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Processo T679/22

Oy Shaman Spirits Ltd

contra

Instituto da Propriedade Intelectual da União Europeia

 Acórdão do Tribunal Geral (Terceira Secção) de 22 de novembro de 2023

«Marca da União Europeia – Processo de revogação de decisões ou de cancelamento de inscrições – Cancelamento de uma inscrição no registo que enferma de erro manifesto imputável ao EUIPO – Inscrição de licenças no registo para as marcas figurativas LAPLANDIA Land of purity e o. – Condições de registo de uma licença – Prova da concessão de uma licença pelo titular registado – Conceito de “erro manifesto imputável ao EUIPO” – Artigo 27.°, n.° 1, segundo período, do Regulamento (UE) 2017/1001 – Artigo 103.°, n.° 1, primeiro período, do Regulamento 2017/1001»

1.      Marca da União Europeia – Marca da União Europeia como objeto de propriedade – Licença – Inscrição no registo – Requisitos – Prova da concessão da licença pelo titular registado – Irrelevância dos requisitos previstos no direito nacional

(Regulamento 2017/1001 do Parlamento Europeu e do Conselho, artigos 19.°, n.° 1, 20.°, 25.°, 26.° e 27.°, n.° 1; Regulamento 2018/626 da Comissão, artigo 13.°)

(cf. n.os 20‑27, 33, 34, 43)

2.      Marca da União Europeia – Disposições processuais – Cancelamento ou revogação – Requisito – Erro manifesto – Conceito – Inscrição de uma licença no registo sem prova da sua concessão pelo titular registado – Inclusão

(Regulamento 2017/1001 do Parlamento Europeu e do Conselho, artigo 103.°, n.° 1)

(cf. n.os 40‑42)

Resumo

Entre 2008 e 2016, a Brandavid Oy obteve o registo de três marcas figurativas do Instituto da Propriedade Intelectual da União Europeia (EUIPO).

Em 2017, foi inscrita no Registo de Marcas da União Europeia a transferência dessas marcas para a Global Drinks Finland Oy, interveniente no presente processo.

Em 2020, a recorrente, Oy Shaman Spirits Ltd, pediu ao EUIPO, com base num contrato de licença celebrado entre esta e a Brandavid Oy em 2016 (a seguir «contrato de licença»), que inscrevesse no registo uma licença exclusiva a seu favor para as marcas em causa. Após o registo da licença, a interveniente manifestou o seu desacordo para com este.

Em 2021, a instância encarregada da manutenção do registo do EUIPO cancelou a inscrição da licença no referido registo.

Considerando que o pedido de registo da licença constituía um erro manifesto imputável ao EUIPO, na aceção do artigo 103.°, n.° 1, do Regulamento 2017/1001 (1), o que justificava o seu cancelamento, a Câmara de Recurso do EUIPO negou provimento ao recurso da recorrente. Com efeito, o único elemento de prova apresentado com o pedido de registo consistia no contrato de licença em que a interveniente, enquanto titular registada das marcas em causa, nunca foi parte.

No seu acórdão, o Tribunal Geral decide negar provimento ao recurso da recorrente. Pronuncia‑se sobre os requisitos de registo de uma licença e sobre o conceito de «erro manifesto imputável ao EUIPO».

Apreciação do Tribunal Geral

Em primeiro lugar, o Tribunal Geral salienta que ao cancelar o registo da licença, o EUIPO aplicou corretamente os artigos 25.° e 26.° do Regulamento 2017/1001 (2), lidos em conjugação com as disposições às quais esses artigos fazem referência (3). Estas disposições exigem, por razões de segurança jurídica, que o titular registado manifeste ativamente a sua vontade de conceder uma licença, quer depositando diretamente no EUIPO o pedido de registo da licença, quer através da aposição da sua assinatura numa declaração, num contrato ou num formulário normalizado (4). Ora, o contrato de licença não mencionava a interveniente, que era a titular registada no momento do pedido e do registo da licença, nem continha a sua assinatura. O anterior titular registado já não estava habilitado a dar o consentimento exigido.

Mesmo admitindo que a licença concedida pelo antecessor de direitos da interveniente fosse oponível a esta última (5) uma vez que estas duas sociedades procederam à transferência das marcas em causa com pleno conhecimento da licença, não é por isso que daí decorre que a licença possa ser registada. Mesmo que uma licença possa, nestas condições, continuar válida ou conferir direitos ao abrigo do direito nacional, esta situação de direito substantivo não é suscetível de ter impacto no direito de registo, que segue uma abordagem formal. Com efeito, a legalidade da decisão da Câmara de Recurso depende apenas da formalização dos requisitos previstos pelas disposições aplicáveis, cuja redação não deixa margem de interpretação. Todavia, a recorrente continua a poder alegar os seus direitos decorrentes do direito substantivo nos tribunais nacionais.

Em segundo lugar, o Tribunal Geral refuta os argumentos da recorrente baseados na aplicabilidade do direito finlandês pelo facto de as sociedades envolvidas terem a respetiva sede na Finlândia. Com efeito, a inscrição no registo de uma licença relativa a uma marca da União Europeia é regulada de forma autónoma pelo direito da União (6). Deste modo, a questão de saber se o direito finlandês inclui requisitos de forma para um contrato de licença, ou em que condições este contrato vincula também o titular sucessor das marcas em causa, é irrelevante para se apreciar se o registo da licença a favor da recorrente no Registo de Marcas da União Europeia estava correto ou não.

Em terceiro e último lugar, o Tribunal Geral rejeita o argumento da recorrente segundo o qual o EUIPO excedeu o seu poder ao revogar o registo do contrato de licença que estava em conformidade com o direito finlandês. Com efeito, a inscrição cancelada enfermava de erro manifesto imputável ao EUIPO. Uma vez que o registo de uma licença obedece às mesmas regras do que o de uma transmissão, o Tribunal Geral aplica mutatis mutandis a jurisprudência segundo a qual não cabe ao EUIPO apreciar a validade e os efeitos jurídicos de uma transmissão de marca da União Europeia segundo o direito nacional. Daqui resulta que, no tratamento de um pedido de registo de uma licença, a competência do EUIPO limita‑se, em princípio, à apreciação dos requisitos formais, o que não implica uma apreciação das questões de mérito que se possam colocar no âmbito do direito nacional aplicável.


1      Regulamento (UE) 2017/1001 do Parlamento Europeu e do Conselho, de 14 de junho de 2017, sobre a marca da União Europeia (JO 2017, L 154, p. 1).


2      Nos termos do artigo 25.°, n.° 5, deste regulamento, a concessão ou a transmissão de licenças relativas a marcas da UE é inscrita no Registo e publicada a pedido de uma das partes.


3      O artigo 20.°, n.° 5, do referido regulamento dispõe que o pedido de registo de uma transmissão deve conter determinadas informações, bem como documentos comprovativos da transmissão; o n.° 3 deste artigo exige que «a cessão da marca da UE deve ser feita por escrito e requer a assinatura das partes contratantes, salvo se resultar de sentença; na sua falta, a cessão é nula». O artigo 13.°, n.° 3, alíneas a), c) e d), do Regulamento de Execução (UE) 2018/626 da Comissão, de 5 de março de 2018, que estabelece as regras de execução de determinadas disposições do Regulamento 2017/1001 do Parlamento Europeu e do Conselho sobre a marca da União Europeia e que revoga o Regulamento de Execução (UE) 2017/1431 (JO 2018, L 104, p. 37), especifica que a assinatura ou o consentimento do titular registado é uma condição prévia para a concessão válida de uma licença.


4      Artigo 26.°, n.° 1, alínea b), do Regulamento 2017/1001 e artigo 13.°, n.° 3, alíneas a), b), c), d), do Regulamento de Execução 2018/626.


5      Nos termos do artigo 27.°, n.° 1, segundo parágrafo, do Regulamento 2017/1001.


6      O artigo 19.°, n.° 1, do Regulamento 2017/1001, que remete para o direito do Estado‑Membro em que o titular da marca da União Europeia tem a sua sede, só se aplica «[s]alva disposição em contrário dos artigos 20.° a 28.°». V. artigos 25.° a 28.° deste regulamento e artigo 13.° do Regulamento de Execução 2018/626.