Language of document : ECLI:EU:T:2004:360

ACÓRDÃO DO TRIBUNAL DE PRIMEIRA INSTÂNCIA (Primeira Secção alargada)

14 de Dezembro de 2004 (*)

«Política comercial comum – Organização Mundial do Comércio (OMC) – Regulamento (CE) n.º 3286/94 – Obstáculos ao comércio – Mostarda preparada – Encerramento do procedimento de exame relativo aos obstáculos ao comércio – Interesse comunitário»

No processo T‑317/02,

Fédération des industries condimentaires de France (FICF), estabelecida em Paris (França),

Confédération générale des producteurs de lait de brebis e des industriels de Roquefort, estabelecida em Millau (França),

Comité économique agricole régional «fruits et légumes de la région Bretagne»(Cerafel), estabelecido em Morlaix (França),

Comité national interprofessionnel des palmipèdes à foie gras (CIFOG), estabelecido em Paris (França),

representados por O. Prost e M.‑J. Jacquot, advogados,

recorrentes,

contra

Comissão das Comunidades Europeias, representada por P‑J. Kuijper e G. Boudot, na qualidade de agentes, com domicílio escolhido no Luxemburgo,

recorrida,

que tem por objecto um pedido de anulação da Decisão 2002/604/CE da Comissão, de 9 de Julho de 2002, que encerra o processo de exame relativo aos entraves ao comércio, na acepção do Regulamento (CE) n.º 3286/94 do Conselho, constituídos por práticas comerciais mantidas pelos Estados Unidos da América relativamente às importações de mostarda preparada (JO L 195, p. 72),

O TRIBUNAL DE PRIMEIRA INSTÂNCIA DAS COMUNIDADES EUROPEIAS (Primeira Secção alargada),

composto por: B. Vesterdorf, presidente, P. Mengozzi, M. E. Martins Ribeiro, F. Dehousse e I. Labucka, juízes,

secretário: H. Jung,

vistos os autos e após a audiência de 14 de Setembro de 2004,

profere o presente

Acórdão

 Quadro jurídico

1       O artigo 1.º do Regulamento (CE) n.º 3286/94 do Conselho, de 22 de Dezembro de 1994, que estabelece procedimentos comunitários no domínio da política comercial comum para assegurar o exercício pela Comunidade dos seus direitos ao abrigo das regras do comércio internacional, nomeadamente as estabelecidas sob os auspícios da Organização Mundial do Comércio (OMC) (JO L 349, p. 71), alterado pelo Regulamento (CE) n.º 356/95 do Conselho, de 20 de Fevereiro de 1995 (JO L 41, p. 3) (a seguir «Regulamento n.º 3286/94»), prevê:

«O presente regulamento estabelece procedimentos comunitários no domínio da política comercial comum para assegurar o exercício pela Comunidade dos seus direitos ao abrigo das regras do comércio internacional, nomeadamente as regras estabelecidas sob os auspícios da Organização Mundial do Comércio, que, sob reserva das obrigações e procedimentos internacionais vigentes, têm por finalidade:

[...]

b)      Reagir aos entraves ao comércio que tenham efeitos no mercado de um país terceiro, com vista a eliminar efeitos prejudiciais no comércio daí resultantes. Os referidos procedimentos são aplicáveis, nomeadamente, ao início, tramitação e encerramento dos procedimentos internacionais de resolução de litígios no domínio da política comercial comum.»

2       O artigo 2.º do Regulamento n.º 3286/94 dispõe:

«1.      Para efeitos do presente regulamento, entende‑se por ‘entraves ao comércio’ quaisquer práticas de comércio adoptadas ou mantidas por um país terceiro contra as quais as regras do comércio internacional conferem um direito de acção. Esse direito existe quando as regras do comércio internacional proibirem formalmente uma prática ou atribuírem à parte afectada pela prática o direito de tentar eliminar os efeitos dessa prática.

2.      Para efeitos do presente regulamento e sob reserva do n.º 8, entende‑se por ‘direitos da Comunidade’ os direitos que esta pode invocar em matéria de comércio internacional por força das regras do comércio internacional. Neste contexto, ‘regras do comércio internacional’ são essencialmente aquelas estabelecidas sob os auspícios da OMC e dispostas nos anexos do acordo OMC, embora possam igualmente abranger as regras dispostas em qualquer outro acordo em que a Comunidade seja parte e que preveja regras aplicáveis no comércio entre a Comunidade e países terceiros.

[...]

4.      Para efeitos do presente regulamento, entende‑se por ‘efeitos prejudiciais no comércio’ aqueles que um entrave ao comércio cause ou ameace causar, em relação a um produto ou serviço, a empresas comunitárias no mercado de qualquer país terceiro e que tenham repercussão importante, real ou potencial, na economia da Comunidade ou de uma região da Comunidade, ou num dos seus sectores de actividade económica. O facto de o autor da denúncia sofrer esses efeitos prejudiciais não é suficiente para justificar por si só a intervenção das instituições comunitárias.

[...]»

3       O artigo 4.º do Regulamento n.º 3286/94 estabelece:

«1.      Qualquer empresa comunitária ou qualquer associação, independentemente de ter ou não personalidade jurídica, que actue em nome de uma ou mais empresas comunitárias, que considere que tais empresas sofreram efeitos prejudiciais no comércio, em consequência de entraves ao comércio que tenham efeitos no mercado de um país terceiro pode apresentar uma denúncia por escrito. Contudo, a denúncia apenas será admissível se o entrave ao comércio aí alegado estiver sujeito a um direito de acção estabelecido nos termos de regras do comércio internacional dispostas num acordo comercial multilateral ou plurilateral.

2.      A denúncia deve conter elementos de prova suficientes de existência quer de entraves ao comércio, quer dos efeitos prejudiciais no comércio daí resultantes. Os elementos de prova dos efeitos prejudiciais no comércio carreados devem assentar na lista exemplificativa de factores do artigo 10.º, quando aplicável».

4       O artigo 5.º do Regulamento n.º 3286/94, intitulado «Procedimento de apresentação das denúncias», tem a seguinte redacção:

«1.      A denúncia é dirigida à Comissão que enviará cópia aos Estados‑Membros.

2.      A denúncia pode ser retirada, caso em que o processo pode ser encerrado, a não ser que o encerramento não seja do interesse da Comunidade.

3.      Quando se afigure, após consultas, que a denúncia não contém elementos de prova suficientes que justifiquem o início de um inquérito, o autor da denúncia será informado desse facto.

4.      Após receber uma denúncia apresentada nos termos dos artigos 3.° ou 4.º, a Comissão deliberará, logo que possível, sobre o início de um processo comunitário de exame. A decisão da Comissão será em regra tomada no prazo de 45 dias a contar da data da apresentação da denúncia. Este prazo pode ser suspenso a pedido, ou com o acordo do autor da denúncia, a fim de permitir reunir as informações complementares consideradas necessárias para uma apreciação completa do mérito dos argumentos do autor da denúncia.»

5       O artigo 7.º, n.º 1, do Regulamento n.º 3286/94 refere:

«É instituído um comité consultivo, a seguir denominado ‘comité’, composto por representantes de cada Estado‑Membro e presidido por um representante da Comissão, tendo em vista a realização de consultas no âmbito do presente regulamento.»

6       O artigo 8.º do Regulamento n.º 3286/94 prevê:

«1.      Quando, após consultas, a Comissão considerar que existem elementos de prova suficientes que justifiquem o início de um processo de exame e que este é necessário, no interesse da Comunidade, a Comissão procederá do seguinte modo:

a)      Anunciará o início de um processo de exame no Jornal Oficial das Comunidades Europeias. Este anúncio indicará o produto ou o serviço e os países em causa, conterá um resumo das informações recebidas e referirá que qualquer informação pertinente deve ser comunicada à Comissão. Deve ainda fixar o prazo no qual as partes interessadas podem solicitar uma audição à Comissão, nos termos do n.º 5;

b)      Notificará oficialmente os representantes do ou dos países objecto do processo, com os quais poderão, quando adequado, ser realizadas consultas;

c)      Conduzirá o exame a nível comunitário, em cooperação com os Estados‑Membros.

[...]

4. a) Os autores da denúncia, os exportadores e os importadores em causa, bem como os representantes do ou dos principais países em causa, podem ter acesso a todas as informações facultadas à Comissão, com excepção dos documentos internos para uso da Comissão e das administrações, desde que essas informações sejam pertinentes para a defesa dos seus interesses, não sejam confidenciais, na acepção do artigo 9.º, e sejam utilizadas pela Comissão no seu processo de exame. As pessoas em causa dirigirão à Comissão um pedido por escrito devidamente fundamentado, indicando quais as informações pretendidas.

b)      Os autores da denúncia, os exportadores e os importadores em causa, bem como os representantes do ou dos principais países de exportação ou importação em causa, podem solicitar serem informados dos principais factos e considerações resultantes do processo de exame.

5.      A Comissão pode ouvir as partes interessadas. Estas devem ser ouvidas se, no prazo fixado no anúncio publicado no Jornal Oficial das Comunidades Europeias, tiverem solicitado por escrito serem ouvidas, demonstrando que são partes efectivamente interessadas no resultado do processo.

[...]

8.      Concluído o seu exame, a Comissão apresentará um relatório ao comité. Esse relatório será em regra apresentado no prazo de cinco meses a contar do anúncio de início do processo, a menos que a complexidade do exame obrigue a Comissão a prorrogar esse prazo para sete meses.»

7       O artigo 10.º do Regulamento n.º 3286/94, relativo aos elementos de prova, dispõe:

«[...]

4.      Sempre que sejam alegados efeitos prejudiciais no comércio, a Comissão examinará a repercussão desses efeitos prejudiciais [reais ou potenciais] na economia da Comunidade ou de uma região da Comunidade ou num dos seus sectores de actividade económica. Para o efeito, a Comissão pode ter em conta, quando necessário, factores como os enumerados nos n.os 1 e 2. Os efeitos prejudiciais no comércio resultam, nomeadamente, de situações em que os fluxos comerciais de um produto ou serviço são impedidos, dificultados ou desviados em consequência de um entrave ao comércio, bem como de situações em que um entrave ao comércio afecte gravemente os aprovisionamentos (por exemplo, partes, componentes ou matérias‑primas) de empresas comunitárias. Sempre que seja alegada uma ameaça de efeitos prejudiciais no comércio, a Comissão examinará também se é claramente previsível que uma determinada situação possa dar lugar a efeitos prejudiciais no comércio efectivos.

5.      Ao examinar os elementos de prova relativos aos efeitos prejudiciais no comércio, a Comissão terá igualmente em conta as disposições, princípios ou práticas que regem o direito de acção em conformidade com as regras do comércio internacional pertinentes referidas no n.º 1 do artigo 2.º

[...]»

8       Nos termos do artigo 11.º, n.º 1, do Regulamento n.º 3286/94:

«Quando, em consequência do processo de exame, se concluir que os interesses da Comunidade não exigem a adopção de medidas, o processo será encerrado em conformidade com o disposto no artigo 14.º»

9       O artigo 12.º do Regulamento n.º 3286/94 estabelece:

«1.      Quando, a menos que a situação de direito e de facto não justifique um processo de exame, se concluir, em resultado do processo de exame, que é necessária uma acção no interesse da Comunidade para assegurar o exercício pela Comunidade dos seus direitos ao abrigo das regras do comércio internacional, com vista a eliminar o prejuízo ou os efeitos prejudiciais no comércio resultantes de entraves ao comércio adoptados ou mantidos por países terceiros, as medidas adequadas serão decididas nos termos do procedimento previsto no artigo 13.º

[...]»

10     O artigo 14.º do Regulamento n.º 3286/94 dispõe:

«1.      Caso se recorra ao procedimento estabelecido no presente artigo, a questão é submetida à apreciação do comité pelo seu presidente.

2.      O representante da Comissão submeterá à apreciação do comité um projecto da decisão a adoptar. O comité deliberará num prazo que o presidente pode fixar em função da urgência da questão.

3.      A Comissão adoptará uma decisão que comunicará aos Estados‑Membros e que será aplicável no termo de um prazo de dez dias se, nesse prazo, nenhum Estado‑Membro submeter a questão à apreciação do Conselho.

4.      A pedido de um Estado‑Membro, o Conselho, deliberando por maioria qualificada, pode alterar a decisão da Comissão.

5.      Se, no termo de um prazo de trinta dias a contar da data em que a questão foi submetida à apreciação do Conselho, este não tiver deliberado, a decisão da Comissão é aplicável.»

 Antecedentes do litígio

11     Entre 1981 e 1996, o Conselho adoptou diversas directivas no âmbito da luta contra a utilização de determinadas substâncias com hormonas na alimentação animal, com o objectivo nomeadamente de garantir a protecção da saúde humana.

12     Os Estados Unidos da América (a seguir «Estados Unidos») iniciaram nas instâncias da OMC um processo de resolução de litígios para contestar a conformidade das disposições comunitárias com as regras da referida organização.

13     Em 18 de Agosto de 1997, um grupo especial declarou esta regulamentação comunitária contrária às regras da OMC.

14     Em 16 de Janeiro de 1998, o Órgão de Recurso tomou uma deliberação que confirmou esta decisão.

15     Na sequência da deliberação pelo Órgão da Resolução da Litígios (a seguir «ORL»), foi fixada, por decisão arbitral de 13 de Fevereiro de 1998, a data‑limite de 13 de Maio de 1999 para a adaptação da regulamentação comunitária às regras da OMC.

16     Não tendo a Comunidade Europeia alterado a sua regulamentação no prazo fixado, os Estados Unidos solicitaram, em 3 de Junho de 1999, ao ORL autorização para, nos termos do artigo 22.º, n.º 2, do memorando de entendimento sobre as regras e processos que regem a resolução de litígios, anexo ao acordo que institui a OMC (a seguir «memorando de entendimento»), suspender as concessões pautais num montante anual de 202 milhões de dólares dos Estados Unidos (USD). Simultaneamente, os Estados Unidos elaboraram uma lista de produtos susceptíveis de serem objecto de suspensão de concessões pautais, entre os quais a mostarda preparada.

17     Na sequência de decisão arbitral de 12 de Julho de 1999 relativa ao montante total da suspensão das concessões pautais, o ORL autorizou os Estados Unidos, em 26 de Julho de 1999, a suspender as referidas concessões no montante de 116,8 milhões de USD por ano e a aplicar um direito aduaneiro adicional de 100% a um determinado número de produtos provenientes dos Estados‑Membros da Comunidade Europeia, dos quais a mostarda preparada. No entanto, os Estados Unidos decidiram não aplicar a suspensão das concessões pautais aos produtos provenientes do Reino Unido.

18     Em 7 de Junho de 2001, a Fédération des industries condimentaires de France (a seguir «FICF» ou «autora da denúncia»), que agrupa os principais produtores franceses de mostarda preparada, apresentou, nos termos do artigo 4.º do Regulamento n.º 3286/94, uma denúncia à Comissão Europeia.

19     Esta denúncia precisava, nomeadamente, que a aplicação selectiva das medidas americanas de retaliação era contrária ao artigo 22.º do memorando de entendimento, uma vez que as medidas de suspensão das concessões pautais autorizadas pelo ORL só podem ser aplicadas contra o «membro em causa», previamente condenado, no caso concreto, a Comunidade Europeia na sua totalidade e não apenas alguns Estados‑Membros. A denúncia referia também que o entrave ao comércio criado pelos Estados Unidos provocava efeitos prejudiciais no comércio, na acepção do Regulamento n.º 3286/94, nas exportações de mostarda preparada das empresas membros da FICF, e que era do interesse da Comunidade iniciar um processo contra as medidas americanas, nos termos do Regulamento n.º 3286/94.

20     À luz dos elementos de prova carreados pela autora da denúncia, a Comissão publicou, em 1 de Agosto de 2001, nos termos do artigo 8.º do Regulamento n.º 3286/94, um aviso de início de um processo de exame relativo a um entrave ao comércio que consiste em práticas comerciais mantidas pelos Estados Unidos em relação às importações de mostarda preparada (JO 2001, C 215, p. 2).

21     Este aviso especificava, no n.º 2, que «o exame que a Comissão inicia pode também abranger outros produtos que se afigure serem afectados de forma semelhante à da mostarda preparada, em particular os produtos relativamente aos quais as partes interessadas que se dêem a conhecer [num] prazo [de trinta dias a contar da data da publicação do aviso] apresentem elementos de prova de que as práticas alegadas lhes são aplicadas».

22     Diversas associações profissionais manifestaram, dentro do prazo fixado, o seu interesse junto da Comissão, entre elas o Comité national interprofessionnel des palmipèdes à foie gras, a Confédération générale des producteurs de lait de brebis et des industriels de Roquefort e o Comité économique agricole régional «fruits et légumes de la région Bretagne». Na sequência destas manifestações de interesse, a Comissão, nos termos do n.º 2 do aviso de início do processo de exame, decidiu alargá‑lo ao foie gras, ao roquefort e às échalotes.

23     Em 6 de Março de 2002, no termo do seu exame, a Comissão informou o comité referido no artigo 7.º do Regulamento n.º 3286/94 das conclusões do seu inquérito, tendo‑lhe transmitido em 27 de Março de 2002 um relatório de exame. Este relatório propunha o encerramento do processo.

24     Em 23 de Abril de 2002, a Comissão enviou ao consultor da FICF uma versão não confidencial do relatório de exame. Na sua carta, a Comissão precisava que o comité referido no artigo 7.º do Regulamento n.º 3286/94 tinha aprovado a proposta de encerramento do processo e que, por conseguinte, seria brevemente publicada no Jornal Oficial das Comunidades Europeias uma decisão nesse sentido.

25     Por carta de 17 de Maio de 2002, um dos consultores da FICF acusou a recepção do relatório de exame. Nesta carta, manifestava o seu espanto relativamente aos prazos da Comissão para lhe dirigir este relatório e para adoptar a decisão a proferir no processo. Tendo em conta a referência feita pela Comissão na sua carta de 23 de Abril de 2002, segundo a qual em breve seria adoptada uma decisão, o consultor da FICF concluiu que a Comissão não dava à autora da denúncia o direito de resposta, o que lhe parecia contrário ao respeito do direito de defesa.

26     Em 24 de Junho de 2002, na resposta a esta carta, a Comissão afirmou que tinha respeitado plenamente as disposições do Regulamento n.º 3286/94, designadamente as do artigo 8.º, n.os 4 e 8. A este respeito, a Comissão salientou que a autora da denúncia nunca lhe tinha dirigido um pedido, na acepção do artigo 8.º, n.º 4, do Regulamento n.º 3286/94. A Comissão recordou também à autora da denúncia que tinha sido regularmente informada da evolução do processo e que estava ao corrente do resultado do processo de exame muito antes da data da transmissão oficial do relatório de exame.

27     Em 6 de Junho de 2002, o Comité économique agricole régional «fruits et légumes de la région Bretagne» enviou uma carta à Comissão na qual, desde logo, manifestava a sua estranheza por não ter recebido directamente o relatório de exame, o qual lhe tinha sido transmitido por intermédio dos seus consultores. Em seguida, exprimia o seu desacordo face ao anunciado encerramento do processo de exame e, finalmente, considerava que o anúncio da adopção da decisão, para breve, de encerramento do processo de exame não lhe permitia exercer o seu direito de resposta às conclusões contidas no relatório de exame.

28     Em 7 de Junho de 2002, a Confédération générale des producteurs de lait de brebis et des industriels de Roquefort enviou à Comissão uma carta com conteúdo substancialmente idêntico ao da enviada pelo Comité économique agricole régional «fruits et légumes de la région Bretagne».

29     Por cartas de 4 de Junho de 2002, a Comissão enviou uma versão não confidencial do relatório de exame à Confédération générale des producteurs de lait de brebis et des industriels de Roquefort e ao Comité économique agricole régional «fruits et légumes de la région Bretagne», recordando‑lhes que as referidas associações profissionais tinham unicamente intervindo no processo de exame na qualidade de partes interessadas, razão pela qual a Comissão tinha entendido não lhes dever transmitir directamente o relatório de exame, o qual, de resto, era um documento público. Nas suas cartas, a Comissão referiu também que, em qualquer caso, tinha respeitado as disposições do artigo 8.º n.º 8, do Regulamento n.º 3286/94 e que os consultores das duas associações tinham sido regularmente mantidos informados da evolução do processo e que estavam ao corrente do seu desfecho muito antes da data da transmissão oficial do relatório do exame. A Comissão salientou, por último, que a decisão de encerramento do processo de exame seria tomada em breve.

30     Em 9 de Julho de 2002, a Comissão adoptou a Decisão 2002/604/CE que encerra o processo de exame relativo aos entraves ao comércio, na acepção do Regulamento n.º 3286/94, constituídos por práticas comerciais mantidas pelos Estados Unidos relativamente às importações de mostarda preparada (JO L 195, p. 72, a seguir «decisão impugnada»). A decisão impugnada foi publicada no Jornal Oficial das Comunidades Europeias em 27 de Julho de 2002.

31     No sexto considerando da decisão impugnada, a Comissão salientou:

«No âmbito do processo de exame, a Comissão chegou à conclusão de que não se afigurava que os alegados efeitos comerciais prejudiciais resultassem do entrave ao comércio alegado na denúncia, isto é, a prática adoptada pelos Estados Unidos de suprimirem as concessões de forma selectiva, unicamente em relação a alguns Estados‑Membros (‘sanções selectivas’). Efectivamente, do inquérito não resultou qualquer elemento que demonstrasse que a aplicação da suspensão das concessões igualmente em relação ao Reino Unido se traduziria, para o autor da denúncia, em maiores oportunidades de exportação de mostarda preparada para o mercado dos EUA. Por conseguinte, não se pode atribuir ao entrave ao comércio alegado pelo autor da denúncia qualquer efeito prejudicial no comércio, tal como definido no regulamento, que não os efeitos comerciais resultantes da suspensão de concessões que são autorizadas e legalmente aplicadas pelos EUA por força do acordo sobre a OMC. Consequentemente, em conformidade com o artigo 11.º [do Regulamento n.º 3286/94], no que respeita ao alegado entrave ao comércio, o processo de exame demonstrou que os interesses da Comunidade não exigem a adopção de uma medida ao abrigo do regulamento.»

32     Por conseguinte, no artigo único da decisão impugnada a Comissão decidiu encerrar o processo de exame iniciado em 1 de Agosto de 2001.

 Tramitação processual e pedidos das partes

33     Por petição apresentada na Secretaria do Tribunal em 16 de Outubro de 2002, a FICF, a Confédération générale des producteurs de lait de brebis et des industriels de Roquefort, o Comité national interprofessionnel des palmipèdes à foie gras e o Comité économique agricole régional «fruits et légumes de la région Bretagne» (a seguir «recorrentes») interpuseram o presente recurso.

34     Nos termos do artigo 14.º do Regulamento de Processo do Tribunal de Primeira Instância e sob proposta da Primeira Secção, o Tribunal, ouvidas as partes nos termos do artigo 51.º do referido regulamento, decidiu atribuir o processo a uma Secção alargada.

35     Com base no relatório do juiz‑relator, o Tribunal (Primeira Secção alargada) decidiu dar início à fase oral do processo e, no âmbito das medidas de organização do processo, convidou as partes a responderem a determinadas perguntas e a apresentarem certos documentos.

36     Foram ouvidas as alegações das partes e as suas respostas às perguntas colocadas pelo Tribunal de Primeira Instância na audiência de 14 de Setembro de 2004.

37     Os recorrentes concluem pedindo que o Tribunal se digne:

–      anular a decisão impugnada;

–      condenar a Comissão nas despesas.

38     A Comissão conclui pedindo que o Tribunal se digne:

–      negar provimento ao recurso;

–      condenar as recorrentes nas despesas.

 Quanto à admissibilidade

39     Sem suscitar a questão da admissibilidade do presente recurso, a Comissão limitou todavia as suas observações à situação da FICF, que foi a única associação a apresentar, nos termos do artigo 4.º do Regulamento n.º 3286/94, uma denúncia à Comissão, não se referindo assim à situação das outras associações profissionais que intervieram no processo de exame enquanto partes interessadas.

40     A este respeito, há que salientar que os recorrentes apresentaram uma única e mesma petição. Ora, resulta de jurisprudência constante que, tratando‑se de um único e mesmo recurso, a verificação da sua admissibilidade relativamente a apenas um dos recorrentes afasta a necessidade de examinar a legitimidade dos outros recorrentes, uma vez que é suficiente que pelo menos um deles preencha as condições enunciadas no artigo 230.º CE (v., neste sentido, acórdão do Tribunal de Justiça de 24 de Março de 1993, CIRFS e o./Comissão, C‑313/90, Colect., p. I‑1125, n.º 31; acórdãos do Tribunal de Primeira Instância de 27 de Abril de 1995, CCE de Vittel e o./Comissão, T‑12/93, Colect., p. II‑1247, n.º 44, e de 15 de Setembro de 1998, European Night Services e o./Comissão, T‑374/94, T‑375/94, T‑384/94 e T‑388/94, Colect., p. II‑3141, n.º 61).

41     Ora, importa precisar que o artigo 4.º do Regulamento n.º 3286/94 permite, em particular, a qualquer associação que actue em nome de uma ou mais empresas da Comunidade, como, no caso em apreço, a FICF, em nome dos produtores franceses de mostarda preparada, invocar, na denúncia que apresenta na Comissão, o direito de fazer valer regras de comércio internacional, contidas num acordo comercial multilateral ou plurilateral, nas condições definidas no referido regulamento, bem como de fazer valer as garantias processuais previstas nas disposições deste mesmo regulamento. A totalidade dessas garantias implica que um queixoso, na acepção do artigo 4.º do Regulamento n.º 3286/94, tem o direito de submeter à fiscalização do Tribunal uma decisão da Comissão que encerra um procedimento de exame iniciado na sequência da sua denúncia.

42     Daqui decorre que a FICF, que apresentou uma denúncia à Comissão à luz do artigo 4.º do Regulamento n.º 3286/94, tem legitimidade para impugnar no Tribunal de Primeira Instância a decisão impugnada e que, consequentemente, por se tratar de um só e mesmo recurso, não há que analisar a legitimidade dos outros recorrentes.

 Quanto ao mérito

43     Os recorrentes invocam oito fundamentos de recurso. O primeiro fundamento é relativo à violação do artigo 2.º, n.º 1, do Regulamento n.º 3286/94; o segundo fundamento é relativo à violação do artigo 2.º, n.º 4, do Regulamento n.º 3286/94; o terceiro é relativo à violação do artigo 10.º, n.º 5, do Regulamento n.º 3286/94; o quarto fundamento é relativo à violação do artigo 11.º, n.º 1, do Regulamento n.° 3286/94; o quinto fundamento é relativo à falta de fundamentação da decisão impugnada; o sexto fundamento é relativo a erros manifestos na apreciação dos factos e da violação do artigo 2.º, n.º 4, e do artigo 11.º, n.º 1, do Regulamento n.º 3286/94; o sétimo fundamento é relativo à violação do direito de defesa; por fim, o oitavo fundamento é relativo à violação do artigo 8.º, n.º 8, do Regulamento n.º 3286/94 e do incumprimento do dever de diligência da Comissão.

 Quanto ao primeiro fundamento, relativo à violação do artigo 2.º, n.º 1, do Regulamento n.º 3286/94

 Argumentos das partes

44     Segundo os recorrentes, a definição de «entrave ao comércio», como decorre do artigo 2.º, n.º 1, do Regulamento n.º 3286/94, assenta em dois elementos perfeitamente identificados e indissociáveis, a saber, um elemento material («quaisquer práticas de comércio adoptadas ou mantidas por um país terceiro») e um «elemento de ilegalidade» («um direito de acção» conferido à Comunidade Europeia). Ora, na opinião dos recorrentes, a decisão impugnada limitou esta definição ao elemento de ilegalidade, isto é, à aplicação «selectiva» pelos Estados Unidos da suspensão das concessões pautais. Segundo os recorrentes, a abordagem adoptada pela Comissão viola não só o artigo 2.º, n.º 1, do Regulamento n.º 3286/94, como também desvirtua o alcance da denúncia apresentada pela FICF e o aviso de abertura do processo de exame. Contrariamente ao que parece pretender a Comissão, as medidas de suspensão das concessões pautais tomadas pelos Estados Unidos não podem ser cindidas em, por um lado, as medidas autorizadas pelo ORL e aplicadas pelos Estados Unidos e, por outro, o entrave ao comércio alegado pela autora da denúncia, ou seja, a aplicação selectiva das referidas medidas. Segundo os recorrentes, não é pelo facto do ORL ter autorizado a adopção das medidas de retaliação que a sua aplicação pelos Estados Unidos é «legal», como defende a Comissão.

45     A Comissão recorda, desde logo, que o objecto do Regulamento n.º 3286/94 é estabelecer procedimentos comunitários no domínio da política comercial comum para permitir à Comunidade exercer os direitos que lhe são reconhecidos pela OMC. É neste sentido que o artigo 2.º, n.º 1, do Regulamento n.º 3286/94 define um entrave ao comércio como qualquer prática de comércio adoptada ou mantida por um país terceiro contra a qual as regras do comércio internacional conferem um direito de acção.

46     Seguidamente, a Comissão contesta a interpretação dada pelos recorrentes ao artigo 2.º, n.º 1, do Regulamento n.º 3286/94. Segundo a Comissão, não basta a existência de um entrave ao comércio para que seja eventualmente iniciado um processo de resolução de litígios. É necessário que se verifiquem efeitos prejudiciais no comércio. Com vista à aplicação do Regulamento n.º 3286/94, o conceito de entrave ao comércio não pode portanto ser separado do de «efeitos prejudiciais no comércio». Dito de outra forma, na opinião da Comissão, para que exista um «entrave ao comércio», na acepção do Regulamento n.º 3286/94, é necessário que as empresas demonstrem que sofrem «efeitos prejudiciais no comércio», na acepção do artigo 2.º, n.º 4, do Regulamento n.º 3286/94. Uma interpretação diferente teria por efeito criar em benefício das empresas comunitárias uma verdadeira actio popularis.

47     Segundo a Comissão, foi esta concepção do conceito de «entrave ao comércio» a aplicada no caso em apreço, tanto no âmbito do relatório de exame como no momento da adopção da decisão impugnada. Uma tal concepção não constitui assim uma novidade para os recorrentes. A este propósito, a Comissão remete para a decisão impugnada segundo a qual no inquérito não ficou provado que a autora da denúncia sofreu efeitos comerciais prejudiciais devido à decisão dos Estados Unidos de aplicarem selectivamente a suspensão das concessões pautais, com excepção dos efeitos comerciais resultantes desta suspensão, que foi «autorizada e legalmente aplicada pelos EUA no âmbito do acordo sobre a OMC». A Comissão infere daqui que, por um lado, as medidas americanas foram adoptadas no cumprimento dos princípios instituídos pela OMC e, por outro, não tendo sido possível à autora da denúncia demonstrar qualquer efeito comercial prejudicial, não existe «entrave ao comércio», na acepção do Regulamento n.º 3286/94, contrariamente ao que é alegado pelos recorrentes.

 Apreciação do Tribunal

48     A título preliminar, há que observar que, por força do Regulamento n.º 3286/94, a instauração de uma acção da Comunidade ao abrigo das regras do comércio internacional contra um obstáculo ao comércio, adoptado ou mantido por um país terceiro e que produza efeitos no seu mercado, pressupõe, no mínimo, o preenchimento de três condições cumulativas, a saber, a existência de um obstáculo ao comércio, conforme definido pelo regulamento, a presença de efeitos prejudiciais no comércio causados pelo referido obstáculo e a necessidade da acção no interesse da Comunidade. Quando, no desfecho de um procedimento de exame iniciado em conformidade com o Regulamento n.º 3286/94, a Comissão verifica que não está preenchida uma das referidas condições, as instituições da Comunidade têm o direito de considerar que não se deve instaurar essa acção.

49     Quanto ao conceito de entrave ao comércio, há que recordar que, nos termos do artigo 2.º, n.º 1, do Regulamento n.º 3286/94:

«Para efeitos do presente regulamento, entende‑se por ‘entraves ao comércio’ quaisquer práticas de comércio adoptadas ou mantidas por um país terceiro contra as quais as regras do comércio internacional conferem um direito de acção. Esse direito existe quando as regras do comércio internacional proibirem formalmente uma prática ou atribuírem à parte afectada pela prática o direito de tentar eliminar os efeitos dessa prática.»

50     No caso em apreço, verifica‑se que, na decisão impugnada, a Comissão considerou que a FICF denunciava um entrave ao comércio constituído pela suspensão, pelos Estados Unidos, das concessões pautais relativamente aos exportadores de mostarda preparada dos Estados‑Membros da Comunidade, com excepção dos do Reino Unido, sanção que a decisão impugnada qualificou de «selectiva».

51     Segundo os recorrentes, ao agir assim, a Comissão interpretou incorrectamente a definição de entrave ao comércio contida no artigo 2.º, n.º 1, do Regulamento n.º 3286/94, na medida em que, no caso em apreço, apenas teve em consideração o elemento de «ilegalidade» da referida definição.

52     Esta tese não pode ser acolhida.

53     Desde logo, importa salientar que os elementos que compõem a definição de um entrave ao comércio, na acepção do Regulamento n.º 3286/94, não podem ser artificialmente separados como sugerem os recorrentes. Com efeito, um entrave ao comércio, cuja existência pode ser invocada com vista à aplicação do Regulamento n.º 3286/94, pressupõe a existência de um direito de acção conferido pelas regras do comércio internacional. Esta interpretação decorre, designadamente, da referência no artigo 1.º, n.º 1, deste regulamento ao respeito das «obrigações e procedimentos internacionais vigentes». É corroborada pelo sétimo considerando do Regulamento n.º 3286/94 que precisa que «[o] mecanismo [instituído pelo regulamento] se destina a estabelecer as vias processuais para solicitar às instituições comunitárias que reajam aos entraves ao comércio adoptados ou mantidos por países terceiros [...], desde que exista um direito de acção contra esses entraves ao abrigo das regras do comércio internacional». Uma interpretação diferente teria por efeito que qualquer prática comercial adoptada ou mantida por um país terceiro poderia ser considerada um obstáculo ao comércio, apesar de não existir nenhum direito de intentar uma acção ao abrigo das regras do comércio internacional.

54     Seguidamente, quanto ao argumento dos recorrentes de que a interpretação adoptada pela Comissão teria violado o alcance da denúncia apresentada pela FICF à Comissão, há que referir que a autora da denúncia não alegava, contrariamente ao que os recorrentes afirmaram perante o Tribunal, que as medidas americanas de suspensão das concessões pautais, num montante de 116,8 milhões de USD, relativamente a determinados produtos originários da Comunidade consubstanciavam um «entrave ao comércio». Com efeito, a denúncia admitia que estas medidas tinham sido autorizadas pelo ORL em 26 de Julho de 1999. Em contrapartida, nos seus argumentos relativos à qualificação de «entrave ao comércio», na acepção do Regulamento n.º 3286/94, das medidas adoptadas pelos Estados Unidos (ponto IV da denúncia), a autora da denúncia considerava que existia violação das regras da OMC na medida em que «os Estados Unidos não podiam legalmente aplicar medidas de retaliação a determinados Estados‑Membros da União Europeia e não a outros» (ponto IV.1, p. 8 da denúncia) e que «a aplicação selectiva das medidas de retaliação feita pelos Estados Unidos punh[a] em causa a fixação pelos árbitros de um nível de suspensão das concessões» (ponto IV.2, p. 11 da denúncia). Além disso, reconhecia que «as conclusões e recomendações do Grupo Especial e do Órgão de Recurso visavam as ‘Comunidades Europeias’ [e que] os Estados Unidos deviam portanto aplicar as suas medidas às ‘Comunidades Europeias’, sem estabelecer qualquer distinção entre os diferentes Estados‑Membros, todos eles responsáveis pela aplicação das medidas comunitárias contestadas» (p. 13 da denúncia). Por último, recordava que «a atitude dos Estados Unidos descomunitarizava a política comercial prevista pelo Tratado» uma vez que as medidas de retaliação só abrangiam catorze dos quinze Estados‑Membros (p. 14 da denúncia).

55     Daqui decorre que o entrave ao comércio invocado na denúncia consistia unicamente na aplicação selectiva das medidas americanas de suspensão das concessões pautais, não tendo a Comissão desvirtuado o alcance da denúncia. Aliás, o Tribunal indica que, no caso em apreço, tendo em conta a definição de entrave ao comércio referido no n.º 53 supra, o entrave ao comércio na acepção do Regulamento n.º 3286/94 só pode consistir na aplicação selectiva das medidas americanas de suspensão das concessões pautais. Com efeito, uma vez que apenas os entraves ao comércio relativamente aos quais existe um direito de acção consagrado pelas regras do comércio internacional entram no âmbito de aplicação do Regulamento n.º 3286/94, um processo baseado nesse regulamento não podia ser iniciado contra as medidas americanas de suspensão das concessões que tinham sido autorizadas pelo ORL, na medida em que, em princípio, não existia quanto a elas nenhum direito de acção da Comunidade consagrado pelas regras de comércio internacional. É por esse motivo que o n.º 4 do aviso de início do processo de exame, referido no n.º 20 supra, referia que o entrave ao comércio alegado na denúncia consistia na manutenção das «medidas comerciais exclusivamente a alguns e não a todos os Estados‑Membros da Comunidade» e que a FICF considerava, sem que a exactidão de uma tal apreciação tenha sido contestada no Tribunal, que «a prática de solicitar medidas contra todos dos Estados‑Membros e de as aplicar apenas a alguns prejudica a previsibilidade do mecanismo de resolução de litígios». Por outro lado, há também que precisar que o ponto 1.4. do relatório de exame elaborado pela Comissão, intitulado «The obstacle to trade» (O entrave ao comércio), referia:

«[...] importa referir que o entrave ao comércio em causa neste inquérito não consiste na suspensão das concessões pelos Estados Unidos da América na sequência do denominado caso ‘hormonas’, mas na forma como esta mesma suspensão foi aplicada pelos Estados Unidos. Na verdade, a autora da denúncia não contesta o direito dos Estados Unidos de suspenderem as referidas concessões por força do memorando de entendimento sobre a resolução de litígios no âmbito da OMC, mas apenas o seu direito de as suspenderem em relação a certos Estados‑Membros da Comunidade, com exclusão de outros».

56     Ora, contrariamente ao que pretendem os recorrentes, ao defenderem que o entrave ao comércio alegado na denúncia consistia na aplicação selectiva das medidas americanas aos Estados‑Membros da Comunidade, os considerandos 3 e 6 da decisão impugnada respeitam tanto à definição de «entrave ao comércio», referida no artigo 2.º, n.º 1, do Regulamento n.º 3286/94, como à qualificação que, no caso em apreço, decorria da denúncia e que foi retomada no aviso de início do processo e no relatório de exame.

57     Decorre das considerações que precedem que, no caso em apreço, contrariamente ao que alegam os recorrentes, a Comissão não se limitou apenas ao elemento de «ilegalidade» da definição de entrave ao comércio, mas tomou em consideração todos os elementos indissociáveis do conceito de entrave ao comércio, como é definido no artigo 2.º, n.º 1, do Regulamento n.º 3286/94.

58     Face ao exposto, é negado provimento ao primeiro fundamento de recurso.

 Quanto ao segundo fundamento, relativo à violação do artigo 2.º, n.º 4, do Regulamento n.º 3286/94

 Argumentos das partes

59     Os recorrentes consideram que a interpretação restritiva do conceito de entrave ao comércio, como adoptado na decisão impugnada, conduz também – e necessariamente – a uma análise errada dos «efeitos prejudiciais no comércio», na acepção do artigo 2.º, n.º 4, do Regulamento n.º 3286/94, violando assim esta disposição. Segundo os recorrentes, a Comissão deveria ter analisado os efeitos prejudiciais no comércio da imposição ilegal, desde Julho de 1999, dos direitos aduaneiros adicionais de 100% ad valorem contestados pelos recorrentes, e não apenas os efeitos do elemento que enferma de ilegalidade as medidas americanas, a saber, a aplicação selectiva destas mesmas medidas.

60     Além disso, os recorrentes consideram que a decisão impugnada enferma também de erro manifesto na apreciação dos dados contidos no relatório de exame. Com efeito, a conclusão a que a Comissão chegou na decisão impugnada, de que do inquérito «não resultou qualquer elemento que demonstrasse que a aplicação da suspensão das concessões [pautais] igualmente em relação ao Reino Unido se traduziria, para [a] autor[a] da denúncia, em maiores oportunidades de exportação de mostarda preparada para o mercado dos EUA», estaria infirmada pela leitura conjugada dos dados que figuram no relatório de exame relativos à diminuição das importações de mostarda provenientes dos Estados‑Membros, com exclusão do Reino Unido, e à subida das importações provenientes deste Estado‑Membro.

61     A Comissão responde que apreciou correctamente os efeitos comerciais provocados pela suspensão das concessões pautais adoptada pelos Estados Unidos contra a mostarda preparada.

62     A Comissão refere que as conclusões do relatório de exame não evidenciam a existência de qualquer efeito de «vasos comunicantes» entre, por um lado, a diminuição das exportações da autora da denúncia para os Estados Unidos e, por outro, um aumento substancial e a longo prazo das exportações britânicas. Segundo a Comissão, os dados contidos no relatório de exame mostram que a decisão dos Estados Unidos de excluírem os produtos provenientes do Reino Unido da suspensão das concessões pautais não se revelou vantajosa para as exportações de mostarda britânica para aquele país nem originou efeitos prejudiciais no comércio para a autora da denúncia. Só se o processo de exame tivesse apurado consequências duráveis e relevantes provocadas no mercado da mostarda preparada na Europa pela selectividade das medidas, é que poderiam ter sido causados à autora da denúncia efeitos prejudiciais no comércio, na acepção do Regulamento n.º 3286/94. No entanto, a Comissão recorda também que o artigo 2.º, n.º 4, do Regulamento n.º 3286/94 dá uma definição precisa do conceito de «efeitos prejudiciais no comércio», referindo os efeitos causados pelos entraves ao comércio e que têm uma repercussão importante na economia da Comunidade ou de uma região da Comunidade, ou num dos seus sectores de actividade económica. Na sua opinião, o facto do «autor da denúncia sofrer efeitos prejudiciais não é suficiente para justificar por si só a adopção de uma medida específica pelas instituições comunitárias».

63     Finalmente, para a Comissão, a decisão impugnada indicou claramente que do exame não resultou que a selectividade das medidas de retaliação americanas tenha provocado efeitos prejudiciais no comércio, na acepção do Regulamento n.º 3286/94.

 Apreciação do Tribunal

64     Desde já, há que recordar que, nos termos do artigo 2.º, n.º 4, do Regulamento n.º 3286/94:

«Entende‑se por ‘efeitos prejudiciais no comércio’ aqueles que um entrave ao comércio cause ou ameace causar, em relação a um produto ou serviço, a empresas comunitárias no mercado de qualquer país terceiro e que tenham repercussão importante, real ou potencial, na economia da Comunidade ou de uma região da Comunidade, ou num dos seus sectores de actividade económica. O facto de o autor da denúncia sofrer esses efeitos prejudiciais não é suficiente para justificar só por si a intervenção das instituições comunitárias.»

65     Decorre desta definição que o Regulamento n.º 3286/94 entendeu considerar a existência de um nexo de causalidade entre os efeitos comerciais prejudiciais reais («cause») ou potenciais («ameace causar») e o obstáculo ao comércio, como é identificado nas circunstâncias particulares de cada caso, na acepção do Regulamento n.º 3286/94. Esta interpretação é corroborada pelo sétimo considerando do Regulamento n.º 3286/94, que enuncia que o mecanismo instituído por este regulamento visa permitir pedir às instituições comunitárias que reajam aos obstáculos ao comércio instituídos por países terceiros «que causem» efeitos prejudiciais no comércio, bem como pelo artigo 4.º, n.º 2, do referido regulamento, relativo ao conteúdo da denúncia, que exige que esta contenha elementos de prova suficientes da existência dos obstáculos ao comércio e dos efeitos prejudiciais no comércio «daí resultantes». Além disso, os efeitos prejudiciais no comércio, na acepção do Regulamento n.º 3286/94, devem também ter um impacto importante na economia da Comunidade ou de uma região ou de um sector da actividade económica da Comunidade.

66     A este respeito, quanto ao argumento dos recorrentes de que a Comissão não devia ter limitado a análise dos efeitos prejudiciais no comércio aos causados pela aplicação selectiva da suspensão das concessões pautais, o Tribunal de Primeira Instância considera que o mesmo deve ser rejeitado, tendo em conta a resposta dada ao primeiro fundamento e o nexo de causalidade que deve existir entre um «entrave ao comércio» e os «efeitos prejudiciais no comércio», na acepção do Regulamento n.º 3286/94. Com efeito, na medida em que o «entrave ao comércio», na acepção do Regulamento n.º 3286/94, alegado neste caso, é constituído pela aplicação selectiva da suspensão das concessões pautais das exportações de mostarda preparada para os Estados Unidos, a Comissão devia limitar a sua análise dos «efeitos prejudiciais no comércio» aos que tinham um nexo de causalidade com o referido entrave.

67     Assim sendo, há que verificar se, como defendem os recorrentes, a Comissão teria cometido um erro manifesto na apreciação dos dados do relatório de exame, ao concluir, no sexto considerando da decisão impugnada, que «do inquérito não resultou qualquer elemento que demonstrasse que a aplicação da suspensão das concessões [pautais] igualmente em relação ao Reino Unido se traduziria, para o autor da denúncia, em maiores oportunidades de exportação de mostarda preparada para o mercado dos EUA».

68     A este propósito, importa, desde logo, destacar uma diferença entre a redacção da versão francesa da referida passagem do sexto considerando da decisão impugnada e a da maior parte das outras versões linguísticas deste texto. Com efeito, contrariamente ao texto em língua francesa que utiliza o advérbio «davantage», a maioria das outras versões linguísticas faz referência a «maiores» ou «melhores oportunidades de exportação». É o caso das versões da referida passagem nas línguas inglesa («[...] would result in greater export opportunities [...]»), alemã («[...] für den Antragsteller zu besseren Ausfuhrmöglichkeiten für Senf [...]»), dinamarquesa («[...] at klageren ville få større muligheder for at eksportere [...]»), espanhola («[...] traería consigo majores oportunidades para el denunciante de exportar [...]»), finlandesa («[...] valituksen tekijän [...] viennin mahdollisuuksien laajenemiseen [...]»), italiana («[...] comporterebbe per il denunziante maggiori opportunità di esportazione [...]»), portuguesa («[...] se traduziria, para o autor da denúncia, em maiores oportunidades de exportação [...]») e sueca («[...] bättre utsiker för den klagande att exportera [...]»).

69     O Tribunal de Primeira Instância considera que a ideia veiculada por estas diferentes versões linguísticas da referida passagem, pertinente para o exame do alegado erro manifesto de apreciação, é, por um lado, a de uma correlação menos categórica do que aquela que é exprimida na versão francesa, pela utilização do advérbio «davantage» entre a diminuição das exportações da mostarda preparada para os Estados Unidos provenientes de catorze Estados‑Membros da Comunidade e o aumento das exportações deste produto para os Estados Unidos provenientes do Reino Unido e, por outro, a de uma incidência no tempo sobre o nível das exportações da mostarda preparada para os Estados Unidos.

70     Seguidamente, há que ter em consideração que os recorrentes não contestam os dados do relatório de exame relativos às exportações de mostarda preparada para os Estados Unidos provenientes, por um lado, dos Estados‑Membros da Comunidade, com exclusão do Reino Unido, e, por outro, provenientes deste último Estado. Além disso, os recorrentes também não contestam o método adoptado pelo relatório de exame para determinar os efeitos prejudiciais no comércio causados pelo entrave ao comércio, tal como foi identificado no ponto 1.4 do relatório de exame e recordado no n.º 55 supra.

71     Nestas condições, decorre dos dados constantes do relatório de exame e da análise efectuada que a conclusão a que chegou a Comissão no sexto considerando da decisão impugnada não é manifestamente errada.

72     Com efeito, há que verificar que, entre a média das exportações ao longo dos anos de 1996‑1998 e o ano 2000, a progressão das exportações de mostarda preparada para os Estados Unidos provenientes do Reino Unido, tanto em valor como em volume, representou uma parte e uma proporção extremamente fracas relativamente às exportações de mostarda preparada provenientes dos outros Estados‑Membros da Comunidade. Portanto, mesmo admitindo que os exportadores dos outros Estados‑Membros que não o Reino Unido teriam eles próprios beneficiado desta progressão na hipótese das medidas americanas de retaliação terem sido alargadas à mostarda preparada originária do Reino Unido – o que não foi demonstrado pelos recorrentes –, esses exportadores não poderiam ter beneficiado de maiores oportunidades de exportação.

73     Além disso, decorre dos elementos de informação utilizados pela Comissão no decurso do processo de exame que os importadores americanos de mostarda preparada procuraram fornecedores alternativos estabelecidos fora da Comunidade, os quais beneficiaram largamente da suspensão das concessões pautais determinada pelas autoridades americanas contra a mostarda preparada proveniente dos Estados‑Membros.

74     Deve, assim, ser desatendido o segundo fundamento de recurso.

 Quanto ao terceiro fundamento, relativo à violação do artigo 10.º, n.º 5, do Regulamento n.º 3286/94

 Argumentos das partes

75     A título preliminar, os recorrentes referem que a versão francesa do artigo 10.º, n.º 5, do Regulamento n.º 3286/94 tem um erro de pontuação. Referindo‑se à «versão corrigida» desta disposição, os recorrentes entendem que o artigo 10.º, n.º 5, do Regulamento n.º 3286/94 exige que a Comissão tenha em conta, no exame dos efeitos prejudiciais no comércio, as disposições, princípios ou práticas que regem o direito de acção em conformidade com as regras do comércio internacional pertinentes. Ora, segundo os recorrentes, ainda que a Comissão tenha, na fase do relatório de exame, apreciado a compatibilidade das medidas americanas à luz das regras da OMC, não efectuou nenhuma análise desse tipo na decisão impugnada, o que, no caso em apreço, constitui uma violação do artigo 10.º, n.º 5, do Regulamento n.º 3286/94. Além disso, na opinião dos recorrentes, a decisão impugnada enferma também de falta de fundamentação, na medida em que a Comissão não explicou por que razão a análise jurídica que efectuou no relatório de exame ao entrave ao comércio alegado não consta da decisão impugnada.

76     Sem pôr em causa o facto da versão francesa do artigo 10.º, n.º 5, do Regulamento n.º 3286/94 conter o erro invocado pelos recorrentes, a Comissão entende que este argumento é improcedente.

 Apreciação do Tribunal

77     A versão francesa do artigo 10.º, n.º 5, do Regulamento n.º 3286/94 estipula que «[l]a Commission tient compte aussi, dans son examen, des éléments de preuve concernant les effets commerciaux défavorables, des dispositions, principes ou pratiques qui régissent le droit d’engager une action au titre des règles de commerce internationales applicables évoqués à l’article 2, paragraphe 5».

78     A este respeito, como os recorrentes legitimamente alegaram nas suas peças processuais, sem serem, quanto a este ponto, contestados pela Comissão, esta versão francesa contém um erro de sintaxe ao colocar uma vírgula após a expressão «examen». Com efeito, tanto a estrutura do n.º 5 do artigo 10.º do Regulamento n.º 3286/94, que obrigaria à inclusão da conjunção de coordenação «et» a seguir ao adjectivo «défavorables» se esta vírgula fosse necessária, tanto a localização deste número no artigo em causa, que visa o «examen des éléments de preuve», levam a considerar que a vírgula que se encontra depois da palavra «examen» não tem razão de ser. Acresce que as outras versões linguísticas do artigo 10.º, n.º 5, do Regulamento n.° 3286/94 se referem, nesta lógica, ao «examen des éléments de preuve concernant les effets commerciaux défavorables».

79     Há então que ler o artigo 10.º, n.º 5, do Regulamento n.º 3286/94 da seguinte maneira: «[l]a Commission tient compte aussi, dans son examen des éléments de preuve concernant les effets commerciaux défavorables, des dispositions, principes ou pratiques qui régissent le droit d’engager une action au titre des règles de commerce internationales applicables évoquées à l’article 2 paragraphe 1».

80     Todavia, ao defenderem que esta disposição obrigava a Comissão a analisar, na decisão impugnada, a compatibilidade do entrave ao comércio alegado com as disposições dos acordos adoptados no âmbito da OMC, os recorrentes fazem uma interpretação errada do artigo 10.º, n.º 5, do Regulamento n.º 3286/94.

81     Com efeito, à luz do que referimos a título preliminar no n.º 48 supra, uma vez que, no caso em apreço, a Comissão verificou, com razão, que os elementos de prova de índole quantitativa analisados no seu relatório de exame não permitiam concluir pela existência de efeitos prejudiciais no comércio, na acepção do Regulamento n.º 3286/94, não estava obrigada a tomar em consideração as disposições, princípios ou práticas que regem o direito de acção nos termos das regras do comércio internacionais.

82     Quanto à alegada falta de fundamentação da decisão impugnada, importa observar que, quando a Comissão apurou legitimamente a inexistência de efeitos prejudiciais no comércio na acepção do Regulamento n.º 3286/94, não tinha nem que examinar os elementos adicionais referidos no artigo 10.º, n.º 5, do referido regulamento, nem que fundamentar quanto a este ponto a decisão impugnada.

83     Nestas condições, o terceiro fundamento é julgado improcedente.

 Quanto ao quarto fundamento, relativo à violação do artigo 11.º, n.º 1, do Regulamento n.º 3286/94

 Argumentos das partes

84     Os recorrentes alegam que a decisão impugnada confundiu o «interesse da Comunidade», referido no artigo 11.º, n.º 1, do Regulamento n.º 3286/94, com o interesse da autora da denúncia. Ora, na opinião dos recorrentes, tal diligência não só é contrária a esta disposição, como também ignora, no caso em apreço, o facto de que outras partes intervieram ao longo do processo de exame e que, desde o aviso de início deste processo, em 1 de Agosto de 2001, a Comissão reconhecera o interesse da Comunidade em «contestar as práticas dos EUA que podem representar uma ameaça sistémica ao papel da Comunidade no âmbito da OMC e que afectam gravemente a coesão e a solidariedade da [Comunidade], uma vez que a exclusão de um Estado‑Membro da suspensão das concessões comerciais implica inevitavelmente o agravamento da situação para os outros Estados‑Membros».

85     Além disso, os recorrentes entendem que as observações formuladas pela Comissão perante o Tribunal, segundo as quais a análise do interesse da autora da denúncia é uma condição prévia à análise do interesse da Comunidade, estão em contradição com a decisão impugnada, na medida em que, para encerrar o processo de exame, a Comissão baseou‑se na inexistência de interesse da Comunidade e não na inexistência de interesse da autora da denúncia. De qualquer maneira, os recorrentes consideram que o reconhecimento da Comissão, na fase escrita do processo, da distinção entre o interesse da autora da denúncia e o da Comunidade vem apoiar a sua pretensão, segundo a qual, no caso em apreço, a decisão impugnada viola o artigo 11.º, n.º 1, do Regulamento n.º 3286/94.

86     A Comissão indica que o Regulamento n.º 3286/94 não define o conceito de «interesse da Comunidade» e que, a este respeito, dispõe de uma ampla margem de apreciação. Na sua opinião, não é menos verdade que, relativamente à economia geral do Regulamento n.º 3286/94, este conceito tem um papel bem definido, que é o de impedir que uma acção seja proposta por princípio ou in abstracto. Por outras palavras, a Comissão entende que o autor de uma denúncia não pode invocar o Regulamento n.º 3286/94 para incitar a Comunidade a intentar uma acção de princípio em defesa do interesse geral da Comunidade, se ele próprio não sofreu efeitos prejudiciais no comércio. Ora, no caso em apreço, não tendo a autora da denúncia sofrido tais efeitos para além daqueles que as medidas de retaliação puderam (legalmente) provocar, a condição prévia para o exame do interesse da Comunidade em intentar uma acção não estava preenchida. Por outro lado, as conclusões do relatório de exame mostravam claramente que os recorrentes não tinham qualquer interesse em que as medidas americanas fossem aplicadas uniformemente a todos os Estados‑Membros da Comunidade.

87     Na tréplica, a Comissão precisa também que teve em consideração a totalidade dos interesses em causa, incluindo os das empresas intervenientes no processo de exame, como resulta do relatório de exame, cujas conclusões foram plenamente respeitadas pela decisão impugnada. Em qualquer caso, a selectividade das medidas americanas afectaria principalmente a mostarda preparada, uma vez que, no caso em apreço, só este produto era exportado pelo Reino Unido, com exclusão portanto do roquefort, do foie gras e das échalotes.

88     Finalmente, a Comissão entende que, à luz das conclusões do relatório de exame, considerou, correctamente, que não era do interesse da Comunidade dar seguimento ao processo.

 Apreciação do Tribunal

–       Observações preliminares

89     Há que referir que o Regulamento n.º 3286/94 não dá qualquer definição do conceito de «interesse da Comunidade», nem tão‑pouco precisa as regras que regulam o exame desse interesse. No entanto, diversas disposições do Regulamento n.º 3286/94 fazem referência a este conceito.

90     Assim, nos termos do artigo 8.º, n.º 1, do Regulamento n.º 3286/94, a Comissão inicia um processo de exame «[q]uando, após consultas, [...] considerar que existem elementos de prova suficientes que justifiquem o inicio de um processo de exame e que este é necessário no interesse da Comunidade».

91     Além disso, por força do artigo 11.º, n.º 1, do Regulamento n.º 3286/94, «[q]uando, em consequência do processo de exame, se concluir que os interesses da Comunidade não exigem a adopção de medidas, o processo será encerrado em conformidade com o disposto no artigo 14.º»

92     Por outro lado, o artigo 12.º, n.º 1, do Regulamento n.º 3286/94 estipula que, «[q]uando, a menos que a situação de direito e de facto não justifique um processo de exame, se concluir, em resultado do processo de exame, que é necessária uma acção no interesse da Comunidade para assegurar o exercício pela Comunidade dos seus direitos ao abrigo das regras do comércio internacional, com vista a eliminar [...] os efeitos prejudiciais no comércio resultantes de entraves ao comércio adoptados ou mantidos por países terceiros, as medidas adequadas serão decididas».

93     Estas disposições devem ser lidas à luz do décimo quinto considerando do Regulamento n.º 3286/94, segundo o qual «a Comissão [e o Conselho] apenas deverão intervir, no quadro dos direitos e obrigações no plano internacional da Comunidade, contra entraves ao comércio adoptados ou mantidos por países terceiros quando os interesses da Comunidade o exijam; que, ao avaliar esses interesses, a Comissão […] ter[á] em devida consideração os argumentos de todas as partes interessadas no processo».

94     A questão de saber se o interesse da Comunidade exige uma acção pressupõe a apreciação de situações económicas complexas, e a fiscalização jurisdicional dessa apreciação deve limitar‑se à verificação do respeito das regras processuais, da exactidão material dos factos tomados em consideração para fazer a opção contestada, da inexistência de erro manifesto de apreciação dos factos ou da inexistência de desvio de poder (v., neste sentido, acórdão do Tribunal de Justiça de 10 de Março de 1992, Sharp Corporation/Conselho, C‑179/87, Colect., p. I‑1635, n.º 58, e acórdão do Tribunal de Primeira Instância de 15 de Outubro de 1998, Industrie des poudres sphériques/Conselho, T‑2/95, Colect., p. II‑3939, n.º 292). Quando é submetido ao órgão jurisdicional comunitário um recurso de anulação de uma decisão da Comissão de encerramento de um procedimento de exame relativo a obstáculos ao comércio por fundamentos relacionados com a inexistência de interesse comunitário, por força do Regulamento n.º 3286/94, o alcance da fiscalização jurisdicional engloba também o exame da inexistência de erros de direito (v., por analogia, acórdão do Tribunal de Primeira Instância de 8 de Julho de 2003, Euroalliages e o./Comissão, T‑132/01, Colect., p. II‑2367, n.º 49). Tal limite à fiscalização jurisdicional, válido no âmbito de um exame de medidas antidumping, é aplicável a fortiori num processo de âmbito muito mais geral e que pode, eventualmente, conduzir à apresentação de uma queixa internacional.

95     É à luz destas considerações que importa verificar se, como alegam os recorrentes, por um lado, o interesse da Comunidade em agir contra o entrave ao comércio alegado na denúncia já foi definitivamente examinado e declarado na fase do aviso de início de processo de exame e, por outro, se a Comissão assimilou ou reduziu o interesse da Comunidade ao interesse individual da autora da denúncia, sem ter em conta o interesse das outras partes interessadas.

–       Quanto à apreciação do interesse da Comunidade na fase do aviso de início do processo de exame

96     No n.º 6 do aviso do início do processo de exame a Comissão referiu:

«A Comunidade tem interesse em contestar as práticas dos EUA que podem representar uma ameaça sistemática ao papel da Comunidade no âmbito da OMC e que afectam gravemente a coesão e a solidariedade da [Comunidade], uma vez que a exclusão de um Estado‑Membro da suspensão das concessões comerciais implica inevitavelmente o agravamento da situação para os outros Estados‑Membros. Por conseguinte, considera‑se que é do interesse da Comunidade dar início a um processo de exame.»

97     De maneira geral, há que considerar que a apreciação do interesse da Comunidade, feita na fase inicial de um procedimento de exame, por definição, tem carácter preparatório. Deste modo, não pode ser equiparada à apreciação feita numa fase posterior, isto é, no desfecho de um procedimento de exame, no momento de decidir se, no interesse da Comunidade, é necessária uma acção.

98     Com efeito, uma interpretação diferente teria como consequência que, quando a Comissão decide iniciar um processo de exame, estaria automaticamente obrigada a considerar, na fase da decisão relativa a uma eventual acção da Comunidade, essa acção necessária, desde que as outras condições legais de aplicação do Regulamento n.º 3286/94, a saber, a existência de um obstáculo ao comércio e a existência de efeitos prejudiciais no comércio daí decorrentes, estivessem preenchidas, privando assim a Comissão da sua margem de apreciação.

99     No caso em apreço, a formulação geral do n.º 6 do aviso de início do processo de exame não pode ser interpretada no sentido de que a Comissão prescindiu de qualquer direito de declarar, no seguimento do processo de exame, se o interesse da Comunidade necessitava ou não de uma acção no processo em causa. Com efeito, basta verificar que o n.º 6 do aviso de início se limitou a concluir que era do interesse da Comunidade «dar início a um processo de exame».

100   Consequentemente, há que julgar improcedente o primeiro argumento dos recorrentes.

–       Quanto à equiparação ou redução do interesse da Comunidade ao interesse individual da autora da denúncia e à não consideração dos interesses dos outros interessados

101   O presente argumento assenta, no essencial, em duas acusações, por um lado, a de não ter sido tomado em conta o interesse dos interessados para além do da autora da denúncia e, por outro, a da equiparação ou redução pela Comissão do interesse da Comunidade ao da autora da denúncia.

102   Quanto à primeira acusação, note‑se que a decisão impugnada não faz qualquer alusão aos referidos interessados.

103   Todavia, no caso em apreço, este facto não constitui uma violação do artigo 11.º, n.º 1, do Regulamento n.º 3286/94.

104   Como decorre da interpretação conjugada dos n.os 91 e 93 supra, o artigo 11.º, n.º 1, do Regulamento n.º 3286/94, interpretado à luz do seu décimo quinto considerando, assegura que, quando da avaliação do interesse da Comunidade no âmbito do processo de exame, serão tomadas em consideração as opiniões expressas por todos os interessados no processo. Daqui decorre que a apreciação do interesse da Comunidade exige a ponderação dos interesses das várias partes e do interesse geral, em especial no âmbito do processo de exame (v., por analogia, Euroalliages e o./Comissão, já referido).

105   No caso em apreço, verifica‑se que, após a publicação do aviso de início do processo de exame, os interessados deram a conhecer à Comissão o seu interesse em intervir no processo iniciado pela autora da denúncia contra o entrave ao comércio alegado por esta, relativamente aos seus respectivos produtos. À semelhança da análise efectuada às exportações de mostarda preparada com destino aos Estados Unidos, o relatório de exame avaliou, quanto aos produtos dos interessados, se o entrave ao comércio alegado pela autora da denúncia provocava efeitos prejudiciais no comércio. No seguimento desta avaliação, à semelhança das conclusões do relatório de exame relativas à situação da autora da denúncia, o relatório referiu que as medidas selectivas americanas não estavam na origem dos efeitos no comércio que afectavam os interessados, que, além do mais, não sofriam no mercado americano a concorrência das exportações de produtos provenientes do Reino Unido. Por último, no âmbito da análise do interesse da Comunidade, o relatório de exame indicou, no seu n.º 4, em particular, que, «como foi salientado anteriormente, o início de um processo nas instâncias da OMC não é susceptível de eliminar ou reduzir os problemas económicos que enfrentam as autoras da denúncia». Embora esta passagem do n.º 4 do relatório de exame designe erradamente todas as partes como autores da denúncia, o mesmo refere que o interesse dos interessados no processo foi tido em conta quando da avaliação do interesse da Comunidade, no âmbito do relatório de exame.

106   Além disso, os recorrentes não alegaram em nenhum momento da fase escrita do processo que os interessados tinham interesses diferentes dos da autora da denúncia que não teriam sido tomados em conta pela Comissão em sede do processo de exame.

107   Questionados sobre este aspecto na audiência pelo Tribunal, os recorrentes afirmaram que os interessados não tinham qualquer interesse em requerer que as medidas de retaliação fossem alargadas ao Reino Unido, uma vez que era claro que o roquefort, o foie gras e as échalotes não eram produzidos no Reino Unido, mas que, em contrapartida, tinham interesse em que a aplicação selectiva das medidas americanas fosse denunciada pela Comunidade nas instâncias da OMC, o que, segundo os recorrentes, implicaria que, no caso de uma condenação dos Estados Unidos, os seus produtos fossem retirados da lista aprovada pelo ORL. Ora, há que referir que, mesmo supondo que este interesse seja diferente do da autora da denúncia, a Comissão tomou em consideração esse argumento no âmbito do seu exame, ao salientar o carácter hipotético da possibilidade invocada pelos recorrentes, especialmente devido à competência exclusiva das autoridades americanas quanto à determinação da lista dos produtos sujeitos à suspensão das concessões pautais. Nestas condições, este interesse foi tomado em devida conta pela Comissão.

108   Assim, o facto de a decisão impugnada não mencionar os interessados para além da autora da denúncia, que são recorrentes neste processo, não pode, em si mesmo, ser interpretado como uma violação do artigo 11.º, n.º 1, do Regulamento n.º 3286/94, lido à luz do seu décimo quinto considerando.

109   Deste modo, a acusação relativa à não apreciação dos interesses dos interessados para além da autora da denúncia não é procedente.

110   Quanto à acusação relativa à alegada equiparação do interesse da Comunidade ao da autora da denúncia, há desde logo que fazer referência aos sexto e sétimo considerandos da decisão impugnada.

111   No sexto considerando da decisão impugnada, a Comissão, depois de ter referido que, «[e]fectivamente, do inquérito não resultou qualquer elemento que demonstrasse que a aplicação da suspensão das concessões igualmente em relação ao Reino Unido se traduziria, para o autor da denúncia, em maiores oportunidades de exportação de mostarda preparada para o mercado dos EUA», precisando a seguir que, «[p]or conseguinte, não se pode atribuir ao entrave ao comércio alegado pelo autor da denúncia qualquer efeito prejudicial no comércio, tal como definido no regulamento», concluiu que, «[c]onsequentemente, em conformidade com o artigo 11.º do regulamento, no que respeita ao alegado entrave ao comércio, o processo de exame demonstrou que os interesses da Comunidade não exigem a adopção de uma medida ao abrigo do regulamento».

112   Nos termos do sétimo considerando da decisão impugnada, a Comissão concluiu que «[d]o processo de exame não foi possível apurar elementos de prova suficientes que indiciassem que os interesses da Comunidade exigiam a adopção de uma medida específica na acepção do regulamento» e que «[o] processo de exame deve, por conseguinte, ser encerrado».

113   A utilização da conjunção de coordenação «por conseguinte» no último parágrafo do sexto considerando da decisão impugnada mostra que, na opinião da Comissão, a inexistência de uma medida necessária no interesse da Comunidade decorre, pelo menos indirectamente, da constatação de que a autora da denúncia não tinha qualquer interesse em que a suspensão das concessões pautais fosse aplicada ao Reino Unido, na medida em que não sofria efeitos prejudiciais no comércio provocados pela aplicação selectiva das medidas americanas.

114   Note‑se que a necessidade de uma demonstração prévia do interesse da autora da denúncia para que os interesses da Comunidade possam existir foi, de resto, confirmada pela Comissão nas suas peças processuais. Com efeito, esta defendeu a ideia de que o Regulamento n.º 3286/94 não pode ser utilizado pela autora da denúncia para incitar a Comunidade a levar a cabo uma acção de princípio em defesa do interesse geral comunitário, sem que ela própria tenha sofrido efeitos prejudiciais no comércio.

115   Por conseguinte, contrariamente ao que alegam os recorrentes, a argumentação desenvolvida pela Comissão durante a fase escrita do processo no Tribunal não está em contradição com os fundamentos da decisão impugnada.

116   Importa seguidamente fazer referência às passagens pertinentes do relatório de exame. No n.º 4 do relatório de exame (intitulado «Interesses da Comunidade»), a Comissão referiu:

«Os resultados do inquérito demonstraram que não existem efeitos prejudiciais no comércio sentidos pela autora da denúncia causados pelo entrave ao comércio alegado neste processo. Estes resultados privam desde logo o processo de uma condição essencial para que, por força do regulamento, esta acção prossiga. Todavia, a Comissão analisou se existem outras medidas que a Comunidade pudesse adoptar com vista a reagir às violações e aos potenciais efeitos no comércio identificados neste relatório».

117   Recordou de seguida:

«O início de um processo nas instâncias da OMC não é susceptível de eliminar ou reduzir os problemas económicos a que fazem face os autores da denúncia. Em contrapartida, o impacto jurídico e político das práticas americanas dificilmente pode ser subestimado. Com efeito, os Estados Unidos parecem ter adoptado a prática das ‘sanções selectivas’ como uma ‘arma’ comercial com o objectivo de enfraquecerem a coesão interna da Comunidade e, consequentemente, influenciarem as suas relações com o seu principal parceiro económico. Por fim, a Comissão entende que os interesses mais amplos e a longo prazo da Comunidade exigem uma medida cujo objectivo seria o de evitar que a prática americana de suspensão de concessões relativamente a determinados Estados‑Membros, com exclusão de outros, (isto é, as ‘sanções selectivas’), se volte a verificar no futuro. Nesta base, a Comissão prosseguirá os seus debates com vista à adopção de uma solução mutuamente satisfatória no que diz respeito ao processo dito das hormonas e discutirá com as autoridades americanas os problemas de natureza sistémica suscitados no presente relatório.»

118   No n.º 6 do relatório de exame, intitulado «Medidas a tomar», a Comissão, depois de ter recordado as três condições necessárias para que a Comunidade tome uma medida [isto é a) a existência de um direito da Comunidade por força das regras que regem o comércio internacional, b) a existência de efeitos prejudiciais no comércio causados pelo entrave ao comércio alegado e c) que a medida a adoptar seja necessária aos interesses da Comunidade], salientou que «[c]om base na análise e nas conclusões supra‑referidas, em especial no que respeita à inexistência de efeitos prejudiciais no comércio, propõe‑se o encerramento do processo de exame deste caso» e que «a maneira mais apropriada para tratar dos problemas da autora da denúncia seria continuar os debates com as autoridades americanas com o objectivo de encontrar uma solução mutuamente satisfatória no processo dito das hormonas».

119   O Tribunal de Primeira Instância considera que o processo de exame não excluiu um interesse geral e a longo prazo da Comunidade em agir no futuro contra as violações potenciais analisadas no relatório de exame; em contrapartida, na medida em que o início de um processo no âmbito da OMC não era susceptível de eliminar ou reduzir os problemas económicos sentidos pelas autoras da denúncia, foi proposto o encerramento do processo de exame, devido, em especial, na inexistência de efeitos prejudiciais no comércio, na acepção do Regulamento n.º 3286/94.

120   Ora, a Comissão não infringe o artigo 11.º, n.º 1, do Regulamento n.º 3286/94 ao exigir que a eventual acção da Comunidade esteja ligada aos factos e aos fundamentos de direito na origem do procedimento de exame e, embora exista um interesse geral e a longo prazo em agir futuramente contra as potenciais violações que podem decorrer da prática de «sanções selectivas» adoptadas pelos Estados Unidos, como as que foram identificadas no relatório de exame, decide encerrar o procedimento de exame.

121   Com efeito, o artigo 11.º, n.º 1, do Regulamento n.º 3286/94 deve ser interpretado à luz do seu sexto considerando, nos termos do qual o mecanismo jurídico instituído pelo Regulamento n.º 3286/94 deve «assegurar que a decisão de invocar os direitos da Comunidade ao abrigo das regras do comércio internacional é adoptada com base em informações factuais e numa análise jurídica». Por conseguinte, se, no seguimento de um processo de exame, o quadro factual e jurídico que esteve na origem do referido processo não permite fundamentar uma eventual decisão de invocar os direitos da Comunidade, em especial devido ao facto de não estar preenchida uma das condições legais exigidas para a aplicação do Regulamento n.º 3286/94, neste caso, a inexistência de efeitos prejudiciais no comércio resultantes do entrave ao comércio alegado, a Comissão pode concluir que as condições exigidas pelo Regulamento n.º 3286/94 não estão reunidas.

122   Esta interpretação é igualmente reforçada pelo artigo 12.º, n.º 1, do Regulamento n.º 3286/94. Com efeito, importa recordar que, segundo esta disposição, «[q]uando se concluir, em resultado de um processo de exame, que é necessária uma acção no interesse da Comunidade para assegurar o exercício pela Comunidade dos seus direitos ao abrigo das regras do comércio internacional com vista a eliminar [...] os efeitos prejudiciais no comércio resultantes de um entrave ao comércio adoptados ou mantidos por países terceiros, as medidas adequadas serão decididas». Ora, decorre claramente da redacção do artigo 12.º, n.º 1, do Regulamento n.º 3286/94 que a acção da Comunidade deve ter por objecto pôr fim aos efeitos prejudiciais no comércio causados por um entrave ao comércio e que, portanto, esta acção não pode ser iniciada se não permitir alcançar esse objectivo. Por outras palavras, por força do artigo 12.º, n.º 1, do Regulamento n.º 3286/94, o regulamento não pode ser invocado por um autor de uma denúncia para incitar a Comunidade a iniciar uma acção em defesa do interesse geral da Comunidade, se ele próprio não sofreu efeitos prejudiciais. De qualquer modo, mesmo neste caso, não basta verificar esse efeito no comércio para que uma acção, na acepção do Regulamento n.º 3286/94, deva ser iniciada pela Comunidade, dado que a Comissão dispõe de um amplo poder de apreciação para analisar a totalidade dos interesses comerciais da Comunidade.

123   No caso em apreço, o facto da Comissão, no âmbito do processo de exame, ter considerado útil apreciar, a título exaustivo, se um interesse mais geral e a longo prazo da Comunidade poderia eventualmente existir, não implica que a Comissão esteja obrigada a concluir que do processo de exame resulta uma acção no interesse da Comunidade. Com efeito, tal procedimento decorre designadamente da exigência de responder a todos os aspectos suscitados pela autora da denúncia e/ou pelos interessados e faz apelo ao princípio da boa administração. Não podia no entanto ser invocado contra a Comissão para efeitos de declarar que esta violara o artigo 11.º, n.º 1, do Regulamento n.º 3286/94.

124   Consequentemente, contrariamente ao que alegam os recorrentes, a Comissão não limitou os interesses da Comunidade ao da autora da denúncia, nem violou o artigo 11.º, n.º 1, do Regulamento n.º 3286/94.

125   Por estes motivos, o quarto fundamento é integralmente improcedente.

 Quanto ao quinto fundamento, relativo à falta de fundamentação da decisão impugnada

126   Este fundamento divide‑se em duas partes decorrentes da falta de fundamentação, por um lado, da análise do entrave ao comércio e, por outro, do interesse da Comunidade em intentar uma acção.

 Quanto à primeira parte do quinto fundamento, relativa à falta de fundamentação da análise do entrave ao comércio

–       Argumentos das partes

127   Os recorrentes consideram que a Comissão não respeitou a obrigação prevista no artigo 253.º CE na medida em que, na decisão impugnada, não procedeu a uma análise jurídica do entrave ao comércio alegado na denúncia.

128   A Comissão recorda os princípios estabelecidos pela jurisprudência em matéria de fundamentação dos actos das instituições comunitárias. Na sua opinião, no caso em apreço, a fundamentação da decisão impugnada responde à totalidade dessas exigências jurisprudenciais. Com efeito, ao retomar no essencial as conclusões do relatório de exame, explicitamente referido no sexto considerando da decisão impugnada, esta cumpriu plenamente a obrigação de fundamentação que lhe incumbe, tanto mais que o relatório de exame foi elaborado no termo de um processo contraditório durante o qual os recorrentes puderam expressar os seus pontos de vista. Os recorrentes estavam assim em condições de conhecer as justificações da medida tomada e o órgão jurisdicional comunitário de efectuar a sua fiscalização.

–       Apreciação do Tribunal

129   Segundo jurisprudência constante, a fundamentação exigida pelo artigo 253.° CE deve deixar transparecer, de forma clara e inequívoca, a argumentação da autoridade comunitária, autora do acto, por forma a permitir aos interessados conhecer as razões da medida adoptada e ao Tribunal exercer a sua fiscalização (acórdãos do Tribunal de Justiça de 26 de Junho de 1986, Nicolet Instrument, 203/85, Colect., p. 2049, n.º 10; de 7 de Maio de 1987, NTN Toyo Bearing e o./Conselho 240/84, Colect., p. 1809, n.º 31; Nachi Fujikoshi/Conselho, 255/84, Colect., p. 1861, n.º 39, e de 9 de Janeiro de 2003, Petrotub e Republica/Conselho, C‑76/00 P, Colect., p. I‑79, n.º 81). Além disso, a exigência de fundamentação deve ser apreciada em função das circunstâncias do caso em apreço, designadamente do conteúdo do acto, da natureza dos fundamentos invocados e do interesse que os destinatários ou outras pessoas directa e individualmente afectadas pelo acto podem ter em obter explicações. Não se exige que a fundamentação especifique todos os elementos de facto e de direito pertinentes, na medida em que a questão de saber se a fundamentação de um acto satisfaz as exigências do artigo 253.° CE deve ser apreciada não somente tendo em conta o seu teor mas também o seu contexto e o conjunto das regras jurídicas que regem a matéria em causa (v., designadamente, acórdãos do Tribunal de Justiça de 2 de Abril de 1998, Comissão/Sytraval e Brink’s France, C‑367/95 P, Colect., p. I‑1719, n.º 63, e Petrotub e Republica/Conselho, já referido, n.º 81). Em consequência, se o acto contestado revelar o essencial do objectivo prosseguido pela instituição, é inútil exigir uma fundamentação específica para cada uma das escolhas técnicas efectuadas (acórdão do Tribunal de Justiça de 29 de Fevereiro de 1996, Comissão/Conselho, C‑122/94, Colect., p. I‑881, n.º 29).

130   No caso em apreço, há que salientar que, na decisão impugnada, a Comissão identificou, por um lado, o entrave ao comércio alegado na denúncia, o qual «seria constituído pela decisão dos EUA no sentido de aplicar a suspensão das concessões pautais imposta relativamente à mostarda preparada [...] unicamente em relação às exportações de determinados Estados‑Membros (o Reino Unido está excluído)» (terceiro considerando da decisão impugnada). Por outro lado, no sexto considerando da decisão impugnada, a Comissão referiu que «[n]o âmbito do processo de exame [...] chegou à conclusão de que não se afigurava que os alegados efeitos comerciais prejudiciais resultassem do entrave ao comércio alegado na denúncia, isto é, a prática adoptada pelos Estados Unidos de suprimirem as concessões de forma selectiva, unicamente em relação a alguns Estados‑Membros (“sanções selectivas”)».

131   Ora, tendo em conta o contexto em que se inscreve o presente processo, tais indicações respeitam as exigências do artigo 253.º CE.

132   Com efeito, há desde logo que recordar que o artigo 11.º, n.º 1, do Regulamento n.º 3286/94 prevê que, «[quando, em consequência do processo de exame, se concluir que os interesses da Comunidade não exigem a adopção de medidas, o processo será encerrado [...]». Decorre desta disposição que uma decisão que encerra um procedimento de exame pode limitar a sua fundamentação à remissão para as principais conclusões constantes do relatório de exame, sem que seja necessário, tendo em conta o contexto em que se inscreve esta decisão, retomar os elementos de facto e de direito desenvolvidos nesse relatório.

133   Seguidamente, importa recordar que o relatório de exame é, na sua versão não confidencial, um documento público e que, no caso em apreço, foi transmitido aos recorrentes antes da adopção da decisão impugnada. Estes puderam assim conhecer suficientemente as razões da adopção da decisão impugnada e, designadamente, os motivos pelos quais, apesar do relatório de exame ter destacado certos indícios da incompatibilidade do entrave ao comércio alegado pela autora da denúncia com as regras dos acordos adoptados no âmbito da OMC, não era necessária a análise jurídica do entrave ao comércio, na decisão impugnada, por força da inexistência dum nexo de causalidade entre este entrave e os efeitos prejudiciais no comércio, na acepção do Regulamento n.º 3286/94.

134   Por último, o exame dos primeiro e segundo fundamentos a que o Tribunal de Primeira Instância procedeu, respectivamente, nos n.os 48 a 58 e 64 a 74 supra, demonstrou que o exercício da fiscalização jurisdicional não foi restringido.

135   Nestas condições, a primeira parte do quinto fundamento não é procedente.

 Quanto à segunda parte do quinto fundamento, relativa à falta de fundamentação do interesse da Comunidade em adoptar uma medida

–       Argumentos das partes

136   Em primeiro lugar, na opinião dos recorrentes, na medida em que a Comissão se limitou a tomar a sua posição quanto ao interesse da Comunidade por referência aos interesses da autora da denúncia, a decisão impugnada não permite aos interessados que intervieram no processo de exame, eles próprios recorrentes no presente processo, conhecer as razões da adopção da decisão impugnada, nem ao órgão jurisdicional exercer a sua fiscalização jurisdicional.

137   Em segundo lugar, os recorrentes consideram que a Comissão não respondeu a todos os fundamentos alegados na denúncia quanto ao interesse da Comunidade em instaurar uma acção. Em primeiro lugar, os recorrentes observam que a decisão impugnada é omissa quanto aos interesses da Comunidade, mencionados no relatório de exame, que consistiam em evitar que os Estados Unidos pusessem em causa a unidade da politica comercial comum, ao adoptarem sanções «selectivas», aplicáveis apenas a determinados Estados‑Membros. Em segundo lugar, os recorrentes sublinham que a denúncia referia que não podia ser excluída a possibilidade de que, após uma acção da Comunidade, os Estados Unidos, ao alargarem as suas medidas de retaliação a todos os Estados‑Membros da Comunidade, retirassem a mostarda preparada da lista dos produtos objecto de tais medidas. Com efeito, na sua opinião, na medida em que a suspensão das concessões pautais não podia ultrapassar o montante anual de 116,8 milhões de USD, os Estados Unidos seriam obrigados a retirar determinados produtos da lista, eventualmente, a mostarda preparada. Ora, embora os recorrentes reconheçam que este ponto foi abordado no relatório de exame, alegam contudo que a decisão impugnada não o refere, o que, na sua opinião, constitui falta de fundamentação. Em terceiro lugar, os recorrentes acusam a Comissão de não ter respondido, na decisão impugnada, ao argumento invocado na denúncia, segundo o qual a Comunidade teria o mesmo interesse em adoptar uma medida no presente caso e em iniciar consultas com os Estados Unidos no âmbito do artigo 306.º da lei americana de 1974 relativa ao comércio externo. Por último, e em quarto lugar, os recorrentes censuram a Comissão por, na decisão impugnada, não ter dado resposta ao argumento, no entanto abordado no relatório de exame, segundo o qual uma condenação dos Estados Unidos na OMC lhes permitiria requerer o reembolso dos direitos aduaneiros indevidamente cobrados.

138   Relativamente a todas estas acusações, a Comissão remete para os seus argumentos desenvolvidos no âmbito da primeira parte do presente fundamento.

–       Apreciação do Tribunal

139   Como foi recordado no n.º 129 supra, não se exige que a fundamentação de uma decisão especifique todos os elementos de facto e de direito pertinentes, desde que permita aos interessados conhecerem as razões da medida tomada a fim de defenderem os seus direitos e ao órgão jurisdicional comunitário exercer a sua fiscalização, tendo em conta particularmente o contexto jurídico e factual em que se insere esta decisão.

140   Quanto ao primeiro argumento dos recorrentes, segundo o qual a decisão impugnada não permite aos interessados que intervieram no processo de exame conhecerem as razões do encerramento do processo, o Tribunal de Primeira Instância considera que deve ser julgado improcedente.

141   É certo que importa sublinhar que efectivamente a Comissão adoptou a decisão impugnada com referência apenas à mostarda preparada.

142   Contudo, no contexto em que se insere a decisão impugnada, essa circunstância não impediu todos os recorrentes de conhecerem as razões pelas quais a Comissão decidiu encerrar o processo de exame ao qual os interessados estiveram associados. Com efeito, decorre claramente do relatório de exame, que foi enviado aos recorrentes antes da adopção da decisão impugnada, que as decisões deste relatório eram aplicáveis tanto aos seus produtos como aos da autora da denúncia. Além disso, o exame salienta que, no mercado americano, os produtos dos interessados não eram alvo de qualquer concorrência por parte de produtos idênticos provenientes do Reino Unido, uma vez que estes não eram para aí exportados e que, portanto, o entrave ao comércio alegado não lhes causou qualquer efeito prejudicial no comércio, na acepção do Regulamento n.º 3286/94.

143   Por último, se a Comissão, no respeito do princípio da boa administração, devia ter precisado de forma mais clara o estatuto das outras associações que intervieram no processo de exame, além da autora da denúncia, a inexistência duma referência aos produtos dessas últimas nos fundamentos da decisão impugnada não impede, todavia, o exercício da fiscalização jurisdicional do Tribunal de Primeira Instância, tendo em conta o contexto em que se insere esta decisão.

144   No que diz respeito ao segundo argumento e às três últimas acusações que são desenvolvidos no n.º 137 supra, há que precisar que os recorrentes reconhecem que o relatório de exame analisou e rejeitou a totalidade das acusações que formulam. Ora, do ponto de vista da fundamentação, o Tribunal de Primeira Instância considera que a Comissão não tinha que se pronunciar, nos fundamentos da decisão impugnada, sobre todos os elementos de facto e de direito suscitados pelos recorrentes, nem tão‑pouco sobre todas as opções técnicas que tomou, desde que o essencial do objectivo prosseguido pela instituição decorra claramente da decisão impugnada. O silêncio da decisão impugnada quanto às três últimas acusações invocadas pelos recorrentes podia portanto entender‑se, no contexto do caso em apreço, como uma confirmação da posição expressa no relatório de exame que foi transmitido aos recorrentes antes da adopção da decisão impugnada e ao qual esta última fez expressamente referência. Além do mais, a inexistência de qualquer referência nos fundamentos da decisão impugnada às considerações hipotéticas que estão na base das três acusações suscitadas pelos recorrentes não impede a fiscalização da legalidade da decisão impugnada. Há portanto que rejeitar estas três acusações.

145   Importa também rejeitar a acusação de falta de fundamentação da decisão impugnada quanto ao interesse sistémico que a Comunidade teria em defender a unidade da política comercial comum. Com efeito, decorre do relatório de exame que, como foi salientado no âmbito da apreciação do quarto fundamento de recurso supra, se é certo que a unidade da política comercial comum foi assumida enquanto interesse geral e a longo prazo da Comunidade, não foi, no caso em apreço, por este motivo julgada necessária uma acção da Comunidade, designadamente devido ao não preenchimento de um dos requisitos legais de aplicação do Regulamento n.º 3286/94. Por conseguinte, no contexto do presente caso, os recorrentes puderam conhecer as razões pelas quais, no caso em apreço, não podia ser iniciada um acção da Comunidade e a fundamentação da decisão impugnada, ainda que lacónica, respeita a exigência da possibilidade da fiscalização jurisdicional.

146   Nestas condições, devem ser desatendidos a segunda parte do presente fundamento e o quinto fundamento na sua totalidade.

 Quanto ao sexto fundamento, relativo a erros manifestos na apreciação dos factos e à violação do artigo 2.º, n.º 4, e do artigo 11.º, n.º 1, do Regulamento n.º 3286/94

147   O presente fundamento divide‑se em duas partes. A primeira decorre de erro manifesto na apreciação pela Comissão da eventual supressão dos produtos dos recorrentes da lista das mercadorias sujeitas à sobretaxa aduaneira americana. A segunda baseia‑se num erro manifesto na apreciação da restituição da sobretaxa aduaneira indevidamente paga.

 Quanto à primeira parte do sexto fundamento, relativa a erro manifesto de apreciação, pela Comissão, da eventual supressão dos produtos das recorrentes da lista das mercadorias sujeitas à sobretaxa aduaneira americana

–       Argumentos das partes

148   Os recorrentes precisam que, se o Tribunal de Primeira Instância rejeitar a sua segunda acusação suscitada no âmbito da segunda parte do quinto fundamento relativo à falta de fundamentação, dever‑se‑á, de qualquer modo, ter em conta que a Comissão, no seu relatório de exame, cometeu um erro manifesto na apreciação dos factos e violou os artigos 2.º, n.º 4, e 11.º, n.º 1, do Regulamento n.º 3286/94.

149   Segundo os recorrentes, é evidente que, se o Reino Unido tivesse sido incluído na lista dos Estados sujeitos à suspensão das concessões pautais americanas, os «pequenos» produtos provenientes dos outros Estados‑Membros, como os dos recorrentes, poderiam ser excluídos do âmbito de aplicação das medidas americanas, devido ao limite máximo do montante da suspensão das concessões pautais fixado pela decisão arbitral dos órgãos da OMC. A pertinência de tal interpretação teria, aliás, sido reconhecida pela própria Comissão no seu aviso de início do processo de exame. A Comissão devia então ter analisado mais detalhadamente a possibilidade de os produtos dos recorrentes serem excluídos da lista estabelecida pelas autoridades americanas. Os recorrentes consideram que a incerteza quanto ao sucesso de uma regulação dos litígios não deve impedir uma acção da Comunidade quando tal lhe for possível. Ora, esse seria o caso em apreço.

150   A Comissão, apesar de entender que já respondeu a este fundamento nas suas observações relativas aos fundamentos anteriores, salienta, contudo, que a decisão impugnada não ultrapassou em nenhum momento os limites inerentes ao exercício da sua competência discricionária, como é reconhecida pela jurisprudência, quanto à escolha dos meios necessários para a realização da política comercial comum e à análise de situações económicas complexas.

151   No caso em apreço, a Comissão considera que não cometeu nenhum erro manifesto na apreciação dos factos, tal como são descritos no relatório de exame, tanto no que diz respeito à inexistência de efeitos prejudiciais no comércio como relativamente à inexistência de um interesse da Comunidade em iniciar uma acção. Isto aplicar‑se‑ia, em especial, às especulações dos recorrentes quanto à supressão da mostarda preparada da lista das medidas americanas.

–       Apreciação do Tribunal

152   Importa, desde já, recordar que, depois de ter concluído pela inexistência de nexo de causalidade entre o entrave ao comércio alegado na denúncia da FICF e os efeitos prejudiciais no comércio, a Comissão, no relatório de exame, examinou o argumento suscitado na denúncia, segundo o qual, no caso da Comunidade ter sucesso nos órgãos da OMC, a suspensão das concessões pautais pelos Estados Unidos devia ser aplicada ao Reino Unido, o que os levaria inevitavelmente a alterar a lista dos produtos visados porque, de outro modo, o montante da suspensão ultrapassaria o total autorizado pelo ORL (116,8 milhões de USD). Segundo os recorrentes, a mostarda preparada, bem como os outros produtos submetidos ao processo de exame, poderiam então ser retirados da lista submetida ao ORL pelas autoridades americanas.

153   Há que referir depois que no relatório de exame (ponto 2.5., p. 32), a Comissão respondeu a este argumento da seguinte forma:

«Contudo, desde logo, o desfecho de um caso suscitado nas instâncias da OMC estaria longe de ser certo, devido à inexistência de precedentes quanto às questões em causa. Acresce que a composição da lista dos produtos sobre a qual é aplicada uma sobretaxa aduaneira de 100% é da responsabilidade das autoridades americanas. Não existe nenhuma garantia (tal facto poderia mesmo ser considerado altamente improvável) que as autoridades americanas retirariam da lista os produtos do autor da denúncia. Por outro lado, estender a medida ao roquefort, ao foie gras e às échalotes provenientes do Reino Unido não teria qualquer efeito no statu quo porque estes produtos não são exportados pelo Reino Unido».

154   O Tribunal de Primeira Instância considera que a análise desenvolvida no relatório de exame para responder ao argumento invocado pela autora da denúncia e pelos interessados não enferma de erro manifesto de apreciação.

155   Desde logo, conforme salientou o relatório de exame e a Comissão recordou na audiência, na hipótese de a Comunidade ter intentado, com sucesso, uma acção nos órgãos da OMC, a eventual alteração da lista de produtos sujeitos à suspensão das concessões pautais que os Estados Unidos efectuasse é da competência das autoridades americanas. A este respeito, há que ter em atenção que, na decisão arbitral de 12 de Julho de 1999 (WT/DS26/ARB), invocada no n.º 17 supra e confirmada pelo ORL, os árbitros indicaram claramente que, com fundamento nas disposições do artigo 22.º do memorando de entendimento, não tinham competência para elaborar a lista definitiva dos produtos sujeita à suspensão das concessões pautais. Ora, os recorrentes não invocaram nem a fortiori demonstraram que a Comunidade podia ter essa competência.

156   Seguidamente, o Tribunal de Primeira Instância entende que a inclusão na lista americana dos produtos originários do Reino Unido não significaria de forma alguma que os produtos dos recorrentes fossem retirados dessa mesma lista. Com efeito, é perfeitamente possível e razoável imaginar que outros produtos ou subprodutos da nomenclatura pautal pudessem ser retirados da lista, desde que não fosse ultrapassado o montante máximo de 116,8 milhões de USD, autorizado pelo ORL.

157   Por último, há que verificar que os recorrentes não apresentam qualquer elemento de prova susceptível de confirmar a existência de um erro manifesto de apreciação, mas limitam‑se a censurar à Comissão não ter encarado uma possível supressão dos seus produtos. Para além do facto desta pretensão não ser correcta, uma vez que o relatório de exame respondeu ao argumento invocado na denúncia da FICF, sem o ter atendido, a análise feita no relatório de exame não poderia, de qualquer modo, constituir um erro manifesto de apreciação da parte da Comissão, tendo em conta o carácter hipotético da situação encarada pelos recorrentes.

158   Consequentemente, a primeira parte do presente fundamento é improcedente.

 Quanto à segunda parte do sexto fundamento, relativa a erro manifesto na apreciação da restituição da sobretaxa aduaneira indevidamente paga

–       Argumentos das partes

159   No que respeita à possibilidade de reclamar a devolução dos direitos aduaneiros cobrados pelas autoridades americanas até ao momento de uma eventual condenação dos Estados Unidos na OMC, os recorrentes admiram‑se desde logo do facto de a Comissão, ao afastar este argumento invocado na denúncia por a legislação americana não atribuir efeito directo aos acordos da OMC e não admitir recursos de particulares baseados nesses acordos, se ter pronunciado sobre a interpretação de uma legislação estrangeira, excedendo assim as suas competências. Os recorrentes consideram depois que a legislação americana não impede os particulares de intentarem acções administrativas para obterem a devolução dos direitos aduaneiros indevidamente cobrados. A este respeito, invocam o relatório do grupo especial de 15 de Julho de 2002 relativo ao artigo 129.º C), alínea 1), da lei americana relativa os acordos do Uruguai Round (Uruguay Round Agreements Act), que confirmaria que as autoridades americanas podem ter em consideração recomendações feitas pelas instâncias da OMC. Por conseguinte, os recorrentes consideram que, contrariamente ao que a Comissão concluiu no seu relatório de exame, seria possível um reembolso dos direitos aduaneiros cobrados pelas autoridades americanas.

160   No essencial, a Comissão remete para a sua posição expressa a propósito da primeira parte do presente fundamento.

–       Apreciação do Tribunal

161   Note‑se que a premissa em que se baseia esta parte do fundamento parte do princípio de que, depois de uma eventual decisão das instâncias da OMC dando provimento à acção da Comunidade, os Estados Unidos aplicariam a suspensão das concessões pautais a todos os Estados‑Membros, o que conduziria à supressão dos produtos dos recorrentes da lista americana, supressão essa que teria como consequência que os recorrentes poderiam requerer a restituição da sobretaxa aduaneira paga até então às autoridades americanas.

162   Ora, na medida em que esta hipótese está subordinada à que foi afastada pelo Tribunal de Primeira Instância na primeira parte do presente fundamento, é desprovida de qualquer fundamento.

163   Além do mais, sem ser necessário analisar a questão da interpretação da legislação e da prática americanas efectuada pela Comissão, importa referir que o relatório de exame também afastou a tese da autora da denúncia e dos interessados pelo facto de a regulação dos litígios da OMC assentar no princípio da conformidade ex nunc com as regras do GATT de 1994, o qual decorre do artigo 19.º, n.º 1, do memorando de entendimento. Não tendo esta apreciação sido contestada pelos recorrentes, há assim que concluir que, mesmo admitindo que um erro de apreciação deva ser verificado quanto à possibilidade de requerer o reembolso dos direitos aduaneiros indevidamente cobrados, tal erro não põe de qualquer forma em causa a legalidade da decisão impugnada. Com efeito, por um lado, este erro não afecta a inexistência de nexo de causalidade verificada na decisão impugnada entre o entrave ao comércio alegado e os efeitos prejudiciais no comércio; por outro lado, não poria em causa a apreciação do eventual interesse da Comunidade em iniciar uma acção no âmbito da OMC, não tendo essa acção como objecto e não podendo ter como efeito o reembolso retroactivo dos direitos aduaneiros pagos às autoridades de um Estado terceiro por empresas comunitárias cujos produtos estão sujeitos a uma medida de suspensão das concessões pautais por este Estado.

164   Há portanto que julgar improcedentes a segunda parte do sexto fundamento e este fundamento na totalidade.

 Quanto ao sétimo fundamento, relativo à violação do direito de defesa

–       Argumentos das partes

165   No âmbito deste fundamento, os recorrentes acusam a Comissão de, antes da adopção da decisão impugnada, não lhes ter permitido expressar a sua posição sobre os elementos de facto e de direito do relatório de exame.

166   No caso em apreço, os recorrentes recordam que a Comissão lhes enviou o relatório de exame, comunicando‑lhes ao mesmo tempo que a decisão impugnada seria adoptada em breve. Segundo os recorrentes, esta posição deixava entender que, no momento da comunicação do relatório de exame, a decisão impugnada já teria sido adoptada e que, portanto, a Comissão não lhes dava qualquer possibilidade de expressarem a sua opinião quanto aos elementos do referido relatório. Esta posição foi confirmada pela Comissão na sua carta de 4 de Junho de 2002 dirigida ao consultor dos recorrentes. Ora, apesar de os recorrentes admitirem, por um lado, que a autora da denúncia foi informada do resultado do processo de exame e, por outro, que nenhuma disposição do Regulamento n.º 3286/94 prevê a transmissão de informações aos outros interessados depois do termo do processo de exame, consideram, contudo, que, por força do princípio fundamental do respeito do direito de defesa, tal como foi consagrado, nomeadamente, no domínio do contencioso antidumping, a Comissão devia ter‑lhes permitido responder aos argumentos avançados no relatório de exame. O facto de os recorrentes terem mantido «contactos» com os serviços da Comissão não põe em causa esta conclusão, porque os recorrentes alegam que em nenhum momento antes da adopção do relatório de exame tiveram oportunidade de conhecer com rigor os fundamentos de facto e de direito da posição da Comissão.

167   A Comissão responde que nenhum desses argumentos é pertinente. Com efeito, na sua opinião, as obrigações que decorrem do artigo 8.º do Regulamento n.º 3286/94 foram, no caso em apreço, integralmente respeitadas. Se os recorrentes tiveram a possibilidade de apresentar as suas observações durante o processo de exame, o facto de, como referem os recorrentes, não terem podido fazer uso de um «direito de resposta» antes da adopção da decisão impugnada decorre da aplicação das disposições do artigo 8.º do Regulamento n.º 3286/94.

168   Além do mais, referindo‑se à jurisprudência desenvolvida no domínio antidumpig, a Comissão precisa que é necessário que as empresas em causa possam dar a conhecer o seu ponto de vista sobre a realidade e a pertinência dos factos e as circunstâncias alegadas, bem como sobre os elementos de prova apresentados. Ora, transpondo esta jurisprudência para o caso em apreço, a Comissão entende que respeitou os direitos da defesa dos recorrentes. De resto, contrariamente ao que pretendem os recorrentes, a autora da denúncia teve toda a oportunidade de transmitir as suas observações entre 23 de Abril de 2002, data em que o relatório de exame lhe foi enviado, e 9 de Julho de 2002, data da adopção da decisão impugnada.

169   Por outro lado, a Comissão indica que os recorrentes não alegaram a ilegalidade do artigo 8.º do Regulamento n.º 3286/94, fundamento assente na violação do princípio fundamental do direito de defesa.

 Apreciação do Tribunal

170   Importa, desde já, recordar que o princípio do respeito do direito de defesa é um princípio fundamental do direito comunitário (v., nomeadamente, acórdãos do Tribunal de Justiça de 17 de Outubro de 1989, Dow Benelux/Comissão, 85/87, Colect., p. 3137, n.º 25; de 27 de Junho de 1991, Al‑Jubail Fertilizer/Conselho, C‑49/88, Colect., p. I‑3187, n.º 15, e acórdão do Tribunal de Primeira Instância de 18 de Dezembro de 1997, Ajinomoto e NutraSweet/Conselho, T‑159/94 e T‑160/94, Colect., p. II‑2461, n.º 81).

171   Além disso, na economia geral do Regulamento n.º 3286/94, um processo de exame e a eventual acção no interesse da Comunidade intentada na sua sequência são unicamente dirigidos contra um país terceiro que tenha adoptado ou mantido um entrave ao comércio. Uma empresa autora de uma denúncia, na acepção do Regulamento n.º 3286/94, só pode assim prevalecer‑se do respeito do direito de defesa nas condições especificadas por esse regulamento, a menos que as referidas condições sejam elas mesmas consideradas atentatórias do princípio geral que pretendem aplicar.

172   A este respeito, há que referir que o artigo 8.º, n.º 4, alínea a), do Regulamento n.º 3286/94 determina que «[o]s autores da denúncia, os exportadores e os importadores em causa, bem como os representantes do ou dos principais países em causa, podem ter acesso a todas as informações facultadas à Comissão, com excepção dos documentos internos para uso da Comissão e das administrações, desde que essas informações sejam pertinentes para a defesa dos seus interesses, não sejam confidenciais, na acepção do artigo 9.º, e sejam utilizadas pela Comissão no seu processo de exame» e que «[a]s pessoas em causa dirigirão à Comissão um pedido por escrito devidamente fundamentado, indicando quais as informações pretendidas». Além disso, o mesmo número, na alínea b), refere que «[o]s autores da denúncia, os exportadores e os importadores em causa, bem como os representantes do ou dos principais países de exportação ou importação em causa, podem solicitar serem informados dos principais factos e considerações resultantes do processo de exame». O artigo 8.º, n.º 8, do Regulamento n.º 3286/94 obriga a Comissão, no termo do processo de exame, a apresentar um relatório ao comité referido no artigo 7.º do regulamento.

173   Decorre destas disposições que o Regulamento n.º 3286/94 confere aos queixosos, aos exportadores, aos importadores em causa, bem como aos representantes do ou dos países em causa um direito de serem informados, sujeito às condições definidas no seu artigo 8.º, n.º 4, alínea a) e b), o qual deve ser conciliado, designadamente, com as obrigações das instituições comunitárias de respeitarem a confidencialidade dos processos. Estas mesmas pessoas podem pedir para serem informadas dos principais factos e considerações decorrentes do procedimento de exame.

174   No caso em apreço, é assente que a versão não confidencial do relatório de exame foi comunicada aos recorrentes após o parecer do comité consultivo e antes da adopção da decisão impugnada. Nessa altura, os recorrentes podiam ter apresentado os seus pontos de vista. Todavia, os recorrentes consideraram que, na medida em que a Comissão lhes comunicou ao mesmo tempo que a decisão impugnada seria adoptada em breve, a posição da Comissão estava já definida no momento da comunicação do referido relatório. Inferiram então que as suas eventuais observações não teriam qualquer influência na posição da instituição. Daqui decorre que, no essencial, os recorrentes alegam que a Comissão lhes devia ter transmitido o projecto do relatório de exame para poderem, de forma útil, formular as suas observações antes da sua transmissão ao comité consultivo ou, pelo menos, devia tê‑los informado, por sua iniciativa, dos principais factos e considerações decorrentes do procedimento de exame.

175   Todavia, o Tribunal de Primeira Instância verifica que nenhuma disposição do Regulamento n.º 3286/94 obriga a Comissão a transmitir às pessoas mencionadas no artigo 8.º, n.º 4, deste regulamento o projecto do relatório de exame antes da sua apresentação ao comité consultivo, a fim de que essas pessoas possam dar a conhecer as suas eventuais observações à instituição, nem a informar oficiosamente essas mesmas pessoas dos principais factos e considerações decorrentes do processo de exame.

176   Pelo contrário, há que recordar que o artigo 8.º, n.º 4, alíneas a) e b), do Regulamento n.º 3286/94 obriga as pessoas indicadas nesta disposição a formularem um pedido de informação à Comissão. Tratando‑se das informações utilizadas no processo de exame [referidas na alínea a)], o referido pedido deve ser dirigido por escrito à Comissão, devendo ser fundamentado com a indicação das informações pretendidas. Se o pedido visar os principais factos e considerações resultantes do processo de exame [referidos na alínea b)], o regulamento não impõe nenhuma forma ou condição especial a que esse pedido deva obedecer.

177   Ora, no caso em apreço, os recorrentes nunca pretenderam dirigir à Comissão um pedido de informação, na acepção do artigo 8.º, n.º 4, do Regulamento n.º 3286/94, antes da adopção do relatório de exame. Além do mais, como a Comissão referiu com razão, os recorrentes não alegaram a ilegalidade das disposições do artigo 8.º, n.º 4, do Regulamento n.º 3286/94.

178   Há também que referir que os recorrentes admitiram nas suas peças processuais terem sido informados da evolução e da orientação do processo de exame, terem podido dar oralmente a sua opinião quanto ao prosseguimento deste processo e terem sido informados, antes da adopção do relatório de exame, de que a Comissão considerava que, no caso em apreço, não existia efeito prejudicial no comércio, na acepção do Regulamento n.º 3286/94. Há que assim concluir que os recorrentes puderam exprimir o seu ponto de vista sobre a evolução e orientação do processo de exame e, pelo menos, quanto a um dos seus elementos fundamentais e de defender os seus interesses. É certo que, no seu recurso, os recorrentes alegaram que estas informações eram demasiado gerais para garantirem o respeito pelos seus direitos processuais. Todavia, não resulta dos autos que os recorrentes tenham, nos termos do artigo 8.º, n.º 4, do Regulamento n.º 3286/94, solicitado à Comissão, antes do fim do processo de exame, que precisasse essas informações, eventualmente por escrito, no que dizia respeito, designadamente, aos principais factos e considerações, incluindo as jurídicas, que resultavam do processo de exame. Nesse momento, estando a Comissão obrigada a responder com diligência a este pedido de informação, os recorrentes podiam ter exprimido de forma útil a sua posição relativamente aos elementos constantes da resposta da Comissão. Na medida em que os recorrentes nunca pretenderam ter apresentado esse pedido, não podem, no presente recurso, acusar a Comissão de não lhes ter permitido apresentar as suas observações relativamente aos elementos de facto e de direito resultantes do processo de exame. Além disso, o facto de o direito de ser informado dos principais factos e considerações que resultam do processo de exame estar subordinado à condição – e à única condição – de que os recorrentes formulem o pedido à Comissão não é, enquanto tal, atentatório da defesa dos seus interesses, não estando, além disso, esse pedido sujeito a nenhuma forma especial.

179   Por outro lado, decorre do relatório de exame que a Comissão analisou e respondeu aos diferentes argumentos aduzidos na denúncia. Na sequência da intervenção das associações interessadas no processo de exame, que, como decorre do relatório de exame e sem que tal facto tenha sido contestado pelos recorrentes, colaboraram neste processo, a Comissão examinou também os outros produtos, para além da mostarda preparada, alegadamente afectados da mesma maneira pelas medidas americanas.

180   Resulta destas considerações que o sétimo fundamento deve ser julgado improcedente.

 Quanto ao oitavo fundamento, relativo à violação do artigo 8.º, n.º 8, do Regulamento n.º 3286/94 e ao incumprimento do dever de diligência da Comissão

181   Este fundamento divide‑se em duas partes. A primeira parte é relativa à violação do prazo previsto no artigo 8.º, n.º 8, do Regulamento n.º 3286/94. A segunda parte assenta no incumprimento do dever de diligência da Comissão quanto ao prazo decorrido entre o fim do processo de consulta do comité referido no artigo 7.º do Regulamento n.º 3286/94 e a adopção da decisão impugnada.

 Quanto à primeira parte do oitavo fundamento, relativa à violação do prazo previsto no artigo 8.º, n.º 8, do Regulamento n.º 3286/94

–       Argumentos das partes

182   Os recorrentes recordam que, nos termos do artigo 8.º, n.º 8, do Regulamento n.º 3286/94, a Comissão deve, em regra, apresentar o seu relatório de exame ao comité referido no artigo 7.º do mesmo regulamento no prazo de cinco meses a contar do aviso de início do processo de exame, a menos que a complexidade do exame obrigue a Comissão a prorrogá‑lo para sete meses. Segundo os recorrentes, o prazo de sete meses não sofre qualquer derrogação e a sua existência visa garantir às empresas autoras da denúncia uma resposta rápida quanto ao desfecho do processo submetido à Comissão. Ora, atendendo a que, no caso em apreço, a Comissão considerou efectivamente que a complexidade do exame exigia a prorrogação do prazo para sete meses e que o comité recebeu o relatório de exame em 27 de Março de 2002, ou seja, sete meses e vinte sete dias após o aviso do início do processo, os recorrentes entendem que a Comissão violou o artigo 8.º, n.º 8 do Regulamento n.º 3286/94.

183   A Comissão considera que o encerramento do processo ocorreu dentro de um prazo razoável, tendo em conta a complexidade do domínio em que se inseriu a decisão impugnada e a sua preocupação em analisar todos os argumentos dos diferentes intervenientes antes de encerrar o processo. A Comissão recorda também que conduziu o processo em causa dentro de um espírito de cooperação leal, tendo mantido informadas todas as partes interessadas.

–       Apreciação do Tribunal

184   A título preliminar, há que recordar que o artigo 8.º, n.º 8, do Regulamento n.° 3286/94 dispõe:

«Concluído o seu exame, a Comissão apresentará um relatório ao comité. Esse relatório será em regra apresentado no prazo de cinco meses a contar do anúncio do início do processo, a menos que a complexidade do exame obrigue a Comissão a prorrogar esse prazo para sete meses.»

185   No caso em apreço, os recorrentes não contestam que o exame efectuado pela Comissão era complexo e que implicava a prorrogação do prazo para sete meses. Verifica‑se ainda que o relatório de exame foi apresentado ao comité referido no artigo 7.º do Regulamento n.º 3286/94 sete meses e vinte sete dias após o aviso de início do processo de exame. O prazo de sete meses previsto no artigo 8.º, n.º 8, do Regulamento n.º 3286/94 foi portanto ultrapassado.

186   Todavia, importa analisar se essa ultrapassagem do prazo previsto no artigo 8.º, n.º 8, do Regulamento n.º 3286/94 pode conduzir à anulação da decisão impugnada.

187   Desde logo, há que precisar que, ao passo que a ultrapassagem de um prazo imperativo determina a nulidade de qualquer acto adoptado fora desse prazo, a ultrapassagem de um prazo puramente indicativo não determina, em princípio, a anulação do acto adoptado fora do prazo (v., nesse sentido e por analogia, acórdão do Tribunal de Primeira Instância de 2 de Maio de 1995, NTN Corporation e Koyo Seiko/Conselho, T‑163/94 e T‑165/94, Colect., p. II‑1381, n.º 119, e jurisprudência citada).

188   Seguidamente, no que respeita à natureza do prazo referido no artigo 8.º, n.º 8, do Regulamento n.º 3286/94, há que verificar que a utilização do condicional e do advérbio «em regra» no segundo período desta disposição permite concluir que o prazo de cinco meses previsto para a apresentação do relatório de exame é um prazo indicativo (v., por analogia, acórdão NTN Corporation e Koyo Seiko/Conselho, já referido, n.º 119).

189   O Tribunal de Primeira Instância considera que a natureza do prazo para a apresentação do relatório de exame não se altera quando a Comissão entende que a complexidade do exame justifica a prorrogação desse prazo para sete meses. Com efeito, há que observar que o prazo de sete meses a que o artigo 8.º, n.º 8, do Regulamento n.º 3286/94 faz referência constitui unicamente, na hipótese de um exame dito «complexo», a extensão do prazo inicial de cinco meses previsto para a hipótese de um exame dito «simples ou normal». O fim do segundo período do artigo 8.º, n.º 8, do Regulamento n.º 3286/94 indica, com efeito, que se trata de «prorrogar esse prazo para sete meses». Esta redacção encontra‑se também nas outras versões linguísticas do Regulamento n.º 3286/94. Daqui decorre que, na medida em que o prazo para apresentar o relatório de exame tem apenas natureza indicativa, o mesmo deve acontecer na hipótese de um exame qualificado de «simples ou normal», no caso de um exame dito «complexo», dado que se trata de simples prorrogação do prazo inicial.

190   Dito isto, o Tribunal de Primeira Instância entende todavia que a Comissão não pode protelar a apresentação do relatório de exame para além de um prazo razoável (v., por analogia, acórdão NTN Corporation e Koyo Seiko/Conselho, já referido), uma vez que esta circunstância é, com efeito, susceptível de contribuir para atrasar a decisão de encerramento do procedimento de exame.

191   Todavia, no caso em apreço, os vinte e sete dias para além do prazo indicativo de sete meses previsto no artigo 8.º, n.º 8, do Regulamento n.º 3286/94 não constitui violação do prazo razoável.

192   Há portanto que rejeitar a primeira parte do oitavo fundamento.

 Quanto à segunda parte do oitavo fundamento, relativa ao incumprimento do dever de diligência da Comissão quanto ao prazo decorrido entre o fim do processo de consulta do comité referido no artigo 7.º do Regulamento n.º 3286/94 e a adopção da decisão impugnada

–       Argumentos das partes

193   Os recorrentes alegam que a Comissão violou o dever de diligência que lhe impunha a adopção da decisão impugnada em tempo mais curto do que o fez, após a consulta do comité referido no artigo 7.º do Regulamento n.º 2386/94. Com efeito, segundo os recorrentes, a decisão impugnada só foi adoptada três meses após o fim do processo de consulta. Ora, dada a importância, para as empresas em causa, do processo previsto no Regulamento n.º 3286/94 e do prazo já muito longo que decorreu entre o aviso de início do processo de exame e a apresentação do relatório de exame ao comité, os recorrentes consideram que a Comissão violou o dever de diligência.

194   A Comissão responde que actuou com toda a diligência possível num caso com importantes consequências.

–       Apreciação do Tribunal

195   Importa referir que, nos termos do artigo 7.º, n.º 4, do Regulamento n.º 3286/94, o comité consultivo dispõe de oito dias úteis para reagir ao relatório de exame apresentado pela Comissão nos termos do artigo 8.º, n.º 8, do referido regulamento.

196   Segundo o artigo 11.º, n.º 1, do Regulamento n.º 3286/94, a decisão da Comissão que encerra um processo de exame deve ser adoptada nos termos do procedimento previsto no artigo 14.º do referido regulamento Nos termos do n.º 2 desta disposição, «[o] representante da Comissão submeterá à apreciação do comité um projecto da decisão a adoptar» e «[o] comité deliberará num prazo que o presidente pode fixar em função da urgência da questão». O artigo 14.º, n.º 3, do Regulamento n.º 3286/94 determina que «[a] Comissão adoptará uma decisão que comunicará aos Estados‑Membros e que será aplicável no termo de um prazo de dez dias se, nesse prazo, nenhum Estado‑Membro submeter a questão à apreciação do Conselho».

197   Por conseguinte, o Regulamento n.º 3286/94 não prevê nenhum prazo seja para a Comissão submeter um projecto de decisão ao comité consultivo, no seguimento do processo de consulta relativo ao relatório de exame, seja entre o momento em que o comité consultivo deliberou sobre o projecto de decisão e o momento em que a Comissão profere uma decisão. Consequentemente, o regulamento não fixa qualquer prazo dentro do qual deve ser tomada uma decisão que encerra um processo de exame, na sequência da consulta do comité visado no artigo 7.º do Regulamento n.º 3286/94, como no caso em apreço, a decisão impugnada.

198   O Tribunal de Primeira Instância considera que o silêncio do Regulamento n.º 3286/94 quanto a esta matéria pode ser interpretado como a vontade do legislador comunitário de deixar à Comissão uma determinada margem de apreciação quanto à data em que deve adoptar uma decisão de encerramento de um processo de exame, tendo em conta as circunstâncias de cada caso, nomeadamente eventuais diligências a que a Comissão pretende proceder junto das autoridades do Estado terceiro em causa, antes de encerrar um procedimento de exame.

199   O reconhecimento dessa margem de apreciação não pode contudo significar que a Comissão está autorizada a atrasar a adopção de uma decisão tomada por força do artigo 11.º, n.º 1, do Regulamento n.º 3286/94 para além de um prazo razoável, o qual deve ser apreciado em função das circunstâncias concretas de cada caso. Tal limite visa, com efeito, como os recorrentes alegaram, assegurar o cumprimento do dever de diligência e do princípio da boa administração que incumbe à Comissão.

200   No caso em apreço, há que referir que decorreu um prazo de dois meses e vinte e quatro dias entre o fim do procedimento de consulta do comité, isto é, 15 de Abril de 2002, e a adopção da decisão impugnada, 9 de Julho de 2002. Ora, esse prazo é razoável atendendo, em particular, à obrigação que pesa sobre a Comissão de proceder à consulta interna dos seus diferentes serviços quanto ao projecto de decisão, à consulta dos Estados‑Membros sobre a decisão, imposta pelo artigo 14.º do Regulamento n.º 3286/94, bem como a de respeitar um prazo suficiente que permita a tradução da decisão nas diferentes línguas oficiais da Comunidade.

201   Resulta destas considerações que a segunda parte do presente fundamento e o oitavo fundamento são integralmente improcedentes.

202   Nestas condições, deve ser negado provimento ao recurso no seu todo.

 Quanto às despesas

203   Nos termos do artigo 87.º, n.º 2, do Regulamento de Processo, a parte vencida deve ser condenada nas despesas se a parte vencedora o tiver requerido. Tendo os recorrentes sido vencidos, há que condená‑los nas despesas.

Pelos fundamentos expostos,

O Tribunal de Primeira Instância (Primeira Secção alargada)

decide:

1)      É negado provimento ao recurso.

2)      Os recorrentes são condenados nas despesas.

B. Vesterdorf

P. Mengozzi

M. E. Martins Ribeiro

F. Dehousse

 

      I. Labucka

Proferido em audiência pública no Luxemburgo, em 14 de Dezembro de 2004.

O secretário

 

      O presidente

H. Jung

 

      B. Vesterdorf

Índice

Quadro jurídico

Antecedentes do litígio

Tramitação processual e pedidos das partes

Quanto à admissibilidade

Quanto ao mérito

Quanto ao primeiro fundamento, relativo à violação do artigo 2.º, n.º 1, do Regulamento n.º 3286/94

Argumentos das partes

Apreciação do Tribunal

Quanto ao segundo fundamento, relativo à violação do artigo 2.º, n.º 4, do Regulamento n.º 3286/94

Argumentos das partes

Apreciação do Tribunal

Quanto ao terceiro fundamento, relativo à violação do artigo 10.º, n.º 5, do Regulamento n.º 3286/94

Argumentos das partes

Apreciação do Tribunal

Quanto ao quarto fundamento, relativo à violação do artigo 11.º, n.º 1, do Regulamento n.º 3286/94

Argumentos das partes

Apreciação do Tribunal

– Observações preliminares

– Quanto à apreciação do interesse da Comunidade na fase do aviso de início do processo de exame

– Quanto à equiparação ou redução do interesse da Comunidade ao interesse individual da autora da denúncia e à não consideração dos interesses dos outros interessados

Quanto ao quinto fundamento, relativo à falta de fundamentação da decisão impugnada

Quanto à primeira parte do quinto fundamento, relativa à falta de fundamentação da análise do entrave ao comércio

– Argumentos das partes

– Apreciação do Tribunal

Quanto à segunda parte do quinto fundamento, relativa à falta de fundamentação do interesse da Comunidade em adoptar uma medida

– Argumentos das partes

– Apreciação do Tribunal

Quanto ao sexto fundamento, relativo a erros manifestos na apreciação dos factos e à violação do artigo 2.º, n.º 4, e do artigo 11.º, n.º 1, do Regulamento n.º 3286/94

Quanto à primeira parte do sexto fundamento, relativa a erro manifesto de apreciação, pela Comissão, da eventual supressão dos produtos das recorrentes da lista das mercadorias sujeitas à sobretaxa aduaneira americana

– Argumentos das partes

– Apreciação do Tribunal

Quanto à segunda parte do sexto fundamento, relativa a erro manifesto na apreciação da restituição da sobretaxa aduaneira indevidamente paga

– Argumentos das partes

– Apreciação do Tribunal

Quanto ao sétimo fundamento, relativo à violação do direito de defesa

– Argumentos das partes

Apreciação do Tribunal

Quanto ao oitavo fundamento, relativo à violação do artigo 8.º, n.º 8, do Regulamento n.º 3286/94 e ao incumprimento do dever de diligência da Comissão

Quanto à primeira parte do oitavo fundamento, relativa à violação do prazo previsto no artigo 8.º, n.º 8, do Regulamento n.º 3286/94

– Argumentos das partes

– Apreciação do Tribunal

Quanto à segunda parte do oitavo fundamento, relativa ao incumprimento do dever de diligência da Comissão quanto ao prazo decorrido entre o fim do processo de consulta do comité referido no artigo 7.º do Regulamento n.º 3286/94 e a adopção da decisão impugnada

– Argumentos das partes

– Apreciação do Tribunal

Quanto às despesas


* Língua do processo: francês.