Edição provisória
CONCLUSÕES DO ADVOGADO‑GERAL
MANUEL CAMPOS SÁNCHEZ‑BORDONA
apresentadas em 14 de março de 2024 (1)
Processo C‑16/23
FA.RO. di YK & C. Sas
contra
Agenzia delle Dogane e dei Monopoli,
sendo interveniente:
JS
[pedido de decisão prejudicial apresentado pelo Tribunale Amministrativo Regionale per la Liguria (Tribunal Administrativo Regional da Ligúria, Itália)]
«Reenvio prejudicial — Serviços no mercado interno — Diretiva 2006/123/CE — Venda de produtos do tabaco — Monopólios de prestação de serviços — Regime de autorização — Condições aplicadas ao estabelecimento de prestadores de serviços — Regulamentação nacional que restringe a autorização de estabelecimentos de revenda de produtos sujeitos a monopólio — Critérios da distância e da densidade populacional — Proteção da saúde pública contra o tabaquismo»
1. Neste pedido de decisão prejudicial é abordada a compatibilidade com a Diretiva 2006/123/CE (2) da legislação italiana aplicável à venda a retalho de produtos do tabaco.
2. A legislação em causa utiliza critérios restritivos, baseados na distância geográfica e na densidade populacional, para autorizar a criação de pontos de venda dos referidos produtos. O tribunal de reenvio tem dúvidas de que esses critérios estejam em conformidade com a Diretiva 2006/123.
I. Quadro jurídico
A. Direito da União. Diretiva 2006/123
3. O artigo 1.° («Objeto») dispõe:
«1. A presente diretiva estabelece disposições gerais que facilitam o exercício da liberdade de estabelecimento dos prestadores de serviços e a livre circulação dos serviços, mantendo simultaneamente um elevado nível de qualidade dos serviços.
2. A presente diretiva não tem por objeto a liberalização dos serviços de interesse económico geral reservados a entidades públicas ou privadas, nem a privatização de entidades públicas prestadoras de serviços.
3. A presente diretiva não tem por objeto a abolição dos monopólios de prestação de serviços nem os auxílios concedidos pelos Estados‑Membros, que são abrangidos pelas regras comunitárias em matéria de concorrência.
A presente diretiva não afeta a liberdade de os Estados‑Membros definirem, em conformidade com a legislação comunitária, o que entendem por serviços de interesse económico geral, o modo como esses serviços devem ser organizados e financiados, em conformidade com as regras em matéria de auxílios estatais, e as obrigações específicas a que devem estar sujeitos.
[...]»
4. O artigo 2.° («Âmbito de aplicação») estabelece:
«[...]
2. A presente diretiva não se aplica às seguintes atividades:
a) Serviços de interesse geral não económicos;
[...]».
5. O artigo 4.° («Definições») enuncia:
«Para efeitos da presente diretiva, entende‑se por:
6) “Regime de autorização”: qualquer procedimento que tenha por efeito obrigar um prestador ou um destinatário a efetuar uma diligência junto de uma autoridade competente para obter uma decisão formal ou uma decisão tácita relativa ao acesso a uma atividade de serviço ou ao seu exercício;
7) “Requisito”: qualquer obrigação, proibição, condição ou limite previsto nas disposições legislativas, regulamentares ou administrativas dos Estados‑Membros ou que decorra da jurisprudência, das práticas administrativas, das regras das ordens profissionais ou das regras coletivas de associações ou organismos profissionais aprovadas no exercício da sua autonomia jurídica; as normas constantes de convenções coletivas negociadas pelos parceiros sociais não são consideradas requisitos na aceção da presente diretiva;
[…]».
6. O artigo 9.° («Regimes de autorização») dispõe:
«1. Os Estados‑Membros só podem subordinar a um regime de autorização o acesso a uma atividade de serviços e o seu exercício se forem cumpridas as condições seguintes:
a) O regime de autorização não ser discriminatório em relação ao prestador visado;
b) A necessidade de um regime de autorização ser justificada por uma razão imperiosa de interesse geral;
c) O objetivo pretendido não poder ser atingido através de uma medida menos restritiva, nomeadamente porque um controlo a posteriori significaria uma intervenção demasiado tardia para se poder obter uma real eficácia.
[...]».
7. Segundo o artigo 10.° («Condições de concessão da autorização»):
«1. Os regimes de autorização devem basear‑se em critérios que obstem a que as autoridades competentes exerçam o seu poder de apreciação de forma arbitrária.
2. Os critérios referidos no n.° 1 devem ser:
a) Não discriminatórios;
b) Justificados por uma razão imperiosa de interesse geral;
c) Proporcionados em relação a esse objetivo de interesse geral;
d) Claros e inequívocos;
e) Objetivos;
f) Previamente publicados;
g) Transparentes e acessíveis.
[...]».
8. O artigo 14.° («Requisitos proibidos») indica:
«Os Estados‑Membros não devem condicionar o acesso a uma atividade de serviços ou o seu exercício no respetivo território ao cumprimento dos requisitos seguintes:
[…]
5) Aplicação casuística de uma avaliação económica que sujeite a concessão da autorização à comprovação da existência de uma necessidade económica ou de uma procura no mercado, de uma avaliação dos efeitos económicos potenciais ou atuais da atividade ou de uma apreciação da adequação da atividade aos objetivos de programação económica fixados pela autoridade competente; esta proibição não se aplica aos requisitos em matéria de programação, que não sejam de natureza económica mas razões imperiosas de interesse geral;
[…]».
9. O artigo 15.° («Requisitos sujeitos a avaliação») dispõe:
«1. Os Estados‑Membros devem verificar se os respetivos sistemas jurídicos estabelecem algum dos requisitos referidos no n.° 2 e devem assegurar que esses requisitos sejam compatíveis com as condições referidas no n.° 3. Os Estados‑Membros devem adaptar as respetivas disposições legislativas, regulamentares ou administrativas de forma a torná‑las compatíveis com as referidas condições.
2. Os Estados‑Membros devem verificar se os respetivos sistemas jurídicos condicionam o acesso a uma atividade de serviços ou o seu exercício ao cumprimento de algum dos seguintes requisitos não discriminatórios:
a) Restrições quantitativas ou territoriais, nomeadamente sob a forma de limites fixados em função da população ou de uma distância geográfica mínima entre prestadores;
[…]
3. Os Estados‑Membros devem verificar se os requisitos referidos no n.° 2 observam as condições seguintes:
a) Não discriminação: os requisitos não podem ser direta ou indiretamente discriminatórios em razão da nacionalidade ou, tratando‑se de sociedades, do local da sede;
b) Necessidade: os requisitos têm que ser justificados por uma razão imperiosa de interesse geral;
c) Proporcionalidade: os requisitos têm que ser adequados para garantir a consecução do objetivo prosseguido, não podendo ir além do necessário para atingir este objetivo e não podendo ser possível obter o mesmo resultado através de outras medidas menos restritivas.
[…]».
B. Direito italiano
1. Lei 1293/1957 (3)
10. De acordo com os seus artigos 16.° e seguintes, a comercialização de produtos sujeitos a monopólio, entre os quais os tabacos, é efetuada através de «estabelecimentos retalhistas de venda de produtos sujeitos a monopólio (a seguir “estabelecimentos oficiais”)», comuns e especiais, e de «licenças secundárias».
11. Os estabelecimentos oficiais comuns são estabelecimentos, situados na via pública, especificamente destinados à venda de tabaco e de outros produtos sujeitos a monopólio. São atribuídos em concessão a entidades privadas por um período máximo de nove anos (4).
12. Os estabelecimentos oficiais especiais são criados para satisfazer necessidades de procura em locais específicos (estações ferroviárias, gares marítimas, aeroportos, áreas de serviço rodoviárias, centros comerciais, etc.). São geralmente atribuídos a entidades privadas por um período máximo de nove anos.
13. Além disso, a ADM pode autorizar, através da emissão de licenças secundárias, a venda de produtos sujeitos a monopólio em estabelecimentos públicos. O titular dessas licenças abastece‑se junto do estabelecimento oficial comum mais próximo.
14. As licenças secundárias devem ser justificadas pela necessidade de prestação do serviço em locais e períodos nos quais o mesmo não possa ser assegurado pelos estabelecimentos oficiais. Está excluída a possibilidade de as emitir quando no estabelecimento oficial mais próximo, situado a uma distância inferior a limites previamente fixados, estiver instalada uma máquina de venda automática de tabaco.
2. Decreto‑lei 98/2011 (5)
15. Nos termos do seu artigo 24.°, n.° 42, o legislador remeteu para um despacho a adotar para esse efeito pelo Ministro da Economia e das Finanças, a regulamentação da abertura de pontos de venda de produtos sujeitos a monopólio «a fim de, respeitando a concorrência, conciliar a necessidade de garantir aos utilizadores uma rede de venda minuciosamente distribuída pelo território com o interesse público primordial da proteção da saúde, que consiste em prevenir e controlar qualquer possibilidade de oferta de tabaco ao público que não seja justificada pela sua procura efetiva».
16. Em especial, o artigo 24.°, n.° 42, alínea b), conforme alterado pelo artigo 4.° da Lei 37/2019, determinou que os estabelecimentos oficiais comuns só podem ser criados «quando existirem determinadas condições de distância, não inferior a 200 metros, e de população, sendo respeitada uma proporção de um estabelecimento oficial por cada 1 500 habitantes».
3. Despacho 38/2013 (6)
17. Após as alterações introduzidas em 2021, o seu artigo 2.° fixa os seguintes parâmetros para a criação de estabelecimentos oficiais comuns:
a) Distância mínima do estabelecimento oficial mais próximo em funcionamento:
– 300 metros, nos municípios com população até 30 000 habitantes;
– 250 metros, nos municípios com população de 30 001 a 100 000 habitantes;
– 200 metros, nos municípios com população superior a 100 000 habitantes;
b) Proporção de um estabelecimento oficial por cada 1 500 habitantes residentes no município; só é admitida a possibilidade de permitir exceções a essa proporção em municípios com menos de 1 500 habitantes.
18. O parâmetro relativo à proporção entre estabelecimentos oficiais e população residente foi introduzido pela Lei 37/2019 e pelo Despacho Ministerial n.° 51 de 2021, em substituição do requisito da produtividade mínima previsto nas versões originais do Decreto‑lei 98/2011 e do Despacho Ministerial n.° 38 de 2013 (7).
19. Segundo o artigo 3.°:
– A ADM deve ter especial atenção às novas zonas de expansão residencial e comercial, à importância específica de nós rodoviários e dos principais locais urbanos de reunião, à população residente, à existência de estruturas de serviços ou de produção, de importância e frequência específicas, que evidenciem a existência de um interesse do serviço.
– A rede de venda de tabacos manufaturados deve ser adequada ao interesse do serviço e organizada de modo a garantir a eficiência e a eficácia das fiscalizações feitas pela Administração, no interesse da proteção dos menores, da ordem e segurança públicas, da saúde pública, bem como da receita dos impostos sobre os produtos sujeitos a monopólio.
20. A criação de estabelecimentos oficiais comuns é feita através de um plano adotado semestralmente para esse efeito pelo serviço regional competente da ADM, na sequência de um procedimento que prevê, entre outras coisas, a publicação prévia de um projeto de plano provisório e a apresentação de observações pelos interessados.
21. As modalidades de adjudicação de novos estabelecimentos oficiais comuns são as seguintes: nos municípios com população até 30 000 habitantes, a Administração abre um concurso reservado a categorias específicas de pessoas; nos municípios com população superior a 30 000 habitantes e nas capitais de província, a adjudicação é efetuada mediante procedimento de concurso público aberto a todos os interessados.
II. Matéria de facto, litígio e questões prejudiciais
22. A sociedade FA.RO. di YK & C. s.a.s. (a seguir «FA.RO.») é há muitos anos titular de uma licença secundária para a venda de tabaco no estabelecimento comercial «Bar Rino», na localidade de Finale Ligure (Itália).
23. Em 19 de novembro de 2021, a ADM deu início a um procedimento de revogação da licença, uma vez que, em maio de 2021, o estabelecimento oficial de tabaco comum, que abastece o da FA.RO., situado a uma distância inferior a 300 metros, instalou uma máquina de venda automática de cigarros. Esta circunstância, por força da legislação em vigor (artigo 7.° do Despacho 38/2013), obsta à manutenção da licença secundária.
24. A FA.RO. informou a ADM da necessidade de criar um novo estabelecimento oficial comum no «Bar Rino», tendo exposto uma série de factos que indicavam uma grande afluência de consumidores.
25. A ADM indeferiu o pedido da FA.RO., por não respeitar as condições de distância e de proporção entre estabelecimentos oficiais e habitantes previstas pelo artigo 2.° do Despacho 38/2013 (8).
26. A FA.RO. interpôs recurso da decisão da ADM no Tribunale Amministrativo Regionale per la Liguria (Tribunal Administrativo Regional da Ligúria, Itália), pedindo a anulação:
– Em primeiro lugar, da Nota n.° 6401/RU, de 31 de março de 2022, da ADM, relativa ao projeto de plano semestral (segundo semestre de 2022) para a abertura de novos estabelecimentos oficiais comuns de tabaco no território da Ligúria, na medida em que não prevê um desses estabelecimentos oficiais no município de Finale Ligure, via Mazzini, n.° 2, onde se situa o «Bar Rino».
– Em segundo lugar, de qualquer outro ato conexo.
27. A FA.RO. alegou que a legislação nacional é contrária ao artigo 15.° da Diretiva 2006/123. Por conseguinte, o artigo 2.° do Despacho 38/2013 deveria ser anulado ou, pelo menos, excluída a sua aplicação, e o artigo 24.°, n.° 42, do Decreto‑lei 98/2011 deveria deixar de ser aplicado.
28. Na opinião da FA.RO, um novo estabelecimento oficial no «Bar Rino» não implicaria um efeito de sobredimensionamento da oferta relativamente à procura, dado que se trata de uma localidade em que os utilizadores efetivos do serviço são muitos mais do que a população residente, devido ao afluxo de visitantes nos fins de semana e durante a época turística.
29. A ADM pediu que seja negado provimento ao recurso.
30. Neste contexto, o Tribunale Amministrativo Regionale per la Liguria (Tribunal Administrativo Regional da Ligúria) submete ao Tribunal de Justiça as seguintes questões prejudiciais:
«1) Devem o artigo 15.° da Diretiva 2006/123 […] e os artigos 49.°, 56.° e 106.°, n.° 2, TFUE, ser interpretados no sentido de que se opõem a uma legislação nacional, como a que está em causa no processo principal, que impõe restrições à autorização de pontos de venda de produtos do tabaco em função de uma distância geográfica mínima entre prestadores e da população residente?
2) Devem o artigo 15.° da Diretiva 2006/123 […] e os artigos 49.°, 56.° e 106.°, n.° 2, TFUE, ser interpretados no sentido de que se opõem a uma legislação nacional, como a que está em causa no processo principal, que condiciona a autorização de pontos de venda de produtos do tabaco ao respeito de parâmetros, previamente fixados, de distância geográfica mínima entre prestadores e de população residente, sem permitir que a autoridade pública competente aprecie outras circunstâncias de facto objetivas que demonstrem que, apesar de não estarem preenchidos os referidos requisitos, existe, no caso concreto, uma necessidade de serviço?»
III. Tramitação processual no Tribunal de Justiça
31. O pedido de decisão prejudicial deu entrada no Tribunal de Justiça em 16 de janeiro de 2023.
32. Apresentaram observações escritas a FA.RO., JS (9), os Governos Espanhol e Italiano e a Comissão Europeia. Todos compareceram na audiência realizada em 24 de janeiro de 2024.
IV. Apreciação
A. Admissibilidade
33. O Governo Espanhol considera que as duas questões prejudiciais são inadmissíveis, por serem hipotéticas. Por sua vez, o Governo Italiano considera que a Diretiva 2006/123 não é aplicável ao litígio.
1. Admissibilidade das questões prejudiciais na medida em que se referem aos artigos 49.°, 56.° e 106.°, n.° 2, TFUE
34. As disposições do Tratado FUE em matéria de liberdade de estabelecimento (artigo 49.°) e de livre prestação de serviços (artigo 56.°) não são aplicáveis, em princípio, a uma situação em que todos os elementos estejam confinados a um único Estado‑Membro (10).
35. Infere‑se do despacho de reenvio que todos os elementos do litígio estão confinados à República Italiana: uma empresa italiana pede às autoridades italianas autorização para explorar um estabelecimento oficial de tabaco em território italiano.
36. Quando todos os elementos da situação estão confinados a um único Estado‑Membro, o pedido de decisão prejudicial só é admissível se mencionar factos ou fatores que permitam estabelecer um nexo entre o objeto ou as circunstâncias do litígio e os artigos 49.° ou 56.° TFUE.
37. Cabe ao órgão jurisdicional de reenvio indicar ao Tribunal de Justiça «em que medida, não obstante o seu caráter puramente interno, o litígio perante si pendente apresenta um elemento de conexão com as disposições do direito da União relativas às liberdades fundamentais que torna a interpretação prejudicial solicitada necessária para a resolução desse litígio» (11).
38. Como do pedido de decisão prejudicial submetido pelo tribunal italiano não consta nenhuma indicação nesse sentido, as suas questões prejudiciais devem ser consideradas inadmissíveis na parte respeitante à interpretação dos artigos 49.° e 56.° TFUE (12).
39. O mesmo acontece quanto ao artigo 106.°, n.° 2, TFUE. O órgão jurisdicional de reenvio não expõe as razões que o levam, concretamente, a interrogar‑se sobre a interpretação dessa disposição nem o nexo que, na sua opinião, possa existir entre a mesma e as regras nacionais. Daqui resulta que o Tribunal de Justiça não pode fornecer‑lhe uma interpretação desse artigo que seja útil para resolver o litígio (13).
40. Por conseguinte, as duas questões prejudiciais submetidas são inadmissíveis no que respeita à interpretação dos artigos 49.°, 56.°, e 106.°, n.° 2, TFUE.
41. No entanto, a consideração de que a situação em causa é puramente interna não tem, incidência na aplicabilidade das disposições da Diretiva 2006/123 sobre a liberdade de estabelecimento dos prestadores. O Tribunal de Justiça já declarou que essas disposições são aplicáveis a uma situação cujos elementos estão confinados a um único Estado‑Membro (14).
2. Admissibilidade das questões prejudiciais no que respeita à interpretação da Diretiva 2006/123
42. Segundo o Governo Espanhol, também devem ser julgadas inadmissíveis as questões prejudiciais quanto à interpretação da Diretiva 2006/123, por força do seu artigo 1.°, n.° 3.
43. O artigo 1.°, n.° 3, da Diretiva 2006/123 precisa que esta «não tem por objeto a abolição dos monopólios de prestação de serviços».
44. Esta exclusão, interpretada à luz do seu considerando 8, permite deduzir que a Diretiva 2006/123 não é aplicável quando a prestação de serviços de distribuição comercial está sujeita a um regime de monopólio de comercialização (15) que exclui por completo a concorrência e deixa essa venda a um único fornecedor (16).
45. Ora, o regime italiano de venda de tabaco não parece configurar um monopólio de comercialização de mercadorias nem um monopólio de prestação de serviços (17). Os produtos derivados do tabaco são vendidos por um elevado número de estabelecimentos oficiais, comuns e especiais, e por outras empresas titulares de licenças secundárias.
46. Das informações disponíveis nos autos infere‑se que tanto os estabelecimentos oficiais como os estabelecimentos com licenças secundárias são detidos por particulares independentes, que prestam ao público o serviço de venda de tabacos (18). Não existe, portanto, um monopólio de comercialização nem de prestação de serviços.
47. A concessão de estabelecimentos oficiais e de licenças secundárias pressupõe o exercício do poder público por parte da Administração italiana, que autoriza os pontos de venda. No entanto, isto não significa que o Estado preste esse serviço nem que a ADM possa interferir nas decisões estritamente comerciais dos titulares dos pontos de venda, uma vez atribuídos. Os estabelecimentos oficiais estatais pertencentes ao antigo monopólio de venda de tabaco foram suprimidos em 1983 (19).
48. Na verdade, como refere o tribunal a quo (20), a venda a retalho de tabacos é uma atividade comercial não totalmente equiparável a outras atividades económicas, porque os canais de distribuição são restringidos e porque o seu objeto é um produto nocivo para a saúde pública. Também é certo que alguns aspetos dessa atividade, como a publicidade ou o preço do tabaco, são estritamente regulados. No entanto, reitero, essas circunstâncias não convertem em monopólio estatal a referida venda a retalho em Itália e não eliminam a concorrência (limitada) entre os prestadores deste tipo de serviço.
49. Em suma, improcede a objeção do Governo Espanhol.
50. O Governo Italiano invoca o artigo 2.° da Diretiva 2006/123 e o seu considerando 8 para defender a inaplicabilidade desta diretiva. Acrescenta que os estabelecimentos oficiais de tabaco exercem uma atividade económica de interesse geral que permite o funcionamento do «monopólio fiscal» sobre a venda de tabaco (21).
51. O Tribunal de Justiça afirmou que «resulta expressamente do artigo 2.°, n.° 2, alínea a), da Diretiva 2006/123, conjugado com os considerandos 17, 70 e 72 da mesma, que as regras estabelecidas por esta diretiva se aplicam, em princípio, aos serviços de interesse económico geral, estando excluídos do âmbito de aplicação das mesmas os serviços de interesse geral não económicos» (22).
52. Assente esta premissa, a tese do Governo Italiano não pode ser acolhida: se a venda a retalho de tabacos em Itália fosse qualificada de serviço de interesse geral, seria sob a modalidade de serviço de interesse económico geral, sujeita ao disposto na Diretiva 2006/123.
53. As questões prejudiciais são, assim, admissíveis no que respeita à interpretação das disposições da Diretiva 2006/123 aplicáveis à regulamentação nacional em causa. Considero oportuno, aliás, que sejam apreciadas conjuntamente.
B. Apreciação de mérito: compatibilidade com a Diretiva 2006/123 de uma regulamentação nacional restritiva da venta de tabacos
54. O tribunal de reenvio pede a interpretação do artigo 15.° da Diretiva 2006/123. Depois de referir que «não questiona a legitimidade do regime de autorização ex artigo 9.° da Diretiva 2006/123 para a venda ao público de géneros de monopólio e, em especial, de produtos do tabaco e acessórios», considera que esse regime é justificado por uma razão imperiosa de interesse geral (23).
55. No entanto, o mesmo tribunal tem dúvidas de que os critérios geográfico e demográfico da legislação italiana [e aos quais se refere o artigo 15.°, n.° 2, alínea a), da Diretiva 2006/123] respeitem os princípios da necessidade e da proporcionalidade, uma vez que:
– Do ponto de vista da necessidade, as restrições vigentes não serão, na realidade, idóneas para desincentivar o consumo de produtos do tabaco, o que exigiria que a distância entre pontos de venda fosse calculada em quilómetros e não em metros. A (admitida) proliferação de máquinas de venda automática também não desincentiva esse consumo.
– Do ponto de vista da proporcionalidade, essas restrições, mesmo que fossem necessárias, poderiam revelar‑se excessivas em relação ao que é indispensável para alcançar o objetivo de proteção da saúde através de uma relação equilibrada entre a procura e a oferta, devido à sua rigidez (distância mínima) e à dependência de dados meramente registrais (população residente).
– A ADM, para respeitar o princípio da proporcionalidade, deveria poder tomar em consideração eventuais circunstâncias objetivas que demonstrassem que, apesar de não serem observados os limites da distância e da população, a criação de um novo estabelecimento oficial comum irá satisfazer uma necessidade de serviço e, portanto, não levará a um sobredimensionamento da oferta. É o que aconteceria no presente caso, uma vez que os utilizadores do serviço são, na realidade, muitos mais do que o que resulta dos dados registrais, uma vez que se trata de um município muito turístico.
1. «Regime de autorização» ou «requisito» na aceção da Diretiva 2006/123
56. O artigo 4.° da Diretiva 2006/123 define, nos pontos 6 e 7, os conceitos de «regime de autorização» e de «requisitos» (24). Aos regimes de autorização são aplicáveis os artigos 9.° a 13.° da Diretiva 2006/123. Os requisitos proibidos ou sujeitos a avaliação são regulados nos artigos 14.° e 15.° da mesma diretiva.
57. Um «regime de autorização» distingue‑se de um «requisito» na medida em que implica uma diligência por parte do prestador do serviço, ao qual se segue um ato formal da autoridade que autoriza a atividade desse prestador (25). Em contrapartida, um requisito é uma norma geral e impessoal que é aplicável a quaisquer prestadores, independentemente de qualquer ato ou diligência com vista a obter a autorização da atividade pretendida (26).
58. No Acórdão X e Visser considerou‑se um requisito, na aceção da Diretiva 2006/123, a proibição, constante de um plano de urbanização municipal, de exercer uma atividade de venda a retalho de mercadorias numa determinada zona da cidade (27). Qualquer outra regra ou limitação geral, aplicável por lei a um certo tipo de atividade de serviços, tem este mesmo caráter.
59. A regulação da venda a retalho de tabacos estabelecida na legislação italiana enquadra‑se, na minha opinião, no conceito de regime de autorização. Um prestador de serviço que queira ser titular de um estabelecimento oficial, comum ou especial, ou de uma licença secundária deve apresentar um pedido à ADM, que defere ou indefere o seu requerimento.
60. Para este efeito, a ADM deve conceber previamente um plano semestral de implantação dos pontos de venda e abrir um concurso público para que os interessados apresentem os seus requerimentos. Ao abrigo desse plano, a ADM atribui os estabelecimentos oficiais e as licenças secundárias aos operadores correspondentes, autorizando‑os a exercer essa atividade.
61. Para a elaboração do plano semestral e a concessão das autorizações, a ADM aplica, efetivamente, os requisitos legais (geográfico e demográfico), mas tal é feito no termo de um procedimento administrativo a requerimento do prestador e com posterior decisão favorável da Administração.
62. Por outras palavras, a regulamentação italiana exige que as pessoas que pretendam vender tabacos a retalho «se submetam a um procedimento que as obriga a efetuar uma diligência junto de uma autoridade competente com vista a obter desta um ato formal que lhes permita aceder a essa atividade de serviço e exercê‑la» (28).
63. Por conseguinte, estamos perante um «regime de autorização» na aceção do artigo 4.°, ponto 6, e não perante um mero «requisito» na aceção do artigo 4.°, ponto 7, da Diretiva 2006/123.
64. Como tal, esse regime de autorização está sujeito às prescrições constantes da secção 1 («Autorizações») do capítulo III («Liberdade de estabelecimento dos prestadores») da Diretiva 2006/123. Não deve, além disso, incluir requisitos proibidos pelo artigo 14.° da mesma diretiva (29).
2. Acesso sujeito a um critério económico?
65. Há que verificar se o regime de autorização instituído em Itália para a venda de tabacos a retalho está abrangido pela proibição referida no artigo 14.°, ponto 5, da Diretiva 2006/123. Embora o tribunal de reenvio não mencione este artigo entre os constantes do seu pedido de decisão prejudicial, é necessário proceder à sua análise.
66. De acordo com esta disposição, é proibido «sujeit[ar] a concessão da autorização à comprovação da existência de uma necessidade económica ou de uma procura no mercado, de uma avaliação dos efeitos económicos potenciais ou atuais da atividade ou de uma apreciação da adequação da atividade aos objetivos de programação económica fixados pela autoridade competente» (30).
67. A proibição do critério económico (31) reflete a jurisprudência do Tribunal de Justiça relativa ao facto de os motivos de natureza económica não poderem constituir razões imperiosas de interesse geral suscetíveis de justificar restrições à liberdade de estabelecimento (32).
68. A República italiana já instaurara um requisito de natureza económica (a produtividade mínima) para a concessão de estabelecimentos oficiais. A Comissão considerou‑o (33) incompatível com o artigo 14.°, ponto 5, da Diretiva 2006/123, o que levou à aprovação do Despacho 51/2021. Neste, foi eliminado o requisito e, em contrapartida, foi introduzido o critério da relação entre os pontos de venda de tabacos e a população residente.
69. O critério demográfico pressupõe um critério económico incompatível com o artigo 14.°, ponto 5, da Diretiva 2006/123? A Comissão considera que (34), da legislação e da jurisprudência italianas se poderia inferir que a concessão dos estabelecimentos oficiais continua, de certa forma, dependente de fatores respeitantes à realidade económica do setor.
70. Na audiência, a Comissão afirmou que o procedimento administrativo de incumprimento contra Itália foi arquivado por motivos de oportunidade política, não porque tivessem deixado de existir dúvidas sobre a existência de um critério económico. Na sua opinião, o artigo 3.°, n.° 2, alínea b), do Despacho 38/2013 poderia conter um critério económico implícito, uma vez que os planos semestrais para a concessão de estabelecimentos oficiais são elaborados tendo em conta o interesse do serviço e, entre outros objetivos, para preservar as receitas (35).
71. É ao órgão jurisdicional de reenvio que compete a interpretação do seu direito interno. Sem prejuízo do que decidir, considero que o rácio entre a população e os estabelecimentos oficiais de tabaco poderia considerar‑se destinado a garantir que a atividade destes seja distribuída de forma equilibrada («minuciosa») no conjunto do território nacional, para assegurar a oferta legal deste produto, tendo em conta as características orográficas e a repartição da população em Itália.
72. Entendido deste modo, o regime de autorização administrativa baseado no rácio de população:
– Regularia a venda a retalho do tabaco, como produto nocivo para a saúde, em condições que reduzem a sua oferta ao estritamente necessário para satisfazer a procura dos fumadores, evitando que estes comprem o proveniente de contrabando a um preço mais baixo, circunstância que fomentaria o consumo e reduziria as receitas fiscais.
– Contribuiria para salvaguardar (pelo menos tendencialmente) a proteção da saúde pública, num quadro que excluiu, por ser inexequível, a proibição generalizada do tabaco.
73. O critério demográfico não seria, assim, de natureza puramente económica, na aceção do artigo 14.°, ponto 5, da Diretiva 2006/123, dado que o seu objetivo principal não seria garantir receitas suficientes aos vendedores de tabacos nem maximizar a cobrança do imposto sobre o seu consumo. Seria, em vez disso, uma medida inspirada em razões imperiosas de interesse geral, em especial, de proteção da saúde pública.
3. Condições para a concessão de uma autorização
74. A conformidade de um regime nacional de autorização com a Diretiva 2006/123 deve ser avaliada à luz do seu artigo 9.°, n.° 1. Só pode ser instaurado pelos Estados‑Membros se não for discriminatório, se for justificado por uma razão imperiosa de interesse geral e proporcionado em relação ao seu objetivo.
75. As condições de obtenção da autorização devem respeitar o artigo 10.° da Diretiva 2006/123. De acordo com este artigo, os regimes de autorização devem basear‑se em critérios que obstem ao exercício arbitrário do poder de apreciação das autoridades competentes e reúnam as características enunciadas no seu n.° 2.
76. Tanto o artigo 9.°, n.° 1, relativo à justificação, como o artigo 10.°, n.° 2, da Diretiva 2006/123, sobre os critérios de concessão das autorizações, enunciam obrigações claras, precisas e incondicionais que lhes conferem efeito direto (36).
77. O regime de autorização administrativa deve, assim, estar em conformidade com estes dois artigos. A observância dos mesmos exige que se verifique que a restrição ao direito de estabelecimento «antes de mais, não seja discriminatória em razão da nacionalidade, em seguida, seja justificada por uma razão imperiosa de interesse geral e, por último, seja adequada para garantir a consecução do objetivo prosseguido, não indo além do necessário para atingir esse objetivo e sem que seja possível obter o mesmo resultado através de outras medidas menos restritivas» (37).
a) Discriminação
78. Das informações constantes dos autos não é possível deduzir que o regime de autorização seja discriminatório, uma vez que é igualmente aplicável aos operadores económicos estabelecidos em Itália e aos nacionais de outros Estados‑Membros, ou nestes residentes, que pretendam exercer esta atividade económica independente em território italiano.
b) Justificação por razões imperiosas de interesse geral
79. O Governo Italiano alega que o regime de autorização, mesmo quando implique uma restrição do direito de estabelecimento, é justificado por uma razão imperiosa de interesse geral, a saber, a proteção da saúde pública (38) Concretamente, pretende assegurar uma oferta limitada e adequada à procura de tabacos, com o objetivo de reduzir o seu consumo e lutar, assim, contra o tabaquismo.
80. Não considero que haja motivos para dúvidas sobre a influência negativa do consumo de tabaco na saúde pública, reconhecida por organismos internacionais (39) e pelo próprio Tribunal de Justiça (40). Sem chegar a proibir a sua venda, o direito da União conta com regras orientadas para a redução do consumo de tabaco (41).
81. A proteção da saúde pública é, por conseguinte, uma razão imperiosa de interesse geral que pode ser invocada por um Estado‑Membro para justificar um regime de autorização da venda de tabacos a retalho. O órgão jurisdicional de reenvio, como já expus, não nega que as restrições aqui em causa obedeçam a este desígnio.
c) Adequação da restrição ao seu objetivo
82. Mesmo sendo da competência do órgão jurisdicional de reenvio verificar se o regime italiano é adequado à consecução do objetivo de proteção da saúde pública que lhe subjaz, o Tribunal de Justiça pode fornecer‑lhe indicações úteis para a sua apreciação.
83. Ao efetuar a sua análise, o tribunal de reenvio deve ter em conta que os Estados‑Membros gozam de uma margem de apreciação, dentro dos limites impostos pelo direito da União, para determinar o nível de proteção da saúde pública no seu território (42).
84. Concretamente, trata‑se de verificar se um regime de autorização que permite a venda dos tabacos a retalho, ordenada e controlada, aplicando critérios geográficos e demográficos, é adequado para proteger aquele objetivo.
85. É certo que a via mais idónea para lutar contra o tabaquismo e proteger a saúde pública seria a proibição da venda de tabacos. No entanto, esta opção maximalista não foi seguida no âmbito internacional nem acolhida pelo legislador da União. Este reconhece aos Estados‑Membros a capacidade de determinarem quais as modalidades de venda a retalho de tabacos que são admitidas no seu território.
86. Excluída a opção maximalista, um regime de autorização administrativa sujeito aos critérios geográfico e demográfico pode ser mais adequado para lutar contra o tabaquismo do que a sua alternativa, ou seja, permitir a venda livre de tabacos.
87. O Governo Italiano indica que, como o consumo de tabaco é legal em Itália, este regime de autorização protege a saúde pública, porque assegura aos fumadores o fornecimento indispensável desta substância para não serem expostos às consequências negativas de uma abstinência súbita.
88. O objetivo, acrescenta o Governo Italiano, é que a procura habitual e a oferta disponível de tabacos encontrem um equilíbrio a um nível o mais baixo possível. Deste modo, evita‑se fomentar um consumo superior ao habitual e, simultaneamente, assegura‑se que os consumidores dependentes do tabaco possam obtê‑lo facilmente, sem necessidade de um grande esforço nem de recorrer a produtos de contrabando, vendidos à margem do controlo do Estado e a preços inferiores, o que estimularia o seu consumo.
89. A Diretiva 2006/123 não obsta a que os ordenamentos jurídicos dos Estados‑Membros condicionem o acesso a uma atividade de serviços ou o seu exercício ao requisito que exige o respeito de «restrições quantitativas ou territoriais, nomeadamente, limites fixados em função da população ou de uma distância geográfica mínima entre prestadores» [artigo 15.°, n.° 2, alínea a)]. Este é, precisamente, um dos requisitos da avaliação num regime de autorização.
90. A combinação do critério geográfico com o demográfico pode, simultaneamente, garantir o fornecimento em todo o território e impedir um aumento descontrolado da oferta que incentive ao incremento do consumo de tabaco. Efetivamente, o Tribunal de Justiça considerou compatíveis com o direito da União regimes de autorização que utilizavam, noutras atividades relacionadas com a saúde pública (43), critérios demográficos e geográficos semelhantes ao aplicado em Itália à venda a retalho de tabacos.
91. Dessa jurisprudência podem resultar ensinamentos transponíveis, ressalvadas as devidas diferenças, para o presente processo:
– «[Q]uanto à regra que impõe uma distância mínima entre dois estabelecimentos de ótica, […] esta condição reforça a certeza dos pacientes de que disporão de um prestador de serviços de saúde nas proximidades e, por conseguinte, contribui também para uma melhor proteção da saúde pública no território em causa» (44).
– «[A] regra segundo a qual a instalação de um estabelecimento de ótica depende de um determinado número de residentes pode contribuir para facilitar a repartição equilibrada destes estabelecimentos no território em questão e assegurar, deste modo, a toda a população um acesso apropriado aos serviços prestados pelos óticos» (45).
92. É certo que, nesses dois casos, as restrições destinavam‑se a facilitar o acesso (ordenado) dos utilizadores, ao passo que o sistema de autorização italiano pretende, por um lado, limitar esse acesso para combater o tabaquismo e, por outro, assegurar uma oferta que satisfaça as necessidades dos fumadores. É, sem dúvida, um equilíbrio difícil de conseguir, mas não considero, todavia, que essa diferença seja suficiente para excluir a aplicação ao presente processo da jurisprudência aqui referida.
93. Em particular, podia ser questionado se o específico regime de distâncias mínimas (de 300 a 200 metros, consoante as localidades) entre dois pontos de venda é mais ou menos adequado aos objetivos citados. O órgão jurisdicional de reenvio tem a última palavra quanto à respetiva razoabilidade, que deve ser avaliada sem ignorar que a conformidade do critério numérico com os referidos objetivos compete, em princípio, ao legislador nacional (46).
d) Proporcionalidade e coerência da restrição
94. A etapa seguinte consiste em verificar se o regime italiano de autorização:
– É proporcionado em relação à exigência imperativa de proteção da saúde pública, no sentido de que não vai além do necessário para a consecução desse objetivo e não existe uma solução alternativa menos restritiva para o atingir (47).
– É dotado da imprescindível coerência e sistematicidade, com vista a lograr o propósito que lhe está subjacente (48).
95. Incumbe a cada Estado‑Membro demonstrar que estas condições cumulativas estão preenchidas (49). É o órgão jurisdicional de reenvio que deve efetuar o teste de proporcionalidade da medida nacional, com a ajuda do Tribunal de Justiça que lhe fornece elementos para esse efeito.
96. No seu despacho de reenvio, o órgão jurisdicional a quo manifesta dúvidas de que a regulamentação italiana respeite o princípio da proporcionalidade, designadamente devido à proliferação de máquinas de venda automática, que favorecem um acesso do consumidor ao tabaco sem restrições (ou com menos restrições) de horário.
97. Concordo com o tribunal de reenvio quanto ao facto de que, se o objetivo do regime de autorização para os pontos de venda é limitar a oferta ao imprescindível para satisfazer a procura dos fumadores, a proliferação de máquinas de venda automática de tabaco parece ir em sentido contrário.
98. Na sequência das explicações dadas pelo Governo Italiano na audiência, parece que o uso de máquinas de venda automática de tabaco é restrito aos estabelecimentos oficiais e às licenças secundárias. Afirma ser o estabelecido pela Lei 556/1977 (50), no seu artigo 20.° (51) e pela Circular da ADM n.° 509/2007 (52).
99. Por força destas disposições, as máquinas de venda automática podem ser colocadas no interior dos estabelecimentos oficiais ou no seu exterior, num raio de dez metros a partir do centro da porta de entrada. Os estabelecimentos que tenham a possibilidade de obter licenças secundárias podem optar pela instalação de uma máquina de distribuição automática de tabaco, mediante prévia autorização administrativa e como alternativa à referida licença.
100. Tendo em consideração estas explicações, o órgão jurisdicional de reenvio deve verificar se o regime aplicado às máquinas de distribuição automática de tabaco respeita a exigência de proporcionalidade ou se, pelo contrário, provoca um aumento excessivo da oferta de tabaco, que retira coerência à aplicação dos critérios de distância geográfica e de densidade populacional.
101. Quanto aos argumentos do órgão jurisdicional de reenvio para questionar a proporcionalidade do requisito geográfico, é certo que se produziria um efeito dissuasivo se as distâncias mínimas entre pontos de venda fossem fixadas em quilómetros e não em metros. No entanto, essa é uma decisão que, por ter efeitos significativos no consumo legal, incumbe ao legislador avaliar: o propósito de encontrar um ponto de equilíbrio entre procura e oferta, atendendo à implantação territorial, pode resultar num regime de distâncias inferiores ou superiores, sem que, na minha opinião, o Tribunal de Justiça possa indicar ao tribunal de reenvio a distância mais adequada (53).
102. Por último, no que se refere à alegada rigidez dos critérios geográfico e demográfico (este último resultante de dados do censo de residentes), o órgão jurisdicional de reenvio afirma que a ADM deveria ter o poder de tomar em consideração outras circunstâncias, diferentes dos estritos limites de distância e população.
103. Uma opção legislativa dotada de alguma rigidez afigura‑se‑me legítima, na medida em que tende a oferecer segurança jurídica através de critérios objetivos previamente fixados. Além disso, a aplicação dos fatores geográfico e demográfico é atenuada no artigo 3.°, n.os 1 e 2, do Despacho 38/2013, que contém alguns critérios complementares para a autorização de estabelecimentos oficiais e licenças secundárias. A sua utilização poderia conferir flexibilidade ao sistema, como alega o Governo Italiano (54).
104. Por exemplo, poderiam ser tidas em conta circunstâncias específicas (incluindo as de caráter sazonal, como o aumento da população efetiva, e não só a recenseada, durante vários meses do ano devido ao turismo). A criação de novos pontos de venda nesses casos não redundaria necessariamente num sobredimensionamento da oferta para a prestação do serviço aos utilizadores a residir fora dos respetivos domicílios.
105. Sem prejuízo da apreciação do tribunal a quo que, logicamente, conhece melhor a sua própria legislação, o artigo 3.°, n.os 1 e 2, do Despacho 38/2013 permitiria à ADM ter em conta as novas zonas de expansão residencial e comercial, bem como a importância específica de nós rodoviários e dos principais locais de reunião urbanos, a existência de estruturas de serviços ou de produção, de importância e frequência específicas, que evidenciem a existência de um interesse do serviço.
106. Nada parece obstar, portanto, a que o órgão jurisdicional de reenvio verifique se, com estes elementos de flexibilização, a ADM poderia avaliar, em função das suas especificidades, o afluxo turístico constante em Finale Ligure para a atribuição de um novo estabelecimento oficial.
107. Quanto à incidência da Convenção‑Quadro da Organização Mundial de Saúde para a Luta Antitabaco, o tribunal de reenvio sublinha que esta não prevê, entre as medidas recomendadas para a redução da procura e da oferta de tabaco, a imposição de restrições que afetem os vendedores (55). Ora, o Estado Italiano dispõe de uma margem de apreciação própria ao eleger os meios que considere mais adequados para a proteção da saúde pública contra os efeitos do tabaquismo. Um regime de autorização administrativa sujeita a critérios restritivos é, em princípio, idóneo para o cumprimento desse objetivo.
108. Em suma, a combinação dos fatores geográfico e demográfico, eventualmente complementados por outros elementos de flexibilidade, poderia superar o teste da proporcionalidade e cumprir as exigências do artigo 10.°, n.os 1 e 2, da Diretiva 2006/123. Quanto à instalação de máquinas de distribuição automática, não deve provocar um aumento injustificado da oferta de tabacos, circunstância a determinar pelo órgão jurisdicional de reenvio.
V. Conclusão
109. Atendendo ao exposto, proponho que se responda ao Tribunale Amministrativo Regionale per la Liguria (Tribunal Administrativo Regional da Ligúria, Itália) nos seguintes termos:
«Os artigos 9.°, n.° 1, 10.°, n.os 1 e 2, 14.°, ponto 5, e 15.°, n.° 2, alínea a), da Diretiva 2006/123/CE do Parlamento Europeu e do Conselho, de 12 de dezembro de 2006, relativa aos serviços no mercado interno,
devem ser interpretados no sentido de que:
– Não se opõem, em princípio, a uma legislação nacional que sujeita a concessão de autorizações para o exercício da atividade de venda de produtos do tabaco a retalho à observância de certos limites fixados em função da população residente e de uma distância mínima entre prestadores do serviço.
– Compete ao tribunal de reenvio determinar se a combinação dos específicos critérios geográfico e demográfico constantes da legislação nacional, eventualmente complementados por outros elementos de flexibilidade, é suscetível de respeitar o princípio da proporcionalidade e cumprir as exigências do artigo 10.°, n.os 1 e 2, da Diretiva 2006/123. Compete‑lhe também determinar se a instalação de máquinas de distribuição automática provoca um aumento injustificado da oferta de tabacos, contrário ao objetivo de proteção da saúde subjacente à legislação nacional».