Language of document : ECLI:EU:C:2024:242

Edição provisória

CONCLUSÕES DO ADVOGADO‑GERAL

MACIEJ SZPUNAR

apresentadas em 14 de março de 2024 (1)

Processo C86/23

E.N.I.,

Y.K.I.

contra

HUKCOBURGAllgemeine Versicherung AG

[pedido de decisão prejudicial apresentado pelo Varhoven kasatsionen sad (Supremo Tribunal de Cassação, Bulgária)]

«Reenvio prejudicial — Cooperação judiciária em matéria civil — Lei aplicável às obrigações extracontratuais — Regulamento (CE) n.° 864/2007 — Normas de aplicação imediata — Seguro de responsabilidade civil automóvel — Acidente de viação — Direitos de indemnização reconhecidos aos familiares da pessoa falecida — Princípio da equidade para efeitos de reparação do dano moral — Critérios de apreciação»






I.      Introdução

1.        O presente pedido de decisão prejudicial do Varhoven kasatsionen sad (Supremo Tribunal de Cassação, Bulgária) suscita a questão da lei aplicável ao pedido de indemnização apresentado por particulares, nacionais búlgaros, ao abrigo do seguro obrigatório de responsabilidade civil resultante da circulação de veículos automóveis, contra uma companhia de seguros pelo dano moral sofrido por morte da filha num acidente de viação ocorrido na Alemanha.

2.        Esta questão está relacionada com o problema clássico das «normas de aplicação imediata» e apresenta um duplo interesse do ponto de vista do desenvolvimento do direito internacional privado da União. Oferece ao Tribunal de Justiça a oportunidade, por um lado, de precisar os contornos do conceito de «normas de aplicação imediata», na aceção do artigo 16.° do Regulamento (CE) n.o 864/2007 (2), e, por outro, de determinar os critérios que permitem qualificar as normas que protegem os direitos e liberdades individuais de «normas de aplicação imediata» na aceção do referido artigo, uma vez que este último ponto suscita atualmente intensos debates doutrinais.

II.    Quadro jurídico

A.      Direito da União

1.      Regulamento Roma II

3.        O artigo 4.° do Regulamento Roma II, sob a epígrafe «Regra geral», dispõe, no seu n.° 1:

«Salvo disposição em contrário do presente regulamento, a lei aplicável às obrigações extracontratuais decorrentes da responsabilidade fundada em ato lícito, ilícito ou no risco é a lei do país onde ocorre o dano, independentemente do país onde tenha ocorrido o facto que deu origem ao dano e independentemente do país ou países onde ocorram as consequências indiretas desse facto.»

4.        O artigo 16.° deste regulamento, sob a epígrafe «Normas de aplicação imediata», prevê:

«O disposto no presente regulamento em nada afeta a aplicação das disposições da lei do país do foro que regulem imperativamente o caso concreto independentemente da lei normalmente aplicável à obrigação extracontratual.»

2.      Regulamento (CE) n.° 593/2008

5.        O artigo 9 .° do Regulamento n.o 593/2008 (3), sob a epígrafe «Normas de aplicação imediata», prevê, nos seus n.os 1 e 2:

«1.      As normas de aplicação imediata são disposições cujo respeito é considerado fundamental por um país para a salvaguarda do interesse público, designadamente a sua organização política, social ou económica, ao ponto de exigir a sua aplicação em qualquer situação abrangida pelo seu âmbito de aplicação, independentemente da lei que de outro modo seria aplicável ao contrato, por força do presente regulamento.

2.      As disposições do presente regulamento não podem limitar a aplicação das normas de aplicação imediata do país do foro.»

B.      Direito búlgaro

6.        A responsabilidade extracontratual no direito búlgaro é regulada pelo disposto nos artigos 45 .° a 54.° da zakon za zadalzheniyata i dogovorite (4) (Lei relativa às Obrigações e aos Contratos, a seguir «ZZD»).

7.        O artigo 45 .° da ZZD prevê:

«(1)      Qualquer pessoa que causar danos a outrem é obrigada a repará‑los.

(2)      Em todos os casos de ato ilícito, presume‑se a culpa até prova em contrário.»

8.        O artigo 52 .° da ZZD dispõe:

«A indemnização pelo prejuízo não patrimonial é determinada pelo tribunal com base na equidade.»

C.      Direito alemão

9.        Sob a epígrafe «Prejuízo não patrimonial», o § 253 do Bürgerliches Gesetzbuch (Código Civil alemão, a seguir «BGB»), na versão aplicável ao processo principal, tem a seguinte redação:

«(1)      Só é possível exigir uma indemnização em dinheiro por um dano não patrimonial nos casos previstos na lei.

(2)      Quando deva ser paga uma indemnização por danos corporais, por uma ofensa à saúde, à liberdade ou à autodeterminação sexual, pode ser igualmente exigida uma reparação equitativa dos danos não patrimoniais em numerário.»

10.      O § 823 do BGB, sob a epígrafe «Obrigação de reparar o prejuízo», dispõe, no seu n.° 1:

«Quem, agindo intencionalmente ou por negligência, lesar de maneira ilícita a vida, o corpo, a saúde, a liberdade, a propriedade ou qualquer outro direito de terceiros, é obrigado a reparar o prejuízo daí resultante.»

11.      Sob a epígrafe «Direito de ação direta», o § 115 da Gesetz über den Versicherungsvertrag (Lei sobre o Contrato de Seguro), de 23 de novembro de 2007 (5), na sua versão aplicável ao processo principal, dispõe, no seu n.° 1:

«O terceiro pode também opor o seu direito à indemnização ao segurador,

1.      se se tratar de um seguro de responsabilidade civil que tenha por objeto o cumprimento de uma obrigação de seguro resultante da lei relativa ao seguro obrigatório […]

[...]

O direito decorre das obrigações do segurador resultantes da relação de seguro e, na falta de obrigação, do § 117, n.os 1 a 4. O segurador deve pagar a indemnização em numerário. O segurador e o tomador do seguro responsável pela indemnização dos danos são solidariamente responsáveis.»

III. Factos do litígio no processo principal, questão prejudicial e tramitação processual no Tribunal de Justiça

12.      Em 27 de julho de 2014, a filha de E.N.I. e Y.K.I., recorrentes no processo principal, nacionais búlgaros, faleceu num acidente de viação ocorrido na Alemanha. O autor do acidente tinha subscrito um seguro obrigatório de responsabilidade civil junto da HUK‑COBURG‑Allgemeine Versicherung AG (a seguir, «HUK‑COBURG»), uma companhia de seguros com sede na Alemanha.

13.      Em 25 de julho de 2017, os recorrentes no processo principal intentaram uma ação contra a HUK‑COBURG no Sofiyski gradski sad (Tribunal da cidade de Sófia, Bulgária), pedindo o pagamento da quantia de 250 000 levs búlgaros (BGN) (cerca de 125 000 euros), a cada um deles, a título de indemnização pelo prejuízo não patrimonial causado pela morte da filha.

14.      Em 27 de setembro de 2017, a HUK‑COBURG pagou a cada um dos pais o montante de 2 500 euros, a título de indemnização pelo prejuízo causado pela morte da filha.

15.      Por Sentença de 23 de dezembro de 2019, o Sofiyski gradski sad (Tribunal da cidade de Sófia) julgou parcialmente procedente o pedido, concedendo a cada um dos pais uma indemnização no montante de 100 000 BGN (cerca de 50 000 euros), da qual foi deduzida a quantia de 2 500 euros já paga pela seguradora.

16.      Esse tribunal declarou que o direito aplicável era o direito alemão da responsabilidade civil, que apenas previa a reparação do prejuízo não patrimonial sofrido por vítimas indiretas, como os recorrentes no processo principal, em circunstâncias excecionais, a saber, quando a dor e o sofrimento resultaram numa ofensa à saúde da vítima indireta. Esse órgão jurisdicional considerou que a dor e o sofrimento dos pais deviam dar lugar a uma indemnização, designadamente, devido ao grave choque emocional que provocou uma reação de stress aguda e porque, durante cerca de um ano após a morte da filha, sofreram depressão, ansiedade, tensão, instabilidade emocional, perturbações do sono, uma diminuição do apetite e uma alienação emocional. Na fundamentação do montante concedido, o Sofiyski gradski sad (Tribunal da cidade de Sófia) indicou que existia um princípio de reparação equitativa do prejuízo não patrimonial tanto no direito búlgaro, ao abrigo do artigo 52.° da ZZD, como no direito alemão, ao abrigo do § 253, n.o 2, do BGB. Os critérios de determinação da indemnização não estão, porém, previstos por essas leis nacionais, mas decorrem da jurisprudência de cada um dos dois países.

17.      O Sofiyski Apelativen sad (Tribunal de Recurso de Sófia, Bulgária) anulou a sentença do órgão jurisdicional de primeira instância. Esse tribunal julgou integralmente improcedente a ação dos pais, considerando que não tinham demonstrado que a dor e o sofrimento tinham provocado danos patológicos à sua saúde, o que, por força do direito alemão aplicável, constituía uma condição para a reparação do prejuízo não patrimonial. Além disso, julgou improcedente o argumento dos mesmos segundo o qual o artigo 52.° da ZZD devia ser aplicado, por força do artigo 16.° do Regulamento Roma II, em vez do direito alemão designado ao abrigo do artigo 4.o, n.o 1, deste regulamento. Em seu entender, os montantes já pagos pela HUK‑COBURG não constituem um reconhecimento pela seguradora das pretensões dos pais. Os pais não têm direito a esta quantia que, atendendo ao seu montante, corresponde a uma «pequena indemnização» pelo prejuízo não patrimonial, prevista no § 253, n.o 2, do BGB.

18.      Os pais interpuseram recurso de cassação desse acórdão para o Varhoven kasatsionen sad (Supremo Tribunal de Cassação), o órgão jurisdicional de reenvio.

19.      Esse órgão jurisdicional observa, antes de mais, que a legislação alemã aplicável ao caso em apreço ao abrigo do artigo 4.° do Regulamento Roma II, a saber, o § 253, n.° 2, e o § 823, n.o 1, do BGB, lidos em conjugação com o § 115, n.° 1, primeiro parágrafo, ponto 1, da Lei sobre o Contrato de Seguro, é idêntica à que estava em causa no processo que deu origem ao Acórdão HUK‑COBURG‑Allgemeine Versicherung (6), que dizia respeito ao mesmo acidente de viação.

20.      Em seguida, o Varhoven kasatsionen sad (Supremo Tribunal de Cassação) salienta que, nesse acórdão, o Tribunal de Justiça considerou, por um lado, que a legislação alemã em causa era abrangida pelo direito material nacional da responsabilidade civil, para o qual remete a Diretiva (UE) 2009/103 (7), e previa um critério objetivo que permite identificar o prejuízo não patrimonial suscetível de dar lugar à indemnização de um membro da família próxima da vítima de um acidente de viação. O Tribunal de Justiça entendeu, por outro lado, que a Diretiva 2009/103 não se opunha a uma legislação nacional que fixa critérios vinculativos para a determinação dos prejuízos não patrimoniais suscetíveis de ser indemnizados.

21.      Por último, o órgão jurisdicional de reenvio precisa que, contrariamente à legislação alemã em causa no caso em apreço, que sujeita o direito à reparação do prejuízo não patrimonial a três condições, a saber, que a vítima tenha sofrido uma ofensa à sua própria saúde, que seja um membro da família próxima da vítima direta e que exista uma relação causal entre a culpa do responsável pelo acidente e essa ofensa, o artigo 52.° da ZZD prevê que a indemnização pelo prejuízo não patrimonial é determinada pelo tribunal com base na equidade. Em seu entender, decorre de jurisprudência vinculativa do Varhoven sad (Supremo Tribunal, Bulgária) e do Varhoven kasatsionen sad (Supremo Tribunal de Cassação) que, no direito búlgaro, todas as dores morais e sofrimentos dos pais devido à morte de um filho por acidente de viação causado por um ato gerador de responsabilidade extracontratual são suscetíveis de ser objeto de indemnização, sem que seja necessário que o prejuízo tenha provocado indiretamente um dano patológico para a saúde da vítima. Indica que o montante da indemnização depende das circunstâncias que caracterizam o caso concreto, sendo o montante habitualmente atribuído a título de prejuízo não patrimonial a um pai pela morte de um filho por acidente de viação ocorrido em 2014 de cerca de 120 000 BGN (cerca de 61 000 euros), ao passo que o montante máximo atribuído nos termos do direito alemão seria de cerca de 5 000 euros. Em seu entender, supondo que deva ser julgada procedente a alegação dos pais e que tenham feito prova de um dano patológico, o montante máximo a pagar seria de 5 000 euros.

22.      O órgão jurisdicional de reenvio questiona, fazendo referência ao Acórdão Da Silva Martins (8) no qual o Tribunal de Justiça considerou que um órgão jurisdicional nacional deve determinar, com base numa análise circunstanciada, se uma disposição nacional assume uma importância tal na ordem jurídica nacional que justifica que se afaste da lei aplicável, designada nos termos do artigo 4.° do Regulamento Roma II, se o artigo 52.° da ZZD pode ser considerado uma disposição deste tipo, com o fundamento de que o princípio da equidade é um princípio fundamental do direito búlgaro e faz parte da ordem pública do Estado. Refere que a jurisprudência nacional está dividida quanto a esta questão.

23.      Foi nestas circunstâncias que o Varhoven kasatsionen sad (Supremo Tribunal de Cassação), por Decisão de 7 de fevereiro de 2023, que deu entrada no Tribunal de Justiça em 15 de fevereiro de 2023, decidiu suspender a instância e submeter ao Tribunal de Justiça a seguinte questão prejudicial:

«Deve o artigo 16.° do [Regulamento Roma II] ser interpretado no sentido de que uma norma de direito nacional, como a que está em causa no processo principal, que prevê a aplicação de um princípio fundamental do direito do Estado‑Membro, como o princípio da equidade, na determinação da indemnização por danos não patrimoniais em caso de morte de pessoas próximas em consequência de uma infração penal pode ser considerada uma norma de aplicação imediata na aceção deste artigo?»

24.      Foram apresentadas observações escritas no Tribunal de Justiça pela recorrida no processo principal, pelos Governos Checo e Alemão e pela Comissão Europeia. O Tribunal de Justiça decidiu não realizar audiência de alegações no presente processo.

IV.    Análise

A.      Observações preliminares

25.      Antes de examinar o problema jurídico suscitado pela questão prejudicial, parece‑me pertinente formular as seguintes precisões e considerações quanto ao contexto em que se inscreve o presente processo. No entanto, recordo que é jurisprudência constante que o órgão jurisdicional de reenvio tem competência exclusiva para verificar e apreciar os factos do litígio que lhe foi submetido (9).

26.      Em primeiro lugar, no que se refere às especificidades do presente processo, decorre da decisão de reenvio que a ação intentada pelos recorrentes no processo principal contra a HUK‑COBURG destinada a obter uma indemnização, ao abrigo do seguro obrigatório de responsabilidade civil resultante da circulação de veículos automóveis, pelo prejuízo não patrimonial que sofreram devido à morte da filha por acidente de viação, diz respeito ao mesmo acidente de viação que esteve em causa no processo que deu origem ao Acórdão HUK‑COBURG‑I .

27.      Nesse processo, o litígio opunha os dois filhos da mesma vítima direta que está em causa no presente processo à HUK‑COBURG a propósito da indemnização, ao abrigo do seguro obrigatório de responsabilidade civil resultante da circulação, do prejuízo não patrimonial sofrido devido à morte da mãe. A ação tinha sido intentada pelos filhos, representados pelo pai (10). A legislação alemã aplicável (lex causae) nesse processo, ao abrigo do artigo 4.° do Regulamento Roma II, era, como no caso em apreço, o § 253, n.° 2, e o § 823, n.o 1, do BGB, lidos em conjugação com o § 115, n.° 1, primeiro parágrafo, ponto 1, da Lei sobre o Contrato de Seguro.

28.      Em segundo lugar, no que respeita à legislação alemã aplicável ao abrigo do artigo 4.° do Regulamento Roma II, resulta das indicações fornecidas pelo órgão jurisdicional de reenvio, fazendo referência ao Acórdão HUK‑COBURG I, que esta subordina a reparação do prejuízo não patrimonial sofrido por vítimas indiretas de um acidente de viação a três condições (11). No que diz respeito à condição de a vítima ter sofrido uma ofensa à sua própria saúde, decorre desse acórdão que, segundo o direito alemão, conforme interpretado pelo Bundesgerichtshof (Supremo Tribunal de Justiça Federal, Alemanha), as lesões de natureza psíquica só podem ser consideradas ofensas à saúde se estiverem abrangidas por uma patologia e excederem as ofensas à saúde a que as pessoas em causa estão geralmente expostas em caso de morte ou ferimentos graves de um membro da família próxima (12).

29.      O órgão jurisdicional de reenvio indica que a legislação búlgara (lex fori) prevê, em contrapartida, que a indemnização pelo prejuízo não patrimonial é determinada pelo tribunal com base na equidade. Esse órgão jurisdicional precisa que, no direito búlgaro, todas as dores morais e sofrimentos dos pais devido à morte de um filho por acidente de viação causado por um ato gerador de responsabilidade extracontratual são suscetíveis de ser objeto de reparação, sem que seja necessário que o prejuízo tenha provocado indiretamente um dano patológico para a saúde da vítima (13).

30.      A este respeito, devo salientar que o órgão jurisdicional de reenvio parece considerar que, contrariamente à legislação búlgara, a legislação alemã aplicável para determinar a indemnização pelo prejuízo não patrimonial não se baseia no princípio da equidade (14). Embora não caiba ao Tribunal de Justiça, no âmbito de um reenvio prejudicial, pronunciar‑se sobre a interpretação das disposições nacionais nem decidir se a interpretação dada pelo órgão jurisdicional nacional é correta (15), importa observar que, contrariamente ao referido pela HUK‑COBURG e pela Comissão, não decorre do § 253, n.° 2, do BGB que esta disposição se baseie no princípio da equidade, uma vez que prevê meramente a possibilidade de exigir «uma reparação equitativa», o que compete ao órgão jurisdicional de reenvio verificar (16).

31.      No caso em apreço, é, no entanto, evidente que a aplicação da legislação alemã ao abrigo do artigo 4.° do Regulamento Roma II conduziria a um resultado diferente no que respeita ao montante da indemnização, uma vez que esta legislação subordina a reparação do prejuízo não patrimonial à condição de os membros da família próxima terem sofrido um prejuízo para a sua saúde (17). Com efeito, como decorre da decisão de reenvio, os pais da vítima direta não demonstraram esse prejuízo e, consequentemente, não tiveram direito a tal reparação (18).

32.      A este respeito, quero sublinhar que é evidente que o simples facto de, ao aplicar a lex fori, se chegar a uma solução diferente no que respeita ao montante da indemnização, da que resultaria ao aplicar a lex causae não basta para concluir que a disposição búlgara em causa pode ser qualificada de «norma de aplicação imediata», na aceção do artigo 16.° do Regulamento Roma II, sob reserva de que a aplicação da lex causae seja compatível com considerações de justiça. Por outras palavras, por si só, esta diferença a saber, o facto de o montante da reparação do dano sofrido pelos pais ser inferior simplesmente por a filha ter falecido num acidente ocorrido na Alemanha e não na Bulgária não permite conduzir a tal qualificação, a menos que essa diferença resulte da proteção, nomeadamente, de um direito fundamental que justifica a necessidade de aplicar a lex fori.

33.      Por outro lado, observo, como decorre das indicações do órgão jurisdicional de reenvio, que a jurisprudência dos tribunais búlgaros está dividida quanto a saber se o artigo 52.° da ZZD constitui uma norma de aplicação imediata, na aceção do artigo 16.° do Regulamento Roma II, que conduz, no processo principal, à exclusão do direito alemão. Voltarei a debruçar‑me sobre este ponto mais adiante (19).

34.      Dito isto, analisarei agora a questão submetida pelo órgão jurisdicional de reenvio.

B.      Quanto à questão prejudicial

35.      Com a sua única questão, o órgão jurisdicional de reenvio pergunta, em substância, se uma disposição de direito nacional que prevê, como critério para determinar a reparação do prejuízo não patrimonial sofrido pelos membros da família próxima de uma pessoa que faleceu de acidente de viação, a aplicação de um princípio fundamental do direito de um Estado‑Membro, como o princípio da equidade, pode ser considerada uma norma de aplicação imediata, na aceção do artigo 16.° do Regulamento Roma II.

36.      A HUK‑COBURG, os Governos Checo e Alemão, bem como a Comissão consideram que deve ser dada uma resposta negativa à questão prejudicial. A HUK‑COBURG alega, nomeadamente, que a aplicação de uma disposição do direito nacional designado ao abrigo do Regulamento Roma II só pode ser excluída, por força do artigo 16.° deste regulamento, se essa aplicação for manifestamente incompatível com a ordem pública do foro. O Governo Alemão sustenta que, por princípio, o direito nacional que prevê que a indemnização do prejuízo não patrimonial é determinada com base na equidade não preenche os requisitos de aplicação desta disposição. Por seu turno, o Governo Checo alega, referindo‑se ao Acórdão Da Silva Martins, que a abordagem segundo a qual uma disposição de direito nacional pode ser considerada uma norma de aplicação imediata, na aceção do artigo 16.° do Regulamento Roma II, pelo simples facto de se basear em princípios fundamentais desse direito ou de a eles se referir não corresponde ao caráter excecional das normas de aplicação imediata e constitui um meio fácil de elidir a aplicação da lei designada ao abrigo deste regulamento. A Comissão salienta, por sua vez, que a identificação de uma norma de aplicação imediata, na aceção do artigo 16.° do referido regulamento, deve ser efetuada segundo os critérios estabelecidos pelo Tribunal de Justiça, nomeadamente, nos Acórdãos Unamar (20) e Da Silva Martins.

37.      Para responder de forma útil à questão prejudicial, exporei, em primeiro lugar, algumas breves considerações relativas à articulação entre o artigo 4.° o artigo 16.° do Regulamento Roma II (secção 1). Analisarei, em segundo lugar, a jurisprudência do Tribunal de Justiça relativa à definição do conceito de «normas de aplicação imediata», na aceção do artigo 16.° deste regulamento (secção 2), sublinhando, em terceiro lugar, a importância de ter em conta vínculos suficientemente estreitos com o país da lex fori na aplicação desta disposição (secção 3) antes de determinar, em quarto e último lugar, os critérios que permitem qualificar as normas que protegem os direitos e liberdades individuais de «normas de aplicação imediata», na aceção da referida disposição (secção 4).

1.      Breves considerações sobre a articulação entre o artigo 4.° e o artigo 16.° do Regulamento Roma II

38.      A título preliminar, recordo que decorre do seu considerando 1 que o Regulamento Roma II contribui para manter e desenvolver um espaço de liberdade, de segurança e de justiça. Para o efeito, este regulamento prevê duas regras de conflitos de leis, a saber, por um lado, a regra geral de conexão prevista no seu artigo 4.o (21), que figura no capítulo II, intitulado «Responsabilidade fundada em ato lícito, ilícito ou no risco», e, por outro, a regra que introduz a autonomia da vontade prevista no seu artigo 14.o, que figura no capítulo IV, intitulado «Liberdade de escolha» (22). No que respeita a esta primeira disposição, saliento que a redação da regra geral de conexão nela prevista foi guiada por imperativos de segurança jurídica e pela vontade de alcançar um compromisso entre os interesses divergentes das partes (23). Voltarei a estes objetivos mais adiante (24).

39.      O artigo 16.° do Regulamento Roma II, sob a epígrafe «Normas de aplicação imediata», que faz parte do capítulo V, intitulado «Regras comuns», prevê que «[o] disposto [neste regulamento] em nada afeta a aplicação das disposições da lei do país do foro que regulem imperativamente o caso concreto independentemente da lei normalmente aplicável à obrigação extracontratual». Assim, enquanto o artigo 4.° do referido regulamento designa a lei do país onde ocorre o dano (lex loci damni), o seu artigo 16.° prevê uma derrogação à aplicação da lei designada por este critério de conexão para aplicar uma disposição imperativa da lei do foro. A derrogação à regra de conflitos de leis tem, no entanto, caráter excecional, o que implica que a sua aplicação deve ser devidamente justificada, «[sendo a] observância [desta derrogação] necessária à salvaguarda da organização política, social e económica» (25).

40.      Neste contexto, a questão jurídica suscitada pelo presente processo é, portanto, a de saber se é possível afastar a legislação aplicável, ao abrigo do artigo 4.° do Regulamento Roma II, a uma obrigação extracontratual decorrente da responsabilidade fundada em ato lícito, ilícito ou no risco para aplicar, em conformidade com o artigo 16.° deste regulamento, disposições da lei do país do foro que «regulem imperativamente o caso concreto».

41.      A articulação destas duas disposições por meio da definição do conceito de «normas de aplicação imediata» é objeto de jurisprudência assente do Tribunal de Justiça, estabelecida pelos Acórdãos Unamar, ERGO Insurance e Gjensidige Baltic (26), bem como, Da Silva Martins.

2.      Quanto à jurisprudência do Tribunal de Justiça relativa ao conceito de «normas de aplicação imediata», na aceção do artigo 16.° do Regulamento Roma II

42.      No processo que deu origem ao Acórdão ERGO Insurance e Gjensidige Baltic, os órgãos jurisdicionais de reenvio procuravam, nomeadamente, saber como deviam ser interpretados os Regulamentos Roma I e Roma II para determinar a lei ou as leis aplicáveis à ação de regresso intentada pela seguradora de um veículo trator, que tinha indemnizado a vítima de um acidente causado pelo condutor desse veículo, contra a seguradora do reboque acoplado no momento desse acidente. Neste contexto, o Tribunal de Justiça recordou que, no que respeita ao respetivo âmbito de aplicação dos Regulamentos Roma I e Roma II, os conceitos de «obrigação contratual» e de «obrigação extracontratual» que neles figuram devem ser interpretados não só de forma autónoma, por referência principalmente à sistemática e à finalidade destes regulamentos, mas também tendo em conta, como resulta dos respetivos considerandos 7, o objetivo de coerência na aplicação recíproca desses regulamentos (27).

43.      No Acórdão Da Silva Martins (28), no qual interpretou pela primeira vez o artigo 16.° do Regulamento Roma II, o Tribunal de Justiça declarou, num primeiro momento, com base no n.° 43 do Acórdão ERGO Insurance e Gjensidige Baltic, que, dado que a exigência de coerência na aplicação dos Regulamentos Roma I e Roma II milita a favor de uma harmonização, na medida do possível, da interpretação dos conceitos funcionalmente idênticos utilizados por estes dois regulamentos, há que considerar que, independentemente do facto de determinadas versões linguísticas do Regulamento Roma II utilizarem uma terminologia diferente da do Regulamento Roma I, as «normas de aplicação imediata», na aceção do artigo 16.° do Regulamento Roma II, correspondem à definição das «normas de aplicação imediata», na aceção do artigo 9.° do Regulamento Roma I, de modo que a interpretação, pelo Tribunal de Justiça, deste último conceito é válida também para o de «normas de aplicação imediata», na aceção do artigo 16.° do Regulamento Roma II (29). Recordo que o artigo 9.o, n.° 1, do Regulamento Roma I define as normas de aplicação imediata como «disposições cujo respeito é considerado fundamental por um país para a salvaguarda do interesse público, designadamente a sua organização política, social ou económica, ao ponto de exigir a sua aplicação em qualquer situação abrangida pelo seu âmbito de aplicação, independentemente da lei que de outro modo seria aplicável ao contrato, por força [deste] regulamento» (30).

44.      O Tribunal de Justiça recordou, num segundo momento, fazendo referência ao Acórdão Unamar (31), que, no contexto da Convenção de Roma, já tinha sublinhado que a exceção relativa à existência de uma «disposição imperativa», na aceção da legislação do Estado‑Membro em causa, deve ser interpretada em termos estritos (32). Em especial, no que respeita a esta interpretação, o Tribunal de Justiça declarou que, para efeitos de identificação de uma «norma de aplicação imediata», na aceção do artigo 16.° do Regulamento Roma II, o órgão jurisdicional de reenvio deve constatar, com base numa análise circunstanciada dos termos, da sistemática geral, dos objetivos e do contexto da adoção dessa disposição, que ela assume uma importância tal na ordem jurídica nacional que justifica que se afaste da lei aplicável, designada nos termos do artigo 4.° deste regulamento (33). Mais precisamente, o órgão jurisdicional de reenvio deve identificar razões particularmente importantes, como uma violação manifesta do direito a um recurso efetivo e a uma proteção jurisdicional efetiva que resulte da aplicação da lei designada como aplicável pelo artigo 4.° do referido regulamento (34).

45.      Por conseguinte, o Tribunal de Justiça declarou que uma disposição nacional como a que está em causa nesse processo, que prevê que o prazo de prescrição da ação de indemnização pelos danos resultantes de um sinistro é de três anos, não pode ser considerada uma norma imperativa derrogatória, na aceção do artigo 16.° do Regulamento Roma II, a menos que o órgão jurisdicional chamado a conhecer do processo constate, com base numa análise circunstanciada dos termos, da sistemática geral, dos objetivos e do contexto da adoção dessa disposição, que ela assume uma importância tal na ordem jurídica nacional que justifica que se afaste da lei aplicável, designada nos termos do artigo 4.° daquele regulamento (35).

46.      Recordado isto, parece‑me importante salientar que, dado que, como já referi, a aplicação de normas de aplicação imediata, na aceção do artigo 16.° do Regulamento Roma II, tem por efeito afastar a aplicação da lei aplicável ao abrigo deste regulamento ao derrogar o mecanismo estabelecido pelas regras de conflitos de leis nele previstas, o juiz nacional só deve recorrer às normas de aplicação imediata, na aceção desta disposição, em última instância.

47.      Com efeito, na sua jurisprudência, o Tribunal de Justiça afirmou que o objetivo prosseguido pelo Regulamento Roma II consiste, nomeadamente, como decorre dos seus considerandos 6 (36), 14 (37) e 16 (38), em garantir a certeza quanto à lei aplicável independentemente do país em que se situe o tribunal perante o qual é proposta a ação e em reforçar a previsibilidade das decisões judiciais e assegurar um equilíbrio razoável entre os interesses da pessoa alegadamente responsável e os interesses do lesado (39).

48.      Em meu entender, o Tribunal de Justiça admitiu implicitamente na sua jurisprudência relativa à definição do conceito de «normas de aplicação imediata», na aceção do artigo 16.° do Regulamento Roma II, que qualificar uma disposição nacional de «norma de aplicação imediata», na aceção desta disposição, não pode ser uma operação automática, mas requer uma apreciação das circunstâncias do caso concreto que leve a considerar que a aplicação da lei do foro é necessária para a salvaguarda do interesse público de um país (40).

49.      A este respeito, não só deve resultar de uma análise circunstanciada que a aplicação das normas de aplicação imediata é necessária na ordem jurídica do foro, como essa aplicação deve ser o meio mais eficaz para atingir o objetivo prosseguido, a saber, proteger o interesse estatal. Se não for o caso, e desde que o interesse público do Estado possa ser também protegido, ou mesmo mais bem protegido, pela aplicação da lei geralmente aplicável às obrigações extracontratuais ao abrigo do artigo 4.° do Regulamento Roma II, o juiz de reenvio deve abster‑se de aplicar o mecanismo derrogatório previsto no artigo 16.° deste regulamento (41).

50.      Além disso, saliento um aspeto importante para a aplicação do artigo 16.° do Regulamento Roma II que não decorre de forma evidente da jurisprudência do Tribunal de Justiça, a saber, a importância da existência de vínculos suficientemente estreitos com o país da lex fori. Com efeito, não se pode qualificar a priori determinadas regras de «normas de aplicação imediata», uma vez que esta qualificação depende, em certos casos, das circunstâncias factuais das quais resultam vínculos suficientemente estreitos com o país do foro.

3.      Existência de vínculos suficientemente estreitos com o país da lex fori

51.      Como é sabido, decorre da leitura do artigo 16.° do Regulamento Roma II que o legislador da União não mencionou outras condições a preencher para que o órgão jurisdicional chamado a decidir possa aplicar as disposições imperativas da lei do foro ao derrogar a lei geralmente aplicável. Em especial, não é feita referência à necessidade de demonstrar que a situação em causa apresenta um vínculo estreito com o país do foro, vínculo que justifica a aplicação excecional dessas disposições (42). No entanto, como sublinharam, na doutrina, alguns autores, este silêncio não deve ser interpretado no sentido de que as normas de aplicação imediata podem ser aplicadas sem ter em consideração a exigência de um vínculo estreito com o país da lex fori (43).

52.      Com efeito, tendo em conta que a sua aplicação derroga a aplicação da lei geralmente aplicável ao abrigo do Regulamento Roma II, estas normas não são de aplicação automática e os órgãos jurisdicionais nacionais devem, primeiro, verificar se a situação em causa tem vínculos de conexão estreitos com o país do foro (44). Por outras palavras, e sobretudo no que respeita a disposições que não protegem exclusivamente o interesse público ou estatal, o juiz só pode recorrer ao artigo 16.° deste regulamento se o Estado‑Membro do foro puder justificar o interesse imperativo em regular essa situação (45).

53.      Além disso, exigir um vínculo estreito permite combater o forum shopping. Há o risco de este fenómeno se manifestar sobretudo nas circunstâncias em causa no processo que deu origem ao Acórdão Inkreal (46).

54.      Daqui resulta que não é possível qualificar in abstracto regras de «normas de aplicação imediata» nem dizer, igualmente in abstracto, se, no caso em apreço, se deve recorrer ao artigo 16.° do Regulamento Roma II. Em especial, para efeitos de aplicação desta disposição, deve resultar do conjunto das circunstâncias que a situação em questão apresenta vínculos suficientemente estreitos com o país da lex fori.

55.      Dito isto, resta‑me ainda clarificar os critérios que permitem qualificar as normas que protegem os direitos individuais de «normas de aplicação imediata», na aceção do artigo 16.° do Regulamento Roma II, lido em conjugação com o seu considerando 32.

4.      Quanto aos critérios que permitem qualificar as normas que protegem os direitos e liberdades individuais de «normas de aplicação imediata», na aceção do artigo 16.° do Regulamento Roma II

56.      Em primeiro lugar, saliento que a definição do conceito de «normas de aplicação imediata», na aceção do artigo 16.° do Regulamento Roma II, conforme resulta da definição do conceito de «normas de aplicação imediata», na aceção do artigo 9.° do Regulamento Roma I e da jurisprudência consolidada do Tribunal de Justiça acima exposta (47), deve ser lida em conjugação com o considerando 32 do Regulamento Roma II. Este considerando prevê, nomeadamente, que «[c]onsiderações de interesse público justificam que, em circunstâncias excecionais, os tribunais dos Estados‑Membros possam aplicar exceções, por motivos de ordem pública e com base em normas de aplicação imediata» (48).

57.      Resulta, a meu ver, da leitura conjugada dessa jurisprudência e do considerando 32 do Regulamento Roma II que os órgãos jurisdicionais dos Estados‑Membros podem recorrer ao mecanismo derrogatório do artigo 16.° deste regulamento, em «circunstâncias excecionais», quando considerem a aplicação da lex fori «fundamental» com base em «considerações de interesse público». Por outras palavras, considerações de interesse público condicionam a aplicação das disposições da lex fori «cujo respeito é considerado fundamental» pelos órgãos jurisdicionais nacionais. Em especial, o considerando 32 do referido regulamento menciona que «a aplicação de uma disposição da lei designada pelo [mesmo regulamento] que tenha por efeito dar origem à determinação de indemnizações não compensatórias exemplares ou punitivas de carácter excessivo pode, em função das circunstâncias do caso e da ordem jurídica do Estado‑Membro do tribunal em que a ação é proposta, ser considerada contrária à ordem pública do foro».

58.      Em segundo lugar, saliento que a proteção prevista no artigo 16.° do Regulamento Roma II não abrange automaticamente todos os interesses públicos de um Estado. Para serem abrangidos pelo âmbito de aplicação desta disposição, esses interesses devem ser tão importantes que afetam, nomeadamente, a organização política, social ou económica do Estado em causa (49). Por conseguinte, é importante determinar se, no âmbito do considerando 32 deste regulamento, a referência do legislador da União aos objetivos de interesse público deve ser interpretada stricto sensu ou se pode também ser alargada às disposições nacionais que protegem os interesses individuais. Esta questão é objeto, na doutrina, de um vivo debate entre os autores, uma vez que a fronteira entre a proteção dos interesses coletivos e a dos interesses individuais não é fácil de destrinçar (50). Clarificar esta fronteira contribuirá de forma decisiva para a interpretação autónoma do conceito de «normas de aplicação imediata», na aceção do artigo 16.° do referido regulamento. Com efeito, a possibilidade de proteger igualmente os interesses individuais deve ser tida em conta no âmbito da interpretação do artigo 16.° do mesmo regulamento à luz do seu considerando 32.

59.      A meu ver, dois argumentos militam a favor desta interpretação.

60.      Um primeiro argumento está relacionado com a interação entre os interesses coletivos e os interesses individuais. Assim, no âmbito da responsabilidade extracontratual, as regras instituídas por um Estado‑Membro para proteger uma categoria de pessoas lesadas, alterando, nomeadamente, o ónus da prova ou estabelecendo um limite mínimo de reparação, poderiam ter por objetivo principal restabelecer o equilíbrio entre os interesses concorrentes de particulares. Indiretamente, poderiam, por isso, contribuir igualmente para proteger a ordem social e económica do Estado‑Membro, reduzindo o impacto dos acidentes nos recursos públicos (51).

61.      Um segundo argumento, no mesmo sentido, é atinente à constatação de que o considerando 32 do Regulamento Roma II menciona, em especial, disposições relativas à avaliação da reparação, o que inclui, consequentemente, a possibilidade de a reparação ser devida entre certas categorias de pessoas singulares. A este respeito, devo precisar que, embora este considerando enuncie que a aplicação de tais disposições pode ser considerada «contrária à ordem pública do foro», sem mencionar igualmente o mecanismo das normas de aplicação imediata, o mesmo se aplica, a meu ver, no que se refere a este último mecanismo.

62.      Nestas circunstâncias, considero que disposições que visam, antes de mais, proteger direitos e liberdades individuais podem ser qualificadas de «aplicação imediata», na aceção do artigo 16.° do Regulamento Roma II, se, além do facto de estas disposições conciliarem interesses individuais, estiver demonstrada a existência de um vínculo suficiente com interesses públicos considerados fundamentais na ordem jurídica do Estado em causa.

63.      A este respeito, em terceiro lugar, parece‑me importante salientar, à semelhança do Governo Alemão, que a especial proteção conferida por uma norma de aplicação imediata deve revelar‑se como sendo a expressão necessária de princípios jurídicos fundamentais.

64.      É, sem dúvida verdade que poderia ser atribuída, num determinado ordenamento jurídico nacional, às regras previstas pelos Estados para proteger certas categorias de direitos individuais, como o direito de indemnização das vítimas de infrações penais ou de acidentes de viação, uma importância tal que fossem consideradas princípios jurídicos fundamentais, dos quais também faria parte o princípio da equidade.

65.      No caso em apreço, o órgão jurisdicional de reenvio salienta que o princípio de uma reparação equitativa enunciado no artigo 52.° da ZZD constitui um princípio fundamental do direito búlgaro, uma vez que o princípio da equidade faz parte da ordem pública do Estado. Como já salientei, esse órgão jurisdicional constatou, no entanto, que a jurisprudência dos tribunais búlgaros está dividida quanto a saber se o artigo 52.° da ZZD, que implicaria que não apenas o sofrimento que causou um dano patológico, mas todos os sofrimentos provocados, poderiam ser objeto dessa reparação, constitui uma norma de aplicação imediata, na aceção do artigo 16.° do Regulamento Roma II, o que conduziria, no litígio no processo principal, à exclusão do direito alemão (52). O facto de essa jurisprudência dos tribunais búlgaros, como indica o órgão jurisdicional de reenvio, estar dividida leva‑me, à primeira vista, a duvidar de que o princípio da equidade seja um princípio fundamental da ordem jurídica búlgara. Cabe, no entanto, a esse órgão jurisdicional verificá‑lo.

66.      De qualquer modo, devo sublinhar, em quarto e último lugar, que, no âmbito da aplicação do artigo 16.° do Regulamento Roma II, lido em conjugação com o seu considerando 32, a possibilidade de recorrer às normas de aplicação imediata para proteger interesses tanto coletivos como individuais deve ser ponderada com o direito material da União, que pode constituir a lei aplicável ao abrigo do artigo 4.° deste regulamento.

67.      No Acórdão HUK‑COBURG I, o Tribunal de Justiça considerou que a Diretiva 2009/103 não se opõe, em princípio, a uma regulamentação nacional que fixa critérios vinculativos para a determinação dos prejuízos não patrimoniais suscetíveis de ser indemnizados. Declarou, portanto, que esta diretiva não se opõe a uma regulamentação nacional que subordina a indemnização, pela seguradora da responsabilidade civil resultante da circulação de veículos automóveis, do prejuízo não patrimonial sofrido pelos membros da família próximos das vítimas de acidentes de viação à condição de esse prejuízo ter provocado um dano patológico para a saúde desses familiares próximos (53). Por conseguinte, o Tribunal de Justiça declarou que uma legislação nacional aplicável ao abrigo do artigo 4.° do Regulamento Roma II, disposição nacional que transpõe no direito nacional a Diretiva 2009/103 (54), está em conformidade com esta diretiva na condição de prever um critério equitativo de indemnização do prejuízo não patrimonial.

68.      Nessas circunstâncias, em que a Diretiva 2009/103 prevê montantes mínimos de cobertura pelo seguro obrigatório, a tomada em consideração da lex fori, designadamente no caso de prever montantes de cobertura superiores, só pode ser contemplada se a proteção considerada fundamental para a salvaguarda do interesse público do Estado do foro, na aceção do artigo 16.° do Regulamento Roma II, for entendida, na ordem jurídica desse Estado, como sendo mais ampla do que os padrões mínimos garantidos pelo direito da União, independentemente do que está previsto na legislação dos outros Estados‑Membros.

69.      No entanto, como decorre igualmente do Acórdão HUK‑COBURG I, a obrigação de cobertura, pelo seguro de responsabilidade civil, dos danos causados a terceiros por veículos automóveis é distinta da extensão da indemnização desses danos a título da responsabilidade civil do segurado. Com efeito, enquanto a primeira é definida e garantida pela regulamentação da União, a segunda é regulada, essencialmente, pelo direito nacional. O Tribunal de Justiça precisa que resulta, efetivamente, do objeto da Diretiva 2009/103 e da sua redação que esta, à semelhança das diretivas que codifica, não visa harmonizar os regimes de responsabilidade civil dos Estados‑Membros e que, no estado atual do direito da União, estes continuam a ser livres de determinar o regime de responsabilidade civil aplicável aos sinistros resultantes da circulação dos veículos automóveis (55). Por conseguinte, e tendo em conta, nomeadamente, o artigo 1.o, n.° 2, da Diretiva 2009/103, o Tribunal de Justiça considerou que, no estado atual do direito da União, os Estados‑Membros conservam, em princípio, a liberdade de determinar, especialmente, quais os danos causados por veículos automóveis que devem obrigatoriamente ser objeto de indemnização, o alcance do direito à indemnização e as pessoas que têm direito à mesma (56).

70.      No presente processo, a lei aplicável ao abrigo do artigo 4.° do Regulamento de Roma II e que viesse a ser afastada a favor da lei do foro, aplicável por força do artigo 16.° deste regulamento, está abrangida pelo direito material da responsabilidade civil para o qual remete a Diretiva 2009/103 (57).

V.      Conclusão

71.      À luz das considerações precedentes, proponho que o Tribunal de Justiça responda à questão prejudicial submetida pelo Varhoven kasatsionen sad (Supremo Tribunal de Cassação, Bulgária) do seguinte modo:

O artigo 16.° do Regulamento (CE) n.° 864/2007 do Parlamento Europeu e do Conselho, de 11 de julho de 2007, relativo à lei aplicável às obrigações extracontratuais («Roma II»),

deve ser interpretado no sentido de que:

se opõe a que uma disposição nacional, como a que está em causa no processo principal, que prevê, como critério de determinação da indemnização do prejuízo não patrimonial sofrido pelos membro da família próxima de uma pessoa falecida por acidente de viação, a aplicação de um princípio fundamental do direito de um Estado‑Membro, como o princípio da equidade, possa ser considerada uma norma de aplicação imediata, na aceção deste artigo, a menos que o órgão jurisdicional chamado a decidir constate, com base na existência de vínculos suficientemente estreitos com o país do foro e de uma análise circunstanciada dos termos, da sistemática geral, dos objetivos e do contexto da adoção dessa disposição, que ela assume uma importância tal na ordem jurídica nacional que justifica que se afaste da lei aplicável, designada nos termos do artigo 4.° deste regulamento.


1      Língua original: francês.


2      Regulamento do Parlamento Europeu e do Conselho, de 11 de julho de 2007, relativo à lei aplicável às obrigações extracontratuais («Roma II») (JO 2007, L 199, p. 40).


3      Regulamento do Parlamento Europeu e do Conselho, de 17 de junho de 2008, sobre a lei aplicável às obrigações contratuais (Roma I) (JO 2008, L 177, p. 6).


4      DV n.o 275, de 22 de novembro de 1950.


5      BGBl. 2007 I, p. 2631.


6      Acórdão de 15 de dezembro de 2022 (C‑577/21, a seguir «Acórdão HUK‑COBURG I», EU:C:2022:992).


7      Diretiva do Parlamento Europeu e do Conselho, de 16 de setembro de 2009, relativa ao seguro de responsabilidade civil que resulta da circulação de veículos automóveis e à fiscalização do cumprimento da obrigação de segurar esta responsabilidade (JO 2009, L 263, p. 11).


8      Acórdão de 31 de janeiro de 2019 (C‑149/18, a seguir «Acórdão Da Silva Martins», EU:C:2019:84).


9      V., nomeadamente, Acórdão de 20 de outubro de 2022, Ekofrukt (C‑362/21, EU:C:2022:815, n.o 26 e jurisprudência aí referida).


10      Decorre dos n.os 16 a 18 do Acórdão HUK‑COBURG I que o pai, que tinha subscrito junto da HUK‑COBURG um seguro obrigatório de responsabilidade civil, tinha causado o acidente. Com efeito, conduzia o seu veículo em estado de embriaguez, sendo que a mãe estava instalada no lugar dianteiro à direita, sem ter posto o cinto de segurança.


11      V. n.o 21 das presentes conclusões.


12      Acórdão HUK‑COBURG I (n.° 46). O legislador alemão eliminou esta exigência através do § 844, n.o 3, do BGB; v. BGBl 2017 I, p. 2421.


13      V. n.° 21 das presentes conclusões.


14      V. n.° 21 das presentes conclusões.


15      V., nomeadamente, Acórdão de 15 de junho de 2023, Bank M. (Consequências da anulação do contrato) (C‑520/21, EU:C:2023:478, n.° 52).


16      Observo igualmente que decorre da decisão de reenvio que, no que respeita à fundamentação do montante concedido em primeira instância, o Sofiyski gradski sad (Tribunal da cidade de Sófia) tinha indicado que existia um princípio de reparação equitativa do dano moral tanto no direito búlgaro, ao abrigo do artigo 52.° da ZZD, como no direito alemão, ao abrigo do § 253 do BGB. V. n.o 16 das presentes conclusões.


17      V. n.os 9 e 21 das presentes conclusões.


18      V. n.° 17 das presentes conclusões.


19      V. n.° 65 das presentes conclusões.


20      Acórdão de 17 de outubro de 2013 (C‑184/12, a seguir «Acórdão Unamar», EU:C:2013:663).


21      A este respeito, o considerando 14 do Regulamento Roma II enuncia que «[este] regulamento estabelece uma regra geral, mas também regras específicas e, em certas disposições, uma “cláusula de salvaguarda” que permite não aplicar essas regras se resultar claramente do conjunto das circunstâncias do caso que a responsabilidade fundada em ato lícito, ilícito ou no risco apresenta uma conexão manifestamente mais estreita com outro país. Assim, este conjunto de regras cria um quadro flexível de regras de conflitos.» V., igualmente, nota 37 das presentes conclusões.


22      No que respeita ao artigo 14.° do Regulamento Roma II, v. Pacuła, K., Wybór prawa a ochrona osób trzecich na tle rozporządzenia Rzym II, Wolters Kluwer, Varsóvia, 2024.


23      V, proposta de Regulamento do Parlamento Europeu e do Conselho relativo à lei aplicável às obrigações extracontratuais («Roma II»). [COM(2003) 427 final, p. 12, e considerando 16 do Regulamento Roma II. V., nomeadamente, Francq, S., «Le règlement Rome II concernant la loi applicable aux obligations non contractuelles. Entre droit communautaire et droit international privé», Journal de droit européen, 2008, pp. 289 a 296.


24      V., a este respeito, n.° 47 das presentes conclusões.


25      V. Franceskakis, P., «Quelques précisions sur les lois d’application immédiate et leurs rapports avec les règles de conflits de lois», Revue critique de droit international privé, 1966, pp. 1 e segs. Para uma opinião contrária ao mecanismo das normas de aplicação imediata, v., designadamente, Heuzé, V., «Un avatar du pragmatisme juridique: la théorie des lois de police», Revue critique de droit international privé, 2020, n.° 1, pp. 31 a 60.


26      Acórdão de 21 de janeiro de 2016 (C‑359/14 e C‑475/14, a seguir «Acórdão ERGO Insurance e Gjensidige Baltic», EU:C:2016:40).


27      Acórdão ERGO Insurance e Gjensidige Baltic (n.° 43). O considerando 7 do Regulamento Roma II enuncia que «[o] âmbito de aplicação material e as disposições do presente regulamento deverão ser coerentes com o Regulamento (CE) n.° 44/2001 do Conselho, de 22 de dezembro de 2000, relativo à competência judiciária, ao reconhecimento e à execução de decisões em matéria civil e comercial [(JO 2001, L 12, p. 1, a seguir “Regulamento Bruxelas I”)] e com os instrumentos referentes à lei aplicável às obrigações contratuais». Em meu entender, os considerandos 7 dos Regulamentos Roma I e Roma II constituem o fundamento da conceção segundo a qual os conceitos utilizados pelo legislador da União para designar o âmbito de aplicação destes dois regulamentos, do Regulamento Bruxelas I e do [(Regulamento (UE) n.° 1215/2012 do Parlamento Europeu e do Conselho, de 12 de dezembro de 2012, relativo à competência judiciária, ao reconhecimento e à execução de decisões em matéria civil e comercial (JO 2012, L 351, p. 1, a seguir, «Regulamento Bruxelas I‑A» )] e das respetivas disposições, devem ser interpretados de forma coerente; V. Szpunar, M., «Droit international privé de l’Union: cohérence des champs d’application et/ou des solutions?», Revue critique de droit international privé, 2018, p. 573.


28      No processo que deu origem a esse acórdão, o litígio no processo principal opunha a vítima portuguesa a uma companhia de seguros espanhola a respeito da determinação da lei aplicável a uma obrigação de indemnização resultante de um acidente de viação ocorrido em Espanha. A legislação espanhola previa um prazo de prescrição de um ano, enquanto a legislação portuguesa previa um prazo de prescrição de três anos. O órgão jurisdicional de reenvio procurava saber, nomeadamente, se a legislação portuguesa «que [transpunha] para o direito interno a [Diretiva 2009/13] e que [previa] que a lei do Estado [...] onde [tivesse] ocorrido o acidente, [era] substituída pela lei portuguesa “sempre que esta [estabelecesse] uma cobertura superior” tem caráter imperativo, na aceção do artigo 16.° do Regulamento Roma II». Acórdão Da Silva Martins (n.° 21).


29      Acórdão Da Silva Martins (n.° 28). A falta de definição do conceito de «normas de aplicação imediata» no Regulamento Roma II explica‑se certamente pelo facto de a formulação do seu artigo 16.° ser baseada no artigo 7.o, n.° 2, da Convenção sobre a lei aplicável às obrigações contratuais, aberta a assinatura em Roma a 19 de junho de 1980 (JO 1980, L 266, p. 1, a seguir «Convenção de Roma»), sendo que o Regulamento Roma I foi adotado após o Regulamento Roma II. Esta lacuna foi colmatada pouco tempo depois pelo artigo 9.° do Regulamento Roma I; v., a este respeito, Ho‑Dac, M., «L’arrêt da Silva Martins de la Cour de justice de l’Union européenne, expression des “rapports de méthodes” dans l’ordre juridique européen», Revue trimestrielle de droit européen, n.° 4, 2019, pp. 869 a 882, em especial ponto 10. Na doutrina, alguns autores qualificaram de «inadequada», a expressão «dispositions impératives dérogatoires» utilizada no artigo 16.° do Regulamento Roma II na versão linguística francesa em vez da expressão clássica «lois de police», utilizada no seu considerando 32; v. Francq, S. e Jault‑Seseke, F., «Les lois de police, une approche de droit comparé», Le règlement communautaire Rome I et le choix de lois dans les contrats internationaux, Corneloup, S. e Jaubert, S. (éd.), Lexis Nexis Litec, Paris, 2011, pp. 357 a 393, especialmente, p. 360.


30      Como já salientei nas minhas Conclusões no processo Nikiforidis (C‑135/15, EU:C:2016:281, n.o 71), esta definição é inspirada na formulação utilizada no Acórdão de 23 de novembro de 1999, Arblade e o. (C‑369/96 e C‑376/96, EU:C:1999:575, n.° 30), em que o Tribunal se referiu às disposições do direito do trabalho belga, qualificadas no direito belga como «leis de polícia e de segurança».


31      V. n.49 desse acórdão. Há que recordar que o Tribunal de Justiça declarou no referido acórdão que os artigos 3.° e 7.o, n.° 2, da Convenção de Roma devem ser interpretados no sentido de que a lei de um Estado‑Membro da União Europeia que oferece a proteção mínima imposta pela Diretiva 86/653/CEE do Conselho, de 18 de dezembro de 1986, relativa à coordenação do direito dos Estados‑Membros sobre os agentes comerciais (JO 1986, L 382, p. 17), escolhida pelas partes num contrato de agência comercial, pode ser afastada pelo órgão jurisdicional chamado a pronunciar‑se, com sede noutro Estado‑Membro, a favor da lex fori com um fundamento relativo ao caráter imperativo, na ordem jurídica deste último Estado‑Membro, das normas que regulam a situação dos agentes comerciais unicamente se o órgão jurisdicional chamado a pronunciar‑se constatar de forma circunstanciada que, no âmbito desta transposição, o legislador do Estado do foro considerou crucial, na ordem jurídica em causa, conceder ao agente comercial uma proteção mais ampla do que a proteção conferida pela referida diretiva, tendo em conta, a este respeito, a natureza e o objeto dessas disposições imperativas (n.° 52 e parte decisória).


32      Acórdão Da Silva Martins (n.° 29).


33      Acórdão Da Silva Martins (n.° 31).


34      Acórdão Da Silva Martins (n.° 34).


35      Acórdão Da Silva Martins (n.° 35 e parte decisória).


36      O considerando 6 do Regulamento Roma II enuncia que «[o] bom funcionamento do mercado interno exige, para favorecer a previsibilidade do resultado dos litígios, a certeza quanto à lei aplicável e a livre circulação das decisões judiciais, que as regras de conflitos de leis em vigor nos Estados‑Membros designem a mesma lei nacional, independentemente do país em que se situe o tribunal perante o qual é proposta a ação».


37      O considerando 14 do Regulamento Roma II enuncia que «[a] exigência de certeza jurídica e a necessidade de administrar a justiça nos casos individuais são elementos essenciais de um espaço de justiça.». V., igualmente, nota 21 das presentes conclusões.


38      O considerando 16 do Regulamento Roma II enuncia que «[a]s regras uniformes deverão reforçar a previsibilidade das decisões judiciais e assegurar um equilíbrio razoável entre os interesses da pessoa alegadamente responsável e os interesses do lesado. A conexão com o país do lugar onde o dano direto ocorreu (lex loci damni) estabelece um justo equilíbrio entre os interesses da pessoa alegadamente responsável e do lesado e reflete a conceção moderna da responsabilidade civil, bem como a evolução dos sistemas de responsabilidade objetiva».


39      Acórdãos de 10 de dezembro de 2015, Lazar (C‑350/14, EU:C:2015:802, n.o 29), e de 17 de maio de 2023, Fonds de Garantie des Victimes des Actes de Terrorisme et d’Autres Infractions (FGTI) (C‑264/22, EU:C:2023:417, n.30).


40      Quanto à importância para o órgão jurisdicional chamado a decidir de apreciar as circunstâncias do caso concreto, v. as minhas Conclusões no processo Nikiforidis (C‑135/15, EU:C:2016:281, n.° 72).


41      Bonom, A. «Article 9», Commentary on the Rome I Regulation, Magnus, U. e Mankowsk, P. (eds.), Verlag Dr. Otto Schmidt, Colónia, 2017, vol. 22, pp. 599 a 629, especialmente, p. 626, ponto 85.


42      V. n.° 39 das presentes conclusões.


43      Wautelet, P., «Article 16» Commentary on the Rome II Regulation, Magnus, U. e Mankowski, P. (éds.), Verlag Dr. Otto Schmidt, Colónia, 2019, vol. 3, pp. 549 a 566, especialmente, pontos 48 e 49.


44      V. n.o 48 das presentes conclusões.


45      Quanto ao papel da proximidade na aplicação de normas de aplicação imediata e quanto à jurisprudência aí referida, v. Nuyts, A., «L’application des lois de police dans l’espace (Réflexions au départ du droit belge de la distribution commerciale et du droit communautaire)», Revue critique de droit international privé, 1999, p. 50; Bonomi, A., «Overriding Mandatory Provisions in the Rome I Regulation on the Law Applicable to Contracts», Yearbook of Private International Law, vol. X, SELP, 2008, pp. 291 e segs., e Pacuła, K., «Przepisy wymuszające swoje zastosowanie jako instrument ochrony „strony słabszej” umowy ubezpieczenia», Problemy Prawa Prywatnego Międzynarodowego, vol. 15, 2014, pp. 38 e segs.


46      Quanto à questão de saber se a existência de uma cláusula atributiva de jurisdição constitui por si só um elemento de estraneidade suficiente para implicar a aplicação do artigo 25.o, n.° 1, do Regulamento Bruxelas I‑A, relativo à extensão de competência, v. Acórdão de 8 de fevereiro de 2024, Inkreal (C‑566/22, EU:C:2024:123, n.° 39 e parte decisória). Nesse acórdão, o Tribunal de Justiça concluiu que o artigo 25.o, n.° 1, do Regulamento Bruxelas I‑A se aplica a um pacto atributivo de jurisdição através do qual as partes num contrato estabelecidas num mesmo Estado‑Membro acordam atribuir competência aos tribunais de outro Estado‑Membro para dirimirem litígios resultantes deste contrato, ainda que o referido contrato não comporte nenhuma outra conexão com esse outro Estado‑Membro.


47      V. n.os 38 e segs. das presentes conclusões.


48      V., igualmente, considerando 37 do Regulamento Roma I. Quanto à estreita correlação entre as normas de aplicação imediata e a «proteção da ordem pública», v. minhas Conclusões no processo Nikiforidis (C‑135/15, EU:C:2016:281, n.° 68 e segs.).


49      Bonomi, A., «Article 9», Commentary on the Rome I Regulation, op. cit., p. 626, ponto 84.


50      No que respeita ao debate doutrinal sobre a interpretação do considerando 32 do Regulamento Roma II, v., nomeadamente, Wautelet, P., «Article 16», Commentary on the Rome II Regulation, op. cit., p. 554, ponto 15; Francq, S., e Jault‑Seseke, F., « Les lois de police, une approche de droit comparé», Le règlement communautaire Rome I et le choix de loi dans les contrats internationaux, op. cit., p. 360 a 371, e Pailler, L., «Conflit de lois: CJUE, 6e ch., 31 janv. 2019, aff. C‑149/18, Agostinho da Silva Martins c/ Dekra Claims Services Portugal SA.», Journal du droit international (Clunet), n.° 3, 2019, pp. 890 a 894.


51      Wautelet, P., «Article 16», Commentary on the Rome II Regulation, op. cit., p. 554, pontos 15 e 16.


52      V. n.° 33 das presentes conclusões.


53      Acórdão HUK‑COBURG I (n.° 51 e parte decisória).


54      Como já salientei, a legislação nacional em causa nesse processo era a mesma da do caso em apreço.


55      Acórdão HUK‑COBURG I (n.os 35 e 36). Decorre, nomeadamente, do n.° 48 deste acórdão que a Diretiva 2009/103 não impõe aos Estados‑Membros a escolha de um regime de responsabilidade civil particular para determinar a extensão do direito da vítima a uma indemnização a título da responsabilidade civil do segurado.


56      Acórdão HUK‑COBURG I (n.° 37).


57      No caso hipotético de a legislação aplicável ao abrigo do artigo 4.° do Regulamento Roma II estar abrangida pela Diretiva 2009/103, deveria ser constatado, a fim de afastar a sua aplicação a favor da lex fori por um motivo relativo ao caráter imperativo das suas disposições na ordem jurídica do foro, com base numa apreciação circunstanciada dessas disposições, que, no âmbito da transposição da Diretiva 2009/103, o legislador do foro considerou fundamental, na sua ordem jurídica, conceder aos membros da família próxima de uma vítima de acidente de viação «uma proteção mais ampla do que a proteção conferida pela referida diretiva, tendo em conta, a este respeito, a natureza e o objeto dessa disposição considerada imperativa». V., neste sentido, Acórdãos Unamar (n.os 50 a 52) e Da Silva Martins (n.° 30).