Language of document : ECLI:EU:C:2023:521

ACÓRDÃO DO TRIBUNAL DE JUSTIÇA (Sexta Secção)

29 de junho de 2023 (*)

«Incumprimento de Estado — Ambiente — Diretiva 2008/50/CE — Qualidade do ar ambiente — Excedência sistemática e persistente do valor‑limite anual de dióxido de azoto (ΝΟ2) — Medidas adequadas — Período de excedência o mais curto possível»

No processo C‑220/22,

que tem por objeto uma ação por incumprimento nos termos do artigo 258.° TFUE, entrada em 25 de março de 2022,

Comissão Europeia, representada por I. Melo Sampaio e M. Noll‑Ehlers, na qualidade de agentes,

demandante,

contra

República Portuguesa, representada por H. Almeida, P. Barros da Costa e J. Reis Silva, na qualidade de agentes,

demandada,

O TRIBUNAL DE JUSTIÇA (Sexta Secção),

composto por: P. G. Xuereb, presidente de secção, T. von Danwitz (relator) e A. Kumin, juízes,

advogado‑geral: A. Rantos,

secretário: A. Calot Escobar,

vistos os autos,

vista a decisão tomada, ouvido o advogado‑geral, de julgar a causa sem apresentação de conclusões,

profere o presente

Acórdão

1        Com a sua petição, a Comissão Europeia pede que o Tribunal de Justiça declare que:

–        ao exceder, de forma sistemática e persistente, o valor‑limite anual de dióxido de azoto (ΝΟ2), desde 1 de janeiro de 2010, nas zonas de Lisboa Norte (PT‑3001), Porto Litoral (PT‑1004) e Entre Douro e Minho (PT‑1009), a República Portuguesa não cumpriu as obrigações que lhe incumbem por força do artigo 13.°, n.° 1, da Diretiva 2008/50/CE do Parlamento Europeu e do Conselho, de 21 de maio de 2008, relativa à qualidade do ar ambiente e a um ar mais limpo na Europa (JO 2008, L 152, p. 1), em conjugação com o anexo XI, secção B, desta diretiva, e

–        no que respeita a todas essas zonas, a República Portuguesa não cumpriu as obrigações que lhe incumbem por força do artigo 23.°, n.° 1, da Diretiva 2008/50, individualmente e em conjugação com o anexo XV, secção A, desta diretiva, e, em particular, a obrigação que lhe incumbe por força deste artigo 23.°, n.° 1, segundo parágrafo, de tomar as medidas adequadas para que o período de excedência do valor‑limite anual fixado para o poluente em causa possa ser o mais curto possível.

 Quadro jurídico

2        Os considerandos 2, 17 e 18 da Diretiva 2008/50 preveem:

«(2)      A fim de proteger a saúde humana e o ambiente na sua globalidade, é particularmente importante combater as emissões de poluentes na origem e identificar e implementar as medidas mais eficazes de redução de emissões a nível local, nacional e comunitário. Deverão, portanto, ser evitadas, prevenidas ou reduzidas as emissões de poluentes atmosféricos, e ser fixados objetivos adequados para a qualidade do ar ambiente tendo em conta as normas, orientações e programas da Organização Mundial da Saúde [(OMS)].

[...]

(17)      As medidas comunitárias necessárias para reduzir as emissões na fonte, em particular as medidas que visam melhorar a eficácia da legislação comunitária aplicável às emissões industriais, limitar as emissões de escape dos motores instalados em veículos pesados, reduzir, de modo acrescido, as emissões nacionais autorizadas dos principais poluentes nos Estados‑Membros e as emissões associadas ao reabastecimento de combustível dos automóveis a gasolina nas estações de serviço, e controlar o teor de enxofre dos combustíveis, incluindo os combustíveis navais, deverão ser devidamente examinadas como prioridade por todas as instituições envolvidas.

(18)      Deverão ser elaborados planos de qualidade do ar para as zonas e aglomerações populacionais onde as concentrações de poluentes no ar ambiente excedam os valores‑alvo ou os valores‑limite de qualidade do ar relevantes, acrescidos das margens de tolerância temporária, sempre que tal seja aplicável. Os poluentes atmosféricos têm origem em muitas fontes e atividades diferentes. Para assegurar a coerência entre as diferentes políticas, os planos de qualidade do ar deverão, sempre que possível, ser coerentes e integrados nos planos e programas elaborados nos termos da Diretiva 2001/80/CE do Parlamento Europeu e o Conselho, de 23 de Outubro de 2001, relativa à limitação das emissões para a atmosfera de certos poluentes provenientes de grandes instalações de combustão [(JO 2001, L 309, p. 1], da Diretiva 2001/81/CE [do Parlamento Europeu e do Conselho, de 23 de outubro de 2001, relativa ao estabelecimento de valores‑limite nacionais de emissão de determinados poluentes atmosféricos (JO 2001, L 309, p. 22),] e da Diretiva 2002/49/CE do Parlamento Europeu e do Conselho, de 25 de junho de 2002, relativa à avaliação e a gestão do ruído ambiente [(JO 2002, L 189, p. 12]. Os objetivos de qualidade do ar previstos na presente diretiva serão também plenamente tidos em conta na concessão de licenças para atividades industriais, nos termos da Diretiva 2008/1/CE do Parlamento Europeu e do Conselho, de 15 de janeiro de 2008, relativa à prevenção e controlo integrados da poluição [(JO 2008, L 24, p. 8)].»

3        O artigo 1.° da Diretiva 2008/50, sob a epígrafe «Objeto», enuncia, nos seus n.os 1 a 3:

«A presente diretiva estabelece medidas destinadas a:

1.      Definir e fixar objetivos relativos à qualidade do ar ambiente destinadas a evitar, prevenir ou reduzir os efeitos nocivos para a saúde humana e para o ambiente na sua globalidade;

2.      Avaliar, com base em métodos e critérios comuns, a qualidade do ar ambiente nos Estados‑Membros;

3.      Obter informações sobre a qualidade do ar ambiente a fim de contribuir para a luta contra a poluição atmosférica e os efeitos nocivos e acompanhar as tendências a longo prazo bem como as melhorias obtidas através de medidas nacionais e comunitárias».

4        O artigo 2.° desta diretiva, sob a epígrafe «Definições», prevê, nos seus n.os 5, 7, 8, 16, 18 e 24:

«Para efeitos da presente diretiva, entende‑se por:

[...]

5.      “Valor‑limite”: um nível fixado com base em conhecimentos científicos com o intuito de evitar, prevenir ou reduzir os efeitos nocivos na saúde humana e no ambiente na sua globalidade, a atingir num prazo determinado e que, quando atingido, não deve ser excedido;

[...]

7.      “Margem de tolerância”: a percentagem do valor‑limite em que este valor pode ser excedido nas condições fixadas na presente diretiva;

8.      “Planos de qualidade do ar”: os planos que estabelecem medidas destinadas a atingir os valores‑limite ou valores‑alvo;

[...]

16.      “Zona”: uma parte do território de um Estado‑Membro delimitada por esse Estado‑Membro para fins de avaliação e gestão da qualidade do ar;

[...]

18.      “PM10”: as partículas em suspensão que passam através de um filtro seletivo, definido no método de referência para a amostragem e medição de PM10, norma EN 12341, com 50 % de eficiência para um diâmetro aerodinâmico de 10 μm;

[...]

24.      “Óxidos de azoto”: a soma das concentrações volúmicas (em ppbv) de monóxido de azoto (óxido nítrico) e de dióxido de azoto, expressa em unidades de concentração em massa de dióxido de azoto (μg/m3)».

5        O artigo 13.° da referida diretiva, sob a epígrafe «Valores‑limite e limiares de alerta para a proteção da saúde humana», dispõe, no seu n.° 1:

«Os Estados‑Membros asseguram que, em todas as suas zonas e aglomerações, os níveis de dióxido de enxofre, PM10, chumbo e monóxido de carbono no ar ambiente não excedam os valores‑limite fixados no anexo XI.

Os valores‑limite de dióxido de azoto e de benzeno fixados no anexo XI não podem ser excedidos a partir das datas fixadas no mesmo anexo.

O cumprimento destes requisitos é avaliado de acordo com o anexo III.

As margens de tolerância fixadas no anexo XI são aplicáveis nos termos do disposto no n.° 3 do artigo 22.° e no n.° 1 do artigo 23.°»

6        O artigo 23.° da mesma diretiva, sob a epígrafe «Planos de qualidade do ar», enuncia, no seu n.° 1:

«Caso, numa determinada zona ou aglomeração, os níveis de poluentes no ar ambiente excedam qualquer valor‑limite ou valor‑alvo, bem como as respetivas margens de tolerância, os Estados‑Membros asseguram a elaboração de planos de qualidade do ar para essas zonas e aglomerações a fim de respeitar o valor‑limite ou o valor‑alvo em causa fixados nos anexos XI e XIV.

Em caso de excedência dos valores‑limite em relação aos quais já tenha expirado o prazo para a consecução dos objetivos, os planos de qualidade do ar estabelecem medidas adequadas para que o período de excedência possa ser o mais curto possível. Os planos de qualidade do ar podem, adicionalmente, incluir medidas específicas tendentes à proteção dos grupos sensíveis da população, incluindo as crianças.

Os planos de qualidade do ar devem conter, pelo menos, as informações enumeradas na parte A do anexo XV e podem incluir medidas conformes com o artigo 24.° Esses planos devem ser comunicados à Comissão sem demora e num prazo não superior a dois anos a contar do final do ano em que se tenha verificado a primeira excedência dos limites.

Caso devam ser elaborados ou aplicados planos de qualidade do ar respeitantes a vários poluentes, os Estados‑Membros elaboram e aplicam, se for caso disso, planos integrados de qualidade do ar que abranjam todos os poluentes em questão.»

7        O artigo 27.° da Diretiva 2008/50 estabelece obrigações em matéria de apresentação dos relatórios anuais sobre a qualidade do ar transmitidos pelas autoridades nacionais. Dispõe que os Estados‑Membros devem transmitir à Comissão informações sobre a qualidade do ar ambiente, o mais tardar nove meses após o final de cada ano, incluindo relativamente às zonas e aglomerações onde os níveis de um ou mais poluentes sejam superiores aos valores‑limite fixados nessa diretiva, acrescidos de uma eventual margem de tolerância.

8        O anexo XI da referida diretiva, sob a epígrafe «Valores‑limite para a proteção da saúde humana», fixa, na sua secção B, os valores‑limite seguintes para o ΝΟ2:

«[...]

Período de referência

Valor‑limite

Margem de tolerância

Data‑limite para a observância do valor‑limite


[...]

Dióxido de azoto

1 hora

200 μg/m3, a não exceder mais de 18 vezes por ano civil

[...] 0 % em 1 de janeiro de 2010

1 de janeiro de 2010

Ano civil

40 μg/m3

[...] 0 % em 1 de janeiro de 2010

1 de janeiro de 2010


[...]»

9        O anexo XV da mesma diretiva enumera as informações a incluir nos planos locais, regionais e nacionais de qualidade do ar para a melhoria da qualidade do ar ambiente. Nos termos do n.° 8 da secção A desse anexo, são exigidos detalhes das medidas ou dos projetos adotados para reduzir a poluição, incluindo a enumeração e a descrição de todas as medidas previstas no projeto em causa, o calendário de execução dessas medidas e a estimativa do melhoramento previsto da qualidade do ar, bem como do tempo necessário para atingir os objetivos.

 Procedimento précontencioso

10      Em 28 de maio de 2015, a Comissão enviou à República Portuguesa uma notificação para cumprir relativa ao incumprimento do valor‑limite anual de ΝΟ2 no ar ambiente fixado pela Diretiva 2008/50, nas zonas de Lisboa Norte (PT‑3001), Porto Litoral (PT‑1004) e Entre Douro e Minho (PT‑1009), anteriormente zona de Braga (PT‑1001). Nesta notificação para cumprir, a Comissão assinalava que o incumprimento persistente e sistemático do valor‑limite anual fixado pela Diretiva 2008/50 constituía uma violação da obrigação prevista no artigo 13.°, n.° 1, desta diretiva, em conjugação com o anexo XI, secção B, da mesma, que fixa a obrigação de não exceder esse valor‑limite. Além disso, a Comissão assinalava que a República Portuguesa se encontrava também em situação de incumprimento da obrigação prevista no artigo 23.°, n.° 1, da referida diretiva, individualmente e em conjugação com o anexo XV, secção A, da mesma, que impõe que os Estados‑Membros tomem as medidas adequadas para que o período de excedência do valor‑limite anual do poluente em causa possa ser o mais curto possível.

11      Por cartas de 17 de julho de 2015, 16 de outubro de 2015 e 20 de setembro de 2017, a República Portuguesa respondeu à referida notificação para cumprir. Nestas cartas, a República Portuguesa referiu um certo número de medidas adotadas e em fase de adoção, em cada uma das zonas em causa, para pôr termo à excedência do valor‑limite anual de ΝΟ2 no ar ambiente fixado pela Diretiva 2008/50.

12      A Comissão continuou a acompanhar a evolução da situação e, na sequência da análise das várias respostas à mesma notificação para cumprir, bem como da apreciação dos relatórios anuais sobre a qualidade do ar transmitidos pelas autoridades portuguesas em conformidade com o artigo 27.° da Diretiva 2008/50, concluiu que o incumprimento se mantinha.

13      Neste contexto, em 13 de fevereiro de 2020, a Comissão enviou à República Portuguesa um parecer fundamentado relativo ao incumprimento das obrigações que lhe incumbem por força da Diretiva 2008/50. Neste parecer, a Comissão concluiu que, ao não assegurar o cumprimento do valor‑limite anual de ΝΟ2 no ar ambiente fixado por esta diretiva entre 2010 e 2018, inclusive nas zonas em causa, a República Portuguesa violou de forma persistente e sistemática o artigo 13.° da referida diretiva, em conjugação com o anexo XI da mesma. Além disso, a Comissão considerou que, ao não adotar medidas adequadas e suficientes para assegurar o cumprimento do valor‑limite anual de ΝΟ2 no ar ambiente de forma que o período de excedência desse valor‑limite do poluente em causa fosse o mais curto possível nessas zonas, a República Portuguesa não cumpriu, relativamente a essas zonas, as obrigações que lhe incumbem por força do artigo 23.°, n.° 1, da mesma diretiva, autonomamente e em conjugação com o anexo XV, secção A, desta, e, em particular, a obrigação de fazer com que o período de excedência fosse o mais curto possível.

14      O prazo fixado pela Comissão para que a República Portuguesa tomasse as medidas necessárias para dar cumprimento ao parecer fundamentado foi inicialmente fixado em dois meses a contar da data de receção do mesmo. Contudo, atendendo às circunstâncias excecionais ligadas à pandemia de Covid‑19, todos os prazos em curso em processos por incumprimento foram prorrogados. O termo do prazo fixado a este Estado‑Membro para responder ao referido parecer foi, assim, adiado para 15 de junho de 2020.

15      A República Portuguesa respondeu a esse parecer por carta de 24 de junho de 2020. Nesta carta, este Estado‑Membro não negou o incumprimento do valor‑limite anual em causa, mas reiterou e completou as informações prestadas nas suas respostas à notificação para cumprir.

16      Em 25 de março de 2022, após ter apreciado essas informações complementares, a Comissão considerou que a República Portuguesa não tinha cumprido as obrigações que lhe incumbem por força da Diretiva 2008/50 e intentou uma ação por incumprimento nos termos do artigo 258.° TFUE.

 Quanto à ação

 Quanto à primeira acusação, relativa à violação sistemática e persistente do artigo 13, n.° 1, e do anexo XI da Diretiva 2008/50

 Argumentação das partes

17      Com a sua primeira acusação, a Comissão alega que, ao exceder, de forma sistemática e persistente, o valor‑limite anual de ΝΟ2 no ar ambiente fixado pela Diretiva 2008/50, desde 1 de janeiro de 2010, nas zonas de Lisboa Norte (PT‑3001), Porto Litoral (PT‑1004) e Entre Douro e Minho (PT‑1009), a República Portuguesa não cumpriu as obrigações que lhe incumbem por força do artigo 13.°, n.° 1, desta diretiva, em conjugação com o anexo XI, secção B, da mesma.

18      A título preliminar, a Comissão afirma que, segundo jurisprudência constante, o facto de serem excedidos os valores‑limite para os poluentes no ar ambiente basta, em si mesmo, para que se possa concluir pela existência de um incumprimento das disposições conjugadas do artigo 13.°, n.° 1, e do anexo XI da Diretiva 2008/50. A Comissão faz referência, nomeadamente, ao Acórdão de 3 de junho de 2021, Comissão/Alemanha (Valores‑limite — ΝΟ2) (C‑635/18, EU:C:2021:437, n.° 78).

19      A Comissão recorda, além disso, que a existência de incumprimento deve ser apreciada em função da situação em que o Estado‑Membro se encontrava no termo do prazo fixado no parecer fundamentado, a saber, no caso em apreço, em 15 de junho de 2020.

20      Ora, no caso em apreço, os relatórios anuais sobre a qualidade do ar transmitidos pela República Portuguesa demonstraram que o valor‑limite anual de ΝΟ2 no ar ambiente fixado pela Diretiva 2008/50 tinha sido excedido de forma sistemática e persistente, desde 2010, nas zonas de Lisboa Norte (PT‑3001), Porto Litoral (PT‑1004) e Entre Douro e Minho (PT‑1009). Além disso, não existe um padrão consistente de descida das concentrações de ΝΟ2 no ar ambiente nessas três zonas.

21      No que se refere à zona de Lisboa Norte (PT‑3001), os valores anuais de concentrações de ΝΟ2 no ar ambiente, medidos em μg/m³, foram, designadamente, 65 em 2010, 61 em 2011, 58 em 2012, 53 em 2013, 53 em 2014, 59 em 2015, 57 em 2016, 60 em 2017, 61 em 2018, 55 em 2019 e 40 em 2020. Assim, verificaram‑se excedências do valor‑limite anual de ΝΟ2 no ar ambiente fixado pela Diretiva 2008/50 todos os anos, desde 2010 até 2019, com uma tendência de subida das concentrações de ΝΟ2 no ar ambiente entre 2016 e 2018. O nível atingido por estas em 2019, ou seja, 55 μg/m³, foi 37 % superior a esse valor‑limite anual. O referido valor‑limite anual apenas foi respeitado em 2020.

22      No que respeita à zona do Porto Litoral (PT‑1004), os valores anuais de concentrações de ΝΟ2 no ar ambiente, medidos em μg/m³, foram, designadamente, 51 em 2010, 48 em 2011, 47 em 2012, inferiores a 40 em 2013, 47 em 2014, 65 em 2015, 75 em 2016, 54 em 2017, 62 em 2018, 48 em 2019 e 40 em 2020. Assim, verificaram‑se excedências do valor‑limite anual de ΝΟ2 no ar ambiente fixado pela Diretiva 2008/50 todos os anos, com exceção de 2013 e 2020, tendo as concentrações de ΝΟ2 no ar ambiente aumentado substancialmente de 2014 a 2016, antes de diminuírem em 2017, para aumentarem novamente em 2018 e, por último, para descerem ligeiramente em 2019. O nível atingido por estas em 2019, ou seja, 48 μg/m³, foi 20 % superior a esse valor‑limite anual.

23      No que se refere à zona de Entre Douro e Minho (PT‑1009), os valores anuais de concentrações de ΝΟ2 no ar ambiente, medidos em μg/m³, foram, designadamente, 48 em 2010, inferiores a 40 em 2011 e em 2012, 50 em 2013, 44 em 2014, 46 em 2015, 55 em 2016, 55 em 2017, 50 em 2018, 57 em 2019 e 32 em 2020. Assim, verificaram‑se excedências do valor‑limite de ΝΟ2 no ar ambiente fixado pela Diretiva 2008/50 em 2010, bem como entre 2013 e 2019. As concentrações de ΝΟ2 no ar ambiente registadas diminuíram ligeiramente entre 2013 e 2014, antes de aumentarem entre 2016 e 2017, para tornarem a descer ligeiramente em 2018 e, por fim, aumentarem ainda em 2019, atingindo um nível de 57 μg/m³, ou seja, um nível 42 % superior a esse valor‑limite anual.

24      No que se refere aos dados relativos a 2020, a Comissão salienta que estes foram fortemente influenciados pelas restrições ligadas à pandemia de COVID‑19, que foram aplicadas na primavera de 2020, pelo que devem ser apreciados tendo em conta este contexto muito específico. A Comissão refere vários estudos científicos que corroboram o nexo de causalidade entre, por um lado, essas restrições e o seu impacto na circulação rodoviária e, por outro, a diminuição significativa dos níveis de concentrações de ΝΟ2 no ar ambiente. A Comissão daí conclui que é pouco provável que esta diminuição se mantenha no tempo, após o levantamento das referidas restrições. Por conseguinte, o facto de a República Portuguesa ter declarado que cumpriu o valor‑limite anual de ΝΟ2 fixado na Diretiva 2008/50 em 2020 não permite concluir, em caso algum, que tenha posto fim à excedência sistemática e persistente anteriormente verificada.

25      No que se refere, mais especificamente, às zonas do Porto Litoral (PT‑1004) e de Entre Douro e Minho (PT‑1009), a Comissão precisa ainda que, relativamente ao ano de 2020, a República Portuguesa não forneceu nenhum dado sobre os pontos de amostragem onde se tinham verificado excedências do valor‑limite anual de ΝΟ2 no ar ambiente fixado pela Diretiva 2008/50 nos anos anteriores, a saber, respetivamente, o ponto de amostragem João Gomes Laranjo‑S. Hora (PT 01030) e o ponto de amostragem Fr Bartolomeu Mártires‑S. Vítor (PT 01041).

26      Ora, a Comissão observa que, para se concluir que foi excedido um valor‑limite fixado no anexo XI da Diretiva 2008/50 para a média calculada por ano civil, basta que seja medido um nível de poluição superior a esse valor num ponto de amostragem isolado. A este respeito, a Comissão faz referência ao Acórdão de 24 de outubro de 2019, Comissão/França (Excedência dos valores‑limite para o dióxido de azoto) (C‑636/18, EU:C:2019:900, n.° 44). A este título, não comunicar dados de qualidade do ar relativos a um ponto de amostragem que registou excedências, sem apresentar uma justificação adequada para tal, põe em dúvida o cumprimento do valor‑limite anual nas duas zonas em questão.

27      Por último, a Comissão salienta que, em todo o caso, a República Portuguesa não contestou estar em situação de incumprimento do valor‑limite anual de ΝΟ2 no ar ambiente fixado pela Diretiva 2008/50 para as três zonas em causa, pelo que este Estado‑Membro admitiu a existência de um incumprimento a este respeito.

28      Na sua contestação, a República Portuguesa alega que, no que respeita à zona de Lisboa Norte (PT‑3001), a excedência persistente do valor‑limite anual de ΝΟ2 no ar ambiente fixado pela Diretiva 2008/50 apenas foi verificada na estação de monitorização da qualidade do ar da Avenida da Liberdade, que se situa no centro de Lisboa (Portugal), numa zona de elevada densidade de construção, junto a um dos maiores eixos de circulação rodoviária.

29      No que respeita às zonas do Porto Litoral (PT‑1004) e de Entre Douro e Minho (PT‑1009), embora admitindo uma situação continuada de não cumprimento do valor‑limite anual de ΝΟ2 no ar ambiente fixado pela Diretiva 2008/50 até 2019 inclusive, a República Portuguesa precisa que a inexistência de dados em 2020 para os pontos de amostragem João Gomes Laranjo‑S. Hora (PT 01030) e Fr Bartolomeu Mártires‑S. Vítor (PT 01041) é explicável por problemas instrumentais que afetaram os analisadores de ΝΟ2, os quais originaram a invalidação das medições realizadas, bem como a substituição desses analisadores. Estes problemas foram identificados desde 2017, mas só em 2021 puderam ser tomadas medidas específicas para os resolver.

30      No entanto, segundo a República Portuguesa, tendo em conta o contexto muito específico do ano de 2020, durante o qual as amostragens foram afetadas pelas medidas de confinamento devidas à pandemia de COVID‑19, e apesar da existência de uma dúvida sobre o cumprimento do valor‑limite anual de ΝΟ2 no ar ambiente fixado pela Diretiva 2008/50 nesses dois pontos de amostragem, é provável que esse valor‑limite tenha sido cumprido.

31      Por outro lado, a República Portuguesa alega que as excedências constatadas poderiam ser explicadas pela eficácia limitada das legislações da União Europeia que visam reduzir as emissões de gases de escape, revelada no âmbito do processo «dieselgate», em 2015. As medidas tomadas a nível da União para melhorar essa eficácia ainda não produziram os efeitos esperados.

32      Por último, a República Portuguesa salienta que a pandemia de COVID‑19 produziu igualmente o efeito negativo de reforçar o uso de transportes privados individuais, em detrimento do transporte público, quando o uso deste último apresentava uma tendência de crescimento antes de 2020.

33      Na sua réplica, a Comissão recorda que, no que se refere à zona de Lisboa Norte (PT‑3001), uma excedência persistente num ponto de amostragem isolado é suficiente para se concluir pelo incumprimento dos valores‑limite fixados no anexo XI da Diretiva 2008/50. Por conseguinte, mesmo que a excedência apenas tenha sido verificada na estação da Avenida da Liberdade, isto é suficiente para demonstrar o incumprimento desse anexo no que respeita à zona de Lisboa Norte.

34      Quanto à inexistência de dados em 2020 relativamente aos pontos de amostragem João Gomes Laranjo‑S. Hora (PT 01030) e Fr Bartolomeu Mártires‑S. Vítor (PT 01041), a Comissão observa, em substância, que um Estado‑Membro não se pode exonerar da obrigação de recolher e de comunicar dados que cumprem os requisitos da Diretiva 2008/50 invocando deficiências de que é, aliás, o único responsável. Nada permite sustentar a alegação da República Portuguesa segundo a qual é provável que o valor‑limite anual tenha sido respeitado em 2020 nos pontos de amostragem em causa, apesar de não existirem dados fiáveis.

35      Além disso, quanto ao argumento da República Portuguesa sobre o impacto da situação relativa ao processo dieselgate na prossecução dos objetivos de diminuição dos níveis de ΝΟ2 no ar ambiente, a Comissão recorda que o Tribunal de Justiça rejeitou argumentos semelhantes nos Acórdãos de 24 de outubro de 2019, Comissão/França (Excedência dos valores‑limite para o dióxido de azoto) (C‑636/18, EU:C:2019:900, n.° 48), e de 10 de novembro de 2020, Comissão/Itália (Valores‑limite — PM10) (C‑644/18, EU:C:2020:895, n.° 88).

36      Por último, a Comissão observa que a alegação da República Portuguesa relativa ao aumento da utilização dos transportes individuais em detrimento do transporte público em 2020 não está provada e não permite concluir que as emissões de ΝΟ2 no ar ambiente em 2020 foram atipicamente elevadas.

37      Na sua tréplica, a República Portuguesa responde ao argumento da Comissão segundo o qual este Estado‑Membro não recolheu nem transmitiu os dados relativos aos pontos de amostragem PT 01030 e PT 01041 para o ano de 2020. A República Portuguesa precisa que a substituição dos analisadores em falta visava precisamente garantir o respeito dos requisitos de qualidade dos dados previstos na Diretiva 2008/50 e que o concurso para a aquisição dos novos analisadores apenas foi lançado em junho de 2021 devido a constrangimentos de ordem financeira. Estes analisadores foram entretanto instalados e passaram a estar operacionais.

38      Por último, em apoio da sua alegação relativa ao aumento da utilização dos transportes individuais em detrimento do transporte público em 2020, a República Portuguesa cita um relatório de avaliação de impacto elaborado pelo Instituto da Mobilidade e dos Transportes (Portugal). Precisa que a sua alegação não visa justificar qualquer aumento anormal das emissões de ΝΟ2 no ar ambiente para o ano de 2020, mas sim explicar que a adoção de medidas adicionais é necessária para que a tendência a favor de um maior uso do transporte público, que existia antes da pandemia de COVID‑19, possa retomar.

 Apreciação do Tribunal de Justiça

39      Nos termos do artigo 13.°, n.° 1, segundo parágrafo, da Diretiva 2008/50, no que respeita ao ΝΟ2, os valores‑limite fixados no seu anexo XI não podem ser excedidos a partir das datas fixadas nesse anexo.

40      O anexo XI, secção B, desta diretiva prevê que, em 1 de janeiro de 2010, o valor‑limite por ano civil para o ΝΟ2 é fixado em 40 μg/m³.

41      A este respeito, importa recordar que a acusação relativa à violação do artigo 13.° da referida diretiva deve ser apreciada tendo em conta a jurisprudência constante do Tribunal de Justiça segundo a qual o processo previsto no artigo 258.° TFUE assenta na verificação objetiva do incumprimento, por um Estado‑Membro, das obrigações que lhe são impostas pelo Tratado FUE ou por um ato de direito derivado [Acórdão de 16 de fevereiro de 2023, Comissão/Grécia (Valores‑limite) — ΝΟ2), C‑633/21, EU:C:2023:112, n.° 34 e jurisprudência referida].

42      Segundo jurisprudência constante, o facto de exceder os valores‑limite fixados pela Diretiva 2008/50 para os poluentes no ar ambiente basta, por si só, para se poder declarar um incumprimento das disposições conjugadas do artigo 13.°, n.° 1, e do anexo XI desta diretiva [Acórdão de 16 de fevereiro de 2023, Comissão/Grécia (Valores‑limite — ΝΟ2), C‑633/21, EU:C:2023:112, n.° 35 e jurisprudência referida].

43      A violação destas disposições é apreciada neste contexto ao nível das zonas e aglomerações, devendo a excedência em causa ser analisada para cada zona ou aglomeração com base nos dados recolhidos por cada uma das estações de monitorização. Para se concluir que foi excedido um valor‑limite fixado no anexo XI da referida diretiva para a média calculada por ano civil, basta que seja medido um nível de poluição superior a esse valor num ponto de amostragem isolado. Por conseguinte, não existe um limiar «de minimis» no que respeita ao número de zonas em que se pode verificar uma excedência [v., neste sentido, Acórdão de 3 de junho de 2021, Comissão/Alemanha (Valores‑limite — ΝΟ2), C‑635/18, EU:C:2021:437, n.os 86 e 87 e jurisprudência referida].

44      A este respeito, para impedir a declaração de um incumprimento sistemático e persistente das disposições conjugadas do artigo 13.° da Diretiva 2008/50 e do anexo XI desta, não basta que os valores‑limite aí referidos não tenham sido excedidos em certos anos durante o período a que a ação se refere. Com efeito, como resulta da própria definição de «valor‑limite», constante do artigo 2.°, n.° 5, da Diretiva 2008/50, esse valor deve, com o intuito de evitar, prevenir ou reduzir os efeitos nocivos na saúde humana e no ambiente na sua globalidade, ser atingido num prazo determinado e, quando atingido, não deve ser excedido [Acórdão de 10 de novembro de 2020, Comissão/Itália (Valores‑limite — PM10), C‑644/18, EU:C:2020:895, n.° 75].

45      No caso em apreço, resulta da argumentação da Comissão que a sua primeira acusação diz respeito ao período compreendido entre 1 de janeiro de 2010 e 2020 inclusive, ao passo que o parecer fundamentado de 13 de fevereiro de 2020, referido no n.° 13 do presente acórdão, apenas dizia respeito ao período compreendido entre 2010 e 2018 inclusive.

46      Neste contexto, importa recordar que, embora o objeto de uma ação por incumprimento, nos termos do artigo 258.° TFUE, seja fixado no parecer fundamentado da Comissão, de tal modo que a ação se deve basear nos mesmos fundamentos e argumentos que esse parecer, o Tribunal de Justiça declarou que, quando, como sucede no caso em apreço, essa ação se destina a obter a declaração de um incumprimento sistemático e persistente das disposições conjugadas do artigo 13.°, n.° 1, e do anexo XI da Diretiva 2008/50, a apresentação de elementos complementares destinados, na fase do processo no Tribunal de Justiça, a demonstrar a generalidade e a constância do alegado incumprimento não pode, em princípio, ser excluída. Assim, o objeto de uma ação por incumprimento supostamente persistente pode ser alargado a factos posteriores ao parecer fundamentado, desde que estes tenham natureza idêntica aos factos a que esse parecer se refere e sejam constitutivos de um comportamento idêntico [v., neste sentido, Acórdão de 3 de junho de 2021, Comissão/Alemanha (Valores‑limite — ΝΟ2), C‑635/18, EU:C:2021:437, n.os 47, 54 e 55 e jurisprudência referida].

47      Quanto ao incumprimento alegado no caso em apreço, há que observar que os dados relativos aos anos de 2019 e 2020 constituem factos ocorridos posteriormente ao parecer fundamentado de 13 de fevereiro de 2020, mas que têm a mesma natureza que os factos a que esse parecer fundamentado se refere e são constitutivos de um comportamento idêntico, pelo que o objeto da ação pode ser alargado a estes últimos [v., por analogia, Acórdão de 3 de junho de 2021, Comissão/Alemanha (Valores‑limite — ΝΟ2), C‑635/18, EU:C:2021:437, n.° 57 e jurisprudência referida].

48      A este respeito, resulta dos dados referidos nos n.os 20 a 23 do presente acórdão que as concentrações de ΝΟ2 no ar ambiente nas três zonas em causa excederam significativa e regularmente o valor‑limite anual de 40 μg/m³, entre 1 de janeiro de 2010 e 2019 inclusive. Importa recordar que estes dados foram comunicados pelas próprias autoridades portuguesas e, por conseguinte, não são contestados.

49      No que se refere à zona de Lisboa Norte (PT‑3001), o valor‑limite anual de ΝΟ2 no ar ambiente fixado pela Diretiva 2008/50 nunca foi respeitado durante esse período. Por outras palavras, a excedência deste valor‑limite anual foi permanente entre 2010 e 2019. Quanto à zona do Porto Litoral (PT‑1004), o referido valor‑limite anual apenas foi respeitado, durante o referido período, em 2013 e em 2020. Por outras palavras, essa excedência persistiu entre 2010 e 2012, bem como entre 2014 e 2019. Por último, no que se refere à zona de Entre Douro e Minho (PT‑1009), o mesmo valor‑limite anual apenas foi respeitado, durante o mesmo período, em 2011 e em 2012. Por outras palavras, a referida excedência foi verificada em 2010 e continuou ininterruptamente entre 2013 e 2019.

50      Daqui resulta que, tendo em conta a jurisprudência referida no n.° 44 do presente acórdão, para o período compreendido entre 1 de janeiro de 2010 e 2019 inclusive, as excedências verificadas devem ser consideradas persistentes e sistemáticas, sem que a Comissão seja obrigada a apresentar provas adicionais a este respeito [v., por analogia, Acórdão de 3 de junho de 2021, Comissão/Alemanha (Valores‑limite — ΝΟ2), C‑635/18, EU:C:2021:437, n.° 82 e jurisprudência referida].

51      A circunstância de o valor‑limite anual de ΝΟ2 no ar ambiente fixado pela Diretiva 2008/50 poder ter sido ser respeitado nessas zonas de forma isolada, em 2020, não significa que essas excedências persistentes e sistemáticas tenham terminado nesse ano.

52      No que respeita, em primeiro lugar, à zona de Lisboa Norte (PT‑3001), a República Portuguesa alega que a excedência se limita a um único ponto de amostragem. Ora, tendo em conta a jurisprudência recordada no n.° 43 do presente acórdão, basta que um nível de poluição superior ao valor‑limite em causa seja medido num ponto de amostragem isolado para que se possa declarar um incumprimento das obrigações decorrentes da Diretiva 2008/50. O facto de esse ponto de amostragem se situar num local caracterizado por uma elevada densidade de construção e de circulação rodoviária é irrelevante a este respeito.

53      Em segundo lugar, no que se refere às zonas do Porto Litoral (PT‑1004) e de Entre Douro e Minho (PT‑1009), embora os dados comunicados pelas autoridades portuguesas não tenham revelado excedências em 2020, importa salientar que, por um lado, como a República Portuguesa reconheceu, se tratava de um ano atípico, caracterizado pelo impacto das medidas de confinamento ligadas à pandemia de COVID‑19, de tal modo que a verificada redução dos níveis de concentração de ΝΟ2 no ar ambiente tinha natureza conjuntural, e que tendo em conta a jurisprudência do Tribunal de Justiça recordada no n.° 44 do presente acórdão, não basta, para impedir a declaração de um incumprimento sistemático e persistente das disposições conjugadas do artigo 13.° da Diretiva 2008/50 e do anexo XI desta, que os valores‑limite aí previstos não tenham sido excedidos nesse ano atípico.

54      Por outro lado, esses dados não incluem, no que respeita ao ano de 2020, nenhum resultado relativo a dois pontos de amostragem em que se tenham verificado excedências desse valor‑limite nos anos anteriores, devido a problemas instrumentais que afetaram os analisadores de ΝΟ2 nessas zonas. Neste contexto, tendo a República Portuguesa reconhecido que estes problemas já tinham sido identificados em 2017, sem que tivessem sido tomadas medidas em tempo útil para os resolver, nada permite sustentar a sua alegação de que é provável que o valor‑limite anual tenha sido respeitado nesses dois pontos de amostragem em 2020.

55      Por último, no que se refere ao argumento da República Portuguesa relativo à alegada ineficácia da legislação da União em matéria de redução de emissões de gases de escape, revelada no âmbito do processo dieselgate em 2015, importa recordar que, segundo jurisprudência constante do Tribunal de Justiça, a regulamentação da União aplicável à homologação dos veículos a motor não pode eximir os Estados‑Membros da sua obrigação de respeitar os valores‑limite fixados pela Diretiva 2008/50 com base nos conhecimentos científicos e na experiência dos Estados‑Membros de modo que reflita o nível considerado adequado pela União e pelos Estados‑Membros para evitar, prevenir ou reduzir os efeitos nocivos dos poluentes do ar na saúde humana e no ambiente na sua globalidade. [v., nomeadamente, Acórdão de 12 de maio de 2022, Comissão/Itália (Valores‑limite — ΝΟ2), C‑573/19, EU:C:2022:380, n.° 106 e jurisprudência referida].

56      Por conseguinte, a primeira acusação deve ser julgada procedente.

 Quanto à segunda acusação, relativa à violação do artigo 23, n.° 1, e do anexo XV da Diretiva 2008/50

 Argumentação das partes

57      Com a sua segunda acusação, a Comissão alega que a República Portuguesa não cumpriu as obrigações que lhe incumbem por força do artigo 23.°, n.° 1, da Diretiva 2008/50, individualmente e em conjugação com o seu anexo XV, secção A, no que respeita às zonas de Lisboa Norte (PT‑3001), Porto Litoral (PT‑1004) e Entre Douro e Minho (PT‑1009), e, em especial, a obrigação que lhe incumbe, por força do artigo 23.°, n.° 1, segundo parágrafo, dessa diretiva, de tomar as medidas adequadas para que o período de excedência dos valores‑limite fixados para o poluente em causa possa ser o mais curto possível.

58      A Comissão recorda que, por força do artigo 23.°, n.° 1, segundo parágrafo, da Diretiva 2008/50, os Estados‑Membros são obrigados a adotar planos de qualidade do ar em caso de excedência dos valores‑limite fixados no anexo XI desta diretiva. Observa igualmente que, segundo jurisprudência do Tribunal de Justiça, embora os Estados‑Membros disponham de uma certa margem de apreciação na determinação das medidas a adotar, estas devem, de qualquer modo, permitir que o período de excedência dos valores‑limite fixados para o poluente em causa possa ser o mais curto possível. A Comissão faz referência, a este respeito, ao Acórdão de 3 de junho de 2021, Comissão/Alemanha (Valores‑limite — ΝΟ2) (C‑635/18, EU:C:2021:437, n.° 142).

59      Segundo a Comissão, a República Portuguesa estava, assim, obrigada a adotar e a implementar, o mais rapidamente possível, medidas adequadas para esse efeito. Ora, tendo em conta as excedências significativas registadas no período em causa, de forma sistemática e persistente, é manifesto que este Estado‑Membro não cumpriu essa obrigação.

60      No que se refere à zona de Lisboa Norte (PT‑3001), o plano de qualidade do ar para a região de Lisboa e Vale do Tejo, aprovado em fevereiro de 2019 e que estava em vigor no termo do prazo fixado no parecer fundamentado, a saber, em 15 de junho de 2020, não cumpre os requisitos do anexo XV, secção A, n.° 8, alíneas b) e c), da Diretiva 2008/50.

61      Segundo a Comissão, este plano, que incluía as políticas e medidas a implementar até 2020, centradas principalmente no setor dos transportes, baseava‑se em dados de 2014 e num sistema de modelização pouco realista, que nunca foi atualizado apesar do aumento dos níveis de concentrações de ΝΟ2 no ar ambiente verificado após 2014. Além disso, o referido plano deveria ter sido seguido da aprovação de um programa de execução, que ainda não tinha sido aprovado em 15 de junho de 2020. A Comissão salienta ainda que o mesmo plano não é claro quanto ao conteúdo concreto de algumas das medidas e ao calendário de execução dessas medidas.

62      Além disso, além das insuficiências do plano de qualidade do ar para a região de Lisboa e Vale do Tejo enquanto tal, a Comissão refere incumprimentos no que respeita à implementação efetiva das medidas previstas por este. Ora, a Comissão observa que, segundo jurisprudência do Tribunal de Justiça, quando se verifique uma excedência dos valores‑limite, essa situação deva levar o mais rapidamente possível o Estado‑Membro em causa não só a adotar mas também a implementar medidas adequadas num plano de qualidade do ar, estando assim, e neste contexto, limitada por esse requisito a margem de manobra de que esse Estado‑Membro dispõe em caso de excedência desses valores‑limite. A Comissão faz referência, a este respeito, ao Acórdão de 10 de novembro de 2020, Comissão/Itália (Valores‑limite — PM10) (C‑644/18, EU:C:2020:895, n.° 150).

63      No caso em apreço, a República Portuguesa não cumpriu as suas obrigações na medida em que, mesmo quando esse plano previa um prazo preciso para a implementação de uma medida, esse prazo não foi respeitado em muitos casos. A Comissão refere, assim, vários exemplos de medidas que não foram implementadas ou que só foram parcialmente implementadas.

64      Por conseguinte, no que respeita às medidas que não foram implementadas, a Comissão refere, nomeadamente, o caso da medida E 2 (Regulação da circulação de veículos afetos à atividade de animação turística na cidade de Lisboa), que previa um prazo de 180 dias para a adoção de um regulamento municipal de implementação. Este regulamento municipal ainda não tinha sido adotado em 15 de junho de 2020. A Comissão refere igualmente o caso da medida E 3.5 (Corredores bus), que previa a criação de 8 quilómetros (km) adicionais de corredores reservados aos transportes públicos e que não tinha sido implementada. A Comissão refere também a não implementação efetiva das medidas P 1 (Reforço da exigência associada à Zona de Emissões Reduzidas — ZER — da cidade de Lisboa) e E 1 (Aumento do esforço de fiscalização associado à ZER da cidade de Lisboa), que as próprias autoridades portuguesas reconheceram serem essenciais para garantir o respeito dos valores‑limite de ΝΟ2. No que respeita às medidas parcialmente implementadas, a Comissão refere, nomeadamente, o caso da medida E 3.3 (Alargamento da rede ciclável), que previa um alargamento da rede ciclável de 60 km para 200 km, e que apenas foi implementada muito parcialmente (106 km em 2020).

65      No que se refere às zonas do Porto Litoral (PT‑1004) e de Entre Douro e Minho (PT‑1009), a Comissão observa que o último plano de qualidade do ar para a região Norte, aprovado em junho de 2014 e acompanhado de um programa de execução aprovado em setembro de 2015, abrangia o período de 2015‑2017 e deixou de estar em vigor desde 2018. Assim, as zonas acima referidas não estão abrangidas, atualmente, por nenhum plano de qualidade do ar. Tal situação constitui intrinsecamente uma violação do artigo 23.°, n.° 1, da Diretiva 2008/50.

66      Além disso, o plano de qualidade do ar para o período de 2015‑2017, conforme implementado pelas autoridades portuguesas, não estava em conformidade com os requisitos do artigo 23.°, n.° 1, desta diretiva, em conjugação com o anexo XV, secção A, n.° 8, da mesma.

67      Com efeito, por um lado, as medidas previstas por este plano eram insuficientes, uma vez que, segundo as estimativas das próprias autoridades portuguesas, estas medidas apenas poderiam conduzir a uma redução da média anual das concentrações de ΝΟ2 no ar ambiente entre 4 μg/m³ e 5 μg/m³. Tendo em conta as excedências registadas nas zonas visadas, tal redução não era suficiente para respeitar o valor‑limite anual de ΝΟ2 no ar ambiente fixado pela Diretiva 2008/50. Por outro lado, segundo a Comissão, várias das medidas previstas são genéricas e não foram objeto de uma quantificação rigorosa em termos de impacto esperado. A Comissão menciona o caso da medida M 3 (Partilha de automóveis/carpooling), cujo conteúdo não foi objeto de uma explicação precisa e cujo impacto não foi quantificado. Uma das ações alegadamente implementadas ao abrigo desta medida foi uma simples sensibilização da população, realizada através de uma única publicação na rede social Facebook.

68      Por outro lado, as referidas medidas não foram corretamente implementadas. Com efeito, segundo a Comissão, a República Portuguesa reconheceu uma implementação parcial dessas medidas, designadamente, de 59 %. A Comissão refere muitas medidas que não foram implementadas ou cuja implementação sofreu um atraso significativo.

69      Assim, no que se refere às medidas que não foram implementadas, a Comissão evoca, nomeadamente, o exemplo da medida M 8 (Zona de emissões reduzidas) que devia abranger uma parte de Matosinhos, Leça da Palmeira, Senhora da Hora e S. Mamede de Infesta e que não tinha de modo algum sido implementada em 15 de junho de 2020. No que se refere às medidas cuja implementação sofreu um atraso significativo, a Comissão cita, nomeadamente, a medida M 2 (Melhorias na rede de transportes coletivos), relativamente à qual a República Portuguesa não forneceu, por outro lado, nenhuma precisão quanto aos objetivos específicos visados nem quanto aos resultados obtidos.

70      A título subsidiário, a Comissão apresenta uma análise de outras medidas que, sem constituírem planos de qualidade do ar, na aceção do artigo 23.°, n.° 1, da Diretiva 2008/50, foram, no entanto, apresentadas pela República Portuguesa como medidas que contribuem para reduzir as concentrações de ΝΟ2 no ar ambiente.

71      A Comissão salienta que as medidas evocadas têm um alcance nacional e, assim, não têm por objetivo reduzir especificamente as concentrações de ΝΟ2 nas zonas abrangidas pela presente ação por incumprimento.

72      No que se refere à Estratégia Nacional do Ar 2020 (a seguir «ENAR 2020»), a Comissão alega que esta constitui uma lista genérica de medidas que não podem ser implementadas diretamente e que, de resto, não contêm um prazo de implementação. Por outro lado, a ENAR 2020 não foi revista desde a sua adoção em 2016 e, se conduzisse à adoção de planos de qualidade do ar mais ambiciosos para as zonas em causa, estes seriam, em todo o caso, tardios face às excedências do valor‑limite anual de ΝΟ2 no ar ambiente fixado pela Diretiva 2008/50, que se verificaram de forma persistente desde 2010.

73      Por último, no que se refere aos programas financiados pelo Fundo Ambiental (Portugal), a saber, um programa de apoio à redução das tarifas dos transportes públicos, um programa de incentivo à compra de veículos de baixas emissões e um programa de apoio à mobilidade elétrica na Administração Pública, a Comissão observa que o alcance destes programas não foi quantificado e que estes não constituem medidas de apoio. O mesmo sucede, segundo a Comissão, com o programa de estabilização económica e social adotado em junho de 2020, que visa promover o teletrabalho, sem quantificação do seu impacto, e da campanha nacional «Por um país com bom ar», que visa educar e sensibilizar os cidadãos e as empresas para as boas práticas ambientais.

74      Na sua contestação, a República Portuguesa contesta a existência de um incumprimento da obrigação prevista no artigo 23.°, n.° 1, da Diretiva 2008/50. Alega, nomeadamente, que foram implementadas diversas medidas, tanto a nível das zonas em causa como a nível nacional. Precisa ainda que os alegados incumprimentos são relativos a zonas muito densamente povoadas, com emissões de ΝΟ2 no ar ambiente associadas ao tráfego rodoviário e aos padrões de mobilidade.

75      No que se refere à zona de Lisboa Norte (PT‑3001), a República Portuguesa indica que o plano de qualidade do ar para a região de Lisboa e Vale do Tejo prevê diversas medidas, agrupadas em oito tipos de políticas, estruturadas em dois cenários, a saber, respetivamente, um «cenário base», que inclui medidas em implementação até 2023, e um «cenário projetado», que é constituído por medidas que poderiam acrescer às do cenário base e que ainda não foram aprovadas.

76      Segundo a República Portuguesa, a não aprovação do programa de execução das medidas não obsta a que algumas delas já estejam a ser aplicadas.

77      Neste contexto, a República Portuguesa observa que as medidas do cenário base poderiam conduzir a uma redução de 19 % das emissões de ΝΟ2 no ar ambiente para o total da cidade de Lisboa. Acrescentando‑lhes as medidas do cenário projetado, seria possível reduzir essas emissões em cerca de 23 % para o total desta cidade. A medida mais significativa é a que está ligada à renovação da frota da sociedade de transportes públicos Carris. A República Portuguesa considera que se todas estas medidas fossem implementadas, seria possível respeitar o valor‑limite anual de ΝΟ2 no ar ambiente fixado pela Diretiva 2008/50 em 2023.

78      No que se refere às zonas do Porto Litoral (PT‑1004) e de Entre Douro e Minho (PT‑1009), a República Portuguesa reconhece que atualmente não existe nenhum novo plano de qualidade do ar para as mesmas. Este Estado‑Membro admite igualmente que o plano de qualidade do ar para o período 2015‑2017 não teve o impacto esperado na redução das concentrações de ΝΟ2 no ar ambiente.

79      No entanto, a República Portuguesa alega que as autoridades regionais procuram identificar medidas adicionais que poderiam contribuir para essa redução, bem como coordenar‑se com as autarquias do Porto, Matosinhos e Braga tendo em vista avaliar a sua capacidade para implementarem tais medidas. Segundo a República Portuguesa, importa ainda ter em conta que a pandemia de COVID‑19 atrasou os esforços desenvolvidos para reduzir as excedências verificadas.

80      Na sua réplica, a Comissão afirma, de um modo geral, que a República Portuguesa não invoca elementos novos em apoio da sua posição.

81      No que se refere à zona de Lisboa Norte (PT‑3001), a Comissão alega que, tendo em conta, nomeadamente, o facto de as autoridades em causa ainda não terem adotado um programa de execução do plano de qualidade do ar aprovado em 2019 e tendo em conta o ritmo de implementação muito lento verificado até ao momento, as medidas adotadas e implementadas pela República Portuguesa não permitem assegurar que o período de excedência dos valores‑limite fixados para o poluente em causa seja o mais curto possível, de modo que se verifica um incumprimento do artigo 23.°, n.° 1, da Diretiva 2008/50.

82      No que se refere às zonas do Porto Litoral (PT‑1004) e de Entre Douro e Minho (PT‑1009), tendo em conta a inexistência de planos de qualidade do ar em vigor e tendo em conta o ritmo de implementação muito lento verificado até ao momento, a Comissão conclui igualmente pelo incumprimento desta disposição.

83      Por último, a Comissão observa que a insuficiência das medidas adotadas e implementadas pela República Portuguesa desde 2010 para garantir que o período de excedência dos valores‑limite fixados para o poluente em causa fosse o mais curto possível não pode ser justificada por uma pandemia ocorrida em 2020.

84      Na sua tréplica, no que se refere à zona de Lisboa Norte (PT‑3001), a República Portuguesa reitera a sua alegação de que a não aprovação formal do programa de execução do plano de qualidade do ar não impediu a implementação das medidas previstas no cenário base. Algumas destas medidas foram concretizadas através do Fundo Ambiental ou de programas de financiamento das autarquias locais.

85      É o caso, nomeadamente, da medida que visa a renovação da frota de autocarros da sociedade de transportes públicos Carris, que poderia contribuir para diminuir as emissões de ΝΟ2 no ar ambiente na cidade de Lisboa em 8 % até 2023. As referidas medidas, já em fase de implementação, deveriam ser completadas por uma medida adicional, que consiste em oferecer passes de transporte público gratuito às pessoas com menos de 23 anos e com mais de 65 anos.

86      Por último, a República Portuguesa refere as iniciativas lançadas ao abrigo da ENAR 2020 e do Fundo Ambiental, a nível nacional, tais como o programa de incentivo à aquisição de veículos de baixas emissões e de apoio à mobilidade elétrica na Administração Pública. Essas iniciativas, de 2017, beneficiavam, nomeadamente, as zonas de Lisboa Norte (PT‑3001), Porto Litoral (PT‑1004) e Entre Douro e Minho (PT‑1009).

 Apreciação do Tribunal de Justiça

87      Nos termos do artigo 23.°, n.° 1, primeiro a terceiro parágrafos, da Diretiva 2008/50, caso, numa determinada zona, os níveis de poluentes no ar ambiente excedam qualquer valor‑limite, os Estados‑Membros asseguram a elaboração de planos de qualidade do ar para essa zona, a fim de cumprir o valor‑limite fixado no anexo XI desta diretiva. Em caso de excedência dos valores‑limite em relação aos quais já tenha expirado o prazo para a consecução dos objetivos, os planos de qualidade do ar estabelecem medidas adequadas para que o período de excedência possa ser o mais curto possível.

88      Esses planos devem conter, pelo menos, as informações enumeradas no anexo XV, secção A, da referida diretiva. Nos termos do n.° 8 da secção A desse anexo, são exigidos detalhes das medidas ou projetos aprovados para reduzir a poluição, incluindo a lista e a descrição de todas as medidas constantes do projeto em causa, o calendário de execução dessas medidas e a estimativa do melhoramento previsto da qualidade do ar, bem como do tempo necessário para atingir esses objetivos.

89      Segundo jurisprudência constante, o artigo 23.°, n.° 1, da Diretiva 2008/50 tem um alcance geral, uma vez que se aplica, sem limitação temporal, à excedência de qualquer valor‑limite de um poluente fixado por esta diretiva, depois do prazo previsto para a sua aplicação, quer o mesmo seja fixado pela referida diretiva, quer pela Comissão ao abrigo do seu artigo 22.° [Acórdão de 12 de maio de 2022, Comissão/Itália (Valores‑limite — ΝΟ2), C‑573/19, EU:C:2022:380, n.° 152 e jurisprudência referida].

90      Há igualmente que salientar que o artigo 23.° da Diretiva 2008/50 estabelece um nexo direto entre, por um lado, a excedência dos valores‑limite de ΝΟ2 fixados pelas disposições conjugadas do artigo 13.°, n.° 1, e do anexo XI desta diretiva e, por outro, a elaboração de planos de qualidade do ar [Acórdão de 12 de maio de 2022, Comissão/Itália (Valores‑limite — ΝΟ2), C‑573/19, EU:C:2022:380, n.° 153 e jurisprudência referida].

91      Esses planos só podem ser elaborados com base no equilíbrio entre o objetivo da redução do risco de poluição e os diferentes interesses públicos e privados em presença [Acórdão de 12 de maio de 2022, Comissão/Itália (Valores‑limite — ΝΟ2), C‑573/19, EU:C:2022:380, n.° 154 e jurisprudência referida].

92      Por conseguinte, o facto de um Estado‑Membro exceder os valores‑limite fixados para o ΝΟ2 não basta, por si só, para considerar que esse Estado‑Membro não cumpriu as obrigações previstas no artigo 23.°, n.° 1, segundo parágrafo, da Diretiva 2008/50 [Acórdão de 12 de maio de 2022, Comissão/Itália (Valores‑limite — ΝΟ2), C‑573/19, EU:C:2022:380, n.° 155 e jurisprudência referida].

93      No entanto, resulta do artigo 23.°, n.° 1, segundo parágrafo, da Diretiva 2008/50 que, embora os Estados‑Membros disponham de uma certa margem de apreciação na determinação das medidas a adotar, estas devem, de qualquer modo, permitir que o período durante o qual os valores‑limite são excedidos possa ser o mais curto possível [Acórdão de 12 de maio de 2022, Comissão/Itália (Valores‑limite — ΝΟ2), C‑573/19, EU:C:2022:380, n.° 156 e jurisprudência referida].

94      Nestas condições, importa verificar, mediante uma análise casuística, se os planos elaborados pelo Estado‑Membro em causa estão em conformidade com o artigo 23.°, n.° 1, segundo parágrafo, da Diretiva 2008/50 [Acórdão de 12 de maio de 2022, Comissão/Itália (Valores‑limite — ΝΟ2), C‑573/19, EU:C:2022:380, n.° 157 e jurisprudência referida].

95      Tal análise casuística deve igualmente incidir sobre a questão de saber se as medidas adotadas foram efetivamente implementadas. Com efeito, segundo a jurisprudência, quando se verifique uma excedência dos valores‑limite fixados, essa situação deve levar o mais rapidamente possível o Estado‑Membro em causa não só a adotar mas também a implementar medidas adequadas num plano de qualidade do ar, estando assim, e neste contexto, limitada por esse requisito a margem de manobra de que esse Estado‑Membro dispõe em caso de excedência desses valores‑limite [v., neste sentido, Acórdão de 10 de novembro de 2020, Comissão/Itália (Valores‑limite — PM10), C‑644/18, EU:C:2020:895, n.° 150].

96      No caso em apreço, no que respeita à zona de Lisboa Norte (PT‑3001), afigura‑se que o plano de qualidade do ar, que estava em vigor em 15 de junho de 2020, apresentava insuficiências na medida em que se baseava em dados, não atualizados, do ano de 2014, e em que continha lacunas quanto ao conteúdo concreto de determinadas medidas, bem como ao calendário de execução dessas medidas.

97      Além disso, esse plano devia ser acompanhado de um programa de execução que, à data de 15 de junho de 2020, não tinha sido formalmente aprovado. Embora, como alega a República Portuguesa, esta não aprovação não tenha impedido a adoção de uma série de medidas, resulta das informações fornecidas pela Comissão, e não contestadas pela República Portuguesa, que a implementação destas medidas foi tardia e parcial. Por outro lado, resulta das indicações da República Portuguesa que a adoção e a implementação de todas as medidas previstas poderiam levar ao respeito do valor‑limite anual do ΝΟ2 no ar ambiente fixado pela Diretiva 2008/50, o mais tardar, em 2023.

98      Em todo o caso, uma vez que a excedência do valor‑limite anual de ΝΟ2 no ar ambiente fixado pela Diretiva 2008/50 persistiu entre 2010 e 2020 inclusive, há que salientar que as medidas adotadas e implementadas pelas autoridades portuguesas não permitiram manifestamente garantir que o período de excedência dos valores‑limite fixados para o poluente em causa fosse o mais curto possível, de modo que o incumprimento do artigo 23.°, n.° 1, desta diretiva, individualmente e em conjugação com o anexo XV, secção A, da mesma, está demonstrado.

99      No que respeita às zonas do Porto Litoral (PT‑1004) e de Entre Douro e Minho (PT‑1009), importa assinalar que a República Portuguesa admite que não existe nenhum plano de qualidade do ar desde 2017. Como a Comissão alegou com razão, tal situação constitui, em si mesma, um incumprimento do artigo 23.°, n.° 1, da Diretiva 2008/50, tendo em conta as excedências verificadas nessas zonas.

100    Quanto ao plano de qualidade do ar para o período de 2015‑2017, há que observar que as medidas adotadas eram intrinsecamente insuficientes, tendo em conta as estimativas das próprias autoridades portuguesas. Além disso, segundo as informações fornecidas pela Comissão e não contestadas pela República Portuguesa, a sua implementação revelou‑se tardia e parcial. A própria República Portuguesa admite que este plano não teve o impacto esperado em termos de redução das concentrações de ΝΟ2 no ar ambiente e que, apesar desta constatação, não foi adotado nenhum novo plano após 2017.

101    A este respeito, o argumento da República Portuguesa baseado no impacto da pandemia de COVID‑19 na adoção e na implementação das medidas adequadas não pode ser acolhido. Com efeito, como a Comissão salientou, a insuficiência das medidas que deveriam ter sido adotadas e implementadas desde 2010 para assegurar que o período de excedência dos valores‑limite fixados para o poluente em causa fosse o mais curto possível não pode ser justificada por uma pandemia ocorrida em 2020.

102    Por último, a existência de iniciativas lançadas a nível nacional que poderiam, indiretamente, melhorar a qualidade do ar nas zonas em causa não é suscetível de remediar as insuficiências, e muito menos a inexistência, de planos de qualidade do ar para essas zonas. Com efeito, resulta claramente do artigo 23.° e do anexo XV da Diretiva 2008/50 que o Estado‑Membro em causa deve estabelecer um plano de qualidade do ar, que inclua medidas adequadas, para cada zona em causa. Nestas condições, o argumento da República Portuguesa relativo às iniciativas lançadas no âmbito da ENAR 2020 e do Fundo Ambiental, e ao seu impacto nas concentrações de ΝΟ2 no ar ambiente nas referidas zonas, não pode ser acolhido.

103    Assim, o incumprimento dos requisitos do artigo 23.°, n.° 1, e do anexo XV da Diretiva 2008/50 verifica‑se igualmente no que respeita às zonas do Porto Litoral (PT‑1004) e de Entre Douro e Minho (PT‑1009).

104    Por conseguinte, a segunda acusação deve ser julgada procedente.

105    Atendendo a todas as considerações precedentes, há que declarar que a República Portuguesa:

–        ao exceder, de forma sistemática e persistente, o valor‑limite anual de ΝΟ2, desde 1 de janeiro de 2010 até ao ano de 2020 inclusive, nas zonas de Lisboa Norte (PT‑3001), Porto Litoral (PT‑1004) e Entre Douro e Minho (PT‑1009), não cumpriu as obrigações que lhe incumbem por força do artigo 13.°, n.° 1, da Diretiva 2008/50, em conjugação com o anexo XI, secção B, desta diretiva, e

–        no que respeita a todas estas zonas, não cumpriu as obrigações que lhe incumbem por força do artigo 23.°, n.° 1, da Diretiva 2008/50, individualmente e em conjugação com o anexo XV, secção A, desta diretiva, e, em particular, a obrigação que lhe incumbe por força deste artigo 23.°, n.° 1, segundo parágrafo, desta, de tomar as medidas adequadas para que o período de excedência possa ser o mais curto possível.

 Quanto às despesas

106    Nos termos do artigo 138.°, n.° 1, do Regulamento de Processo do Tribunal de Justiça, a parte vencida é condenada nas despesas se a parte vencedora o tiver requerido. Tendo a Comissão pedido a condenação da República Portuguesa e tendo esta última sido vencida, há que condená‑la nas despesas.

Pelos fundamentos expostos, o Tribunal de Justiça (Sexta Secção) decide:

1)      A República Portuguesa:

–        ao exceder, de forma sistemática e persistente, o valorlimite anual de dióxido de azoto (ΝΟ2), desde 1 de janeiro de 2010 até ao ano de 2020 inclusive, nas zonas de Lisboa Norte (PT3001), Porto Litoral (PT1004) e Entre Douro e Minho (PT1009), não cumpriu as obrigações que lhe incumbem por força do artigo 13.°, n.° 1, da Diretiva 2008/50/CE do Parlamento Europeu e do Conselho, de 21 de maio de 2008, relativa à qualidade do ar ambiente e a um ar mais limpo na Europa, em conjugação com o anexo XI, secção B, desta diretiva;

–        no que respeita a todas estas zonas, não cumpriu as obrigações que lhe incumbem por força do artigo 23.°, n.° 1, da Diretiva 2008/50, individualmente e em conjugação com o anexo XV, secção A, desta diretiva, e, em particular, a obrigação que lhe incumbe por força deste artigo 23.°, n.° 1, segundo parágrafo, desta, de tomar as medidas adequadas para que o período de excedência possa ser o mais curto possível.

2)      A República Portuguesa é condenada nas despesas.

Xuereb

von Danwitz

Kumin

Proferido em audiência pública no Luxemburgo, em 29 de junho de 2023.

O Secretário

 

O Presidente de Secção

A. Calot Escobar

 

P. G. Xuereb


*      Língua do processo: português.