Language of document : ECLI:EU:C:2000:655

ACÓRDÃO DO TRIBUNAL DE JUSTIÇA (Quinta Secção)

30 de Novembro de 2000 (1)

«Artigo 177.° do Tratado CE (actual artigo 234.° CE) - Conceito de 'órgão jurisdicional de um dos Estados-Membros‘ - Livre circulação de pessoas - Igualdade de tratamento - Diuturnidades - Carreira realizada parcialmente

no estrangeiro»

No processo C-195/98,

que tem por objecto um pedido dirigido ao Tribunal de Justiça, nos termos do artigo 177.° do Tratado CE (actual artigo 234.° CE), pelo Oberster Gerichtshof (Áustria), destinado a obter, no litígio pendente neste órgão jurisdicional entre

Österreichischer Gewerkschaftsbund, Gewerkschaft öffentlicher Dienst,

e

Republik Österreich,

uma decisão a título prejudicial sobre a interpretação dos artigos 48.° do Tratado CE (que passou, após alteração, a artigo 39.° CE) e 177.° do Tratado CE (actual artigo 234.° CE), bem como do artigo 7.° do Regulamento (CEE) n.° 1612/68 do Conselho, de 15 de Outubro de 1968, relativo à livre circulação dos trabalhadores na Comunidade (JO L 257, p. 2; EE 05 F1 p. 77),

O TRIBUNAL DE JUSTIÇA (Quinta Secção),

composto por: D. A. O. Edward (relator), exercendo funções de presidente da Quinta Secção, P. Jann e L. Sevón, juízes,

advogado-geral: F. G. Jacobs,


secretário: R. Grass,

vistas as observações escritas apresentadas:

-    em representação da Österreichischer Gewerkschaftsbund, Gewerkschaft öffentlicher Dienst, por A. Alvarado-Dupuy, Zentralsekretär do Gewerkschaft öffentlicher Dienst,

-    em representação da Republik Österreich, por M. Sawerthal, Hofrat na Finanzprokuratur Wien, na qualidade de agente,

-    em representação do Governo austríaco, por C. Stix-Hackl, Gesandte no Ministério Federal dos Negócios Estrangeiros, na qualidade de agente,

-    em representação da Comissão das Comunidades Europeias, por P. J. Kuijper, consultor jurídico, na qualidade de agente, assistido por T. Eilmansberger, advogado no foro de Bruxelas,

visto o relatório do juiz-relator,

ouvidas as conclusões do advogado-geral apresentadas na audiência de 27 de Janeiro de 2000,

profere o presente

Acórdão

1.
    Por despacho de 30 de Abril de 1998, que deu entrada no Tribunal de Justiça em 20 de Maio seguinte, o Oberster Gerichtshof submeteu, nos termos do artigo 177.° do Tratado CE (actual artigo 234.° CE), três questões prejudiciais sobre a interpretação dos artigos 48.° do Tratado CE (que passou, após alteração, a artigo 39.° CE) e 177.°do referido Tratado, bem como do artigo 7.° do Regulamento (CEE) n.° 1612/68 do Conselho, de 15 de Outubro de 1968, relativo à livre circulação dos trabalhadores na Comunidade (JO L 257, p. 2; EE 05 F1 p. 77; a seguir «regulamento»).

2.
    Estas questões foram suscitadas num litígio que opõe a Österreichischer Gewerkschaftsbund, Gewerkschaft öffentlicher Dienst (a seguir «Gewerkschaftsbund»), à Republik Österreich (a seguir «República da Áustria») no que se refere à compatibilidade com o artigo 48.° do Tratado e o artigo 7.° do regulamento das disposições contidas na Vertragsbedienstetengesetz de 1948 (lei federal de 1948 relativa aos agentes contratados, a seguir «VBG») relativas à determinação da remuneração de alguns professores. Estas disposições têm por efeito um tratamento diferenciado dos períodos de actividades anteriores cumpridos na Áustria e os efectuados noutros Estados-Membros para efeitos da determinação da remuneração dos professores e dos assistentes contratados.

A regulamentação comunitária

3.
    O artigo 7.°, n.os 1 e 4, do regulamento estabelece:

«1.    O trabalhador nacional de um Estado-Membro não pode, no território de outros Estados-Membros, sofrer, em razão da sua nacionalidade, tratamento diferente daquele que é concedido aos trabalhadores nacionais no que respeita a todas as condições de emprego e de trabalho, nomeadamente em matéria de remuneração, de despedimento e de reintegração profissional ou de reemprego, se ficar desempregado.

...

4.    São nulas todas e quaisquer cláusulas de convenção colectiva ou individual ou de qualquer outra regulamentação colectiva respeitantes ao acesso ao emprego, ao emprego, à remuneração e às outras condições de trabalho e de despedimento, na medida em que prevejam ou autorizem condições discriminatórias relativamente aos trabalhadores nacionais de outros Estados-Membros.»

A legislação nacional

4.
    Existem na Áustria duas categorias de pessoal que trabalham para as autoridades públicas federais. A primeira é constituída por funcionários «(Beamte»), nomeados por um acto administrativo, não vinculados por contrato e cujo emprego é, em princípio, garantido. O seu estatuto é determinado por leis específicas. A segunda categoria, em questão no processo principal, é a dos trabalhadores contratados da administração pública, recrutados com base num contrato de trabalho de direito privado. O seu estatuto é regido pela VBG.

5.
    Nos termos do § 1, n.° 1, a VBG aplica-se ao conjunto do pessoal vinculado ao Estado federal por uma relação de trabalho de direito privado. A primeira parte da VBGcontém, designadamente nos §§ 8a a 26, as regras gerais relativas à remuneração deste pessoal.

6.
    Nos termos do § 37, n.° 1, da VBG, os professores com contrato e, portanto, o pessoal contratado para fins docentes no ensino ou em estabelecimentos de educação, lares para estudantes, institutos para invisuais ou surdos-mudos ou estabelecimentos comparáveis entram no âmbito de aplicação pessoal desta lei. Tal como resulta do § 51, n.° 1, da VBG, o mesmo sucede no caso dos assistentes contratados.

7.
    A secção I da VBG estabelece, designadamente no seu § 11, a remuneração mensal do funcionário contratado que trabalha a tempo inteiro na grelha de remuneração I, definida em função de 21 escalões na totalidade. Nos termos do § 19, n.° 1, da VBG, o empregado contratado é promovido, todos os dois anos, ao escalão imediatamente superior.

8.
    A data de referência, que constitui a data relevante para a progressão, deve ser determinada em conformidade com as disposições do § 26 da VBG, que, na versão em vigor à época dos factos no processo principal, previa:

«1.    A data de referência para efeitos de progressão deve ser determinada de forma que - salvo os períodos anteriores aos 18 anos de idade completos e sem prejuízo das disposições restritivas dos n.os 4 a 8 - se antepõem ao dia de admissão os seguintes períodos anteriores:

    1.    os períodos indicados no n.° 2, na sua totalidade,

    2.    os períodos indicados no n.° 2, ponto 1, alíneas a) e b), e ponto 4, alíneas e) e f), em metade quando cumpridos em menos de metade do tempo estabelecido para os trabalhadores a tempo inteiro,

    3.    os outros períodos,

        a)    que respondem às exigências prescritas no n.° 3, na sua totalidade,

        b)    que não respondem às exigências prescritas no n.° 3, e desde que não ultrapassem, no total, uma duração de três anos, em metade.

2.    Nos termos do n.° 1, ponto 1, devem acrescentar-se antes do dia da admissão:

    1.    a duração do trabalho numa actividade que represente, no mínimo, metade do tempo previsto para um trabalhador a tempo inteiro

        a)    no âmbito de uma relação de trabalho ao serviço de uma colectividade territorial nacional ou

        b)    no ensino

            aa)    numa escola, universidade ou estabelecimento de ensino superior público nacional ou

            bb)    na Academia de Belas-Artes ou

            cc)    numa escola privada nacional reconhecida pelo Estado

...

    4.    a duração

...

    e)    de uma actividade ou formação cumprida numa colectividade territorial nacional, desde que lhe fossem aplicáveis as disposições de promoção da política de trabalho que resultam da Arbeitsmarktförderungsgesetz (lei sobre a promoção do trabalho, BGBl. n.° 31/1969) e que esta duração se inscreva no quadro de uma actividade que represente, no mínimo, metade do tempo previsto para um trabalhador a tempo inteiro,

    f)    de uma actividade que represente, no mínimo, metade, do tempo previsto para um trabalhador a tempo inteiro numa relação de trabalho estabelecida no âmbito da autonomia de uma universidade nacional ou de um estabelecimento de ensino superior nacional, da Academia de Belas-Artes, da Academia de Ciências, da Biblioteca Nacional austríaca ou outra instituição científica na acepção da Forschungsorganisationsgesetz (lei sobre a organização da investigação, BGBl. n.° 341/1981) ou de um museu nacional;

3.    Os períodos definidos no n.° 1, ponto 3, em que o empregado contratado exerceu uma actividade ou prosseguiu os estudos podem ser considerados integralmente cumpridos no interesse geral com o acordo do chanceler federal, na medida em que esta actividade ou estes estudos apresentarem uma importância particular para o sucesso profissional do empregado contratado. No entanto, tais períodos devem ser tomados em conta integralmente sem necessidade de acordo do chanceler federal,

    1.    quando tenham sido já integralmente tidos em conta no quadro de uma relação de trabalho imediatamente anterior ao serviço do Bund, por força do disposto no parágrafo anterior ou de outra disposição comparável de uma outra norma, e

    2.    o empregado contratado tenha, no início da nova relação de trabalho tal como anteriormente, a afectação determinante para esse efeito.

    ...»

9.
    O § 26 da VBG tinha sido objecto de uma alteração publicada no BGBl. n.° 297/1995, com efeitos a partir de 1 de Maio de 1995. Nos termos do § 26, n.° 1, alínea a), na versão anterior a esta data, os períodos considerados no n.° 2 desta disposição (que não foi alterado) deviam ser integralmente tidos em consideração e, em conformidadecom o § 26, n.° 1, alínea b), os outros períodos eram tidos em consideração apenas em metade, enquanto o n.° 3, com a mesma redacção na parte restante, passou a fazer referência às disposições do n.° 1, alínea b).

10.
    O § 54, n.os 2 a 4, da Arbeits- und Sozialgerichtsgesetz (lei sobre os órgãos jurisdicionais do trabalho e da segurança social, a seguir «ASGG») estabelece:

«2)    Os organismos representativos patronais e os sindicatos com capacidade para celebrarem convenções colectivas (§§ 4-7 ArbVG) podem, no âmbito da sua capacidade, intentar mutuamente acções no Oberster Gerichtshof com o objectivo de ser declarada a existência ou inexistência de direitos ou relações jurídicas em situações de facto independentes de pessoas concretamente determinadas. Tais acções devem ter por objecto questões de direito substantivo no domínio do trabalho, na acepção do § 50, que assumam importância, pelos menos, para três entidades patronais ou trabalhadores.

3)    O pedido é notificado ao demandado designado pelo demandante; o demandado apresenta as suas observações num período de quatro semanas. Durante este prazo, outros organismos patronais ou sindicais que tenham a capacidade para celebrar convenções colectivas podem, no âmbito da sua capacidade, apresentar as suas observações quanto ao pedido.

4)    O Oberster Gerichtshof decide o pedido em secção restrita (§ 11, n.° 1) baseando-se nos factos apresentados pelo demandante. A decisão é notificada a todos os sindicatos que tenham capacidade para celebrar convenções colectivas intervenientes no processo.»

O litígio no processo principal e as questões prejudiciais

11.
    A demandante no processo principal, a Gewerkschaftsbund, é um sindicato que representa, designadamente, os trabalhadores do sector público.

12.
    A recorrida no processo principal é a República da Áustria, na qualidade de empregadora de professores e de assistentes contratados.

13.
    Por carta de 13 de Dezembro de 1996, o secretário de Estado dos Serviços Públicos indeferiu um pedido apresentado pela Gewerkschaftsbund que pretendia obter a tomada em consideração, nos termos do § 26 da VBG, dos períodos de actividade anteriores efectuados por professores ou assistentes contratados noutros Estados-Membros.

14.
    Ao estabelecer a data de referência para efeitos de determinação de progressão e, portanto, do escalão de remuneração de um empregado contratado da administração pública, o § 26, n.os 1 e 2, da VBG prevê que os períodos de actividade anteriores prestados ao serviço de uma autoridade pública austríaca, de um estabelecimento de ensino público ou de um estabelecimento de ensino privado reconhecido pelo Estadosão automaticamente antepostos e acrescidos integralmente à data de admissão do interessado como empregado contratado.

15.
    Ao invés, os outros períodos de actividade, quais sejam, os efectuados noutro Estado-Membro ou na Áustria numa instituição que não se inclua nos critérios do § 26, n.° 2, da VBG, só são tomados em consideração na sua totalidade se o interesse geral o exigir e com o consentimento das autoridades competentes. Este consentimento apenas é dado se os períodos em questão apresentam «uma importância especial para a boa integração» do empregado contratado. Quando não reúnem estas condições, são tomados em consideração em metade se a actividade como empregado contratado da administração pública austríaca se iniciou o mais tardar em 30 de Abril de 1995 (nos termos do § 26, n.° 3, da VBG, na versão em vigor antes de 1 de Maio de 1995). São tomados em consideração em metade, desde que a sua duração total não exceda três anos, se a actividade se iniciou após aquela data (nos termos do § 26, n.° 3, da VBG, na versão em vigor à data dos factos do processo principal).

16.
    Por petição de 14 de Julho de 1997, o Gewerkschaftsbund intentou uma acção, nos termos do § 54, n.° 2, da ASGG, relativamente à situação de determinadas categorias de professores e de assistentes contratados empregados pela demandada no processo principal, onde pediu que o Oberster Gerichtshof declare que estes últimos têm direito, a contar da sua classificação na escala de remuneração correspondente ou, se tal classificação dever ocorrer mais tarde, a partir de 1 de Janeiro de 1994, à tomada em consideração de todos os períodos de actividade prestados nos Estados-Membros que fazem actualmente parte da União Europeia ou do Espaço Económico Europeu, no ensino público ou nas escolas, colégios, universidades reconhecidas pelo Estado, ou na função pública, ou ainda ao serviço de outras entidades de direito público que devam ser equiparadas às colectividades territoriais austríacas. Estes períodos de actividade devem, na opinião da demandante, ser tidos em conta de acordo com os princípios fixados no § 26 da VBG, aplicáveis aos períodos de actividade anteriores aos prestados ao serviço das autoridades austríacas ou no ensino na Áustria.

17.
    A República da Áustria sustentou, pelo contrário, que a disposição do § 26 da VBG tem simplesmente em conta os diferentes tipos de emprego no serviço público dos diferentes Estados-Membros, que é, portanto, conforme com o princípio da proporcionalidade e, além disso, necessária à manutenção do regime especial aplicado na administração pública em matéria de promoção e de remuneração.

18.
    O Oberster Gerichtshof alega que o processo previsto no § 54, n.os 2 a 4, da ASGG não reflecte a imagem tradicional do órgão jurisdicional. Em seu entender, trata-se mais de emitir um parecer jurídico sob a aparência de uma decisão judicial.

19.
    No que se refere ao princípio da livre circulação, o Oberster Gerichtshof afirma que o Tribunal de Justiça nunca decidiu um caso comparável, uma vez que, nos termos do § 26 da VBG, os períodos de trabalho anteriores prestados noutros Estados-Membrosnão são sistematicamente ignorados, mas podem ser integralmente tidos em consideração com o acordo das autoridades competentes.

20.
    Considerando que a solução do litígio depende da interpretação da regulamentação comunitária, o Oberster Gerichtshof decidiu suspender a instância e submeter ao Tribunal de Justiça as três questões prejudiciais seguintes:

«1)    Pode ser solicitada, nos termos do artigo 177.° do Tratado CE, uma decisão prejudicial ao Tribunal de Justiça das Comunidades Europeias num processo em que o Oberster Gerichtshof tem de se pronunciar, em primeira e também em última instância, sobre um pedido de declaração da existência ou da inexistência de direitos ou relações jurídicas no domínio do direito do trabalho numa situação factual que, segundo as alegações de uma das partes, que se devem ter como verdadeiras, é independente de pessoas concretamente determinadas e segundo as alegações da mesma parte, igualmente a tomar como verdadeiras, têm importância para, pelo menos, três empregadores ou trabalhadores?

No caso de resposta afirmativa à primeira questão:

2)    Proíbe o artigo 48.° do Tratado CE ou outra disposição do direito comunitário, em especial o artigo 7.° do Regulamento n.° 1612/68 do Conselho, que a data de referência para a promoção salarial que é determinante para a classificação dos professores contratados e dos assistentes contratados no respectivo esquema remuneratório seja fixada diferentemente, na medida em que os períodos anteriores à contratação cumpridos, durante pelo menos metade do horário prescrito para o tempo inteiro, no âmbito de uma relação de serviço com uma pessoa colectiva territorial austríaca ou, como docente, numa escola, universidade ou escola superior pública austríaca, na Academia de Belas-Artes ou numa escola privada austríaca sujeita ao direito público são contabilizados por inteiro, enquanto os períodos cumpridos em instituições similares dos Estados-Membros só são contabilizados por inteiro, com o acordo do ministro federal das Finanças, se tiverem especial importância para a boa integração dos agentes contratados, sendo contabilizados apenas por metade se esta condição não existir, e não podendo, no caso de o início da relação de trabalho ser posterior a 30 de Abril de 1995, ultrapassar, na totalidade, três anos?

No caso de resposta afirmativa à primeira e à segunda questões:

3)    A contabilização dos períodos de serviço prestados a instituições dos Estados-Membros equiparáveis às indicadas instituições tem lugar sem limitação temporal?»

Quanto à admissibilidade

21.
    Na sua primeira questão, o órgão jurisdicional de reenvio pergunta, no essencial, se, ao exercer as competências previstas no § 54, n.os 2 a 5, da ASGG, constitui um órgão jurisdicional na acepção do artigo 177.° do Tratado e, portanto, se pode colocar uma questão prejudicial.

22.
    A este propósito, o Oberster Gerichtshof refere-se, designadamente, aos acórdãos de 11 de Março de 1980, Foglia (104/79, Recueil, p. 745), e de 16 de Dezembro de 1981, Foglia (244/80, Recueil, p. 3045), salientando que o artigo 177.° do Tratado não atribui ao Tribunal de Justiça a tarefa de emitir pareceres sobre questões gerais ou hipotéticas, mas confere-lhe unicamente competência para resolver questões que correspondem a uma necessidade objectiva de decisão efectiva num litígio determinado.

23.
    A título preliminar, há que salientar que em parte alguma dos autos se sustenta que o litígio no processo principal é hipotético ou artificial. As reservas quanto à admissibilidade do reenvio prejudicial provêm da natureza particular do processo seguido no órgão jurisdicional nacional por força do § 54, n.os 2 a 5, da ASGG.

24.
    A este respeito, resulta de jurisprudência constante que, para apreciar se o organismo de reenvio possui a natureza de um órgão jurisdicional na acepção do artigo 177.° do Tratado, questão que releva unicamente do direito comunitário, o Tribunal de Justiça tem em conta um conjunto de elementos, tais como a origem legal do órgão, a sua permanência, o carácter obrigatório da sua jurisdição, a natureza contraditória do processo, a aplicação pelo órgão das normas de direito, bem como a sua independência (v., nomeadamente, acórdãos de 30 de Junho de 1966, Vaassen-Göbbels, 61/65, Colect. 1965-1968, p. 401; 19 de Outubro de 1995, Job Centre, C-111/94, Colect., p. I-3361, n.° 9; de 17 de Setembro de 1997, Dorsch Consult, C-54/96, Colect., p. I-4961, n.° 23, e de 21 de Março de 2000, Gabalfrisa e o., C-110/98 a C-147/98, Colect., p. I-1577, n.° 33).

25.
    Por outro lado, os órgãos jurisdicionais nacionais só podem recorrer ao Tribunal de Justiça se perante eles se encontrar pendente um litígio e se forem chamados a pronunciar-se no âmbito de um processo que deva conduzir a uma decisão de carácter jurisdicional (v., nomeadamente, acórdão de 12 de Novembro de 1998, Victoria Film, C-134/97, Colect., p. I-7023, n.° 14).

26.
    Tal como salientou o advogado-geral no n.° 37 das suas conclusões, verifica-se que o Oberster Gerichtshof reúne, no plano institucional, a totalidade dos critérios que caracterizam um órgão jurisdicional na acepção do artigo 177.° do Tratado. Com efeito, tem origem legal, é independente e exerce as suas funções de modo permanente.

27.
    Quanto às particularidades do processo previsto no § 54 da ASGG, importa declarar antes de mais que a maioria dos elementos deste são característicos dos processos contenciosos. Mais exactamente, a jurisdição do Oberster Gerichtshof, na acepção do § 54, n.os 2 a 5, da ASGG, é obrigatória, uma vez que qualquer das partes no litígio pode submeter a questão ao Oberster Gerichtshof sem consideração das objecções daoutra parte. O processo é regido pela lei e é contraditório, determinando as partes os seus limites.

28.
    Seguidamente, resulta dos autos que o referido processo não implica que sejam submetidos ao Oberster Gerichtshof questões meramente hipotéticas. Com efeito, o § 54, n.° 2, da ASGG exige, para que seja intentada utilmente uma acção no órgão jurisdicional de reenvio ao abrigo desta disposição, que o pedido apresentado pela associação patronal ou pelo sindicato tenha por objecto uma questão de direito substantivo que seja relevante para, pelo menos, três entidades patronais ou trabalhadores. Por ouro lado, o Oberster Gerichtshof declarou que, no âmbito do referido processo, as associações patronais e os sindicatos apenas devem submeter questões de facto verdadeiramente típicas e de importância geral, especificando que não é competente para responder in abstracto a questões jurídicas de carácter geral sem ligação com situações de facto suficientemente concretas.

29.
    Por fim, se bem que o procedimento ora em causa apresente igualmente aspectos menos característicos dos processos contenciosos que os mencionados nos dois números anteriores, ou seja, que o Oberster Gerichtshof não decide litígios relativos a um processo concreto implicando pessoas determinadas, que deve basear a sua apreciação jurídica nos factos alegados pelo demandante sem outra averiguação, que a decisão é do tipo declaratório e que o direito de acção é exercido colectivamente, o processo destina-se, contudo, a obter uma decisão de natureza judicial.

30.
    Mais exactamente, a decisão final vincula as partes, que não podem apresentar um segundo pedido com vista a obter uma decisão declaratória para a mesma situação de facto e suscitando as mesmas questões jurídicas. Além disso, o processo destina-se a servir de referência determinante para processos paralelos entre entidades patronais e trabalhadores individuais. Assim, nos termos do § 54, n.° 5, da ASGG, o decurso dos prazos para interpor recurso paralelo fica suspenso no que se refere aos direitos e relações jurídicas que são objecto do processo do § 54, n.° 2, da ASGG.

31.
    Resulta das considerações que precedem que o pedido prejudicial é admissível.

32.
    Nestas condições, cabe responder à primeira questão que, ao exercer as competências previstas no § 54, n.os 2 a 5, da ASGG, o Oberster Gerichtshof constitui um órgão jurisdicional na acepção do artigo 177.° do Tratado.

Quanto à segunda questão

33.
    Na segunda questão, o órgão jurisdicional nacional pergunta, no essencial, se o artigo 48.° do Tratado e o artigo 7.°, n.os 1 e 4, do regulamento se opõem a uma disposição nacional, como a do § 26 da VBG, relativa à tomada em consideração dos períodos de actividade anteriores para efeitos de determinação da remuneração dos professores e dos assistentes contratados, quando as exigências que se aplicam aos períodos prestados noutros Estados-Membros são mais estritas que as aplicáveis aos períodos prestados em instituições comparáveis do Estado-Membro em causa.

34.
    Para determinar a progressão e, portanto, o escalão de remuneração de um empregado contratado pela administração pública, o § 26 da VBG prevê a tomada em consideração de períodos anteriores prestados ao serviço de uma autoridade pública austríaca ou de um estabelecimento de ensino na Áustria. No entanto, os períodos de actividade cumpridos noutro Estado-Membro que não a República da Áustria não são tomados em consideração na sua totalidade, salvo se o interesse geral o exigir e com o consentimento das autoridades competentes.

35.
    A título preliminar, há que considerar o argumento da República da Áustria, segundo o qual os professores e assistentes contratados estão abrangidos pelo conceito de «empregos na administração pública» na acepção do artigo 48.°, n.° 4, do Tratado.

36.
    A cláusula de excepção que figura no artigo 48.°, n.° 4, do Tratado, segundo a qual as disposições relativas à livre circulação dos trabalhadores não são aplicáveis «aos empregos na administração pública», só diz respeito ao acesso de nacionais de outros Estados-Membros a certas funções na administração pública (acórdãos de 13 de Novembro de 1997, Grahame e Hollanders, C-248/96, Colect., p. I-6407, n.° 32, e de 15 de Janeiro de 1998, Schöning-Kougebetopoulou, C-15/96, Colect., p. I-47, n.° 13). É de jurisprudência constante que não se aplica às actividades dos professores ou dos assistentes (v. acórdãos de 3 de Julho de 1986, Lawrie-Blum, 66/85, Colect., p. 2121, n.° 28; de 27 de Novembro de 1991, Bleis, C-4/91, Colect., p. I-5627, n.° 7, e de 2 de Julho de 1996, Comissão/Luxemburgo, C-473/93, Colect., p. I-3207, n.° 33).

37.
    De qualquer modo, o litígio do processo principal não diz respeito às modalidades de acesso aos «empregos na administração pública», mas simplesmente à determinação da antiguidade dos professores ou dos assistentes contratados para efeitos de cálculo da sua remuneração. Uma vez que um Estado-Membro admitiu trabalhadores nacionais de outros Estados-Membros na sua administração pública, não pode o artigo 48.°, n.° 4, do Tratado justificar medidas discriminatórias em matéria de remuneração ou de outras condições de trabalho (v., nomeadamente, acórdão de 12 de Fevereiro de 1974, Sotgiu, 152/73, Colect., p. 91, n.° 4).

38.
    Daí decorre que o artigo 48.°, n.° 4, não é aplicável às circunstâncias do processo principal. Importa, portanto, apreciar se uma disposição como a do § 26 da VBG é susceptível de violar o princípio da não discriminação consagrado nos artigos 48.° do Tratado e 7.°, n.os 1 e 4, do regulamento.

39.
    Resulta da jurisprudência constante do Tribunal de Justiça que o artigo 48.° do Tratado proíbe não apenas as discriminações ostensivas em razão da nacionalidade mas também todas as formas dissimuladas de discriminação que, aplicando outros critérios de distinção, conduzam na prática ao mesmo resultado (v., nomeadamente, acórdãos de 23 de Fevereiro de 1994, Scholz, C-419/92, Colect., p. I-505, n.° 7, e de 23 de Maio de 1996, O'Flynn, C-237/94, Colect., p. I-2617, n.° 17).

40.
    Uma disposição de direito nacional deve ser considerada indirectamente discriminatória desde que, por um lado, seja susceptível, pela sua própria natureza, de afectar preponderantemente os trabalhadores migrantes e, deste modo, acarretar o risco de os desfavorecer e, por outro lado, não se justifique por considerações objectivas, independentes da nacionalidade dos trabalhadores em causa e proporcionadas ao objectivo que prossegue (v. acórdão O'Flynn, já referido, n.os 19 e 20).

41.
    O Tribunal de Justiça já declarou que determinadas disposições nacionais que se opõem à tomada em consideração dos períodos de actividade anteriores cumpridos na administração pública de outros Estados-Membros constituem discriminação indirecta injustificada e são contrárias ao artigo 48.°, n.° 2, do Tratado (v. acórdãos já referidos Scholtz, n.° 11, e Schöning-Kougebetopoulou, n.° 23, bem como acórdão de 12 de Março de 1998, Comissão/Grécia, C-187/96, Colect., p. I-1095, n.° 21).

42.
    É certo que, diferentemente das disposições nacionais em causa nos processos que deram lugar aos acórdãos referidos no número anterior, o § 26 da VBG não exclui a tomada em consideração dos períodos de actividade anteriores cumpridos noutros Estados-Membros.

43.
    Contudo, tais períodos só são tomados em consideração na sua totalidade se o interesse geral o exigir e com o consentimento das autoridades competentes. Este consentimento apenas é concedido se os referidos períodos apresentam «uma importância especial para a boa integração» do professor ou do assistente contratado. Ora, a tomada em consideração dos períodos de actividade cumpridos na Áustria não está sujeita a tal condição.

44.
    Daí resulta que o § 26 da VBG impõe exigências mais rigorosas para os períodos de actividade cumpridos num Estado-Membro que não a República da Áustria, o que funciona em detrimento dos trabalhadores migrantes que tenham cumprido parte da sua carreira noutro Estado-Membro. Este artigo, é portanto, susceptível de violar o princípio da não discriminação consagrado no artigo 48.° do Tratado e no artigo 7.°, n.os 1 e 4, do regulamento.

45.
    O Governo austríaco alega, contudo, que as restrições à livre circulação são justificadas por razões imperiosas de interesse geral e são conformes com o princípio da proporcionalidade.

46.
    A este propósito, aquele governo pretende que o princípio da homogeneidade previsto no artigo 21.°, n.° 1, segunda frase, da Constituição austríaca assegura a livre circulação dos empregados de serviços públicos no território austríaco. Esta livre circulação seria entravada se a passagem de um serviço a outro se tornasse pouco atractiva no plano económico. Além disso, o sistema de remuneração do pessoal em causa pretende recompensar a fidelidade dos interessados. Contudo, o mesmo sistema não pode ser alargado a períodos de actividade cumpridos noutros Estados-Membros uma vez que, na fase actual do processo de integração, os serviços públicos dos Estados-Membros não estão ligados entre si em medida comparável à que existe aonível das colectividades territoriais austríacas e apresentam características muito diferentes.

47.
    Importa, antes de mais, sublinhar que o objectivo da mobilidade profissional na administração pública austríaca não exige uma restrição discriminatória da mobilidade dos trabalhadores migrantes.

48.
    Além disso, importa reconhecer que as diferenças existente entre os serviços públicos na Áustria e os dos outros Estados-Membros não podem justificar uma diferença nas condições de tomada em consideração dos períodos de serviço anteriores. Em especial, tais diferenças não podem explicar a razão pela qual os períodos cumpridos noutro Estado-Membro que não a República da Áustria devem assumir relevância particular no que se refere à integração do interessado, condição que não é exigida para os períodos de actividade cumpridos na Áustria.

49.
    Por fim, quanto à argumentação respeitante ao objectivo de recompensa da fidelidade do pessoal em causa, há que considerar que, tendo em conta a multiplicidade de entidades patronais visada pelo § 26, n.° 2, das VBG, o sistema de remuneração se destina a permitir a máxima mobilidade no interior dum grupo de entidades patronais juridicamente distinto e não a recompensar a fidelidade de um trabalhador a uma determinada entidade patronal.

50.
    Resulta do que antecede que o § 26 da VBG não é, de modo algum, proporcionado ao objectivo invocado pelo Governo austríaco.

51.
    É, portanto, de responder à segunda questão que o artigo 48.° do Tratado e o artigo 7.°, n.os 1 e 4, do regulamento se opõem a uma disposição nacional, como a do § 26 da VBG, relativa à tomada em consideração de períodos de actividade anteriores para efeitos de determinação da remuneração dos professores e dos assistentes contratados, quando as exigências que se aplicam aos períodos cumpridos noutros Estados-Membros são mais rigorosas do que as aplicáveis aos períodos cumpridos em instituições comparáveis do Estado-Membro em causa.

Quanto à terceira questão

52.
    Na terceira questão, o órgão jurisdicional nacional pergunta, no essencial, se, quando um Estado-Membro está obrigado a tomar em consideração, para o cálculo da remuneração dos professores e dos assistentes contratados, os períodos de actividade em determinadas instituições de outros Estados-Membros comparáveis às instituições austríacas elencadas no § 26, n.° 2, da VBG, tais períodos devem ser tidos em consideração sem limitação temporal.

53.
    O objectivo da questão é determinar se devem ser tidos em consideração os períodos de actividade cumpridos pelo referido pessoal antes da adesão da República da Áustria à União Europeia.

54.
    Importa salientar que o litígio no processo principal não se refere ao reconhecimento de direitos de origem comunitária alegadamente adquiridos antes da adesão da República da Áustria à União Europeia, mas se reporta ao tratamento discriminatório actual de trabalhadores migrantes.

55.
    O Acto relativo às condições de adesão da República da Áustria, da República da Finlândia e do Reino da Suécia e às adaptações dos Tratados em que se funda a União Europeia (JO 1994, C 241, p. 21, e JO 1995, L 1, p. 1) não contém qualquer disposição transitória relacionada com a aplicação do artigo 48.° do Tratado e do artigo 7.°, n.° 1, do regulamento. Estas disposições devem ser consideradas como imediatamente aplicáveis e vinculativas relativamente à República da Áustria a contar da data da sua adesão à União Europeia, ou seja, a partir de 1 de Janeiro de 1995. Após esta data, são susceptíveis de ser invocadas por trabalhadores migrantes provenientes dos Estados-Membros. Na falta de disposições transitórias, os períodos de actividade anteriores devem ser necessariamente tidos em conta.

56.
    Cabe, pois, responder à terceira questão que, quando um Estado-Membro está obrigado a tomar em consideração, para o cálculo da remuneração dos professores e dos assistentes contratados, os períodos de actividade cumpridos em instituições de outros Estados-Membros comparáveis às instituições austríacas elencadas no § 26, n.° 2, da VBG, tais períodos devem ser tomados em conta sem qualquer limitação temporal.

Quanto às despesas

57.
    As despesas efectuadas pelo Governo austríaco e pela Comissão, que apresentaram observações ao Tribunal, não são reembolsáveis. Revestindo o processo, quanto às partes na causa principal, a natureza de incidente suscitado perante o órgão jurisdicional nacional, compete a este decidir quanto às despesas.

Pelos fundamentos expostos,

O TRIBUNAL DE JUSTIÇA (Quinta Secção),

pronunciando-se sobre as questões submetidas pelo Oberster Gerichtshof, por despacho de 30 de Abril de 1998, declara:

1)    Ao exercer as competências previstas no § 54, n.os 2 a 5, da Arbeits- und Sozialgerichtsgesetz (lei sobre os órgãos jurisdicionais do trabalho e da segurança social), o Oberster Gerichtshof constitui um órgão jurisdicional na acepção do artigo 177.° do Tratado CE (actual artigo 234.° CE).

2)    O artigo 48.° do Tratado CE (que passou, após alteração, a artigo 39.° CE) e o artigo 7.°, n.os 1 e 4, do Regulamento (CEE) n.° 1612/68 do Conselho, de 15 de Outubro de 1968, relativo à livre circulação dostrabalhadores na Comunidade, opõem-se a uma disposição nacional, como a do § 26 da Vertragsbedienstetengesetz de 1948 (lei federal de 1948 relativa aos agentes contratados), relativa à tomada em consideração de períodos de actividade anteriores para efeitos de determinação da remuneração dos professores e dos assistentes contratados, quando as exigências que se aplicam aos períodos cumpridos noutros Estados-Membros são mais rigorosas do que as aplicáveis aos períodos cumpridos em instituições comparáveis do Estado-Membro em causa.

3)    Quando um Estado-Membro está obrigado a tomar em consideração, para o cálculo da remuneração dos professores e dos assistentes contratados, os períodos de actividade cumpridos em instituições de outros Estados-Membros comparáveis às instituições austríacas elencadas no § 26, n.° 2, da Vertragsbedienstetengesetz de 1948, tais períodos devem ser tomados em conta sem qualquer limitação temporal.

Edward
Jann
Sevón

Proferido em audiência pública no Luxemburgo, em 30 de Novembro de 2000.

O secretário

O presidente da Quinta Secção

R. Grass

A. La Pergola


1: Língua do processo: alemão.