Language of document : ECLI:EU:C:2017:364

CONCLUSÕES DO ADVOGADO‑GERAL

MACIEJ SZPUNAR

apresentadas em 11 de maio de 2017 (1)

Processo C‑434/15

Asociación Profesional Elite Taxi

contra

Uber Systems Spain SL

[pedido de decisão prejudicial submetido pelo Juzgado de lo Mercantil n.° 3 de Barcelona (Tribunal de Comércio n.° 3 de Barcelona, Espanha)]

«Reenvio prejudicial — Serviços no mercado interno — Transporte de passageiros — Utilização de ferramentas informáticas e de uma aplicação para smartphones — Concorrência desleal — Exigência de autorização»






 Introdução

1.        Embora o desenvolvimento de novas tecnologias geralmente origine controvérsias, a Uber afigura‑se um caso à parte. O seu modo de funcionamento suscita críticas e interrogações, mas também esperanças e novas expectativas. Para referir apenas aspetos jurídicos, o modo de funcionamento da Uber levantou questões relativas, nomeadamente, ao direito da concorrência, à proteção dos consumidores e ao direito do trabalho. No plano económico e social surgiu inclusivamente a expressão «uberização». Por conseguinte, o presente pedido de decisão prejudicial coloca o Tribunal de Justiça perante uma problemática altamente politizada e mediatizada.

2.        O objeto do presente processo é, no entanto, bastante mais limitado. A interpretação pedida deve unicamente permitir situar a Uber no plano do direito da União, a fim de poder determinar se, e em que medida, o seu funcionamento está sujeito a este direito. Assim, trata‑se principalmente de saber se uma eventual regulação das condições de funcionamento da Uber está sujeita às exigências do direito da União, em primeiro lugar, em matéria de livre prestação de serviços, ou se está abrangida pela competência partilhada da União Europeia e dos Estados‑Membros no domínio dos transportes locais, que ainda não foi exercida a nível da União.

 Quadro jurídico

 Direito da União

3.        O artigo 1.°, n.° 2, da Diretiva 98/34/CE (2) dispõe:

«Para efeitos da presente diretiva entende‑se por: […]

2)      “serviço”: qualquer serviço da sociedade da informação, isto é, qualquer serviço prestado normalmente mediante remuneração, à distância, por via eletrónica e mediante pedido individual de um destinatário de serviços.

Para efeitos da presente definição, entende‑se por:

—      “à distância”: um serviço prestado sem que as partes estejam simultaneamente presentes,

—      “por via eletrónica”: um serviço enviado desde a origem e recebido no destino através de instrumentos eletrónicos de processamento (incluindo a compressão digital) e de armazenamento de dados, que é inteiramente transmitido, encaminhado e recebido por cabo, rádio, meios óticos ou outros meios eletromagnéticos,

—      “mediante pedido individual de um destinatário de serviços”: um serviço fornecido por transmissão de dados mediante pedido individual.

No anexo V figura uma lista indicativa dos serviços não incluídos nesta definição.

[…]»

4.        O artigo 2.°, alíneas a) e h), da Diretiva 2000/31/CE (3) dispõe:

«Para efeitos da presente diretiva, entende‑se por:

a)      “Serviços da sociedade da informação”: os serviços da sociedade da informação na aceção do n.° 2 do artigo 1.° da [Diretiva 98/34];

[…]

h)      “Domínio coordenado”: as exigências fixadas na legislação dos Estados‑Membros, aplicáveis aos prestadores de serviços da sociedade da informação e aos serviços da sociedade da informação, independentemente de serem de natureza geral ou especificamente concebidos para esses prestadores e serviços.

i)      O domínio coordenado diz respeito às exigências que o prestador de serviços tem de observar, no que se refere:

–        ao exercício de atividades de um serviço da sociedade da informação, tal como os requisitos respeitantes às habilitações, autorizações e notificações,

–        à prossecução de atividade de um serviço da sociedade da informação, tal como os requisitos respeitantes ao comportamento do prestador de serviços, à qualidade ou conteúdo do serviço, incluindo as aplicáveis à publicidade e aos contratos, ou as respeitantes à responsabilidade do prestador de serviços.

ii)      O domínio coordenado não abrange exigências tais como as aplicáveis:

[…]

–        aos serviços não prestados por meios eletrónicos.»

5.        O artigo 3.°, n.os 1, 2 e 4, da Diretiva 2000/31 prevê:

«1.      Cada Estado‑Membro assegurará que os serviços da sociedade da informação prestados por um prestador estabelecido no seu território cumpram as disposições nacionais aplicáveis nesse Estado‑Membro que se integrem no domínio coordenado.

2.      Os Estados‑Membros não podem, por razões que relevem do domínio coordenado, restringir a livre circulação dos serviços da sociedade da informação provenientes de outro Estado‑Membro.

[…]

4.      Os Estados‑Membros podem tomar medidas derrogatórias do n.° 2 em relação a determinado serviço da sociedade da informação, caso sejam preenchidas as seguintes condições:

a)      As medidas devem ser:

i)      Necessárias por uma das seguintes razões:

–        defesa da ordem pública, em especial prevenção, investigação, deteção e incriminação de delitos penais, incluindo a proteção de menores e a luta contra o incitamento ao ódio fundado na raça, no sexo, na religião ou na nacionalidade, e contra as violações da dignidade humana de pessoas individuais,

–        proteção da saúde pública,

–        segurança pública, incluindo a salvaguarda da segurança e da defesa nacionais,

–        defesa dos consumidores, incluindo os investidores;

ii)      Tomadas relativamente a um determinado serviço da sociedade da informação que lese os objetivos referidos na subalínea i), ou que comporte um risco sério e grave de prejudicar esses objetivos;

iii)      Proporcionais a esses objetivos;

b)      Previamente à tomada das medidas em questão, e sem prejuízo de diligências judiciais, incluindo a instrução e os atos praticados no âmbito de uma investigação criminal, o Estado‑Membro deve:

–        ter solicitado ao Estado‑Membro a que se refere o n.° 1 que tome medidas, sem que este último as tenha tomado ou se estas se tiverem revelado inadequadas,

–        ter notificado à Comissão e ao Estado‑Membro a que se refere o n.° 1 a sua intenção de tomar tais medidas.

[…]»

6.        Nos termos do artigo 2.°, n.° 2, alínea d), da Diretiva 2006/123/CE (4):

«A presente diretiva não se aplica às seguintes atividades:

[…]

d)      Serviços no domínio dos transportes, incluindo os serviços portuários, abrangidos pelo âmbito do título V do Tratado;

[…]».

7.        O artigo 3.°, n.° 1, primeiro período, desta diretiva dispõe:

«Sempre que haja conflito entre uma disposição da presente diretiva e um outro instrumento comunitário que discipline aspetos específicos do acesso e do exercício da atividade de um serviço em domínios ou profissões específicos, as disposições desse instrumento comunitário prevalecem e aplicam‑se a esses domínios ou profissões específicos. […]»

 Direito espanhol

8.        Existe alguma confusão quanto à descrição que o órgão jurisdicional de reenvio, as partes no processo principal e o Governo espanhol fizeram do quadro jurídico nacional aplicável. Descreverei em seguida os seus traços essenciais, conforme resultam tanto da decisão de reenvio como de diferentes observações escritas apresentadas no presente processo.

9.        Em primeiro lugar, no que respeita à regulamentação dos transportes a nível nacional, nos termos do artigo 99.°, n.° 1, da Ley 16/1987 de Ordenación de los Transportes Terrestres (Lei n.° 16/1987, relativa à organização dos transportes terrestres), de 30 de julho de 1987, é exigida uma autorização de transporte público de passageiros tanto para a realização de transportes desta natureza como para o exercício de uma atividade de intermediação na celebração de tais contratos. Todavia, a demandada no processo principal refere que a Ley 9/2013 que altera a Ley 16/1987 e a Ley 21/2003, de 7 de julio, de Seguridad Aérea (Lei n.° 9/2013 que altera a Lei n.° 16/1987 e a Lei n.° 21/2003, de 7 de julho de 2003, sobre a segurança aérea), de 4 de julho de 2013, eliminou a obrigação de dispor de uma licença específica para prestar serviços de intermediação de transporte de passageiros. Contudo, não é certo que esta reforma tenha entrado em vigor em todas as regiões de Espanha.

10.      Nos planos regional e local, a legislação nacional é completada, no que respeita aos serviços dos táxis, por diversas regulamentações adotadas pela comunidade autónoma da Catalunha, assim como pela aglomeração de Barcelona, entre as quais o Regulamento Metropolitano del Taxi (Regulamento sobre os serviços de táxi da aglomeração de Barcelona), adotado pelo Consell Metropolitá de l’Entitat Metropolitana de Transport de Barcelona (Conselho diretor do organismo de gestão dos transportes da aglomeração de Barcelona), de 22 de julho de 2004, que exige que as plataformas como a que está em causa no processo principal, para exercerem a sua atividade, disponham das licenças e autorizações administrativas necessárias.

11.      Por último, a Ley 3/1991 de Competencia Desleal (Lei 3/1991 relativa à concorrência desleal), de 10 de janeiro de 1991, define como concorrência desleal, no seu artigo 4.°, o comportamento profissional contrário às regras da boa‑fé, no seu artigo 5.°, as práticas enganosas e, no seu artigo 15.°, a violação das normas que regem a atividade da concorrência, da qual resultou uma vantagem competitiva no mercado.

 Matéria de facto, tramitação do processo e questões prejudiciais

 Aplicação Uber

12.      Uber é o nome de uma plataforma (5) eletrónica desenvolvida pela Uber Technologies Inc., sociedade com sede em São Francisco (Estados Unidos). Na União Europeia, a plataforma Uber é gerida pela Uber BV, sociedade de direito neerlandês, filial da sociedade Uber Technologies.

13.      Esta plataforma permite, por meio de um smartphone munido da aplicação Uber, encomendar um serviço de transporte urbano nas cidades servidas. A aplicação reconhece a localização do utilizador e encontra os condutores disponíveis nas proximidades. Quando um condutor aceita a corrida, a aplicação informa disso o utilizador, mostrando o perfil do condutor e uma estimativa do preço do trajeto para o destino indicado pelo utilizador. Uma vez feita a corrida, o seu montante é automaticamente debitado do cartão bancário que o utilizador é obrigado a indicar ao subscrever a aplicação. A aplicação contém igualmente uma funcionalidade de avaliação: tanto os condutores podem ser avaliados pelos passageiros como os passageiros podem ser avaliados pelos condutores. As avaliações médias abaixo de um certo limiar podem levar à expulsão da plataforma.

14.      Os serviços de transporte oferecidos pela plataforma Uber dividem‑se em diferentes categorias em função da qualidade dos condutores e do tipo de veículo. Segundo as informações prestadas pela demandada, no processo principal está em causa o serviço chamado UberPop, no qual são condutores particulares não profissionais que asseguram o transporte dos passageiros nos seus próprios veículos.

15.      A tarifação é fixada pelo operador da plataforma com base na distância e na duração do trajeto. Varia segundo a importância do pedido num determinado momento, de modo que o preço do trajeto pode, nos períodos de maior afluência, exceder várias vezes a tarifa de base. O preço da corrida é calculado pela aplicação e automaticamente debitado pelo operador da plataforma, que retém uma parte a título de comissão, normalmente compreendida entre 20% e 25%, e paga o restante ao condutor.

 Litígio no processo principal

16.      A Asociación Profesional Elite Taxi (a seguir «Elite Taxi») é uma organização profissional que agrupa os condutores de táxi da cidade de Barcelona (Espanha). Em 29 de outubro de 2014, a Elite Taxi intentou uma ação no Juzgado de lo Mercantil n.° 3 de Barcelona (Tribunal de Comércio n.° 3 de Barcelona, Espanha) na qual pediu, nomeadamente, a condenação da Uber Systems Spain SL (a seguir «Uber Spain»), sociedade de direito espanhol, a declaração de que as suas atividades, que alegadamente violam a legislação em vigor e são práticas enganosas, constituem atos de concorrência desleal, que seja condenada a cessar o seu comportamento desleal que consiste em apoiar outras sociedades do grupo prestando serviços de reserva mediantepedidos efetuados por intermédio de aparelhos móveis e pela Internet quando tal esteja direta ou indiretamente ligado à utilização da plataforma digital UBER em Espanha, e que seja proibida de exercer essa atividade no futuro. Com efeito, em conformidade com as declarações do órgão jurisdicional de reenvio, nem a Uber Spain nem os proprietários nem os condutores dos veículos afetados dispõem das licenças e acreditações previstas no regulamento sobre os serviços de táxi da aglomeração de Barcelona.

17.      A Uber Spain nega ter estado na origem de qualquer violação da regulamentação em matéria de transporte. Com efeito, em seu entender, é a sociedade de direito neerlandês Uber BV que explora a aplicação Uber no território da União, incluindo em Espanha, e, por isso, as acusações da demandante deveriam ser‑lhe dirigidas. A Uber Spain alega que apenas realiza publicidade por conta da Uber BV. A Uber Spain reiterou estas afirmações nas observações que apresentou no presente processo.

18.      Uma vez que se trata de uma circunstância de facto, é ao órgão jurisdicional de reenvio que incumbe pronunciar‑se sobre a questão de saber qual das duas sociedades referidas deve ser a destinatária de uma eventual ordem judicial. No entanto, tenho por adquirido que a aplicação Uber é explorada na União pela sociedade Uber BV (6). Basearei a minha análise nesta premissa, que não deixa de ter consequências no plano do direito da União. Nas presentes conclusões utilizarei o termo «Uber» para designar a plataforma eletrónica de reservas, assim como o seu operador.

19.      Importa ainda precisar que, no que respeita ao objeto do litígio no processo principal, não está em causa bloquear ou tornar inutilizável, de qualquer outro modo, a aplicação Uber nos smartphones. Não foi requerida nenhuma ordem judicial nem outro tipo de medidas nesse sentido. No processo principal, trata‑se apenas da possibilidade de a Uber prestar, por meio dessa aplicação, o serviço UberPop na cidade de Barcelona.

 Questões prejudiciais e tramitação do processo no Tribunal de Justiça

20.      Considerando que para decidir a causa era necessário interpretar várias disposições do direito da União, o Juzgado Mercantil n.° 3 de Barcelona (Tribunal de Comércio n.° 3 de Barcelona) decidiu suspender a instância e submeter ao Tribunal de Justiça as seguintes questões prejudiciais:

«1)      Na medida em que o artigo 2.°, n.° 2, alínea d), da [Diretiva 2006/123] exclui as atividades de transportes do seu âmbito de aplicação, deve a atividade de intermediação entre o proprietário de um automóvel e a pessoa que necessita de se deslocar dentro de uma cidade, atividade exercida com caráter lucrativo pela demandada e no âmbito da qual esta última gere os meios informáticos — interface e aplicação de programas informáticos (“telefones inteligentes e plataformas tecnológicas” segundo as palavras da demandada) — que permitem estabelecer a ligação entre essas pessoas, ser considerada uma mera atividade de transporte, ou deve ser considerada um serviço eletrónico de intermediação ou um serviço próprio da sociedade da informação na aceção do artigo 1.°, n.° 2, da [Diretiva 98/34]?

2)      Para a determinação da natureza jurídica desta atividade, poderá esta ser parcialmente considerada um serviço da sociedade de informação e, sendo esse o caso, deverá o serviço eletrónico de intermediação beneficiar do princípio da livre prestação de serviços consoante este é garantido pelo direito da União, mais precisamente, pelo artigo 56.° TFUE e pelas Diretivas [2006/123] e [2000/31]?

3)      Se o Tribunal de Justiça considerar que o serviço prestado pela [Uber Spain] não é um serviço de transporte e que, por conseguinte, está abrangido pelos casos referidos na Diretiva 2006/123, deve o conteúdo do artigo 15.° da Lei da concorrência desleal — relativo à violação das normas que regulam a atividade da concorrência — considerar‑se contrário à Diretiva 2006/123, concretamente ao seu artigo 9.°, relativo à liberdade de estabelecimento e aos regimes de autorização, na medida em que remete para leis ou disposições jurídicas internas sem ter em conta o facto de que o regime de obtenção das licenças, autorizações ou credenciais não pode, em caso nenhum, ser restritivo ou desproporcionado, ou seja, não pode constituir um entrave não razoável ao princípio da liberdade de estabelecimento?

4)      Caso se confirme que a Diretiva [2000/31] é aplicável ao serviço prestado pela [Uber Spain], constituem as restrições às quais um Estado‑Membro sujeita a livre prestação do serviço eletrónico de intermediação a partir de outro Estado‑Membro, sob a forma de exigência de uma autorização ou de uma licença, ou sob forma de ordem judicial de cessação da prestação do serviço eletrónico de intermediação decretada com base na legislação nacional em matéria de concorrência desleal, medidas válidas que consubstanciem exceções ao disposto no artigo 3.°, n.° 2, da Diretiva [2000/31], por força do disposto no artigo 3.°, n.° 4, da mesma diretiva?»

21.      O pedido de decisão prejudicial deu entrada no Tribunal de Justiça em 7 de agosto de 2015. As partes no processo principal, os Governos espanhol, finlandês, francês e grego, a Irlanda, os Governos neerlandês e polaco, a Comissão Europeia e o Órgão de Fiscalização da Associação Europeia de Comércio Livre (EFTA) apresentaram observações escritas. Os mesmo interessados, exceto os Governos grego e estónio, estiveram representados na audiência de 29 de novembro de 2016.

 Análise

22.      O órgão jurisdicional de reenvio coloca quatro questões prejudiciais, sendo as duas primeiras relativas à qualificação da atividade da Uber à luz das Diretivas 2000/31 e 2006/123 e do Tratado FUE, enquanto as outras duas respeitam às consequências que eventualmente devem ser extraídas dessa qualificação.

 Quanto à qualificação da atividade da Uber

23.      Com as suas duas primeiras questões prejudiciais, o órgão jurisdicional de reenvio pergunta, no essencial, se a atividade da Uber está abrangida pelas Diretivas 2006/123 e 2000/31 e pelas disposições do Tratado FUE relativas à livre prestação de serviços.

24.      Para responder a estas questões, deve analisar‑se em primeiro lugar esta atividade à luz do sistema organizado pela Diretiva 2000/31 e da definição de «serviço da sociedade da informação» que figura no artigo 1.°, n.° 2, da Diretiva 98/34, definição para a qual remete o artigo 2.°, alínea a), da Diretiva 2000/31.

25.      Em segundo lugar, há que determinar se esta atividade constitui um serviço em matéria de transportes ou no domínio dos transportes na aceção do artigo 58.°, n.° 1, TFUE e do artigo 2.°, n.° 2, alínea d), da Diretiva 2006/123. Com efeito, a livre circulação de serviços em matéria de transportes é realizada no âmbito da política comum dos transportes (7) e, por isso, esses serviços estão excluídos do âmbito de aplicação da Diretiva 2006/123, por força da disposição referida.

 Atividade da Uber à luz da Diretiva 2000/31

26.      Para apreciar se a atividade da Uber está abrangida pelo âmbito de aplicação da Diretiva 2000/31, há que referir a definição de serviços da sociedade da informação que figura no artigo 2.°, alínea a), dessa diretiva. Tal definição remete para o artigo 1.°, n.° 2, da Diretiva 98/34.

27.      Segundo esta última disposição, um serviço da sociedade da informação é um serviço prestado mediante remuneração, à distância, por via eletrónica e mediante pedido individual de um destinatário. Os critérios do caráter remunerado do serviço e da prestação mediante pedido individual aparentemente não colocam problemas. Em contrapartida, o mesmo não sucede no que respeita à prestação à distância, por via eletrónica.

28.      Conforme referi brevemente na parte dedicada às circunstâncias factuais do processo principal, a Uber permite, no essencial, encontrar, por meio de uma aplicação para smartphone, um condutor e estabelecer a ligação com o potencial passageiro, com vista à realização de uma prestação de transporte urbano a pedido. Assim, estamos perante um serviço misto, uma vez que uma parte deste serviço é prestada por via eletrónica e a outra, por definição, não. Trata‑se de determinar se tal serviço está abrangido pela Diretiva 2000/31.

–        Serviços mistos na Diretiva 2000/31

29.      A Diretiva 2000/31 tem por objeto assegurar a eficácia da livre prestação de serviços da sociedade da informação. Estes serviços encontram‑se definidos no artigo 2.°, alínea a), desta diretiva, por remissão para o artigo 1.°, n.° 2, da Diretiva 98/34. Segundo esta última disposição, tal serviço é, entre outros, «inteiramente transmitido, encaminhado e recebido por cabo, rádio, meios óticos ou outros meios eletromagnéticos» (8).

30.      É evidente que algumas prestações incluem elementos que não são transmitidos por via eletrónica por não poderem ser desmaterializados. A venda em linha de bens materiais constitui um bom exemplo, uma vez que, segundo o considerando 18 da Diretiva 2000/31, está necessariamente incluída nos serviços da sociedade da informação. De resto, a Diretiva 2000/31 precisa que o domínio coordenado, ou seja, o conjunto de regras jurídicas que se aplicam a um serviço da sociedade da informação e com fundamento nas quais os Estados‑Membros não podem, em princípio, restringir a atividade dos prestadores estabelecidos noutros Estados‑Membros, não abrange as exigências aplicáveis aos serviços que não são prestados por via eletrónica (9). Assim, os Estados‑Membros, nos limites eventualmente fixados por outras disposições do direito da União, podem restringir a liberdade dos prestadores através de regras relativas aos serviços não prestados por essa via (10).

31.      Contudo, para que a Diretiva 2000/31 possa alcançar o seu objetivo de liberalização dos serviços da sociedade da informação, a liberalização limitada só à componente eletrónica deve ter uma influência real na possibilidade de exercício da atividade. Foi por este motivo que o legislador se concentrou nos serviços que, em princípio, são inteiramente transmitidos por via eletrónica, uma vez que as eventuais prestações fornecidas por outras vias constituem apenas um elemento acessório de tais serviços. Com efeito, seria liberalizar apenas uma parte secundária de uma prestação complexa se essa prestação não pudesse ser livremente efetuada devido a uma regulamentação excluída do âmbito de aplicação das disposições da Diretiva 2000/31. Tal liberalização aparente não só não alcançaria o seu objetivo como teria inclusivamente consequências nefastas, na medida em que geraria incerteza jurídica e provocaria perda de confiança na legislação da União.

32.      Por este motivo, uma interpretação do conceito de serviços da sociedade da informação que incluísse no seu âmbito as atividades em linha sem valor económico autónomo seria ineficaz para efeitos do cumprimento do objetivo prosseguido pela Diretiva 2000/31.

33.      No caso dos serviços mistos, ou seja, dos serviços que incluem componentes eletrónicos e não eletrónicos, um serviço pode ser inteiramente transmitido por via eletrónica, em primeiro lugar, quando a prestação que não é fornecida por via eletrónica é economicamente independente do serviço prestado por essa via.

34.      Esta hipótese ocorre, nomeadamente, quando um prestador intermediário facilita relações comerciais entre um utilizador e um prestador de serviços (ou um vendedor) independente. As plataformas de aquisição de bilhetes de avião ou de reserva de hotel são um exemplo. Nessa hipótese, a prestação do intermediário tem um verdadeiro valor acrescentado tanto para o utilizador como para o empresário em causa, mas permanece economicamente autónoma, uma vez que o empresário exerce a sua atividade de forma independente.

35.      Em contrapartida, quando o prestador do serviço prestado por via eletrónica é igualmente o prestador do serviço que não é prestado por essa via ou quando exerce uma influência decisiva sobre as condições da prestação desse serviço, de tal modo que os dois formam um todo indissociável, considero que é necessário determinar o elemento principal da prestação em causa, ou seja, aquele que lhe confere o seu sentido económico. A qualificação como serviço da sociedade da informação implica que esse elemento principal seja prestado por via eletrónica.

36.      Este é o caso, por exemplo, da venda de bens em linha. Na venda em linha, os elementos essenciais da transação, designadamente, a apresentação da oferta e a sua aceitação pelo adquirente, a celebração do contrato e, mais frequentemente, o pagamento, são realizados por via eletrónica e estão abrangidos pelo conceito de serviço da sociedade da informação. Foi o que declarou o Tribunal de Justiça no seu acórdão Ker‑Optika (11). A entrega do bem adquirido constitui apenas a execução de uma obrigação contratual, pelo que, em princípio, a regulamentação relativa a esta entrega não deve afetar a prestação do serviço principal.

37.      Todavia, não creio que a Diretiva 2000/31 deva ser interpretada no sentido de que qualquer atividade em linha ligada às operações comerciais, ainda que seja apenas acessória, secundária ou preparatória e não seja economicamente independente, constitui em si mesma um serviço da sociedade da informação.

38.      Proponho analisar agora a atividade da Uber à luz destas considerações.

–        Atividade da Uber

39.      O resultado desta análise dependerá, em larga medida, da questão de saber se a atividade da Uber deve ser encarada como um conjunto constituído, por um lado, pela prestação de intermediação entre os passageiros e os condutores por meio da plataforma eletrónica e, por outro, pela prestação de transporte propriamente dita, ou se estas duas prestações devem ser consideradas dois serviços distintos. Começarei por esta problemática.

40.      No que respeita à qualificação de uma atividade à luz das disposições jurídicas relevantes, deverão colocar‑se algumas hipóteses factuais. Uma vez que os elementos factuais fornecidos pelo órgão jurisdicional de reenvio são incompletos e que o serviço em causa foi suspenso em Espanha por força de ordens judiciais, basearei a minha análise nas informações disponíveis sobre os modos de funcionamento da Uber noutros países (12). Estes modos de funcionamento são em larga medida semelhantes. Em qualquer caso, caberá ao órgão jurisdicional de reenvio efetuar as apreciações factuais definitivas.

41.      O que é a Uber? É uma empresa de transporte, de táxi para dizê‑lo mais claramente? Ou é apenas uma plataforma eletrónica que permite encontrar, reservar e pagar um serviço de transporte prestado por outrem?

42.      É comum classificar a Uber como uma empresa (ou uma plataforma) da chamada economia «colaborativa». Parece‑me inútil discutir o significado exato deste termo (13). O que é relevante em relação à Uber é que efetivamente não pode ser considerada uma plataforma de utilização conjunta de veículos (14). Com efeito, nesta plataforma os condutores oferecem aos passageiros um serviço de transporte para um destino escolhido pelo passageiro e, por este serviço, é‑lhes pago um montante que excede largamente o simples reembolso das despesas efetuadas. Por conseguinte, trata‑se de um serviço de transporte clássico. Considerar que pertence ou não a uma «economia colaborativa» é irrelevante para efeitos da sua qualificação à luz do direito em vigor.

43.      Nas suas observações escritas, a Uber afirma que se limita unicamente a intermediar a oferta (de transporte urbano) e a procura. No entanto, considero que esta é uma visão redutora do seu papel. De facto, a Uber não se limita a ligar a oferta à procura: cria essa oferta. Também regula as suas características essenciais e organiza o seu funcionamento.

44.      A Uber permite que as pessoas que pretendem exercer a atividade de transporte urbano de passageiros se conectem à sua aplicação e exerçam essa atividade segundo as condições impostas pela Uber, que vinculam os condutores por força do contrato de utilização da aplicação. Trata‑se de múltiplas condições, relativas tanto ao acesso como ao exercício da atividade, inclusivamente ao comportamento dos condutores na realização das prestações.

45.      Assim, para poder aceder à aplicação Uber enquanto condutor, é indispensável dispor de um veículo (15). Os veículos admitidos a circular por conta da Uber devem reunir condições que, aparentemente, variam consoante os países e as cidades mas, regra geral, trata‑se de veículos ligeiros de passageiros de quatro ou cinco portas sujeitos, pelo menos, a um limite de idade. As viaturas devem ter sido aprovadas na inspeção técnica e cumprir as regras em matéria de seguro obrigatório (16).

46.      Os condutores devem obviamente possuir carta de condução (com uma determinada antiguidade) e um registo criminal sem antecedentes. Em alguns países também é exigido o histórico das infrações rodoviárias.

47.      Embora o tempo de trabalho no âmbito da plataforma Uber não seja regulado, pelo que os condutores podem exercer esta atividade a título complementar, verifica‑se que a maioria dos trajetos é realizada por condutores que têm essa atividade como única ou principal atividade profissional. Além disso, são recompensados financeiramente pela Uber se realizarem um número significativo de trajetos. A Uber também indica aos condutores os locais e os períodos onde ocorrerá um número de corridas significativo e/ou com tarifas vantajosas. Assim, sem exercer um controlo formal sobre os condutores, a Uber tem a capacidade de adaptar a sua oferta à flutuação da procura.

48.      A aplicação Uber inclui uma funcionalidade de avaliação: os passageiros podem avaliar os condutores e vice‑versa. Uma média de notas inferior a um determinado limiar pode levar à expulsão da plataforma, nomeadamente dos condutores. Deste modo, a Uber exerce um controlo, ainda que indireto, sobre a qualidade das prestações dos condutores.

49.      Por último, é a Uber que determina o preço do serviço prestado. Este preço é calculado em função da distância e da duração do trajeto registados pela aplicação por meio de geolocalização. Em seguida, um algoritmo ajusta o preço à intensidade da procura, multiplicando o preço de base por um fator adequado quando a procura aumenta na sequência, por exemplo, de um evento ou simplesmente de uma alteração das condições meteorológicas, tal como uma trovoada.

50.      Embora os representantes da Uber tenham afirmado na audiência que, em princípio, os condutores têm liberdade para pedir um montante inferior ao indicado pela aplicação, esta opção não se afigura realista para os condutores. Com efeito, apesar de teoricamente lhes ser concedida tal faculdade, a Uber cobra, a título de comissão, o montante resultante do cálculo do preço do trajeto efetuado pela aplicação. Uma vez que qualquer eventual diminuição do preço pago pelo passageiro é feita em prejuízo do condutor, é pouco provável que este faça uso dessa faculdade (17). Por conseguinte, parece difícil negar que o preço do trajeto é determinado pela Uber.

51.      Assim, a Uber controla todos os aspetos relevantes de um serviço de transporte urbano: o preço, evidentemente, mas também as condições mínimas de segurança mediante exigências prévias relativas aos condutores e aos veículos, a acessibilidade da oferta de transporte pelo incentivo aos condutores para atuarem em momentos e em locais de grande procura, o comportamento dos condutores através do sistema de avaliação e, por último, a possibilidade de expulsão da plataforma. Considero que os outros aspetos são secundários do ponto de vista de um utilizador médio do serviço de transporte urbano e não influenciam as suas escolhas económicas. Por conseguinte, a Uber controla os fatores economicamente relevantes do serviço de transporte oferecido na sua plataforma.

52.      Apesar de este controlo não ser exercido segundo uma relação de subordinação hierárquica clássica, não nos devemos deixar enganar pelas aparências. Um controlo indireto como o exercido pela Uber, baseado em incentivos financeiros e numa avaliação descentralizada pelos passageiros, com um efeito de escala (18), permite uma gestão tão ou mais eficaz que a gestão baseada nas ordens formais dadas pela entidade patronal aos seus funcionários, bem como o controlo direto da sua execução.

53.      Atendendo ao exposto, concluo que a atividade da Uber consiste numa única prestação de transporte num veículo encontrado e encomendado por meio da aplicação para smartphone e que este serviço é prestado, do ponto de vista económico (19), pela Uber ou em seu nome. O referido serviço também é apresentado dessa forma aos utilizadores, que assim o compreendem. Estes utilizadores, ao decidirem recorrer aos serviços da Uber, procuram um serviço de transporte que possua determinadas funcionalidades e uma determinada qualidade. Estas funcionalidades e esta qualidade são asseguradas pela Uber.

54.      No entanto, tal conclusão não significa que os condutores da Uber devam ser necessariamente considerados seus empregados. Essa sociedade pode perfeitamente realizar as suas prestações recorrendo a empresários independentes, que atuem em seu nome na qualidade de subcontratantes. A polémica relativa ao estatuto dos condutores face à Uber, que já conduziu a decisões jurisdicionais em alguns Estados‑Membros (20), é inteiramente alheia às questões jurídicas que estão em causa no presente processo.

55.      O mesmo sucede no que respeita à questão da propriedade dos veículos. Considero que o facto de a Uber não ser proprietária destes é irrelevante, uma vez que um empresário pode perfeitamente assegurar prestações de serviços de transporte por meio de veículos que pertencem a terceiros, sobretudo se, para efeitos de tais serviços, recorreu aos referidos terceiros, não obstante a natureza do vínculo jurídico entre estas duas partes.

56.      Em contrapartida, a conclusão a que acabo de chegar exclui, em meu entender, que a Uber seja considerada um simples intermediário entre os condutores e os passageiros. Os condutores que circulam no âmbito da plataforma Uber não exercem uma atividade própria que existe independentemente desta plataforma. Pelo contrário, essa atividade só pode existir devido à plataforma (21), sem a qual não teria qualquer sentido.

57.      Por este motivo, considero que é errado comparar a Uber às plataformas de intermediação que permitem reservar um hotel ou adquirir bilhetes de avião.

58.      É evidente que existem semelhanças, por exemplo nos mecanismos de reserva ou de aquisição diretamente na plataforma, nas facilidades de pagamento ou ainda nos sistemas de avaliação. Trata‑se de serviços oferecidos pela plataforma aos seus utilizadores.

59.      No entanto, contrariamente à situação dos condutores da Uber, tanto os hotéis como as companhias aéreas são empresas cujo funcionamento é totalmente independente de qualquer plataforma intermediária e em relação às quais estas plataformas apenas constituem um meio, entre outros, de comercialização dos seus serviços. São também essas empresas, e não as plataformas de reserva, que determinam as condições de prestação dos seus serviços, a começar pelos preços (22). De igual modo, tais empresas funcionam segundo regras específicas do seu setor de atividade, pelo que as plataformas de reserva não exercem um controlo prévio de acesso à atividade como o que a Uber faz em relação aos seus condutores.

60.      Por último, nessa plataforma de reserva, os utilizadores têm uma verdadeira possibilidade de escolha entre vários prestadores cujas ofertas diferem em vários fatores importantes do seu ponto de vista, tais como o tipo de voo ou de alojamento, os horários dos aviões, a localização do hotel, etc. Em contrapartida, na Uber, estes fatores são padronizados e determinados pela plataforma, de modo que, regra geral, o passageiro aceitará a prestação do condutor mais rapidamente disponível.

61.      Por conseguinte, a Uber não é um simples intermediário entre condutores dispostos a prestar ocasionalmente um serviço de transporte e passageiros que procuram tal serviço. Pelo contrário, a Uber é um verdadeiro organizador e operador de serviços de transporte urbano nas cidades onde está presente. Embora seja verdade, como afirma a Uber nas observações que apresentou no presente processo, que o seu conceito é inovador, esta inovação inclui‑se, no entanto, no domínio do transporte urbano.

62.      Devo igualmente assinalar que considerar a Uber uma plataforma que agrupa prestadores de serviços independentes poderia suscitar questões do ponto de vista do direito da concorrência (23). Não obstante, não desenvolverei este ponto mais amplamente, uma vez que ultrapassa o âmbito do presente processo.

63.      Assim, no sistema de funcionamento da Uber, a intermediação entre o potencial passageiro e um condutor não tem um valor económico próprio, uma vez que, conforme referi, os condutores que prestam serviços para a Uber não exercem, pelo menos quando conduzem no âmbito dos serviços da Uber, uma atividade económica independente. Com efeito, no quadro deste serviço, por um lado, os condutores da Uber apenas podem encontrar passageiros através da aplicação Uber e, por outro, esta aplicação só permite encontrar condutores que prestam serviços no âmbito desta plataforma. Assim, um é indissociável do outro e ambos formam um serviço único. Também não considero que a prestação de transporte propriamente dita possa ser considerada secundária.

64.      É verdade que o caráter inovador da plataforma Uber assenta em larga medida na utilização de novas tecnologias, tais como a geolocalização e os smartphones, para organizar o transporte urbano. No entanto, esta inovação não se limita a isto: incide igualmente sobre a própria organização do transporte, sem a qual a Uber seria uma simples aplicação de reserva de táxis. Assim, no âmbito deste serviço, a prestação de transporte é indubitavelmente a principal prestação e a que lhe confere o seu sentido económico. O único objetivo dos utilizadores quando procuram condutores é serem transportados de um ponto para outro. Por conseguinte, a fase de intermediação tem apenas um caráter preparatório, cujo objetivo é permitir a realização da prestação principal nas melhores condições.

65.      Deste modo, a prestação de intermediação entre o passageiro e o condutor não é autónoma nem principal relativamente à prestação de transporte. Por este motivo, não pode ser qualificada de «serviço da sociedade da informação». Tal qualificação não permitiria alcançar os objetivos de liberalização subjacentes à Diretiva 2001/31, uma vez que, mesmo que a atividade de intermediação estivesse liberalizada, os Estados‑Membros teriam a liberdade de impossibilitar o seu exercício ao regularem a atividade de transporte. Por conseguinte, o único resultado de tal liberalização seria que o Estado‑Membro no qual o prestador está estabelecido poderia beneficiar desse estabelecimento (graças aos investimentos, à criação de empregos e às receitas fiscais), impedindo, ao mesmo tempo, a prestação do serviço no seu território por força da regulamentação relativa às prestações não abrangidas pela Diretiva 2000/31 (24). Esta situação contrariaria toda a lógica da livre prestação de serviços da sociedade da informação tal como é organizada pela referida diretiva, que se baseia na vigilância da legalidade do funcionamento do prestador pelo Estado‑Membro no qual está estabelecido e no reconhecimento dessa vigilância pelos outros Estados‑Membros (25).

66.      Tal situação, na qual o funcionamento da plataforma não é formalmente proibido mas a atividade de transporte não pode ser legalmente exercida devido ao próprio modelo do serviço UberPop, baseado em condutores não profissionais, produz outro efeito perverso. Com efeito, está demonstrado que a Uber utiliza diferentes meios referidos na imprensa para impedir que as autoridades fiscalizem os seus condutores, por exemplo, desconectando temporariamente a aplicação em determinadas zonas. Presta também apoio jurídico e financeiro aos condutores punidos por terem prestado serviços de transporte sem disporem da autorização exigida. Os próprios condutores utilizam diversos meios para escapar às fiscalizações (26). Assim, esta liberalização incompleta, ou até simplesmente aparente, na qual um elemento de uma atividade complexa é liberalizado enquanto outro permanece regulado, cria insegurança jurídica, que dá origem a uma zona cinzenta e incita à violação da lei.

 Atividade da Uber à luz da Diretiva 2006/123

67.      Não seria surpreendente que a atividade da Uber, conforme definida nos números anteriores, ou seja, como uma prestação única que inclui tanto a procura do condutor disponível e a reserva da corrida como a prestação de transporte stricto sensu, pudesse ser considerada um serviço no domínio dos transportes na aceção do artigo 2.°, n.° 2, alínea d), da Diretiva 2006/123.

68.      Embora a mera redação desta disposição, que exclui do âmbito de aplicação da Diretiva 2006/123 os «serviços no domínio dos transportes», não se afigure suficiente para chegar a tal conclusão, o considerando 21 desta diretiva não deixa qualquer dúvida ao indicar que os referidos serviços incluem os «transportes urbanos [e] os táxis». Por conseguinte, não é necessário participar no debate relativo à questão de saber se as prestações da Uber constituem uma forma de serviço de táxi: todos os meios de transporte urbano são mencionados no considerando e a Uber é certamente um destes.

69.      A atividade da Uber também deverá ser classificada como atividade abrangida pela exceção à livre prestação de serviços prevista no artigo 58.°, n.° 1, TFUE e ser sujeita às regras que constam dos artigos 90.° e seguintes TFUE. O artigo 91.°, n.° 1, alínea b), TFUE refere expressamente as «condições em que os transportadores não residentes podem efetuar serviços de transporte num Estado‑Membro» como uma matéria que deve ser regulada no âmbito da política comum dos transportes. Ora, caso se admita, como defendo, que a Uber exerce prestações de transporte urbano, deve considerar‑se que esta é, se não um transportador em sentido próprio, pelo menos um organizador de serviços de transporte.

70.      Assim, e não sendo sequer necessário analisar o acórdão Grupo Itevelesa e o. (27), referido pelo órgão jurisdicional de reenvio na sua decisão de reenvio, deve concluir‑se que a atividade da Uber constitui um serviço no domínio dos transportes na aceção do artigo 2.°, n.° 2, alínea d), da Diretiva 2006/123. Por conseguinte, está excluída do âmbito de aplicação dessa diretiva. Por outro lado, tal atividade está abrangida pela exceção à livre prestação de serviços que consta do artigo 58.°, n.° 1, TFUE e é regulada pelas disposições dos artigos 90.° e seguintes TFUE.

 Conclusão sobre a primeira e segunda questões prejudiciais

71.      Para resumir as considerações anteriores, entendo que, no caso de serviços mistos, compostos por um elemento fornecido por via eletrónica e por outro que não é fornecido por esta via, o primeiro elemento deve ser ou economicamente independente ou principal em relação ao segundo para poder ser qualificado de «serviço da sociedade da informação». A atividade da Uber deve ser considerada um conjunto que abrange tanto o serviço de intermediação entre os passageiros e os condutores por meio da aplicação para smartphones como a própria prestação de transporte, que constitui, do ponto de vista económico, o elemento principal. Assim, esta atividade não pode ser dividida em duas para classificar uma parte desse serviço como um serviço da sociedade da informação. Consequentemente, tal serviço deve ser qualificado como «serviço no domínio dos transportes».

72.      Por conseguinte, proponho que se responda o seguinte à primeira e segunda questões prejudiciais:

–        O artigo 2.°, alínea a), da Diretiva 2000/31, conjugado com o artigo 1.°, n.° 2, da Diretiva 98/34, deve ser interpretado no sentido de que um serviço que consiste na intermediação, através de um programa informático para telefones móveis, entre os potenciais passageiros e os condutores que oferecem prestações de transporte individual urbano a pedido, quando o prestador do referido serviço exerce um controlo sobre as modalidades essenciais das prestações de transporte efetuadas nesse âmbito, nomeadamente sobre o preço das referidas prestações, não constitui um serviço da sociedade da informação na aceção das referidas disposições.

–        O artigo 58.°, n.° 1, TFUE e o artigo 2.°, n.° 2, alínea d), da Diretiva 2006/123 devem ser interpretados no sentido de que o serviço descrito no ponto anterior constitui um serviço de transporte na aceção dessas disposições.

73.      É evidente que caberá ao órgão jurisdicional de reenvio apreciar, à luz dos factos por ele próprio apurados, se a atividade em causa no processo principal cumpre o critério de controlo acima enunciado. Contudo, há que assinalar que vários órgãos jurisdicionais em diferentes Estados‑Membros já decidiram nesse sentido (28). Isso poderá servir de inspiração ao órgão jurisdicional de reenvio, dentro do espírito de uma justiça em rede.

 Considerações finais

74.      Tendo em conta as respostas que proponho dar à primeira e segunda questões, ficam prejudicadas a terceira e quarta questões prejudiciais. No entanto, nas minhas considerações finais, gostaria de analisar os efeitos jurídicos da eventual qualificação das prestações realizadas pela Uber como serviço autónomo, limitado à intermediação entre os passageiros e os condutores, que, assim, não abrangeria a prestação de transporte propriamente dita. É inquestionável que tal serviço deveria ser qualificado como «serviço da sociedade da informação». Todavia, em meu entender, não seria necessário apreciar a questão de saber se esse serviço está incluído no domínio dos transportes.

 O serviço de intermediação enquanto serviço da sociedade da informação

75.      Importa recordar que, nos termos do artigo 1.°, n.° 2, da Diretiva 98/34, um serviço da sociedade da informação é um serviço prestado mediante remuneração, à distância, por via eletrónica e mediante pedido individual de um destinatário. Um serviço que consiste na intermediação, por meio de uma aplicação para smartphones, entre potenciais passageiros e condutores cumpriria certamente estes critérios.

76.      No que respeita ao caráter remunerado da prestação, no sistema Uber, uma parte do preço do trajeto pago pelo passageiro é destinada ao operador da plataforma. Assim, a prestação de intermediação é remunerada pelo passageiro, assim que tiver sido efetuada a prestação de transporte.

77.      Este serviço, analisado separadamente da prestação de transporte, é igualmente prestado à distância, uma vez que as duas partes, ou seja, a Uber e o destinatário do serviço, não estão simultaneamente presentes. A prestação de intermediação é efetuada por meio de uma aplicação para smartphones que opera através da rede Internet, o que indubitavelmente está abrangido pelo conceito de prestação por via eletrónica. De resto, é a única modalidade de reserva de um trajeto no âmbito da plataforma Uber. Por último, o serviço não é prestado de forma contínua, mas a pedido do destinatário.

78.      Assim, o serviço da Uber, tal como definido no n.° 74 das presentes conclusões, estaria abrangido pelas disposições da Diretiva 2000/31.

79.      Uma vez que no território da União a aplicação Uber é gerida e fornecida, tanto a condutores como a passageiros, pela sociedade Uber BV com sede nos Países Baixos, noutros Estados‑Membros, incluindo em Espanha, este fornecimento é efetuado no âmbito da livre prestação de serviços, regulada, nomeadamente, pelo artigo 3.°, n.os 2 e 4, da Diretiva 2000/31.

80.      Nos termos destas disposições, os Estados‑Membros não podem, em princípio, restringir a livre prestação dos serviços provenientes de outros Estados‑Membros, por razões pertencentes ao domínio coordenado, introduzindo exigências, quer sejam concebidas especificamente para os serviços da sociedade da informação quer sejam de natureza geral. O domínio coordenado abrange, nomeadamente, segundo o artigo 2.°, alínea h), i), primeiro travessão, da Diretiva 2000/31, exigências no que se refere «ao exercício de atividades […], tal como os requisitos respeitantes […] [à] autorização […]». Em contrapartida, nos termos do mesmo artigo, alínea h), ii), terceiro travessão, o domínio coordenado não abrange «[exigências tais como as aplicáveis] aos serviços não prestados por meios eletrónicos».

81.      Daqui decorre que a exigência de se dispor de autorização para prestar serviços de intermediação na celebração de contratos de transporte urbano a pedido, se ainda estiver em vigor (29) e na medida em que se aplique ao serviço de intermediação prestado pela plataforma Uber, integra‑se no domínio coordenado e, por isso, está abrangida pela proibição decretada pelo artigo 3.°, n.° 2, da Diretiva 2000/31. Em contrapartida, todas as exigências impostas aos condutores, tanto no que respeita ao acesso à atividade de transporte como ao exercício desta atividade, escapam ao domínio coordenado e, por conseguinte, a esta proibição, uma vez que o serviço de transporte, pela sua própria natureza, não é prestado por via eletrónica.

82.      Os Estados‑Membros podem, nos termos do artigo 3.°, n.° 4, da Diretiva 2000/31, tomar medidas derrogatórias da livre prestação de serviços da sociedade da informação, se essas medidas forem necessárias por razões de ordem pública, de saúde pública, de segurança pública ou de proteção dos consumidores.

83.      Embora a quarta questão prejudicial diga precisamente respeito à justificação das medidas nacionais em causa, o órgão jurisdicional de reenvio não apresenta no seu pedido motivos que possam justificar a sujeição da atividade de intermediação no domínio do transporte a uma exigência de autorização. O Governo espanhol, nas suas observações, invoca motivos como a gestão da circulação e a segurança rodoviária. No entanto, parecem tratar‑se antes de motivos suscetíveis de justificar as exigências impostas aos condutores que exercem prestações de transporte.

84.      No que respeita diretamente às prestações de intermediação, o único motivo apresentado pelo Governo espanhol que poderia aplicar‑se à Uber é o que se refere à transparência na fixação dos preços, que se inclui na proteção dos consumidores. Recordo que, no sistema Uber, não é o condutor mas sim a plataforma quem fixa o preço do trajeto. Não obstante, parece‑me que essa transparência poderia ser assegurada por meios menos restritivos do que a exigência de uma autorização para a atividade de intermediação, como uma obrigação de informação do passageiro. Assim, esta exigência não cumpriria o critério da proporcionalidade, previsto expressamente no artigo 3.°, n.° 4, alínea a), iii), da Diretiva 2000/31.

85.      Contudo, a complexidade do processo principal assenta no facto de este processo ter por objeto a punição da Uber por alegados atos de concorrência desleal contra os membros da demandante (30). Estes atos resultam não apenas do facto de a Uber exercer a atividade de intermediação na celebração de contratos de transporte sem dispor da autorização necessária, mas igualmente do facto de os condutores que realizam as prestações de transporte no âmbito da plataforma Uber não cumprirem as condições que a legislação espanhola impõe para este tipo de prestações. Ora, estas condições não estão abrangidas nem pela Diretiva 2000/31 nem pela Diretiva 2006/123, uma vez que não há dúvidas de que se integram no domínio dos transportes.

86.      As disposições da Diretiva 2000/31 opõem‑se a que a Uber seja punida pela concorrência desleal que resulta da atividade dos condutores que exercem prestações de transporte no âmbito desta plataforma? Conforme referi (31), considero que a Uber não é um simples intermediário entre os passageiros e os condutores. Organiza e gere um sistema completo de transporte urbano, a pedido. Por este motivo, não só é responsável pela prestação de intermediação entre os passageiros e os condutores como também pela atividade destes últimos. O mesmo ocorreria se a prestação de intermediação fosse considerada independente da prestação de transporte propriamente dita, uma vez que ambas acabariam por ser exercidas pela Uber ou em seu nome.

87.      A interpretação segundo a qual, para assegurar a eficácia da Diretiva 2000/31, a atividade da Uber no seu conjunto deveria beneficiar da liberalização prevista por esta diretiva deve, em meu entender, ser excluída. Com efeito, esta interpretação seria contrária às disposições expressas da Diretiva 2000/31, segundo as quais apenas as exigências relativas aos serviços prestados por via eletrónica são afetadas pela proibição que consta do artigo 3.°, n.° 2, desta diretiva (32). De acordo com a referida interpretação, em teoria, qualquer atividade económica poderia ser abrangida pela Diretiva 2000/31, uma vez que atualmente todos os empresários estão em condições de propor prestações por via eletrónica, tais como a informação sobre os produtos ou os serviços, a reserva, a marcação de encontros ou o pagamento.

88.      Por conseguinte, a Diretiva 2000/31 não se opõe a que o direito nacional estabeleça exigências relativas à atividade de transporte propriamente dita, nem a que a Uber seja punida por inobservância dessas exigências, incluindo por uma ordem judicial de cessação do serviço. Ora, a atividade da Uber, pelo menos no que respeita ao serviço UberPop, em causa no processo principal, é organizada de tal forma que a Uber não pode, no estado atual, respeitar essas exigências. Com efeito, baseia‑se em condutores não profissionais que, não dispondo de uma licença de transporte urbano, por definição, não cumprem as referidas exigências. O facto de considerar a atividade de intermediação um serviço da sociedade da informação em nada altera esta conclusão, uma vez que as prestações dos condutores não estão abrangidas pelo âmbito de aplicação da Diretiva 2000/31. Isto demonstra o caráter artificial de uma distinção entre um serviço que é prestado por via eletrónica e um serviço que não o é, quando essas duas prestações estão tão intimamente ligadas entre si e são fornecidas pelo mesmo prestador.

89.      Todavia, não considero que a necessidade de garantir a eficácia da regulamentação relativa à prestação de serviços de transporte stricto sensu possa justificar a imposição, a título preventivo, da exigência de uma autorização para os serviços de intermediação em geral. O combate contra qualquer atividade ilícita neste domínio só pode ser repressivo.

90.      Para concluir esta parte, entendo que, caso o serviço de intermediação entre os potenciais passageiros e os condutores fosse considerado independente da prestação de transporte propriamente dita e, por conseguinte, um serviço da sociedade da informação, o artigo 3.°, n.° 2, da Diretiva 2000/31 opor‑se‑ia à exigência de uma autorização para a prestação de tal serviço, a menos que esta exigência fosse justificada por um dos motivos enumerados no artigo 3.°, n.° 4, desta diretiva e fosse proporcionada ao objetivo prosseguido, o que se me afigura pouco provável. No entanto, isto não produziria efeitos jurídicos reais, na medida em que este serviço de intermediação não tem qualquer sentido económico sem as prestações de transporte que, em contrapartida, o legislador nacional pode sujeitar a numerosas exigências.

 Quanto à aplicabilidade da Diretiva 2006/123

91.      No que respeita à aplicabilidade da Diretiva 2006/123, considero que não é necessário analisar a questão de saber se um serviço que consiste na intermediação, por meio de uma aplicação para smartphones, entre os potenciais passageiros e os condutores que oferecem prestações de transporte urbano a pedido está abrangido pelo conceito de serviço no domínio dos transportes na aceção do artigo 2.°, n.° 2, alínea d), desta diretiva.

92.      Com efeito, o artigo 3.°, n.° 1, da Diretiva 2006/123 estabelece um primado das disposições de outros atos do direito da União que regulam o acesso e o exercício de uma atividade de serviço em setores específicos em caso de conflito entre as referidas disposições e esta diretiva. Mesmo que a Diretiva 2000/31 não figure entre os atos enumerados nessa disposição, considero que a formulação «[e]stes atos incluem» indica claramente que se trata de uma enumeração não taxativa limitada aos atos cuja inclusão não é evidente per se. Ora, no que respeita a tal ponto, a Diretiva 2000/31 tem o caráter de lex specialis em relação à Diretiva 2006/123 que, mesmo se não existisse o artigo 3.°, n.° 1, da Diretiva 2006/123, deveria ter primazia em conformidade com o adágio lex posterior generali non derogat legi priori speciali.

93.      Por conseguinte, se a atividade de intermediação fosse considerada abrangida pela Diretiva 2000/31, estaria excluída do âmbito de aplicação da Diretiva 2006/123.

 Conclusão

94.      Tendo em consideração o exposto, proponho que o Tribunal de Justiça responda o seguinte às questões prejudiciais submetidas pelo Juzgado Mercantil n.° 3 de Barcelona (Tribunal de Comércio n.° 3 de Barcelona, Espanha):

1)      O artigo 2.°, alínea a), da Diretiva 2000/31/CE do Parlamento Europeu e do Conselho de 8 de junho de 2000, relativa a certos aspetos legais dos serviços da sociedade de informação, em especial do comércio eletrónico, no mercado interno («Diretiva sobre o comércio eletrónico»), conjugado com o artigo 1.°, n.° 2, da Diretiva 98/34/CE do Parlamento Europeu e do Conselho, de 22 de junho de 1998, relativa a um procedimento de informação no domínio das normas e regulamentações técnicas e das regras relativas aos serviços da sociedade da informação, conforme alterada pela Diretiva 98/48/CE do Parlamento Europeu e do Conselho, de 20 de julho de 1998, deve ser interpretado no sentido de que um serviço que consiste na intermediação, através de um programa informático para telefones móveis, entre os potenciais passageiros e os condutores que oferecem prestações de transporte individual urbano a pedido, quando o prestador do referido serviço exerce um controlo sobre as modalidades essenciais das prestações de transporte efetuadas nesse âmbito, nomeadamente sobre o preço das referidas prestações, não constitui um serviço da sociedade da informação na aceção das referidas disposições.

2)      O artigo 58.°, n.° 1, TFUE e o artigo 2.°, n.° 2, alínea d), da Diretiva 2006/123/CE do Parlamento Europeu e do Conselho de 12 de dezembro de 2006, relativa aos serviços no mercado interno, devem ser interpretados no sentido de que o serviço descrito no ponto anterior constitui um serviço de transporte na aceção destas disposições.


1      Língua original: francês.


2      Diretiva do Parlamento Europeu e do Conselho, de 22 de junho de 1998, relativa a um procedimento de informação no domínio das normas e regulamentações técnicas e das regras relativas aos serviços da sociedade da informação (JO 1998, L 204, p. 37), conforme alterada pela Diretiva 98/48/CE do Parlamento Europeu e do Conselho, de 20 de julho de 1998 (JO 1998, L 217, p. 18) (a seguir «Diretiva 98/34»). Nos termos do artigo 11.° da Diretiva (UE) 2015/1535 do Parlamento Europeu e do Conselho, de 9 de setembro de 2015, relativa a um procedimento de informação no domínio das regulamentações técnicas e das regras relativas aos serviços da sociedade da informação (JO 2015, L 241, p. 1), a Diretiva 98/34 foi revogada em 7 de outubro de 2015, no entanto, permanece aplicável ratione temporis aos factos do processo principal. De resto, a redação do artigo 1.°,  1, alínea b), da Diretiva 2015/1535 é, no essencial, idêntica.


3      Diretiva do Parlamento Europeu e do Conselho, de 8 de junho de 2000, relativa a certos aspetos legais dos serviços da sociedade de informação, em especial do comércio eletrónico, no mercado interno («Diretiva sobre o comércio eletrónico») (JO 2000, L 178, p. 1).


4      Diretiva do Parlamento Europeu e do Conselho, de 12 de dezembro de 2006, relativa aos serviços no mercado interno (JO 2006, L 376, p. 36).


5      Embora utilize o termo «plataforma» para designar o sistema de intermediação entre condutores e passageiros e de reserva de prestações de transporte, não deve extrair‑se deste termo qualquer conclusão quanto ao caráter desta plataforma. Nomeadamente, este termo não significa que se trata de um simples intermediário, uma vez que a Uber não o é, como irei expor em seguida.


6      V., além das informações fornecidas pela demandada no processo principal, Noto La Diega, G., «Uber law and awarness by design. An empirical study on online platforms and dehumanised negotiations», European Journal of Consumer Law, n.° 2015/2, pp. 383 a 413, nomeadamente, p. 407.


7      V. artigo 90.° TFUE, lido em conjugação com o artigo 58.°, n.° 1, TFUE.


8      Artigo 1.°, n.° 2, segundo parágrafo, segundo travessão, da Diretiva 98/34. O sublinhado é meu.


9      Artigo 2.°, alínea h), e artigo 3.°, n.° 2, da Diretiva 2000/31.


10      V., neste sentido, acórdão de 2 de dezembro de 2010, Ker‑Optika (C‑108/09, EU:C:2010:725, n.os 29 e 30).


11      Acórdão de 2 de dezembro de 2010 (C‑108/09, EU:C:2010:725, n.os 22 e 28).


12      O funcionamento da Uber é objeto de doutrina já abundante. V., nomeadamente, Noto La Diega, G., op.cit., Rogers, B., The Social Cost of Uber, The University of Chicago Law Review Dialogue, 82/2015, p. 85 a 102, Gamet, L., «UberPop (†)», Droit social, 2015, p. 929; Prassl, J., Risak, M., Uber, «Taskrabbit, and Co.: Platforms as Employers? Rethinking the Legal Analysis of Crowdwork», Comparative Labor Law & Policy Journal, vol. 37 (2016), pp. 619 a 651. As circunstâncias factuais relativas ao modo de funcionamento da Uber resultam igualmente de decisões dos órgãos jurisdicionais nacionais dos Estados‑Membros, v., nomeadamente, acórdão do London Employment Tribunal de 28 de outubro de 2016, Aslam, Farrar and Others v. Uber (case 2202551/2015); decisão da Audiencia Provincial de Madrid n.° 15/2017, de 23 de janeiro de 2017, no processo que opõe a Uber à Asociación Madrileña del Taxi, e despacho do Tribunale Ordinario di Milano, de 2 de julho de 2015 (processos 35445/2015 e 36491/2015).


13      Quanto ao conceito da economia colaborativa v., nomeadamente, Hatzopoulos, V., e Roma, S., «Caring for Sharing? The Collaborative Economy under EU Law», Common Market Law Review, n.° 54, 2017, pp. 81 a 128, pp. 84 e segs. A Comissão propôs uma definição na sua comunicação intitulada «Un agenda européen pour l’économie collaborative» [COM(2016) 356 final, p. 3]. Contudo, é tão ampla que é possível duvidar da sua utilidade para distinguir um tipo de atividade suficientemente diferenciado que justifique um tratamento jurídico específico.


14      A utilização conjunta de veículos consiste na partilha de um trajeto comum, determinado pelo condutor e não pelo passageiro, em contrapartida, no máximo, do reembolso ao condutor de parte das despesas da viagem. Uma vez que o contacto entre os condutores e os potenciais passageiros é facilitado por aplicações em linha, é uma espécie de «autostop 2.0». Em qualquer caso, não se trata de uma atividade lucrativa.


15      A Uber nega colocar veículos à disposição dos condutores mas, através do seu serviço Ubermarketplace, desempenha um papel de intermediário entre os condutores e as empresas de locação e de leasing de veículos.


16      Contudo, não é claro que são exigências que se aplicam aos veículos destinados ao transporte remunerado de passageiros ou simplesmente formalidades aplicáveis aos veículos para utilização privada.


17      V. acórdão do London Employment Tribunal referido na nota de pé de página 12, n.° 18.


18      O elevado número de condutores permite alcançar o resultado pretendido sem ter de ser exercido um controlo direto e individual sobre cada um deles. Em contrapartida, o elevado número de passageiros assegura um controlo eficaz e relativamente objetivo do comportamento dos condutores, desobrigando a plataforma dessa tarefa.


19      Não abordarei a qualificação de relação jurídica entre a Uber e os seus condutores, uma vez que este aspeto está sujeito ao direito nacional.


20      V., nomeadamente, acórdão do London Employment Tribunal, referido na nota de pé de página 12.


21      Ou uma plataforma semelhante, uma vez que o modelo subjacente à Uber foi replicado, após a sua criação, sem atingir a mesma notoriedade.


22      O facto de algumas plataformas celebrarem com os hotéis acordos de paridade tarifária, mediante os quais os hotéis se comprometem a não propor noutros sítios preços mais favoráveis do que o proposto na plataforma em causa, não altera nada. Com efeito, não se trata da determinação do preço das prestações por parte da plataforma, mas de um compromisso relativo às tarifas fixadas por diferentes parceiros comerciais. Além disso, estas cláusulas de paridade tarifária foram questionadas pelas autoridades da concorrência em vários Estados‑Membros, o que conduziu à criação do Grupo de trabalho europeu sobre as plataformas de reserva em linha, sob a égide da Comissão.


23      Por exemplo, a utilização, por parte de concorrentes, do mesmo algoritmo para calcular o preço não é em si mesma ilegal, mas poderia suscitar preocupações no que respeita à hubandspoke conspiracy quando o poder da plataforma aumenta. V., relativamente a eventuais problemas do modelo Uber do ponto de vista do direito da concorrência, Hatzopoulos, V. Roma, S., op. cit., pp. 110 e 120, assim como Ezrachi, A., Stucke, M. E., «Artificial Intelligence & Collusion: When Computers Inhibit Competition», CCLP Working Paper 40, Oxford 2015, p. 14. V., igualmente, acórdãos de 22 de outubro de 2015, AC‑Treuhand/Comissão (C‑194/14 P, EU:C:2015:717), e de 21 de janeiro de 2016, Eturas e o. (C‑74/14, EU:C:2016:42, n.os 27 e 28 e jurisprudência referida), assim como as conclusões que apresentei nesse processo (C‑74/14, EU:C:2015:493).


24      Observo que, segundo as informações disponíveis, o serviço UberPop foi proibido nos Países Baixos, Estado‑Membro sede da sociedade Uber BV, pelo acórdão do College van Beroep voor het bedrijfsleven, de 8 de dezembro de 2014 (AWB 14/726, ECLI:NL:CBB:2014:450). V. Hatzopoulos, V., e Roma, S., op. cit., p. 91.


25      V. artigo 3.°, n.os 1 e 2, da Diretiva 2000/31.


26      Nomeadamente, o programa informático Greyball, que permite evitar as fiscalizações das autoridades. V. «Uber Uses Tech to Deceive Authorities Worldwide», The New York Times, de 4 de março de 2017.


27      Acórdão de 15 de outubro de 2015 (C‑168/14, EU:C:2015:685).


28      V., nomeadamente, decisões nacionais referidas na nota de pé de página 12 das presentes conclusões.


29      V. as considerações que apresentei a este respeito no n.° 9 das presentes conclusões.


30      Recordo que o litígio em causa no processo principal não é relativo ao funcionamento da aplicação Uber enquanto tal, mas à prestação do serviço UberPop na cidade de Barcelona.


31      V., nomeadamente, n.os 43 a 53 das presentes conclusões.


32      V. artigo 3.°, n.° 2, da Diretiva 2000/31, lido em conjugação com o artigo 2.°, alínea h), ii), terceiro travessão, desta diretiva. Esta disposição é confirmada pelo considerando 18 da mesma diretiva.