Language of document : ECLI:EU:T:2006:172

DESPACHO DO TRIBUNAL DE PRIMEIRA INSTÂNCIA (Primeira Secção)

22 de Junho de 2006 (*)

«Directiva 92/43/CEE do Conselho – Preservação dos habitats naturais e da fauna e da flora selvagens – Decisão 2005/101/CE da Comissão – Lista dos sítios de importância comunitária da região biogeográfica boreal – Recurso de anulação – Inadmissibilidade»

No processo T‑150/05,

Markku Sahlstedt, residente em Karkkila (Finlândia),

Juha Kankkunen, residente em Laukaa (Finlândia),

Mikko Tanner, residente em Vihti (Finlândia),

Toini Tanner, residente em Helsínquia (Finlândia),

Liisa Tanner, residente em Helsínquia,

Eeva Jokinen, residente em Helsínquia,

Aili Oksanen, residente em Helsínquia,

Olli Tanner, residente em Lohja (Finlândia),

Leena Tanner, residente em Helsínquia,

Aila Puttonen, residente em Ristiina (Finlândia),

Risto Tanner, residente em Espoo (Finlândia),

Tom Järvinen, residente em Espoo,

Runo K. Kurko, residente em Espoo,

Maa‑ ja metsätaloustuottajain keskusliitto MTK ry, com sede em Helsínquia,

MTK:n säätiö, com sede em Helsínquia,

representados por K. Marttinen, advogado,

recorrentes,

contra

Comissão das Comunidades Europeias, representada por M. van Beek e M. Huttunen, na qualidade de agentes,

recorrida,

apoiada por

República da Finlândia, representada por A. Guimaraes‑Purokoski e J. Himmanen, na qualidade de agentes,

interveniente,

que tem por objecto um pedido de anulação da Decisão 2005/101/CE da Comissão, de 13 de Janeiro de 2005, que adopta, em aplicação da Directiva 92/43/CEE do Conselho, a lista dos sítios de importância comunitária da região biogeográfica boreal (JO L 40, p. 1),

O TRIBUNAL DE PRIMEIRA INSTÂNCIA
DAS COMUNIDADES EUROPEIAS (Primeira Secção),

composto por: R. García‑Valdecasas, presidente, I. Labucka e V. Trstenjak, juízes,

secretário: E. Coulon,

profere o presente

Despacho

 Quadro jurídico e factual

1        Em 21 de Maio de 1992, o Conselho aprovou a Directiva 92/43/CEE relativa à preservação dos habitats naturais e da fauna e da flora selvagens (JO L 206, p. 7, a seguir «directiva habitats»).

2        A directiva habitats tem por objectivo, segundo o seu artigo 2.°, n.° 1, contribuir para assegurar a biodiversidade através da conservação dos habitats naturais e da fauna e da flora selvagens no território europeu dos Estados‑Membros em que o Tratado CE é aplicável.

3        No artigo seu 2.°, n.° 2, precisa que as medidas tomadas para a sua aplicação se destinam a garantir a conservação ou o restabelecimento dos habitats naturais e das espécies selvagens de interesse comunitário num estado de conservação favorável.

4        Segundo o sexto considerando da directiva habitats, para assegurar o restabelecimento ou a manutenção dos habitats naturais e das espécies de interesse comunitário num estado de conservação favorável, há que designar zonas especiais de conservação para estabelecer uma rede ecológica europeia coerente de acordo com um calendário definido.

5        Por força do disposto no artigo 3.°, n.° 1, da directiva habitats, essa rede, denominada «Natura 2000», inclui zonas especiais de preservação e zonas de protecção especial designadas pelos Estados‑Membros nos termos da Directiva 79/409/CEE do Conselho, de 2 de Abril de 1979, relativa à conservação das aves selvagens (JO L 103, p. 1; EE 15 F2 p. 125).

6        De acordo com o artigo 1.°, alínea l), zona especial de conservação é definida como «um sítio de importância comunitária designado pelos Estados‑Membros por um acto regulamentar, administrativo e/ou contratual em que são aplicadas as medidas necessárias para a manutenção ou o restabelecimento do estado de conservação favorável, dos habitats naturais e/ou das populações das espécies para as quais o sítio é designado».

7        O artigo 4.° da directiva habitats prevê um procedimento em três etapas para a designação das zonas especiais de conservação. Por força do n.° 1 desta disposição, cada Estado‑Membro propõe uma lista dos sítios, indicando os tipos de habitats naturais do anexo I e as espécies do anexo II (nativas do seu território) que tais sítios alojam. Nos três anos subsequentes à notificação da directiva habitats, essa lista será enviada à Comissão, ao mesmo tempo que as informações relativas a cada sítio.

8        De acordo com o artigo 4.°, n.° 2, da directiva habitats, a partir das referidas listas e com base nos critérios constantes do anexo III da mesma directiva, a Comissão elabora, em concertação com cada Estado‑Membro, um projecto de lista dos sítios de importância comunitária. A lista dos sítios de importância comunitária seleccionados é elaborada pela Comissão segundo o procedimento a que se refere o artigo 21.° da directiva habitats. Nos termos do artigo 4.°, n.° 3, esta lista é elaborada num prazo de seis anos a partir da notificação da directiva habitats.

9        O artigo 4.°, n.° 4, da directiva em causa dispõe que, a partir do momento em que um sítio de importância comunitária tenha sido reconhecido nos termos do procedimento previsto no n.° 2 do referido artigo, o Estado‑Membro em causa designará esse sítio como zona especial de conservação o mais rapidamente possível e num prazo de seis anos, estabelecendo prioridades em função da importância dos sítios para a manutenção ou o restabelecimento do estado de conservação favorável de um tipo de habitat natural a que se refere o anexo I ou de uma espécie a que se refere o anexo II e para a coerência da rede Natura 2000, bem como em função das ameaças de degradação e de destruição que pesam sobre esses sítios.

10      A directiva habitats precisa, no artigo 4.°, n.° 5, que, logo que um sítio seja inscrito na lista dos sítios de importância comunitária, ficará sujeito ao disposto no artigo 6.°, n.os 2 a 4, da mesma directiva.

11      Nos termos do artigo 6.° da directiva habitats:

«1. Em relação às zonas especiais de conservação, os Estados‑Membros fixarão as medidas de conservação necessárias, que poderão eventualmente implicar planos de gestão adequados, específicos ou integrados noutros planos de ordenação, e as medidas regulamentares, administrativas ou contratuais adequadas que satisfaçam as exigências ecológicas dos tipos de habitats naturais do anexo I e das espécies do anexo II presentes nos sítios.

2. Os Estados‑Membros tomarão as medidas adequadas para evitar, nas zonas especiais de conservação, a deterioração dos habitats naturais e dos habitats de espécies, bem como as perturbações que atinjam as espécies para as quais as zonas foram designadas, na medida em que essas perturbações possam vir a ter um efeito significativo, atendendo aos objectivos da presente directiva.

3. Os planos ou projectos não directamente relacionados com a gestão do sítio e não necessários para essa gestão, mas susceptíveis de afectar esse sítio de forma significativa, individualmente ou em conjugação com outros planos e projectos, serão objecto de uma avaliação adequada das suas incidências sobre o sítio no que se refere aos objectivos de conservação do mesmo. Tendo em conta as conclusões da avaliação das incidências sobre o sítio e sem prejuízo do disposto no n.° 4, as autoridades nacionais competentes só autorizarão esses planos ou projectos depois de se terem assegurado de que não afectarão a integridade do sítio em causa e de terem auscultado, se necessário, a opinião pública.

4. Se, apesar de a avaliação das incidências sobre o sítio ter levado a conclusões negativas e na falta de soluções alternativas, for necessário realizar um plano ou projecto por outras razões imperativas de reconhecido interesse público, incluindo as de natureza social ou económica, o Estado‑Membro tomará todas as medidas compensatórias necessárias para assegurar a protecção da coerência global da rede Natura 2000. O Estado‑Membro informará a Comissão das medidas compensatórias adoptadas.

No caso de o sítio em causa abrigar um tipo de habitat natural e/ou uma espécie prioritária, apenas podem ser evocadas razões relacionadas com a saúde do homem ou a segurança pública ou com consequências benéficas primordiais para o ambiente ou, após parecer da Comissão, outras razões imperativas de reconhecido interesse público.»

12      A Decisão 2005/101/CE da Comissão, de 13 de Janeiro de 2005, que adopta, em aplicação da directiva habitats, a lista dos sítios de importância comunitária da região biogeográfica boreal (JO L 40, p. 1), foi aprovada com base no artigo 4.°, n.° 2, terceiro parágrafo, da referida directiva. Entre os sítios de importância comunitária incluídos na lista encontram‑se os seguintes:

–        FI 0100040 Nuuksio;

–        FI 0100050 Haaviston alueet;

–        FI 0200011 Varesharju;

–        FI 0900013 Hietasyrjänkangas‑Sirkkaharju.

13      A recorrente Maa‑ ja metsätaloustuottajain keskusliitto MTK ry (a seguir «MTK ry») é uma associação (organização central) de exploradores agrícolas e florestais, representando 163 000 operadores económicos agrícolas e florestais associados. A recorrente MTK:n säätiö (fundação MTK) possui terras no sítio FI 0200011. Os outros recorrentes são proprietários particulares de prédios rústicos, tendo a decisão impugnada integrado os seus terrenos em sítios de importância comunitária para a região biogeográfica boreal (FI 0100050, FI 0900013 e FI 0100040).

 Tramitação processual

14      Por petição entrada na Secretaria do Tribunal de Primeira Instância em 18 de Abril de 2005, os recorrentes interpuseram o presente recurso.

15      A Comissão, por requerimento entrado na Secretaria do Tribunal de Primeira Instância em 5 de Julho de 2005, suscitou uma questão prévia de inadmissibilidade ao abrigo do artigo 114.°, n.° 1, do Regulamento de Processo do Tribunal de Primeira Instância. Os recorrentes apresentaram observações sobre esta questão prévia em 13 de Outubro de 2005.

16      Por requerimento entrado na Secretaria do Tribunal de Primeira Instância em 18 de Julho de 2005, a República da Finlândia (a seguir «interveniente») pediu que fosse admitida a sua intervenção no presente processo em apoio da Comissão. Por despacho de 27 de Setembro de 2005, o presidente da Primeira Secção do Tribunal de Primeira Instância deferiu esta pretensão. A interveniente apresentou, em 8 de Novembro de 2005, um requerimento limitado à admissibilidade. Os recorrentes apresentaram observações sobre esse requerimento em 13 de Janeiro de 2006.

 Pedidos das partes

17      Na questão prévia de inadmissibilidade, a Comissão conclui pedindo que o Tribunal se digne:

–        julgar o recurso inadmissível;

–        condenar os recorrentes nas despesas.

18      No requerimento de intervenção, a interveniente conclui pedindo que o Tribunal se digne julgar o recurso inadmissível.

19      Nas observações sobre a questão prévia de inadmissibilidade, os recorrentes concluem pedindo que o Tribunal se digne:

–        a título principal:

–        julgar improcedente a questão prévia de inadmissibilidade;

–        anular a decisão impugnada;

–        a título subsidiário:

–        anular a decisão impugnada na medida em que esta prevê a classificação de sítios de importância comunitária na Finlândia;

–        a título mais subsidiário, anular a decisão impugnada na medida em que esta procede à classificação dos sítios de importância comunitária inscritos no anexo I com as referências FI 0100040 Nuuksio, FI 0100050 Haaviston alueet, FI 0200011 Varesharju e FI 0900013 Hietasyrjänkangas‑Sirkkaharju;

–        a título de diligência de instrução, ordenar à Comissão que apresente as propostas de classificação de sítios de importância comunitária elaboradas pela República da Finlândia, todos os dados científicos a que se refere o quinto considerando da decisão impugnada, bem como a lista dos participantes nos seminários biogeográficos referidos no décimo considerando da mesma e dos membros do Comité Habitats referido no décimo terceiro considerando dessa decisão;

–        além disso:

–        negar provimento ao pedido da Comissão relativamente às despesas;

–        condenar a Comissão nas despesas, acrescidas de juros à taxa legal.

 Questões de direito

20      De acordo com o artigo 114.° do Regulamento de Processo, se uma das partes pedir ao Tribunal que se pronuncie sobre a inadmissibilidade antes de conhecer do mérito da causa, a tramitação ulterior do processo no que respeita ao pedido é oral, salvo decisão em contrário do Tribunal. No presente processo, o Tribunal considera‑se suficientemente esclarecido pelos elementos constantes dos autos e decide não dar início à fase oral.

 Argumentos das partes

21      A Comissão coloca, em primeiro lugar, a questão de saber se, atentas as diversas etapas previstas na directiva habitats para concretizar os seus objectivos, a decisão impugnada constitui um acto ou uma decisão de que se pode interpor recurso de anulação na acepção do artigo 230.° CE (acórdão do Tribunal de Justiça de 11 de Novembro de 1981, IBM/Comissão, 60/81, Recueil, p. 2639, n.° 10). Com efeito, a decisão impugnada apenas representa uma fase intercalar na concretização dos objectivos da directiva habitats. As eventuais consequências jurídicas passíveis de afectar os recorrentes apenas podem resultar das medidas adoptadas pelos Estados‑Membros.

22      A Comissão recorda que os Estados‑Membros estavam obrigados a tomar medidas de protecção adequadas muito antes da aprovação, por ela, da decisão impugnada. Como resulta do acórdão do Tribunal de Justiça de 13 de Janeiro de 2005, Dragaggi e o. (C‑117/03, Colect., p. I‑167, n.os 26, 27 e 29), a directiva habitats obriga os Estados‑Membros a aplicar aos sítios medidas de protecção a partir do momento em que os propõem, na lista nacional transmitida à Comissão, como sítios susceptíveis de ser considerados de importância comunitária.

23      A Comissão sublinha que, por força da Luonnonsuojelulaki (1096/1996) (lei relativa à conservação da natureza, a seguir «LSL»), os terrenos mencionados no anexo da decisão impugnada já eram objecto de medidas de protecção muito antes da aprovação da decisão impugnada. A República da Finlândia apresentou a sua proposta de designação de sítios de importância comunitária entre Janeiro de 2003 e Agosto de 2004, apesar de uma parte desses sítios já ter sido aprovada para inclusão na rede Natura 2000 vários anos antes, graças à LSL, que data de 20 de Dezembro de 1996.

24      A Comissão conclui que resulta do que precede que a decisão impugnada não afectou os interesses dos recorrentes, modificando‑lhes a situação jurídica. Por conseguinte, estes não podem, por falta de legitimidade, interpor recurso de anulação da referida decisão ao abrigo do artigo 230.°, quarto parágrafo, CE.

25      Em seguida, a Comissão considera que a decisão impugnada não diz directa e individualmente respeito aos recorrentes.

26      No que diz respeito ao facto de afectar directamente os recorrentes, a Comissão indica que estes parecem partir da premissa de que a simples circunstância de serem proprietários de sítios repertoriados no anexo da decisão impugnada lhes confere automaticamente um direito de recurso.

27      A Comissão recorda, a este propósito, que, segundo jurisprudência constante, a decisão, para dizer directamente respeito aos recorrentes, deve também repercutir‑se sobre a respectiva situação jurídica e não exclusivamente sobre a sua situação de facto (acórdão do Tribunal de Primeira Instância de 27 de Junho de 2000, Salamander e o./Parlamento e Conselho, T‑172/98 e T‑175/98 a T‑177/98, Colect., p. II‑2487, n.° 62). Assim, os recorrentes não podem invocar o facto de, por exemplo, a decisão impugnada ser susceptível de afectar o valor económico das terras que possuem.

28      A Comissão considera que as disposições da directiva habitats obrigam os Estados‑Membros a tomar medidas claramente distintas da decisão impugnada, no âmbito das quais gozam de um importante poder discricionário. A execução da decisão impugnada não é, por conseguinte, puramente automática. A questão da afectação da situação dos recorrentes só podia ser examinada após o Estado‑Membro ter dado execução às regras acima referidas no contexto do poder discricionário que estas lhe atribuem. A decisão impugnada não se pronuncia sobre o tipo de medidas eventualmente a aplicar em tempo útil a cada sítio, nem sobre o tipo de efeitos que estas medidas poderiam ter sobre a situação dos proprietários fundiários.

29      No que diz respeito à afectação individual, a Comissão alega que os recorrentes não identificam a razão pela qual consideram que a decisão que impugnam lhes diz individualmente respeito. Até onde a Comissão entende os fundamentos do direito de recurso apresentados na petição, a MTK ry invoca o interesse dos seus membros. Os restantes recorrentes invocam o facto de possuírem uma parte dos terrenos elencados no anexo I da decisão impugnada.

30      A Comissão alega que os direitos de propriedade fundiária não estão claramente especificados, à excepção de dois recorrentes. No que diz respeito à MTK ry, parece que esta não é proprietária de qualquer terreno, mas que a sua fundação possui alguns em certos sítios incluídos no anexo da decisão impugnada.

31      Segundo a Comissão, o facto de outros recorrentes que não a MTK ry possuírem uma parte dos terrenos incluídos no âmbito de aplicação da decisão impugnada não afecta esses proprietários fundiários de forma a que se possa considerar que a decisão lhes diz individualmente respeito. Esta decisão não atribui qualquer tipo de direito ou de obrigação aos recorrentes, nem modifica juridicamente a respectiva situação de proprietário. Os sítios em causa foram exclusivamente definidos com base em critérios biológicos.

32      A Comissão considera ser evidente que a definição dos sítios em função dos direitos de propriedade fundiária complica de forma singular a concretização dos objectivos da directiva.

33      Também não é possível, com base na decisão objecto do presente recurso ou, pelo menos, com base nos dados que a Comissão utilizou na sua elaboração, identificar os proprietários dos sítios incluídos na lista. Os formulários elaborados pela Comissão para efeitos do artigo 4.°, n.° 2, da directiva habitats prevêem a possibilidade de serem prestadas informações sobre as condições da propriedade fundiária, embora a prestação dessas informações seja facultativa. Esta possibilidade nunca foi utilizada, pelo que a informação disponível é muito genérica. Trata‑se de uma lista de proprietários, dado que, para apenas um sítio proposto para inclusão, poderia já existir um número considerável de proprietários.

34      De qualquer modo, é óbvio que os sítios referenciados na decisão impugnada também interessam a outras entidades que não os proprietários fundiários, como as sociedades de construção, as organizações não governamentais (ONG) ou o cidadão em geral. Por conseguinte, só é possível individualizar os recorrentes de forma análoga aos Estados‑Membros, destinatários da decisão, em virtude de certas qualidades que lhes sejam específicas ou de uma situação de facto que os individualize relativamente aos outros operadores económicos e, em especial, às outras pessoas que gozam dos mesmos direitos (acórdão do Tribunal de Primeira Instância de 11 de Setembro de 2002, Pfizer Animal Health/Conselho, T‑13/99, Colect., p. II‑3305, n.° 105). Em todo o caso, a decisão não afecta os recorrentes de forma a privá‑los do gozo do seu bem (acórdão do Tribunal de Justiça de 18 de Maio de 1994, Codorníu/Conselho, C‑309/89, Colect., p. I‑1853, n.° 21). As restrições eventualmente aplicáveis à utilização dos terrenos exigem que posteriormente e caso a caso se tomem as decisões nacionais relevantes.

35      Segundo a Comissão, contrariamente ao que os recorrentes parecem entender, esta decisão não regulamenta, no entanto, nem os direitos nem as obrigações dos proprietários fundiários, antes se traduzindo apenas numa lista de sítios que, se necessário, podem ser objecto de qualquer medida de protecção considerada adequada, aprovada casuisticamente através de decisões nacionais.

36      A interveniente apoia a argumentação da Comissão e observa que, no que diz respeito aos sítios referidos no anexo da decisão, os recorrentes têm interesses diversos que pretendem defender. Importa, contudo, salientar que a admissibilidade do recurso deve ser apreciada, exclusivamente, à luz do Tratado CE e da jurisprudência comunitária na matéria.

37      Os recorrentes entendem, em primeiro lugar, que a decisão impugnada confirma a posição definitiva da Comissão segundo a qual os sítios a que se refere esta decisão devem ser considerados de importância comunitária e obrigatoriamente designados como zonas especiais de conservação pelos Estados‑Membros. A decisão impugnada não é, por conseguinte, de natureza preparatória, sendo, como tal, recorrível.

38      Os recorrentes contestam o argumento da Comissão segundo o qual a decisão impugnada é desprovida de efeitos notáveis sobre as respectivas situações jurídicas. A referida decisão impõe obrigações e restrições consideráveis, directamente a cargo dos proprietários fundiários cujos terrenos são aí visados.

39      Quanto à obrigação que incumbe aos Estados‑Membros de proteger os sítios antes da aprovação da lista de sítios de importância comunitária, os recorrentes consideram que a Comissão fez uma interpretação errada do acórdão Dragaggi e o., já referido. Segundo entendem, resulta deste acórdão que as medidas de protecção previstas no artigo 6.°, n.os 2 a 4, da directiva habitats surgem apenas com a aprovação da decisão impugnada.

40      Quanto à importância das medidas de execução da República da Finlândia, os recorrentes alegam que não é relevante o facto de o Estado‑Membro ter ou não executado as medidas de salvaguarda relativas à protecção do valor ecológico dos sítios antes da aprovação da decisão impugnada. Os recorrentes salientam, baseando‑se em disposições da LSL, que, em direito finlandês, os efeitos jurídicos associados às zonas de protecção a que se refere a directiva habitats apenas se tornam definitivos relativamente aos proprietários fundiários quando a Comissão aceita a inclusão do sítio na lista.

41      Em seguida, os recorrentes defendem que a decisão impugnada lhes diz directa e individualmente respeito.

42      Quanto à afectação directa, os recorrentes observam que, por força do artigo 4.°, n.° 4, da directiva habitats, o Estado‑Membro não tem liberdade de apreciação para decidir se designa ou não o sítio de importância comunitária como zona especial de conservação e que, por essa razão, a aplicação desta disposição é automática.

43      Os recorrentes recordam que, de acordo com o artigo 4.°, n.° 5, da directiva habitats, a adopção da decisão tem como efeito tornar aplicáveis aos sítios incluídos na decisão impugnada os objectivos de protecção previstos no artigo 6.°, n.os 2 a 4, da directiva habitats. Salientam que a obrigação de avaliação e a proibição de deterioração previstas no artigo 6.°, n.° 3, da directiva habitats afectam consideravelmente os proprietários fundiários dos sítios, tanto no que respeita à sua situação jurídica como à sua situação de facto.

44      Segundo os recorrentes, nem os efeitos nem o momento em que estes surgem dependem do exercício, pelas autoridades nacionais, do seu poder discricionário. Estas últimas não dispõem de poder discricionário nem no que diz respeito à oportunidade de efectuar uma avaliação ou o conteúdo desta nem no que se refere às condições de execução de um projecto, que estão exaustivamente regulamentadas no artigo 6.°, n.os 3 e 4, da directiva habitats.

45      Os recorrentes concluem que a decisão impugnada não atribui qualquer poder discricionário às autoridades nacionais susceptível de impedir os proprietários dos prédios fundiários em causa de interpor recurso ao abrigo do artigo 230.°, quarto parágrafo, CE. Os recorrentes precisam que as suas situações são determinadas pelos efeitos jurídicos directos que decorrem da decisão impugnada no que respeita aos sítios que possuem e que assumem a forma de obrigação de avaliação e de restrições de exploração.

46      Quanto à afectação individual, os recorrentes observam que a decisão impugnada diz individualmente respeito a todos os proprietários de prédios fundiários que possuem terrenos localizados nos sítios constantes da lista aprovada pela Comissão ou em sítios, por exemplo, directamente limítrofes dos sítios em causa, onde os projectos executados são susceptíveis, em virtude dos seus efeitos, de dar origem a uma obrigação de avaliação de acordo com o artigo 6.°, n.° 3, da directiva habitats e a respeito dos quais a proibição de deterioração será aplicável.

47      Os recorrentes consideram que a obrigação de avaliação e a proibição de deterioração contidas nesta disposição constituem efeitos jurídicos obrigatórios com um impacto considerável nos seus direitos. O argumento da Comissão segundo o qual os sítios apenas são designados com base em critérios biológicos não tem relevância.

48      Os recorrentes observam que o facto de a Comissão ter ou não obtido informações a respeito dos proprietários de prédios fundiários dos sítios que constam da lista não é relevante para apreciar a admissibilidade do recurso. É essencial saber se, na sequência da aprovação da decisão impugnada, é possível individualizar as pessoas afectadas por esta. A propriedade de terrenos incluídos nos sítios de importância comunitária cuja lista foi aprovada pela decisão impugnada é o que distingue os recorrentes, proprietários fundiários, das sociedades de construção, das ONG ou dos cidadãos em geral.

49      Quanto à associação recorrente, a MTK ry, os recorrentes consideram que o seu direito de recurso decorre dos interesses dos respectivos membros. A maior parte dos seus membros são proprietários fundiários cujos terrenos estão incluídos em sítios de importância comunitária. A decisão impugnada tem um impacto idêntico sobre a maior parte dos membros da associação e sobre os recorrentes, que são particulares.

 Apreciação do Tribunal

50      Nos termos do artigo 230.°, quarto parágrafo, CE, «[q]ualquer pessoa singular ou colectiva pode interpor […] recurso das decisões de que seja destinatária e das decisões que, embora tomadas sob a forma de regulamento ou de decisão dirigida a outra pessoa, lhe digam directa e individualmente respeito».

51      Dado que não se contesta o facto de os recorrentes não serem destinatários da decisão impugnada, importa analisar se esta decisão lhes diz directa e individualmente respeito.

52      Em primeiro lugar, quanto à afectação directa dos recorrentes, pessoas singulares, importa recordar que a condição da afectação directa de um particular exige que a medida comunitária em causa, no presente caso a decisão impugnada, produza directamente efeitos na situação jurídica do referido particular e que não deixe qualquer poder de apreciação aos seus destinatários encarregados da sua execução, tendo esta carácter puramente automático e decorrendo somente da regulamentação comunitária, sem aplicação de outras normas intermédias (v. acórdão do Tribunal de Justiça de 5 de Maio de 1998, Dreyfus/Comissão, C‑386/96 P, Colect., p. I‑2309, n.° 43 e a jurisprudência aí referida, e acórdão Salamander e o./Parlamento e Conselho, já referido, n.° 52).

53      Isto significa que, no caso de um acto comunitário ser dirigido a um Estado‑Membro por uma instituição, se a acção que deve empreender o Estado‑Membro para executar esse acto apresentar um carácter automático ou, de qualquer forma, se as consequências do referido acto se impuserem inequivocamente, então o acto diz directamente respeito a qualquer pessoa afectada por esta acção. Se, pelo contrário, o acto deixa ao Estado‑Membro a possibilidade de agir ou de não agir, ou não o obriga a agir em determinado sentido, é a acção ou a inacção do Estado‑Membro que diz directamente respeito à pessoa afectada, e não o próprio acto (v., neste sentido, despacho do Tribunal de Primeira Instância de 10 de Setembro de 2002, Japan Tobacco e JT International/Parlamento e Conselho, T‑223/01, Colect., p. II‑3259, n.° 46).

54      O Tribunal entende não ser possível considerar‑se que a decisão impugnada, que designa, como sítios de importância comunitária, zonas do território finlandês em que os recorrentes possuem terrenos, produz, por si só, efeitos na situação jurídica dos recorrentes. A decisão impugnada não contém qualquer disposição quanto ao regime de protecção dos sítios de importância comunitária, como medidas de conservação ou procedimentos de autorização a observar. Assim, não afecta os direitos e obrigações dos proprietários de bens fundiários nem o exercício desses direitos. Contrariamente ao que os recorrentes alegam, a inclusão desses sítios na lista de sítios de importância comunitária em nada obriga os operadores económicos ou as pessoas privadas.

55      O artigo 4.°, n.° 4, da directiva habitats precisa que, a partir do momento em que um sítio tenha sido reconhecido pela Comissão como sítio de importância comunitária, o Estado‑Membro em causa designa‑o como «zona especial de conservação» no prazo máximo de seis anos. A este respeito, o artigo 6.°, n.° 1, da directiva habitats indica que os Estados‑Membros adoptam as medidas de conservação necessárias para as zonas especiais de conservação para responder às exigências ecológicas do tipo de habitat natural e das espécies existentes nos sítios.

56      O artigo 4.°, n.° 5, da directiva habitats indica igualmente que, logo que um sítio seja inscrito na lista de sítios de importância comunitária, ficará sujeito ao disposto no artigo 6.°, n.os 2 a 4.

57      Assim, o artigo 6.°, n.° 2, da directiva habitats dispõe que os Estados‑Membros tomam as medidas adequadas para evitar, nas zonas especiais de conservação, a deterioração dos habitats naturais e dos habitats de espécies, bem como as perturbações que atinjam as espécies para as quais as zonas foram designadas, na medida em que essas perturbações possam vir a ter um efeito significativo atendendo aos objectivos da presente directiva.

58      Da mesma forma, o artigo 6.°, n.° 3, da directiva habitats dispõe que os projectos não directamente relacionados com a gestão do sítio nem necessários para a mesma, mas susceptíveis de afectar esse sítio de forma significativa, serão objecto de uma avaliação adequada das suas incidências sobre o sítio no que se refere aos objectivos de conservação do mesmo. Tendo em conta as conclusões da avaliação dessas incidências sobre o sítio, as autoridades nacionais competentes só autorizarão esses projectos depois de se terem assegurado de que não afectarão a integridade do sítio em causa. A este respeito, o artigo 6.°, n.° 4, da directiva habitats precisa que, se for necessário realizar esses projectos por razões de reconhecido interesse público, o Estado‑Membro toma todas as medidas compensatórias necessárias para assegurar a coerência global da rede Natura 2000.

59      Perante as referidas obrigações, que incumbem aos Estados‑Membros em causa uma vez designados os sítios de importância comunitária pela decisão impugnada, importa reconhecer que nenhuma delas é directamente aplicável aos recorrentes. Com efeito, todas essas obrigações necessitam de um acto do Estado‑Membro em causa, a fim de que este especifique de que maneira tem intenção de cumprir a obrigação em questão, quer se trate das medidas de conservação necessárias (artigo 6.°, n.° 1, da directiva habitats), das medidas adequadas para evitar a deterioração do sítio (artigo 6.°, n.° 2, da directiva habitats), ou da aprovação pelas autoridades nacionais competentes de projectos susceptíveis de afectar o sítio de forma significativa (artigo 6.°, n.os 3 e 4, da directiva habitats).

60      Resulta, portanto, da directiva habitats, com base na qual a decisão impugnada foi tomada, que ela vincula o Estado‑Membro quanto ao resultado, deixando às autoridades nacionais a competência relativamente às medidas de conservação a adoptar e aos procedimentos de autorização a observar. Esta conclusão não é contrariada pelo facto de a margem de apreciação assim reconhecida aos Estados‑Membros dever ser exercida de acordo com os objectivos da directiva habitats.

61      Em segundo lugar, quanto ao facto de dizer directamente respeito à associação recorrente, o Tribunal salienta que a MTK ry alega que representa os interesses dos seus membros e que a decisão impugnada tem um impacto idêntico sobre a maior parte dos membros da associação e os outros recorrentes, pessoas singulares. Nestas circunstâncias, o Tribunal considera que a eventual afectação da situação jurídica dos membros da associação recorrente não pode ser diferente da afectação alegada pelos particulares, recorrentes no presente processo. Conclui‑se que, na medida em que, como o Tribunal entendeu, não pode considerar‑se que a decisão impugnada diz directamente respeito aos particulares recorrentes no presente processo, também não pode dizer directamente respeito aos membros da associação recorrente. A associação recorrente também não provou ter um interesse próprio na acção, como uma posição de negociador afectada pela decisão impugnada (v., neste sentido, acórdãos do Tribunal de Justiça de 2 de Fevereiro de 1988, Van der Kooy e o./Comissão, 67/85, 68/85 e 70/85, Colect., p. 219, n.os 20 e segs., e de 24 de Março de 1993, CIRFS e o./Comissão, C‑313/90, Colect., p. I‑1125, n.° 30).

62      Resulta de tudo o que precede que a decisão impugnada não diz directamente respeito aos recorrentes, na acepção do artigo 230.°, quarto parágrafo, CE, devendo, consequentemente, o pedido de anulação da decisão impugnada ser julgado inadmissível, sem que seja necessário abordar a questão de saber se a decisão em causa diz individualmente respeito aos recorrentes.

63      Todavia, não estando em condições de solicitar a anulação da decisão impugnada, os recorrentes podem impugnar as medidas adoptadas em aplicação do artigo 6.° da directiva habitats que os afectam e, neste sentido, conservam a possibilidade de arguir a sua ilegalidade nos órgãos jurisdicionais nacionais, que se pronunciarão tendo em consideração o disposto no artigo 234.° CE (acórdão do Tribunal de Justiça de 17 de Novembro de 1998, Kruidvat/Comissão, C‑70/97 P, Colect., p. I‑7183, n.os 48 e 49, e despacho do Tribunal de Primeira Instância de 12 de Julho de 2000, Conseil national des professions de l’automobile e o./Comissão, T‑45/00, Colect., p. II‑2927, n.° 26).

64      Por conseguinte, há também que negar provimento ao pedido dos recorrentes no sentido de o Tribunal ordenar diligências de instrução (v. n.° 19 supra). Com efeito, tendo em conta tudo quanto precede, as diligências solicitadas não teriam qualquer utilidade para a resolução do litígio. Assim, o recurso deve ser globalmente rejeitado.

 Quanto às despesas

65      Por força do disposto no artigo 87.°, n.° 2, do Regulamento de Processo, a parte vencida é condenada nas despesas, se a parte vencedora o tiver requerido. Tendo os recorrentes sido vencidos, há que condená‑los nas despesas efectuadas pela Comissão, em conformidade com o pedido desta.

66      Por força do disposto no artigo 87.°, n.° 4, primeiro parágrafo, do Regulamento de Processo, os Estados‑Membros que intervenham no processo devem suportar as respectivas despesas. Cabe, assim, no presente processo, condenar a República da Finlândia nas suas próprias despesas.

Pelos fundamentos expostos,

O TRIBUNAL DE PRIMEIRA INSTÂNCIA (Primeira Secção)

decide:

1)      O recurso é julgado inadmissível.

2)      Os recorrentes suportarão as suas próprias despesas, bem como as despesas efectuadas pela Comissão.

3)      A República da Finlândia suportará as suas próprias despesas.

Proferido no Luxemburgo, em 22 de Junho de 2006.

O secretário

 

      O presidente

E. Coulon

 

      R. García‑Valdecasas


* Língua do processo: finlandês.