Language of document : ECLI:EU:C:2020:586

CONCLUSÕES DO ADVOGADO‑GERAL

HENRIK SAUGMANDSGAARD ØE

apresentadas em 16 de julho de 2020 (1)

Processos apensos C682/18 e C683/18

Frank Peterson

contra

Google LLC,

YouTube LLC,

YouTube Inc.,

Google Germany GmbH (C682/18)

e

Elsevier Inc.

contra

Cyando AG (C683/18)

[pedidos de decisão prejudicial apresentados pelo Bundesgerichtshof (Supremo Tribunal Federal, Alemanha)]

«Reenvio prejudicial — Propriedade intelectual — Direitos de autor e direitos conexos — Diretiva 2001/29/CE — Artigo 3.o — Comunicação ao público — Conceito — Colocação em linha de obras protegidas em plataformas Internet, realizada por utilizadores destas, sem autorização prévia dos titulares dos direitos — Inexistência de responsabilidade primária dos operadores dessas plataformas — Responsabilidade secundária desses operadores pelas violações aos direitos de autor cometidas pelos utilizadores das suas plataformas — Questão que não está abrangida pelo âmbito de aplicação do artigo 3.o da Diretiva 2001/29 — Diretiva 2000/31/CE — Artigo 14.o — Isenção de responsabilidade para os prestadores que fornecem um “serviço da sociedade da informação que consista no armazenamento de informações prestadas por um destinatário do serviço” — Conceito — Possibilidade de os referidos operadores estarem isentos da responsabilidade que pode resultar das informações que armazenam a pedido dos utilizadores das suas plataformas — Condições para beneficiar dessa isenção de responsabilidade — Artigo 14.o, n.o 1, alínea a) — Conceitos de “conhecimento efetivo da atividade ou da informação ilegal” e de “conhecimento de factos ou de circunstâncias que evidenciam a atividade ou informação ilegal” — Informações ilegais concretas — Artigo 8.o, n.o 3, da Diretiva 2001/29/CE — Injunções contra intermediários cujos serviços são utilizados por terceiros para violar um direito de autor ou um direito conexo — Condições para requerer essa injunção»






Índice


I. Introdução

II. Quadro jurídico

A. Diretiva 2000/31

B. Diretiva 2001/29

III. Litígios nos processos principais

A. Processo C682/18

1. YouTube

2. Recurso de F. Peterson

B. Processo C683/18

1. Uploaded

2. Recurso da Elsevier

IV. Questões prejudiciais e tramitação processual no Tribunal de Justiça

V. Análise

A. Quanto ao conceito de «comunicação ao público», na aceção do artigo 3.o, n.o 1, da Diretiva 2001/29 (primeiras questões)

1. Quanto ao facto de os operadores de plataformas como a YouTube e a Cyando não realizarem, em princípio, atos de «comunicação ao público»

2. Quanto ao facto de o artigo 3.o, n.o 1, da Diretiva 2001/29 não regular a responsabilidade secundária das pessoas que facilitam a realização, por terceiros, de atos de «comunicação ao público» ilegais

3. A título subsidiário — Quanto à questão de saber se operadores como a YouTube e a Cyando facilitam deliberadamente a realização de atos ilegais praticados por terceiros

B. Quanto ao âmbito de aplicação da isenção de responsabilidade prevista no artigo 14.o, n.o 1, da Diretiva 2000/31 (segundas questões)

C. Quanto ao requisito de isenção, respeitante ao não conhecimento ou à falta de consciência de uma informação ilegal, previsto no artigo 14.o, n.o 1, alínea a), da Diretiva 2000/31 (terceiras questões)

D. Quanto aos requisitos para solicitar uma injunção contra um intermediário em conformidade com o disposto no artigo 8.o, n.o 3, da Diretiva 2001/29 (quartas questões)

E. A título subsidiário — Quanto ao conceito de «infrator» na aceção do artigo 13.o da Diretiva 2004/48 (quintas e sextas questões)

F. Quanto ao facto de o objetivo de um nível elevado de proteção do direito de autor não justificar uma interpretação diferente das Diretivas 2000/31 e 2001/29

VI. Conclusão


I.      Introdução

1.        Os presentes pedidos de decisão prejudicial foram apresentados pelo Bundesgerichtshof (Supremo Tribunal Federal, Alemanha). Têm por objeto a interpretação da Diretiva 2000/31/CE relativa a certos aspetos legais dos serviços da sociedade de informação, em especial do comércio eletrónico, no mercado interno («Diretiva sobre o Comércio Eletrónico») (2), da Diretiva 2001/29/CE relativa à harmonização de certos aspetos do direito de autor e dos direitos conexos na sociedade da informação (3) e da Diretiva 2004/48/CE relativa ao respeito dos direitos de propriedade intelectual (4).

2.        Estes pedidos inscrevem‑se no âmbito de dois litígios. No primeiro, Frank Peterson, produtor de música, acionou judicialmente a YouTube LLC e a sua casa‑mãe Google LLC a respeito da colocação em linha, na plataforma de partilha de vídeos YouTube, de diversos fonogramas sobre os quais alega deter direitos, que foi realizada por utilizadores desta plataforma sem autorização de F. Peterson. No segundo litígio, a Elsevier Inc., um grupo editorial, aciona judicialmente a Cyando AG a respeito da colocação em linha, na plataforma de armazenagem em servidor e de partilha de ficheiros Uploaded, explorada por esta última sociedade, de diferentes obras de que a Elsevier detém os direitos exclusivos, tendo essa colocação em linha sido efetuada por utilizadores desta plataforma sem a sua autorização.

3.        As seis questões submetidas pelo órgão jurisdicional de reenvio em cada um dos seus pedidos de decisão prejudicial gravitam em torno da problemática, eminentemente sensível, da responsabilidade dos operadores de plataformas em linha quando estejam em causa obras protegidas pelos direitos de autor que são colocadas em linha nestas plataformas, de forma ilegal, pelos seus utilizadores.

4.        A natureza e o alcance desta responsabilidade dependem, nomeadamente, da interpretação do artigo 3.o da Diretiva 2001/29, que reconhece aos autores o direito exclusivo de comunicar ao público as suas obras, e do artigo 14.o da Diretiva 2000/31, que oferece aos prestadores intermediários uma isenção relativa de responsabilidade pelas informações que armazenem a pedido dos utilizadores dos seus serviços. Os presentes processos convidam assim o Tribunal de Justiça a esclarecer, em especial, se a primeira disposição é oponível a estes operadores de plataformas, se podem invocar a segunda disposição, e de que modo essas disposições se articulam entre si.

5.        Esta problemática está marcada por profundas clivagens. Por um lado, as plataformas em linha permitem uma atividade ilegal em grande escala, atividade ilegal essa de que os seus operadores beneficiam em detrimento dos titulares de direitos, o que justifica que lhes sejam impostas importantes obrigações de controlo dos conteúdos que os utilizadores das suas plataformas nestas colocam em linha. Por outro lado, impor a estes os operadores semelhantes obrigações de controlo afetaria significativamente a sua atividade bem como os direitos destes utilizadores e limitaria a liberdade de expressão e de criação em linha.

6.        O paroxismo destas clivagens atingiu‑se durante os debates que rodearam a adoção, pelo legislador da União, da Diretiva (UE) 2019/790 relativa aos direitos de autor e direitos conexos no mercado único digital e que altera as Diretivas 96/9/CE e 2001/29/CE (5). O artigo 17.o desta nova diretiva prevê, para os operadores como a YouTube, um regime de responsabilidade específico para as obras ilegalmente colocadas em linha pelos utilizadores das suas plataformas. Esclareço, todavia, que esta diretiva, que entrou em vigor num momento em que os presentes processos prejudiciais já estavam pendentes, não se aplica aos litígios nos processos principais. Por conseguinte, é sob a perspetiva do quadro jurídico anterior a este último que estes processos devem ser decididos, independentemente das soluções que o legislador da União acaba de adotar.

7.        Nas presentes conclusões, proporei ao Tribunal de Justiça que declare que os operadores de plataformas, como a YouTube e a Cyando, não efetuam, em princípio, atos de «comunicação ao público», na aceção do artigo 3.o da Diretiva 2001/29, e que, por conseguinte, não são diretamente responsáveis por uma violação desta disposição quando os seus utilizadores colocam em linha obras protegidas de forma ilegal. Explicarei também por que razão estes operadores podem, em princípio, beneficiar da isenção de responsabilidade prevista no artigo 14.o da Diretiva 2000/31, desde que preenchidos determinados requisitos cujos contornos esclarecerei. Por último, explicarei que os titulares dos direitos podem obter, ao abrigo do direito da União, injunções judiciais contra os referidos operadores, suscetíveis de lhes impor novas obrigações, de acordo com requisitos que esclarecerei.

II.    Quadro jurídico

A.      Diretiva 2000/31

8.        A secção 4 da Diretiva 2000/31, intitulada «Responsabilidade dos prestadores intermediários de serviços», inclui os artigos 12.o a 15.o desta diretiva.

9.        O artigo 14.o da referida diretiva, sob a epígrafe «Armazenagem em servidor», dispõe:

«1.      Em caso de prestação de um serviço da sociedade da informação que consista no armazenamento de informações prestadas por um destinatário do serviço, os Estados‑Membros velarão por que a responsabilidade do prestador do serviço não possa ser invocada no que respeita à informação armazenada a pedido de um destinatário do serviço, desde que:

a)      O prestador não tenha conhecimento efetivo da atividade ou informação ilegal e, no que se refere a uma ação de indemnização por perdas e danos, não tenha conhecimento de factos ou de circunstâncias que evidenciam a atividade ou informação ilegal,

ou

b)      O prestador, a partir do momento em que tenha conhecimento da ilicitude, atue com diligência no sentido de retirar ou impossibilitar o acesso às informações.

2.      O n.o 1 não é aplicável nos casos em que o destinatário do serviço atue sob autoridade ou controlo do prestador.

3.      O disposto no presente artigo não afeta a faculdade de um tribunal ou autoridade administrativa, de acordo com os sistemas legais dos Estados‑Membros, exigir do prestador que previna ou ponha termo a uma infração, nem afeta a faculdade de os Estados‑Membros estabelecerem disposições para a remoção ou impossibilitação do acesso à informação.»

10.      O artigo 15.o desta mesma diretiva, sob a epígrafe «Ausência de obrigação geral de vigilância», prevê, no seu n.o 1:

«Os Estados‑Membros não imporão aos prestadores, para o fornecimento dos serviços mencionados nos artigos 12.o, 13.o e 14.o, uma obrigação geral de vigilância sobre as informações que estes transmitam ou armazenem, ou uma obrigação geral de procurar ativamente factos ou circunstâncias que indiciem ilicitudes.»

B.      Diretiva 2001/29

11.      O considerando 27 da Diretiva 2001/29 enuncia que «[a] mera disponibilização de meios materiais para permitir ou realizar uma comunicação não constitui só por si uma comunicação na aceção da presente diretiva».

12.      O artigo 3.o desta diretiva, sob a epígrafe «Direito de comunicação de obras ao público, incluindo o direito de colocar à sua disposição outro material», dispõe:

«1.      Os Estados‑Membros devem prever a favor dos autores o direito exclusivo de autorizar ou proibir qualquer comunicação ao público das suas obras, por fio ou sem fio, incluindo a sua colocação à disposição do público por forma a torná‑las acessíveis a qualquer pessoa a partir do local e no momento por ela escolhido.

2.      Os Estados‑Membros devem prever que o direito exclusivo de autorização ou proibição de colocação à disposição do público, por fio ou sem fio, por forma a que seja acessível a qualquer pessoa a partir do local e no momento por ela escolhido, cabe:

a)      Aos artistas intérpretes ou executantes, para as fixações das suas prestações;

b)      Aos produtores de fonogramas, para os seus fonogramas;

[…]

3.      Os direitos referidos nos n.os 1 e 2 não se esgotam por qualquer ato de comunicação ao público ou de colocação à disposição do público, contemplado no presente artigo.»

13.      O artigo 8.o da referida diretiva, sob a epígrafe «Sanções e vias de recurso», prevê, no seu n.o 3, que «[o]s Estados‑Membros deverão garantir que os titulares dos direitos possam solicitar uma injunção contra intermediários cujos serviços sejam utilizados por terceiros para violar um direito de autor ou direitos conexos».

III. Litígios nos processos principais

A.      Processo C682/18

1.      YouTube

14.      A plataforma YouTube é uma plataforma Internet explorada pela sociedade epónima, da qual a Google é sócia única e representante legal. Esta plataforma, que se divide em diferentes sítios Internet e em aplicações para dispositivos inteligentes, permite que os seus utilizadores partilhem vídeos na Internet.

15.      Para colocar em linha um vídeo na plataforma YouTube é necessário criar uma conta — com um nome de utilizador e uma palavra‑passe — e aceitar as condições gerais de utilização desta plataforma. Um utilizador que, depois de se ter assim registado, coloque em linha um vídeo pode optar por deixá‑lo em modo «privado» ou por o publicar na plataforma. Na segunda hipótese, o vídeo em questão pode ser visualizado em fluxo contínuo (streaming) a partir da referida plataforma, partilhado por qualquer internauta, e comentado pelos outros utilizadores registados. Os utilizadores registados também podem criar «canais» que agrupem os seus vídeos.

16.      A colocação em linha de um vídeo nesta mesma plataforma efetua‑se automaticamente, sem que a Google ou a YouTube procedam a um visionamento ou a um controlo prévio. Assim, são publicadas nesta plataforma cerca de 35 horas de vídeo por minuto (6), o que representa várias centenas de milhares de vídeos por dia.

17.      O sítio YouTube integra uma função de pesquisa e procede a um processamento dos resultados de pesquisa sob a forma, nomeadamente, de uma avaliação da relevância dos vídeos, específica para a região do utilizador. O resultado dessa avaliação é resumido na página inicial (homepage) sob a forma das rubricas «vídeos vistos atualmente», «vídeos promovidos» e «vídeos tendências». A YouTube indexa os vídeos e os canais disponíveis em rubricas como «divertimento», «música» ou «filme e animação». Por outro lado, se um utilizador registado utilizar a plataforma, é‑lhe apresentado um resumo dos «vídeos recomendados», que dependem nomeadamente dos vídeos que este tenha anteriormente visualizado.

18.      A YouTube obtém a partir da sua plataforma, nomeadamente, receitas publicitárias. Faixas publicitárias de anunciantes terceiros figuram assim de lado na página inicial (homepage) da plataforma. Além disso, é inserida publicidade nalguns vídeos, o que pressupõe a celebração de um contrato específico entre os utilizadores em causa e a YouTube.

19.      Nos termos das condições gerais de utilização da plataforma YouTube, cada utilizador concede à Youtube, em relação aos vídeos que coloca em linha, e até à respetiva retirada da plataforma, uma licença mundial, não exclusiva e isenta de royalties para a utilização, reprodução, distribuição, criação de obras derivadas, exposição e execução relacionadas com a disponibilização da plataforma e as atividades da YouTube, incluindo a publicidade.

20.      Quando aceita estas condições gerais, o utilizador confirma que dispõe de todos os direitos, acordos, autorizações e licenças necessários relativos aos vídeos que coloca em linha. Por outro lado, a YouTube apela aos utilizadores da sua plataforma, nas «Linhas de Orientação da Comunidade», para que respeitem os direitos de autor. Além disso, estes são informados, de cada vez que um vídeo é colocado em linha, de que nenhum vídeo que viole direitos de autor pode ser publicado na plataforma.

21.      A YouTube implementou diversos dispositivos técnicos a fim de fazer cessar e prevenir as infrações na sua plataforma. Qualquer pessoa pode notificá‑la da presença de um vídeo ilegal por escrito, telecópia, correio eletrónico ou formulário Internet. Foi criado um botão de notificação através do qual podem ser assinalados conteúdos indecentes ou ilegais. Os titulares de direitos têm também a possibilidade, através de um processo especial de alerta, de fazer com que sejam eliminados da plataforma, indicando para tal os respetivos endereços Internet (URL), até dez vídeos concretamente indicados através de contestação.

22.      Além disso, a YouTube implementou um programa de verificação dos conteúdos (Content Verification Program). Este programa está aberto às empresas inscritas para este efeito, mas não a meros particulares. O referido programa oferece aos titulares de direitos em causa diversos instrumentos que lhes permitem controlar mais facilmente a utilização das suas obras na plataforma. Estes titulares podem, nomeadamente, assinalar diretamente numa lista de vídeos aqueles que, na sua opinião, violam os seus direitos. Se um vídeo for bloqueado devido a tal sinalização, o utilizador que o colocou em linha é alertado de que a sua conta será bloqueada em caso de reincidência. A YouTube também põe à disposição dos titulares de direitos que participem neste mesmo programa um programa informático de reconhecimento de conteúdo, denominado «Content ID», desenvolvido pelo Google, que se destina a detetar automaticamente os vídeos que utilizem as obras daqueles titulares de direitos. A este respeito, segundo as explicações dadas pela Google, os titulares dos direitos devem fornecer à YouTube ficheiros de referência áudio ou vídeo para identificar as obras em questão. O Content ID cria «impressões digitais» a partir desses ficheiros, que são guardadas numa base de dados. O Content ID digitaliza automaticamente cada vídeo colocado em linha na plataforma YouTube e compara‑o com essas «impressões». Este programa informático pode, neste âmbito, reconhecer o vídeo e o áudio, incluindo as melodias quando foram reproduzidas ou imitadas. Quando é detetada uma correspondência, os titulares dos direitos em causa são automaticamente notificados. Estes últimos têm a possibilidade de bloquear os vídeos em causa. Em alternativa, podem optar por seguir a utilização desses vídeos na plataforma YouTube através das estatísticas de audiência.  Também podem optar por monetizar os referidos vídeos, neles inserindo publicidade, ou por receber uma parte das receitas geradas pela publicidade previamente inserida a pedido dos utilizadores que colocaram esses mesmos vídeos em linha.

2.      Recurso de F. Peterson

23.      Em 6 e 7 de novembro de 2008, foram publicadas na plataforma YouTube por utilizadores desta plataforma canções do álbum A Winter Symphony da artista Sarah Brightman, e gravações áudio privadas realizadas quando dos concertos da sua tournée musical «Symphony Tour», associadas a imagens fixas ou animadas.

24.      Por carta de 7 de novembro de 2008, F. Peterson, que invoca ser titular dos direitos de autor e direitos conexos sobre as canções e registo em questão (7), contactou a Google Germany GmbH e, em substância, requereu a esta sociedade, bem como à Google, que retirassem os vídeos controvertidos sob pena de sanção. Para o efeito, F. Peterson apresentou capturas de ecrã desses vídeos. A YouTube pesquisou manualmente, com a ajuda dessas capturas de ecrã, os endereços Internet (URL) dos referidos vídeos e bloqueou o acesso a estes últimos. No entanto, as partes no processo principal contestam o alcance destas medidas de bloqueio.

25.      Em 19 de novembro de 2008, gravações áudio de concertos de Sarah Brightman, associados a imagens fixas ou animadas, passaram a estar novamente acessíveis na plataforma YouTube.

26.      F. Peterson intentou então, nomeadamente (8) contra a Google e a YouTube, uma ação no Landgericht Hamburg (Tribunal Regional de Hamburgo, Alemanha). Neste âmbito, F. Peterson requereu, em substância, que fosse decretada uma injunção inibitória no sentido de estas sociedades serem proibidas de colocarem à disposição do público doze gravações áudio ou interpretações de canções retiradas do álbum A Winter Symphony e doze obras ou interpretações retiradas dos concertos da «Symphony Tour» ou, a título subsidiário, que autorizassem terceiros a fazê‑lo. F. Peterson também pediu informações sobre as atividades ilegais em questão e sobre o volume de negócios ou os lucros obtidos pela YouTube devido a estas atividades. Além disso, F. Peterson pediu que fosse decretado, designadamente, que esta sociedade estava obrigada a pagar‑lhe uma indemnização devido à disponibilização ao público dos vídeos controvertidos. Por último, F. Peterson pediu, a título subsidiário, que lhe fossem concedidas informações sobre os utilizadores que colocaram esses vídeos em linha.

27.      Por Acórdão de 3 de setembro de 2010, o Landgericht Hamburg (Tribunal Regional de Hamburgo) julgou a ação procedente relativamente a três canções e julgou a ação improcedente quanto ao demais. F. Peterson, a YouTube e a Google interpuseram recurso desta decisão.

28.      Por Acórdão de 1 de julho de 2015, o Oberlandesgericht Hamburg (Tribunal Regional Superior de Hamburgo, Alemanha) reformou parcialmente o acórdão proferido em primeira instância. Este órgão jurisdicional ordenou que a YouTube e a Google, sob pena de aplicação de sanções pecuniárias compulsórias, estavam proibidas de possibilitar que terceiros colocassem à disposição do público gravações áudio ou interpretações de sete das canções do álbum A Winter Symphony. Por outro lado, o referido órgão jurisdicional condenou estas sociedades a fornecerem a F. Peterson diferentes informações relativas aos utilizadores que colocaram em linha os vídeos controvertidos. Este órgão jurisdicional negou provimento ao recurso de F. Peterson quanto ao demais.

29.      F. Peterson interpôs recurso de Revision no Bundesgerichtshof (Supremo Tribunal Federal). Nestas condições, por Decisão de 13 de setembro de 2018, que deu entrada no Tribunal de Justiça em 6 de novembro de 2018, este órgão jurisdicional suspendeu a instância e submeteu o processo ao Tribunal de Justiça.

B.      Processo C683/18

1.      Uploaded

30.      A Uploaded é uma plataforma de armazenagem em servidor e de partilha de ficheiros — comummente designada como Sharehoster ou ainda como Cyberlocker — explorada pela Cyando. Esta plataforma, à qual se pode aceder através de diversos sítios Internet, oferece espaço de armazenamento em servidor que permite a qualquer pessoa alojar, gratuitamente, em linha ficheiros, independentemente do respetivo conteúdo. Para utilizar a Uploaded, é necessário criar uma conta — com um nome de utilizador e uma palavra‑passe, e fornecer nomeadamente um endereço de correio eletrónico. A colocação em linha de um ficheiro efetua‑se automaticamente e sem que a Cyando proceda a visionamento ou a controlo prévio. De cada vez que um utilizador anexa um ficheiro, é automaticamente gerada e comunicada a esse utilizador uma hiperligação, chamada downloadlink, que permite descarregá‑lo. A Uploaded não possui um índice nem uma função de pesquisa dos ficheiros alojados. No entanto, os utilizadores podem partilhar livremente estas hiperligações de descarregamento na Internet, por exemplo em blogues, em fóruns, ou ainda em «coleções de hiperligações», isto é, sítios que indexam essas hiperligações, fornecem informações relativas aos ficheiros para os quais as referidas hiperligações remetem e permitem que os internautas procurem os ficheiros que pretendem descarregar.

31.      Desde que se disponha de uma conta e das hiperligações adequadas, os ficheiros alojados na plataforma Uploaded podem ser descarregados gratuitamente. No entanto, para os utilizadores que beneficiem de um acesso gratuito à plataforma, as possibilidades de descarregar ficheiros são limitadas (em termos, nomeadamente, de quantidade máxima de dados descarregáveis, de velocidade a que se podem descarregar ficheiros, de número de ficheiros que podem ser descarregados em simultâneo, etc.). Em contrapartida, os utilizadores podem subscrever uma assinatura para beneficiarem de um volume diário de descarregamento muito mais significativo, sem limite de velocidade ou de número de descarregamentos em simultâneo, e sem tempo de espera entre os descarregamentos de ficheiros. Por outro lado, a Cyando instituiu um programa de «parceria» em cujo âmbito paga, a alguns dos utilizadores que colocam ficheiros em linha na Uploaded, uma remuneração que depende do número de descarregamentos dos ficheiros em questão.

32.      As condições gerais de utilização da Uploaded estipulam que esta plataforma não pode ser utilizada para violar direitos de autor. No entanto, é facto assente que, na prática, através da referida plataforma são efetuadas utilizações legais bem como, «em grande medida» (9), utilizações que violam os direitos de autor, facto de que a Cyando tem conhecimento. A este respeito, a Cyando foi informada de que estavam presentes, nos seus servidores, mais de 9 500 obras protegidas, que foram colocadas em linha sem autorização prévia dos titulares de direitos, em relação às quais tem conhecimento de que foram partilhadas hiperligações de descarregamento em cerca de 800 sítios Internet (coleções de ligações, blogues e fóruns).

2.      Recurso da Elsevier

33.      Resulta da decisão de reenvio no processo C‑683/18 que um certo número de obras protegidas, em relação às quais a Elsevier detém os direitos de exploração exclusivos, foi alojado na plataforma Uploaded e foram colocadas à disposição do público, sem autorização desta sociedade, através de coleções de hiperligações, blogues e outros fóruns. Em especial, com base em pesquisas efetuadas entre 11 e 13 de dezembro de 2013, esta sociedade notificou a Cyando, por duas cartas expedidas em 10 e 17 de janeiro de 2014, de que estavam armazenados nos seus servidores ficheiros que continham três dessas obras, a saber, Gray’s Anatomy for Students, Atlas of Human Anatomy e CampbellWalsh Urology, e que esses ficheiros podiam ser livremente consultados através das coleções de hiperligações rehabgate.com, avaxhome.ws e bookarchive.ws.

34.      A Elsevier intentou uma ação, notificada em 17 de julho de 2014, contra a Cyando no Landgericht München (Tribunal Regional de Munique, Alemanha). Neste âmbito, a Elsevier pediu, nomeadamente, que a Cyando fosse condenada a cessar os atos, a título principal, na qualidade de autora das violações dos direitos de autor cometidas relativamente às obras controvertidas, a título subsidiário, na qualidade de cúmplice dessas violações e, a título ainda mais subsidiário, na qualidade de «perturbadora». A Elsevier também pediu que a Cyando fosse condenada a fornecer‑lhe determinadas informações. Além disso, a primeira sociedade pediu a este órgão jurisdicional que declarasse que a segunda sociedade estava obrigada a pagar‑lhe uma indemnização a título destas mesmas violações.

35.      Por Acórdão de 18 de março de 2016, o Landgericht München (Tribunal Regional de Munique) condenou a Cyando a cessar a prática de atos, devido à sua participação nas violações dos direitos de autor cometidas relativamente às três obras referidas nas cartas de 10 e 17 de janeiro de 2014 e julgou procedentes os pedidos apresentados a título subsidiário pela Elsevier. O referido órgão jurisdicional julgou o pedido improcedente quanto ao demais.

36.      Tanto a Elsevier como a Cyando interpuseram recurso desta decisão. Por Acórdão de 2 de março de 2017, o Oberlandesgericht München (Tribunal Regional Superior de Munique, Alemanha) reformou o acórdão proferido em primeira instância. Este órgão jurisdicional condenou a Cyando na cessação dos atos na qualidade de «perturbadora» no que respeita às violações relativas às três obras referidas nas cartas de 10 e 17 de janeiro de 2014, em conformidade com o pedido apresentado a título ainda mais subsidiário pela Elsevier. O órgão jurisdicional de recurso negou provimento ao recurso quanto ao demais.

37.      A Elsevier interpôs recurso de Revision no Bundesgerichtshof (Supremo Tribunal Federal). Nestas condições, por Decisão de 20 de setembro de 2018, que deu entrada no Tribunal de Justiça em 6 de novembro de 2018, este órgão jurisdicional suspendeu a instância e submeteu o processo ao Tribunal de Justiça.

IV.    Questões prejudiciais e tramitação processual no Tribunal de Justiça

38.      No processo C‑682/18, o Bundesgerichtshof (Supremo Tribunal Federal) submeteu ao Tribunal de Justiça as seguintes questões prejudiciais:

«1)      O operador de uma plataforma de vídeo na Internet, na qual os destinatários do serviço disponibilizam ao público vídeos com conteúdos protegidos por direitos de autor sem o consentimento dos titulares dos direitos, pratica um ato de comunicação na aceção do artigo 3.o, n.o 1, da [Diretiva 2001/29] se

–        realizar receitas publicitárias com a plataforma,

–        [a colocação em linha de um vídeo] ocorrer de forma automática e sem visionamento ou controlo prévios do operador,

–        o operador, de acordo com os termos de utilização, obtiver uma licença mundial, não exclusiva e isenta de royalties para o período de duração da disponibilização do vídeo,

–        o operador mencionar, nos termos de utilização e durante o processo de [colocação em linha], que os conteúdos que violem direitos de autor não podem ser carregados,

–        o operador disponibilizar meios para ajudar os titulares de direitos de autor a bloquearem os vídeos que violem os seus direitos,

–        o operador processar na plataforma os resultados das pesquisas sob a forma de listas classificativas e de categorias por conteúdos e se exibir aos destinatários registados do serviço uma panorâmica orientada dos vídeos já visualizados pelos mesmos, com vídeos recomendados,

no caso de não ter tido conhecimento concreto da disponibilização dos conteúdos violadores dos direitos de autor ou, após ter disso tido conhecimento, ter imediatamente eliminado estes conteúdos ou ter imediatamente bloqueado o acesso aos mesmos?

2)      Em caso de resposta negativa à primeira questão:

A atividade do operador de uma plataforma de vídeo, nas condições descritas na primeira questão prejudicial, está abrangida pelo âmbito de aplicação do artigo 14.o, n.o 1, da [Diretiva 2000/31]?

3)      Em caso de resposta afirmativa à segunda questão:

Deve o conhecimento efetivo da atividade ou informação ilegal e de factos ou de circunstâncias que evidenciam a atividade ou informação ilegal dizer respeito a atividades ou a informações ilegais concretas, em conformidade com o artigo 14.o, n.o 1, da [Diretiva 2000/31]?

4)      Ainda em caso de resposta afirmativa à segunda questão:

É compatível com o artigo 8.o, n.o 3, da [Diretiva 2001/29] que o titular do direito só possa obter uma injunção contra o prestador de serviços cujo serviço consiste no armazenamento das informações introduzidas por um destinatário do serviço e que são utilizadas pelo destinatário do serviço para infringir direitos de autor ou direitos conexos, se, após a denúncia de uma clara infração do direito, voltar a ocorrer uma infração semelhante do direito?

5)      Em caso de resposta negativa à primeira e à segunda questões:

Deve o operador de uma plataforma de vídeo da Internet, nas circunstâncias descritas na primeira questão, ser considerado como infrator na aceção do artigo 11.o, primeira frase, e do artigo 13.o, da [Diretiva 2004/48]?

6)      Em caso de resposta afirmativa à quinta questão:

Pode a obrigação de indemnização desse infrator prevista no artigo 13.o, n.o 1, da [Diretiva 2004/48], depender de dolo do infrator não só no que diz respeito à sua própria atuação ilícita, como também em relação à atuação ilícita do terceiro e de ter tido ou dever razoavelmente ter tido conhecimento de que os destinatários dos serviços utilizam a plataforma para atos ilícitos concretos?»

39.      No processo C‑683/18, aquele órgão jurisdicional também submeteu seis questões prejudiciais ao Tribunal de Justiça, sendo as questões segunda a sexta, em substância, idênticas às que foram submetidas no processo C‑682/18. Apenas a primeira questão, a seguir reproduzida, difere:

«1)      a)      O operador de um serviço [de armazenagem em servidor e de partilha de ficheiros] mediante o qual os destinatários do serviço disponibilizam ao público dados com conteúdos protegidos por direitos de autor sem o consentimento do titular dos direitos, pratica um ato de comunicação na aceção do artigo 3.o, n.o 1, da Diretiva [2001/29], se

–        [a colocação em linha de um ficheiro] ocorrer de forma automática e sem visionamento ou controlo prévios do operador,

–        o operador mencionar, nos termos de utilização, que os conteúdos que violem direitos de autor não podem ser carregados,

–        o operador auferir rendimentos com a operação do serviço,

–        o serviço for utilizado para fins legítimos, mas o operador tiver conhecimento de que também está disponível uma quantidade considerável de conteúdos violadores dos direitos de autor (mais de 9 500 obras),

–        o operador não fornecer nenhum índice nem nenhuma função de pesquisa, mas as [hiper]ligações para descarregamento (downloadlinks) ilimitadas, por ele disponibilizadas, são carregadas por terceiros em coleções de ligações, na Internet, que contêm informações relativas ao conteúdo dos dados e possibilitam a pesquisa por determinados conteúdos,

–        o operador, através do sistema de remuneração dos carregamentos, a pagar mediante pedido, criar um incentivo para que sejam carregados conteúdos protegidos por direitos de autor os quais, de outra forma, só seriam acessíveis aos utilizadores mediante o pagamento de uma remuneração,

e

–        ao dar a possibilidade de carregamento anónimo de dados, se aumentar a probabilidade de os utilizadores não serem responsabilizados pelas violações dos direitos de autor?

b)      Esta apreciação é diferente se através do serviço de “sharehosting” as ofertas que infringem direitos de autor constituírem 90 a 96 % da utilização total?»

40.      Por Decisão do presidente do Tribunal de Justiça de 18 de dezembro de 2018, os processos C‑682/18 e C‑683/18 foram apensados, devido à sua conexão, para efeitos das fases escrita e oral, bem como do acórdão.

41.      F. Peterson, a Elsevier, a Google, a Cyando, os Governos alemão, francês e finlandês, bem como a Comissão Europeia, apresentaram observações escritas no Tribunal de Justiça. As mesmas partes e interessados, com exceção do Governo finlandês, estiveram representados na audiência de alegações realizada em 26 de novembro de 2019.

V.      Análise

42.      Os presentes processos têm como pano de fundo os serviços da «Web 2.0». Recordo que, a partir de meados dos anos 2000, diferentes alterações tecnológicas (que vão do aumento da largura de banda mundial à democratização das conexões de alto débito) e sociais (quer se trate de uma alteração da atitude dos internautas em relação à vida privada ou à vontade de partilhar, de contribuir e de criar comunidades em linha) contribuíram para o desenvolvimento na Internet de serviços dinâmicos e interativos, como blogues, redes sociais e plataformas de partilha, que constituem vários instrumentos que permitem aos seus utilizadores colocar em linha conteúdos de toda a espécie, designados assim sob o termo de usercreated content ou usergenerated content. Os prestadores destes serviços reivindicam o facto de que permitem que os internautas saiam do papel de consumidor passivo de diversão, de opiniões ou de informações e passem a estar ativamente envolvidos na criação e na troca destes conteúdos na Internet. O efeito de rede inerente ao sucesso de tal serviço permitiu rapidamente que um pequeno número destes prestadores passasse do estatuto de startup ao estatuto de empresa dominante (10).

43.      A plataforma YouTube, em causa no processo C‑682/18, é representativa a este respeito. Esta plataforma dá aos seus utilizadores (que, se acreditarmos na Google, são mais de 1,9 mil milhões) a oportunidade de partilharem em linha os seus conteúdos e, em especial, as suas criações. Nela são diariamente colocados em linha uma multitude de vídeos, entre os quais se encontram conteúdos culturais e recreativos, como composições musicais publicadas por artistas em início de carreira que podem encontrar um grande público, conteúdos informativos sobre temas tão diversos como a política, o desporto e a religião, ou ainda «tutoriais» destinados a permitir que qualquer pessoa aprenda a cozinhar, a tocar guitarra, a reparar uma bicicleta, etc. Os conteúdos publicados na plataforma YouTube não são publicados apenas por particulares, sendo também publicados por organismos públicos e por profissionais, nomeadamente empresas de media já estabelecidas, como sejam canais de televisão ou editoras discográficas. A plataforma YouTube está organizada em torno de um modelo económico complexo, que inclui nomeadamente a venda de espaços publicitários na plataforma (11). Além disso, a YouTube implementou um sistema através do qual partilha uma percentagem das suas receitas de publicidade com alguns utilizadores que fornecem os conteúdos, o que permite que estes últimos retirem um rendimento a partir da plataforma (12).

44.      Embora a plataforma Uploaded, em causa no processo C‑683/18, reflita uma realidade em parte relacionada à da plataforma Youtube, é no entanto, distinta. De um modo geral, um Cyberlocker fornece aos seus utilizadores um espaço de armazenamento em linha, permitindo‑lhes, nomeadamente, guardar «na nuvem» todo o tipo de ficheiros para a eles aceder a qualquer momento, em qualquer lugar e através de qualquer equipamento. Enquanto Sharehoster, a Uploaded também integra uma função de partilha dos ficheiros armazenados. Os utilizadores podem, assim, comunicar a terceiros os downloadlinks gerados para cada ficheiro colocado em linha. Segundo a Cyando, esta função permite que cada um transfira facilmente ficheiros volumosos para os membros da sua família, para amigos ou ainda para parceiros comerciais. Além disso, os utilizadores podem, graças à referida função, partilhar na Internet conteúdos livres de direitos ou as suas próprias obras. Os Cyberlockers adotam diferentes modelos comerciais. Pelo seu lado, a Uploaded ganha dinheiro através da venda de assinaturas que afetam, nomeadamente, a capacidade de descarregamento dos ficheiros alojados.

45.      Embora plataformas como a plataforma YouTube e a Uploaded possam assim dar lugar a diferentes utilizações lícitas, são também utilizadas de forma ilegal. Em especial, vídeos publicados na plataforma YouTube podem conter obras protegidas e lesar os direitos dos seus autores. Por outro lado, um Sharehoster como a Uploaded, devido à sua própria capacidade de armazenar e transferir ficheiros volumosos, é um instrumento prático para a troca ilegal de cópias de obras, nomeadamente cinematográficas ou musicais.

46.      Os titulares de direitos como F. Peterson e a Elsevier, apoiados no presente caso pelo Governo francês, fazem assim um retrato severo das plataformas em causa e dos seus operadores. Ao permitirem, no âmbito destas plataformas, um fornecimento descentralizado e descontrolado de conteúdo realizado por qualquer internauta, estes operadores dão origem a um risco considerável de violação dos direitos de autor. Este risco é ainda maior devido ao caráter ubiquitário dos conteúdos publicados nas referidas plataformas, os quais podem ser consultados instantaneamente por um número indefinido de internautas em todo o mudo (13). Os titulares dos direitos invocam ainda dificuldades que enfrentam para processar os utilizadores que cometem essas violações por intermédio dessas mesmas plataformas, devido à sua insolvabilidade, ao seu anonimato ou ainda à sua localização.

47.      Os argumentos dos titulares de direitos não se limitam ao risco de atividades ilegais geradas pela atividade de operadores como a YouTube ou a Cyando. Acusam mais genericamente estes operadores — e especialmente a YouTube — de terem alterado profundamente, a expensas suas, a cadeia de valor na economia da cultura. Em substância, os titulares de direitos alegam que os referidos operadores incentivam os utilizadores das suas plataformas a colocarem em linha conteúdos atrativos, que são, na maior parte dos casos, protegidos por direitos de autor. Os mesmos operadores monetizam por sua própria conta estes conteúdos graças, nomeadamente, à publicidade (modelo «YouTube») ou às assinaturas (modelo «Uploaded») e daí retiram lucros consideráveis sem, no entanto, adquirirem licenças junto dos titulares de direitos nem, por conseguinte, lhes pagarem uma remuneração. Os operadores de plataformas açambarcam assim a maior parte do valor gerado pelos referidos conteúdos, em detrimento dos titulares de direitos — estando aqui em causa o argumento do value gap (diferença de valor), discutido no âmbito da adoção da Diretiva 2019/790. Além disso, as plataformas como a plataforma YouTube entravam a possibilidade de os titulares dos direitos procederem a uma exploração normal das suas obras. Com efeito, estas plataformas fazem uma concorrência desleal aos media tradicionais (canais de rádio e de televisão, etc.) e aos fornecedores de conteúdos digitais (Spotify, Netflix, etc.) que, pelo seu lado, adquirem junto dos titulares dos direitos e contra remuneração os conteúdos que difundem e que, por causa dessa concorrência desleal, estão dispostos a pagar a estes últimos uma remuneração inferior para se manterem competitivos (14). Deste modo, para obterem o elevado nível de proteção da sua propriedade intelectual que o direito da União lhes pretende assegurar e uma remuneração adequada pela utilização das suas obras (15), os titulares de direitos devem poder atuar contra os próprios operadores de plataformas.

48.      Nesta fase, é útil recordar que o artigo 3.o, n.o 1, da Diretiva 2001/29, prevê, em benefício dos autores, o direito exclusivo de autorizar ou proibir qualquer «comunicação ao público» das suas obras, incluindo a sua colocação à disposição do público por forma a torná‑las acessíveis a qualquer pessoa a partir do local e no momento por ela escolhido (16). Este direito exclusivo é violado quando uma obra protegida é comunicada ao público por um terceiro sem autorização prévia do seu autor (17), exceto se essa comunicação for abrangida por uma das exceções e limitações previstas de forma exaustiva no artigo 5.o desta diretiva (18).

49.      Ora, os titulares de direitos consideram que operadores como a YouTube e a Cyando realizam, em conjunto com os utilizadores das suas plataformas, a «comunicação ao público» das obras que estes últimos colocam em linha. Por conseguinte, estes operadores devem, em relação a todos os ficheiros que estes utilizadores pretendam partilhar, verificar antes da respetiva colocação em linha se contêm obras protegidas, determinar os direitos existentes sobre as mesmas e obter eles próprios, em geral mediante remuneração, uma licença junto dos titulares destes direitos ou, quando esta não seja dada, impedir essa colocação em linha. Sempre que os referidos operadores não respeitarem estas obrigações e, por conseguinte, obras sejam publicadas de forma ilegal a partir das suas plataformas, são diretamente responsáveis em conformidade com o disposto no artigo 3.o, n.o 1, da Diretiva 2001/29. A este título, estes mesmos operadores são, nomeadamente, obrigados, nos termos do artigo 13.o da Diretiva 2004/48, a pagar uma indemnização por perdas e danos aos titulares de direitos em causa.

50.      A YouTube e a Cyando, apoiadas neste caso pelo Governo finlandês e pela Comissão, retorquem que são apenas intermediários que fornecem instrumentos que permitem aos utilizadores das suas plataformas comunicar obras ao público. Assim, não são estes operadores, mas os referidos utilizadores, que realizam a «comunicação ao público», na aceção do artigo 3.o, n.o 1, da Diretiva 2001/29, quando partilham em linha, a partir destas plataformas, ficheiros que contêm obras protegidas. São estes mesmos utilizadores que são diretamente responsáveis em caso de «comunicação» ilegal. Em todo o caso, os referidos operadores consideram que beneficiam do artigo 14.o, n.o 1, da Diretiva 2000/31. Esta disposição isenta‑os de qualquer responsabilidade suscetível de resultar dos ficheiros ilegais que armazenam a pedido dos utilizadores das suas plataformas, desde que, em substância, deles não tenham conhecimento ou quando, sendo caso disso, os tenham prontamente suprimido. Além disso, não pode ser imposta a estes mesmos operadores, em conformidade com o disposto no artigo 15.o, n.o 1, desta diretiva, uma obrigação geral de vigiarem os ficheiros que armazenam, ou de procurarem ativamente factos ou circunstâncias que constituam indícios da prática de atividades ilegais. Por conseguinte, a YouTube e a Cyando consideram que, em conformidade com estas disposições, não são obrigadas a controlar a totalidade dos ficheiros fornecidos pelos utilizadores das suas plataformas antes da respetiva colocação em linha, tendo, em substância, de ser suficientemente reativas face às notificações dos titulares de direitos que indiquem a ilegalidade de alguns deles.

51.      Neste contexto, as primeiras questões colocadas pelo Bundesgerichtshof (Supremo Tribunal Federal) procuram determinar se a atividade de operadores de plataformas como a YouTube e a Cyando é abrangida pelo conceito de «comunicação ao público», na aceção do artigo 3.o, n.o 1, da Diretiva 2001/29. As segundas questões deste órgão jurisdicional procuram determinar se estas operadoras podem beneficiar da isenção de responsabilidade prevista no artigo 14.o, n.o 1, da Diretiva 2000/31, em relação aos ficheiros que armazenam a pedido dos seus utilizadores. Estas questões estão estreitamente ligadas. Com efeito, o legislador da União pretendeu, através das Diretivas 2000/31 e 2001/29, estabelecer um quadro regulamentar claro no que respeita à responsabilidade dos prestadores intermediários em caso de violação do direito de autor a nível da União (19). O artigo 3.o, n.o 1, da Primeira Diretiva e o artigo 14.o, n.o 1, da segunda devem assim ser interpretados de forma coerente (20).

52.      Exporei sucessivamente, nas secções A e B das presentes conclusões, estas duas disposições (21).

A.      Quanto ao conceito de «comunicação ao público», na aceção do artigo 3.o, n.o 1, da Diretiva 2001/29 (primeiras questões)

53.      Com as suas primeiras questões, o órgão jurisdicional de reenvio pergunta, em substância, se o operador de uma plataforma de partilha de vídeos e o operador de uma plataforma de armazenagem em servidor e de partilha de ficheiros realiza um ato de «comunicação ao público», na aceção do artigo 3.o, n.o 1, da Diretiva 2001/29, quando um utilizador das suas plataformas aí coloca em linha uma obra protegida.

54.      Segundo jurisprudência constante do Tribunal de Justiça, o conceito de «comunicação ao público» previsto no artigo 3.o, n.o 1, da Diretiva 2001/29 é um conceito autónomo do direito da União, cujo sentido e alcance devem ser determinados à luz da redação desta disposição, do contexto em que se insere e dos objetivos prosseguidos por esta diretiva (22). Além disso, este conceito deve ser interpretado, tanto quanto possível, à luz dos conceitos equivalentes contidos nos textos do direito internacional que vinculam a União (23).

55.      Em conformidade com esta jurisprudência, o conceito de «comunicação ao público» associa dois requisitos cumulativos, a saber, um ato de «comunicação» de uma obra e um «público» (24).

56.      A este respeito, por um lado, o conceito de «comunicação» visa, como esclarece o considerando 23, da Diretiva 2001/29, qualquer transmissão (ou retransmissão) de uma obra a um público não presente no local de onde provêm as comunicações, independentemente de qual seja o processo técnico utilizado (25). Por outras palavras, uma pessoa realiza um ato de «comunicação» quando transmite e assim torna percetível uma obra (26) à distância (27). O exemplo típico de tal transmissão é, como indica este considerando, a radiodifusão de uma obra, ao passo que o termo «retransmissão» visa, em especial, a retransmissão em simultâneo, por cabo, satélite ou ainda através da Internet, de uma obra radiodifundida.

57.      Por outro lado, o conceito de «comunicação» inclui, como recordei no n.o 48 das presentes conclusões, o de «colocação à disposição». Esta última categoria visa, como esclarecem o considerando 25 e o artigo 3.o, n.o 1, da Diretiva 2001/29, as transmissões interativas a pedido, caracterizadas pelo facto de que cada um pode ter acesso à obra a partir do local por si escolhido e no momento individualmente escolhido por si. O conceito de «colocação à disposição» abrange assim o facto de uma pessoa dar a um «público» a possibilidade de lhe ser transmitida uma obra nestas condições, tipicamente colocando‑a em linha num sítio Internet (28).

58.      Por outro lado, o conceito de «público» refere‑se a um número «indeterminado» e «bastante significativo» de pessoas. Por conseguinte, este conceito abrange pessoas em geral, por oposição a pessoas determinadas que pertencem a um grupo privado, e contém um certo limiar de minimis (29).

59.      No presente caso, atendendo ao que precede, é incontestável que quando uma obra protegida é partilhada em linha, a partir de uma plataforma como a plataforma YouTube ou a plataforma Uploaded, esta obra é «colocada à disposição do público», na aceção do artigo 3.o, n.o 1, da Diretiva 2001/29.

60.      Com efeito, quando um vídeo que contém uma obra protegida é publicado na plataforma YouTube, qualquer um o pode consultar em «streaming» a partir dessa plataforma, no local em que estiver e no momento por si escolhido individualmente. Sucede o mesmo quando um ficheiro que contém uma obra é armazenado na plataforma Uploaded e o respetivo download link é livremente partilhado num sítio Internet, em coleções de hiperligações, em blogues ou ainda em fóruns (30). Nos dois casos, a obra é colocada à disposição de um «público» (31) independentemente do facto de a sua consulta ou de o seu descarregamento ocorrer a pedido de pessoas individuais no âmbito de uma transmissão «pessoa a pessoa». Com efeito, a este respeito, há que ter em conta o número de pessoas que a ela podem aceder paralela e sucessivamente (32). Na hipótese evocada, a obra pode ser consultada ou descarregada, consoante o caso, por todos os visitantes, atuais e potenciais, da plataforma YouTube ou do sítio Internet no qual essa ligação é partilhada — ou seja, manifestamente, um número «indeterminado» e «bastante significativo» de pessoas (33).

61.      Por conseguinte, quando uma obra protegida é publicada na Internet, a partir de uma plataforma como a plataforma YouTube ou a Uploaded, por um terceiro, sem autorização prévia do seu autor, e essa publicação não é abrangida pelas exceções e limitações previstas no artigo 5.o da Diretiva 2001/29, daí resulta uma violação do direito exclusivo de «comunicação ao público» que o artigo 3.o, n.o 1, desta diretiva reconhece a este último.

62.      No entanto, aquilo que está em causa é saber quem, de entre o utilizador que coloca a obra em causa em linha, o operador da plataforma, ou estas duas pessoas em conjunto, realiza essa «comunicação» e suporta a sua eventual responsabilidade.

63.      Nesta fase, importa precisar que F. Peterson e a Elsevier apresentaram, sobre esta questão, argumentos marcados de diferentes lógicas. Na sua opinião, operadores como a YouTube e a Cyando são responsáveis nos termos do artigo 3.o, n.o 1, da Diretiva 2001/29 pelo facto, desde logo, de se envolverem ativamente na «comunicação ao público» das obras colocadas em linha pelos utilizadores das suas plataformas, pelo que eles próprios realizam essa «comunicação», em seguida, de terem conhecimento de que esses utilizadores partilham obras protegidas de forma ilegal e de, além disso, os incitarem deliberadamente a fazê‑lo e de, por último, fazerem prova de negligência a este propósito, ao não respeitarem determinadas obrigações de diligência que lhes são impostas em contrapartida do risco da prática de atos ilegais que a sua atividade gera (34).

64.      Em minha opinião, esta argumentação mistura duas problemáticas. Por um lado, na hipótese de os operadores de plataformas como a YouTube e a Cyando realizarem a «comunicação ao público» das obras que os utilizadores das suas plataformas colocam em linha, estes operadores estão potencialmente sujeitos a uma responsabilidade direta (ou «primária») nos termos do artigo 3.o, n.o 1, da Diretiva 2001/29. Saber se assim é constitui uma questão objetiva, com exclusão de considerações tais como o conhecimento ou a negligência. Com efeito, a resposta a esta questão depende, em princípio, unicamente de saber se os referidos operadores efetuam os atos de «comunicação» e se esses atos são realizados sem autorização dos autores das obras em causa. Na secção 1, exporei, seguindo este quadro de análise, e examinando unicamente os argumentos pertinentes, as razões pelas quais, em princípio, só os utilizadores que colocam em linha obras protegidas efetuam a «comunicação ao público» dessas obras. Por conseguinte, a responsabilidade primária suscetível de resultar desta «comunicação» é, em regra, suportada unicamente por esses utilizadores.

65.      Por outro lado, a questão de saber se operadores como a YouTube e a Cyando são responsáveis pelas violações ao direito de autor cometidas pelos utilizadores das suas plataformas devido ao facto, por exemplo, de que estes operadores disso tinham conhecimento e de terem deliberadamente decidido não atuar, de que incitaram esses utilizadores a cometer semelhantes violações ou ainda de que foram negligentes a esse respeito, não se enquadra, na minha opinião, no artigo 3.o, n.o 1, da Diretiva 2001/29. Como explicarei na secção 2, embora o Tribunal de Justiça tenha interpretado esta disposição, nos Acórdãos GS Media (35), Stichting Brein I («Filmspeler») (36) e Stichting Brein II («The Pirate Bay») (37), no sentido de que pode abranger a responsabilidade por factos de terceiros (dita «acessória», «subsidiária», «secundária» ou ainda «indireta»), considero, pelo meu lado, que esta responsabilidade não está, na realidade, harmonizada no direito da União. Por conseguinte, enquadra‑se nas regras em matéria de responsabilidade civil previstas no direito dos Estados‑Membros. A título subsidiário, analisarei, na secção 3, a atividade dos referidos operadores à luz do quadro de análise resultante destes acórdãos e dos respetivos argumentos.

1.      Quanto ao facto de os operadores de plataformas como a YouTube e a Cyando não realizarem, em princípio, atos de «comunicação ao público»

66.      Como já expliquei nos n.os 55 a 58 das presentes conclusões, um ato de «comunicação ao público», na aceção do artigo 3.o, n.o 1, da Diretiva 2001/29, corresponde à transmissão de uma obra protegida a um público. Neste contexto, um ato de «colocação à disposição» consiste em oferecer aos membros do público a possibilidade dessa transmissão, que pode ser realizada a seu pedido, no local e no momento que escolhem individualmente.

67.      No entanto, qualquer transmissão de uma obra a um público necessita, em regra, de uma cadeia de intervenções efetuadas por várias pessoas, envolvidas a diferentes níveis e em diversos graus nessa transmissão. Por exemplo, a possibilidade, para os telespetadores, de visionarem uma obra radiodifundida nos seus aparelhos de televisão é o resultado dos esforços combinados, nomeadamente, de um organismo de radiodifusão, de um ou mais radiodifusores, do operador da rede hertziana, bem como das pessoas que forneceram as antenas e os aparelhos de televisão desses telespetadores.

68.      Nenhuma destas intervenções pode ser considerada um ato de «comunicação ao público», na aceção do artigo 3.o, n.o 1, da Diretiva 2001/29. Se assim não for, qualquer um dos elos da cadeia, independentemente da natureza da sua atividade, seria responsável relativamente aos autores. Para prevenir o risco de tal interpretação extensiva, o legislador da União esclareceu, no considerando 27 desta diretiva, que a «mera disponibilização de meios materiais para permitir ou realizar uma comunicação não constitui só por si, uma comunicação na aceção [desta diretiva]» (38).

69.      Por conseguinte, há que distinguir, dentro da cadeia de intervenções inerente a qualquer transmissão de uma obra a um público, a pessoa (39) que efetua o ato de «comunicação ao público», na aceção do artigo 3.o, n.o 1, da Diretiva 2001/29, dos prestadores que, ao fornecerem os «meios materiais» que permitem realizar essa transmissão, servem de intermediários entre essa pessoa e o público (40).

70.      No presente caso, considero, à semelhança da Google, da Cyando, do Governo finlandês e da Comissão, que o papel desempenhado por operadores de plataformas como a YouTube e a Cyando na «comunicação ao público» das obras colocadas em linha pelos utilizadores das suas plataformas é, em princípio, um papel semelhante ao de um intermediário. A objeção de F. Peterson, da Elsevier, bem como dos Governos alemão e francês segundo a qual esses operadores excedem esse papel reflete, na minha opinião, uma incorreta compreensão daquilo que distingue uma «mera disponibilização de meios materiais» de um ato de «comunicação».

71.      Recordo que os princípios que orientam esta distinção foram estabelecidos logo na primeira decisão proferida pelo Tribunal de Justiça a respeito do artigo 3.o, n.o 1, da Diretiva 2001/29, a saber o Acórdão SGAE (41). Neste acórdão, o Tribunal de Justiça declarou que o facto de um hoteleiro captar uma emissão radiodifundida e de a distribuir, através de aparelhos de televisão, aos clientes instalados nos quartos do seu estabelecimento constitui um ato de «comunicação ao público» das obras contidas nesse programa. Embora a instalação desses aparelhos de televisão nos quartos constitua, em si mesma, uma «disponibilização de meios materiais», a intervenção do hoteleiro não se limitava a essa disponibilização. Com efeito, ao distribuir o programa radiodifundido para os referidos aparelhos, o hoteleiro transmitia voluntariamente (42) as obras contidas naquele programa aos seus clientes — os quais constituíam não apenas «público» mas também um «público novo», isto é, pessoas que não tinham sido tomadas em consideração pelos autores daquelas obras quando autorizaram a sua radiodifusão (43) —, que, embora se encontrassem dentro da zona de receção do programa, não podiam, em princípio, desfrutar das referidas obras sem a sua intervenção (44).

72.      Resulta deste último acórdão que, quando uma obra é transmitida a um público, a pessoa que pratica o ato de «comunicação» — por oposição aos prestadores que «fornecem os meios materiais» — é aquela que intervém voluntariamente para transmitir essa obra a um público no sentido de que, sem a sua intervenção, esse público não poderia usufruir da obra. Ao agir assim, essa pessoa desempenha — para retomar o conceito consagrado pelo Tribunal de Justiça na sua jurisprudência subsequente — um «papel incontornável» (45) nessa transmissão.

73.      Esta explicação pode ser mal compreendida. No absoluto, qualquer intermediário desempenha um papel importante, ou mesmo essencial, em semelhante transmissão, uma vez que é um dos elos da cadeia que permite a sua realização. Todavia, o papel desempenhado pela pessoa em questão é mais fundamental. O seu papel é «incontornável» uma vez que é ela que decide transmitir uma determinada obra a um público e que  inicia ativamente essa «comunicação».

74.      Pelo contrário, os prestadores intermediários cujos serviços são utilizados para permitir ou realizar uma «comunicação» não decidem, por sua própria iniciativa, transmitir obras a um público. A este respeito, limitam‑se a seguir as instruções dadas pelos utilizadores dos seus serviços. Estes últimos decidem transmitir determinados conteúdos e iniciam ativamente a sua «comunicação», fornecendo esses conteúdos aos intermediários e colocando‑os, dessa maneira, num processo que conduz à sua transmissão a um «público»(46). Em princípio, são assim estes utilizadores que, sozinhos, desempenham o «papel incontornável» referido pelo Tribunal de Justiça e que realizam os atos de «comunicação ao público». Sem a sua intervenção, os intermediários nada teriam a transmitir e o «público» não poderia usufruir das obras em questão (47).

75.      Em contrapartida, um prestador de serviços excede o papel de intermediário quando intervém ativamente na «comunicação ao público» das obras (48). É o que sucede, por um lado, se esse prestador seleciona o conteúdo transmitido, o determina de outra maneira, ou ainda se o apresenta aos olhos do público de tal forma que parece ser o seu (49). Nestas situações, o referido prestador realiza, em conjunto com o terceiro que forneceu inicialmente o conteúdo, a «comunicação» (50). É o que sucede, por outro lado, se esse mesmo prestador faz, por sua própria iniciativa, uma utilização subsequente da referida «comunicação», retransmitindo‑a a um «novo público» ou segundo um «modo técnico diferente» (51). Em todas estas hipóteses, um prestador de serviços não se limita a «disponibilizar meios materiais», na aceção do considerando 27 da Diretiva 2001/29. Desempenha, na realidade, um «papel incontornável» (52) uma vez que decide, voluntariamente, comunicar uma determinada obra a um público (53).

76.      Resulta das considerações que precedem que, contrariamente ao que F. Peterson e o Governo alemão alegam, o simples facto de plataformas como a YouTube ou a Uploaded permitirem que o público aceda a obras protegidas não implica que os seus operadores realizem a «comunicação ao público» dessas obras, na aceção do artigo 3.o, n.o 1, da Diretiva 2001/29 (54).

77.      Com efeito, antes de mais, como a Google e o Governo finlandês alegam, na medida em que as obras em questão foram colocadas em linha pelos utilizadores destas plataformas (55), estes últimos desempenham um «papel incontornável» na sua colocação à disposição do público. Estes utilizadores decidiram comunicar essas obras ao público por intermédio das referidas plataformas, escolhendo a opção adequada na hipótese da YouTube, e partilhando os correspondentes download links na Internet no caso da Uploaded (56). Sem a sua intervenção, os operadores destas mesmas plataformas nada teriam para transmitir e o público não poderia usufruir das referidas obras.

78.      Em seguida, recordo que o procedimento de colocação em linha de um ficheiro numa plataforma como a YouTube ou a Uploaded, depois de iniciado pelo utilizador, é efetuado de forma automática (57), sem que o operador dessa plataforma selecione ou determine de outra forma os conteúdos que aí são publicados. Esclareço que um eventual controlo prévio realizado por esse operador, sendo caso disso, de forma automatizada, não constitui, na minha opinião, uma seleção (58) se esse controlo se limitar a detetar conteúdos ilegais e não refletir assim uma vontade do referido operador de comunicar determinados conteúdos (e não outros) ao público (59).

79.      Por último, estes mesmos operadores não fazem uma utilização subsequente das «comunicações ao público» iniciadas pelos seus utilizadores na medida em que não retransmitem as obras em causa a um «público novo» ou de acordo com um «modo técnico diferente» (60). Em princípio, só há uma «comunicação», que é a que é decidida pelos utilizadores em questão.

80.      Daqui resulta, na minha opinião, que operadores como a YouTube e a Cyando se limitam, em princípio, a fornecer «meios técnicos», conforme previsto no considerando 27 da Diretiva 2001/29, que permitem que os utilizadores das suas plataformas realizem a «comunicação ao público», na aceção do artigo 3.o, n.o 1, desta diretiva, das obras determinadas por estes últimos. Na minha opinião, nenhum dos argumentos apresentados perante o Tribunal de Justiça põe em causa esta interpretação.

81.      Primeiro, contrariamente a F. Peterson, à Elsevier e aos Governos alemão e francês, considero que nem o facto de um operador como a YouTube estruturar a forma como os vídeos colocados em linha pelos seus utilizadores são apresentados, integrando‑os numa interface de visualização padrão e indexando‑os em diferentes rubricas, nem o facto de este operador fornecer uma função de pesquisa e proceder a um tratamento dos resultados da pesquisa, resumidos na página de abertura sob a forma de uma classificação dos vídeos em diferentes categorias, são pertinentes (61).

82.      A este respeito, observo que esta estrutura de apresentação e estas diferentes funções contribuem para racionalizar a organização da plataforma, para facilitar a sua utilização e, deste modo, para otimizar o acesso aos vídeos armazenados. Ora, a exigência, subentendida no considerando 27 da Diretiva 2001/29, segundo a qual um prestador de serviços não realiza atos de «comunicação ao público» desde que se limite a uma «mera» disponibilização de meios materiais não significa, na minha opinião, que esse prestador não pode otimizar o acesso aos conteúdos transmitidos através de uma organização dos seus serviços (62). Com efeito, nada exige que seja uma «mera» «instalação». A meu ver, a circunstância de uma plataforma em linha apresentar um certo grau de sofisticação, com o objetivo de facilitar a sua utilização, não é assim relevante. O limite que o prestador não pode ultrapassar, na minha opinião, é o da intervenção ativa na comunicação das obras ao público, conforme referido no n.o 75 das presentes conclusões.

83.      Ora, a meu ver, uma estrutura de apresentação e tais funções não são suscetíveis de demonstrar que o operador ultrapassa este limite. Não contribuem nomeadamente para indicar que o operador determina os conteúdos que os utilizadores colocam em linha na plataforma. O facto de otimizar o acesso aos conteúdos não se pode confundir, em especial, com o facto de otimizar os conteúdos em si mesmos. O operador só determina o conteúdo no segundo caso (63). Além disso, o facto de uma plataforma como a plataforma YouTube conter uma interface de visualização padrão não permite, na minha opinião, que se conclua que o seu operador apresenta o conteúdo aos olhos do público de tal forma que parece ser o seu, na medida que essa interface indica, para cada vídeo, qual o utilizador que o colocou em linha.

84.      Em segundo lugar, a circunstância de, numa plataforma como a plataforma YouTube, ser apresentado aos utilizadores registados um resumo dos «vídeos recomendados» também não é, em meu entender, determinante. Ninguém contesta que estas recomendações exercem uma influência sobre os conteúdos consultados por aqueles utilizadores. No entanto, na medida em que as referidas recomendações são geradas de forma automática, com base nos vídeos anteriormente visionados pelo utilizador em causa, e têm por único objetivo facilitar o acesso desse utilizador a vídeos análogos, aquelas recomendações não refletem uma decisão do operador de comunicar uma determinada obra a um público. Em todo o caso, este operador não determina, a montante, quais são as obras que estão disponíveis na sua plataforma.

85.      Em terceiro lugar, contrariamente ao que F. Peterson e a Elsevier alegam, o facto de um operador como a YouTube estipular, nas condições gerais de utilização da sua plataforma, que cada utilizador lhe concede uma licença de exploração mundial, não exclusiva e gratuita em relação aos vídeos que publica, não põe em causa a interpretação que sugiro. Com efeito, este tipo de clausulado (64), que autoriza o operador da plataforma a difundir os conteúdos colocados em linha pelos seus utilizadores, e através do qual este pretende, além disso, adquirir de forma automática e sistemática direitos sobre todos esses conteúdos (65), não demonstra, em si mesmo, que esse operador intervém ativamente na «comunicação ao público» das obras, conforme analisado no n.o 75 das presentes conclusões. Com efeito, uma vez que esta cláusula se aplica, precisamente, de forma sistemática e automática a qualquer conteúdo colocado em linha, não contribui para indicar que o referido operador decide quais são os conteúdos transmitidos. Em contrapartida, quando esse mesmo operador reutiliza, ao abrigo da referida licença, os conteúdos colocados em linha pelos utilizadores da plataforma (66), realiza, nessa medida, atos de «comunicação ao público».

86.      Em quarto lugar, também não me convence o argumento de F. Peterson e da Elsevier segundo o qual o modelo económico adotado por operadores de plataformas como a YouTube ou a Cyando demonstra que estes últimos não se limitam a uma «disponibilização de meios materiais», na aceção do considerando 27 da Diretiva 2001/29, antes realizam a «comunicação ao público» das obras colocadas em linha pelos utilizadores das suas plataformas. A este respeito, os recorrentes no processo principal alegam que a remuneração recebida por estes operadores, gerada nomeadamente pela venda de espaços publicitários (modelo «YouTube») ou por assinaturas (modelo «Cyando»), não constitui uma contrapartida de um serviço técnico — estes últimos não cobram, especificamente, aos utilizadores o espaço de armazenamento enquanto tal —, antes dependendo da atratividade dos conteúdos colocados em linha nas suas plataformas. Com efeito, no caso da YouTube, a importância das receitas publicitárias recebidas varia em função da frequentação da plataforma e, no caso da Cyando, a perspetiva de poder efetuar facilmente múltiplos descarregamentos de conteúdos atrativos leva os internautas a subscreverem uma assinatura.

87.      De um modo geral, o fim lucrativo prosseguido por um prestador de serviços é, na minha opinião, um elemento de utilidade muito relativa para distinguir os atos de «comunicação ao público» de semelhante «prestação». Por um lado, recordo que, após reflexão (67), o Tribunal de Justiça declarou no Acórdão Reha Training (68), na minha opinião com razão, que o caráter lucrativo não é um critério do conceito de «comunicação ao público», embora possa ser tomado em consideração para o cálculo da eventual remuneração ou reparação devida ao autor a título de tal «comunicação» (69). Assim, o caráter lucrativo pode, quando muito, constituir um indício da existência de semelhante «comunicação» (70). Ora, o fim lucrativo prosseguido por um prestador de serviços constitui um indício ainda menos útil para proceder a essa distinção uma vez que, por outro lado, a disponibilização de um «meio material» que permita realizar uma «comunicação ao público» é, regra geral, feita com esse objetivo (71). Em especial, a grande maioria dos intermediários em linha fornecem os seus serviços mediante remuneração.

88.      Mais especificamente, o facto de a remuneração recebida por operadores de plataformas como a YouTube e a Cyando depender da atratividade dos conteúdos publicados a partir das suas plataformas pelos utilizadores destas não permite concluir que esses operadores realizam eles próprios a «comunicação ao público» das obras que aí podem ser encontradas. Recordo que o critério decisivo, em meu entender, consiste em saber se o prestador de serviços intervém ativamente nesta «comunicação», conforme foi explicado no n.o 75 das presentes conclusões. Ora, em minha opinião, esta circunstância não permite, por si só, demonstrá‑lo (72).

89.      A interpretação que sugiro é confirmada, em meu entender, pela jurisprudência do Tribunal de Justiça no domínio do direito das marcas. A este respeito, recordo que, no Acórdão Google France, o Tribunal de Justiça declarou, em formação de Grande Secção, que a utilização, como palavras‑chave no âmbito de um serviço de referenciamento na Internet como o serviço AdWords fornecido pela Google, de sinais idênticos ou semelhantes a marcas, sem autorização dos respetivos titulares, constitui uma utilização proibida dessas marcas, na aceção do direito da União. No entanto, esta utilização é efetuada pelo utilizador do serviço de referenciamento, que escolheu esses sinais como palavras‑chave, e não pelo prestador do serviço, que se limita a dar‑lhe os meios para o fazer. O facto de esse prestador ser remunerado pelos seus clientes a título da utilização de semelhantes sinais não é pertinente. Com efeito, para o Tribunal de Justiça, «o facto de criar as condições técnicas necessárias para o uso de um sinal e de ser remunerado por esse serviço não significa que aquele que fornece o serviço faça ele próprio uso do referido sinal» (73).

90.      De modo semelhante, no Acórdão L’Oréal/eBay, o Tribunal de Justiça declarou, novamente em formação de Grande Secção, que a utilização, em propostas de venda publicadas num sítio de comércio eletrónico, de sinais que correspondem a marcas, sem autorização dos seus titulares, constitui uma utilização proibida dessas marcas. No entanto, uma vez mais, não é o operador do sítio de comércio eletrónico, mas os utilizadores que publicaram essas propostas de venda, que procedem a essa utilização proibida. Com efeito, na medida em que esse operador se limita a permitir que os utilizadores do seu serviço coloquem em linha essas propostas de venda e, sendo caso disso, utilizem sinais semelhantes nesse sítio de comércio eletrónico, não faz ele próprio uso desses sinais (74).

91.      Ora, é facto assente que, em especial, a eBay estrutura a apresentação geral dos anúncios dos seus anunciantes vendedores, indexa‑os em diferentes rubricas e ativou uma função de pesquisa. Este operador recomenda, de forma automática, aos utilizadores compradores ofertas análogas às que estes últimos consultaram anteriormente. Por outro lado, a remuneração dos prestadores em causa nos processos que deram origem aos Acórdãos Google France e L’Oréal/eBay depende da atratividade dos conteúdos fornecidos pelos utilizadores dos seus serviços. A Google, no âmbito do serviço AdWords, é remunerada em função do número de cliques efetuados nas hiperligações promocionais que utilizam as palavras‑chave escolhidas pelos utilizadores anunciantes (75). A eBay recebe uma percentagem sobre as transações efetuadas a partir das propostas de venda colocadas no seu sítio de comércio eletrónico. (76). É evidente que estas diferentes circunstâncias não pareceram ser determinantes, ou inclusivamente pertinentes, aos olhos do Tribunal de Justiça, que nem sequer as evocou no seu raciocínio. Por conseguinte, questiono‑me sobre as razões pelas quais deveriam receber, nos presentes processos, a importância que os recorrentes nos processos principais sugerem (77).

92.      Atendendo a todas as considerações que precedem, sugiro ao Tribunal de Justiça que responda às primeiras questões que o operador de uma plataforma de partilha de vídeos e o operador de uma plataforma de armazenagem em servidor e de partilha de ficheiros não realizam um ato de «comunicação ao público», na aceção do artigo 3.o, n.o 1, da Diretiva 2001/29, quando um utilizador das suas plataformas nelas coloca em linha uma obra protegida.

93.      Por conseguinte, estes operadores não podem ser considerados diretamente responsáveis, nos termos do artigo 3.o, n.o 1, da Diretiva 2001/29, quando terceiros colocam obras protegidas à disposição do público, por intermédio das suas plataformas, sem autorização prévia dos titulares de direitos — e sem que seja aplicável uma exceção ou uma limitação. Esta conclusão não exclui que daí possa resultar, para os referidos operadores, uma forma de responsabilidade secundária. Todavia, esta questão deve ser examinada à luz das regras em matéria de responsabilidade civil previstas pelos Estados‑Membros, as quais devem respeitar os limites impostos nos artigos 14.o e 15.o da Diretiva 2000/31 (78).

2.      Quanto ao facto de o artigo 3.o, n.o 1, da Diretiva 2001/29 não regular a responsabilidade secundária das pessoas que facilitam a realização, por terceiros, de atos de «comunicação ao público» ilegais

94.      A título preliminar, importa recordar, desde logo, que, no Acórdão GS Media, o Tribunal de Justiça declarou, na linha do seu Acórdão Svensson e o. (79), que o facto de colocar, num sítio Internet, hiperligações que remetem para obras publicadas de forma ilegal noutro sítio Internet pode constituir uma «comunicação ao público», na aceção do artigo 3.o, n.o 1, da Diretiva 2001/29. Em substância, o Tribunal de Justiça considerou que, ao colocar semelhantes hiperligações, uma pessoa desempenha um «papel incontornável» uma vez que dá ao público um «acesso direto» às obras em causa. No entanto, essa colocação de hiperligações só constitui uma «comunicação ao público» se for demonstrado que a pessoa que a efetuou sabia ou devia saber que essas hiperligações dão acesso a obras publicadas ilegalmente, devendo este conhecimento ser presumido quando essa pessoa prossiga um fim lucrativo (80).

95.      Em seguida, no Acórdão Stichting Brein I («Filmspeler»), o Tribunal de Justiça declarou que a venda de um leitor multimédia no qual foram pré‑instalados módulos complementares que continham hiperligações que remetiam para sítios Internet que difundiam obras protegidas em streaming, de forma ilegal, constitui uma «comunicação ao público». Neste processo, o Tribunal de Justiça considerou que o vendedor desse leitor não se limitava a uma «mera disponibilização de meios materiais», antes desempenhando, pelo contrário, um «papel incontornável» na comunicação das obras uma vez que, sem os módulos complementares que tinha pré‑instalado no referido leitor, os adquirentes desse mesmo leitor «só dificilmente poderiam beneficiar das obras protegidas», uma vez que os sítios de difusão em streaming em causa não são facilmente identificáveis pelo público. Além disso, o Tribunal de Justiça considerou relevante o facto de o vendedor do referido leitor ter conhecimento de que esses módulos complementares permitiam aceder a obras difundidas na Internet de forma ilegal (81).

96.      Por último, no Acórdão Stichting Brein II («The Pirate Bay»), o Tribunal de Justiça declarou que constitui uma «comunicação ao público» a disponibilização e a gestão de uma plataforma Internet, que armazena e referencia ficheiros torrents, colocados em linha pelos seus utilizadores, permitindo que estes últimos partilhem e descarreguem obras protegidas no âmbito de uma rede peertopeer. Para o Tribunal de Justiça, os administradores desta plataforma não se limitavam a uma «mera disponibilização de meios materiais», antes desempenhavam um «papel incontornável» na colocação à disposição das obras pelo facto de que ofereciam, na plataforma, diferentes meios, entre os quais uma função de pesquisa e um índice de ficheiros torrents armazenados, o que facilitava a localização desses ficheiros. Assim, sem a sua intervenção, «as referidas obras não podiam ser partilhadas pelos utilizadores ou, pelo menos, a sua partilha na Internet seria mais complexa». Mais uma vez, o Tribunal de Justiça sublinhou o facto de que os administradores da referida plataforma tinham conhecimento de que as obras partilhadas por intermédio dessa mesma plataforma eram, em geral, partilhadas de forma ilegal (82).

97.      Em princípio, conforme já expliquei no n.o 56 das presentes conclusões, como indica o considerando 23 da Diretiva 2001/29 e como o Tribunal de Justiça já declarou reiteradamente (83), uma «comunicação ao público», na aceção do artigo 3.o, n.o 1, desta diretiva corresponde à transmissão de uma obra a um público. Este considerando especifica, a este respeito, que esta disposição «não abrang[e] quaisquer outros atos». Embora, na hipótese de uma colocação à disposição, seja suficiente que a pessoa em causa conceda ao público acesso à obra, esse acesso deve implicar, como já especifiquei no n.o 57 destas conclusões, a possibilidade de uma transmissão dessa obra, que ocorra a pedido de um membro do público.

98.      No entanto, nenhum dos atos em causa nos três acórdãos examinados na presente secção consubstancia, na minha opinião, numa transmissão, atual ou potencial, de uma obra a um público. O Acórdão Stichting Brein II («The Pirate Bay») constitui, a este respeito, o exemplo mais representativo. Uma vez que as obras partilhadas na rede peertopeer não estavam publicadas na plataforma controvertida, os seus administradores não estavam, materialmente, em condições de as transmitir ao público. Na realidade, esta plataforma apenas facilitava as transmissões efetuadas pelos seus utilizadores nesta rede (84). Sucedia o mesmo nos Acórdãos GS Media e Stichting Brein I («Filmspeler»). A colocação das hiperligações e a venda do leitor multimédia controvertido em causa nesses acórdãos facilitavam o acesso às obras ilegalmente colocadas à disposição do público nos sítios Internet em questão (85).

99.      Em suma, na minha opinião, nestes acórdãos, o Tribunal de Justiça fez entrar no âmbito de aplicação do artigo 3.o, n.o 1, da Diretiva 2001/29 atos que, em rigor, não constituem transmissões de obras, atuais ou potenciais, mas que facilitam a realização de tais transmissões ilegais por terceiros (86).

100. Além disso, o Tribunal de Justiça, nestes mesmos acórdãos, integrou no conceito de «comunicação ao público» um critério relativo ao conhecimento da ilicitude. Ora, como alegaram a Elsevier e o Governo francês, em princípio, este conceito não comporta tal critério. Embora o Tribunal de Justiça declare, de forma constante, que a existência de tal «comunicação» pressupõe que a pessoa em causa atue «com pleno conhecimento das consequências do seu comportamento», «deliberadamente», «voluntariamente» ou ainda de maneira «direcionada» (87), estes diferentes termos, na minha opinião pretendem indicar, em princípio, que, como expliquei no n.o 72 das presentes conclusões, o referido conceito implica uma vontade de transmitir uma obra a um público (88). Esta questão distingue‑se a priori da questão de saber se a pessoa que realiza a «comunicação ao público» de uma obra sem autorização do autor tem conhecimento de que semelhante «comunicação» é, em princípio, ilegal.

101. A este respeito, como expliquei no n.o 64 das presentes conclusões, em conformidade com o artigo 3.o, n.o 1, da Diretiva 2001/29, a existência de uma «comunicação ao público» é — sob reserva da nuance indicada no número anterior — geralmente considerada um facto objetivo. O caráter legal ou ilegal desta «comunicação» também não depende, em princípio, do conhecimento da pessoa que a realiza, mas essencialmente da questão de saber se o autor autorizou a referida «comunicação» (89). Em contrapartida, o conhecimento dessa pessoa é tomado em consideração na fase das sanções e das indemnizações em que esta pode ser condenada. Em especial, resulta do artigo 13.o da Diretiva 2004/48 que uma pessoa que tenha violado um direito de propriedade intelectual sabendoo ou devendo razoavelmente sabêlo tem a obrigação de pagar ao titular do direito uma indemnização adaptada ao prejuízo que este efetivamente sofreu devido à violação. Inversamente, quando uma pessoa comete essa violação sem o saber ou não tendo razoavelmente de o saber, pode ser decretada uma condenação menos gravosa, sob a forma da recuperação dos lucros que realizou ou do pagamento de uma indemnização predeterminada (90).

102. No entanto, o facto de uma pessoa — especialmente um prestador intermediário — facilitar conscientemente a realização por terceiros de atos de «comunicações ao público» ilegais constitui evidentemente um comportamento censurável. No entanto, é geralmente aceite que se trata, nesta hipótese, de uma questão de responsabilidade secundária, abrangida pelas regras em matéria de responsabilidade civil previstas pelos Estados‑Membros (91). Esta responsabilidade secundária a título das violações aos direitos de autor cometidas por terceiros exige por outro lado, em geral, um elemento moral como o conhecimento da ilicitude ou a intenção (92).

103. Ora, na minha opinião, uma vez que o artigo 3.o, n.o 1, da Diretiva 2001/29 harmoniza o conteúdo material do direito de «comunicação ao público», este artigo determina os atos abrangidos por este direito exclusivo e, nessa medida, a responsabilidade primária suportada por aqueles que cometem tais atos de forma ilegal. Em contrapartida, nenhum elemento, na redação desta disposição ou noutras disposições desta diretiva, contribui para indicar que esta se destina a regular as questões da responsabilidade secundária (93). Isto é tanto mais notável porque, quando o legislador da União pretende que essas questões sejam abrangidas pelos atos que adota, não deixa de o esclarecer (94).

104. Por estes motivos, tenho reservas sobre o raciocínio seguido pelo Tribunal de Justiça nos Acórdãos GS Media, Stichting Brein I («Filmspeler») e Stichting Brein II («The Pirate Bay»). Independentemente da questão de saber se é desejável que exista uma solução uniforme para os comportamentos das pessoas que facilitam deliberadamente a realização de atos ilegais por terceiros ao nível da União, e ainda que essa uniformidade possa contribuir para assegurar um elevado nível de proteção do direito de autor, não deixa de ser verdade, na minha opinião, que, no seu estado atual, o direito da União não o prevê (95). Cabe ao legislador da União incluir um regime de responsabilidade secundária no direito da União.

105. Insisto no facto de que a colocação de hiperligações que remetem para obras publicadas ilegalmente num sítio Internet, efetuado com absoluto conhecimento desta ilicitude, a venda de um leitor como o «Filmspeler» e a gestão de uma plataforma como a «The Pirate Bay» devem evidentemente ser reprimidas. No entanto, não é necessário que esses comportamentos entrem no âmbito de aplicação do artigo 3.o, n.o 1, da Diretiva 2001/29 para chegar a este resultado. Em minha opinião, uma resposta para estes comportamentos pode, e deve, ser encontrada no direito civil dos Estados‑Membros, ou mesmo no direito penal destes últimos. A interpretação que sugiro não deixa assim os autores desamparados a este respeito.

106. De resto, recordo que, nos Acórdãos Google France e L’Oréal/eBay, o Tribunal de Justiça optou por não alargar, no domínio do direito das marcas, o âmbito da responsabilidade primária aos comportamentos dos intermediários suscetíveis de contribuir para as violações das marcas cometidas pelos utilizadores dos seus serviços. O Tribunal de Justiça remeteu, corretamente, esta questão para as regras em matéria de responsabilidade civil previstas pelos Estados‑Membros e para os limites impostos pela Diretiva 2000/31 (96). Por conseguinte, questiono‑me sobre a necessidade de afastar tal abordagem no domínio dos direitos de autor, uma vez que a legislação da União tem, nestes dois domínios, um nível de harmonização análogo e prossegue o mesmo objetivo de um alto nível de proteção da propriedade intelectual.

3.      A título subsidiário  Quanto à questão de saber se operadores como a YouTube e a Cyando facilitam deliberadamente a realização de atos ilegais praticados por terceiros

107. Na hipótese de o Tribunal de Justiça considerar oportuno aplicar, aos presentes processos, o quadro de análise seguido nos Acórdãos GS Media, Stichting Brein I («Filmspeler») e Stichting Brein II («The Pirate Bay»), apesar das reservas que expressei na secção anterior, apresento, a título subsidiário, um exame dos presentes processos à luz deste quadro de análise.

108. Segundo a compreensão que tenho destes acórdãos, a intervenção de uma pessoa na transmissão de uma obra a um público, diferente daquela que, ao ter decidido essa transmissão, realiza literalmente o ato de «comunicação ao público», deve ser equiparada a semelhante ato de «comunicação» se estiverem preenchidos dois requisitos.

109. Por um lado, a pessoa em questão deve desempenhar um «papel incontornável» na referida transmissão. Em conformidade com a aceção que foi acolhida nos referidos acórdãos, esse «papel» fica caracterizado quando essa pessoa facilita essa transmissão (97). No caso em apreço, este requisito está manifestamente preenchido relativamente a operadores como a YouTube e a Cyando.

110. Por outro lado, a intervenção da referida pessoa deve ter um «caráter deliberado», incluindo no sentido de que deve ter conhecimento da ilicitude da comunicação que facilita. A forma como este requisito deve ser interpretado nos presentes processos é claramente menos evidente. O problema reside precisamente na ausência de um quadro, no direito da União, relativo a este elemento moral. Por conseguinte, mais não posso do que especular, inspirando‑me nas indicações que resultam dos Acórdãos GS Media, Stichting Brein I («Filmspeler») e Stichting Brein II («The Pirate Bay»), nas jurisprudências nacionais em matéria de responsabilidade secundária e na lógica que decorre dos requisitos que os prestadores intermediários devem preencher, em conformidade com o artigo 14.o, n.o 1, alíneas a) e b), da Diretiva 2000/31, para beneficiarem da isenção de responsabilidade prevista nesta disposição (98).

111. A este respeito, parece‑me possível considerar, sem grande dificuldade, como alega o órgão jurisdicional de reenvio, e como sustenta a Comissão, que um operador como a Youtube ou a Cyando intervém «deliberadamente» na «comunicação ao público» ilegal de uma determinada obra, realizada por intermédio da sua plataforma, quando tem conhecimento ou consciência da existência do ficheiro que contém a obra em questão — em especial se este lhe tiver sido notificado — e esse operador não age com diligência, a partir do momento em que adquire esse conhecimento ou essa consciência, para retirar esse ficheiro ou para impossibilitar o acesso a esse ficheiro (99). Com efeito, nessa hipótese, pode razoavelmente considerar‑se que, ao não ter atuado quando o podia ter feito, o operador aprova essa «comunicação» ilegal ou faz prova de uma negligência manifesta a este respeito. As questões de saber quais são as circunstâncias nas quais um operador adquire esse conhecimento ou consciência e se, sendo caso disso, agiu «com diligência» devem, em minha opinião, ser determinadas à luz dos mesmos princípios que foram aplicados no âmbito das condições previstas no artigo 14.o, n.o 1, alíneas a) e b), da Diretiva 2000/31 (100).

112. Em contrapartida, à semelhança da Comissão, e contrariamente a F. Peterson, à Elsevier, bem como aos Governos alemão e francês, considero que o conhecimento da ilicitude não pode ser presumido pelo simples facto de o operador em causa prosseguir um fim lucrativo.

113. É certo que, no Acórdão GS Media, o Tribunal de Justiça declarou que quando a pessoa que coloca num sítio Internet hiperligações que remetem para obras protegidas, publicadas sem autorização do seu autor noutro sítio Internet, o faz com fins lucrativos, há que presumir (de forma ilidível) que tem conhecimento do caráter protegido dessas obras e dessa falta de autorização (101). Todavia, além de me parecer que o Tribunal de Justiça, na sua jurisprudência subsequente, limitou esta solução à questão das hiperligações (102), considero que semelhante presunção não pode, em qualquer caso, ser aplicada ao caso em apreço.

114. No processo que deu origem ao Acórdão GS Media, foi o próprio operador do sítio Internet em causa que colocou as hiperligações. Por conseguinte, tinha conhecimento dos conteúdos para os quais estas remetiam. Como a Cyando alega, esta circunstância constituía uma base para uma presunção de facto. A partir desta base, o Tribunal de Justiça podia esperar que esse operador realizasse, antes dessa colocação, as «verificações necessárias» para garantir que não se tratava de obras protegidas, publicadas ilegalmente no sítio para o qual essas hiperligações remetiam(103).

115. Em contrapartida, recordo que o operador de uma plataforma, não é, em princípio, aquele que coloca o conteúdo em linha. Aplicar, neste contexto, a solução adotada no Acórdão GS Media equivaleria a dizer que se presume não apenas que esse operador, uma vez que prossegue de forma geral um fim lucrativo, tem conhecimento de todos os ficheiros que se encontram nos seus servidores mas também que conhece o seu eventual caráter ilegal, cabendo‑lhe ilidir essa presunção demonstrando que fez as «verificações necessárias». Ora, tal solução equivaleria, na minha opinião, a impor a esse operador a obrigação geral de vigiar as informações que armazena e de procurar ativamente factos ou circunstâncias que revelem atividades ilegais, o que está em contradição com a proibição prevista, a este respeito, no artigo 15.o, n.o 1, da Diretiva 2000/31 (104).

116. Importa ainda examinar a questão de saber se, como F. Peterson, a Elsevier e o Governo francês sustentam, operadores como a YouTube e a Cyando podem ser responsabilizados uma vez que tinham conhecimento, de um modo geral e abstrato, do facto de que as suas plataformas são (nomeadamente) utilizadas por terceiros para partilhar em linha, de forma ilegal, obras protegidas.

117. Esta questão é eminentemente complexa. Um número considerável de produtos ou serviços pode, à semelhança das plataformas YouTube e Uploaded, ser utilizado para fins lícitos, ou mesmo socialmente desejáveis, bem como para fins ilegais. Na minha opinião, não se pode responsabilizar o fornecedor de tal produto ou serviço pelas utilizações ilegais que dele fazem terceiros pelo simples facto de ter conhecimento ou de suspeitar de tais utilizações. Um padrão de responsabilidade tão baixo seria suscetível de dissuadir o fabrico e a comercialização de tais produtos ou serviços, em detrimento das suas utilizações lícitas — e, por extensão, de travar o desenvolvimento de produtos ou serviços similares ou inovadores (105).

118. O mero facto de um fornecedor obter lucros a partir dessas utilizações ilegais também não pode ser determinante. A este respeito, F. Peterson, a Elsevier e o Governo francês salientaram que a YouTube se financia nomeadamente através de publicidades colocadas na plataforma, que as receitas publicitárias que regista são tanto mais importantes quanto a atratividade dos conteúdos que aí sejam publicados, e que é «comummente aceite» que, na «grande maioria dos casos», estão em causa obras protegidas colocadas em linha sem autorização dos seus autores. Além de esta lógica me parecer um pouco simplista relativamente a uma plataforma como a plataforma YouTube (106), observo que as receitas geradas pela publicidade colocada de forma indiferenciada nesta plataforma dependem do número de visitantes em geral — e, por conseguinte, dependem tanto das suas utilizações lícitas como das suas utilizações ilegais. Ora, qualquer fornecedor de um produto ou serviço suscetível destes dois tipos de utilização obterá inevitavelmente uma parte dos seus lucros a partir dos utilizadores que o compram ou que dele se servem para fins ilegais. Devem assim ser provadas outras circunstâncias.

119. A este respeito, não se pode perder de vista a finalidade de um regime de responsabilidade secundária. Conforme resulta do n.o 117 das presentes conclusões, em minha opinião, tal regime deve servir para dissuadir os comportamentos que facilitam as violações aos direitos de autor sem, contudo, dissuadir a inovação ou travar o potencial de utilização lícita dos produtos ou dos serviços que podem também ser utilizados para fins ilegais.

120. Neste âmbito, como alega o Governo finlandês, pode responsabilizar‑se um prestador de serviços, na minha opinião, sem que seja necessário provar que este último tinha conhecimento ou consciência das violações concretas aos direitos de autor, quando seja feita prova de que este prestador tinha intenção, quando prestou o seu serviço, de facilitar a prática de tais violações por terceiros. Os Acórdãos Stichting Brein I («Filmspeler») e Stichting Brein II («The Pirate Bay») devem, na minha opinião, ser interpretados neste sentido. No primeiro acórdão, o Tribunal de Justiça sublinhou que o vendedor do «Filmspeler» tinha um conhecimento geral do facto de que esse leitor podia ser utilizado para fins ilegais (107). No segundo acórdão, o Tribunal de Justiça salientou que os administradores da plataforma «The Pirate Bay» sabiam, de uma maneira geral, que esta facilitava o acesso a obras partilhadas sem autorização prévia dos seus autores e que, em todo o caso, não podiam ignorar este facto, atendendo à circunstância de que uma grande parte dos ficheiros torrents que constavam desta plataforma remetia para essas obras (108). Ora, nos processos que deram origem a estes acórdãos, estas pessoas exprimiram abertamente a sua intenção de facilitar, através do seu leitor ou da sua plataforma, a realização de atos de «comunicação ao público» ilegais por terceiros (109).

121. No presente caso, nem a YouTube nem a Cyando promovem abertamente as utilizações ilegais das suas plataformas. F. Peterson e a Elsevier alegam, no entanto, que esses operadores devem ser responsabilizados devido à forma como organizaram os seus serviços. Quanto a esta questão, os recorrentes no processo principal invocam, recordo‑o, várias lógicas: primeiro, os referidos operadores fizeram prova de uma cegueira voluntária relativamente às utilizações ilegais das suas plataformas (ao permitirem que os seus utilizadores nelas publicassem conteúdos de forma automatizada e sem controlo prévio), segundo, incitaram‑nos a fazer essas utilizações ilegais e, terceiro, foram negligentes em relação a essas utilizações (uma vez que não cumpriram obrigações de diligência visto que não procederam, uma vez mais, ao controlo prévio dos conteúdos colocados em linha) (110).

122. Impõem‑se desde já algumas precisões. Na minha opinião, um operador não pode ser responsabilizado, a título de uma cegueira voluntária ou de uma negligência culposa, pelo simples facto de permitir que os utilizadores da sua plataforma nela publiquem de forma automatizada conteúdos e de não os controlar de forma geral antes da respetiva colocação em linha. Por um lado, não é razoável defender, como contudo a Elsevier faz, que, ao organizar a sua plataforma dessa forma, esse operador pretende simplesmente escapar a qualquer responsabilidade (111). Por outro lado, o artigo 15.o da Diretiva 2000/31 impede que se possa esperar desse prestador que vigie, de forma geral e abstrata, as informações que armazena e que procure ativamente atividades ilegais nos seus servidores. Por conseguinte, não se pode considerar como cegueira voluntária ou negligência o facto de o operador não proceder a tal vigilância generalizada (112). Por outro lado, e de forma mais genérica, a mera negligência de um prestador não deve, por definição, ser suficiente, sob reserva da situação referida no n.o 111 das presentes conclusões, para provar que ocorre «deliberadamente» para facilitar as violações do direito de autor cometidas pelos utilizadores do seu serviço.

123. No entanto, na minha opinião, a forma como um prestador organiza o seu serviço pode, efetivamente, em determinadas circunstâncias, demonstrar o «caráter deliberado» da sua intervenção nos atos de «comunicação ao público» ilegais cometidos pelos utilizadores desse serviço, na aceção do artigo 3.o, n.o 1, da Diretiva 2001/29, conforme interpretado pelo Tribunal de Justiça nos Acórdãos GS Media, Stichting Brein I («Filmspeler») e Stichting Brein II («The Pirate Bay»). É o que acontece quando as características deste mesmo serviço revelam a má‑fé do prestador em questão, que se pode traduzir numa vontade de incitação ou numa cegueira voluntária, relativamente às violações aos direitos de autor (113).

124. A este respeito, na minha opinião, importa verificar, por um lado, se as características do serviço em questão têm uma explicação objetiva e oferecem um valor acrescentado para as utilizações lícitas desse serviço e, por outro, se o prestador tomou medidas razoáveis para evitar utilizações ilegais do referido serviço (114). Quanto a esta última questão, não se pode esperar, novamente, do prestador que controle, de forma geral, a integralidade dos ficheiros que os utilizadores do seu serviço decidem publicar, antes da respetiva colocação em linha, conforme o artigo 15.o, n.o 1, da Diretiva 2000/31 obriga. A segunda parte do teste deve, em minha opinião, constituir mais uma defesa para os prestadores de serviços. A este título, o facto de o prestador respeitar genericamente de forma diligente a obrigação de retirada decorrente do artigo 14.o, n.o 1, alínea b), desta diretiva ou as eventuais obrigações que, sendo caso disso, lhe tenham sido impostas por intermédio de uma injunção judicial, ou ainda o facto de esse prestador ter voluntariamente implementado outras medidas, tenderá para provar a sua boa‑fé.

125. No caso em apreço, cabe ao juiz nacional aplicar este teste a operadores como a YouTube e a Cyando. No entanto, parece‑me ser útil dar‑lhe algumas indicações a este respeito.

126. Em primeiro lugar, parece‑me que é difícil considerar, atendendo às características de uma plataforma como a plataforma YouTube, que o seu operador pretenda incentivar as utilizações ilegais desta plataforma. Em especial, o facto de as funções de pesquisa e de indexação da referida plataforma facilitarem, eventualmente, o acesso a conteúdos ilegais não pode constituir um indício a este respeito. Estas funções têm uma explicação objetiva e conferem um valor acrescentado para as utilizações lícitas da referida plataforma. Embora, no Acórdão Stichting Brein II («The Pirate Bay»), o Tribunal de Justiça tenha considerado que o facto de os administradores da plataforma controvertida terem implementado um motor de pesquisa e de indexarem os ficheiros armazenados constituía um indício da «natureza deliberada» da sua intervenção na partilha ilegal de obras protegidas (115), esta apreciação não pode ser separada do contexto específico desse processo, marcado pela intenção manifestada por esses administradores de facilitar as violações dos direitos de autor.

127. Por outro lado, contrariamente ao que a Elsevier alega, considero que o facto de um operador de plataforma como a plataforma Youtube permitir que alguns utilizadores insiram publicidade nos seus vídeos e lhes entregar uma parte das receitas geradas (116) não é suficiente para demonstrar, por seu turno, uma vontade de incitar estes últimos a colocarem em linha obras protegidas sem autorização dos seus autores. Pelo contrário, é facto assente, no que respeita à YouTube, que a inserção dessa publicidade é feita através do Content ID, que visa assegurar que esta possibilidade beneficia apenas os titulares de direitos, uma vez que deteta automaticamente a colocação em linha de vídeos que contêm obras protegidas efetuada por terceiros e, se necessário, permite que os referidos titulares coloquem, eles próprios, publicidade no vídeo em questão e recebam as receitas publicitárias (117).

128. Isto leva‑me ao facto de, além disso, a YouTube ter implementado ferramentas, em especial este programa informático, para lutar contra as violações dos direitos de autor na sua plataforma (118). Esta circunstância contribui para demonstrar, conforme já indiquei no n.o 124 das presentes conclusões, a boa‑fé do operador em relação às utilizações ilegais da sua plataforma (119).

129. Em segundo lugar, temo, em contrapartida, que as coisas sejam menos claras no que respeita à Uploaded. A este respeito, por um lado, contrariamente à Elsevier, não considero que o facto de um prestador permitir que os seus utilizadores coloquem em linha ficheiros «de forma anónima» demonstre uma intenção sua de facilitar a prática de atos ilegais. Esclareço que resulta dos autos de que o Tribunal de Justiça dispõe que para colocar um ficheiro em linha na Uploaded é necessário criar uma conta e indicar o apelido, o nome próprio e um endereço de correio eletrónico. A Elsevier critica assim o facto de a Cyando não verificar a exatidão das informações prestadas pelo utilizador através de um sistema de verificação de identidade ou de autenticação. Ora, embora a possibilidade de cada um utilizar a Internet e os serviços em linha sem controlo de identidade possa efetivamente ser aproveitada por indivíduos mal‑intencionados para praticarem atividades censuráveis, considero que esta possibilidade é no entanto protegida por normas tão fundamentais como o direito à vida privada, a liberdade de expressão e de consciência ou ainda a proteção dos dados, nomeadamente no direito da União (120) e no direito internacional (121). Assim, na minha opinião, os sistemas de verificação de identidade ou de autenticação só podem ser implementados para serviços específicos, nas condições previstas na lei.

130. O mero facto de um Sharehoster como a Uploaded gerar hiperligações de descarregamento para os ficheiros armazenados e permitir que os utilizadores os partilhem livremente também não prova, em minha opinião, uma intenção de facilitar as violações dos direitos de autor. Estas hiperligações têm uma explicação objetiva e oferecem um valor acrescentado para as utilizações lícitas do serviço. Nem sequer a proporção de utilizações ilegais da Uploaded — cujas partes no processo principal apresentam estimativas que são, no mínimo, contrastantes (122) — permite, na minha opinião, por si só, provar semelhante intenção por parte do seu operador, a fortiori se este tiver tomado medidas razoáveis para lutar contra as referidas violações.

131. Questiono‑me no entanto, por outro lado, sobre um programa de «parceria» como o que foi instituído pela Cyando. Recordo que, no âmbito deste programa, a Cyando paga uma remuneração a determinados utilizadores consoante o número de ficheiros descarregados que colocaram em linha (123). Tenho dúvidas a respeito da explicação objetiva e sobre o valor acrescentado desse programa para as utilizações lícitas do serviço. Em contrapartida, foi provado nos órgãos jurisdicionais nacionais que este programa tem por efeito incitar os utilizadores a colocarem em linha obras populares para que sejam descarregadas de forma ilegal. Não excluo assim que se possa deduzir o «caráter deliberado» da intervenção do prestador nos atos ilegais cometidos pelos seus utilizadores da implementação deste programa (124). Compete, se for caso disso, ao juiz nacional verificá‑lo.

B.      Quanto ao âmbito de aplicação da isenção de responsabilidade prevista no artigo 14.o, n.o 1, da Diretiva 2000/31 (segundas questões)

132. Conforme já indiquei, a secção 4 da Diretiva 2000/31 contém diversas disposições relativas à responsabilidade dos prestadores intermediários. Nesta secção, os artigos 12.o, 13.o e 14.o desta diretiva preveem cada um, no seu n.o 1, um «porto seguro» (safe harbour), respetivamente, para as atividades de «simples transporte», de «caching» e de «armazenagem em servidor» (125).

133. O artigo 14.o, n.o 1, da Diretiva 2000/31 aplica‑se, mais precisamente, em caso de «prestação de um serviço da sociedade da informação que consista no armazenamento de informações prestadas por um destinatário do serviço». Esta disposição prevê, em substância, que o prestador de tal serviço não pode ser responsabilizado por informações que armazena a pedido dos seus utilizadores, salvo se esse prestador, depois de ter tomado conhecimento ou consciência do caráter ilegal dessas informações, não as tiver retirado prontamente ou não as tiver tornado inacessíveis.

134. Sublinho que esta disposição não tem por objeto determinar, de forma afirmativa, a responsabilidade de semelhante prestador. Mais não faz do que limitar, de forma negativa, as situações nas quais este pode ser responsabilizado. Além disso, a isenção prevista na referida disposição refere‑se unicamente à responsabilidade que pode resultar das informações prestadas pelos utilizadores do seu serviço. Não abrange nenhum outro aspeto da atividade desse prestador (126).

135. Com as suas segundas questões, o Bundesgerichtshof (Supremo Tribunal Federal) pretende, em substância, saber se operadores como a YouTube e a Cyando podem beneficiar do artigo 14.o, n.o 1, da Diretiva 2000/31 para os ficheiros que armazenam a pedido dos utilizadores das suas plataformas.

136. Na minha opinião, assim será em geral. No entanto, considero que é necessário, antes de explicar a minha posição, clarificar uma questão, relativa à relação entre esta disposição e o artigo 3.o, n.o 1, da Diretiva 2001/29.

137. Com efeito, observo que o órgão jurisdicional de reenvio só formulou as suas segundas questões no caso de o Tribunal de Justiça responder — como sugiro que faça — de forma negativa às primeiras questões, no sentido de que operadores como a YouTube e a Cyando não realizam uma «comunicação ao público», na aceção do artigo 3.o, n.o 1, da Diretiva 2001/29, das obras colocadas em linha, se for caso disso ilicitamente, pelos utilizadores das suas plataformas. O órgão jurisdicional de reenvio parece assim partir da premissa de que, na hipótese, inversa, de esses operadores serem diretamente responsáveis nos termos do referido artigo 3.o, n.o 1, por tais «comunicações» ilegais, esses operadores não podem, por princípio, invocar a isenção prevista no artigo 14.o, n.o 1, da Diretiva 2000/31 (127).

138. No entanto, o artigo 14.o, n.o 1, da Diretiva 2000/31 aplica‑se, de forma horizontal, a qualquer forma de responsabilidade que possa resultar, para os prestadores visados, de qualquer tipo de informações que armazenem a pedido dos utilizadores dos seus serviços, independentemente de qual seja a origem dessa responsabilidade, o domínio do direito em causa e a qualificação ou a natureza exatas da referida responsabilidade. Assim, esta disposição abrange, na minha opinião, a responsabilidade tanto primária como secundária pelas informações prestadas e pelas atividades iniciadas por esses utilizadores (128).

139. Por conseguinte, na minha opinião, embora o artigo 14.o, n.o 1, da Diretiva 2000/31 seja, por princípio, inaplicável quando um prestador de serviços comunica ao público o seu «próprio» conteúdo, esta disposição é, em contrapartida, suscetível de se aplicar quando o conteúdo comunicado tenha sido fornecido, como no caso em apreço, pelos utilizadores do seu serviço (129). Esta interpretação é, a meu ver, suportada pelo facto de que nem esta disposição nem o artigo 3.o, n.o 1, da Diretiva 2001/29 preverem uma exceção para os prestadores que realizam a «comunicação ao público» de obras fornecidas pelos utilizadores dos seus serviços. Pelo contrário, o considerando 16 desta última diretiva sublinha que a aplicação desta «não prejudica as disposições relativas à responsabilidade constantes [da Diretiva 2000/31]».

140. Daqui resulta que, na hipótese de o Tribunal de Justiça responder, ao contrário daquilo que lhe sugiro, de forma afirmativa às primeiras questões, deverá, ainda assim, para fornecer uma resposta útil ao órgão jurisdicional de reenvio, responder às segundas questões. No entanto, os critérios que caracterizam uma «comunicação ao público», na aceção do artigo 3.o, n.o 1, da Diretiva 2001/29 e as condições de aplicação do artigo 14.o, n.o 1, da Diretiva 2000/31 podem ser interpretados de forma coerente, conforme demonstrarei, para que, na prática, se evitem as sobreposições entre estas duas disposições.

141. Feita esta clarificação, resulta do artigo 14.o, n.o 1, da Diretiva 2000/31 que o âmbito de aplicação desta disposição depende de dois requisitos cumulativos: por um lado, deve ser prestado um «serviço da sociedade da informação»; por outro, esse serviço deve «consist[ir] no armazenamento de informações prestadas por um destinatário do serviço […] a pedido» deste último.

142. A interpretação do primeiro requisito não suscita dificuldades nos presentes processos. A este respeito, recordo que o conceito de «serviço da sociedade da informação» visa «qualquer serviço prestado normalmente mediante remuneração, à distância, por via eletrónica e mediante pedido individual de um destinatário de serviços» (130). Ora, os serviços prestados por operadores como a YouTube e a Cyando são manifestamente prestados «à distância», «por via eletrónica», e «mediante pedido individual de um destinatário de serviços» (131). Além disso, estes serviços são prestados «contra remuneração». O facto de um operador como a YouTube se remunerar nomeadamente através de publicidade e de não pedir um pagamento direto aos utilizadores da sua plataforma (132) não põe esta interpretação em causa (133).

143. No que respeita ao segundo requisito, as coisas são à primeira vista menos evidentes. Por um lado, parece claro que um operador como a Cyando presta, no âmbito da Uploaded, um serviço «que consiste em armazenar» ficheiros nos seus servidores, isto é, «informações» (134) que são «prestadas por um destinatário de serviços», a saber, o utilizador que procede à sua colocação em linha, e isto «a pedido» deste último, uma vez que decide sobre os ficheiros em questão.

144. No entanto, por outro lado, embora seja facto assente que um operador como a YouTube armazena os vídeos colocados em linha pelos utilizadores da sua plataforma, trata‑se apenas de um dos numerosos aspetos da sua atividade. Importa assim determinar se esta circunstância impede este operador de beneficiar do artigo 14.o, n.o 1, da Diretiva 2000/31.

145. Na minha opinião, não. Com efeito, embora exija que o serviço fornecido pelo prestador «consista no armazenamento de informações prestadas por um destinatário do serviço», esta disposição não impõe que essa atividade seja o único objeto, nem sequer o objeto principal. Este requisito está, pelo contrário, formulado de forma ampla.

146. Daqui decorre, na minha opinião, que o artigo 14.o, n.o 1, da Diretiva 2000/31 pode, em princípio, abranger qualquer prestador de um «serviço da sociedade da informação» que realize, à semelhança da YouTube ou da Cyando, no âmbito desse serviço, o armazenamento de informações prestadas pelos seus utilizadores, a pedido destes últimos (135). No entanto, repito, a isenção prevista nesta disposição limita‑se, em qualquer hipótese, à responsabilidade que pode resultar dessas informações e não se estende aos outros aspetos da atividade do prestador em questão.

147. A jurisprudência do Tribunal de Justiça proferida até hoje segue esta abordagem. A este respeito, no Acórdão Google France, o Tribunal de Justiça declarou que o prestador de um serviço de referenciamento na Internet, como o Google, no que respeita ao serviço AdWords, pode beneficiar do artigo 14.o, n.o 1, da Diretiva 2000/31. Com efeito, o Tribunal de Justiça considerou que este serviço «[consiste] no armazenamento de informações prestadas por um destinatário do serviço», na aceção desta disposição, uma vez que, no âmbito do referido serviço, este prestador armazena determinadas informações, como as palavras‑chave selecionadas pelos utilizadores anunciantes, as hiperligações promocionais e mensagens comerciais que as acompanham, bem como os endereços dos sítios desses anunciantes (136). É evidente que o Tribunal de Justiça não considerou problemático o facto de o armazenamento das referidas informações se integrar no âmbito de uma atividade mais ampla.

148. No entanto, o Tribunal de Justiça consagrou atenuações. Na sua opinião, um prestador de serviços só pode beneficiar da isenção de responsabilidade prevista no artigo 14.o, n.o 1, da Diretiva 2000/31 relativamente a informações que armazena a pedido dos seus utilizadores se o seu comportamento se limitar ao de um «prestador intermediário» no sentido pretendido pelo legislador da União no âmbito da secção 4 desta diretiva. À luz do considerando 42 da referida diretiva, o Tribunal de Justiça declarou que importa, a este respeito, examinar «se o papel desempenhado pelo referido prestador é neutro, ou seja, se o seu comportamento é puramente técnico, automático e passivo, implicando o desconhecimento ou a falta de controlo dos dados que armazena» ou se, pelo contrário, desempenha «um papel ativo suscetível de lhe facultar um conhecimento ou um controlo dos dados armazenados» (137).

149. De forma semelhante, no Acórdão L’Oréal/eBay, o Tribunal de Justiça declarou que um operador de um sítio de comércio eletrónico, como a eBay, pode beneficiar do artigo 14.o, n.o 1, da Diretiva 2000/31. Também aqui, o Tribunal de Justiça salientou, por um lado, que o serviço prestado por esse operador consiste nomeadamente em armazenar informações prestadas pelos utilizadores do sítio de comércio eletrónico. Estão em causa, em especial, os dados das suas propostas de venda. Por outro lado, o Tribunal de Justiça recordou que um prestador de serviços só pode beneficiar da isenção de responsabilidade prevista nesta disposição para tais informações se atuar como «prestador intermediário». Não é o que sucede quando este prestador, «em vez de se limitar a uma prestação neutra [do seu serviço] através de um processamento puramente técnico e automático dos dados fornecidos pelos seus clientes, desempenha um papel ativo suscetível de lhe facultar um conhecimento ou um controlo destes dados» (138).

150. Resulta destes acórdãos que operadores como a YouTube e a Cyando, que realizam, no âmbito da sua atividade, o armazenamento de informações prestadas pelos utilizadores das suas plataformas, podem beneficiar, no que respeita à responsabilidade suscetível de resultar do caráter ilegal de algumas dessas informações, da isenção prevista no artigo 14.o, n.o 1, da Diretiva 2000/31, desde que não tenham desempenhado um «papel ativo» suscetível de lhes conferir «um conhecimento ou um controlo» das informações em questão.

151. A este respeito, esclareço que, como sublinha a Comissão, qualquer prestador de serviços que armazene informações prestadas pelos seus utilizadores tem necessariamente um certo controlo sobre estas. Tem, em especial, a capacidade técnica de as suprimir ou de impossibilitar o acesso a estas. É precisamente por isso que se espera desse operador, nos termos do artigo 14.o, n.o 1, alíneas a) e b), da Diretiva 2000/31, que aja desta forma quando toma conhecimento das informações ilegais (139). Esta capacidade de controlo não pode, por si só, demonstrar que um prestador de serviços desempenha um «papel ativo» — sob pena de privar o referido artigo 14.o, n.o 1, de qualquer efeito útil (140).

152. Na realidade, o «papel ativo» referido pelo Tribunal de Justiça refere‑se, legitimamente, ao conteúdo em si mesmo das informações prestadas pelos utilizadores. Entendo a jurisprudência do Tribunal de Justiça no sentido de que o prestador desempenha esse «papel ativo» suscetível de lhe conferir «um conhecimento ou um controlo» das informações que armazena a pedido dos utilizadores do seu serviço quando não se limita a um tratamento dessas informações que seja neutro relativamente ao seu conteúdo, mas, pela natureza da sua atividade, se considera que aquele adquire o domínio intelectual desse conteúdo. É o que sucede quando o prestador seleciona as informações armazenadas (141), quando se envolve ativamente no seu conteúdo de outra forma ou ainda quando apresenta essas informações aos olhos do público de tal forma que parecem ser suas. Nestas hipóteses, o prestador sai do papel de intermediário das informações prestadas pelos utilizadores do seu serviço: apropria‑se delas (142).

153. Ora, na minha opinião, operadores como a YouTube e a Cyando não desempenham, em princípio, esse «papel ativo» relativamente às informações que armazenam a pedido dos utilizadores das suas plataformas.

154. Com efeito, em primeiro lugar, recordo que a colocação de ficheiros em linha em semelhantes plataformas é feita de forma automática, sem visualização ou seleção prévia pelos seus operadores. Como alegam, em substância, o Governo finlandês e a Comissão, estes operadores não adquirem assim o domínio dessas informações no momento da respetiva colocação em linha.

155. Em segundo lugar, contrariamente ao que a Elsevier alega, o facto de as informações armazenadas poderem ser consultadas ou descarregadas diretamente a partir dessas mesmas plataformas não é suscetível de indicar um «papel ativo» por parte dos seus operadores. A este respeito, pouco importa que um prestador domine o acesso às informações que armazena a pedido dos utilizadores do seu serviço. A título de exemplo, para aceder aos anúncios colocados em linha através do AdWords, é necessário utilizar o motor de pesquisa da Google (143). Do mesmo modo, o acesso às propostas de venda colocadas em linha na plataforma eBay exige um acesso ao sítio de comércio eletrónico (144). O Tribunal de Justiça não considerou nos Acórdãos Google France e L’Oréal/eBay que esta circunstância era pertinente, e fê‑lo com razão. Com efeito, só interessa a questão de saber se o prestador domina o conteúdo das informações armazenadas. A circunstância de estas últimas estarem acessíveis a partir da plataforma ou do sítio Internet do prestador não é suscetível de o indicar, uma vez que a sua consulta ou o seu descarregamento após pedido individual de um utilizador é realizada através de processos «puramente técnicos e automáticos».

156. Em terceiro lugar, não obstante aquilo que a Elsevier dá a entender, não estou convencido de que um operador como a YouTube ou a Cyando apresente, aos olhos de terceiros, as informações que armazena a pedido dos seus utilizadores e às quais dá acesso a partir da sua plataforma de uma forma tal que parecem ser suas. Por um lado, não é o que sucede uma vez que um operador como a YouTube indica, para cada vídeo publicado na sua plataforma, qual o utilizador que a colocou em linha. Por outro lado, um internauta médio, razoavelmente avisado, sabe que os ficheiros armazenados através de uma plataforma de armazenamento e de partilha de ficheiros como a Uploaded não provêm, regra geral, do seu operador.

157. Em quarto lugar, considero que nem o facto de um operador como a YouTube (145) estruturar a forma como os vídeos fornecidos pelos seus utilizadores são apresentados na plataforma, integrando‑os numa interface de visualização padrão e indexando‑os em diferentes rubricas, nem o facto de essa plataforma integrar uma função de pesquisa e de o operador tratar os resultados de pesquisa, resumidos na página principal da plataforma sob a forma de uma classificação dos vídeos em diferentes categorias, são suscetíveis de demonstrar que esse operador desempenha um «papel ativo» relativamente a esses vídeos.

158. Por um lado, o facto de um prestador estruturar a forma como as informações prestadas pelos utilizadores do seu serviço são apresentadas na sua plataforma ou no seu sítio Internet, a fim de facilitar a sua utilização e, assim, de otimizar o acesso a essas informações, não é, na minha opinião, pertinente. O argumento contrário, alegado nomeadamente por F. Peterson e pelo Governo francês, reflete, a meu ver, uma má compreensão do Acórdão L’Oréal/eBay. Embora o Tribunal de Justiça tenha declarado, nesse acórdão, que um prestador como a eBay desempenha um «papel ativo» quando presta a determinados vendedores, relativamente a certas propostas de venda, uma assistência que consiste em «otimizar a apresentação [dessas propostas]» (146), o Tribunal de Justiça referia‑se neste caso ao facto de a eBay prestar por vezes uma assistência individual sobre a maneira de otimizar, realçar e de estruturar o conteúdo de propostas concretas (147). Com efeito, ao prestar semelhante assistência, a eBay envolve‑se ativamente no conteúdo das propostas em questão, conforme referido no n.o 152 das presentes conclusões (148).

159. Em contrapartida, o Tribunal de Justiça não se referia ao facto de a eBay estruturar a apresentação geral das propostas de venda colocadas em linha no seu sítio de comércio eletrónico (149). O facto de um prestador dominar as condições de apresentação das informações que armazena a pedido dos utilizadores do seu serviço não demonstra que domina o conteúdo dessas informações. Em minha opinião, só uma assistência individual relativa a uma informação concreta é pertinente a este respeito. Em suma, desde que um operador como a YouTube não dê assistência aos utilizadores da sua plataforma, de forma individual, sobre a forma de otimizar os seus vídeos (150), não desempenha um «papel ativo» em relação aos vídeos armazenados.

160. No que respeita, por outro lado, às funções de pesquisa e de indexação, além de estas serem indispensáveis para permitir que os utilizadores da plataforma encontrem as informações que pretendem consultar, recordo que estas funções são realizadas de forma automatizada. São o resultado de «processamentos puramente técnicos e automáticos» das informações armazenadas a pedido dos utilizadores, conforme previsto pelo Tribunal de Justiça na sua jurisprudência (151). A circunstância de o prestador ter desenvolvido as ferramentas e, em especial, o algoritmo que permite realizar estes processamentos e de dominar, por este motivo, nomeadamente, as condições de visualização dos resultados de pesquisa, não demonstra que domina o conteúdo das informações pesquisadas (152).

161. Em quinto lugar, contrariamente ao que F. Peterson e o Governo francês alegam, o facto de um operador como a YouTube apresentar aos utilizadores registados na sua plataforma uma súmula dos «vídeos recomendados» também não é suscetível de demonstrar um «papel ativo» do referido operador. Também neste caso este argumento reflete uma má compreensão do Acórdão L’Oréal/eBay. Ao declarar, neste acórdão, que um prestador como a eBay desempenha esse «papel ativo» quando presta a determinados vendedores, relativamente a certas propostas de venda, uma assistência que consiste «em promover essas propostas» (153), o Tribunal de Justiça tinha em vista a circunstância de a própria eBay fazer, por vezes, a promoção de determinadas propostas fora do seu sítio de comércio eletrónico, na Internet, por intermédio, nomeadamente, do serviço de referenciamento AdWords (154). A eBay adquire o domínio intelectual dessas propostas, uma vez que se serve desse domínio para publicitar o seu sítio de comércio eletrónico e, desta forma, apropria‑se delas.

162. Em contrapartida, o facto de um operador como a YouTube recomendar aos utilizadores da sua plataforma, de forma automatizada, vídeos análogos àqueles que foram anteriormente consultados não me parece ser determinante. É facto assente que a eBay também recomenda aos utilizadores do seu sítio de comércio eletrónico, do mesmo modo, propostas análogas às que consultaram no passado. Contudo, o Tribunal de Justiça, em minha opinião, não tomou esta circunstância em consideração no Acórdão L’Oréal/eBay (155). Trata‑se a priori, uma vez mais, de um «processamento puramente técnico e automático» das informações armazenadas. Novamente, a circunstância de o prestador ter desenvolvido as ferramentas e, em especial, o algoritmo que permite esse tratamento e de, por esse motivo, dominar as condições de visualização das informações recomendadas não demonstra que domine o conteúdo destas últimas (156).

163. Em sexto lugar, contrariamente ao que F. Peterson e a Elsevier alegam, o modelo económico adotado por operadores como a YouTube e a Cyando não é suscetível de demonstrar que estes últimos desempenham um «papel ativo» nas informações que armazenam a pedido dos utilizadores das suas plataformas.

164. A este respeito, o facto, para um prestador, de ser remunerado a título de contrapartida pelo seu serviço é um dos requisitos que caracteriza um «serviço da sociedade da informação». Por conseguinte, trata‑se, por extensão, de um pré‑requisito para ser abrangido pelo artigo 14.o, n.o 1, da Diretiva 2000/31. Por outro lado, o facto de essa remuneração consistir nomeadamente em receitas publicitárias, que não dependem do espaço de armazenamento fornecido, mas da atratividade das informações armazenadas a pedido dos utilizadores da plataforma não é, a meu ver, pertinente (157). Sobre esta questão, recordo que o legislador da União pretendia incluir no âmbito de aplicação desta diretiva os prestadores de serviços que se financiam, nomeadamente, através de publicidade (158). Por outro lado, nada na redação do artigo 14.o, n.o 1, da referida diretiva tende a indicar que esse prestador deve ser excluído do direito de beneficiar desta disposição pelo facto de ser remunerado desta forma.

165. De resto, recordo que o Tribunal de Justiça declarou, nos Acórdãos Google France e L’Oréal/eBay, que a mera circunstância de um serviço ser pago e de o prestador fixar as modalidades de remuneração não é suscetível de demonstrar que este tem um «papel ativo» (159). Ora, a remuneração da Google, no âmbito do serviço AdWords, depende da atratividade das informações armazenadas, uma vez que, nomeadamente, esta remuneração varia em função do número de cliques efetuados nas hiperligações promocionais que utilizam as palavras‑chave escolhidas pelos utilizadores anunciantes (160). De forma semelhante, a remuneração da eBay também depende das informações armazenadas, uma vez que a eBay recebe uma percentagem sobre as transações efetuadas a partir das propostas de venda (161). Assim, nestes acórdãos, o Tribunal de Justiça reconheceu implícita mas necessariamente que semelhante circunstância não é pertinente (162).

166. Em sétimo lugar, não se pode considerar que um prestador desempenha um «papel ativo» relativamente às informações que armazena apenas porque efetua proativamente determinados controlos, como os que são realizados pela YouTube através do Content ID, para detetar a presença de informações ilegais nos seus servidores. Com efeito, como sublinha o Governo finlandês, resulta do considerando 40 da Diretiva 2000/31 que as disposições desta diretiva a respeito da responsabilidade dos prestadores intermediários «não deveriam constituir obstáculo ao desenvolvimento e aplicação efetiva […] de instrumentos de controlo técnico, que a tecnologia digital permite». De resto, importa, na minha opinião, evitar que se adote uma interpretação do conceito de «papel ativo» que seja suscetível de conduzir ao resultado paradoxal segundo o qual um prestador de serviços que efetue determinadas pesquisas por sua própria iniciativa nas informações que armazena a fim de lutar, nomeadamente, contra as violações dos direitos de autor, no interesse dos titulares de direitos, deixe de poder beneficiar da isenção de responsabilidade prevista no artigo 14.o, n.o 1, da referida diretiva e seja, assim, tratado mais severamente do que um prestador que não o faça (163).

167. Por último, recordo que, por analogia, nos Acórdãos SABAM (164) e Glawischnig‑Piesczek (165), o Tribunal de Justiça salientou que «é pacífico» que os operadores de plataformas de redes sociais podem invocar em seu benefício o artigo 14.o, n.o 1, da Diretiva 2000/31 relativamente às informações que armazenam a pedido dos seus utilizadores. Embora, como observou o Governo francês na audiência, a expressão «é pacífico» sublinhe que o Tribunal de Justiça se baseou, nesses acórdãos, numa premissa não disputada pelas partes ou pelos órgãos jurisdicionais de reenvio, observo no entanto que o Tribunal de Justiça não deixa, no âmbito das decisões prejudiciais, de questionar as premissas relativas à interpretação do direito da União que lhe pareçam ser duvidosas (166). Ora, não o fez no caso em apreço (167).

168. Atendendo às considerações que precedem, sugiro ao Tribunal de Justiça que responda às segundas questões que o operador de uma plataforma de partilha de vídeos, como a YouTube, e o operador de uma plataforma de armazenagem em servidor e de partilha de ficheiros, como a Cyando, podem, em princípio, beneficiar da isenção prevista no artigo 14.o, n.o 1, da Diretiva 2000/31 para qualquer responsabilidade suscetível de resultar dos ficheiros que armazenam a pedido dos utilizadores das suas plataformas (168).

C.      Quanto ao requisito de isenção, respeitante ao não conhecimento ou à falta de consciência de uma informação ilegal, previsto no artigo 14.o, n.o 1, alínea a), da Diretiva 2000/31 (terceiras questões)

169. Como expliquei no âmbito da minha análise das segundas questões prejudiciais, operadores como a YouTube ou a Cyando podem, em princípio, invocar o artigo 14.o, n.o 1, da Diretiva 2000/31. Em conformidade com esta disposição, um prestador não pode ser responsabilizado pelas informações que armazena a pedido dos utilizadores do seu serviço, desde que a) não tenha «conhecimento efetivo da atividade ou informação ilegal» e, relativamente a uma ação de indemnização, não tenha «conhecimento de factos ou circunstâncias que evidenciam a atividade ou informação ilegal» (169) ou que, b) depois de ter adquirido tais conhecimentos, tenha «atu[ado] com diligência no sentido de retirar ou impossibilitar o acesso às informações».

170. Com as suas terceiras questões, o órgão jurisdicional de reenvio interroga o Tribunal de Justiça sobre a interpretação da condição prevista no referido artigo 14.o, n.o 1, alínea a). Pretende, em substância, saber se esta condição se refere a informações ilegais concretas.

171. A resposta a esta questão tem consequências importantes para todas as situações nas quais se procura determinar a responsabilidade de um prestador a título das informações ilegais que armazena. Em substância, equivale a saber se, para que o prestador perca o direito a beneficiar da isenção prevista no artigo 14.o, n.o 1, da Diretiva 2000/31, o recorrente tem de demonstrar que esse prestador tinha «conhecimento» ou «consciência» dessas informações em concreto, ou se é suficiente demonstrar que o referido prestador tinha um «conhecimento» ou uma «consciência» geral e abstrata do facto de que armazenava informações ilegais e de que os seus serviços são utilizados em atividades ilegais.

172. Na minha opinião, as hipóteses previstas no artigo 14.o, n.o 1, alínea a), da Diretiva 2000/31 referem‑se efetivamente a informações ilegais concretas.

173. Como salienta o órgão jurisdicional de reenvio, e como alegaram a Google, bem como os Governos alemão e francês, esta interpretação resulta da própria redação do artigo 14.o, n.o 1, alínea a), da Diretiva 2000/31, que utiliza um artigo definido («a atividade ou informação ilegal» e «a atividade ou informação ilegal») (o sublinhado é meu) (170). Se o legislador da União tivesse pretendido referir‑se a um conhecimento ou à consciência geral do facto de que as informações ilegais se encontram nos servidores do prestador ou de que os seus serviços são utilizados em atividades ilegais, teria utilizado um artigo indefinido («uma atividade ou informação ilegais» ou «atividades ou informações ilegais»). Saliento ainda que o artigo 14.o, n.o 1, alínea b), da referida diretiva também utiliza um artigo definido («retirar ou impossibilitar o acesso às informações») (o sublinhado é meu).

174. Esta interpretação impõe‑se igualmente à luz do contexto geral em que se inscreve o artigo 14.o, n.o 1, da Diretiva 2000/31 e do objetivo prosseguido por esta disposição.

175. A este respeito, recordo que, quando previu as isenções de responsabilidade previstas na secção 4 da Diretiva 2000/31, o legislador da União pretendeu permitir que os prestadores intermediários forneçam os seus serviços sem incorrerem num risco desproporcionado de responsabilidade a título das informações que tratam a pedido dos seus utilizadores. Em especial, o artigo 14.o, n.o 1, desta diretiva visa evitar que estes prestadores sejam geralmente responsabilizados devido à ilegalidade das informações que armazenam, cujo número é frequentemente considerável e sobre as quais, em princípio, não têm domínio intelectual. O referido legislador pretendia instituir, a este respeito, um equilíbrio entre os diferentes interesses em jogo. Por um lado, aos referidos prestadores não pode, em conformidade com o artigo 15.o, n.o 1, da referida diretiva, ser imposta a obrigação geral de vigilância sobre as informações que transmitem ou armazenam, ou a obrigação geral de procura ativa dos factos ou das circunstâncias que indiciem atividades ilegais. Por outro lado, os mesmos prestadores devem, desde que tomem efetivamente conhecimento ou consciência de uma informação ilegal, agir com diligência para retirarem essa informação ou impossibilitarem o acesso à mesma, no respeito pelo princípio da liberdade de expressão e dos procedimentos estabelecidos para este efeito a nível nacional (171).

176. Por conseguinte, o artigo 14.o, n.o 1, da Diretiva 2000/31 destina‑se a constituir uma base para o desenvolvimento, ao nível dos Estados‑Membros, dos procedimentos ditos de notice and take down (notificação e retirada) (172) e as condições previstas nas suas alíneas a) e b) refletem, assim, a lógica destes procedimentos: quando uma informação ilegal concreta é levada à atenção de um prestador de serviços (173), este deve suprimi‑la com diligência.

177. F. Peterson e a Elsevier realçam, contudo, que plataformas como a YouTube e a Uploaded dão lugar a um número significativo de utilizações ilegais, utilizações que são regularmente notificadas aos seus operadores. Por conseguinte, os recorrentes no processo principal alegam, novamente, que estes operadores devem suportar obrigações de diligência que implicam evitar e procurar ativamente as infrações cometidas nas suas plataformas. Consequentemente, não podem invocar que ignoram as informações ilegais concretas que aí se encontram. A este respeito, deve presumir‑se o seu «conhecimento» ou a sua «consciência».

178. Na minha opinião, a interpretação assim sugerida pelos titulares de direitos não é simplesmente conciliável com o direito da União, no seu estado atual.

179. Esta argumentação não pode, desde logo, ser conciliada com a primeira frase do artigo 14.o, n.o 1, alínea a), da Diretiva 2000/31, relativa ao «conhecimento efetivo». Para demonstrar semelhante «conhecimento efetivo», deve‑se atender não àquilo que o prestador saberia se tivesse sido diligente, mas sim àquilo que realmente conhecia (174).

180. Impõem‑se mais explicações no que se refere à hipótese da «consciência» referida na segunda frase do artigo 14.o, n.o 1, alínea a), da Diretiva 2000/31. O Tribunal de Justiça apresentou diversos esclarecimentos a este respeito no Acórdão L’Oréal/eBay. Recordo que, no processo que deu origem a este acórdão, pretendia‑se apurar a responsabilidade da eBay devido a determinadas propostas de venda, colocadas em linha no seu sítio de comércio eletrónico, que eram suscetíveis de violar marcas da L’Oréal. Neste contexto, o Tribunal de Justiça declarou que, para determinar se o operador de um sítio de comércio eletrónico tem «consciência» dessas propostas, na aceção desta disposição, há que verificar se este tem «conhecimento de factos ou de circunstâncias com base nos quais um operador económico diligente deveria ter constatado a ilegalidade em causa e agir em conformidade [com o artigo 14.o, n.o 1, alínea b), desta diretiva]». Pode ser esse o caso em «qualquer situação na qual o prestador em causa toma conhecimento, por qualquer forma, desses factos ou circunstâncias» e, em especial, quando «toma conhecimento da existência de uma atividade ou de uma informação ilegais na sequência de um exame efetuado por sua própria iniciativa» ou ainda «em que a existência dessa atividade ou dessa informação lhe é notificada» (175).

181. Resulta desse acórdão que determinadas obrigações de diligência se impõem efetivamente a um prestador de serviços nos termos do artigo 14.o, n.o 1, da Diretiva 2000/31. A este título, tal prestador pode por vezes perder o direito a beneficiar da isenção prevista nesta disposição pelo facto de que devia ter sabido que uma determinada informação era ilegal e que, não obstante, não a suprimiu.

182. No entanto, estas obrigações de diligência são claramente mais direcionadas do que aquilo que os recorrentes no processo principal sugerem. Na minha opinião, não se pode deduzir do referido acórdão que um prestador de serviços, para se comportar como «operador económico diligente», deve, a partir do momento em que tem um conhecimento abstrato de que existem informações ilegais nos seus servidores, procurar ativamente, de forma geral, tais informações ilegais e que, consequentemente, se presume que este tem «consciência» de cada uma destas.

183. A este respeito, é incontestável que, tendo em conta o número de propostas de venda publicadas diariamente num sítio de comércio eletrónico como a plataforma eBay, o operador de tal plataforma sabe que um determinado número de entre estas pode violar direitos de propriedade intelectual. Não obstante, o Tribunal de Justiça, no Acórdão L’Oréal/eBay, não declarou que esse operador tem «consciência» de qualquer uma destas propostas fraudulentas. Pelo contrário, o Tribunal de Justiça considerou que havia que verificar se tinham sido levados ao conhecimento desse prestador factos ou circunstâncias relativos às propostas de venda em causa. Para o Tribunal de Justiça, importava nomeadamente verificar se o referido prestador tinha recebido uma notificação suficientemente precisa e fundamentada relativamente a essas propostas (176).

184. Daqui resulta que a hipótese prevista na segunda frase do artigo 14.o, n.o 1, alínea a), da Diretiva 2000/31, na qual um prestador de serviços tem «conhecimento de factos ou de circunstâncias que evidenciam a atividade ou informação ilegal», se refere ao caso em que o prestador tem (efetivamente) conhecimento de elementos objetivos, relativos a uma informação concreta presente nos seus servidores, que deveriam bastar‑lhe, desde que faça prova da diligência exigida, para se aperceber da ilegalidade dessa informação e suprimi‑la, de acordo com o referido número 1, alínea b), desta diretiva.

185. Em suma, um prestador de serviços tem obrigação de tratar de forma diligente os factos e as circunstâncias levados ao seu conhecimento, em especial no âmbito de notificações respeitantes a informações ilegais concretas. Isto não pode ser confundido com uma obrigação geral de procura ativa, de maneira geral, de tais factos e circunstâncias. Tal interpretação inverteria a lógica do artigo 14.o, n.o 1, da Diretiva 2000/31 e seria incompatível com o artigo 15.o desta diretiva (177).

186. Além disso, importa não perder de vista que a lógica de «notificação e retirada» subjacente ao referido artigo 14.o, n.o 1, visa, como indiquei, criar um equilíbrio entre os diferentes interesses em jogo, e, em especial, salvaguardar a liberdade de expressão dos utilizadores.

187. Neste âmbito, a lógica do sistema de notificações não visa apenas permitir que um prestador de serviços descubra a existência e a localização de uma informação ilegal presente nos seus servidores. Uma notificação também visa fornecer‑lhe elementos suficientes para se certificarem do caráter ilegal dessa informação. Com efeito, em conformidade com este mesmo artigo 14.o, n.o 1, um prestador só deve remover semelhante informação quando o seu caráter ilegal seja «evidente», ou seja, manifesto. (178). Em meu entender, esta exigência pretende evitar que um prestador tenha, ele próprio, de decidir questões jurídicas complexas e que, desta forma, se transforme em árbitro da legalidade em linha.

188. Ora, embora o caráter ilegal de certas informações se imponha de forma imediata (179), tal não é, regra geral, o caso em matéria de direitos de autor. A apreciação da natureza ilegal de um ficheiro exige vários elementos de contexto e pode necessitar de uma análise jurídica aprofundada. Por exemplo, determinar se um vídeo colocado em linha numa plataforma como a plataforma YouTube viola um direito de autor implica, em princípio, que se determine, primeiro, se esse vídeo contém uma obra, segundo, se o terceiro que se queixa é titular de direitos sobre essa obra, terceiro, se a utilização feita da obra viola os seus direitos, exigindo este último ponto que se avalie, desde logo, se a utilização foi feita com a sua autorização, e, em seguida, se é potencialmente aplicável uma exceção. A análise é, além disso, complicada pelo facto de os eventuais direitos e licenças sobre a obra poderem variar de um Estado‑Membro para outro, tal como essas exceções, em função do direito aplicável (180).

189. Se um prestador de serviços tivesse de procurar ativamente todas as informações fraudulentas presentes nos seus servidores, sem assistência dos titulares de direitos, isso obrigá‑lo‑ia a apreciar ele próprio, de forma geral e sem os elementos de contexto necessários, o que se enquadra na atividade ilegal. Embora algumas situações deixem pouca margem para dúvidas (181), em numerosas situações as questões serão equívocas. Por exemplo, determinar quem detém direitos sobre uma obra raramente é coisa fácil (182). Além disso, quando um excerto de uma obra protegida está incluído num vídeo colocado em linha por um terceiro, podem aplicar‑se determinadas exceções, como a utilização para efeitos de citação ou de paródia (183). Existe o risco de que, em todas essas situações equívocas, o prestador penda a favor da retirada sistemática das informações presentes nos seus servidores, a fim de evitar qualquer risco de responsabilidade relativamente aos titulares de direitos. Com efeito, parecer‑lhe‑á frequentemente mais fácil retirar uma informação em vez de correr o risco de ser intentada contra si uma ação de responsabilidade e de dever, ele próprio, pleitear, por exemplo, a aplicação de semelhante exceção. Tal «excesso de retirada» coloca um problema evidente em matéria de liberdade de expressão (184).

190. Por estas razões, como alega o órgão jurisdicional de reenvio, o caráter ilegal de uma informação só pode ser considerado «evidente», na aceção do artigo 14.o, n.o 1, alínea a), da Diretiva 2000/31, quando o prestador em causa tiver recebido uma notificação que lhe dê elementos suficientes que permitam que um «operador económico diligente» colocado na sua situação constate esse caráter facilmente e sem exame jurídico e material aprofundado. Concretamente, essa notificação deve identificar a obra protegida, descrever a violação imputada e fornecer indícios suficientemente claros quanto aos direitos que a vítima alega ter sobre a obra. Acrescentarei que, quando a aplicação de uma exceção não for imediatamente excluída, a notificação deve conter explicações razoáveis sobre as razões pelas quais deveria sê‑lo. Na minha opinião, só semelhante interpretação é suscetível de evitar o risco de que os prestadores intermediários se transformem em árbitros da legalidade em linha, bem como o risco de «excesso de retirada» evocados no número anterior (185).

191. Feito este esclarecimento, é ainda necessário fazer duas precisões finais. Em primeiro lugar, existe, na minha opinião, um caso no qual um prestador de serviços não se pode esconder atrás do facto de que não tem efetivamente «conhecimento» ou «consciência» das informações ilegais concretas em relação às quais se pretende determinar a sua responsabilidade, e no qual um conhecimento geral e abstrato do facto de que armazena informações ilegais e de que os seus serviços são utilizados para atividades ilegais deve ser suficiente. Trata‑se do caso no qual esse prestador facilita deliberadamente que atos ilegais sejam praticados por utilizadores do seu serviço. Quando elementos objetivos demonstrarem a má‑fé do referido prestador (186), este perde, na minha opinião, o direito de beneficiar da isenção de responsabilidade prevista no artigo 14.o, n.o 1, da Diretiva 2000/31 (187).

192. Em segundo lugar, F. Peterson e a Elsevier alegam que, quando um prestador de serviços tenha recebido uma notificação suficientemente precisa e fundamentada relativa a uma informação ilegal, o artigo 14.o, n.o 1, alínea b), da Diretiva 2000/31 exige não apenas que esse prestador retire a informação ou impossibilite o acesso a esta mas também que tome as medidas necessárias para «bloquear» essa informação, ou seja, impeça que esta seja novamente colocada em linha. Por outras palavras, na hipótese de um prestador receber semelhante notificação, presume‑se que tem «consciência» não apenas da informação que se encontra atualmente nos seus servidores mas também de todas as eventuais futuras colocações em linha da mesma informação, sem que se exija uma nova notificação para cada uma delas.

193. A este respeito, os titulares dos direitos alegam regularmente que as informações que foram objeto de notificação e que foram retiradas por um prestador de serviços são frequentemente repostas em linha pouco tempo depois. Por conseguinte, são obrigados a controlar continuamente todos os sítios Internet suscetíveis de armazenarem as suas obras e a multiplicar as notificações. A solução sugerida por estes titulares para obviar ao problema seria interpretar o artigo 14.o, n.o 1, da Diretiva 2000/31 no sentido de que prevê um sistema não apenas de notice and take down (notificação e retirada) mas também de notice and stay down (notificação e bloqueio).

194. Em minha opinião, integrar no artigo 14.o, n.o 1, da Diretiva 2000/31 uma obrigação de stay down alteraria significativamente o alcance desta disposição. Retirar uma informação implica, para o prestador de serviços, uma reação (diligente) a uma notificação. Bloquear uma informação necessita, em contrapartida, que seja instalada uma tecnologia de filtragem das informações que armazena. Neste âmbito, não se trata apenas de impedir que seja novamente recolocado em linha um determinado ficheiro informático, mas também evitar qualquer ficheiro com conteúdo equivalente. Independentemente do facto de que determinados prestadores, entre os quais, ao que parece, a YouTube, dispõem de tecnologias que permitem esse stay down e de que as aplicam voluntariamente, parece‑me delicado integrar, através de uma interpretação «dinâmica», tal obrigação nesta disposição e fazê‑la assim recair sobre qualquer prestador de serviços, incluindo sobre aqueles que não dispõem dos recursos necessários para instalar semelhante tecnologia (188).

195. Em contrapartida, considero que essa obrigação de stay down pode, em condições que esclarecerei no âmbito da minha análise das quartas questões, ser imposta a determinados prestadores de serviços, em função nomeadamente das suas capacidades, no âmbito de uma injunção judicial, em conformidade com o disposto no artigo 8.o, n.o 3, da Diretiva 2001/29.

196. Atendendo a todas as considerações que precedem, sugiro ao Tribunal de Justiça que responda às terceiras questões que o artigo 14.o, n.o 1, alínea a), da Diretiva 2000/31 deve ser interpretado no sentido de que as hipóteses aí referidas, a saber, aquela em que um prestador de serviços tenha «conhecimento efetivo da atividade ou informação ilegal» e aquela em que tal prestador tenha «conhecimento de factos ou de circunstâncias que evidenciam a atividade ou informação ilegal», se referem, em princípio, a informações ilegais concretas. 

D.      Quanto aos requisitos para solicitar uma injunção contra um intermediário em conformidade com o disposto no artigo 8.o, n.o 3, da Diretiva 2001/29 (quartas questões)

197. Na hipótese de o Tribunal de Justiça declarar que os operadores de plataformas como a Youtube e a Cyando podem invocar o artigo 14.o da Diretiva 2000/31, estes últimos estão isentos de qualquer responsabilidade suscetível de resultar dos ficheiros que armazenam a pedido dos utilizadores das suas plataformas, desde que preencham os requisitos previstos no n.o 1 deste artigo.

198. No entanto, como precisa o seu n.o 3, o referido artigo «não afeta a possibilidade de um tribunal ou autoridade administrativa, de acordo com os sistemas legais dos Estados‑Membros, exigir do prestador que previna ou ponha termo a uma infração». Por outras palavras, este mesmo artigo não impede que um prestador de serviços seja o destinatário, nomeadamente, de uma injunção judicial, mesmo que preencha esses requisitos (189).

199. A este respeito, o artigo 8.o, n.o 3, da Diretiva 2001/29 obriga os Estados‑Membros a assegurarem que «os titulares dos direitos possam solicitar uma injunção contra intermediários cujos serviços sejam utilizados por terceiros para violar um direito de autor ou direitos conexos» (190).

200. Com as suas quartas questões, o Bundesgerichtshof (Supremo Tribunal Federal) pede ao Tribunal de Justiça que esclareça quais são os requisitos que os titulares de direitos devem preencher para solicitar semelhante injunção, em conformidade com o disposto no artigo 8.o, n.o 3, da Diretiva 2001/29.

201. Este órgão jurisdicional interroga‑se, mais precisamente, sobre a compatibilidade da sua jurisprudência com o direito da União. Segundo essa jurisprudência, o referido artigo 8.o, n.o 3, é aplicado, no direito alemão, através do instituto da «responsabilidade do perturbador» (Störerhaftung), que é uma forma de responsabilidade indireta há muito prevista. Este instituto prevê que, em caso de violação de um direito absoluto, como um direito de propriedade intelectual, aquele que, sem ser autor ou cúmplice dessa violação, para esta contribua de qualquer forma, deliberadamente, e com um nexo de causalidade adequado, pode ser responsabilizado como «perturbador» (Störer). Neste âmbito, pode ser suficiente que a pessoa em questão alegue ou explore o comportamento do terceiro autor dessa mesma violação, agindo por sua própria iniciativa, se essa pessoa tivesse jurídica e materialmente a possibilidade de prevenir a violação que foi cometida (191).

202. Como explica o órgão jurisdicional de reenvio, para não alargar a «responsabilidade do perturbador» às pessoas que não sejam autor nem cúmplice de infrações, esta responsabilidade pressupõe que se verifique uma violação de obrigações de comportamento. O âmbito destas obrigações depende da questão de saber se se pode razoavelmente esperar do «perturbador», atendendo às circunstâncias, e eventualmente em que medida, que controle ou vigie terceiros para evitar semelhantes infrações. Tal deve ser determinado de forma casuística, devendo tomar‑se em consideração a função e as missões do «perturbador», bem como a responsabilidade pessoal dos autores dessas infrações.

203. Neste contexto, um prestador intermediário que armazena informações prestadas pelos utilizadores do seu serviço pode ser juridicamente responsabilizado como «perturbador» e ser objeto de uma injunção inibitória com este fundamento se, por um lado, tiver recebido uma notificação suficientemente precisa e fundamentada a respeito de uma informação ilegal concreta e, por outro, se tiver havido «reincidência» por esse prestador não ter agido com diligência para retirar a informação ou para impossibilitar o acesso a esta, ou não tiver tomado as medidas necessárias para impedir que essa informação fosse novamente colocada em linha. (192). Por conseguinte, os titulares de direitos não podem solicitar uma injunção contra um intermediário a partir do momento em que os seus direitos tenham sido violados por um utilizador dos seus serviços.

204. Em substância, há que determinar se o artigo 8.o, n.o 3, da Diretiva 2001/29 se opõe a que a possibilidade de os titulares de direitos solicitarem uma injunção contra um intermediário seja condicionada pela exigência de tal reincidência.

205. O órgão jurisdicional de reenvio considera que não. A Google, a Cyando, bem como os Governos alemão e finlandês partilham da mesma opinião. Pela minha parte, inclino‑me a considerar, à semelhança de F. Peterson, da Elsevier, do Governo francês e da Comissão, que o artigo 8.o, n.o 3, da Diretiva 2001/29 se opõe efetivamente a esta exigência.

206. Antes de mais, recordo que o referido artigo 8.o, n.o 3, reconhece aos titulares dos direitos o direito de solicitarem uma injunção contra «intermediários», «cujos serviços sejam utilizados por terceiros», para «violar um direito de autor ou direitos conexos». Em conformidade com a jurisprudência do Tribunal de Justiça, constitui um «intermediário», na aceção desta disposição, qualquer prestador que preste um serviço suscetível de ser utilizado por outras pessoas para violar esse direito de propriedade intelectual (193). É indiscutivelmente o caso da Youtube e da Cyando. Os seus serviços são «utilizados por terceiros» para «violar um direito de autor ou direitos conexos» sempre que um dos seus utilizadores publique em linha, a partir das suas plataformas, de forma ilegal, uma obra protegida.

207. Em seguida, embora o considerando 59 da Diretiva 2001/29 indique que as condições e as modalidades dessa injunção deverão ser regulamentadas, em princípio, pelas legislações nacionais dos Estados‑Membros, daqui resulta simplesmente que estes últimos dispõem de uma margem de apreciação a este respeito. Semelhantes condições e procedimentos devem, em todo o caso, ser elaborados de maneira a que o objetivo prosseguido no artigo 8.o, n.o 3, desta diretiva seja realizado (194). Por conseguinte, esta margem de apreciação não pode permitir que estes Estados alterem o alcance e, por conseguinte, a essência do direito que esta disposição reconhece aos titulares dos direitos.

208. Neste contexto, observo que a possibilidade de os titulares de direitos obterem uma injunção contra um prestador intermediário, em conformidade com as condições da «responsabilidade do perturbador», depende do comportamento deste último. Como já referi, uma injunção emitida com fundamento neste instituto é uma injunção inibitória. Implica que este prestador violou determinadas obrigações de comportamento (195) e permite obter a respetiva execução judicial.

209. Ora, a origem do artigo 8.o, n.o 3, da Diretiva 2001/29 assenta numa lógica diferente. Contrariamente às injunções contra os infratores, previstas no n.o 2 deste artigo, as injunções contra os intermediários previstas no n.o 3 do mesmo artigo não contribuem (apenas) necessariamente para inibir certos comportamentos repreensíveis da sua parte. Mesmo os intermediários «inocentes», no sentido de que cumprem geralmente todas as obrigações que a lei lhes impõe, são abrangidos por esta disposição. Permite que os titulares de direitos exijam que estes se envolvam mais na luta contra as violações dos direitos de autor cometidas pelos utilizadores dos seus serviços, pelo facto de serem geralmente aqueles que estão mais bem posicionados para pôr termo a essas violações. Nesta ótica, a referida disposição permite impor a estes mesmos intermediários novas obrigações através de injunções judiciais. Trata‑se, em suma, de uma forma de cooperação forçada (196).

210. Esta diferença de lógica pode não ser problemática em si mesma. Assim, como já referi, só conta o resultado obtido pelos Estados‑Membros, não contam as modalidades através das quais aplicam o artigo 8.o, n.o 3, da Diretiva 2001/29. Em termos absolutos, tudo o que conta a este respeito é a possibilidade de os titulares de direitos obterem uma injunção que obrigue os intermediários a adotarem um determinado comportamento protetor dos seus interesses. Pouco importa que, no plano teórico, esta injunção seja apresentada como uma punição das obrigações de comportamento preexistentes ou como uma imposição de novas obrigações.

211. No entanto, subordinar a emissão de tal injunção à violação, pelo intermediário, de obrigações de comportamento preexistentes tem como consequência atrasar e, desta forma, limitar o direito que o artigo 8.o, n.o 3, da Diretiva 2001/29 reconhece aos titulares (197). Na prática, como F. Peterson alega, estes últimos só podem solicitar uma injunção contra um intermediário quando um ato relativo à primeira informação ilegal tiver sido cometido e devidamente notificado a este último (notificação que dá origem a obrigações de diligência) e, além disso, quando a infração tiver sido reiterada (o que caracteriza o incumprimento dessas obrigações por parte do intermediário).

212. Ora, em minha opinião, um titular de direitos deve poder solicitar essa injunção quando estiver provado que terceiros violam os seus direitos através do serviço do intermediário, sem ter de se esperar que haja reincidência, e sem ter de se demonstrar um comportamento culposo por parte do intermediário (198). Esclareço que o artigo 8.o, n.o 3, da Diretiva 2001/29 não se opõe, a meu ver, às regras da «responsabilidade do perturbador» enquanto tais. Opõe‑se antes ao facto de os titulares de direitos não disporem de outro fundamento jurídico, no direito alemão, que lhes permita solicitar uma injunção contra um intermediário nestas condições.

213. Esta interpretação não é posta em causa, a meu ver, pelo argumento, apresentado pelo órgão jurisdicional de reenvio e reiterado pela Google, pela Cyando e pelo Governo finlandês, segundo o qual permitir que os titulares de direitos solicitem uma injunção contra um intermediário, em conformidade com o disposto no artigo 8.o, n.o 3, da Diretiva 2001/29, ainda antes de haver reincidência, equivaleria a impor a este último uma obrigação geral de vigilância e de pesquisa ativa, contrária ao artigo 15.o, n.o 1, da Diretiva 2000/31. Na opinião daqueles, admitir tal possibilidade equivaleria a dizer que o intermediário devia, ainda antes de receber uma notificação suficientemente precisa e fundamentada, retirar a informação em causa e bloquear a sua colocação em linha, o que implicaria que vigiasse os seus servidores e investigasse ativamente, de forma geral, as informações ilegais suscetíveis de aí se encontrarem.

214. Ora, tal consequência não decorre da interpretação que sugiro. O facto de os titulares de direitos poderem solicitar uma injunção contra um intermediário num determinado caso não significa que este último esteja necessariamente obrigado a agir de uma determinada maneira antes da emissão dessa injunção. Repito, as injunções previstas no artigo 8.o, n.o 3, da Diretiva 2001/29 não se destinam, em princípio, a punir um incumprimento por parte dos intermediários de obrigações de diligência preexistentes, mas a impor‑lhes novas obrigações, válidas para o futuro.

215. Por último, estou bem consciente de que a condição da «responsabilidade do perturbador» relativa à violação, pelo intermediário, de obrigações de comportamento tem por objetivo, como o órgão jurisdicional de reenvio indicou, limitar o círculo das pessoas suscetíveis de serem sujeitas a uma injunção. Todavia, a interpretação que sugiro não equivale a dizer que os titulares de direitos devem poder requerer uma qualquer injunção contra qualquer prestador intermediário. Os órgãos jurisdicionais nacionais devem, na minha opinião, aplicar o princípio da proporcionalidade para determinar o alcance das obrigações que podem razoavelmente ser impostas a um determinado prestador, atendendo nomeadamente à sua situação a respeito das violações do direito de autor em causa. Em certos casos, um prestador pode estar demasiado afastado dessas violações para que seja proporcionado requerer a sua cooperação. Seja como for, esta questão não se coloca no caso em apreço. Com efeito, operadores como a Youtube e a Cyando estão próximos das violações cometidas pelos utilizadores das suas plataformas, uma vez que armazenam nos seus servidores os ficheiros correspondentes.

216. As partes nos processos principais também submeteram ao Tribunal de Justiça a questão do alcance das injunções que podem ser decretadas contra intermediários — por os titulares dos direitos considerarem que a jurisprudência do Bundesgerichtshof (Supremo Tribunal Federal) não vai, a este respeito, suficientemente longe, sendo que os operadores de plataformas consideram, pelo contrário, que essa jurisprudência vai além daquilo que o direito da União permite. Embora esta questão não tenha sido colocada ao Tribunal de Justiça pelo órgão jurisdicional, formularei breves observações a este respeito uma vez que está intimamente associada aos problemas suscitados de forma genérica nos presentes processos.

217. O Tribunal de Justiça já esclareceu que uma injunção emitida em conformidade com o artigo 8.o, n.o 3, da Diretiva 2001/29 pode obrigar um intermediário a tomar medidas que contribuam não apenas para fazer cessar as violações dos direitos de autor cometidas pelos utilizadores do seu serviço mas também para evitar novas violações dessa natureza (199). As medidas que lhe podem ser impostas no âmbito de tal injunção devem ser efetivas, proporcionadas e dissuasivas, assegurar um justo equilíbrio entre os diversos direitos e interesses em jogo e não devem criar obstáculos às utilizações legais do serviço (200).

218. Por outro lado, essas medidas devem respeitar os limites impostos pelo artigo 15.o, n.o 1, da Diretiva 2000/31 (201). Nos presentes processos, está em causa saber, nomeadamente, se uma injunção pode impor a um operador que detete e bloqueie a colocação ilegal em linha de obras protegidas na sua plataforma, e em que medida pode fazê‑lo. Conforme indiquei (202), para isso, será em geral necessário que o prestador utilize uma tecnologia de filtragem das informações que armazena. Assim, está em causa saber se se deve considerar necessariamente que semelhante injunção envolve obrigações gerais de vigilância e de pesquisa ativa, proibidas por esta disposição.

219. Quanto a esta questão, observo que, por um lado, no Acórdão SABAM (203), o Tribunal de Justiça declarou que o artigo 15.o, n.o 1, da Diretiva 2000/31 se opõe a que o operador de uma plataforma de rede social seja obrigado a instalar um sistema de filtragem das informações armazenadas a pedido dos utilizadores do seu serviço, que seja aplicável indistintamente a todos esses utilizadores, a título preventivo, a expensas suas e sem limitação no tempo, capaz de identificar ficheiros que contenham obras sobre as quais o requerente detém direitos de propriedade intelectual, para bloquear a disponibilização ao público das referidas obras. O Tribunal de Justiça também se referiu ao facto de que tal medida implicava que esse operador vigiasse a totalidade ou a grande maioria das informações que armazena, visava qualquer violação futura e pressupunha ter de proteger não apenas as obras existentes mas também as obras que ainda não foram criadas no momento em que o referido sistema foi implementado.

220. Por outro lado, o Tribunal de Justiça declarou, no Acórdão Glawischnig‑Piesczekk (204), que, desta vez, dizia respeito ao domínio das ofensas da honra das pessoas, que uma injunção pode impor a um prestador intermediário a obrigação de detetar e bloquear uma informação precisa, cujo conteúdo foi analisado e apreciado por um órgão jurisdicional que, no termo da sua apreciação, a declarou ilegal. Um órgão jurisdicional pode assim exigir a esse prestador que bloqueie o acesso às informações idênticas a esta, independentemente de qual seja o utilizador que pediu o seu armazenamento. Uma injunção pode inclusivamente estender‑se às informações equivalentes, desde que estas contenham elementos específicos devidamente identificados na injunção e que o prestador não seja obrigado a proceder a uma apreciação autónoma do seu caráter difamatório, mas, pelo contrário, possa recorrer a técnicas e a meios de pesquisa automatizados. Para o Tribunal de Justiça, de tal injunção só decorrem obrigações específicas de vigilância e de pesquisa ativa, conformes com o artigo 14.o, n.o 1, da Diretiva 2000/31 (205).

221. Resulta destes acórdãos que, segundo o Tribunal de Justiça, o artigo 15.o, n.o 1, da Diretiva 2000/31 não se opõe a nenhuma obrigação de deteção e bloqueio. Embora esta disposição proíba que se obrigue um prestador, através de uma injunção, a proceder a uma filtragem generalizada das informações que armazena para procurar uma qualquer atividade ilegal (206), não se opõe, a priori, a que esse prestador seja obrigado a proceder a um bloqueio relativo a um ficheiro específico, que utilize uma obra protegida, julgada ilegal por um órgão jurisdicional. Segundo o entendimento que faço da jurisprudência do Tribunal de Justiça, a referida disposição não se opõe, neste quadro, a que o prestador seja obrigado a detetar e a bloquear não apenas as cópias idênticas deste ficheiro mas também outros ficheiros equivalentes, ou seja, em minha opinião, aqueles que fazem uma utilização idêntica da obra em questão. Nesta medida, a mesma disposição não se opõe assim a que seja imposta uma obrigação de stay down a um prestador intermediário.

222. No entanto, recordo que as medidas tomadas contra um prestador intermediário no âmbito de uma injunção devem ser proporcionadas. A este respeito, há que ter em conta os recursos deste prestador. Em especial, embora bloquear uma cópia idêntica de um ficheiro que foi julgado ilegal pareça ser relativamente fácil (207), é claramente mais complexo detetar outros ficheiros que façam uma utilização idêntica da obra em questão (208). Embora a YouTube alegue poder fazê‑lo (209), nem todos os prestadores dispõem da tecnologia necessária ou de recursos para tal (210). Recordo igualmente que as medidas impostas pela via de uma injunção devem assegurar um justo equilíbrio entre os diferentes direitos e interesses em jogo e não devem criar obstáculos às utilizações lícitas do serviço. Em especial, uma operação de bloqueio não pode, em minha opinião, ter por objeto ou por efeito impedir que os utilizadores de uma plataforma nela coloquem em linha conteúdos legais e, nomeadamente, que façam uma utilização lícita da obra em causa (211). Compete aos órgãos jurisdicionais nacionais determinar aquilo que se pode razoavelmente esperar do prestador em causa.

223. Atendendo às considerações que precedem, sugiro ao Tribunal de Justiça que responda às quartas questões no sentido de que o artigo 8.o, n.o 3, da Diretiva 2001/29 se opõe a que os titulares de direitos só possam requerer que seja proferido despacho judicial contra um prestador cujo serviço, que consiste em armazenar informações prestadas por um utilizador, seja utilizado por terceiros para violar um direito de autor ou um direito conexo, quando, depois ter sido assinalada uma infração clara, haja reincidência.

E.      A título subsidiário — Quanto ao conceito de «infrator» na aceção do artigo 13.o da Diretiva 2004/48 (quintas e sextas questões)

224. A formulação das quintas e sextas questões por parte do Bundesgerichtshof (Supremo Tribunal Federal) só é feita para o caso de o Tribunal de Justiça responder negativamente tanto às primeiras como às segundas questões. Por conseguinte, o órgão jurisdicional de reenvio visa a hipótese em que, por um lado, a atividade de operadores como a YouTube e a Cyando não é abrangida pelo conceito de «comunicação ao público», na aceção do artigo 3.o, n.o 1, da Diretiva 2001/29, e, por outro, esses operadores não podem beneficiar da isenção prevista no artigo 14.o, n.o 1, da Diretiva 2000/31 quanto à responsabilidade suscetível de resultar das informações que armazenam a pedido dos utilizadores das suas plataformas (212).

225. Com as suas quintas questões, aquele órgão jurisdicional pergunta se, nesta hipótese, os referidos operadores devem ser considerados «infratores», na aceção, nomeadamente, do artigo 13.o, n.o 1, da Diretiva 2004/48, pelo facto de terem desempenhado um «papel ativo» relativamente aos ficheiros que contêm obras protegidas colocadas em linha, de forma ilegal, pelos utilizadores das suas plataformas.

226. Em caso de resposta afirmativa, o referido órgão jurisdicional interroga‑se, nas suas sextas questões, sobre a compatibilidade com o referido artigo 13.o, n.o 1, das regras em matéria de cumplicidade previstas no § 830 do BGB. Esta última disposição, que prevê uma forma de responsabilidade secundária, permite que a vítima de uma infração — contrariamente à «responsabilidade do perturbador» — obtenha uma indemnização paga por uma pessoa que seja cúmplice daquela infração. É considerado como tal aquele que incitou deliberadamente um terceiro a cometer intencionalmente uma infração ou lhe deu assistência para esse efeito. A responsabilidade do cúmplice pressupõe, no entanto, além de uma participação objetiva numa infração concreta, uma intenção pelo menos parcial no que respeita a essa infração e que se deve estender à consciência da ilegalidade. Na prática, um prestador intermediário só pode, por conseguinte, ser responsabilizado como cúmplice a título de infrações concretas aos direitos de autor, que tenham sido cometidas pelos utilizadores do seu serviço, das quais tenha conhecimento e que deliberadamente facilitou. Ora, o órgão jurisdicional de reenvio questiona‑se sobre se, nos termos deste mesmo artigo 13.o, n.o 1, pode ser suficiente, para condenar um prestador intermediário no pagamento de uma indemnização por perdas aos titulares de direitos, que este tenha conhecimento ou consciência, de forma geral e abstrata, do facto de que o seu serviço é utilizado para violar direitos de autor.

227. Na minha opinião, o artigo 13.o, n.o 1, da Diretiva 2000/31 não se destina efetivamente a regular os requisitos da responsabilidade dos prestadores intermediários pelas violações aos direitos de autor cometidas pelos utilizadores dos seus serviços.

228. A este respeito, recordo que esta disposição prevê que, «a pedido da parte lesada, as autoridades judiciais competentes ordenem ao infrator que, sabendo‑o ou tendo motivos razoáveis para o saber, tenha desenvolvido uma atividade ilegal, pague ao titular do direito uma indemnização por perdas e danos adequada ao prejuízo por este efetivamente sofrido devido à violação». Na aceção da referida disposição, o «infrator» é, assim a pessoa que se dedica a uma «atividade ilegal» ou, por outras palavras, a pessoa que viola um direito de propriedade intelectual.

229. No entanto, o artigo 13.o, n.o 1, da Diretiva 2004/48 tem por único objetivo prever regras, de ordem processual, relativas à concessão e à determinação das indemnizações quando semelhante violação tenha sido cometida. Esta disposição não se destina a determinar, a montante, quais os direitos de propriedade intelectual que são protegidos, quais os atos que violam esses direitos, quem são os respetivos responsáveis e quem é o «titular do direito» ao qual devem ser pagas as indemnizações. Todas estas questões são reguladas pelas regras substantivas do direito da propriedade intelectual (213). Recordo que, de um modo geral, a Diretiva 2004/48 harmoniza apenas certos aspetos processuais da propriedade intelectual, com exclusão de semelhantes questões de ordem substantiva (214).

230. No domínio dos direitos de autor, as regras substantivas pertinentes encontram‑se, em especial, na Diretiva 2001/29. Uma pessoa exerce uma «atividade ilegal», e torna‑se, por isso, um «infrator», quando realiza um ato abrangido por um direito exclusivo que esta diretiva reconhece ao autor — o qual é, neste contexto, em princípio, o «titular do direito» —, sem autorização prévia deste último e sem que se aplique uma exceção.

231. Ora, recordo que as quintas e sextas questões se baseiam na hipótese segundo a qual operadores como a Youtube e a Cyando não realizam atos de «comunicação ao público», na aceção do artigo 3.o, n.o 1, da Diretiva 2001/29. Nesta hipótese, estes operadores não podem ser considerados «infratores» que praticam «atividades ilegais», na aceção do artigo 13.o, n.o 1, da Diretiva 2004/48.

232. No entanto, a Diretiva 2004/48 só procede a uma harmonização mínima (215). Conforme a Comissão observa, os Estados‑Membros podem assim prever no seu direito nacional, a favor dos titulares de direitos que sejam vítimas de «atividades ilegais», o direito de obterem indemnizações pagas por pessoas que não o «infrator», na aceção do artigo 13.o desta diretiva, incluindo prestadores intermediários que tenham facilitado essas atividades. Em todo o caso, os requisitos de tal responsabilidade secundária são regulados, como já referi diversas vezes nestas conclusões, pelo direito nacional.

F.      Quanto ao facto de o objetivo de um nível elevado de proteção do direito de autor não justificar uma interpretação diferente das Diretivas 2000/31 e 2001/29

233. Contrariamente a F. Peterson e à Elsevier, não considero que o objetivo da Diretiva 2001/29, que consiste em assegurar um nível elevado de proteção do direito de autor, exija uma interpretação desta diretiva e da Diretiva 2000/31 diferente daquela que é sugerida nas presentes conclusões.

234. Sublinho, antes de mais, que esta interpretação não tem por consequência deixar os titulares de direitos desarmados face à colocação ilegal em linha das suas obras em plataformas como a plataforma YouTube e a Uploaded.

235. Em especial, os titulares de direitos têm, antes de mais, a possibilidade de processar judicialmente os utilizadores que tenham realizado essas colocações ilegais em linha. Para este efeito, a Diretiva 2004/48 reconhece nomeadamente a esses titulares a possibilidade de obterem junto de operadores como a YouTube e a Cyando determinadas informações úteis, como os nomes e os endereços desses utilizadores (216). Em seguida, os referidos titulares podem notificar a esses operadores a presença, nas suas plataformas, de ficheiros que contenham as suas obras, colocados em linha ilicitamente. Em conformidade com o artigo 14.o, n.o 1, da Diretiva 2000/31, os referidos operadores são obrigados a reagir com diligência a essa notificação, retirando os ficheiros em causa ou impossibilitando o acesso a estes últimos. Se assim não for, estes mesmos operadores perdem o direito de beneficiarem da isenção de responsabilidade prevista nesta disposição e podem, se for caso disso, ser responsabilizados nos termos do direito nacional aplicável. Além disso, na hipótese de um operador facilitar deliberadamente que os utilizadores do seu serviço pratiquem atos ilegais, a aplicação desta disposição fica, na minha opinião, excluída à partida. Por último, os titulares de direitos podem, em todo o caso, obter, ao abrigo do artigo 8.o, n.o 3, da Diretiva 2001/29, injunções contra operadores de plataformas, através das quais lhes podem ser impostas obrigações suplementares para pôr termo a violações dos direitos de autor cometidas pelos utilizadores das suas plataformas e evitar essas violações.

236. Os titulares dos direitos não têm, assim, para alegar direitos e para lutar contra a colocação em linha ilegal de ficheiros que contêm as suas obras por intermédio de plataformas como a plataforma YouTube e a Uploaded, as dificuldades que enfrentam relativamente à partilha de ficheiros numa rede peertopeer, facilitada por uma plataforma como a «The Pirate Bay». Com efeito, nesta última hipótese, atendendo à organização descentralizada inerente a essa rede (217), as medidas referidas no número anterior perdem a sua eficácia. Em contrapartida, nos casos em apreço, os ficheiros são armazenados, de forma centralizada, nos servidores da Youtube e da Cyando, tendo estas a capacidade de os suprimir, como previsto pelo legislador da União no artigo 14.o, n.o 1 da Diretiva 2000/31 (218). Por conseguinte, uma interpretação do conceito de «comunicação ao público» como a adotada pelo Tribunal de Justiça no Acórdão Stichting Brein II («The Pirate Bay») justifica‑se ainda menos nos presentes processos.

237. Os titulares de direitos respondem que os direitos exclusivos de que dispõem sobre as suas obras não são respeitados uma vez que as medidas em questão são essencialmente mais reativas do que proativas — já que não impedem ex ante nenhuma colocação em linha de um conteúdo ilegal, mas permitem sobretudo a retirada e, em certos casos, o bloqueio de tal conteúdo a posteriori — e que essas medidas exigem a sua colaboração. No entender daqueles titulares de direitos, um nível elevado de proteção dos seus direitos só é assegurado se os operadores de plataformas previrem um sistema que não necessite dessa colaboração e que permita verificar a legalidade de todos os conteúdos antes da respetiva colocação em linha.

238. A este respeito, recordo que, de um modo geral, o Tribunal de Justiça não segue, na sua jurisprudência, uma lógica simplista que exige que os direitos exclusivos previstos nos artigos 2.o a 4.o da Diretiva 2001/29 sejam necessariamente interpretados de forma ampla (e ilimitada), e também não exige que interprete as exceções e as limitações previstas no artigo 5.o desta diretiva, sempre de forma estrita. A meu ver, o Tribunal de Justiça pretende, quando esclarece tanto os contornos destes direitos (219) como o alcance das referidas exceções e limitações (220), chegar a uma interpretação razoável, que assegure a finalidade prosseguida por estas diferentes disposições e que preserve o «justo equilíbrio» que o legislador da União pretendeu implementar, na referida diretiva, entre diferentes direitos fundamentais e interesses opostos. Assim, o artigo 3.o, n.o 1, desta mesma diretiva não deve necessariamente ser interpretado de uma forma que assegure uma proteção máxima aos titulares de direitos (221).

239. Do mesmo modo, embora o direito de autor esteja protegido enquanto direito fundamental, nomeadamente no artigo 17.o, n.o 2, da Carta, este direito não é absoluto e deve geralmente ser ponderado com outros direitos fundamentais e interesses.

240. Semelhante ponderação impõe‑se nos casos em apreço. Por um lado, os operadores de plataformas podem invocar a liberdade de empresa garantida pelo artigo 16.o da Carta, que os protege, em princípio, contra obrigações suscetíveis de afetar significativamente a sua atividade.

241. Por outro lado, os direitos fundamentais dos utilizadores destas plataformas não podem ser ignorados. É o que sucede com a liberdade de expressão e de informação, garantida pelo artigo 11.o da Carta (222), que, recordo, inclui a liberdade de opinião e a liberdade de receber ou de comunicar informações ou ideias. Resulta tanto da jurisprudência do Tribunal de Justiça como da do Tribunal Europeu dos Direitos do Homem que a Internet reveste uma importância especial a este respeito (223). Mais especificamente, este último órgão jurisdicional salientou que a plataforma Youtube constitui um importante meio de exercício desta liberdade (224). Sucede o mesmo com a liberdade das artes, garantida pelo artigo 13.o da Carta e estreitamente associada à liberdade de expressão, atendendo às inúmeras pessoas que utilizam plataformas como a YouTube para partilharem as suas criações em linha.

242. Ora, exigir aos operadores de plataformas que controlem, de forma geral e abstrata, a totalidade dos ficheiros que os seus utilizadores pretendam publicar antes da sua colocação em linha para procurarem qualquer violação de direitos de autor poderia constituir um risco significativo de entrave a estes diferentes direitos fundamentais. Com efeito, atendendo ao número potencialmente significativo de conteúdos armazenados, por um lado, seria impossível proceder manualmente a esse controlo prévio e, por outro, o risco em matéria de responsabilidade seria desproporcional para esses operadores. Na prática, os operadores mais pequenos poderiam não sobreviver a esta responsabilidade e os operadores que dispõem de recursos suficientes seriam obrigados a proceder a uma filtragem generalizada dos conteúdos dos seus utilizadores, sem fiscalização judicial, suscetível de gerar um risco considerável de «excesso de retirada» desses conteúdos.

243. A este respeito, recordo que, no Acórdão SABAM (225), o Tribunal de Justiça declarou que impor ao operador de uma plataforma uma obrigação geral de filtragem das informações que armazena não só não é compatível com o artigo 15.o, n.o 1, da Diretiva 2000/31 como também não assegura um «justo equilíbrio» entre a proteção do direito de propriedade intelectual, de que gozam os titulares de direitos, e a liberdade de empresa de que beneficiam os prestadores de serviços nos termos do artigo 16.o da Carta. Com efeito, tal injunção implicaria uma  violação caracterizada desta liberdade uma vez que obrigaria esse operador a instalar um sistema informático complexo, dispendioso, permanente e exclusivamente a expensas suas (226). Por outro lado, tal obrigação de filtragem generalizada violaria a liberdade de expressão dos utilizadores dessa plataforma, na aceção do artigo 11.o da Carta, porque a ferramenta de filtragem poderia não distinguir suficientemente um conteúdo ilegal de um conteúdo legal, pelo que da sua entrada em funcionamento poderia resultar o bloqueio desta última categoria de conteúdos (227). Acrescento que tal resultado comporta um risco de entrave à criação em linha, contrário ao artigo 13.o da Carta. O perigo, a este respeito, é o de que uma proteção máxima de certas criações intelectuais seja feita em detrimento de outras formas de criação que também são socialmente desejáveis (228).

244. Em suma, parece‑me que a ponderação a efetuar é sensivelmente mais delicada do que aquilo que os titulares de direitos afirmam (229).

245. Neste contexto, as Diretivas 2000/31 e 2001/29 refletem um equilíbrio entre estes diferentes direitos e interesses, pretendido pelo legislador da União no momento da respetiva adoção. Através da Diretiva 2000/31, o legislador da União pretendeu favorecer o desenvolvimento dos prestadores intermediários, para estimular de forma mais geral o crescimento do comércio eletrónico e dos «serviços da sociedade da informação» no mercado interno. Tratava‑se, assim, de não impor a estes prestadores uma responsabilidade suscetível de pôr em perigo a rentabilidade da sua atividade. Os interesses dos titulares de direitos deviam ser salvaguardados e ponderados com a liberdade de expressão dos utilizadores dos referidos serviços essencialmente no âmbito dos processos de «notificação e retirada» (230). O legislador da União manteve este equilíbrio, na Diretiva 2001/29, quando considerou que os interesses dos titulares de direitos seriam salvaguardados de forma suficiente através da possibilidade de obter injunções contra esses prestadores intermediários (231).

246. Não há dúvidas de que as circunstâncias se alteraram desde a adoção destas diretivas. Os prestadores intermediários já não têm o mesmo rosto e esse equilíbrio talvez já não se justifique. Em todo o caso, embora essas alterações de circunstâncias possam, em certa medida, ser tomadas em consideração pelo Tribunal de Justiça, quando exerce a margem de interpretação que lhe é dada pelos textos do direito da União, compete sobretudo ao legislador da União apreciá‑las e, se for caso disso, fazer evoluir estes textos, substituindo por um novo equilíbrio aquele que tinha inicialmente posto em prática.

247. Ora, recordo que o legislador da União acaba, precisamente, de reavaliar, para o futuro, o equilíbrio dos direitos e interesses em matéria de direitos de autor. Com efeito, no decurso dos presentes processos prejudiciais, entrou em vigor a Diretiva 2019/790 (232). O artigo 17.o, n.o 1, desta diretiva passou a obrigar os Estados‑Membros a preverem que os «prestadores de serviços de partilha de conteúdos em linha [(233)] realizam um ato de comunicação ao público ou de colocação à disponibilização do público para efeitos da presente diretiva quando oferecem ao público o acesso a obras ou outro material protegido protegidos por direitos de autor carregados pelos seus utilizadores». Por conseguinte, como precisa o n.o 2 deste artigo, esse «fornecedor» deve obter, ele próprio, uma autorização dos titulares de direitos, por exemplo através da celebração de um acordo de concessão de licenças, para as obras colocadas em linha pelos seus utilizadores. Além disso, o n.o 3 do referido artigo precisa que, quando esse «fornecedor» realiza um ato de comunicação ao público ou de colocação à disposição do público, nas condições estabelecidas nesta diretiva, a isenção da responsabilidade prevista no artigo 14.o, n.o 1, da Diretiva 2000/31 não se aplica.

248. O artigo 17.o, n.o 4, da Diretiva 2019/790 dispõe ainda que, não sendo obtida tal autorização, os «prestadores de serviços de partilha de conteúdos em linha» são responsáveis pelos atos ilegais de comunicação ao público realizados através das suas plataformas. Esta disposição prevê contudo que esses «fornecedores» não são responsáveis se demonstrarem que a) envidaram «todos os esforços» para obterem uma autorização; b) efetuaram, «de acordo com elevados padrões de diligência profissional do setor, os melhores esforços» para assegurar a indisponibilidade de determinadas obras e outro material protegido relativamente às quais os titulares de direitos forneceram aos prestadores de serviços as informações pertinentes e necessárias; e, em todo o caso, c) agiram «com diligência, após receção de um aviso suficientemente fundamentado pelos titulares dos direitos, no sentido de bloquear o acesso às obras ou outro material protegido objeto de notificação nos seus sítios Internet, ou de os retirar desses sítios e envidaram os melhores esforços para impedir o seu futuro descarregamento, nos termos da alínea b)» (234). Os n.os 5 e 6 do mesmo artigo preveem que a intensidade das obrigações de meios que se impõem assim aos «fornecedores» varia em função de diferentes parâmetros, entre os quais «o tipo, o público‑alvo e a dimensão do serviço», beneficiando além disso os «pequenos» fornecedores de obrigações mais leves (235).

249. Há que examinar um último ponto. F. Peterson e o Governo francês alegaram, na audiência, que, como indica o considerando 64 da Diretiva 2019/790 (236), o legislador da União pretendia simplesmente, quando adotou o artigo 17.o desta diretiva, «clarificar» a forma como o conceito de «comunicação ao público», na aceção do artigo 3.o, n.o 1, da Diretiva 2001/29, devia ter sido sempre entendido e aplicado em relação a plataformas como a YouTube. Deduzo dos seus argumentos que o referido artigo 17.o também se limita a «clarificar» que o artigo 14.o, n.o 1, da Diretiva 2000/31 nunca foi aplicável a esses operadores. Em seu entender, o artigo 17.o da Diretiva 2019/790 constitui, assim, uma espécie de «lei interpretativa», que se limita a precisar o sentido que as Diretivas 2000/31 e 2001/29 deviam ter sempre tido. As soluções que decorrem deste novo artigo 17.o deveriam, assim, aplicar‑se inclusivamente antes de terminar o prazo de transposição da Diretiva 2019/790, fixado para 7 de junho de 2021 (237), de forma retroativa, incluindo aos processos principais.

250. Não posso aceitar semelhante argumento. Na minha opinião, seria manifestamente contrário ao princípio da segurança jurídica deduzir semelhante aplicação retroativa da simples utilização de um termo ambíguo num considerando desprovido de valor jurídico vinculativo (238).

251. Além disso, observo que, excetuado o seu considerando 64, nenhuma disposição da Diretiva 2019/790 tende a indicar que o legislador da União pretendeu interpretar de forma retroativa o artigo 3.o, n.o 1, da Diretiva 2001/29 e o artigo 14.o da Diretiva 2000/31, e isto apesar de, por outro lado, ter tido o cuidado de precisar a aplicação no tempo da Diretiva 2019/790 às obras e aos materiais protegidos (239) e de prever uma disposição transitória para a aplicação de outro dos seus artigos (240). De resto, o artigo 17.o da Diretiva 2019/790 precisa, nos seus n.os 1 e 3, que o conceito de «comunicação ao público» que apresenta só se aplica «para efeitos da presente diretiva» e «nas condições estabelecidas na presente diretiva». A responsabilidade direta dos «fornecedores» aqui referida a título dos atos de comunicação cometidos pelos utilizadores das suas plataformas, prevista no referido artigo 17.o não é a mera consequência da forma como o artigo 3.o da Diretiva 2001/29 devia sempre ter sido entendido, antes «decorrendo» deste mesmo artigo 17.o (241). Assim, ainda que se admita que o legislador da União possa, mais de 20 anos após a adoção de uma diretiva, dar‑lhe uma interpretação autêntica, considero que esta questão não se coloca na presente situação.

252. Como a Comissão alegou na audiência, o legislador da União não «clarificou» o direito, conforme este deveria ter sido sempre entendido. Criou um novo regime de responsabilidade para certos intermediários em linha em matéria de direitos de autor. A ideia consistiu em «adaptar e complementar» o atual quadro da União na matéria (242). Como esta instituição sublinhou, o artigo 17.o da Diretiva 2019/790 reflete uma escolha política do legislador da União a favor das indústrias criativas (243).

253. Este artigo 17.o inscreve‑se igualmente na esteira de uma série de consultas públicas (244), de comunicações da Comissão (245) e de novas regulamentações setoriais (246), que, com o objetivo de «adaptar» e de «modernizar» o direito da União às novas circunstâncias acima evocadas, contribuem para exigir um envolvimento mais proativo por parte dos intermediários para evitar a proliferação dos conteúdos ilegais em linha (247).

254. Aliás, há que ter presente no espírito as consequências que resultariam da aplicação retroativa sugerida por F. Peterson e pelo Governo francês. Devido à «clarificação» introduzida pelo artigo 17.o, n.os 1 e 3, da Diretiva 2019/790, os operadores de plataformas seriam geralmente responsáveis por todos os atos de comunicação ao público realizados pelos seus utilizadores e não poderiam beneficiar da isenção prevista no artigo 14.o, n.o 1, da Diretiva 2000/31. Em contrapartida, os n.os 4 e seguintes deste artigo 17.o, que preveem, nomeadamente, como já indiquei, um regime de isenção para estes operadores, não se aplicariam, por seu turno, retroativamente. Ora, quando previu estes últimos números, o legislador da União pretendeu, em minha opinião, assegurar um equilíbrio entre os diferentes direitos e interesses em jogo (248).

255. Deste modo, proceder a uma aplicação retroativa do artigo 17.o, n.o 1, da Diretiva 2019/790 em processos como os que estão em causa nos processos principais não só não respeitaria o equilíbrio pretendido pelo legislador da União aquando da adoção das Diretivas 2000/31 e 2001/29 como também não respeitaria o equilíbrio pretendido por este mesmo legislador aquando da adoção da Diretiva 2019/790. Na realidade, em minha opinião, esta solução não reflete nenhum equilíbrio.

VI.    Conclusão

256. Atendendo a todas as considerações que precedem, proponho ao Tribunal de Justiça que responda do seguinte modo às questões submetidas pelo Bundesgerichtshof (Supremo Tribunal Federal, Alemanha) nos processos C‑682/18 e C‑683/18:

1)      O artigo 3.o, n.o 1, da Diretiva 2001/29/CE do Parlamento Europeu e do Conselho, de 22 de maio de 2001, relativa à harmonização de certos aspetos do direito de autor e dos direitos conexos na sociedade da informação, deve ser interpretado no sentido de que o operador de uma plataforma de partilha de vídeos e o operador de uma plataforma de armazenagem em servidor e de partilha de ficheiros não realizam um ato de «comunicação ao público», na aceção desta disposição, quando um utilizador das suas plataformas nelas coloca em linha uma obra protegida.

2)      O artigo 14.o, n.o 1, da Diretiva 2000/31/CE do Parlamento Europeu e do Conselho, de 8 de junho de 2000, relativa a certos aspetos legais dos serviços da sociedade de informação, em especial do comércio eletrónico, no mercado interno («Diretiva sobre o Comércio Eletrónico»), deve ser interpretado no sentido de que o operador de uma plataforma de partilha de vídeos e o operador de uma plataforma de armazenagem em servidor e de partilha de ficheiros podem, em princípio, beneficiar da isenção prevista nesta disposição para qualquer responsabilidade suscetível de resultar dos ficheiros que armazenam a pedido dos utilizadores das suas plataformas.

3)      O artigo 14.o, n.o 1, alínea a), da Diretiva 2000/31 deve ser interpretado no sentido de que as hipóteses visadas nesta disposição, a saber, aquela em que um prestador de serviços tenha «conhecimento efetivo da atividade ou informação ilegal» e aquela em que tal prestador tenha «conhecimento de factos ou de circunstâncias que evidenciam a atividade ou informação ilegal», se referem, em princípio, a informações ilegais concretas.

4)      O artigo 8.o, n.o 3, da Diretiva 2001/29 deve ser interpretado no sentido de que se opõe a que os titulares de direitos só possam requerer que seja proferido despacho judicial contra um prestador cujo serviço, que consiste em armazenar informações prestadas por um utilizador, seja utilizado por terceiros para violar um direito de autor ou um direito conexo, quando, depois ter sido assinalada uma infração clara, haja reincidência.


1      Língua original: francês.


2      Diretiva do Parlamento Europeu e do Conselho, de 8 de junho de 2000 (JO 2000, L 178, p. 1).


3      Diretiva do Parlamento Europeu e do Conselho, de 22 de maio de 2001 (JO 2000, L 167, p. 1).


4      Diretiva do Parlamento Europeu e do Conselho, de 29 de abril de 2004 (JO 2004, L 157, p. 45; retificação no JO 2004, L 195, p. 16).


5      Diretiva do Parlamento Europeu e do Conselho, de 17 de abril de 2019 (JO 2019, L 130, p. 92).


6      Trata‑se do número apurado pelo tribunal de recurso no processo principal. Por seu turno, a Google evoca o número de 400 horas de vídeo por minuto.


7      Mais especificamente, F. Peterson invoca direitos próprios enquanto produtor do álbum A Winter Symphony, bem como direitos próprios e direitos que decorrem dos da artista relativamente à execução das canções desse álbum realizadas com a sua participação artística enquanto produtor e corista. Por outro lado, alega a respeito das gravações dos concertos da «Symphony Tour» que é compositor e autor das letras de diversas canções do referido álbum. Além disso, detém, na qualidade de editor, direitos derivados dos direitos de autor relativamente a várias dessas canções.


8      Além disso, embora F. Peterson tivesse demandado a YouTube Inc. e a Google Germany, o órgão jurisdicional de reenvio indicou que estas sociedades já não são partes nos litígios nos processos principais.


9      A medida exata é objeto de disputa entre as partes nos processos principais e não foi julgada provada pelos órgãos jurisdicionais nacionais.


10      V., para mais detalhes, Organização de Cooperação e Desenvolvimento Económico (OCDE), «Participative Web: User‑Created Content», Working Party on the Information Economy, DSTI/ICCP/IE (2006) 7/Final, 12 de abril de 2007.


11      Como o Governo alemão sublinhou, a YouTube recolhe um número considerável de dados pessoais sobre os internautas que visitam a sua plataforma, sobre a maneira como a utilizam, sobre as suas preferências em termos de conteúdos, etc., fazendo‑o, nomeadamente, para determinar a publicidade difundida nesta plataforma em função do utilizador. As interrogações suscitadas por esta recolha generalizada de dados e o tratamento que lhes é reservado ultrapassam, no entanto, o objeto das presentes conclusões.


12      V., para mais detalhes, Fontaine, G., Grece, C., Jimenez Pumares, M., «Online video sharing: Offerings, audiences, economic aspects», European Audivisual Observatory, Estrasburgo, 2018.


13      V., por analogia, Acórdão de 13 de maio de 2014, Google Spain e Google (C‑131/12, EU:C:2014:317, n.o 80 e jurisprudência referida).


14      V., para mais detalhes, Federação Internacional da Indústria Fonográfica, «Rewarding creativity: Fixing the value gap », Global music report 2017, e Bensamoun, A., «Le value gap ou le partage de la valeur dans la proposition de directive sur le droit d’auteur dans le marché unique numérique», Entertainment, Bruylant, n.o 2018‑4, pp. 278‑287.


15      V. considerandos 4, 9 e 10 da Diretiva 2001/29.


16      Utilizarei o termo «comunicação ao público» para designar, de maneira geral, os atos de comunicação ao público em sentido estrito e os atos de colocação à disposição do público. Referir‑me‑ei mais especificamente a uma ou a outra destas categorias quando tal for necessário. Por outro lado, o artigo 3.o da Diretiva 2001/29 reconhece, no seu n.o 2, alíneas a) e b), um direito de colocação à disposição do público — mas não o direito de comunicação ao público em sentido estrito — enquanto direito conexo do direito de autor, respetivamente, aos artistas intérpretes ou executantes, no que respeita às fixações das suas execuções, e aos produtores de fonogramas, no que respeita aos seus fonogramas. Esta disposição também é pertinente no processo C‑682/18, na medida em que F. Peterson dispõe, relativamente a alguns dos fonogramas colocados em linha sem a sua autorização, de direitos conexos enquanto artista intérprete ou executante e/ou produtor (v. nota 7 das presentes conclusões). No entanto, uma vez que os processos principais dizem respeito, como em seguida explicarei, a atos de «colocação à disposição do público», e na medida em que este conceito tem o mesmo significado no n.o 1 e no n.o 2 deste artigo 3.o, limitar‑me‑ei, por comodidade, a evocar o direito de autor referido no n.o 1, sendo, no entanto, a minha análise transponível para os direitos conexos que figuram no n.o 2.


17      Ou, mais genericamente, do titular do direito de autor sobre a obra em questão, que não é necessariamente o autor. Utilizo os conceitos de «autor» e de «titular de direitos» de forma intermutável nas presentes conclusões.


18      V., nomeadamente, Acórdão de 14 de novembro de 2019, Spedidam (C‑484/18, EU:C:2019:970, n.o 38 e jurisprudência referida).


19      V. considerando 50 da Diretiva 2000/31 e considerando 16 da Diretiva 2001/29.


20      Trata‑se, nomeadamente, de evitar, tanto quanto possível, uma situação na qual um prestador de serviços seja responsável nos termos do artigo 3.o, n.o 1, da Diretiva 2001/29, embora fique isento dessa responsabilidade ao abrigo do artigo 14.o, n.o 1, da Diretiva 2000/31. V., para mais pormenores, n.os 137 a 139 das presentes conclusões.


21      Não abordarei, nas presentes conclusões, a questão das cópias geradas através da colocação em linha de uma obra em plataformas como a Youtube ou a Uploaded e através da sua consulta e do seu descarregamento pelo público. Com efeito, esta questão insere‑se na interpretação do direito de reprodução previsto no artigo 2.o da Diretiva 2001/29, bem como pelas exceções e limitações a este direito previstas no artigo 5.o desta diretiva, sobre a qual o Tribunal de Justiça não foi questionado. De resto, com exceção da Cyando, que invocou em seu benefício a exceção de cópia privada prevista no artigo 5.o, n.o 2, alínea b), da referida diretiva, esta problemática não foi debatida no Tribunal de Justiça.


22      V., nomeadamente, Acórdão de 7 de agosto de 2018, Renckhoff (C‑161/17, EU:C:2018:634, n.o 17 e jurisprudência referida).


23      V., nomeadamente, Acórdão de 2 de abril de 2020, Stim e SAMI (C‑753/18, EU:C:2020:268, n.o 29 e jurisprudência referida). Em especial, o artigo 3.o, n.o 1, da Diretiva 2001/29 deve ser interpretado à luz do artigo 8.o do Tratado da Organização Mundial da Propriedade Intelectual (OMPI) sobre Direito de Autor, assinado em 20 de dezembro de 1996, em Genebra, e aprovado, em nome da União Europeia, pela Decisão 2000/278/CE do Conselho, de 16 de março de 2000 (JO 2000, L 89, p. 6) (a seguir «TDA»), que a primeira disposição se destina a executar (v. considerando 15 da Diretiva 2001/29).


24      V., nomeadamente, Acórdão de 19 de dezembro de 2019, Nederlands Uitgeversverbond e Groep Algemene Uitgevers (C‑263/18, EU:C:2019:1111, n.o 61 e jurisprudência referida).


25      V., nomeadamente, Acórdão de 19 de dezembro de 2019, Nederlands Uitgeversverbond e Groep Algemene Uitgevers (C‑263/18, EU:C:2019:1111, n.os 49 e 62 e jurisprudência referida).


26      Trata‑se, mais precisamente, de dar aos destinatários a possibilidade de apreenderem, de qualquer forma que seja apropriada (auditivamente para um fonograma, etc.), a totalidade ou parte dos elementos que compõem a obra e que são a expressão da criação intelectual do seu autor. V., por analogia, Acórdão de 16 de julho de 2009, Infopaq International (C‑5/08, EU:C:2009:465, n.o 47).


27      As formas «tradicionais» de comunicação ao público constituídas pelas representações e execuções diretas, por exemplo, os espetáculos ao vivo realizados perante um público que se encontra em contacto físico com o executante das obras, não são abrangidos pelo artigo 3.o, n.o 1, da Diretiva 2001/29. V., nomeadamente, Acórdão de 24 de novembro de 2011, Circul Globus Bucureginiti (C‑283/10, EU:C:2011:772, n.os 35 a 41).


28      V. Acórdão de 19 de dezembro de 2019, Nederlands Uitgeversverbond e Groep Algemene Uitgevers (C‑263/18, EU:C:2019:1111, n.os 41 a 44 e 63).


29      V., nomeadamente, Acórdão de 19 de dezembro de 2019, Nederlands Uitgeversverbond e Groep Algemene Uitgevers (C‑263/18, EU:C:2019:1111, n.o 66 e jurisprudência referida).


30      O facto de a consulta de uma obra a partir de uma plataforma como a plataforma YouTube se fazer em streaming e de, assim, daí não resultar uma cópia permanente para o membro do público em causa não é pertinente para efeitos do artigo 3.o, n.o 1, da Diretiva 2001/29 (v., nomeadamente, Walter, M. M., e von Lewinski, S., European Copyright Law — A Commentary, Oxford, 2010, p. 983). Por outro lado, o facto de uma obra ser descarregável a partir da plataforma Uploaded e de os membros do público poderem assim, em contrapartida, obter essa cópia não exclui que esta disposição possa ser aplicada em benefício do direito de distribuição previsto no artigo 4.o, n.o 1, desta diretiva [v. Acórdão de 19 de dezembro de 2019, Nederlands Uitgeversverbond e Groep Algemene Uitgevers (C‑263/18, EU:C:2019:1111, n.os 40 a 45 e 51)].


31      Em contrapartida, não há «colocação à disposição do público» quando um utilizador coloca em linha uma obra na plataforma YouTube, que a deixa em modo «privado» e, eventualmente, a partilha apenas com a sua família ou amigos. Sucede o mesmo quando um utilizador da Uploaded aí coloca em linha uma obra e não partilha o seu download link, ou partilha‑o apenas com essas pessoas. Com efeito, não se trata de um «público», mas de um grupo privado (v. n.o 58 das presentes conclusões).


32      V., nomeadamente, Acórdão de 19 de dezembro de 2019, Nederlands Uitgeversverbond e Groep Algemene Uitgevers (C‑263/18, EU:C:2019:1111, n.os 44, 67, 68 e jurisprudência referida).


33      V., por analogia, Acórdão de 7 de agosto de 2018, Renckhoff (C‑161/17, EU:C:2018:634, n.o 45). É evidente que, tanto num caso como no outro, o «público» não está presente no local de origem da comunicação. De resto, não é pertinente saber se este «público» consulta ou descarrega efetivamente a obra. Com efeito, o ato determinante é aquele que consiste em colocar a obra à disposição do público e assim oferecê‑la num sítio acessível ao público [v., nomeadamente, Acórdão de 19 de dezembro de 2019, Nederlands Uitgeversverbond e Groep Algemene Uitgevers (C‑263/18, EU:C:2019:1111, n.os 63 e 64)].


34      V. n.os 46 e 47 das presentes conclusões.


35      Acórdão de 8 de setembro de 2016 (C‑160/15, a seguir «Acórdão GS Media», EU:C:2016:644).


36      Acórdão de 26 de abril de 2017 [C‑527/15, a seguir «Acórdão Stichting Brein I (“filmspeler”)», EU:C:2017:300].


37      Acórdão de 14 de junho de 2017 [C‑610/15, a seguir «Acórdão Stichting Brein II (“The Pirate Bay”)», EU:C:2017:456].


38      Este considerando retoma a declaração comum relativa ao artigo 8.o do TDA adotada pela Conferência Diplomática em 20 de dezembro de 1996.


39      Pode tratar‑se de uma ou de várias pessoas. Utilizarei o singular por razões de comodidade.


40      O artigo 8.o, n.o 3, da Diretiva 2001/29 segue esta lógica quando se refere à possibilidade de ser deferido um pedido, apresentado pelos titulares dos direitos, de injunção contra «intermediários cujos serviços sejam utilizados por terceiros para violar um direito de autor ou direitos conexos». V., igualmente, considerando 59 desta diretiva.


41      Acórdão de 7 de dezembro de 2006 (C‑306/05, EU:C:2006:764).


42      O Tribunal de Justiça indicou, mais precisamente, que o hoteleiro intervinha «com pleno conhecimento das consequências do seu comportamento» (v. Acórdão de 7 de dezembro de 2006, SGAE, C‑306/05, EU:C:2006:764, n.o 42). Esta expressão é, na minha opinião, sinónimo de intervenção voluntária (v. n.o 100 das presentes conclusões)


43      Com efeito, segundo o Tribunal de Justiça, considera‑se que os autores, quando autorizam a radiodifusão das suas obras, só tomam em consideração os detentores de aparelhos de televisão que captam programas individualmente ou na sua esfera privada ou familiar. V. Acórdão de 7 de dezembro de 2006, SGAE (C‑306/05, EU:C:2006:764, n.o 41).


44      V. Acórdão de 7 de dezembro de 2006, SGAE (C‑306/05, EU:C:2006:764, n.os 36 a 44). O Tribunal de Justiça seguiu o mesmo raciocínio em contextos próximos. V., nomeadamente, Acórdãos de 4 de outubro de 2011, Football Association Premier League e o. (C‑403/08 e C‑429/08, EU:C:2011:631, n.os 183 a 207); de 27 de fevereiro de 2014, OSA (C‑351/12, EU:C:2014:110, n.os 22 a 36); e de 31 de maio de 2016, Reha Training (C‑117/15, EU:C:2016:379, n.os 35 a 65).


45      V., nomeadamente, Acórdão de 31 de maio de 2016, Reha Training (C‑117/15, EU:C:2016:379, n.o 46). Nalguns acórdãos, este raciocínio traduz‑se em dois critérios: o «papel incontornável» desempenhado pela pessoa que realiza o ato de comunicação e o «caráter deliberado da sua intervenção» [v., nomeadamente, Acórdão Stichting Brein II (“The Pirate Bay”), n.o 26)]. Como explicarei em seguida, na realidade, estes critérios estão indissociavelmente associados (v. nota 88 das presentes conclusões).


46      V. notas que acompanham a proposta do TDA, n.o 10.10, que explicam que, em matéria de «colocação à disposição», o ato determinante é o ato inicial de colocação à disposição, não a disponibilização de espaço de armazenamento ou de um serviço de comunicação eletrónica. V., igualmente, Koo, J., The Right of Communication to the Public in EU Copyright Law, Hart Publishing, Oxford, 2019, pp. 161 e 162.


47      Por exemplo, em matéria de radiodifusão, a «comunicação ao público» é realizada pelo organismo de radiodifusão que decide quais as obras que serão transmitidas e que inicia ativamente a sua «comunicação» quando as insere no procedimento técnico que permite a sua transmissão ao «público» [v., neste sentido, Conclusões do advogado‑geral M. Szpunar no processo Stim e SAMI (C‑753/18, EU:C:2020:4, n.o 23) e artigo 1.o, n.o 2, alínea a), da Diretiva 93/83/CEE do Conselho, de 27 de setembro de 1993, relativa à coordenação de determinadas disposições em matéria de direito de autor e direitos conexos aplicáveis à radiodifusão por satélite e à retransmissão por cabo (JO 1993, L 248, p. 15)]. Em contrapartida, os radiodifusores, que seguem as instruções deste organismo procedem a uma «mera disponibilização de meios materiais».


48      V., neste sentido, Conclusões do advogado‑geral M. Szpunar no processo Stim e SAMI (C‑753/18, EU:C:2020:4, n.os 32 a 37).


49      V., na Alemanha, a jurisprudência do Bundesgerichstof (Supremo Tribunal Federal), no domínio do direito dos media, segundo a qual um prestador adota a afirmação de um terceiro quando com ela se identifica e a integra na sua própria cadeia de pensamento de tal forma que parece ser sua [v. nomeadamente Bundesgerichstof (Supremo Tribunal Federal), 17 de dezembro de 2013, VI ZR 211/12, § 20]. Esta abordagem foi ponderada em matéria de propriedade intelectual [v. Bundesgerichstof (Supremo Tribunal Federal), 30 de abril de 2008, I ZR 73/05].


50      V., por analogia, no Reino Unido, section 6, n.o 3, do Copyright, Designs and Patents Act (Lei Relativa aos Direitos de Autor, aos Desenhos e Modelos e às Patentes) que indica, em matéria de radiodifusão, que a ou as pessoas que praticam o ato de «comunicação ao público» são «(a) […] the person transmitting the programme, if he has responsibility to any extent for its contents, and (b) […] any person providing the programme who makes with the person transmitting it the arrangements necessary for its transmission».


51      V. Acórdão de 7 de março de 2013, ITV Broadcasting e o. (C‑607/11, EU:C:2013:147). Neste acórdão, o Tribunal de Justiça declarou que o facto de um organismo captar um programa radiodifundido e de o retransmitir de forma simultânea, inalterada e integral em live streaming na Internet constitui uma utilização subsequente desse programa que equivale a um ato autónomo de «comunicação ao público», pelo facto de essa retransmissão utilizar um «modo técnico específico», que difere da radiodifusão.


52      Como exporei na minha análise das segundas questões prejudiciais, o Tribunal de Justiça interpreta os artigos 12.o a 14.o da Diretiva 2000/31 no sentido de que um prestador intermediário não pode invocar em seu benefício as isenções de responsabilidade aí previstas quando desempenha um «papel ativo suscetível de lhe confiar um conhecimento ou um controlo» das informações prestadas pelos utilizadores do seu serviço (v. Acórdãos de 23 de março de 2010, C‑236/08 a C‑238/08, a seguir «Acórdão Google France», EU:C:2010:159, n.os 112 a 114, e de 12 de julho de 2011, C‑324/09, a seguir «Acórdão L’Oréal/eBay», EU:C:2011:474, n.o 113). A abordagem que sugiro para a distinção entre «ato de comunicação» e «mera disponibilização de meios materiais» está próxima deste raciocínio e permite interpretar o artigo 3.o, n.o 1, da Diretiva 2001/29 e o artigo 14.o, n.o 1, da Diretiva 2000/31 de forma coerente. V., no mesmo sentido, Husovec, M., Injunctions Against Intermediaries in the European Union — Accountable But Not Liable? Cambridge University Press, 2017, pp. 55‑ 57.


53      Por exemplo, no processo que deu origem ao Acórdão de 7 de dezembro de 2006, SGAE (C‑306/05, EU:C:2006:764), o hoteleiro não se limitava a intervir passivamente numa transmissão decidida pelo organismo de radiodifusão. Tinha decidido, por sua própria iniciativa, fazer uma utilização subsequente, não prevista por esse organismo, da emissão radiodifundida, retransmitindo‑a aos seus clientes. Do mesmo modo, como o Tribunal de Justiça declarou no Acórdão de 13 de outubro de 2011, Airfield e Canal Digitaal (C‑431/09 e C‑432/09, EU:C:2011:648, n.os 74 a 82), um fornecedor de pacotes de canais de televisão por satélite que agrupa vários programas provenientes de diferentes organismos de radiodifusão em benefício dos seus clientes não se limita a uma «disponibilização de meios materiais», uma vez que se empenha ativamente para oferecer, a um público que ele próprio definiu, um catálogo de canais de televisão por si selecionados. Além disso, como o Tribunal de Justiça declarou no Acórdão de 29 de novembro de 2017, VCAST (C‑265/16, EU:C:2017:913, n.os 37 a 51), o prestador que capta emissões radiodifundidas e permite que os utilizadores do seu serviço registem «na nuvem» os programas que desejam também não se limita a uma «disponibilização». Com efeito, esse prestador intervém ativamente na «comunicação», uma vez que, nomeadamente, seleciona os canais abrangidos pelo seu serviço.


54      Do mesmo modo, o facto de operadores como a YouTube e a Cyando armazenarem, nos seus servidores, as obras protegidas e de as transmitirem quando recebem um pedido nesse sentido de um membro do público não é determinante.


55      A YouTube também dispõe de um canal no qual difunde os seus «próprios» conteúdos. Ora, este operador faz a «comunicação ao público» desses conteúdos a partir do momento em que os produziu e/ou selecionou.


56      V. Conclusões do advogado‑geral M. Szpunar no processo VCAST (C‑265/16, EU:C:2017:649, n.o 27).


57      V. n.os 16 e 30 das presentes conclusões.


58      O controlo que esses operadores exercem a posteriori, nomeadamente para reagir de forma imediata às notificações que recebem dos titulares de direitos, não pode, a fortiori, ser considerado seleção semelhante.


59      A YouTube realiza esse controlo através do Content ID (v. n.o 22 das presentes conclusões). Sublinho que, na minha opinião, o facto de um controlo prévio ser efetuado de forma automatizada não é o elemento decisivo. Com efeito, em última instância, é possível imaginar um processo de seleção de conteúdo efetuado por um programa informático que determina, de forma algorítmica, os conteúdos que melhor correspondem àquilo que o operador pretende ter na sua plataforma. No entanto, não é o que sucede no caso de um simples controlo da legalidade.


60      Devo sublinhar que os critérios do «público novo» e do «modo técnico específico» só são pertinentes no que respeita às utilizações subsequentes de uma comunicação inicial. Estes critérios permitem identificar, entre essas utilizações subsequentes, as que devem ser consideradas «comunicações secundárias» (ou «retransmissões») que necessitam de uma autorização específica (por exemplo, a retransmissão por cabo de uma emissão radiodifundida). Estas hipóteses não podem ser confundidas com aquela na qual uma obra, que foi objeto de uma comunicação ao público no passado, dá lugar a uma nova comunicação ao público, independente da anterior. A este respeito, em conformidade com o artigo 3.o, n.os 1 e 3, da Diretiva 2001/29, cada uma dessas comunicações ao público deve ser autorizada, ainda que ambas visem o mesmo público ou utilizem o mesmo modo técnico. Consequentemente, não importa saber se obras colocadas em linha na plataforma YouTube ou na Uploaded estão legalmente disponíveis noutro sítio Internet. Estas duas colocações em linha são independentes e devem, cada uma delas, dar lugar a autorização. V., neste sentido, Acórdão de 7 de agosto de 2018, Renckhoff (C‑161/17, EU:C:2018:634).


61      Esta questão não se coloca no caso de uma plataforma como a Uploaded, que não dispõe de funções de pesquisa nem de um índice de ficheiros armazenados. Neste contexto, não me convence o argumento avançado pela Elsevier e pelo Governo alemão segundo o qual a inexistência destas funções não é determinante pelo facto de sítios terceiros, que fazem a função de coleções de hiperligações, permitirem ao público reencontrar, no conteúdo assim armazenado, as obras que pretendem descarregar. Além do facto de que, seja como for, as referidas funções não são, a meu ver, pertinentes para efeitos de saber se um prestador de serviços realiza uma «comunicação ao público», parece‑me evidente que, a este respeito, há que atender aos atos desse prestador, e não aos atos de terceiros com os quais não tem nenhuma relação.


62      Pelo contrário, facilitar o encontro entre terceiros que pretendam comunicar conteúdos e o público é a função específica de um intermediário. V. OCDE, The Economic and Social Role of Internet Intermediaries, abril de 2010, p. 15.


63      Por outro lado, contrariamente ao que a Elsevier alega, o facto de um operador como a YouTube converter em vários formatos os vídeos colocados em linha para os adaptar a diferentes leitores e velocidades de conexão não é, na minha opinião, pertinente. Com efeito, trata‑se de operações técnicas que contribuem para permitir e para facilitar a transmissão dos dados e, por conseguinte, a leitura desses vídeos pelos membros do público nos seus navegadores (ou aplicação dedicada). Semelhantes operações técnicas não podem ser equiparadas a uma alteração do conteúdo pelo prestador. V., por analogia, Acórdão de 13 de outubro de 2011, Airfield e Canal Digitaal (C‑431/09 e C‑432/09, EU:C:2011:648, n.os 60 e 61).


64      De acordo com as pesquisas que realizei, semelhante cláusula encontra‑se frequentemente nas condições gerais de utilização das plataformas em linha. V., nomeadamente, as da Facebook (versão de 31 de julho de 2019, n.o 3.3 «As permissões que nos concedes» acessíveis no endereço https://m.facebook.com/legal/terms?locale=pt_PT).


65      Podemo‑nos questionar sobre a compatibilidade de tal estipulação e da generosa licença de exploração que prevê com outras disposições do direito da propriedade intelectual ou ainda, no que respeita aos utilizadores não profissionais, com o direito do consumo da União. No entanto, esta questão ultrapassa o objeto das presentes conclusões. Limitar‑me‑ei a indicar que, relativamente aos utilizadores profissionais, passaram a estar previstas regras nesta matéria no artigo 3.o, alínea e), do Regulamento (UE) 2019/1150 do Parlamento Europeu e do Conselho, de 20 de junho de 2019, relativo à promoção da equidade e da transparência para os utilizadores profissionais de serviços de intermediação em linha (JO 2019, L 186, p. 57).


66      Penso, nomeadamente, nas compilações do tipo «YouTube Rewind».


67      O Tribunal de Justiça, sucessivamente, primeiro, reservou a questão de saber se a existência de uma «comunicação ao público» depende do seu caráter lucrativo (v. Acórdão de 7 de dezembro de 2006, SGAE, C‑306/05, EU:C:2006:764, n.o 44); segundo, declarou, prudentemente, que se trata de um elemento que «não é irrelevante» (v. Acórdão de 4 de outubro de 2011, Football Association Premier League e o., C‑403/08 e C‑429/08, EU:C:2011:631, n.os 204 a 206); terceiro, considerou, de forma clara, que o caráter lucrativo é um «critério» do conceito de «comunicação ao público» e que, quando este não existe, semelhante «comunicação» fica excluída (v., neste sentido, Acórdão de 15 de março de 2012, SCF, C‑135/10, EU:C:2012:140, n.os 97 a 99); antes, quarto, de afirmar que o caráter lucrativo «não é necessariamente uma condição indispensável» e que «não é determinante» a este respeito (Acórdão de 7 de março de 2013, ITV Broadcasting e o., C‑607/11, EU:C:2013:147, n.os 42 e 43).


68      Acórdão de 31 de maio de 2016 (C‑117/15, EU:C:2016:379, n.os 49 e 62 a 64).


69      Com efeito, o artigo 3.o, n.o 1, da Diretiva 2001/29 é indiferente ao facto de a «comunicação ao público» ter ou não caráter lucrativo. Como já referi, a existência dessa comunicação é um facto objetivo. Por outro lado, uma vez que esta disposição reconhece ao autor um direito exclusivo, qualquer «comunicação ao público» de uma obra efetuada por um terceiro sem a sua autorização viola, em princípio, esse direito — independentemente de esse terceiro prosseguir ou não um fim lucrativo. O artigo 5.o, n.o 3, alíneas a), b), e j), desta diretiva confere, no entanto, aos Estados‑Membros a faculdade de preverem exceções para determinadas «comunicações» realizadas sem fins lucrativos.


70      Por exemplo, o facto de uma pessoa difundir obras com fins lucrativos tende a indicar que não o faz para um grupo privado, mas para pessoas em geral, ou seja, um «público». Este estatuto de mero indício explica, na minha opinião, o facto de, em diversos acórdãos, o Tribunal de Justiça ter caracterizado determinados atos como sendo «comunicações ao público» sem evocar a questão do caráter lucrativo (v. Acórdãos de 13 de fevereiro de 2014, Svensson e o., C‑466/12, EU:C:2014:76; de 27 de fevereiro de 2014, OSA, C‑351/12, EU:C:2014:110; de 29 de novembro de 2017, VCAST, C‑265/16, EU:C:2017:913; de 7 de agosto de 2018, Renckhoff, C‑161/17, EU:C:2018:634; e de 19 de dezembro de 2019, Nederlands Uitgeversverbond e Groep Algemene Uitgevers, C‑263/18, EU:C:2019:1111).


71      V. Conclusões do advogado‑geral M. Szpunar no processo Stim e SAMI (C‑753/18, EU:C:2020:4, n.os 43 e 44).


72      De resto, as receitas publicitárias auferidas por uma plataforma como a YouTube dependem da popularidade da plataforma, em todas as suas utilizações possíveis. Do mesmo modo, assinaturas como as propostas pela Cyando oferecem diferentes vantagens em matéria de descarregamento de conteúdo, mas também, ao que parece, em termos de capacidade de armazenagem. Neste contexto, a fronteira que separa a «contrapartida pelo serviço» e a «contrapartida pelo conteúdo» parece‑me ténue. Pelo contrário, como o Tribunal de Justiça declarou no Acórdão de 13 de outubro de 2011, Airfield e Canal Digitaal (C‑431/09 e C‑432/09, EU:C:2011:648, n.o 80), o preço da assinatura paga pelo público a um fornecedor de um pacote de canais de televisão por satélite constitui (indiscutivelmente) a contrapartida pelo acesso às obras comunicadas por satélite.


73      V. Acórdão Google France, n.os 50 a 57 e104.


74      V. Acórdão L’Oréal/eBay, n.os 98 a 105. V., ainda, no mesmo sentido, Acórdão de 2 de abril de 2020, Coty Germany (C‑567/18, EU:C:2020:267, n.os 34 a 48).


75      V. Acórdão Google France, n.o 25.


76      V. Acórdão L’Oréal/eBay, n.os 28 e 110.


77      De resto, por analogia, no Acórdão de 16 de fevereiro de 2012, SABAM (C‑360/10, EU:C:2012:85, nomeadamente n.os 27 e 40), o Tribunal de Justiça partiu da premissa segundo a qual o operador de uma plataforma de rede social se limita a fornecer um serviço que permite que os seus utilizadores comuniquem obras ao público, na aceção do artigo 3.o, n.o 1, da Diretiva 2001/29. Não vejo razão para me afastar desta abordagem na presente situação.


78      V., por analogia, Acórdão Google France, n.o 57; Acórdão L’Oréal/eBay, n.o 104; e Acórdão de 2 de abril de 2020, Coty Germany (C‑567/18, EU:C:2020:267, n.o 49).


79      Acórdão de 13 de fevereiro de 2014 (C‑466/12, EU:C:2014:76).


80      V. Acórdão GS Media, n.os 40 a 51.


81      V. Acórdão Stichting Brein I («filmspeler»), n.os 41 a 51.


82      V. Acórdão Stichting Brein II («The Pirate Bay»), n.os 35 a 46.


83      V., em especial, Acórdãos de 4 de outubro de 2011, Football Association Premier League e o. (C‑403/08 e C‑429/08, EU:C:2011:631, n.o 193); de 31 de maio de 2016, Reha Training (C‑117/15, EU:C:2016:379, n.o 38); e de 19 de dezembro de 2019, Nederlands Uitgeversverbond e Groep Algemene Uitgevers (C‑263/18, EU:C:2019:1111, n.os 49 e 62). No Acórdão de 24 de novembro de 2011, Circul Globus Bucureşti (C‑283/10, EU:C:2011:772, n.o 40), o Tribunal de Justiça também declarou que o artigo 3.o, n.o 1, da Diretiva 2001/29 não abrange atos que não impliquem a «transmissão» ou a «retransmissão» de uma obra.


84      Esclareço que a responsabilidade dos utilizadores de uma rede peertopeer ao abrigo do artigo 3.o, n.o 1, da Diretiva 2001/29 constitui o objeto do processo que se encontra pendente C‑597/19, M.I.C.M.


85      A questão das hiperligações ultrapassa o objeto das presentes conclusões. O Tribunal de Justiça terá a oportunidade de examinar novamente esta questão no processo pendente C‑392/19, VG Bild‑Kunst.


86      V., neste âmbito, Conclusões do advogado‑geral M. Wathelet no processo GS Media (C‑160/15, EU:C:2016:221, n.os 54 a 61). Além disso, no n.o 26 do Acórdão Stichting Brein II («The Pirate Bay»), o Tribunal de Justiça alterou a definição inicial do «papel incontornável», que passou a ser entendido como o facto de uma pessoa «[intervir] com pleno conhecimento das consequências do seu comportamento, para dar aos seus clientes acesso a uma obra protegida, designadamente quando, sem esta intervenção, estes clientes não poderiam ou muito dificilmente poderiam desfrutar da obra difundida» (o sublinhado é meu).


87      V., nomeadamente, Acórdãos de 7 de dezembro de 2006, SGAE (C‑306/05, EU:C:2006:764, n.o 42); de 4 de outubro de 2011, Football Association Premier League e o. (C‑403/08 e C‑429/08, EU:C:2011:631, n.o 194); de 15 de março de 2012, SCF (C‑135/10, EU:C:2012:140, n.os 91 e 94); e de 27 de fevereiro de 2014, OSA (C‑351/12, EU:C:2014:110, n.o 26).


88      A transmissão fortuita de uma obra a um público — por exemplo, uma música difundida num domicílio privado por altifalantes regulados para um volume elevado, que passantes na rua ouvem — não constitui, assim, uma «comunicação ao público». O caráter voluntário de uma comunicação deduz‑se de elementos objetivos relativos à própria natureza da intervenção da pessoa em causa. Isto explica que, com exceção dos Acórdãos GS Media, Stichting Brein I («Filmspeler») e Stichting Brein II («The Pirate Bay»), o Tribunal de Justiça nunca procedeu a um exame separado desta questão e apresentou‑a, com razão, como estando inextricavelmente ligada à do «papel incontornável» da pessoa em causa.


89      V., por analogia, Conclusões do advogado‑geral M. Campos Sánchez‑Bordona no processo Stichting Brein (C‑527/15, EU:C:2016:938, n.o 71).


90      Por outro lado, algumas das medidas previstas pela Diretiva 2004/48 só o são para os atos praticados à escala comercial, com exclusão dos atos que são praticados por consumidores finais que atuam de boa‑fé. V. considerando 14, bem como artigo 6.o, n.o 2, artigo 8.o, n.o 1, e artigo 9.o, n.o 2, desta diretiva.


91      Na Alemanha, a responsabilidade por cumplicidade está prevista no § 830 do Bürgerliches Gesetzbuch (Código Civil) (a seguir «BGB») (v., sobre a questão, a minha análise das quintas e sextas questões prejudiciais). No Reino Unido, o facto de autorizar, de obter os meios ou de incitar à prática de atos ilegais constitui um delito (tort) (v. Arnold, R., e Davies, P. S., «Accessory liability for intellectual property infringement: the case of authorisation», Law Quarterly Review, n.o 133, 2017, pp. 442‑468). V. ainda, por analogia, nos Estados Unidos, as regras de «contributory infringement» (v. Ginsburg, J.C., «Separating the Sony Sheep from the Grokster Goats: Reckoning the Future Business Plans of Copyright‑Dependent Technology Entrepreneurs», Arizona Law Review, vol. 50, 2008, pp. 577‑609).


92      V., nomeadamente, Leistner, M., «Copyright law on the internet in need of reform: hyperlinks, online platefomes and aggregators», Journal of Intellectual Property Law & Practice, 2017, vol. 12, n.o 2, pp. 136‑149; Angelopoulos, C., «Communication to the public and accessory copyright infringement», Cambridge Law Journal, 2017, vol. 76, n.o 3, pp. 496‑499; Koo, J., op. cit., p. 117, e Ohly, A., «The Broad concept of “communication to the public” in recent CJEU judgments and the liability of intermediaries:», Journal of Intellectual Property Law & Practice, 2018, vol. 13, n.o 8, pp. 664‑675.


93      Com exceção, no entanto, das regras relativas às injunções contra intermediários previstas no artigo 8.o, n.o 3, da Diretiva 2001/29 (v. a minha análise das quartas questões prejudiciais).


94      Numerosas diretivas incluem um artigo que obriga os Estados‑Membros a erigir em infração o facto de incitar a cometer, participar ou tornar cúmplice os atos que visam reprimir a título principal. V., nomeadamente, artigo 7.o da Diretiva 2011/93/UE do Parlamento Europeu e do Conselho, de 13 de dezembro de 2011, relativa à luta contra o abuso sexual e a exploração sexual de crianças e a pornografia infantil, e que substitui a Decisão‑Quadro 2004/68/JAI do Conselho (JO 2011, L 335, p. 1); artigo 8.o da Diretiva 2013/40/UE do Parlamento Europeu e do Conselho, de 12 de agosto de 2013, relativa a ataques contra os sistemas de informação e que substitui a Decisão‑Quadro 2005/222/JAI do Conselho (JO 2013, L 218, p. 8); artigo 6.o da Diretiva 2014/57/UE do Parlamento Europeu e do Conselho, de 16 de abril de 2014, relativa às sanções penais aplicáveis ao abuso de informação privilegiada e à manipulação de mercado (Abuso de Mercado) (JO 2014, L 173, p. 179); artigo 5.o da Diretiva (UE) 2017/1371 do Parlamento Europeu e do Conselho, de 5 de julho de 2017, relativa à luta contra a fraude lesiva dos interesses financeiros da União através do direito penal (JO 2017, L 198, p. 29); artigo 4.o da Diretiva (UE) 2018/1673 do Parlamento Europeu e do Conselho, de 23 de outubro de 2018, relativa ao combate ao branqueamento de capitais através do direito penal (JO 2018, L 284, p. 22).


95      V. Conclusões do advogado‑geral M. Poiares Maduro nos processos apensos Google France e Google (C‑236/08 a C‑238/08, EU:C:2009:569, n.o 48); Conclusões do advogado‑geral N. Jääskinen no processo L’Oréal e o. (C‑324/09, EU:C:2010:757, n.os 55 e 56); e Conclusões do advogado‑geral M. Szpunar no processo Stichting Brein (C‑610/15, EU:C:2017:99, n.o 3).


96      V. Acórdão Google France, n.o 57, e Acórdão L’Oréal/eBay, n.o 104.


97      V., neste sentido, Acórdão Stichting Brein I («Filmspeler»), n.os 41 e 42, e Acórdão Stichting Brein II («The Pirate Bay»), n.os 26, 34, 36 e 37. V., quanto ao conceito de «papel incontornável», tal como é entendido, na minha opinião, nos outros acórdãos do Tribunal de Justiça, n.o 72 das presentes conclusões.


98      Com efeito, se o Tribunal de Justiça pretender manter um critério de conhecimento da ilegalidade no âmbito do conceito de «comunicação ao público», na aceção do artigo 3.o, n.o 1, da Diretiva 2001/29, deverá seguir os princípios que decorrem do artigo 14.o, n.o 1, da Diretiva 2000/31, sob pena de se chegar à situação, evocada na nota 20 das presentes conclusões, na qual um prestador de serviços é responsável nos termos da primeira disposição, ficando isento ao abrigo da segunda.


99      V. Conclusões do advogado‑geral M. Szpunar no processo Stichting Brein (C‑610/15, EU:C:2017:99, n.os 51 e 52) e, por analogia, Acórdão GS Media, n.o 49.


100      Remeto, assim, quanto a estas questões, para a minha análise das terceiras questões prejudiciais. Esclareço, todavia, que a ideia de «consciência» (que se refere à frase do artigo 14.o, n.o 1, alínea a), da Diretiva 2000/31, segundo a qual «o prestador […] [a] conhecimento de factos ou de circunstâncias que evidenciam a atividade ou informação ilegal») corresponde à ideia, evocada no n.o 49 do Acórdão GS Media, segundo a qual uma pessoa é responsável quando «devia saber» que estava a facilitar uma comunicação ilegal.


101      V. Acórdão GS Media, n.o 51.


102      No n.o 49 do Acórdão Stichting Brein I («Filmspeler»), o Tribunal de Justiça evocou a presunção consagrada no Acórdão GS Media. No entanto, embora a venda do leitor multimédia em causa tivesse sido realizada com fins lucrativos, o Tribunal não aplicou verdadeiramente aquela presunção. Acresce que, no Acórdão Stichting Brein II («The Pirate Bay»), o Tribunal de Justiça nem sequer evocou a referida presunção.


103      V. Acórdão GS Media, n.o 51.


104      V. Conclusões do advogado‑geral M. Szpunar no processo Stichting Brein (C‑610/15, EU:C:2017:99, n.o 52). Até hoje, o Tribunal de Justiça esclareceu os limites impostos pelo artigo 15.o, n.o 1, da Diretiva 2000/31 no que respeita às injunções judiciais que podem ser aplicadas contra um prestador que armazena informações prestadas pelos utilizadores do seu serviço (v., nomeadamente, Acórdão L’Oréal/eBay, n.o 139). Na minha opinião, há que tomar esta disposição em consideração além da questão destas injunções. Com efeito, não se pode aceitar uma interpretação do direito da União que tenha por efeito impor ex ante semelhante obrigação a esse prestador. Por outro lado, ainda que se admita que o Tribunal de Justiça virá a declarar, no âmbito das segundas questões prejudiciais, que operadores como a YouTube ou a Cyando não estão abrangidos pelo âmbito de aplicação dos artigos 14.o e 15.o dessa diretiva, uma obrigação geral de vigilância e de pesquisa ativa é inconciliável com outras disposições do direito da União (v. secção F das presentes conclusões).


105      V. Supreme Court of the United States (Supremo Tribunal do Estados Unidos), Sony Corp. of America v. Universal City Studios Inc., 464 US 417 (1984). No processo que deu origem a este acórdão, os titulares de direitos pretendiam responsabilizar a Sony a título de responsabilidade secundária pelo fabrico e pela comercialização do videogravador «Betamax» pelo facto de esta sociedade fornecer a terceiros, através desse videogravador, os meios para cometer violações dos direitos de autor (nomeadamente, uma cópia ilegal de programas teledifundidos) e que podia razoavelmente saber que tais violações se produziriam. No entanto, foi negado provimento ao seu recurso pelo facto de o referido videogravador, embora pudesse ser utilizado de forma ilegal, poder dar lugar a um número substancial de utilizações legais.


106      A este respeito, observo que, embora a YouTube beneficie muito certamente do facto de a sua plataforma armazenar obras populares, como programas de televisão, filmes ou vídeos musicais de grandes artistas, a sua presença nesta plataforma nada tem, muitas vezes, de ilegal. Com efeito, como a Google alegou sem ser contestada, um grande número de fornecedores de conteúdos e de titulares de direitos publicam conteúdos na plataforma YouTube. Por outro lado, a Google alegou, novamente sem ser contestada, que a plataforma YouTube permite aceder a conteúdos culturais, informativos e instrutivos, criados pelos utilizadores, que são, eles próprios, atrativos (v. n.o 43 das presentes conclusões).


107      V., neste sentido, Acórdão Stichting Brein I («Filmspeler»), n.o 50.


108      V. Acórdão Stichting Brein II («The Pirate Bay»), n.o 45.


109      V. Acórdão Stichting Brein I («Filmspeler»), n.os 18 e 50, e Acórdão Stichting Brein II («The Pirate Bay»), n.o 45. Como explicarei no âmbito da minha análise das terceiras questões prejudiciais, um prestador em linha que demonstra esta intenção perde igualmente, na minha opinião, o direito a beneficiar da isenção da responsabilidade prevista nos artigos 12.o a 24.o da Diretiva 2000/31. V., por analogia, Supreme Court of the United States (Supremo Tribunal dos Estados Unidos), MGM Studios Inc. v Grokster Ltd., 545 US 913, 2005. Neste acórdão, duas sociedades, fornecedoras de programas informáticos que permitem a partilha de ficheiros numa rede «peertopeer», foram declaradas responsáveis pelas violações dos direitos de autor cometidas pelos utilizadores destes programas informáticos, uma vez que tinham abertamente feito a promoção das suas possíveis utilizações ilegais.


110      V. n.o 63 das presentes conclusões.


111      Com esta alegação, a Elsevier visa, na realidade, a responsabilidade que recai sobre os fornecedores de conteúdos «tradicionais», que selecionam os conteúdos que transmitem. Ora, como tenciono demonstrar, as plataformas não desempenham o mesmo papel.


112      Repito que, ainda que o Tribunal de Justiça venha a considerar que operadores como a YouTube ou a Cyando não estão abrangidos pelo âmbito de aplicação dos artigos 14.o e 15.o da Diretiva 2000/31, outras disposições do direito da União opõem‑se a semelhante solução.


113      Ao agir desta forma, um prestador de serviços perde, além disso, em minha opinião, o benefício a beneficiar da isenção de responsabilidade prevista no artigo 14.o, n.o 1, da Diretiva 2000/31.


114      V., neste sentido, Stallings, E., «Improving Secondary Liability Standards in Copyrights by Examining Intent: Why Courts Should consider creating a Good‑Faith Standard for Secondary Liability», Journal of the Copyright Society of the U.S.A., vol. 57, n.o 4, 2010, pp. 1017‑1038.


115      V. Acórdão Stichting Brein II («The Pirate Bay»), n.os 36 e 38.


116      Recordo que, segundo as indicações do órgão jurisdicional de reenvio, os vídeos em causa no processo C‑682/18 não continham a priori semelhante publicidade.


117      V. n.o 22 das presentes conclusões.


118      V. n.os 21 e 22 das presentes conclusões.


119      Sublinho que esta interpretação não significa que qualquer prestador de serviços deve implementar tal programa informático e que, se assim não for, lhe deve ser imputada uma cegueira voluntária. No estado atual do direito da União, nada o obriga a fazê‑lo — sem prejuízo, todavia, da possibilidade de impor a um prestador de serviços, através de uma injunção, em condições bem definidas, em função dos seus recursos, a utilização de um instrumento de filtragem (v. a minha análise das quartas questões prejudiciais).


120      Além das disposições da Carta dos Direitos Fundamentais da União Europeia (a seguir «Carta») que visam os direitos em questão, v., num domínio vizinho, considerandos 9, 33, 34, artigo 6.o, n.o 1, e artigo 9.o, n.o 1, da Diretiva do Parlamento Europeu e do Conselho, de 12 de julho de 2002, relativa ao tratamento de dados pessoais e à proteção da privacidade no setor das comunicações eletrónicas (Diretiva Relativa à Privacidade e às Comunicações Eletrónicas) (JO 2002, L 201, p. 37).


121      V. Conselho da Europa, Declaração sobre a liberdade de comunicação na Internet adotada pelo Conselho de Ministros, em 28 de maio de 2003, durante a 840.a reunião dos Delegados dos Ministros, princípio 7; Office of the Special Rapporteur for Freedom of Expression, Inter‑American Commission on Human Rights, Freedom of expression and the Internet, n.os 130 a 136, bem como Organização das Nações Unidas, Assembleia Geral, relatório do Relator especial relativo à promoção da proteção do direito à liberdade de opinião e de expressão, A/HRC/29/32, 29 de maio de 2015, pp. 12, 16 e 56.


122      A Elsevier afirma que os conteúdos que violam o direito de autor representam entre 90 e 96 % dos ficheiros armazenados na Uploaded, razão pela qual o Bundesgerichtshof (Supremo Tribunal Federal) interroga o Tribunal de Justiça, com a sua primeira questão, alínea b), no processo C‑683/18, sobre a pertinência dessa circunstância. Este órgão jurisdicional explica, por outro lado, que, na hipótese de se tratar efetivamente de um elemento pertinente, esta afirmação deve ser demonstrada pela Elsevier no âmbito de uma reabertura do processo de recurso. A Cyando alega, por seu lado, que só uma percentagem muito reduzida (da ordem dos 1,1 %) de todos os ficheiros efetivamente consultados dizia respeito à disponibilização ao público de conteúdos protegidos pelo direito de autor, o que corresponde a 0,3 % do volume total dos dados armazenados.


123      Na ordem de várias dezenas de euros por milhar de descarregamentos. V. n.o 31 das presentes conclusões.


124      V., por analogia, Bundesgerichsthof (Supremo Tribunal Federal), 15 de agosto de 2013, I ZR 80/12 (FileHosting Service), GRUR 1030, § 38. Este programa difere sensivelmente da partilha de receitas publicitárias operada por uma plataforma de partilha de vídeos como a YouTube. Por um lado, embora uma partilha de receitas possa ser explicada no âmbito de tal plataforma, um programa de «parceria» parece mais curioso no âmbito de uma plataforma destinada a instalar ficheiros. Por outro lado, recordo que, no âmbito da YouTube, esta partilha de receitas é realizada de forma protegida.


125      Os artigos 12.o a 15.o da Diretiva 2000/31 inspiram‑se no Digital Millennium Copyright Act (Lei do Milénio sobre os Direitos de Autor Digitais), adotado pelo legislador federal americano em 1998, que instituiu isenções de responsabilidade semelhantes relativas especificamente aos direitos de autor [que figuram no título 17, capítulo 5, secção 512 do United Skates Code (Código dos Estados Unidos)].


126      V. Conclusões do advogado‑geral N. Jääskinen no processo L’Oréal e o. (C‑324/09, EU:C:2010:757, n.o 153).


127      Observo que esta questão é expressamente colocada ao Tribunal de Justiça nos processos pendentes C‑442/19, Stichting Brein e C‑500/19, Puls 4 TV.


128      V. considerando 16 da Diretiva 2001/29; Conclusões do advogado‑geral M. Szpunar no processo Mc Fadden (C‑484/14, EU:C:2016:170, n.o 64); proposta de diretiva relativa a certos aspetos jurídicos do comércio eletrónico no mercado interno [COM(1998) 586 final], pp. 27 e 29, bem como relatório da Comissão ao Parlamento Europeu, ao Conselho e ao Comité Económico e Social Europeu, de 21 de novembro de 2003, Primeiro Relatório sobre a aplicação da [Diretiva 2000/31] [COM(2003) 702 final], p. 13. No entanto, a isenção de responsabilidade prevista no artigo 14.o, n.o 1, da Diretiva 2000/31 deste artigo, aplica‑se sem prejuízo da possibilidade, reservada ao n.o 3 deste artigo, de obter uma injunção contra um prestador de serviços (v. a minha análise das quartas questões prejudiciais).


129      A aplicação desta disposição está igualmente excluída, por princípio, na hipótese de o utilizador que forneceu as informações em causa agir sob a autoridade ou controlo do prestador (v. artigo 14.o, n.o 2, da Diretiva 2000/31).


130      Mais precisamente, o artigo 2.o, alínea a), da Diretiva 2000/31 define o conceito de «serviços da sociedade da informação» por referência ao artigo 1.o, n.o 2, da Diretiva 98/34/CE do Parlamento Europeu e do Conselho, de 22 de junho de 1998, relativa a um procedimento de informação no domínio das normas e regulamentações técnicas (JO 1998, L 204, p. 37), conforme alterada pela Diretiva 98/48/CE do Parlamento Europeu e do Conselho, de 20 de julho de 1998 (JO 1998, L 217, p. 18). A Diretiva 98/34 foi substituída pela Diretiva (UE) 2015/1535 do Parlamento Europeu e do Conselho, de 9 de setembro de 2015, relativa a um procedimento de informação no domínio das regulamentações técnicas e das regras relativas aos serviços da sociedade da informação (JO 2015, L 241, p. 1), cujo artigo 1.o, n.o 1, alínea b), retoma a mesma definição.


131      V., por analogia, Acórdão de 19 de dezembro de 2019, AIRBNB Ireland (C‑390/18, EU:C:2019:1112, n.os 47 e 48). A este respeito, em conformidade com o artigo 2.o, alínea d), da Diretiva 2000/31, o «destinatário do serviço» é «qualquer pessoa, singular ou coletiva, que, para fins profissionais ou não, utilize um serviço da sociedade da informação, nomeadamente para procurar ou para tornar acessível determinada informação». Por conseguinte, este conceito abrange tanto o utilizador que coloca um ficheiro em linha como aquele que o consulta ou o descarrega.


132      No entanto, não se pode falar de «gratuitidade» do serviço para os utilizadores. Como indiquei na nota 11 das presentes conclusões, a YouTube recolhe um número considerável de dados pessoais relativos aos seus utilizadores, que representam em si mesmos um preço. V., a este respeito, considerando 24, artigo 2.o, ponto 7, e artigo 3.o da Diretiva (UE) 2019/770 do Parlamento Europeu e do Conselho, de 20 de maio de 2019, sobre certos aspetos relativos aos contratos de fornecimento de conteúdos e serviços digitais (JO 2019, L 136, p. 1).


133      V. considerando 18 da Diretiva 2000/31 e Acórdão de 11 de setembro de 2014, Papasavvas (C‑291/13, EU:C:2014:2209, n.os 26 a 30).


134      O conceito de «informações» previsto no artigo 14.o, n.o 1, da Diretiva 2000/31, deve ser interpretado em sentido amplo (v. proposta de diretiva do Parlamento Europeu e do Conselho relativa a certos aspetos jurídicos do comércio eletrónico no mercado interno, p. 27).


135      V., neste sentido, Montero, E., «Les responsabilitées liées au web 2.0.», Revue du Droit des Technologies de l’Information, 2008, n.o 32, p. 368, e Van Eecke, P., «Online Service Providers and Liability: A Plea for a Balances Approch», Common Market Law Review, 2011, vol. 47, p. 1473. Esta interpretação é suportada pelo relatório sobre a aplicação desta diretiva, p. 13, que se refere, de forma ampla, a «diferentes casos em que há armazenagem de conteúdos pertencentes a terceiros».


136      V. Acórdão Google France, n.os 110 e 111.


137      V. Acórdão Google France, n.os 112 a 114 e 120 (o sublinhado é meu).


138      V. Acórdão Google France, respetivamente, n.os 110, 112 e 113.


139      V. Acórdão de 15 de setembro de 2016, Mc Fadden (C‑484/14, EU:C:2016:689, n.os 61 a 64). Esta constatação tinha levado o advogado‑geral N. Jääskinen, nas suas Conclusões no processo L’Oréal e o. (C‑324/09, EU:C:2010:757, n.os 139 a 142), a concluir que, em seu entender, o considerando 42 da Diretiva 2000/31, no qual o Tribunal de Justiça se inspirou no Acórdão Google France para estabelecer a condição do «papel neutro» do prestador no que respeita às informações prestadas pelos utilizadores do seu serviço, não visa a atividade de armazenagem, mas apenas o simples transporte e o caching.


140      V., neste sentido, Acórdão L’Oréal/eBay, n.o 115.


141      Neste sentido, no Acórdão de 11 de setembro de 2014, Papasavvas (C‑291/13, EU:C:2014:2209, n.os 45 e 46), o Tribunal de Justiça declarou que um editor de imprensa que publica no seu sítio Internet a versão eletrónica de um jornal tem conhecimento das informações que publica e exerce um controlo sobre estas — uma vez que as seleciona — pelo que esse editor não pode ser considerado um «prestador intermediário» na aceção do artigo 14.o, n.o 1, da Diretiva 2000/31.


142      V., no mesmo sentido, Husovec, op. cit., pp. 56 e 57.


143      V. Acórdão Google France, n.o 117.


144      A Elsevier alega ainda que, num sítio de comércio eletrónico como a eBay, não é o operador, mas o utilizador vendedor que concede ao público o acesso aos produtos vendidos, uma vez que é este último que entrega esses produtos aos compradores. De fora inversa, no que respeita à plataforma YouTube, é o operador que concede acesso aos vídeos. Este argumento assenta, em minha opinião, numa confusão. As «informações» armazenadas a pedidos dos utilizadores de um sítio de comércio eletrónico não são os produtos propostos para venda, mas as propostas de venda em si mesmas. A eBay concede acesso a estas últimas «informações» da mesma forma que a YouTube concede acesso às «informações» que constituem os vídeos colocados em linha pelos seus utilizadores. Nestes dois casos, estas diferentes «informações» são fornecidas pelos utilizadores.


145      Não é o caso, recordo‑o, no que respeita à plataforma Uploaded.


146      V. Acórdão L’Oréal/eBay, n.os 114 e 116.


147      V. Acórdão L’Oréal/eBay, n.o 31.


148      V., no mesmo sentido, Acórdão Google France, n.o 118, no qual o Tribunal de Justiça considerou pertinente o «papel desempenhado pela Google na redação da mensagem comercial que acompanha o link publicitário ou na determinação da seleção das palavras‑chave».


149      A prova disto é que o Tribunal de Justiça aderiu à ideia de «otimizar a apresentação das propostas de venda em causa» (Acórdão L’Oréal/eBay, n.o 116) (o sublinhado é meu). Se o Tribunal de Justiça tivesse apontado para a estruturação geral das propostas de venda apresentadas no sítio de comércio eletrónico, não teria feito tal precisão e também não teria remetido ao órgão jurisdicional nacional o cuidado de verificar se a eBay tinha desempenhado um «papel ativo» «no que se refere às propostas de venda em causa no processo principal» (n.o 117 deste acórdão). Com efeito, a eBay desempenha um «papel ativo» em relação a qualquer proposta de venda uma vez que todas se inscrevem nesta estrutura geral.


150      Por exemplo, alterando certas passagens dos vídeos em questão, escolhendo uma melhor música de fundo, melhorando a montagem, etc.


151      V., por analogia, Acórdão L’Oréal/eBay, n.o 113.


152      V., por analogia, Acórdão Google France, n.os 115 e 117.


153      Acórdão L’Oréal/eBay, n.o 116.


154      V. Acórdão L’Oréal/eBay, n.os 38, 39 e 114.


155      Também aqui, se o Tribunal de Justiça tivesse tido presente este tipo de recomendações, não teria remetido ao órgão jurisdicional nacional o cuidado de verificar se a eBay tinha desempenhado um «papel ativo» «no que se refere às propostas de venda em causa no processo principal» (Acórdão L’Oréal/eBay, n.o 117). Com efeito, esse «papel ativo» teria existido para todas as propostas de venda apresentadas no sítio de comércio eletrónico, uma vez que qualquer uma delas pode ser potencialmente recomendada, consoante a programação do algoritmo, a um determinado utilizador.


156      V., por analogia, Acórdão Google France, n.o 115. Isto não prejudica a possibilidade, para um prestador de serviços, quando domine esse algoritmo, de ser responsabilizado pelos danos causados pelo funcionamento desse mesmo algoritmo. É o que poderia suceder, nomeadamente, se o referido algoritmo também discriminasse ilegalmente determinados conteúdos ou determinados utilizadores. Repito, a isenção prevista no artigo 14.o, n.o 1, da Diretiva 2000/31 apenas diz respeito à responsabilidade resultante das informações armazenadas.


157      V., por analogia, Cour de cassation (Tribunal de Cassação, França), 1.a Secção Cível, Acórdão n.o 165 de 17 de fevereiro de 2011, Carion c/Société Dailymotion, n.o 09‑67.896.


158      V. considerando 18 da Diretiva 2000/31.


159      V. Acórdão Google France, n.o 116, e Acórdão L’Oréal/eBay, n.o 115.


160      V. Acórdão Google France, n.o 25.


161      V. Acórdão L’Oréal/eBay, n.os 28 e 110.


162      Este facto é ainda mais considerável por o advogado‑geral M. Poiares Maduro, nas suas Conclusões nos processos apensos Google France e Google (C‑236/08 a C‑238/08, EU:C:2009:569, n.os 144 e 145), ter sugerido a abordagem oposta ao Tribunal de Justiça.


163      V., neste sentido, considerando 26 da Recomendação 2018/334 da Comissão, de 1 de março de 2018, sobre medidas destinadas a combater eficazmente os conteúdos ilegais em linha (JO 2018, L 63, p. 50). De resto, resulta implícita mas necessariamente do Acórdão L’Oréal/eBay que um prestador de serviços pode fazer as suas próprias pesquisas, sem perder, por este motivo, o seu «papel neutro» (v. n.o os 46 de 122 deste acórdão).


164      Acórdão de 16 de fevereiro de 2012 (C‑360/10, EU:C:2012:85, n.o 27).


165      V. Acórdão de 3 de outubro de 2019 (C‑18/18, EU:C:2019:821, n.o 22).


166      V., em especial, Acórdão de 29 de julho de 2019, Funke Medien NRW (C‑469/17, EU:C:2019:623, n.os 16 a 26).


167      Além disso, o próprio legislador da União parece considerar que um operador de plataforma como a YouTube pode beneficiar do artigo 14.o, n.o 1, da Diretiva 2000/31, uma vez que diferentes disposições do direito da União preveem a aplicação desta disposição a semelhante operador. V., nomeadamente, artigo 28.o‑A, n.o 5, da Diretiva (UE) 2018/1808 do Parlamento Europeu e do Conselho, de 14 de novembro de 2018, que altera a Diretiva 2010/13/UE relativa à coordenação de certas disposições legislativas, regulamentares e administrativas dos Estados‑Membros respeitantes à oferta de serviços de comunicação social audiovisual (Diretiva «Serviços de Comunicação Social Audiovisual»), para a adaptar à evolução das realidades do mercado (JO 2018, L 303, p. 69), que indica que «os artigos 12.o a 15.o da Diretiva [2000/31] são aplicáveis aos fornecedores de plataformas de partilha de vídeos considerados estabelecidos num Estado‑Membro» (v. também artigo 28.o‑B desta diretiva).


168      Todavia, sem prejuízo do limite recordado no n.o 146 das presentes conclusões.


169      Por comodidade, utilizarei, nas presentes conclusões, o conceito de «conhecimento efetivo», para designar a hipótese visada na primeira frase do artigo 14.o, n.o 1, alínea a), da Diretiva 2000/31, e o conceito de «consciência», para designar a hipótese visada na segunda frase desta disposição.


170      É também o que sucede na vasta maioria das outras versões linguísticas da Diretiva 2000/31. F. Peterson e a Elsevier replicam que a versão em língua inglesa desta diretiva permite que se faça a interpretação oposta. Não estou convencido de que assim seja. É certo que, nesta versão, a primeira frase do artigo 14.o, n.o 1, alínea a), desta diretiva não comporta um artigo definido («[…] the provider does not have actual knowledge of illegal activity or information […]»). Contudo, a segunda frase utiliza efetivamente, por seu lado, um artigo definido («[…] is not aware of facts or circumstances from which the illegal activity or information is apparent […]») (o sublinhado é meu).


171      V. considerandos 40, 41 e 46 da Diretiva 2000/31.


172      V. considerando 40 e artigo 14.o, n.o 3, da Diretiva 2000/31. Ao contrário da section 512 introduzida pela DMCA, a Diretiva 2000/31 não prevê, assim, um procedimento de notificação e de retirada harmonizada.


173      Por isto entendo: levada ao conhecimento de um empregado do prestador de serviços. Não se pode considerar que um prestador tem «conhecimento» ou «consciência» de uma informação ilegal que armazena, na aceção do artigo 14.o, n.o 1, da Diretiva 2000/31 pelo facto de, por exemplo, ter efetuado um tratamento automatizado dessa informação. Tal interpretação privaria esta disposição de qualquer efeito útil, uma vez que qualquer prestador que armazene informações é necessariamente levado a efetuar semelhante tratamento.


174      V. Conclusões do advogado‑geral N. Jääskinen no processo L’Oréal e o. (C‑324/09, EU:C:2010:757, n.os 162 e 163).


175      Acórdão L’Oréal/eBay, respetivamente n.os 120, 121 e 122.


176      V. Acórdão L’Oréal/eBay, n.o 122.


177      V., no mesmo sentido, Riordan, J., The Liability of Internet Intermediaries, Oxford University Press, Oxford, 2016, pp. 407 e 408. O Tribunal de Justiça esclareceu, aliás, no n.o 139 do Acórdão L’Oréal/eBay, que as medidas que podem ser exigidas a um prestador de serviços como a eBay «não podem consistir numa vigilância ativa da totalidade dos dados relativos a cada cliente a fim de prevenir qualquer violação futura dos direitos de propriedade intelectual através do sítio deste prestador». Do mesmo modo, a indicação dada pelo Tribunal de Justiça, no n.o 120 desse acórdão, segundo a qual um prestador pode descobrir factos e circunstâncias que tornam a ilegalidade aparente no âmbito das suas próprias averiguações, tende simplesmente a indicar que o artigo 14.o, n.o 1, da Diretiva 2000/31 autoriza um prestador a efetuar essas pesquisas. Se for caso disso, este prestador deve evidentemente suprimir as informações ilegais que descobre. Isto não significa que seja, de um modo geral, obrigado a fazer semelhantes pesquisas.


178      V. Conseil constitutionnel (Tribunal Constitucional, França), Decisão n.o 2004‑496, de 10 de junho de 2004.


179      Refiro‑me, por exemplo, às imagens de pornografia infantil. Para este tipo de informações que são, em si mesmas, manifesta e indiscutivelmente ilegais, a Diretiva 2000/31 não proíbe, na minha opinião, que se exija ao prestador que seja proativo no que respeita à sua retirada. V., neste sentido, considerando 48 desta diretiva e, no que respeita especificamente à pornografia infantil, considerando 47 e artigo 25.o da Diretiva 2011/93.


180      V., nomeadamente, Acórdão de 16 de fevereiro de 2012, SABAM (C‑360/10, EU:C:2012:85, n.o 50).


181      Por exemplo, a colocação em linha, por um obscuro utilizador, de uma cópia de medíocre qualidade, filmada com uma câmara de vídeo, de um filme recentemente estreado nas salas de cinema.


182      Resulta da decisão de reenvio no processo C‑682/18 que uma parte significativa do acórdão recorrido é consagrada à questão de saber se, e em que medida, F. Peterson detém direitos sobre as obras em causa.


183      V. artigo 5.o da Diretiva 2001/29.


184      Saliento, nomeadamente, que a Diretiva 2000/31 não prevê nenhuma garantia para os utilizadores, tal como um procedimento de «contra‑notificação» que permita contestar o «excesso de retirada» das suas informações. O considerando 46 desta diretiva limita‑se a indicar que os Estados‑Membros podem «[fixar] requisitos específicos que tenham de ser cumpridos de forma expedita, previamente à remoção ou à impossibilitação de acesso à informação».


185      V., neste sentido, Riodan, J., op. cit., p. 406. De um modo geral, a questão de saber se os «factos e circunstâncias» levados ao conhecimento de um prestador de serviços eram suficientes para lhe dar a «consciência» de uma informação ilegal, na aceção do artigo 14.o, n.o 1, alínea a), da Diretiva 2000/31, depende de todas as circunstâncias de cada caso, em especial do grau de precisão da notificação, da complexidade da análise necessária para compreender a ilegalidade dessa informação e dos recursos de que dispõe esse prestador. Sucede o mesmo em relação à questão de saber se o prestador agiu «com diligência», na aceção do artigo 14.o, n.o 1, alínea b), desta diretiva.


186      Sobre esta questão, remeto o leitor para os n.os 120 a 131 das presentes conclusões.


187      Com efeito, na minha opinião, é inconcebível que, por exemplo, os administradores da plataforma «The Pirate Bay» possam invocar o artigo 14.o, n.o 1, da Diretiva 2000/31 para escaparem à sua responsabilidade secundária, nos termos do direito nacional, devido às informações armazenadas nesta plataforma. Como o Governo francês alega, esta disposição destina‑se a proteger os prestadores de serviços que estão geralmente de boa‑fé, não os prestadores perniciosos cuja intenção em si mesma é facilitar as violações dos direitos de autor.


188      Em contrapartida, no artigo 17.o, n.o 4, da Diretiva 2019/790 figura uma obrigação de «stay down». Observo, no entanto, que o legislador previu uma exceção para os «pequenos» prestadores de serviços, que não têm os recursos ou a tecnologia necessária para dar execução a tal obrigação.


189      V., igualmente, considerando 45 da Diretiva 2000/31.


190      Esta obrigação figura igualmente no artigo 11.o, terceira frase, da Diretiva 2004/48, que se aplica às violações de diferentes direitos de propriedade intelectual, entre as quais o direito de autor (v. artigo 2.o, n.o 1, desta diretiva). No entanto, esta disposição, como a própria indica, aplica‑se «sem prejuízo» do artigo 8.o, n.o 3, da Diretiva 2001/29. De qualquer forma, uma vez que a redação do artigo 8.o, n.o 3, da Diretiva 2001/29 e do artigo 11.o, terceira frase, da Diretiva 2004/48 são praticamente idênticas e que estas diretivas prosseguem o mesmo objetivo de se atingir um elevado nível de proteção da propriedade intelectual (v. considerando 9 da Primeira Diretiva e considerando 10 da segunda), estas disposições devem, na minha opinião, ser interpretadas da mesma forma.


191      A «responsabilidade do perturbador» permite obter uma injunção. Não constitui, assim, um fundamento para a atribuição de uma indemnização, contrariamente à responsabilidade primária do autor de uma infração e à responsabilidade do cúmplice, prevista no § 830 do BGB.


192      V., nomeadamente, Bundesgerichtshof (Supremo Tribunal Federal), Acórdãos de 26 de julho de 2019, I ZR 18/11, GRUR 2013, 370 — Alone in the Dark, e de 19 de março de 2015, I ZR 94/13, GRUR 2015 1129 — Hotelbewertungsportal. Em conformidade com a jurisprudência deste órgão jurisdicional, operadores como a YouTube e a Cyando não são, regra geral, diretamente responsáveis pelas violações dos direitos de autor cometidas através das suas plataformas, na medida em que não realizam a «comunicação ao público» das obras que nelas são colocadas em linha. Estes operadores também não são, em princípio, responsabilizados como cúmplices a título dessas violações, na aceção do § 830 do BGB, uma vez que uma condenação com este fundamento implica demonstrar uma intenção e um conhecimento relativos a uma infração concreta (v. a minha análise das quintas e sextas questões prejudiciais). Por conseguinte, é essencialmente no âmbito das injunções baseadas na «responsabilidade do perturbador» que esse órgão jurisdicional regulamenta o comportamento de tais operadores. Nos processos principais, os órgãos jurisdicionais de recurso condenaram, assim, a YouTube e a Cyando como «perturbadores», por não terem respeitado as suas obrigações de comportamento.


193      V., por analogia, Acórdão de 7 de julho de 2016, Tommy Hilfiger Licensing e o. (C‑494/15, EU:C:2016:528, n.o 23 e jurisprudência referida).


194      V. Acórdão L’Oréal/eBay, n.o 136.


195      As obrigações de comportamento que recaem concretamente sobre os prestadores de serviços que exercem uma atividade que consiste nomeadamente na armazenagem em servidor de ficheiros fornecidos por terceiros, em conformidade com a jurisprudência do Bundesgerichtshof (Supremo Tribunal Federal), refletem a condição prevista no artigo 14.o, n.o 1, alínea b), da Diretiva 2000/31. No entanto, essas obrigações vão, na minha opinião, além desta disposição: este órgão jurisdicional impõe que o prestador não só tenha retirado a informação notificada como também tenha bloqueado essa informação, numa lógica de stay down.


196      V. considerando 59 da Diretiva 2001/29, e Husovec, op. cit., pp. XV, XVI, 8 e 10 a 13. Na minha opinião, o facto de os intermediários beneficiarem financeiramente, em certa medida, das utilizações ilegais dos seus serviços justifica igualmente que tenham de suportar semelhantes injunções.


197      V., no mesmo sentido, Nordemann, J. B., «Liability for Copyright Infringements on the Internet: Host Providers (Content Providers) — The German Approch», Journal of Intellectual Property, Information Technology and Electronic Commerce Law, vol. 2, n.o 1, 2011, p. 40.


198      V., no mesmo sentido, Comunicação da Comissão ao Parlamento Europeu, ao Conselho e ao Comité Económico e Social Europeu, de 29 de novembro de 2017, Orientações relativas a certos aspetos da Diretiva 2004/48/CE do Parlamento Europeu e do Conselho, de 29 de abril de 2004, relativa ao respeito dos direitos de propriedade intelectual [COM(2017) 708 final], p. 19: «as autoridades judiciais competentes não podem exigir ao requerente que demonstre que o intermediário é responsável, mesmo que indiretamente, por uma (alegada) violação, como condição para decretarem uma medida inibitória».


199      V., por analogia, Acórdão L’Oréal/eBay, n.o 131.


200      V. artigo 3.o da Diretiva 2004/48 e, por analogia, Acórdão L’Oréal/eBay, n.os 140 a 144. Recordo que esta diretiva também se aplica em matéria de direitos de autor. Por conseguinte, as exigências previstas nas suas disposições gerais devem ser respeitadas no âmbito de uma injunção emitida em conformidade com o artigo 8.o, n.o 3, da Diretiva 2001/29.


201      V. Acórdão de 16 de fevereiro de 2012, SABAM (C‑360/10, EU:C:2012:85, n.os 31 a 33).


202      V. n.o 194 das presentes conclusões.


203      Acórdão de 16 de fevereiro de 2012 (C‑360/10, EU:C:2012:85, n.os 35 a 38).


204      Acórdão de 3 de outubro de 2019 (C‑18/18, EU:C:2019:821, n.os 33 a 47).


205      V. considerando 47 da Diretiva 2000/31.


206      V., igualmente, Acórdão L’Oréal/eBay, n.o 139.


207      A este respeito, as cópias de um mesmo ficheiro podem ser identificadas graças a filtros MD5 (ou Hash filtres), que parecem correntes.


208      Por exemplo, relativamente a uma obra cinematográfica, existe uma multitude de variações em termos de formato ou de qualidade de imagem, de duração, etc.


209      Segundo as explicações dadas pela Google, depois de um ficheiro de referência ter sido depositado na base de dados de Content ID, este programa informático reconheceria automaticamente (quase) todos os ficheiros que contêm essa obra quando estes são colocados em linha.


210      Segundo as informações prestadas pela Google, esta gastou mais de 100 milhões de dólares (cerca de 88 milhões de euros) para desenvolver o Content ID.


211      V., neste sentido, Acórdão de 16 de fevereiro de 2012, SABAM (C‑360/10, EU:C:2012:85, n.o 50). Em especial, uma injunção não deve criar obstáculos à possibilidade de os utilizadores de uma plataforma fazerem uma utilização de obras protegidas abrangida pelas exceções e pelas limitações previstas no artigo 5.o da Diretiva 2001/29. No que se refere a uma plataforma como a plataforma YouTube, trata‑se, nomeadamente, de permitir que os utilizadores partilhem vídeos que utilizam obras para efeitos de crítica, de revista ou de paródia, nas condições previstas no n.o 3, alíneas d) e k), deste artigo 5.o Relativamente a um Cyberlocker, trata‑se, nomeadamente, de não privar os utilizadores do direito à cópia privada referida no artigo 5.o, n.o 2, alínea b), desta diretiva [v., quanto a este ponto, Conclusões do advogado‑geral M. Szpunar no processo VCAST (C‑265/16, EU:C:2017:649, n.os 23 a 28)].


212      Recordo que, na minha opinião, o artigo 3.o, n.o 1, da Diretiva 2001/29 e o artigo 14.o, n.o 1, da Diretiva 2000/31 devem ser interpretados de forma coerente. Especificamente, o «papel incontornável», na aceção da jurisprudência do Tribunal de Justiça relativa à primeira disposição, deve corresponder, na prática, para os prestadores intermediários que armazenam informações prestadas pelos utilizadores dos seus serviços, ao «papel ativo» referido na sua jurisprudência relativa à segunda. Por conseguinte, responderei às quintas e sextas questões prejudiciais unicamente de forma breve e a título subsidiário.


213      V., nomeadamente, artigo 4.o da Diretiva 2004/48 que esclarece que «[o]s Estados‑Membros reconhecem legitimidade para requerer a aplicação das medidas, procedimentos e recursos referidos no presente capítulo, às seguintes pessoas: a) [t]itulares de direitos de propriedade intelectual, nos termos da legislação aplicável» (o sublinhado é meu). Pode tratar‑se das regras substantivas previstas tanto no direito da União como no direito nacional (v. artigo 2.o, n.o 1, desta diretiva).


214      V. considerando 15 e artigo 2.o, n.o 3, alínea a), da Diretiva 2004/48.


215      V. artigo 2.o, n.o 1, da Diretiva 2013/48.


216      V. artigo 8.o, n.o 1, alínea c), e n.o 2, da Diretiva 2004/48. V., igualmente, sobre a matéria, as minhas Conclusões no processo Constantin Film Verleih (C‑264/19, EU:C:2020:261).


217      Recordo que as obras partilhadas são armazenadas nos computadores dos diferentes utilizadores da rede, limitando‑se uma plataforma como a «The Pirate Bay» a instalar ficheiros torrents que permitem encontrar essas obras nessa rede.


218      V. Conclusões do advogado‑geral M. Szpunar no processo Stichting Brein (C‑610/15, EU:C:2017:99, n.os 19 e 20).


219      V. Acórdãos GS Media, n.os 44 e 45, e de 7 de agosto de 2018, Renckhoff (C‑161/17, EU:C:2018:634, n.o 41).


220      V., nomeadamente, Acórdãos de 3 de setembro de 2014, Deckmyn e Vrijheidsfonds (C‑201/13, EU:C:2014:2132, n.os 22 a 27); de 29 de julho de 2019, Funke Medien NRW (C‑469/17, EU:C:2019:623, n.os 51, 58 e 65 a 76); e de 29 de julho de 2019, Spiegel Online (C‑516/17, EU:C:2019:625, n.os 36, 38, 50 a 59).


221      Em especial, o facto de os titulares de direitos não disporem de uma proteção máxima da sua propriedade intelectual implica, na minha opinião, que lhes possa ser exigida uma certa vigilância no que respeita às utilizações das suas obras em linha e a uma colaboração com os operadores de plataformas. V., por analogia, no domínio do direito das marcas, Conclusões do advogado‑geral P. Cruz Villalón no processo Backaldrin Österreich The Kornspitz Company (C‑409/12, EU:C:2013:563, n.o 83).


222      Recordo que este artigo 11.o contém direitos que correspondem àqueles que são garantidos pelo artigo 10.o, n.o 1, da Convenção para a Proteção dos Direitos do Homem e das Liberdades Fundamentais, assinada em Roma, em 4 de novembro de 1950, e que o primeiro artigo deve, assim, ser interpretado à luz da jurisprudência do Tribunal Europeu dos Direitos do Homem respeitante ao segundo artigo. V., nomeadamente, Acórdão de 29 de julho de 2019, Funke Medien NRW (C‑469/17, EU:C:2019:623, n.o 73).


223      V., nomeadamente, Acórdão GS Media, n.o 45, e TEDH, 18 de dezembro de 2012, Ahmet Yildirim c. Turquia, CE:ECHR:2012:1218JUD000311110, § 54; TEDH, 1 de dezembro de 2015, Cengiz e o. c. Turquia, CE:ECHR:2015:1201JUD004822610, § 49. V., também, no mesmo sentido, TEDH, 10 de março de 2009, Times Newspapers Ltd c. Reino Unido (n.os 1 e 2), CE:ECHR:2009:0310JUD000300203, § 27, e TEDH, 10 de janeiro de 2013, Ashby Donald e o. c. França, CE:ECHR:2013:0110JUD003676908, § 34.


224      TEDH, 1 de dezembro de 2015, Cengiz e o. c. Turquia, CE:ECHR:2015:1201JUD004822610, § 51‑52. V., igualmente, neste sentido, Acórdão de 14 de fevereiro de 2019, Buivids (C‑345/17, EU:C:2019:122, n.os 56 e 57).


225      Acórdão de 16 de fevereiro de 2012 (C‑360/10, EU:C:2012:85).


226      Repito, a este respeito, que nem todos os prestadores de serviços dispõem das mesmas capacidades e recursos que a YouTube.


227      V. Acórdão de 16 de fevereiro de 2012, SABAM (C‑360/10, EU:C:2012:85, n.os 44 a 52). Assim, ainda que se admita que os operadores de plataformas não estão abrangidos pelo âmbito de aplicação dos artigos 14.o e 15.o da Diretiva 2000/31, a obrigação de controlar ex ante a totalidade dos ficheiros colocados em linha seria, em qualquer caso, contrária aos direitos fundamentais garantidos pela Carta.


228      É o que acontece com vídeos como os tutoriais em linha e outros vídeos com vocação recreativa ou informativa, que podem em princípio utilizar obras protegidas, em determinadas condições, em conformidade com determinadas exceções previstas no artigo 5.o da Diretiva 2001/29. A este respeito, noto que há interrogações sobre o programa informático Content ID da Youtube, por este, aparentemente, já ter menosprezado vídeos inocentes para obras protegidas ilegalmente colocadas em linha e bloqueado vídeos para a utilização de excertos de alguns segundos de tal obra (v., nomeadamente, Signoret, P., «Sur YouTube, la détection automatique des contenus soumis à droit d’auteur ne satisfait personne», Le Monde, blog Pixels, 5 de julho de 2018). A este respeito, a YouTube reconhece que o Content ID não deteta a eventual aplicação das exceções ao direito de autor (v. vidéo YouTube Creators, «Content ID sur YouTube», acessível no endereço https://youtu.be/9g2U12SsRns).


229      Além disso, a complexidade é ainda reforçada, na minha opinião, pelo caráter ambivalente da Internet, e mais especialmente das plataformas como a plataforma YouTube, no que respeita à atividade ilegal. Com efeito, embora a plataforma YouTube ofereça ferramentas que podem ser utilizadas para violar os direitos de autor, estas ferramentas, em especial o seu motor de pesquisa, facilita ao mesmo tempo a descoberta dessas violações.


230      V. considerandos 40, 41, 45 a 49 da Diretiva 2000/31, bem como proposta de diretiva do Parlamento Europeu e do Conselho relativa a certos aspetos jurídicos do comércio eletrónico no mercado interno, pp. 4, 12 e 16.


231      V. considerandos 16 e 59, bem como artigo 8.o, n.o 3, da Diretiva 2001/29.


232      V. artigo 29.o da Diretiva 2019/790.


233      O artigo 2.o, ponto 6, da Diretiva 2019/790 dispõe que, para efeitos desta diretiva, um «[p]restador de serviços de partilha de conteúdos em linha», é um «prestador de um serviço da sociedade da informação que tem como principal objetivo ou um dos seus principais objetivos armazenar e facilitar o acesso do público a uma quantidade significativa de obras ou outro material protegido por direitos de autor carregados pelos seus utilizadores, que organiza e promove com fins lucrativos». V., igualmente, considerandos 62 e 63 desta diretiva.


234      Como já referi, enquanto o artigo 14.o, n.o 1, alínea b), da Diretiva 2000/31 prevê, em minha opinião, uma obrigação de take down, o artigo 17.o, n.o 4, alínea c), da Diretiva 2019/790 passou a impor, de forma geral e ex ante, uma obrigação de stay down.


235      Mais precisamente, resulta do artigo 17.o, n.o 6, da Diretiva 2019/790, em substância, que, para os «fornecedores» de menos de 3 anos, e cujo volume de negócios seja inferior a 10 milhões de euros, estes devem apenas provar os seus melhores esforços para obterem uma autorização dos titulares de direitos e suportam apenas uma obrigação de take down.


236      Nos termos deste considerando: «É conveniente clarificar na presente diretiva que os prestadores de serviços de partilha de conteúdos em linha realizam um ato de comunicação ao público ou de disponibilização ao público quando oferecem ao público o acesso a obras ou outro material protegido por direitos de autor carregados pelos seus utilizadores. […]»


237      V. artigo 29.o da Diretiva 2019/790.


238      V., nomeadamente, Acórdão de 11 de junho de 2015, Zh. e o. (C‑554/13, EU:C:2015:377, n.o 42 e jurisprudência referida). De resto, embora, em conformidade com a jurisprudência do Tribunal de Justiça, tal considerando possa precisar o conteúdo do ato de que faz parte, não se trata, no caso em apreço, de esclarecer o sentido das disposições da Diretiva 2019/790, mas sim o sentido das Diretivas 2000/31 e 2001/29.


239      V. artigo 26.o da Diretiva 2019/790, que precisa que esta se aplica a todas as obras e outro material protegido que estejam protegidos pelo direito nacional em matéria de direitos de autor, em ou após 7 de junho de 2021, e que é aplicável sem prejuízo de quaisquer atos concluídos e direitos adquiridos antes desta data.


240      V. artigo 27.o da Diretiva 2019/790, que precisa que os acordos de concessão de licenças ou de transferência de direitos de autores e artistas intérpretes ou executantes devem ser sujeitos à obrigação de transparência prevista no artigo 19.o desta diretiva a partir de 7 de junho de 2022.


241      V. considerando 65 da Diretiva 2019/790.


242      V. considerandos 3 e 4 da Diretiva 2019/790.


243      Ao preverem que operadores como a Youtube realizam a «comunicação ao público» das obras que os utilizadores das suas plataformas nelas colocam em linha nestas, o legislador da União pretendia solucionar o value gap alegado pelos titulares de direitos (v. n.o 47 das presentes conclusões). V., a este respeito, considerandos 3 e 61 da Diretiva 2019/790, bem como proposta de diretiva do Parlamento Europeu e do Conselho relativa aos direitos de autor no mercado único digital, de 14 de setembro de 2016 [COM(2016) 593 final], pp. 2 e 3.


244      V., nomeadamente, em 2010, «Public Consultation on the Future of Electronic Commerce in the Internal Market and the Implementation of the Directive on Electronic Commerce (2000/31/EC)»; em 2012, «A Clean and Open Internet: Public Consultation on Procedures for Notifying and Acting on Illegal Content Hosted by Online Intermediaries»; e, em 2015, «Public Consultation on the Regulatory Environment for Platforms, Online Intermediaries, Data and Cloud Computing and the Collaborative Economy». Do mesmo modo, nos Estados Unidos, o United States Copyright Office (Instituto dos Direitos de Autor dos Estados Unidos), na sequência de uma consulta pública lançada em 2015, emitiu, em 21 de maio de 2020, um relatório recomendando ao United State Congress (Congresso Americano) a modernização das disposições da section 512 introduzida pela DMCA (v. Instituto dos Direitos de Autor dos Estados Unidos, Section 512 Study, acessível no endereço https://www.copyright.gov/policy/section512/).


245      V. Comunicações da Comissão ao Parlamento Europeu, ao Conselho, ao Comité Económico e Social Europeu e ao Comité das Regiões, de 11 de janeiro de 2012, «Um enquadramento coerente para reforçar a confiança no mercado único digital do comércio eletrónico e dos serviços em linha» [COM(2011) 942 final], pp. 13‑16; de 6 de maio de 2015, «Estratégia para o Mercado Único Digital na Europa» [COM(2015) 192 final], pp. 4, 8 e 12 a 14; de 9 de dezembro de 2015, «Rumo a um quadro de direitos de autor moderno e mais europeu» [COM(2015) 626 final], pp. 2, 3 e 10 a 12; de 25 de maio de 2016, «As plataformas em linha e o mercado único digital: Oportunidades e desafios para a Europa» [COM(2016) 288 final], pp. 8‑10.


246      V. Diretiva 2018/1808, através da qual plataformas de partilha de vídeos entraram no âmbito da regulamentação do «Serviço de comunicação social audiovisual» e que obrigou os operadores dessas plataformas a tomarem medidas adequadas, praticáveis e proporcionadas para proteger os menores dos vídeos suscetíveis de prejudicar o seu desenvolvimento e o grande público de vídeos que contenham um incitamento à violência, ao ódio ou ao terrorismo [v. artigo 1.o, n.o 1, alínea b), e artigos 28.o‑A e 28.o‑B da Diretiva 2010/13, acrescentados pela Diretiva 2018/1808]. V., igualmente, Recomendação 2018/334 sobre medidas destinadas a combater eficazmente os conteúdos ilegais em linha. V., ainda, proposta de regulamento do Parlamento Europeu e do Conselho, de 12 de dezembro de 2018, relativa à prevenção da difusão de conteúdos terroristas em linha [COM(2018) 640 final].


247      V., também, para desenvolvimentos neste sentido, Conselho da Europa, Recomendação CM/Rec (2018) 2 do Comité dos Ministros aos Estados‑Membros sobre as funções e as responsabilidades dos intermediários da Internet (adotada pelo Comité de Ministros em 7 de março de 2018, na 1309.a reunião dos delegados dos Ministros), bem como TEDH, 16 de junho de 2015, Delfi AS c. Estónia, CE:ECHR:2015:0616JUD006456909.


248      Em especial, as regras previstas nos n.os 4 e seguintes do artigo 17.o da Diretiva 2019/790 visam, aparentemente, oferecer certas garantias aos operadores em causa e aos utilizadores das suas plataformas. Sublinho, no entanto, que pormenores do novo regime de responsabilidade previsto no referido artigo 17.o excedem o objeto das presentes conclusões. Também não pretendo exprimir, nas presentes conclusões, uma opinião sobre a compatibilidade deste novo regime com os direitos fundamentais garantidos pela Carta. A este respeito, o Tribunal de Justiça foi chamado a conhecer de um recurso de anulação (v. processo C‑401/19, Polónia/Parlamento e Conselho), que lhe dará oportunidade de se pronunciar sobre a questão.