzi Unicem SpA, da Dyckerhoff AG e da Cimalux SA, sociedades controladas direta ou indiretamente pela recorrente.

2        Em 30 de setembro de 2009, a Comissão dirigiu um pedido de informações com dois questionários à recorrente. O primeiro questionário incidia sobre documentos apreendidos na altura das inspeções. No segundo questionário anexado a esse pedido de informações, a Comissão dirigiu uma lista inicial de 57 questões à recorrente (a seguir «questões iniciais»). À recorrente foi dirigido um outro pedido de informações a título do disposto no artigo 18.°, n.° 2, do Regulamento n.° 1/2003, em 11 de janeiro de 2010.

3        Em 5 de novembro de 2010, a Comissão informou a recorrente da sua intenção de lhe dirigir uma decisão de pedido de informações a título do artigo 18.°, n.° 3, do Regulamento n.° 1/2003 e comunicou‑lhe o projeto de questionário que planeava anexar a essa decisão.

4        Em 17 de novembro de 2010, a recorrente apresentou as suas observações sobre o projeto de questionário.

5        Em 6 de dezembro de 2010, a Comissão informou a recorrente de que tinha decidido dar início a um procedimento de harmonia com o disposto no artigo 11.°, n.° 6, do Regulamento n.° 1/2003 em relação a ela bem como em relação a sete sociedades com atividade no setor cimenteiro, por infrações presumidas ao artigo 101.° TFUE, que visavam «restrições dos fluxos comerciais no Espaço Económico Europeu (EEE), incluindo restrições de importações no EEE provenientes de países fora do EEE, repartições de mercados, coordenações de preços e práticas anticoncorrenciais conexas no mercado do cimento e dos produtos conexos» (a seguir «decisão de abertura do procedimento»).

6        Em 30 de março de 2011, a Comissão adotou a Decisão C (2011) 2356 final, relativa a um procedimento de aplicação do artigo 18.°, n.° 3, do Regulamento n.° 1/2003 (processo 39520 — Cimento e produtos conexos) (a seguir «decisão impugnada»).

7        Na decisão impugnada, a Comissão indica que, em conformidade com o disposto no artigo 18.° do Regulamento n.° 1/2003, em cumprimento das funções que lhe são atribuídas pelo referido regulamento, pode, mediante simples pedido ou decisão, solicitar às empresas e associações de empresas que forneçam todas as informações necessárias (considerando 3, da decisão impugnada). Após ter lembrado que a recorrente tinha sido informada da sua intenção de adotar uma decisão em conformidade com o disposto no artigo 18.°, n.° 3, do Regulamento n.° 1/2003 e que esta tinha apresentado as suas observações sobre um projeto de questionário (considerandos 4 e 5 da decisão impugnada), a Comissão pediu, mediante decisão, à recorrente, bem como às suas filiais situadas na União Europeia e controladas direta ou indiretamente por ela, que respondessem ao questionário que figurava em anexo I, compreendendo 79 páginas e constituído por onze séries de questões (considerando 6 da decisão impugnada).

8        A Comissão lembrou igualmente a descrição das infrações presumidas, que figura no n.° 5, supra (considerando 2 da decisão impugnada).

9        Referindo‑se à natureza e à quantidade das informações pedidas assim como à gravidade das infrações presumidas às regras da concorrência, a Comissão considerou que se devia conceder à recorrente um prazo de resposta de doze semanas para as dez primeiras séries de questões e de duas semanas para a décima primeira, relativa aos «Contactos e reuniões» (considerando 8 da decisão impugnada).

10      O dispositivo da decisão impugnada tem a seguinte redação:

«Artigo 1

[A recorrente], incluindo as suas filiais situadas na UE e controladas direta ou indiretamente por ela, fornecerá as informações mencionadas no anexo I da presente decisão, na forma pedida no anexo II e no anexo III desta, num prazo de resposta de doze semanas para as questões 1‑10 e de duas semanas para a questão 11, a contar da data da notificação da presente decisão. Todos os anexos fazem parte integrante desta decisão.

Artigo 2.°

[A recorrente], incluindo as suas filiais situadas na UE e controladas direta ou indiretamente por ela, é destinatária da presente decisão […]»

 Tramitação do processo e pedidos das partes

11      Por petição entrada na Secretaria do Tribunal Geral em 10 de junho de 2011, a recorrente interpôs o presente recurso de anulação da decisão impugnada.

12      Por ato separado apresentado na Secretaria do Tribunal Geral em 10 de junho de 2011, requereu que o litígio fosse decidido seguindo tramitação acelerada, em aplicação do artigo 76.°‑A do Regulamento de Processo do Tribunal Geral.

13      Por decisão de 14 de setembro de 2011, o Tribunal Geral (Sétima Secção) indeferiu esse pedido.

14      Com base no relatório do juiz‑relator, o Tribunal Geral (Sétima Secção) decidiu abrir a fase oral do processo.

15      Foram ouvidas as alegações das partes e as suas respostas às questões orais colocadas pelo Tribunal Geral na audiência de 26 de abril de 2013.

16      A recorrente conclui pedindo que o Tribunal se digne:

¾        anular, total ou parcialmente, a decisão impugnada;

¾        condenar a Comissão nas despesas.

17      A Comissão conclui pedindo que o Tribunal Geral se digne:

¾        negar provimento ao recurso;

¾        condenar a recorrente nas despesas.

 Questão de direito

18      A recorrente invoca cinco fundamentos de recurso, relativos, em substância, em primeiro lugar, a uma falta ou insuficiência de fundamentação da decisão impugnada e uma violação dos direitos de defesa, em segundo lugar, a um excesso e a um desvio de poder na altura da adoção da decisão impugnada, bem como a uma inversão do ónus da prova, em terceiro lugar, a uma violação do artigo 18.° do Regulamento n.° 1/2003, em quarto lugar, a uma violação do princípio da proporcionalidade e, em quinto lugar, a uma violação, pela Comissão, das suas boas práticas na apresentação de dados económicos e do princípio da boa administração.

 Quanto ao primeiro fundamento, relativo à falta ou à insuficiência de fundamentação da decisão impugnada e à violação dos direitos de defesa

19      A título principal, a recorrente alega que a decisão impugnada está ferida de falta de fundamentação na medida em que não contém indicações quanto ao objeto e à finalidade do pedido de informações e que a fundamentação não pode ser integralmente substituída por uma remissão para outros atos. A título subsidiário, sustenta que, mesmo que o conteúdo da decisão de abertura do procedimento pudesse ser tomado em conta, a decisão permaneceria ferida de insuficiência de fundamentação, tendo em conta o caráter demasiado geral da definição das presunções de infração que tenciona averiguar. Quanto aos outros elementos do contexto jurídico aos quais se refere a Comissão, não permitem completar a fundamentação da decisão impugnada. A recorrente considera que essa insuficiência de fundamentação a impede de apreciar a necessidade das informações pedidas e, portanto, de exercer os seus direitos de defesa.

20      A Comissão considera que a decisão impugnada está suficientemente fundamentada.

21      O dever de fundamentar uma decisão individual tem por finalidade permitir ao juiz exercer a sua fiscalização sobre a legalidade da decisão e fornecer ao interessado uma indicação suficiente para saber se a decisão é fundada ou se está eventualmente afetada por um vício que permita contestar a sua validade, esclarecendo‑se que o alcance desse dever depende da natureza do ato em causa e do contexto em que o mesmo foi adotado, bem como do conjunto das normas jurídicas que regem a matéria em causa (acórdão do Tribunal de Justiça de 25 de outubro de 1984, Interfacultair Instituut Electronenmicroscopie der Rijksuniversiteit te Groningen, 185/83, Recueil, p. 3623, n.° 38; acórdãos do Tribunal Geral de 15 de junho de 2005, Corsica Ferries France/Comissão, T‑349/03, Colet., p. II‑2197, n.os 62 e 63; e de 12 de julho de 2007, CB/Comissão, T‑266/03, não publicado na Coletânea, n.° 35).

22      Em aplicação de jurisprudência bem assente, os elementos essenciais da fundamentação de uma decisão de pedido de informações são definidos pelo próprio artigo 18.°, n.° 3, do Regulamento n.° 1/2003 (v. acórdão do Tribunal Geral de 22 de março de 2012, Slovak Telekom/Comissão, T‑458/09 e T‑171/10, n.os 76 e 77, e jurisprudência aí referida).

23      O artigo 18.°, n.° 3, do Regulamento n.° 1/2003 prevê que a Comissão «deve indicar o fundamento jurídico e a finalidade do pedido, especificar as informações que são necessárias e o prazo em que as informações devem ser fornecidas». O artigo 18.°, n.° 3, do Regulamento n.° 1/2003 especifica, além disso, que a Comissão «[d]eve indicar igualmente as sanções previstas no artigo 23.°», «indicar ou aplicar as sanções previstas no artigo 24.°» e «[d]eve indicar ainda a possibilidade de impugnação da decisão perante o Tribunal de Justiça».

24      Essa delimitação do dever de fundamentação explica‑se pelo caráter instrutório das decisões de pedido de informações.

25      Importa, com efeito, ter‑se presente que o procedimento administrativo previsto no Regulamento n.° 1/2003, que se desenrola na Comissão, se subdivide em duas fases distintas e sucessivas, cada uma das quais corresponde a uma lógica interna própria, isto é, uma fase de instrução preliminar, por um lado, e uma fase contraditória, por outro. A fase de instrução preliminar, durante a qual a Comissão faz uso dos poderes de instrução previstos pelo Regulamento n.° 1/2003 e que se estende até à comunicação de acusações, destina‑se a permitir à Comissão reunir todos os elementos pertinentes que confirmem ou não a existência de uma infração às regras da concorrência e tomar uma primeira posição sobre a orientação bem como sobre o seguimento posterior a dar ao procedimento. Em contrapartida, a fase contraditória, que se estende da comunicação de acusações à adoção da decisão final, deve permitir à Comissão pronunciar‑se definitivamente sobre a infração imputada (v., neste sentido, acórdão do Tribunal Geral de 8 de julho de 2008, AC‑Treuhand/Comissão, T‑99/04, Colet., p. II‑1501, n.° 47).

26      Por um lado, a fase de instrução preliminar tem como ponto de partida a data em que a Comissão, no exercício dos poderes que lhe são conferidos pelos artigos 18.° e 20.° do Regulamento n.° 1/2003, toma medidas que implicam a imputação de uma infração e que têm repercussões significativas na situação das empresas suspeitas. Por outro lado, é apenas no início da fase contraditória administrativa que a empresa em causa é informada, através da comunicação de acusações, de todos os elementos essenciais em que a Comissão se baseia nessa fase do procedimento e de que dispõe de um direito de acesso aos elementos do processo a fim de garantir o exercício efetivo dos seus direitos de defesa. Por conseguinte, só após o envio da comunicação de acusações é que a empresa em causa se pode prevalecer plenamente dos seus direitos de defesa. Com efeito, se esses direitos fossem estendidos à fase que antecede o envio da comunicação de acusações, a eficácia do inquérito da Comissão estaria comprometida, pois a empresa em causa estaria, logo na fase de instrução preliminar, em condições de identificar as informações conhecidas da Comissão e, por conseguinte, quais lhe poderiam ainda ser ocultadas (v., nesse sentido, acórdão AC‑Treuhand/Comissão, referido no n.° 25, supra, n.° 48 e jurisprudência aí referida).

27      Todavia, as medidas de instrução tomadas pela Comissão no decurso da fase de instrução preliminar, nomeadamente as medidas de averiguação e os pedidos de informações, implicam por natureza a imputação de uma infração e podem ter repercussões significativas na situação das empresas suspeitas. Portanto, importa evitar que os direitos de defesa possam ficar irremediavelmente comprometidos no decurso dessa fase do procedimento administrativo, uma vez que as medidas de instrução tomadas podem ter um caráter determinante para o apuramento de provas do caráter ilegal de comportamentos de empresas suscetíveis de gerar a sua responsabilidade (v., neste sentido, acórdão do Tribunal de Justiça de 21 de setembro de 1989, Hoechst/Comissão, 46/87 e 227/88, Colet., p. 2859, n.° 15, e acórdão AC‑Treuhand/Comissão, referido no n.° 25, supra, n.os 50 e 51).

28      Neste contexto, deve recordar‑se que o dever imposto pelo artigo 18.°, n.° 3, do Regulamento n.° 1/2003 à Comissão de indicar o fundamento jurídico e a finalidade do pedido de informações constitui uma exigência fundamental com vista a deixar transparecer a justificação das informações solicitadas junto das empresas em causa, mas também a dar‑lhes a possibilidade de apreenderem o alcance do seu dever de colaboração, preservando, embora, ao mesmo tempo os seus direitos de defesa. Daí decorre que só pode ser exigida, pela Comissão, a comunicação de informações suscetíveis de lhe permitir averiguar as presunções de infração que justificam a instauração do inquérito e que estejam indicadas no pedido de informações (v., neste sentido e por analogia, acórdãos do Tribunal Geral de 12 de dezembro de 1991, SEP/Comissão, T‑39/90, Colet., p. II‑1497, n.° 25, e de 8 de março de 1995, Société Générale/Comissão, T‑34/93, Colet., p. II‑545, n.° 40).

29      Tal como o advogado‑geral F. G. Jacobs sublinhou no n.° 30 das suas conclusões no processo que deu origem ao acórdão do Tribunal de Justiça de 19 de maio de 1994, SEP/Comissão (C‑36/92 P, Colet., p. I‑1911, I‑1914), o dever de indicar a finalidade significa «evidentemente [que a Comissão] deve identificar a infração presumida às normas da concorrência», «[a] natureza necessária da informação deve ser apreciada relativamente ao objetivo mencionado no pedido de informações» e «[o] objetivo deve ser indicado com suficiente precisão, sob pena de não ser possível determinar se a informação é necessária e o Tribunal de Justiça não poder exercer a sua fiscalização».

30      Resulta igualmente de jurisprudência constante que a Comissão não é obrigada a comunicar ao destinatário de tal decisão todas as informações de que dispõe quanto a infrações presumidas, nem a proceder a uma qualificação jurídica rigorosa dessas infrações, mas deve indicar claramente as presunções que pretende averiguar (acórdãos Société Générale/Comissão, referido no n.° 28, supra, n.os 62 e 63, e Slovak Telekom/Comissão, referido no n.° 22, supra, n.° 77).

31      Não se poderá, no entanto, impor à Comissão que indique, na fase de instrução preliminar, além das presunções de infração que pretende averiguar, os indícios, isto é, os elementos que a levam a equacionar a hipótese de uma violação do artigo 101.° TFUE. Com efeito, tal obrigação poria em causa o equilíbrio que a jurisprudência estabelece entre a preservação da eficácia do inquérito e a preservação dos direitos de defesa da empresa em causa.

32      No caso em apreço, a decisão impugnada indica claramente que é adotada com fundamento no artigo 18.°, n.° 3, do Regulamento n.° 1/1003 e que as práticas em investigação poderão constituir uma violação do artigo 101.° TFUE. Os seus considerandos 10 e 11 referem‑se expressamente às sanções e ao direito de recurso referidos no n.° 23, supra.

33      O caráter suficientemente fundamentado ou não da decisão impugnada depende, portanto, exclusivamente do ponto de saber se as presunções de infração que a Comissão pretende averiguar são especificadas com clareza suficiente.

34      A fundamentação da decisão impugnada quanto a esse ponto é constituída pela menção que figura no considerando 2 da decisão impugnada segundo a qual «[a]s infrações presumidas dizem respeito a restrições dos fluxos comerciais no Espaço Económico Europeu (EEE), incluindo restrições de importações no EEE provenientes de países fora do EEE, repartições de mercados, coordenações de preços e práticas anticoncorrenciais conexas no mercado do cimento e nos mercados dos produtos conexos».

35      Por outro lado, a decisão impugnada remete expressamente para a decisão de abertura do procedimento mencionada no n.° 5, supra, que contém informações suplementares sobre a extensão geográfica das presunções de infração e sobre o tipo de produtos visados.

36      O Tribunal Geral refere que a fundamentação da decisão impugnada está redigida em termos muito gerais que mereceriam ser especificados e expõe‑se, portanto, a críticas quanto a esse ponto. Pode, todavia, considerar‑se que a referência a restrições de importações no Espaço Económico Europeu (EEE), a repartições de mercados, bem como a coordenações dos preços no mercado do cimento e nos mercados dos produtos conexos, lida conjuntamente com a decisão de abertura do procedimento, equivale ao grau mínimo de clareza que permite concluir pelo respeito das disposições do artigo 18.°, n.° 3, do Regulamento n.° 1/2003.

37      Deve deduzir‑se daí que a decisão impugnada está suficientemente fundamentada do ponto de vista do direito. Por consequência, deve igualmente concluir‑se que a recorrente estava em posição de apreciar a necessidade das informações pedidas.

38      Essa conclusão não é infirmada pela argumentação da recorrente relativa ao facto de a Comissão não ter especificado o período abrangido pelo seu inquérito. Com efeito, a Comissão não é obrigada, nos termos do artigo 18.°, n.° 3, do Regulamento n.° 1/2003, a fundamentar esse ponto.

39      O presente fundamento deve, portanto, improceder.

 Quanto ao segundo fundamento, relativo a um excesso e a um desvio de poder por parte da Comissão, bem como a uma inversão do ónus da prova

40      A recorrente considera que a Comissão excedeu e desviou os seus poderes ao adotar uma decisão puramente exploratória, quando uma decisão adotada com fundamento no artigo 18.° do Regulamento n.° 1/2003 deve servir unicamente para confirmar a realidade de indícios já na sua posse. Censura a Comissão por não ter especificado a finalidade do seu pedido de informações. Além disso, a recorrente considera que as alterações que a Comissão introduziu nos seus diferentes pedidos de informações atestam que não estava na posse de indícios reveladores da existência de uma infração ao direito da concorrência quando adotou a decisão impugnada. O caráter exploratório da decisão impugnada resulta igualmente da contestação da Comissão. Ao proceder dessa forma, a Comissão inverteu igualmente o ónus da prova, impondo às empresas em causa que lhe fornecessem elementos de prova que serão utilizados em relação a elas. A recorrente sustenta que, nas presentes circunstâncias, cabia, tal sendo o caso, à Comissão conduzir um inquérito setorial nos termos do artigo 17.° do Regulamento n.° 1/2003.

41      Em primeiro lugar, o Tribunal Geral refere que, na medida em que, com o presente fundamento, a recorrente censura a Comissão por não ter especificado a finalidade do seu pedido de informações, o referido fundamento se confunde com a argumentação apresentada no quadro do primeiro fundamento, relativo à falta de fundamentação, e deve, por isso, ser rejeitado pelas razões expostas nos n.os 21 a 37, supra.

42      Em segundo lugar, deve observar‑se que o presente fundamento compreende igualmente, em substância, uma crítica relativa ao caráter arbitrário da decisão impugnada, pelo facto de a Comissão não estar na posse de indícios capazes de demonstrar a existência de uma infração ao direito da concorrência antes da sua adoção.

43      É certo que a exigência de proteção contra as intervenções do poder público na esfera de atividade privada de uma pessoa, seja singular ou coletiva, que sejam arbitrárias ou desproporcionadas, constitui um princípio geral do direito da União (acórdão Slovak Telekom/Comissão, referido no n.° 22, supra, n.° 81).

44      Da mesma forma, deve sublinhar‑se que, para respeitar esse princípio geral, uma decisão de pedido de informações deve visar recolher a documentação necessária para verificar a realidade e o alcance de determinadas situações de facto e de direito a propósito das quais a Comissão já dispõe de informações, que constituam indícios suficientemente sérios que permitam suspeitar de uma infração às regras da concorrência (v., neste sentido e por analogia, acórdão do Tribunal de Justiça de 22 de outubro de 2002, Roquette Frères, C‑94/00, Colet., p. I‑9011, n.os 54 e 55).

45      Todavia, não se pode deixar de observar que a recorrente se limita a avançar um certo número de críticas gerais quanto à atitude da Comissão no decurso do procedimento administrativo. Assim, nas circunstâncias do caso em apreço, na falta de um pedido expresso e fundamentado da recorrente, o Tribunal Geral não tem de verificar por sua própria iniciativa se a Comissão dispunha de indícios suficientemente sérios para justificar a adoção da decisão impugnada (v., neste sentido, acórdão do Tribunal de Justiça de 14 de março de 2013, Viega/Comissão, C‑276/11 P, n.os 41 a 43).

46      Em terceiro lugar e consequentemente, a alegação de que a Comissão cometeu um desvio de poder ao adotar uma decisão com fundamento no artigo 18.°, n.° 3, do Regulamento n.° 1/2003 em vez de um inquérito setorial deve ser rejeitada, visto que a recorrente não demonstrou que a Comissão utilizou os poderes conferidos por essa disposição para uma finalidade que lhe era alheia.

47      Além disso, não é inútil sublinhar que o recurso a um inquérito setorial a título do artigo 17.° do Regulamento n.° 1/2003 não revestiria necessariamente um caráter menos restritivo para a recorrente do que uma decisão de pedido de informações adotada a título do artigo 18.°, n.° 3, do Regulamento n.° 1/2003. Com efeito, de acordo com o artigo 23.°, n.° 1, alínea b), do Regulamento n.° 1/2003, a Comissão pode aplicar uma coima em caso de fornecimento de informações inexatas, incompletas ou deturpadas ou se a recorrente não fornecer uma informação no prazo exigido por decisão tomada nos termos do artigo 17.° do Regulamento n.° 1/2003. O mesmo acontece com a possibilidade de aplicar sanções pecuniárias compulsórias nos termos do disposto no artigo 24.°, n.° 1, alínea d), desse mesmo regulamento. A Comissão dispõe, por isso, de meios de coerção idênticos no quadro dos procedimentos do artigo 17.° e do artigo 18.°, n.° 3, do Regulamento n.° 1/2003.

48      Em quarto lugar, no que diz respeito à crítica relativa ao facto de a Comissão ter imposto à recorrente que lhe fornecesse elementos de prova utilizados contra ela e, por conseguinte, ter invertido o ónus da prova em seu detrimento, será analisada conjuntamente com a argumentação da recorrente apresentada no quadro do terceiro fundamento, que contesta a natureza das informações pedidas, com o qual se confunde.

49      Com esta reserva, há que julgar o segundo fundamento improcedente.

 Quanto ao terceiro fundamento e quanto ao primeiro segmento do quarto fundamento, relativos à violação do artigo 18.° do Regulamento n.° 1/2003

50      No quadro do seu terceiro fundamento, a recorrente sustenta que a Comissão violou o artigo 18.° do Regulamento n.° 1/2003, que apenas lhe permite exigir o fornecimento de elementos de natureza factual na sua posse e que sejam necessários. Em primeiro lugar, as questões 1D, 5R, 5S, 5T e 5V implicam o fornecimento de estimativas e de opiniões e excedem, por isso, o âmbito do fornecimento de elementos de natureza factual. Acontece o mesmo com as questões que lhe exigem apreciar certas distâncias (questões 1A, ponto Y, 1B, pontos AB e AC, 3, pontos AB e AC, e 4, ponto Y). Em segundo lugar, a Comissão solicita a comunicação de informações que reconhece não serem ou não poderem ser detidas pela empresa em causa. Em terceiro lugar, considera que a Comissão lhe pede o fornecimento de informações que teria podido obter por si própria.

51      Com o primeiro segmento do quarto fundamento, a recorrente sustenta que a decisão impugnada foi adotada em violação do artigo 18.°, n.° 1, do Regulamento n.° 1/2003, uma vez que pede o fornecimento de informações que não são «necessárias» na aceção dessas disposições.

52      A Comissão conclui pela improcedência desses dois fundamentos.

53      Na medida em que o terceiro fundamento e o primeiro segmento do quarto fundamento são ambos relativos à violação do artigo 18.° do Regulamento n.° 1/2003, o Tribunal Geral considera que devem ser analisados conjuntamente.

 Quanto à natureza das informações pedidas

54      No quadro do seu terceiro fundamento, a recorrente contesta o direito de a Comissão lhe exigir que responda a questões que, por um lado, excedem o âmbito do fornecimento de elementos de natureza factual ou, por outro, incidem sobre informações que não estão na sua posse.

55      Deve recordar‑se que, segundo o considerando 23 do Regulamento n.° 1/2003, a «Comissão deverá dispor, em todo o território da [União], de poderes para exigir as informações necessárias para detetar eventuais acordos, decisões ou práticas concertadas proibidas pelo artigo [101.° TFUE], ou eventuais abusos de posição dominante proibidos pelo artigo [102.° TFUE]». Acrescenta que, «[a]o cumprirem uma decisão da Comissão, as empresas não podem ser forçadas a admitir que cometeram uma infração, mas são de qualquer forma obrigadas a responder a perguntas de natureza factual e a exibir documentos, mesmo que essas informações possam ser utilizadas para determinar que elas próprias ou quaisquer outras empresas cometeram uma infração».

56      Portanto, uma vez que se deve entender por fornecimento de «informações» na aceção do artigo 18.° do Regulamento n.° 1/2003 não só a apresentação de documentos, mas também a obrigação de responder a questões sobre os referidos documentos, a Comissão não está limitada unicamente ao pedido de apresentação de dados existentes, independentemente de qualquer intervenção da empresa em causa. Pode, assim, dirigir a uma empresa questões que implicam a formalização dos dados pedidos (v., neste sentido e por analogia, conclusões do advogado‑geral M. Darmon no processo que deu origem ao acórdão do Tribunal de Justiça de 18 de outubro de 1989, Orkem/Comissão, 374/87, Colet., p. 3283, 3301, n.° 55).

57      Deve, no entanto, sublinhar‑se que o exercício dessa prerrogativa é enquadrado pelo respeito de, pelo menos, dois princípios. Por um lado, tal como é recordado no considerando 23 do Regulamento n.° 1/2003, as questões dirigidas a uma empresa não podem coagi‑la a admitir que cometeu uma infração. Por outro lado, o fornecimento das respostas às referidas questões não deve representar um encargo desproporcionado em relação às necessidades do inquérito (acórdãos do Tribunal Geral de 12 de dezembro de 1991, SEP/Comissão, referido no n.° 28, supra, n.° 51; de 30 de setembro de 2003, Atlantic Container Line e o./Comissão, T‑191/98, T‑212/98 a T‑214/98, Colet., p. II‑3275, n.° 418; e Slovak Telekom/Comissão, referido no n.° 22, supra, n.° 81).

58      Sendo o caráter eventualmente desproporcionado do encargo ligado à resposta à decisão impugnada contestado no quadro do segundo segmento do quarto fundamento, basta averiguar, neste momento, se certas questões terão podido forçar a recorrente a admitir que tinha cometido uma infração.

59      Resulta de jurisprudência constante que a Comissão não pode impor a uma empresa a obrigação de dar respostas através quais seja levada a admitir a existência da infração cuja prova cabe à Comissão (acórdão Orkem/Comissão, referido no n.° 56, supra, n.os 34 e 35, e acórdão do Tribunal Geral de 28 de abril de 2010, Amann & Söhne e Cousin Filterie/Comissão, T‑446/05, Colet., p. II‑1255, n.° 325).

60      A jurisprudência lembra também que não pode ser reconhecido um direito ao silêncio absoluto a uma empresa destinatária de uma decisão de pedido de informações na aceção do artigo 18.°, n.° 3, do Regulamento n.° 1/2003. Com efeito, o reconhecimento desse direito iria além do necessário para preservar os direitos de defesa das empresas e constituiria um entrave injustificado ao cumprimento, pela Comissão, da missão de velar pelo respeito das regras da concorrência no mercado interno. Um direito ao silêncio só pode ser reconhecido na medida em que a empresa em causa seja obrigada a fornecer respostas que a levem a admitir a existência da infração cuja prova cabe à Comissão (v., neste sentido e por analogia, acórdão Amann & Söhne e Cousin Filterie/Comissão, referido no n.° 59, supra, n.° 326).

61      Para preservar o efeito útil do artigo 18.° do Regulamento n.° 1/2003, a Comissão pode, portanto, obrigar as empresas a fornecerem todas as informações necessárias que incidam sobre factos de que elas possam ter conhecimento e a comunicar‑lhe, se necessário, os documentos que a eles se reportem e estejam na sua posse, mesmo que estes possam servir para apurar a existência de um comportamento anticoncorrencial. Esse poder de instrução da Comissão não colide com o disposto no artigo 6.°, n.os 1 e 2, da Convenção para a Proteção dos Direitos do Homem e das Liberdades Fundamentais, assinada em Roma a 4 de novembro de 1950, nem com a jurisprudência do Tribunal Europeu dos Direitos do Homem. Também não é contrário aos artigos 47.° e 48.° da Carta dos Direitos Fundamentais da União Europeia (v., neste sentido e por analogia, acórdão Amann & Söhne e Cousin Filterie/Comissão, referido no n.° 59, supra, n.° 327).

62      O facto de ser obrigado a responder às questões puramente factuais colocadas pela Comissão e de aceder ao seu pedido de apresentação de documentos preexistentes não é suscetível de violar o princípio fundamental do respeito dos direitos de defesa enunciado no artigo 48.°, n.° 2, da Carta dos Direitos Fundamentais nem o direito a um processo equitativo, enunciado no artigo 47.° da Carta dos Direitos Fundamentais, que proporcionam, no domínio do direito da concorrência, uma proteção equivalente à garantida pelo artigo 6.° da Convenção para a Proteção dos Direitos do Homem e das Liberdades Fundamentais. Com efeito, nada impede o destinatário de um pedido de informações de demonstrar, mais tarde no quadro do procedimento administrativo ou na altura de um processo perante o juiz da União, que os factos expostos nas suas respostas ou os documentos comunicados têm um significado diferente daquele que lhes foi dado pela Comissão (v., neste sentido e por analogia, acórdão Amann & Söhne e Cousin Filterie/Comissão, referido n.° 59, supra, n.° 328).

63      Assim, uma empresa não poderá subtrair‑se a um pedido de apresentação de documentos pelo facto de, ao dar‑lhe seguimento, ser forçada a depor como testemunha contra si própria (v., neste sentido, acórdão do Tribunal de Justiça de 29 de junho de 2006, Comissão/SGL Carbon, C‑301/04 P, Colet., p. I‑5915, n.° 48). No que toca às respostas às questões que a Comissão pode dirigir às empresas, deve distinguir‑se consoante elas possam ser qualificadas de puramente factuais ou não. É só na eventualidade de uma questão não poder ser qualificada de puramente factual que se deve averiguar se implica uma resposta pela qual a empresa em causa seja levada a admitir a existência da infração cuja prova cabe à Comissão.

64      Em primeiro lugar, deve observar‑se que as questões 5R, 5S, 5T e 5V incidem sobre a produção máxima de CEM I, a utilização total das capacidades de produção, a utilização total das capacidades de trituração e o volume de produção anual, e revestem, por isso, uma dimensão exclusivamente factual.

65      Em segundo lugar, o Tribunal considera que acontece o mesmo quanto às questões 1A, ponto Y, 1B, ponto AB, 1B, ponto AC, 3, ponto AB, 3, ponto AC, e 4, ponto Y, na medida em que a avaliação, exigida à recorrente, das distâncias a percorrer reveste um caráter exclusivamente factual.

66      Em terceiro lugar, no que diz respeito à questão 1D, está redigida da seguinte forma:

«Com base nos dados fornecidos nas respostas às diferentes questões do questionário, queira descrever o método que a empresa de V. Ex.a julgaria adequado para calcular as margens brutas trimestrais:

1)      em relação às operações individuais;

2)      em relação às operações repartidas segundo a subdivisão aplicada nas questões que incidem sobre as vendas internas e as vendas para exportação;

3)      por sítio de aprovisionamento.»

67      Não se pode deixar de observar que, através dessa questão, a Comissão exige que a recorrente tome posição sobre o método que se deveria seguir para calcular as margens brutas trimestrais. Portanto, pode ser qualificada de puramente factual na medida em que pede à recorrente que se dedique a uma apreciação. Nisto distingue‑se da questão 1C que a precede, a qual tem uma dimensão exclusivamente factual na medida em que é pedida a comunicação de «todas as margens calculadas [pela] empresa no quadro das suas atividades comerciais em relação a cada país‑alvo».

68      Deve, portanto, averiguar‑se se a resposta à questão 1D poderia levar a recorrente a admitir a existência de uma infração cuja prova cabe à Comissão.

69      De forma preliminar, o Tribunal salienta que a Comissão não tem razão ao afirmar que a recorrente podia não fornecer qualquer resposta a essa questão pelo facto de o anexo II, alínea a), n.° 4, da decisão impugnada, no que se refere às instruções a respeitar para responder ao questionário do anexo I, prever a possibilidade de responder pela menção «UNK», que designa o termo inglês «unknown» (desconhecido).

70      É certo que o facto de uma empresa ser livre de responder ou não a uma questão colocada impede que se considere que a Comissão lhe impõe a obrigação de fornecer respostas pelas quais ela seja levada a admitir a existência da infração cuja prova cabe à Comissão (v., neste sentido, acórdão do Tribunal Geral de 20 de abril de 1999, Limburgse Vinyl Maatschappij e o./Comissão, T‑305/94 a T‑307/94, T‑313/94 a T‑316/94, T‑318/94, T‑325/94, T‑328/94, T‑329/94 e T‑335/94, Colet., p. II‑931, n.os 455 e 456).

71      Deve, no entanto, recordar‑se que essa jurisprudência dizia respeito a uma questão que figurava num simples pedido de informações, ato desprovido de força coerciva, em relação ao qual não existe ambiguidade quanto à liberdade de a empresa em causa não responder.

72      Ora, tal ausência de ambiguidade não se encontra no caso em apreço. Por um lado, a questão 1D está redigida numa forma imperativa, deixando entender que a recorrente é obrigada a responder‑lhe. Por outro lado, não se pode deduzir da leitura do anexo II, alínea a), n.° 4, da decisão impugnada que era claramente proporcionada à recorrente a possibilidade de não responder à questão 1D. Com efeito, esse número sublinha que o «princípio geral é que é necessário fornecer todas as informações detidas [pela] empresa» e que é só «se as informações pedidas não forem detidas de qualquer forma que seja por [essa] empresa [que ela deve] assinala[r] claramente e de forma sistemática os dados em falta nos ficheiros Excel utilizando a abreviatura ‘UNK’ (não disponível/desconhecido)». Não cobre, pois, a situação de uma empresa que não deseja responder a uma questão que lhe é colocada.

73      No que diz respeito ao ponto de saber se a questão 1D se assemelha a uma violação dos direitos de defesa da recorrente, é certo que, num contexto em que se requer igualmente da recorrente a apresentação de dados factuais que incidem sobre as suas margens de lucro, a apreciação que deve fornecer a título da questão 1D equivale a comentar o nível das suas margens de lucro, mesmo que este possa constituir um indício revelador da existência de práticas restritivas de concorrência.

74      No entanto, há que tomar igualmente em conta a possibilidade proporcionada à recorrente, numa fase posterior do procedimento administrativo ou no quadro de um recurso da decisão final da Comissão, de fazer valer uma interpretação da sua resposta à questão 1D diferente da interpretação da Comissão.

75      A esse propósito, deve efetuar‑se uma distinção entre dois tipos de situações.

76      Por um lado, quando a Comissão declara uma infração às regras da concorrência baseando‑se na suposição de que os factos apurados não podem ser explicados de outra forma que não em função da existência de um comportamento anticoncorrencial, o juiz da União será levado a anular essa decisão sempre que as empresas abrangidas avançarem uma argumentação que dê uma luz diferente aos factos apurados pela Comissão e que permita assim substituir por outra explicação plausível dos factos a explicação dada pela Comissão para concluir pela existência de uma infração por outra explicação plausível dos factos. Com efeito, em tal caso, não se poderá considerar que a Comissão aduziu a prova da existência de uma infração ao direito da concorrência (v. acórdão do Tribunal de Justiça de 22 de novembro de 2012, E.ON Energie/Comissão, C‑89/11 P, n.° 74 e jurisprudência aí referida). Questões que, sem mesmo poderem ser qualificadas de puramente factuais, impliquem uma resposta cuja interpretação dada pela Comissão poderá ser contestada pela empresa em causa segundo tais regras, não criam em seu benefício um direito ao silêncio.

77      Por outro lado, quando a Comissão tiver apurado que uma empresa participou em reuniões entre empresas de caráter manifestamente anticoncorrencial, incumbe então à empresa em causa fornecer uma outra explicação do conteúdo dessas reuniões. Da mesma forma, quando a Comissão se baseia em elementos de prova que são, em princípio, suficientes para demonstrar a existência da infração, não basta à empresa em causa invocar a possibilidade de ocorrência de uma circunstância que possa afetar o valor probatório desses elementos de prova para que a Comissão suporte o ónus de provar que essa circunstância não afeta o valor probatório desses elementos. Pelo contrário, salvo nos casos em que tal prova não possa ser fornecida pela empresa em causa devido ao comportamento da própria Comissão, cabe à empresa em causa fazer prova bastante, por um lado, da existência da circunstância que invoca e, por outro, que essa circunstância põe em causa o valor probatório dos elementos de prova em que se baseia a Comissão (v. acórdão E.ON Energie/Comissão, referido no n.° 76, supra, n.os 75 e 76, e jurisprudência aí referida). Face a questões que tenham por objetivo ou por efeito levá‑la a fornecer tais elementos à Comissão, uma empresa dispõe necessariamente de um direito ao silêncio. Com efeito, caso contrário, seria levada a admitir a existência da infração cuja prova cabe à Comissão na aceção da jurisprudência referida no n.° 60, supra.

78      Não se pode deixar de observar que a questão 1D não requer uma resposta que possa ser considerada suficiente para demonstrar a existência de uma ou de várias presunções de infração sobre as quais a Comissão investiga, na aceção da jurisprudência referida no n.° 76, supra. Assim, na eventualidade de a Comissão invocar a apreciação emitida a título da sua resposta à questão 1D contra a recorrente, esta continua, se for o caso, a poder invocar uma outra interpretação da sua resposta diferente da interpretação dada pela Comissão.

79      Decorre daí que a Comissão, ao exigir que a recorrente respondesse à questão 1D, não violou os seus direitos de defesa.

80      Finalmente, no que toca à crítica da recorrente relativa ao facto de a Comissão lhe exigir informações que não estão na sua posse, deve recordar‑se, por um lado, que a recorrente está sujeita ao dever de colaboração ativa, que implica que tenha todos os elementos de informação relativos ao objeto do inquérito à disposição da Comissão (acórdãos Orkem/Comissão, referido n.° 56, supra, n.° 27, e Société Générale/Comissão, referido no n.° 28, supra, n.° 72), e, por outro, que, pelas razões evocadas nos n.os 55 a 57, supra, a Comissão pode dirigir‑lhe questões que implicam a formalização dos dados pedidos.

81      De qualquer forma, deve sublinhar‑se que, embora, pelas razões evocadas no n.° 72, supra, o anexo II, alínea a), n.° 4, da decisão impugnada não cubra a situação de uma empresa que não deseje responder a uma questão que lhe é colocada, é aplicável em relação a informações de que a recorrente pode não dispor.

82      Portanto, o Tribunal Geral considera que a recorrente critica sem razão a decisão impugnada por lhe ter exigido informações que não se encontravam na sua posse.

83      Improcedem, portanto, as alegações sobre a natureza das informações pedidas.

 Quanto à necessidade das informações pedidas

84      Tal como já foi sublinhado no n.° 28, supra, a Comissão só pode exigir a comunicação de informações suscetíveis de lhe permitir averiguar as presunções de infração que justificam a instauração do inquérito e que estejam indicadas no pedido de informações (acórdãos de 12 de dezembro de 1991, SEP/Comissão, referido no n.° 28, supra, n.° 25, e Société Générale/Comissão, referido no n.° 28, supra, n.° 40).

85      Tendo em conta o amplo poder de investigação e de instrução da Comissão, é a esta que cabe apreciar a necessidade das informações que pede às empresas abrangidas (v., neste sentido, acórdãos do Tribunal de Justiça de 18 de maio de 1982, AM & S Europe/Comissão, 155/79, Recueil, p. 1575, n.° 17, e Orkem/Comissão, referido no n.° 56, supra, n.° 15). Quanto à fiscalização que o Tribunal Geral exerce sobre a apreciação da Comissão, deve recordar‑se que, segundo a jurisprudência, o conceito de «informações necessárias» deve ser interpretado em função das finalidades à luz das quais os poderes de inquérito em causa foram conferidos à Comissão. Assim, está preenchida a exigência da correlação entre o pedido de informações e a infração presumida, uma vez que, nessa fase do processo, se pode legitimamente considerar que esse pedido apresenta uma relação com a infração presumida, no sentido de que a Comissão pode razoavelmente pressupor que o documento a ajudará a determinar a existência da infração alegada (acórdãos de 12 de dezembro de 1991, SEP/Comissão, referido no n.° 28, supra, n.° 29, e Slovak Telekom/Comissão, referido no n.° 22, supra, n.° 42).

86      A recorrente a presenta, no essencial, quatro alegações. No quadro do seu terceiro fundamento, a recorrente contesta o direito da Comissão de lhe pedir informações que poderia ter obtido por si própria (primeira alegação). No quadro do primeiro segmento do seu quarto fundamento, a recorrente contesta a necessidade, na aceção do artigo 18.°, n.° 1, do Regulamento n.° 1/2003, do dever de comunicar informações fornecidas anteriormente (segunda alegação), bem como a utilização de um formato diferente, utilizando critérios e variáveis diferentes (terceira alegação). Contesta igualmente a necessidade de algumas informações suplementares pedidas pela Comissão a título da decisão impugnada (quarta alegação).

—       Quanto à alegação relativa ao caráter público de algumas informações pedidas

87      No quadro desta alegação, a recorrente contesta, em substância, o caráter necessário das questões relativas a códigos postais dos sítios de aprovisionamento, aos sítios de destino e ao lugar de entrega ou que implicam calcular as distâncias percorridas pelo produto, ao lugar de aprovisionamento até ao de entrega, pelo facto de as informações pedidas terem caráter público.

88      Deve, no entanto, sublinhar‑se que tais informações, se bem que sejam por natureza acessíveis à Comissão, constituem o complemento lógico de informações exclusivamente na posse da recorrente. Portanto, o seu eventual caráter público não é suscetível de impedir que possam ser consideradas necessárias na aceção do artigo 18.°, n.° 1, do Regulamento n.° 1/2003.

—       Quanto à alegação relativa ao facto de a Comissão estar na posse de algumas informações pedidas antes da decisão impugnada

89      A recorrente contesta o direito de a Comissão lhe pedir informações que foram anteriormente fornecidas.

90      O Tribunal observa que, no considerando 6 da decisão impugnada, especifica‑se o que se segue:

«Neste contexto, a Comissão pede [à recorrente], mediante decisão, que forneça as informações a que se refere o questionário do anexo I da presente decisão. O anexo I toma em conta, na medida do necessário, as respostas às cartas mencionadas no [considerando 4] da presente decisão e as observações apresentadas pelas empresas objeto de investigação ao longo do inquérito. Algumas informações exigidas foram já solicitadas à [recorrente] em virtude do disposto no artigo 18.°, n.° 2, mas são‑no de novo no anexo I com vista a obter uma resposta exaustiva, coerente e consolidada. Além disso, no anexo I são pedidas informações suplementares igualmente necessárias para apreciar a compatibilidade das práticas em investigação com as regras da concorrência da UE com pleno conhecimento dos factos e do seu contexto económico exato.»

91      Daqui decorre que a Comissão avança essencialmente duas justificações em apoio do seu pedido de informações: por um lado, a vontade de «obter uma resposta exaustiva, coerente e consolidada» e, por outro, a procura de informações suplementares em relação às fornecidas anteriormente.

92      No que diz respeito à primeira justificação avançada pela Comissão, não se pode deixar de observar que a decisão impugnada parece efetivamente ter sido, pelo menos em parte, adotada para obter, nomeadamente, por parte da recorrente, uma versão consolidada das respostas que forneceu anteriormente.

93      Há que observar que as questões 1A, 1Ei) a 1Eiii), 1F, 2 a 5, 9A, 9B e 10 do anexo I da decisão impugnada dispõem de um objeto próximo, respetivamente, do das questões iniciais 8, 31, 39, 10, 18, 17, 28, da questão inicial 40, alíneas a) e b), e da questão inicial 7.

94      Refira‑se ainda que, como admitido pela Comissão na audiência, as dez primeiras questões do questionário que figuram no anexo I da decisão impugnada são idênticas às que figuram em anexo às decisões dirigidas a outras sete empresas abrangidas pelo procedimento mencionado no n.° 5, supra. Daí apenas se pode deduzir que a Comissão não procedeu a uma individualização das questões dirigidas a cada uma das empresas abrangidas, em função do grau de precisão e da qualidade das respostas anteriores.

95      Portanto, poderia considerar‑se que a decisão impugnada tem, pelo menos em parte, por objetivo obter uma versão consolidada das informações anteriormente fornecidas. Essa impressão é reforçada pelo caráter excessivamente preciso das prescrições do questionário relativas à forma como as respostas devem ser apresentadas. Há, assim, inegavelmente uma vontade de a Comissão obter respostas num formato que permita uma maior facilidade na comparação dos dados recolhidos junto das empresas abrangidas.

96      Convém, no entanto, recordar que, no seu acórdão Atlantic Container Line e o./Comissão, referido no n.° 57, supra (n.° 425), o Tribunal sublinhou que os pedidos de informações que visem obter dados que figuram num documento já na posse da Comissão não podem ser considerados justificados pelas necessidades do inquérito.

97      Além disso, há que sublinhar que, para que uma decisão de pedido de informações respeite o princípio da proporcionalidade, não basta que a informação pedida esteja ligada ao objeto do inquérito. É também necessário que a obrigação de uma empresa fornecer uma informação não represente para esta um encargo desproporcionado em relação às necessidades do inquérito (acórdãos Atlantic Container Line e o./Comissão, referido no n.° 57, supra, n.° 418, e Slovak Telekom/Comissão, referido no n.° 22, supra, n.° 81).

98      Daqui se deve deduzir que uma decisão que imponha, de novo, ao destinatário o fornecimento de informações anteriormente pedidas pelo facto de apenas algumas delas serem, na opinião da Comissão, incorretas poderá representar um encargo desmedido em relação às necessidades do inquérito e não respeita, por isso, o princípio da proporcionalidade nem o pressuposto da necessidade. Com efeito, a Comissão pode, em tal configuração, circunscrever com precisão as informações que considera deverem ser corrigidas pela empresa em causa.

99      Da mesma forma, a procura de facilidade de tratamento das respostas fornecidas pelas empresas não justifica que se imponha às referidas empresas que forneçam em novo formato as informações já na posse da Comissão. Se bem que as empresas estejam sujeitas a um dever de colaboração ativa, que implica que tenham à disposição da Comissão todos os elementos de informação relativos ao objeto do inquérito (acórdãos Orkem/Comissão, referido no n.° 56, supra, n.° 27, e Société Générale/Comissão, referido no n.° 28, supra, n.° 72), esse dever de colaboração ativa não pode chegar até à formatação de informações já na posse da Comissão.

100    Assim, nas circunstâncias do caso em apreço, há que que verificar o fundado da segunda justificação avançada pela Comissão, relativa à necessidade de obter informações suplementares.

101    Face à jurisprudência referida nos n.os 84 e 85, supra, deve considerar‑se que uma decisão da Comissão que pede o fornecimento de informações mais precisas do que as fornecidas até ao momento deve ser considerada justificada pelas necessidades do inquérito. Com efeito, a procura de todos os elementos pertinentes que confirmem ou infirmem a existência de uma infração às regras da concorrência pode implicar que a Comissão peça às empresas que especifiquem e detalhem algumas informações de natureza factual que lhe foram anteriormente comunicadas.

102    A esse propósito, deve salientar‑se que algumas questões dizem respeito a informações não pedidas a título dos pedidos de informações anteriores. É o que acontece com as séries de questões 1B, 1C, 1G, 6A, 6B, 7, 8A a 8C, 9C e 11.

103    Além disso, no que diz respeito às questões 1A, 1Ei) a 1Eiii), 1F, 2 a 5, 9A, 9B e 10 do anexo I da decisão impugnada, não se pode deixar de observar que implicam, na realidade, o fornecimento de informações suplementares em relação às fornecidas a título dos pedidos de informações anteriores, na medida em que apresentam um nível de precisão superior, devido à modificação do seu âmbito de aplicação ou ao aditamento de variáveis suplementares.

104    Portanto, deve concluir‑se que a circunstância de o questionário constitutivo do anexo I da decisão impugnada visar obter novas informações ou informações mais detalhadas pode comprovar o caráter necessário das informações pedidas.

105    Improcede, portanto a presente alegação.

—       Quanto à alegação que contesta a necessidade do nível de precisão suplementar pedido pela decisão impugnada

106    A recorrente considera que, no que toca às questões cujo objeto é essencialmente idêntico ao dos pedidos de informações anteriores, o nível de precisão suplementar do questionário não revestia um caráter necessário, na aceção do artigo 18.°, n.° 1, do Regulamento n.° 1/2003. Contesta mais particularmente a necessidade de alterar a apresentação formal dos dados, a modificação dos critérios de cálculo e das definições utilizadas, e o aditamento de novas variáveis.

107    Foi exposto no n.° 101, supra, que as necessidades do inquérito podem justificar que a Comissão peça às empresas que especifiquem ou detalhem algumas informações de natureza factual que lhe foram anteriormente comunicadas.

108    Além disso, deve ter‑se em conta a grande tecnicidade do setor económico abrangido pelo inquérito, porquanto pode justificar a adoção de um questionário suplementar com vista a ajustar e a especificar as informações já na posse da Comissão.

109    Nestas condições, o Tribunal Geral considera que as mudanças introduzidas em relação às questões iniciais devem ser consideradas necessárias ao exame das presunções de infração visadas pela decisão impugnada.

—       Quanto à alegação que contesta a necessidade das informações suplementares pedidas

110    A recorrente considera que as informações suplementares pedidas pela Comissão não podem ser consideradas necessárias na aceção do artigo 18.°, n.° 1, do Regulamento n.° 1/2003. Refere‑se especificamente às questões 1A, 1B, 5, à questão 5, ponto Y, à questão 7, pontos G e H.

111    Em primeiro lugar, no que diz respeito ao caráter necessário da inclusão do CEM I a granel e do clínquer relativamente às vendas internas (questão 1A) e às compras internas (questão 1B), basta observar que esses produtos constituem variedades de cimento e que, portanto, as informações sobre o preço das suas transações apresentam, por natureza, uma relação, na aceção da jurisprudência referida no n.° 84, supra, com as presunções de infração enunciadas na decisão impugnada.

112    Em segundo lugar, no que diz respeito à questão 5, à questão 5, ponto Y, e à questão 7, pontos G e H, verifica‑se que a recorrente contesta a utilidade das informações pedidas. Em substância, certas circunstâncias ignoradas pela Comissão quando da redação do questionário privam os dados fornecidos de fiabilidade.

113    Deve recordar‑se que o objetivo da fase de instrução preliminar em que a decisão impugnada se inscreve é permitir à Comissão reunir todos os elementos pertinentes que confirmem ou não a existência de uma infração às regras da concorrência e tomar uma primeira posição sobre a orientação e sobre o seguimento a reservar ao procedimento. Em contrapartida, a fase contraditória, que se estende da comunicação de acusações à adoção da decisão final, deve permitir à Comissão pronunciar‑se definitivamente sobre a infração imputada (v., neste sentido, acórdão AC‑Treuhand/Comissão, referido no n.° 25, supra, n.° 47).

114    Assim, uma vez que a questão 5, a questão 5, ponto Y, e a questão 7, pontos G e H, visam obter informações que se pode legitimamente considerar apresentarem uma relação com as presunções de infração que justificam a instauração do inquérito, a crítica relativa a uma falta de fiabilidade dos dados fornecidos não tem incidência na legalidade do pedido de informações. É da responsabilidade da Comissão apreciar se as informações recolhidas lhe permitem imputar à recorrente a existência de uma ou de várias das referidas presunções de infração, tendo a recorrente a possibilidade, tal sendo o caso, de contestar o caráter probatório das informações pedidas no quadro da sua resposta a uma eventual comunicação de acusações ou em apoio de um recurso de anulação interposto contra a decisão final.

115    Em face do exposto, improcede essa alegação e, portanto, o terceiro fundamento, bem como o quarto fundamento, na parte relativa a uma violação do artigo 18.° do Regulamento n.° 1/2003.

 Quanto ao segundo segmento do quarto fundamento, relativo a uma violação do princípio da proporcionalidade

116    Através do segundo segmento do seu quarto fundamento, a recorrente contesta a proporcionalidade, por um lado, do próprio recurso a uma decisão de pedido de informações a título do artigo 18.°, n.° 3, do Regulamento n.° 1/2003 e, por outro, do encargo ligado à resposta ao referido questionário.

 Quanto ao caráter alegadamente desproporcionado da adoção de uma decisão de pedido de informações a título do artigo 18.°, n.° 3, do Regulamento n.° 1/2003

117    A recorrente alega que a adoção de uma decisão de pedido de informações a título do artigo 18.°, n.° 3, do Regulamento n.° 1/2003 não é conforme ao princípio da proporcionalidade, uma vez que, mesmo na eventualidade de que devessem ter sido recolhidas precisões, poderiam tê‑lo sido mediante um simples pedido de informações.

118    Resulta de jurisprudência constante que o princípio da proporcionalidade, que faz parte dos princípios gerais do direito da União, exige que os atos das instituições da União não ultrapassem os limites do que é adequado e necessário à realização dos objetivos legítimos prosseguidos pela regulamentação em causa, entendendo‑se que, quando se proporcionar uma escolha entre várias medidas adequadas, se deve recorrer à menos restritiva, e os inconvenientes causados não devem ser desmedidos relativamente aos objetivos visados (acórdão do Tribunal de Justiça de 12 de julho de 2001, Jippes e o, C‑189/01, Colet., p. I‑5689, n.° 81).

119    Por força do artigo 18.°, n.° 1, do Regulamento n.° 1/2003, a Comissão pode pedir informações «mediante simples pedido ou decisão», sem que esta disposição subordine a adoção de uma decisão a um «simples pedido» prévio. Neste aspeto, o artigo 18.° do Regulamento n.° 1/2003 distingue‑se do artigo 11.° do Regulamento n.° 17 do Conselho, de 6 de fevereiro de 1962, Primeiro Regulamento de execução dos artigos [81.° CE] e [82.° CE] (JO 1962, 13, p. 204; EE 08 F1 p. 22), que, no seu n.° 5, condicionava a possibilidade de pedir, por decisão, informações no caso de insucesso de um pedido prévio de informações.

120    Contrariamente ao que parece sustentar a Comissão nos seus articulados, deve sublinhar‑se que a escolha que ela deve efetuar entre um simples pedido de informações a título do artigo 18.°, n.° 2, do Regulamento n.° 1/2003 e uma decisão de pedido de informações a título do artigo 18.°, n.° 3, desse mesmo regulamento releva da fiscalização da proporcionalidade. Isso resulta necessariamente da própria definição do princípio da proporcionalidade que figura no n.° 118, supra, na medida em que aí é mencionado que, «quando se proporcionar uma escolha entre várias medidas adequadas, deve recorrer‑se à menos restritiva». Da mesma forma, pode observar‑se que a escolha proporcionada à Comissão pelo artigo 18.°, n.° 1, do Regulamento n.° 1/2003 apresenta uma certa analogia com a existente entre a diligência de instrução por simples mandato e a diligência de instrução ordenada mediante decisão na vigência do artigo 14.° do Regulamento n.° 17 e do artigo 20.° do Regulamento n.° 1/2003. Ora, o exercício dessa escolha é objeto de fiscalização pelo juiz da União à luz do princípio da proporcionalidade (acórdãos do Tribunal de Justiça de 26 de junho de 1980, National Panasonic/Comissão, 136/79, Recueil, p. 2033, n.° 29; e de 22 de outubro de 2002, Roquette Frères, C‑94/00, Colet., p. I‑9011, n.° 77; acórdão do Tribunal Geral de 8 de março de 2007, France Télécom/Comissão, T‑340/04, Colet., p. II‑573, n.° 147).

121    Face à abordagem privilegiada na jurisprudência em relação à fiscalização da proporcionalidade do recurso a uma diligência de instrução ordenada mediante decisão, verifica‑se que tal fiscalização, à luz da escolha a efetuar entre um simples pedido de informações e uma decisão, deve depender das necessidades de uma instrução adequada, tendo em conta as particularidades do caso (acórdãos National Panasonic/Comissão, referido no n.° 120, supra, n.° 29; Roquette Frères, referido no n.° 120, supra, n.° 77; e France Télécom/Comissão, referido no n.° 120, supra, n.° 147).

122    A esse propósito, importa recordar que a decisão impugnada se inscreve no quadro de um inquérito sobre práticas restritivas da concorrência que envolve, além da recorrente, sete outras sociedades com atividade no setor cimenteiro.

123    Uma decisão distingue‑se de um simples pedido de informações pelo facto de ser possível à Comissão aplicar uma coima ou sanções pecuniárias compulsórias em caso de fornecimento de informações incompletas ou tardias, nos termos, respetivamente, do artigo 23.°, n.° 1, alínea b), e do artigo 24.°, n.° 1, alínea d), do Regulamento n.° 1/2003.

124    Por isso, face à quantidade das informações a recolher e a processar, não é inadequado nem desmedido a Comissão proceder por intermédio do instrumento jurídico que lhe proporciona a melhor garantia de que a recorrente fornecerá uma resposta completa e dentro do prazo.

125    Resulta do exposto que a Comissão não violou o princípio da proporcionalidade ao adotar uma decisão de pedido de informações a título do artigo 18.°, n.° 3, do Regulamento n.° 1/2003 em relação à recorrente.

 Quanto ao caráter alegadamente desproporcionado do encargo ligado à resposta ao questionário

126    A recorrente considera que o encargo ligado à resposta ao questionário vai contra o princípio da proporcionalidade. Critica o facto de a Comissão impor o fornecimento de dados trimestrais relativos à década de 2001‑2010, assim como o caráter particularmente oneroso da obrigação de fornecer de novo algumas informações, numa forma retocada, com base em critérios de cálculo e definições modificados e tomando em conta novas variáveis. Considera igualmente que a resposta às novas questões que figuram no questionário implica um volume de trabalho desproporcionado.

127    Tal como já foi sublinhado no n.° 97, supra, a obrigação imposta a uma empresa de fornecer uma informação não deve representar, para esta, um encargo desproporcionado em relação às necessidades do inquérito.

128    Em primeiro lugar, deve sublinhar‑se que, pelas razões acima mencionadas nos n.os 102 a 104, supra, não se pode considerar que a Comissão violou o princípio da proporcionalidade pelo facto de ter pedido à recorrente que fornecesse informações que, em parte, já haviam sido comunicadas anteriormente à Comissão, uma vez que o questionário constitutivo do anexo I da decisão impugnada visa obter novas informações ou informações mais detalhadas que as anteriormente fornecidas.

129    Em segundo lugar, no que diz respeito ao caráter eventualmente desproporcionado do encargo relativo ao formato do questionário e ao grau de precisão suplementar de algumas questões, o Tribunal Geral observa que é inegável que esses elementos implicaram um encargo de trabalho particularmente importante.

130    Todavia, não se pode concluir que esse encargo tem caráter desproporcionado face às necessidades do inquérito ligadas, nomeadamente, às presunções de infração que a Comissão pretende averiguar e às circunstâncias do presente processo.

131    A esse propósito, em primeiro lugar, deve recordar‑se que a decisão impugnada se inscreve num procedimento que visa «restrições dos fluxos comerciais no Espaço Económico Europeu (EEE), incluindo restrições de importações no EEE com proveniência de países fora do EEE, repartições de mercados, coordenações de preços e práticas anticoncorrenciais conexas no mercado do cimento e nos mercados de produtos conexos». Não se pode deixar de observar que o amplo âmbito de aplicação e a gravidade das presunções de infração sobre as quais a Comissão investiga permitem justificar o fornecimento de um grande número de informações.

132    Em segundo lugar, deve tomar‑se em conta a circunstância, já recordada no n.° 122, supra, de a decisão impugnada se inscrever no quadro de um inquérito sobre práticas restritivas da concorrência que envolvem, além da recorrente, sete outras empresas com atividade no setor cimenteiro. Assim, face à quantidade das informações a processar, não é desproporcionado a Comissão exigir que as respostas sejam fornecidas num formato que permita a sua comparação.

133    Pelas mesmas razões, não é desproporcionado a Comissão pedir dados trimestrais relativos a um período de quase dez anos, na eventualidade de a Comissão suspeitar da existência de uma infração que se estendeu por um longo período. Além disso, deve recordar‑se que o juiz da União reconheceu a necessidade de a Comissão pedir informações relativas a um período anterior ao período da infração para precisar o contexto em que um comportamento se tinha inserido no decurso desse último período (acórdão Slovak Telekom/Comissão, referido no n.° 22, supra, n.° 51).

134    Em terceiro lugar e pelas mesmas razões, improcede o argumento relativo ao caráter desproporcionado do encargo ligado às questões suplementares que figuram no questionário.

135    Por fim, em quarto lugar, no tocante à censura feita à Comissão por não ter acolhido as propostas alternativas de questões apresentadas pela recorrente, deve sublinhar‑se que, embora, a título do princípio da proporcionalidade, a Comissão seja obrigada a recorrer à medida menos restritiva, tal obrigação só vale quando se proporcione uma escolha entre várias medidas adequadas.

136    Não se pode deixar de observar que as propostas formuladas pela recorrente se assemelham, na realidade, a um pedido de dispensa parcial da obrigação de responder a algumas questões, propondo fornecer informações sobre um período de tempo mais curto que o pedido ou com base num método de cálculo diferente do privilegiado pela Comissão. Face à necessidade de uma instrução adequada e tomando nomeadamente em consideração o número significativo de empresas abrangidas pelo procedimento mencionado no n.° 5, supra, o Tribunal Geral considera que a Comissão podia validamente não dar seguimento às propostas da recorrente.

137    Improcede, portanto, o quarto fundamento na íntegra.

 Quanto ao quinto fundamento, relativo a uma violação das boas práticas da Comissão na apresentação de dados económicos e do princípio da boa administração

 Quanto ao primeiro segmento do fundamento, relativo a uma violação, pela Comissão, das suas boas práticas na apresentação de dados económicos

138    A recorrente alega que, quando a Comissão adota uma linha de conduta, ela se autolimita no exercício do seu poder de apreciação. Deduz daí que, na medida em que a Comissão recorreu, no caso em apreço, a uma consulta prévia das empresas abrangidas tal como é preconizado nas suas boas práticas na apresentação de dados económicos no quadro dos processos de aplicação dos artigos 101.° TFUE e 102.° TFUE e nos processos de concentração (a seguir «boas práticas»), era obrigada a agir em conformidade com as referidas boas práticas. Tal não acontece quando a Comissão não toma em conta os comentários nem os pedidos de especificações apresentados pela recorrente e o questionário que vem a ser adotado difere significativamente do projeto, não tendo numerosas questões que dele fazem parte sido objeto de consulta prévia.

139    A Comissão conclui pela rejeição desta argumentação.

140    O Tribunal Geral salienta que é certo que, quando a Comissão estabelece uma regra de conduta indicativa que visa produzir efeitos externos, não poderá afastar‑se dela, num caso particular, sem dar razões que sejam compatíveis com o princípio da igualdade de tratamento (v., neste sentido e por analogia, acórdão do Tribunal de Justiça de 18 de maio de 2006, Archer Daniels Midland e Archer Daniels Midland Ingredients/Comissão, C‑397/03 P, Colet., p. I‑4429, n.° 91.

141    Todavia, é ainda necessário que a passagem das boas práticas invocada pela recorrente possa ser considerada uma regra de conduta. A esse propósito, deve salientar‑se que é sublinhado no ponto 3.4.3 das boas práticas que só na eventualidade de uma consulta ser «adequada e útil», procederá a Comissão a essa consulta. Portanto, na medida em que a consulta das empresas é apresentada como uma simples faculdade, não se poderá criticar a Comissão por não ter respeitado o ponto 3.4.3 das boas práticas ao incluir no seu questionário questões que não foram objeto de consulta prévia ou, a fortiori, ao não reproduzir o conjunto das observações apresentadas pelas empresas consultadas.

142    Improcede, portanto, o primeiro segmento do fundamento.

 Quanto ao segundo segmento do fundamento, relativo a uma violação, pela Comissão, do princípio da boa administração

143    A recorrente considera que a Comissão revelou pouca diligência ao modificar constantemente o tipo de questões, os critérios a seguir, os produtos visados e os países de referência abrangidos pelos seus diferentes pedidos de informações. Isso é constitutivo de uma violação do princípio da boa administração.

144    A Comissão nega ter violado o princípio da boa administração.

145    Deve recordar‑se que o considerando 37 do Regulamento n.° 1/2003 especifica que este «respeita os direitos fundamentais e observa os princípios gerais reconhecidos, nomeadamente, na Carta dos Direitos fundamentais» e que «nada no presente regulamento deverá ser interpretado e aplicado como afetando esses direitos e princípios». Além disso, desde a entrada em vigor do Tratado de Lisboa, a Carta dos Direitos Fundamentais, por força do artigo 6.°, n.° 1, primeiro parágrafo, TUE, tem o mesmo valor jurídico que os Tratados.

146    O artigo 41.° da Carta dos Direitos Fundamentais, com a epígrafe «Direito a uma boa administração», dispõe, no seu n.° 1, que «[t]odas as pessoas têm direito a que os seus assuntos sejam tratados pelas instituições, órgãos e organismos da União de forma imparcial, equitativa e num prazo razoável».

147    Segundo a jurisprudência relativa ao princípio da boa administração, nos casos em que as instituições da União dispõem de um poder de apreciação, o respeito das garantias conferidas pela ordem jurídica da União nos procedimentos administrativos assume uma importância ainda mais fundamental. Entre essas garantias figura, nomeadamente, o dever de a instituição competente examinar, com cuidado e imparcialidade, todos os elementos relevantes do caso concreto (acórdão do Tribunal de Justiça de 21 de novembro de 1991, Technische Universität München, C‑269/90, Colet., p. I‑5469, n.° 14, e acórdão Atlantic Container Line e o./Comissão, referido no n.° 57, supra, n.° 404).

148    Pelas razões já expostas nos n.os 102 a 104, supra, refira‑se que o questionário, dispondo embora de um objeto próximo do dos pedidos de informações anteriores, se diferencia pelo grau de precisão das suas questões ou pela presença de novas perguntas. Além disso, deve salientar‑se que a amplitude do inquérito levado a cabo pela Comissão, o número de empresas abrangidas e a tecnicidade do mercado de produtos em causa podem justificar que a Comissão adote sucessivamente vários pedidos de informações parcialmente sobrepostos, sem violar o princípio da boa administração.

149    Face ao que precede, há que rejeitar o presente fundamento e, portanto, negar provimento ao recurso na íntegra.

 Quanto às despesas

150    Por força do artigo 87.°, n.° 2, do Regulamento de Processo, a parte vencida é condenada nas despesas se a parte vencedora o tiver requerido. Tendo a recorrente sido vencida, há que condená‑la a suportar, além das suas próprias despesas, as efetuadas pela Comissão.

Pelos fundamentos expostos,

O TRIBUNAL GERAL (Sétima Secção)

decide:

1)      É negado provimento ao recurso.

2)      A Buzzi Unicem SpA é condenada nas despesas.

Dittrich

Wiszniewska‑Białecka

Prek

Proferido em audiência pública no Luxemburgo, em 14 de março de 2014.

Assinaturas

Índice


Factos na origem do litígio

Tramitação do processo e pedidos das partes

Questão de direito

Quanto ao primeiro fundamento, relativo à falta ou à insuficiência de fundamentação da decisão impugnada e à violação dos direitos de defesa

Quanto ao segundo fundamento, relativo a um excesso e a um desvio de poder por parte da Comissão, bem como a uma inversão do ónus da prova

Quanto ao terceiro fundamento e quanto ao primeiro segmento do quarto fundamento, relativos à violação do artigo 18.° do Regulamento n.° 1/2003

Quanto à natureza das informações pedidas

Quanto à necessidade das informações pedidas

— Quanto à alegação relativa ao caráter público de algumas informações pedidas

— Quanto à alegação relativa ao facto de a Comissão estar na posse de algumas informações pedidas antes da decisão impugnada

— Quanto à alegação que contesta a necessidade do nível de precisão suplementar pedido pela decisão impugnada

— Quanto à alegação que contesta a necessidade das informações suplementares pedidas

Quanto ao segundo segmento do quarto fundamento, relativo a uma violação do princípio da proporcionalidade

Quanto ao caráter alegadamente desproporcionado da adoção de uma decisão de pedido de informações a título do artigo 18.°, n.° 3, do Regulamento n.° 1/2003

Quanto ao caráter alegadamente desproporcionado do encargo ligado à resposta ao questionário

Quanto ao quinto fundamento, relativo a uma violação das boas práticas da Comissão na apresentação de dados económicos e do princípio da boa administração

Quanto ao primeiro segmento do fundamento, relativo a uma violação, pela Comissão, das suas boas práticas na apresentação de dados económicos

Quanto ao segundo segmento do fundamento, relativo a uma violação, pela Comissão, do princípio da boa administração

Quanto às despesas


* Língua do processo: italiano.