Language of document : ECLI:EU:T:2014:625

ACÓRDÃO DO TRIBUNAL GERAL (Secção dos recursos das decisões do Tribunal da Função Pública)

10 de julho de 2014 (*)

«Recurso de decisão do Tribunal da Função Pública ― Função pública ― Funcionários ― Responsabilidade extracontratual ― Prejuízo pessoal dos parentes próximos do funcionário falecido ― Prejuízo sofrido pelo funcionário antes da sua morte ― Competências respetivas do Tribunal Geral e do Tribunal da Função Pública ― Regra de concordância entre o pedido de indemnização e a reclamação da decisão de indeferimento desse pedido»

No processo T‑401/11 P,

que tem por objeto um recurso do acórdão do Tribunal da Função Pública da União Europeia (Primeira Secção) de 12 de maio de 2011, Missir Mamachi di Lusignano/Comissão (F‑50/09), tendo por objeto a anulação desse acórdão,

Livio Missir Mamachi di Lusignano, residente em Kerkhove Avelgem (Bélgica), agindo em nome próprio e na qualidade de representante legal dos herdeiros de Alessandro Missir Mamachi di Lusignano, seu filho, antigo funcionário da Comissão Europeia, representado, inicialmente, por F. Di Gianni, R. Antonini, G. Coppo e A. Scalini e, em seguida, por F. Di Gianni, G. Coppo e A. Scalini, advogados,

recorrente,

sendo a outra parte no processo

Comissão Europeia, representada por D. Martin, B. Eggers e L. Pignataro‑Nolin, na qualidade de agentes,

recorrida em primeira instância,

O TRIBUNAL GERAL (Secção dos recursos das decisões do Tribunal da Função Pública),

composto por: M. Jaeger, presidente, N. J. Forwood (relator) e S. Papasavvas, juízes,

secretário: B. Pastor, secretária adjunta,

vistos os autos e após a audiência de 12 de dezembro de 2013,

profere o presente

Acórdão

1        Com o seu recurso, interposto nos termos do artigo 9.° do anexo I do Estatuto do Tribunal de Justiça da União Europeia, o recorrente, Livio Missir Mamachi di Lusignano, pede a anulação do acórdão do Tribunal da Função Pública da União Europeia (Primeira Secção) de 12 de maio de 2011, Missir Mamachi di Lusignano/Comissão (F‑50/09, a seguir «acórdão recorrido»), que negou provimento ao seu recurso em que pedia, por um lado, a anulação da Decisão de 3 de fevereiro de 2009, através da qual a Comissão das Comunidades Europeias julgou improcedente o seu pedido de indemnização dos prejuízos materiais e morais resultantes do homicídio do seu filho e da sua nora, em 18 de setembro de 2006, em Rabat (Marrocos), e, por outro, a condenação da Comissão a pagar‑lhe, bem como aos sucessores do seu filho, diversos montantes a título de reparação dos prejuízos patrimoniais e não patrimoniais resultantes desses homicídios.

 Factos na origem do litígio

2        Os factos na origem do litígio estão enunciados nos n.os 16 a 34 do acórdão recorrido, nos seguintes termos:

«16      Alessandro Missir Mamachi di Lusignano[, que] entrou ao serviço da Comissão, como funcionário, em 1 de novembro de 1993, casou‑se em 1995 com Ariane Lagasse de Locht. O casal teve quatro filhos nascidos entre 1996 e 2002.

[…]

18      A partir de 28 de agosto de 2006, Alessandro Missir Mamachi di Lusignano foi afetado à delegação da Comissão em Rabat, na qualidade de consultor político e diplomático. Antes da sua transferência indicou que a sua esposa e os seus filhos o acompanhariam nessa afetação […]

19      Entre 28 e 31 de agosto de 2006, a família Missir Mamachi di Lusignano ficou alojada num hotel e, a partir de 1 de setembro, a título provisório, numa casa mobilada arrendada pela delegação da Comissão […]

20      Na noite de 17 para 18 de setembro de 2006, por volta da meia‑noite e meia, um assaltante introduziu‑se na casa, passando por entre as barras de uma janela do rés‑do‑chão de uma das paredes laterais. Subitamente acordado pela presença do assaltante no quarto dos pais, situado no primeiro andar, Alessandro Missir Mamachi di Lusignano surpreendeu o intruso que andava a revolver o quarto. Foi então que o malfeitor esfaqueou várias vezes o funcionário e o deixou por terra. A esposa de A. Missir Mamachi di Lusignano, que também estava acordada, foi apunhalada nas costas e aparentemente sucumbiu rapidamente aos seus ferimentos. Após ter atado e amordaçado o pai de família, o intruso tomou um duche e, em seguida, obrigou o funcionário, gravemente ferido, a revelar‑lhe o código do seu cartão de crédito. O funcionário acabou por sucumbir aos ferimentos. O assassino poupou os filhos. Abandonou o local ao volante da viatura da família Missir Mamachi di Lusignano, cerca das quatro horas da manhã, levando diversos objetos, entre os quais uma televisão.

21      Em 19 de setembro de 2006, a polícia marroquina deteve o indivíduo de nome Karim Zimach. Na sua audição prévia, este reconheceu ser o autor do duplo homicídio do casal Missir Mamachi di Lusignano, perpetrado na noite de 17 para 18 de setembro. Karim Zimach foi declarado culpado desses factos e condenado à pena capital, por acórdão de 20 de fevereiro de 2007 da secção criminal de primeiro grau do Tribunal de Recurso de Rabat, confirmada em recurso por acórdão de 18 de junho de 2007 da secção de recurso criminal do mesmo tribunal. É de notar que, desde 1993, data da última execução de um condenado à morte em Marrocos, as autoridades deste Estado não aplicavam tal condenação.

22      A Comissão constituiu‑se parte civil perante a justiça penal marroquina. Através do seu acórdão acima referido, a secção criminal de primeiro grau do Tribunal de Recurso de Rabat julgou admissível a ação cível da Comissão e condenou Karim Zimach no pagamento de um dirham simbólico à União Europeia.

23      Devido ao desaparecimento trágico dos seus pais, os quatro filhos Missir Mamachi di Lusignano foram colocados sob tutela dos seus avós, um dos quais é o recorrente, por despacho de 24 de novembro de 2006 do juiz de paz de Kraainem (Bélgica).

24      A partir de 1 de outubro e até 31 de dezembro de 2006, a Comissão procedeu ao pagamento previsto no artigo 70.°, primeiro parágrafo, do Estatuto [dos Funcionários das Comunidades Europeias].

25      A Comissão pagou igualmente aos filhos e herdeiros do funcionário falecido o montante de 414 308,90 euros, a título de capital por morte, em conformidade com o artigo 73.° do Estatuto, bem como o montante de 76 628,40 euros, por morte do cônjuge, ao abrigo do artigo 25.° do anexo X do Estatuto.

26      Além disso, a Comissão reconheceu aos quatro filhos, a partir de 1 de janeiro de 2007, o direito à pensão de órfão, prevista no artigo 80.° do Estatuto, e ao abono escolar, referido no anexo VII do Estatuto.

27      Por outro lado, a Comissão concedeu ao funcionário falecido uma promoção post mortem ao grau A*11, primeiro escalão, com efeitos retroativos a 1 de setembro de 2005. Essa promoção foi tida em conta no cálculo da pensão de órfão e do capital por morte.

28      Acresce que, por Decisão de 14 de maio de 2007, tomada com base no artigo 76.° do Estatuto, a Comissão concedeu a cada um dos filhos, até à idade de 19 anos, um apoio mensal extraordinário por razões sociais, igual ao montante de um abono por filho a cargo.

[…]

30      Por carta de 25 de fevereiro de 2008 dirigida ao presidente da Comissão, o recorrente, após ter agradecido à Comissão a cerimónia [de homenagem às vítimas do duplo homicídio] de 18 de setembro de 2007, manifestou, em primeiro lugar, o seu desacordo quanto aos montantes das quantias pagas aos seus quatro netos e o seu descontentamento por a Comissão ter recusado autorizar a contratação permanente de uma governante ou de uma ajudante da família, em seu entender, indispensável devido à idade respetiva das crianças e dos seus avós. Em seguida, o recorrente perguntou se a Comissão já tinha encetado negociações com Marrocos com vista ao pagamento de uma indemnização adequada, para além do simples dirham concedido pela justiça marroquina à União Europeia a título simbólico. Por último, o recorrente chamou a atenção do presidente da Comissão para a resposta dada em 6 de agosto de 2007 por B. Ferrero‑Waldner, comissária encarregada das relações externas, a uma pergunta escrita de P. M. Coûteaux, membro do Parlamento Europeu (pergunta escrita de 25 de junho de 2007, P‑3367/07, JO C 45 de 16 de fevereiro de 2008, p. 179), relativa ao ‘assassínio de um agente da Direção‑Geral das Relações Externas em Marrocos’ (a seguir ‘resposta escrita de 6 de agosto de 2007’). No entender do recorrente, as medidas de segurança adequadas, normalmente previstas pela Comissão e recordadas na resposta da comissária encarregada das relações externas, não foram tomadas antes do duplo homicídio. Por conseguinte, a Comissão é culpada de graves negligências, que justificam o pagamento aos filhos menores de uma indemnização pelo menos equivalente ao total dos salários que o funcionário assassinado receberia até à data em que presumivelmente se reformaria, em 2032, ou seja, 26 anos de salário.

31      Por carta de 11 de junho de 2008, S. Kallas, vice‑presidente da Comissão, encarregado do pessoal, respondeu ao recorrente. Nessa carta, S. Kallas assinalou que não podia ser declarado nenhum comportamento negligente ou faltoso das autoridades marroquinas e que as condições para abertura de negociações diplomáticas com Marrocos, com vista à obtenção de uma indemnização, não estavam reunidas. Indicou que as medidas de proteção do pessoal tomadas pela Comissão estavam em conformidade com as condições de segurança relativas à delegação de Rabat e que o pedido de indemnização apresentado a esse título pelo recorrente, na carta de 25 de fevereiro de 2008, não podia ser acolhido. Precisou que os pagamentos já efetuados pela Comissão (490 937,30 euros a título do capital por morte e de seguro de acidente, 4 376,82 euros por mês para as pensões de órfão e os abonos escolares, 2 287,19 euros por mês ― incluindo o abatimento de imposto ― para os abonos por filho a cargo, e 1 332,76 euros por mês a título do apoio extraordinário, isto é, um abono suplementar por filho a cargo por cada filho) tinham sido corretamente calculados.

32      Todavia, nessa mesma carta de 11 de junho de 2008, o comissário informou o recorrente de que a Comissão, tendo em conta as circunstâncias particularmente trágicas deste caso, tinha decidido tomar uma medida suplementar e aumentar, a título excecional, os montantes pagos por força do artigo 76.° do Estatuto. Assim, a esse título, por Decisão de 4 de julho de 2008, foi concedida a cada um dos netos, a partir de 1 de agosto de 2008 e até à idade de 19 anos, uma quantia mensal correspondente a dois abonos por filho a cargo. Tendo em conta essa decisão, o montante pago mensalmente pela Comissão aos filhos do funcionário falecido consiste numa quantia superior a 9 800 euros (9 862 euros em fevereiro de 2009).

33      Por carta de 10 de setembro de 2008, o recorrente apresentou uma reclamação contra a carta de 11 de junho de 2008, com base no artigo 90.°, n.° 2, do Estatuto. Nessa reclamação, afirmou que a Comissão incorria em responsabilidade por culpa, em razão de incumprimentos à obrigação de proteção do seu pessoal. Alegou igualmente que, mesmo sem culpa, a Comissão incorria em responsabilidade pelo prejuízo causado por um ato lícito. Por último, a título subsidiário, invocou o artigo 24.° do Estatuto, por força do qual as Comunidades têm de reparar solidariamente o prejuízo causado por terceiro a um dos seus agentes.

34      Por decisão de 3 de fevereiro de 2009, a [autoridade investida do poder de nomeação] indeferiu a reclamação.»

 Processo no Tribunal da Função Pública e acórdão recorrido

3        Nestas circunstâncias, o recorrente, agindo quer em nome próprio quer na qualidade de representante legal dos herdeiros de Alessandro Missir Mamachi di Lusignano, interpôs no Tribunal da Função Pública, em 12 de maio de 2009, um recurso em que pediu que o referido Tribunal se dignasse:

¾        anular a decisão de 3 de fevereiro de 2009 da autoridade investida do poder de nomeação (a seguir «AIPN»);

¾        condenar a Comissão a pagar aos sucessores de Alessandro Missir Mamachi di Lusignano:

¾        a quantia de 2 552 837,96 euros, posteriormente reavaliada em 3 975 329 euros, correspondente a 26 anos de remuneração do funcionário assassinado, tendo em conta as suas perspetivas de carreira, a título de indemnização do dano patrimonial sofrido;

¾        a quantia de 250 000 euros, a título de indemnização do dano não patrimonial sofrido pela vítima antes da sua morte;

¾        a quantia de 1 276 512 euros, a título de indemnização do dano não patrimonial que sofreram por terem testemunhado o trágico homicídio;

¾        condenar a Comissão a pagar a quantia de 212 752 euros, a título de indemnização do dano não patrimonial sofrido pelo recorrente enquanto pai da vítima;

¾        condenar a Comissão no pagamento dos «juros compensatórios e dos juros de mora entretanto vencidos»;

¾        condenar a Comissão nas despesas.

4        A Comissão pediu, em primeira instância, que o recurso fosse julgado improcedente.

5        Com o acórdão recorrido, o Tribunal da Função Pública negou provimento ao recurso e condenou a Comissão a suportar a totalidade das despesas.

6        Em primeiro lugar, o Tribunal da Função Pública considerou, nos n.os 71 e 72 do acórdão recorrido, fazendo referência ao acórdão do Tribunal Geral de 18 de dezembro de 1997, Gill/Comissão (T‑90/95, ColetFP, pp. I‑A‑471 e II‑1231, n.° 45), que os pedidos de anulação formulados pelo recorrente não podiam ser apreciados de maneira autónoma em relação aos pedidos de indemnização, pelo que o recurso devia ser analisado como tendo unicamente por objeto a reparação dos prejuízos que o recorrente, o funcionário falecido e os filhos deste sofreram devido ao comportamento da Comissão. Esta apreciação não é posta em causa no âmbito do presente recurso.

7        Tendo a Comissão invocado, designadamente, dois fundamentos de inadmissibilidade relativamente aos pedidos do recorrente tendentes à reparação do prejuízos morais, relativos, por um lado, ao facto de o pedido de indemnização de 25 de fevereiro de 2008 não conter nenhum pedido de reparação do prejuízo moral e, por outro, ao facto de a reclamação de 10 de setembro de 2008 também não conter pedidos de reparação do prejuízo moral sofrido pelo próprio recorrente, o Tribunal da Função Pública respondeu nos seguintes termos, no n.os 82 a 91 do acórdão recorrido:

«82      A este respeito, recorde‑se que, no sistema das vias de ação previsto pelos artigos 90.° e 91.° do Estatuto [dos Funcionários das Comunidades Europeias], quando uma ação é estritamente indemnizatória, no sentido de que não comporta nenhum pedido de anulação de um ato determinado, mas visa exclusivamente a reparação de prejuízos pretensamente causados por uma série de erros ou de omissões que, na falta de qualquer efeito jurídico, não podem ser qualificados como atos que causam prejuízo, o procedimento administrativo deve imperativamente, sob pena de inadmissibilidade da ação ulterior, ter início com um pedido do interessado em que este convida a AIPN a reparar os prejuízos alegados e prosseguir, sendo caso disso, com a apresentação de uma reclamação contra a decisão de indeferimento do pedido (v., nomeadamente, acórdão do Tribunal de Primeira Instância de 13 de julho de 1995, Saby/Comissão, T‑44/93, [ColetFP, pp. I‑A‑175 e II‑541,] n.° 31).

83      Por outro lado, é jurisprudência constante que os pedidos apresentados ao juiz da União devem ter o mesmo objeto que os feitos na reclamação e conter unicamente motivos de impugnação que assentem na mesma causa que os invocados na reclamação, podendo esses motivos de impugnação, na fase contenciosa, ser desenvolvidos através da apresentação de fundamentos e argumentos que não figuram necessariamente na reclamação, mas que com ela estão estreitamente conexos (v., por exemplo, acórdão do Tribunal de Justiça de 23 de abril de 2002, Campogrande/Comissão, C‑62/01 P, [Colet., p. I‑3739,] n.° 34).

84      Recentemente o Tribunal [da Função Pública] considerou que o conceito de ‘causa’ devia ser interpretado em sentido amplo (acórdão do Tribunal da Função Pública de 1 de julho de 2010, Mandt/Parlamento, F‑45/07, n.° 119). Apesar desta orientação jurisprudencial ter sido desenvolvida pelo Tribunal [da Função Pública] a propósito de um recurso de anulação, isso não exclui que seja transponível em matéria de indemnizações, desde que sejam respeitadas as características específicas deste último contencioso. Ora, estritamente em matéria de indemnizações, a definição do conceito de ‘causa’ não tem por referência os ‘aspetos de contestação’, na aceção da jurisprudência referida no número anterior, mas os ‘prejuízos’ invocados pelo funcionário em causa no seu pedido de indemnização. São estes prejuízos que determinam o objeto da reparação solicitada pelo funcionário e, consequentemente, o objeto do pedido sobre o qual a administração deve decidir.

85      Resulta das considerações enunciadas nos três números anteriores que os pedidos de indemnização baseados em diversos prejuízos só são admissíveis no Tribunal [da Função Pública] se tiverem sido precedidos, em primeiro lugar, por um pedido dirigido à administração que tenha o mesmo objeto e que assente nos mesmos prejuízos, seguido de uma reclamação apresentada contra a decisão, tácita ou expressa, da administração sobre o referido pedido.

86      Isso não impede o funcionário em causa de adaptar o montante das pretensões que figuram no seu pedido à administração, nomeadamente se os seus prejuízos se agravam ulteriormente ou se a extensão dos seus danos não for conhecida ou só puder ser avaliada após apresentação desse pedido (v., neste sentido, sobre a possibilidade de calcular um prejuízo na fase da petição, acórdão do Tribunal de Justiça de 23 de setembro de 2004, Hectors/Parlamento, C‑150/03 P, [Colet., p. I‑8691,] n.° 62), desde que os prejuízos que o levam a pedir uma indemnização tenham figurado no referido pedido.

87      No presente caso, apesar de o recorrente procurar obter a reparação das consequências danosas dos mesmos factos que foram referidos no seu pedido de 25 de fevereiro de 2008, os seus pedidos de indemnização são, em contrapartida, baseados em diversos prejuízos morais que lhe teriam sido causados, bem como ao seu filho falecido e aos seus netos.

88      Ora, é pacífico que, no pedido de indemnização contido na sua carta de 25 de fevereiro de 2008, o recorrente solicitou apenas a reparação de prejuízos materiais e de nenhum modo invocou os prejuízos morais alegados no Tribunal [da Função Pública].

89      É certo que, posteriormente, na sua reclamação, o recorrente não só pediu a reparação dos prejuízos materiais como a dos prejuízos morais, o que permitiu à administração tomar posição sobre esses prejuízos na decisão de indeferimento da reclamação, antes da propositura da ação. Todavia, essa parte da decisão de indeferimento da reclamação deve ser analisada como a primeira decisão tomada pela administração sobre os referidos prejuízos. Ora, o recorrente, ao contrário do que deveria ter feito, não apresentou reclamação desta última decisão e, assim, não respeitou o procedimento administrativo em duas fases que condiciona a admissibilidade dos pedidos de indemnização baseados nesses prejuízos.

90      Já a argumentação relativa ao acórdão do Tribunal de Justiça de 26 de janeiro de 1989, Koutchoumoff/Comissão (224/87[, Colet., p. 99]), desenvolvida na segunda audiência pelo recorrente, não pode ser acolhida. Com efeito, se o Tribunal de Justiça admitiu, nesse acórdão, que um funcionário podia apresentar pela primeira vez no tribunal os pedidos de indemnização foi porque a contestação da legalidade do ato que causa prejuízo ao interessado, exposto na reclamação, podia implicar um pedido de reparação do prejuízo causado por esse ato. Ora, o presente litígio tem um caráter puramente indemnizatório e não está ligado à contestação da legalidade de uma decisão que causa prejuízo ao recorrente.

91      Por conseguinte, na presente instância, os pedidos de reparação dos prejuízos morais só podem ser julgados inadmissíveis, não sendo necessário examinar os outros fundamentos de inadmissibilidade invocados contra si.»

8        Decidindo, quanto ao mérito, sobre o fundamento relativo ao incumprimento culposo da Comissão do seu dever de assegurar a proteção do seu funcionário, o Tribunal da Função Pública considerou em primeiro lugar que a Comissão tinha cometido uma falta suscetível de a fazer incorrer em responsabilidade, uma vez que a não execução de medidas de proteção adaptadas ao alojamento provisório da família Missir Mamachi di Lusignano em Rabat constitui um incumprimento da sua obrigação de assegurar a segurança do seu funcionário e da sua família enviados para um país terceiro.

9        Quanto ao nexo de causalidade entre esta falta e o prejuízo patrimonial invocado, o Tribunal da Função Pública considerou que este foi provado.

10      Neste ponto da sua fundamentação, o Tribunal da Função Pública referiu, no n.° 191 do acórdão recorrido, que faltava determinar a quota‑parte de responsabilidade do assassino na realização dos danos.

11      Tendo em consideração os dois danos invocados pelo recorrente, a saber, o duplo homicídio e a perda de uma possibilidade de sobreviver, e o facto de este segundo dano ser menos extenso do que o primeiro, o Tribunal da Função Pública considerou, no n.° 197 do acórdão recorrido, que se devia atribuir à Comissão a responsabilidade por 40% dos danos sofridos.

12      Quanto ao alcance do prejuízo patrimonial, o Tribunal da Função Pública considerou, no n.° 200 do acórdão recorrido, que o prejuízo material ligado à perda de rendimentos que devia ser tido em consideração no presente litígio era estabelecido na quantia de 3 milhões de euros.

13      Após ter recordado, no n.° 201 do acórdão recorrido, que a Comissão tinha de reparar 40% desse prejuízo, ou seja, 1,2 milhões de euros, o Tribunal da Função Pública referiu, no n.° 202 do referido acórdão, que as quantias que a Comissão já tinha pago e que continuaria a pagar aos sucessores, quantias que superam mesmo as prestações normalmente previstas pelo Estatuto dos Funcionários das Comunidades Europeias (a seguir «Estatuto»), se aproximavam de 1,4 milhões de euros, montante que podia ascender a cerca de 2,4 milhões de euros se as prestações em causa fossem pagas até ao vigésimo sexto aniversário de cada um dos quatro filhos. O Tribunal da Função Pública considerou então, no n.° 203 do acórdão recorrido, que a Comissão já tinha reparado inteiramente o prejuízo material pelo qual devia ser responsabilizada.

14      Em resultado das considerações precedentes, o Tribunal da Função Pública declarou, no n.° 205 do acórdão recorrido, que o fundamento do recurso, embora fosse procedente, não lhe permitia acolher os pedidos do recorrente relativos à reparação dos prejuízos materiais sofridos.

 Processo no Tribunal Geral

15      Por requerimento apresentado na Secretaria do Tribunal Geral em 29 de setembro de 2011, o recorrente interpôs o presente recurso.

16      A Comissão apresentou a sua contestação em 16 de dezembro de 2011.

17      A fase escrita foi encerrada em 23 de janeiro de 2012.

18      Por requerimento apresentado na Secretaria do Tribunal Geral em 1 de fevereiro de 2012, o recorrente apresentou um pedido em que referia os motivos pelos quais pretendia ser ouvido, nos termos do artigo 146.° do Regulamento de Processo do Tribunal Geral.

19      Com base no relatório do juiz‑relator, o Tribunal Geral (Secção dos recursos das decisões do Tribunal da Função Pública) deferiu esse pedido e deu início à fase oral, suscitando oficiosamente um fundamento de ordem pública e convidando as partes, ao abrigo das medidas de organização do processo, a responder por escrito a determinadas questões relacionadas com esse fundamento. A Comissão deu cumprimento a esse convite no prazo fixado.

20      A este respeito, o Tribunal Geral começou por recordar às partes que, conforme tinha referido no n.° 57 da sua petição em primeira instância, o recorrente pede a indemnização de quatro prejuízos diferentes, a saber:

¾        «o prejuízo material sofrido pelos herdeiros de Alessandro [Missir Mamachi di Lusignano], constituído pelos lucros cessantes do funcionário assassinado que lhe teriam sido destinados entre a data da sua morte e a data provável da sua passagem à reforma;

¾        o prejuízo moral sofrido por Alessandro [Missir Mamachi di Lusignano], constituído pelo sofrimento físico injusto que sofreu entre o momento da agressão e o momento da sua morte, bem como pelo sofrimento psicológico decorrente da consciência da sua morte iminente, da consciência do assassinato da sua amada mulher e da terrível angústia e inquietude pelo destino dos seus quatro filhos;

¾        o prejuízo não patrimonial (moral e existencial) sofrido pelos filhos do funcionário assassinado, constituído pela dor injusta da perda dos dois amados progenitores, bem como pelo terrível e horrível trauma psicológico que constitui o facto de terem visto com os próprios olhos os seus pais moribundos no local do crime, uma das cenas mais horríveis e trágicas a que um ser humano pode assistir na sua vida;

¾        o prejuízo não patrimonial (moral e existencial) sofrido pelo recorrente na sua qualidade de pai da vítima, constituído pela dor e sofrimento injusto pela perda do seu filho em circunstâncias tão trágicas».

21      Seguidamente, em primeiro lugar, o Tribunal Geral convidou as partes a pronunciarem‑se por escrito sobre a questão de saber se o direito à reparação do prejuízo material sofrido pelos herdeiros de Alessandro Missir Mamachi di Lusignano (conforme referido no primeiro travessão do n.° 20, supra), a calcular por referência à parte dos rendimentos profissionais deste último de que podiam esperar beneficiar se o seu pai tivesse sobrevivido, tinha sido transmitido aos referidos herdeiros por devolução sucessória e como tal era acionado por estes na sua qualidade de herdeiros, à semelhança do direito à reparação do prejuízo moral sofrido pelo próprio Alessandro Missir Mamachi di Lusignano entre o momento da sua agressão e o momento da sua morte (conforme referido no segundo travessão do n.° 20, supra), ou se não se trata antes de um direito à reparação do prejuízo que lhes era próprio, acionado jure proprio, e que, como tal, não lhes tinha sido transmitido por devolução sucessória (como os prejuízos referidos no terceiro e quarto travessões do n.° 20, supra).

22      Sem prejuízo da resposta a dar a esta questão, mas em estreita ligação com a mesma, em segundo lugar, o Tribunal Geral suscitou oficiosamente um fundamento de ordem pública, relativo à incompetência do Tribunal da Função Pública para conhecer do pedido de reparação dos prejuízos referidos no primeiro, terceiro e quarto travessões do n.° 20, supra.

23      O Tribunal Geral recordou às partes, designadamente, a jurisprudência constituída pelo despacho do Tribunal de Justiça de 7 de maio de 1980, Fournier/Comissão (114/79 a 117/79, Colet., p. 1529), pelo acórdão do Tribunal de Justiça de 8 de outubro de 1986, Leussink e o./Comissão (169/83 e 136/84, Colet., p. 2801), pelas conclusões do advogado‑geral Sir Gordon Slynn proferidas no mesmo processo (Colet., pp. 2818 e 2819), e pelo acórdão do Tribunal Geral de 3 de março de 2004, Vainker/Parlamento (T‑48/01, ColetFP, pp. I‑A‑51 e II‑197).

24      O Tribunal Geral considerou que, nessas circunstâncias, colocava‑se a questão de saber se não decorre do próprio âmbito jurídico delimitado pelos artigos 268.° TFUE e 270.° TFUE, pelo artigo 1.° do anexo I do Estatuto do Tribunal de Justiça e pelos artigos 90.° e 91.° do Estatuto, que os parentes próximos de um funcionário são necessariamente obrigados a intentar duas ações, uma no Tribunal da Função Pública, outra no Tribunal Geral, consoante digam respeito aos direitos do funcionário em questão ou se peça a reparação de um prejuízo, material ou moral, próprio.

25      Por último, o Tribunal Geral convidou as partes a pronunciarem‑se sobre as consequências que era necessário tirar, sendo caso disso, para efeitos do presente recurso e em resposta ao fundamento de ordem pública oficiosamente suscitado no n.° 22, supra, caso se devesse optar pela segunda parte da alternativa mencionada no n.° 21, supra, e se, por acréscimo, se devesse responder afirmativamente à questão colocada no n.° 24, supra.

26      Foram ouvidas as alegações das partes e as suas respostas às questões colocadas pelo Tribunal Geral na audiência de 12 de dezembro de 2013.

 Pedidos das partes

27      A recorrente conclui pedindo que o Tribunal Geral se digne:

¾        anular o acórdão recorrido;

¾        condenar a Comissão a pagar aos sucessores de Alessandro Missir Mamachi di Lusignano a quantia de 3 975 329 euros a título de indemnização do prejuízo patrimonial sofrido;

¾        uma vez declarado admissível o pedido de indemnização do prejuízo não patrimonial, condenar a Comissão a pagar:

¾        aos referidos sucessores, por um lado, a quantia de 250 000 euros a título de indemnização do prejuízo não patrimonial sofrido pela vítima antes da sua morte e, por outro, a quantia de 1 276 512 euros a título de indemnização do prejuízo não patrimonial por eles sofrido enquanto filhos da vítima e testemunhas do seu trágico homicídio;

¾        ao recorrente pessoalmente, a quantia de 212 752 euros a título de indemnização do prejuízo não patrimonial por si sofrido enquanto pai da vítima;

¾        condenar a Comissão no pagamento dos juros compensatórios e dos juros de mora entretanto vencidos;

¾        condenar a Comissão nas despesas.

28      A Comissão conclui pedindo que o Tribunal Geral se digne:

¾        remeter o processo ao Tribunal da Função Pública relativamente ao pedido de reparação dos prejuízos não patrimoniais;

¾        em todo o caso, julgar o recurso inadmissível e/ou negar‑lhe provimento;

¾        condenar o recorrente nas despesas.

 Quanto ao recurso

 Quanto à competência do Tribunal da Função Pública para conhecer do recurso em primeira instância

 Observações das partes em resposta à medida de organização do processo

29      Nas suas observações escritas, apresentadas na Secretaria em 10 de setembro de 2013, a Comissão começa por alegar, em resposta à primeira questão do Tribunal Geral (v. n.° 21, supra), que o direito à reparação do prejuízo material sofrido pelos herdeiros de Alessandro Missir Mamachi di Lusignano é um direito próprio que lhes é reconhecido, designadamente, pelos artigos 73.°, n.° 2, alínea a), 76.° e 80.° do Estatuto.

30      Respondendo ao fundamento de ordem pública suscitado oficiosamente (v. n.° 22, supra), a Comissão alega em seguida que todos os litígios que têm origem numa alegada omissão de uma instituição relativamente a um dos seus funcionários, no âmbito da relação de trabalho regulada exclusivamente pelo Estatuto, se inserem na competência exclusiva do Tribunal da Função Pública por força do artigo 270.° TFUE.

31      A este respeito, a Comissão alega, em primeiro lugar, que, em caso de morte de um funcionário, o artigo 73.°, n.° 2, alínea a), do Estatuto substitui a relação sinalagmática entre o referido funcionário e a sua instituição, interrompida pela morte nos termos do artigo 47.°, alínea g), do Estatuto, pela relação estatutária da instituição em causa com as pessoas mencionadas na referida disposição, entre as quais os sucessores.

32      A Comissão alega, em segundo lugar, que a competência do Tribunal da Função Pública é justificada pelo facto de estar em causa o eventual comportamento prejudicial e faltoso da instituição em relação ao seu funcionário ou antigo funcionário.

33      A Comissão observa, a este respeito, que é pacífico que o Tribunal da Função Pública é competente para decidir sobre todos os litígios relativos à aplicação dos artigos 73.°, 76.° e 80.° do Estatuto. Só no caso de as prestações do regime estatutário não bastarem para garantir a reparação total do prejuízo sofrido é que os sucessores podem reclamar outra indemnização, que só pode ser complementar da indemnização já obtida nos termos do artigo 73.° do Estatuto e não pode ser dupla (acórdãos do Tribunal de Justiça Leussink e o./Comissão, já referido, n.° 13, e de 9 de setembro de 1999, Lucaccioni/Comissão, C‑257/98 P, Colet., p. I‑5251, n.os 21 e 22). O Tribunal da Função Pública também é competente para decidir sobre essa eventual indemnização complementar, na medida em que os prejuízos sejam causados pelo mesmo comportamento faltoso da instituição relativamente ao funcionário em questão.

34      A tese da Comissão justificar‑se‑ia também quer por um imperativo de segurança jurídica, quanto à determinação da jurisdição competente, quer por um interesse de economia do processo, que exige que um único juiz seja competente (v., neste sentido, despacho do Tribunal de Justiça de 27 de maio de 2004, IAMA Consulting/Comissão, C‑517/03, não publicado na Coletânea, n.° 17).

35      Quanto à jurisprudência invocada pelo Tribunal Geral e referida no n.° 23, supra, não seria pertinente no caso vertente, visto que, nos processos em questão, o funcionário estava vivo. Nesse caso, com efeito, o artigo 73.°, n.° 2, alíneas b) e c), do Estatuto só reconhece um direito à indemnização ao funcionário inválido, e não aos seus sucessores. Em contrapartida, os sucessores de um funcionário falecido são expressamente referidos no artigo 73.°, n.° 2, alínea a), do Estatuto, que lhes confere um direito próprio.

36      No caso de o Tribunal Geral dever considerar que o Tribunal da Função Pública não era competente para decidir sobre os pedidos de reparação do prejuízo invocado jure proprio pelos sucessores de Alessandro Missir Mamachi di Lusignano, a Comissão alega que o acórdão recorrido deve ser anulado, exceto quanto à decisão sobre o pedido de reparação do prejuízo moral de Alessandro Missir Mamachi di Lusignano. Tendo este último pedido sido, segundo a Comissão, corretamente julgado inadmissível devido à violação do procedimento pré‑contencioso previsto pelos artigos 90.° e 91.° do Estatuto, o acórdão recorrido deve ser confirmado quanto a esse aspeto.

37      Quanto ao restante, a Comissão considera que o Tribunal Geral, enquanto órgão jurisdicional de recurso, não pode continuar a decidir o processo quanto ao mérito. Segundo aquela, o Tribunal Geral deve ser novamente chamado a decidir por via de ação comum em primeira instância, cabendo‑lhe então decidir sobre o seguimento a dar a esta nova ação e ao processo paralelo T‑494/11.

38      O recorrente não apresentou resposta escrita às questões do Tribunal Geral no prazo previsto. Na audiência, remeteu‑se, a este respeito, ao prudente arbítrio do Tribunal Geral.

 Apreciação do Tribunal Geral

39      A título preliminar, é necessário determinar quais são os diferentes tipos de prejuízo cuja reparação é pedida pelo recorrente, bem como a qualidade em que age em relação a cada um deles.

40      A este respeito, o Tribunal observa que, segundo os princípios gerais comuns aos direitos dos Estados‑Membros em matéria de responsabilidade extracontratual, a maior parte dos regimes distingue, em caso de morte da vítima em circunstâncias como as do caso vertente, pelo menos três tipos de dano que devem, regra geral, ser indemnizados pelo responsável, ou pelos responsáveis, e que correspondem, em substância, à seguinte tipologia:

¾        o dano moral, por vezes chamado «ex haerede», sofrido pela própria vítima, em sequência de um sofrimento moral que precedeu a sua morte, se se provar que dela teve consciência;

¾        o dano material sofrido pelos parentes próximos da vítima, em função dos rendimentos que lhes provinham do falecido; no caso dos filhos, trata‑se frequentemente de uma quantia capitalizada, determinada em função da idade da maioridade ou do fim provável dos estudos;

¾        o dano moral sofrido pelos parentes próximos da vítima, devido à existência de um vínculo afetivo especial com a vítima.

41      Na petição inicial apresentada em primeira instância no processo F‑50/09 que deu origem ao presente recurso, o próprio recorrente categorizou os vários prejuízos invocados em conformidade com essa tipologia. Assim, entre os quatro prejuízos referidos no n.° 3, primeiro e segundo travessões, supra, o primeiro corresponde ao dano material pessoalmente sofrido pelos filhos de Alessandro Missir Mamachi di Lusignano, o segundo corresponde ao prejuízo moral «ex haerede» sofrido por Alessandro Missir Mamachi di Lusignano antes da sua morte e invocado em nome da sua sucessão, o terceiro corresponde ao prejuízo moral pessoal sofrido pelos filhos de Alessandro Missir Mamachi di Lusignano e o quarto corresponde ao prejuízo moral pessoal sofrido pelo recorrente enquanto pai de Alessandro Missir Mamachi di Lusignano.

42      Para efeitos do presente acórdão, o Tribunal Geral basear‑se‑á, então, nas duas premissas seguintes:

¾        o prejuízo moral ex haerede, ou seja, o que Alessandro Missir Mamachi di Lusignano sofreu antes da sua morte, é reclamado pelos seus sucessores nessa qualidade, e não em nome próprio, uma vez que o direito à reparação lhes foi transmitido por devolução sucessória, nos termos das disposições do direito nacional aplicável relativas à sucessão;

¾        os outros três tipos de prejuízo cuja reparação se pede no presente processo, a saber, os prejuízos materiais e morais dos filhos e o prejuízo moral do pai de Alessandro Missir Mamachi di Lusignano, são reclamados pelo recorrente e pelos seus netos em nome próprio, independentemente da sua qualidade de sucessores.

43      É à luz destas duas premissas que cabe examinar as questões de competência suscitadas pelo presente fundamento.

44      Relativamente à determinação das regras de competência aplicáveis no caso vertente, o Tribunal Geral recorda que, nos termos do artigo 256.°, n.° l, TFUE, é competente para conhecer em primeira instância, designadamente, dos recursos referidos nos artigos 268.° TFUE e 270.° TFUE, com exceção dos atribuídos a um tribunal especializado criado nos termos do artigo 257.° TFUE e dos que o Estatuto reservar para o Tribunal de Justiça.

45      Dado que o artigo 1.° do anexo I do Estatuto do Tribunal de Justiça, aditado ao referido Estatuto pela Decisão 2004/752/CE, Euratom do Conselho, de 2 de novembro de 2004, que institui o Tribunal da Função Pública da União Europeia (JO L 333, p. 7), reconheceu, em aplicação do artigo 256.°, n.° 1, TFUE, ao Tribunal da Função Pública a competência para decidir em primeira instância dos litígios entre a União e os seus agentes por força do artigo 270.° do TFUE, dentro dos limites e condições estabelecidos no Estatuto ou resultantes do Regime aplicável a estes últimos, o Tribunal Geral deixou de ser competente para conhecer em primeira instância das ações de indemnização interpostas nos termos do artigo 270.° TFUE (despacho do Tribunal Geral de 8 de julho de 2009, Thoss/Tribunal de Contas, T‑545/08, não publicado na Coletânea, n.° 26). Pelo contrário, o Tribunal da Função Pública só é competente quando existe uma ação corretamente intentada nos termos do artigo 270.° TFUE.

46      O sistema jurisdicional da União, conforme definido pelo Tratado FUE, pelo Estatuto do Tribunal de Justiça e pelas decisões do Conselho relativas ao Tribunal Geral e ao Tribunal da Função Pública, inclui assim uma delimitação precisa das competências respetivas do Tribunal Geral e do Tribunal da Função Pública, pelo que a competência de um destes órgãos jurisdicionais para decidir em primeira instância sobre uma ação exclui necessariamente a competência do outro.

47      No estado atual do direito da União, esta delimitação baseia‑se no estatuto pessoal do recorrente e na origem do litígio, em conformidade com a jurisprudência constante segundo a qual um litígio entre um funcionário e a instituição de que este depende ou dependia, quando tenha a sua origem na relação laboral que une ou unia o interessado e a instituição, cabe no âmbito do artigo 270.° TFUE (anterior artigo 236.° CE) e dos artigos 90.° e 91.° do Estatuto e situa‑se, consequentemente, fora do âmbito de aplicação dos artigos 268.° TFUE (anterior artigo 235.° CE) e 340.° TFUE (anterior artigo 288.° CE), que regulam o regime geral da responsabilidade extracontratual da União (acórdãos do Tribunal de Justiça de 22 de outubro de 1975, Meyer‑Burckhardt/Comissão, 9/75, Colet., p. 1171, n.° 7; de 17 de fevereiro de 1977, Reinarz/Comissão e Conselho, 48/76, Colet., p. 291, n.° 10; de 4 de julho de 1985, Allo e o./Comissão, 176/83, Colet., p. 2155, n.° 18, e despacho do Tribunal de Justiça de 10 de junho de 1987, Pomar/Comissão, 317/85, Colet., p. 2467, n.° 7; acórdão do Tribunal Geral de 14 de outubro de 2004, Polinsky/Tribunal de Justiça, T‑1/02, não publicado na Coletânea, n.° 47).

48      Como tal, a referida jurisprudência não permite determinar se é no Tribunal Geral ou no Tribunal da Função Pública que os parentes próximos de Alessandro Missir Mamachi di Lusignano deviam apresentar o seu pedido de indemnização do prejuízo pessoal, material e moral, que consideram ter sofrido. Contrariamente ao que defende a Comissão, com efeito, esta jurisprudência só diz respeito de forma específica ao caso de um litígio i) entre um funcionário ou um antigo funcionário e a instituição de que depende ou dependia e ii) que tenha origem na relação laboral que os une ou unia, e como tal é apenas parcialmente transponível para o caso de um litígio que, sendo certo que tem a sua origem numa relação laboral, opõe não um funcionário ou um antigo funcionário, mas um terceiro próximo, membro da sua família ou sub‑rogado nos seus direitos, à instituição de que depende ou dependia esse funcionário.

49      Se esse terceiro é sub‑rogado no direito do funcionário ou do antigo funcionário em causa, e, portanto, age como sucessor do seu direito, reclamando nessa qualidade, para dela fazer beneficiar a massa sucessória, a reparação de um prejuízo do próprio funcionário, impõe‑se essa transposição, uma vez que, não obstante a devolução sucessória operada, o litígio continua a ser entre um funcionário e a instituição de que dependia, tendo a sua origem na relação laboral que os unia.

50      No caso vertente, esta consideração é válida no que diz respeito ao segundo prejuízo invocado pelo recorrente, conforme referido no n.° 20, supra, a saber, o prejuízo moral ex haerede, sofrido por Alessandro Missir Mamachi di Lusignano entre o momento da sua agressão e o momento da sua morte. Nesta medida, o Tribunal da Função Pública referiu corretamente, na última frase do n.° 116 do acórdão recorrido, que a jurisprudência referida no n.° 47, supra, era transponível para um litígio que opõe os sucessores de um funcionário falecido ou o seu representante legal à instituição de que dependia esse funcionário.

51      Em contrapartida, caso o terceiro aja com vista a obter a reparação de um prejuízo pessoal, independentemente de o prejuízo ser material ou moral, a transposição da jurisprudência em questão não se justifica, nem pelo seu conteúdo, nem pelas considerações de princípio que a inspiraram. Ainda que se admita que esse litígio tem origem na relação laboral entre o funcionário em causa e a instituição, o requisito subjetivo pessoal, ligado ao estatuto de funcionário do titular dos direitos em causa, não existe e o Tribunal da Função Pública é, como tal, em princípio, incompetente ratione personae para decidir nos termos do artigo 270.° TFUE e dos artigos 90.° e 91.° do Estatuto.

52      Contrariamente ao que alega a Comissão, o acórdão do Tribunal Geral de 16 de dezembro de 2010, Comissão/Petrilli (T‑143/09 P), confirma esta análise e expõe a sua razão de ser. No n.° 46 desse acórdão, o Tribunal Geral declarou que o contencioso em matéria de função pública nos termos do artigo 236.° CE (atual artigo 270.° TFUE) e dos artigos 90.° e 91.° do Estatuto, incluindo o destinado a obter a reparação de um dano causado a um funcionário ou a um agente, obedece a regras particulares e especiais relativamente às que decorrem dos princípios gerais que regulam a responsabilidade extracontratual da União no âmbito do artigo 235.° CE (atual artigo 268.° TFUE) e do artigo 288.° CE (atual artigo 340.° TFUE). Segundo o Tribunal Geral, com efeito, quando age enquanto empregador, a União está sujeita a uma responsabilidade acrescida, que se manifesta pela obrigação de reparar os danos causados ao seu pessoal por todas as ilegalidades cometidas nessa qualidade, ao passo que, segundo o direito comum, só é obrigada a reparar os danos causados por uma violação «suficientemente caracterizada» de uma norma de direito (jurisprudência constante desde o acórdão do Tribunal de Justiça de 4 de julho de 2000, Bergaderm e Goupil/Comissão, C‑352/98 P, Colet., p. I‑5291).

53      Ora, estas considerações relativas ao regime particular e especial da responsabilidade acrescida da União relativamente ao seu pessoal, justificada designadamente pela relação laboral, com os seus direitos e obrigações específicos, como o dever de solicitude, e pela relação de confiança que deve existir entre as instituições e os seus funcionários, no interesse geral, estão precisamente em falta no caso de terceiros não funcionários. Mesmo tratando‑se de membros da família nuclear de um funcionário, e sob reserva das prestações sociais como as referidas no artigo 76.° do Estatuto, a jurisprudência não reconhece a existência de um dever de solicitude das instituições em relação àqueles (acórdão Leussink e o./Comissão, já referido, n.os 21 a 23).

54      Esta orientação jurisprudencial é, além disso, confirmada pelas decisões referidas no n.° 23, supra.

55      Assim, no despacho Fournier/Comissão, já referido, o Tribunal de Justiça confirmou, pelo menos implicitamente, o princípio de que os membros da família de um funcionário que agem «espontaneamente» e reclamam a reparação de um prejuízo sofrido «pessoalmente», devem recorrer à via do artigo 178.° CEE (atual artigo 268.° TFUE) e não à do artigo 179.° CEE (atual artigo 270.° TFUE).

56      O Tribunal de Justiça confirmou essa escolha no acórdão Leussink e o./Comissão, já referido, num contexto em que os recorrentes utilizaram expressamente na sua ação de indemnização uma base jurídica diferente consoante fossem ou não funcionários, a saber, o artigo 179.° CEE para G. Leussink e os artigos 178.° CEE e 215.°, segundo parágrafo, CEE, para a sua mulher e os seus filhos.

57      Nas suas conclusões proferidas no processo Leussink e o./Comissão, já referido, o advogado‑geral Sir Gordon Slynn reconheceu que a ação da família tinha sido corretamente baseada nos artigos 178.° CEE e 215.° CEE, uma vez que dizia respeito a prejuízos distintos sofridos por aquela e que não diziam respeito a um litígio entre um funcionário e a sua instituição.

58      Sem se pronunciar formalmente sobre essa questão, contudo, o Tribunal de Justiça confirmou implicitamente a escolha do recurso ao artigo 178.° CEE e não ao artigo 179.° CEE, relativamente à família do funcionário, no n.° 25 do acórdão Leussink e o./Comissão, já referido, apesar de considerar que o litígio tinha «origem na relação entre o funcionário e a instituição». Além disso, o Tribunal de Justiça baseou expressamente a sua decisão relativa às despesas no artigo 69.° do seu Regulamento de Processo, ou seja, a disposição aplicável aos recursos de particulares que não são funcionários.

59      Por último, no acórdão Vainker/Parlamento, já referido, o Tribunal Geral negou provimento ao recurso de B. Vainker, baseando‑se no precedente do acórdão Leussink e o./Comissão, já referido, e confirmando implicitamente a escolha do recurso ao artigo 235.° CE como base jurídica adequada do recurso.

60      Há que rejeitar, além disso, a argumentação da Comissão baseada, em substância, no artigo 73.°, n.° 2, alínea a), do Estatuto.

61      É certo que a possibilidade, ou mesmo a obrigação, de os sucessores de um funcionário falecido intentarem uma ação com base no artigo 270.° TFUE e dos artigos 90.° e 91.° do Estatuto, para que lhes seja reconhecido o benefício das prestações previstas no artigo 73.°, n.° 2, alínea a), do Estatuto, já foi reconhecida pelo juiz da União, pelo menos implicitamente (acórdão do Tribunal Geral de 9 de janeiro de 1996, Bitha/Comissão, T‑23/95, ColetFP, pp. I‑A‑13 e II‑45; acórdão do Tribunal da Função Pública de 20 de janeiro de 2009, Klein/Comissão, F‑32/08, ColetFP, pp. I‑A‑1‑5 e II‑A‑1‑13; v. também, neste sentido e por analogia, despacho do Tribunal Geral de 19 de junho de 2001, Hotzel‑Wagenknecht/Comissão, T‑145/00, não publicado na Coletânea, n.° 17).

62      Todavia, em primeiro lugar, esta argumentação só é válida para os sucessores taxativamente enumerados no artigo 73.°, n.° 2, alínea a), do Estatuto, a saber, o cônjuge e os filhos ou, na falta destes, os outros descendentes ou, na falta destes, os ascendentes ou, por último, na falta destes, a própria instituição. Assim, no caso vertente, mesmo que se entenda que a argumentação da Comissão é aplicável ao caso dos quatro filhos de Alessandro Missir Mamachi di Lusignano, não é aplicável ao caso do próprio recorrente Livio Missir Mamachi di Lusignano, que não tem a qualidade de sucessor, na aceção do artigo 73.°, n.° 2, alínea a), do Estatuto em presença dos filhos. Também não é o caso da mãe, do irmão e da irmã de Alessandro Missir Mamachi di Lusignano, que são demandantes no processo paralelo T‑494/11.

63      Em segundo lugar, esta argumentação equivale a subordinar a execução processual do direito comum da responsabilidade extracontratual da União à do direito especial da segurança social dos funcionários, conforme previsto pelo Estatuto. Ora, não existem motivos válidos para que a competência de exceção do Tribunal da Função Pública, relativamente aos funcionários, deva primar sobre a competência geral do Tribunal Geral para conhecer de todos os litígios que envolvem a responsabilidade da União.

64      Em terceiro lugar, por último, mesmo no caso dos quatro filhos de Alessandro Missir Mamachi di Lusignano, o que está em causa no caso vertente não é a obrigação de a Comissão pagar as prestações estatutárias garantidas, que, aliás, já foram pagas aos interessados, mas a sua eventual obrigação de reparar a totalidade dos prejuízos materiais e morais alegados. O Tribunal Geral recorda, a este respeito, que o recorrente alega de forma específica, no âmbito do terceiro fundamento de recurso, que o Tribunal da Função Pública cometeu um erro de direito ao tomar em consideração, para efeitos de indemnização desses prejuízos, as referidas prestações estatutárias reconhecidas aos filhos de Alessandro Missir Mamachi di Lusignano. Nestas condições, não parece possível basear uma regra sobre a competência do Tribunal da Função Pública na disposição do artigo 73.°, n.° 2, alínea a), do Estatuto, apesar de se alegar precisamente que o referido artigo não constitui o fundamento do recurso interposto em nome dos quatro filhos de Alessandro Missir Mamachi di Lusignano.

65      Decorre de todas as considerações precedentes que, em circunstâncias como as do caso vertente, o próprio quadro jurídico delimitado pelos artigos 268.° TFUE e 270.° TFUE, o artigo 1.° do anexo I do Estatuto do Tribunal de Justiça e os artigos 90.° e 91.° do Estatuto, impõe a conclusão de que os parentes próximos do funcionário falecido são necessariamente obrigados a apresentar duas ações, uma no Tribunal da Função Pública, outra no Tribunal Geral, segundo ajam como sucessores dos direitos do funcionário em questão ou peçam a indemnização do prejuízo, material ou moral, pessoal.

66      Decorre também das considerações precedentes que essas duas ações de indemnização estão subordinadas a requisitos substanciais diferentes, em conformidade com a distinção operada pelo Tribunal Geral no acórdão Comissão/Petrilli, já referido, e recordada nos n.os 52 e 53, supra.

67      Decorre ainda do que precede que, quando os parentes próximos em questão intentam uma ação de indemnização no Tribunal da Função Pública, estão sujeitos aos prazos e outras exigências processuais, como a regra da concordância entre a reclamação administrativa prévia e a ação, fixadas pelos artigos 90.° e 91.° do Estatuto (v., neste sentido, acórdão do Tribunal de Justiça de 1 de abril de 1987, Dufay/Parlamento, 257/85, Colet., p. 1561, n.° 21), ao passo que estão sujeitos ao prazo único de prescrição de cinco anos previsto no artigo 46.°, primeiro parágrafo, do Estatuto do Tribunal de Justiça, aplicável ao processo no Tribunal Geral por força do artigo 53.°, primeiro parágrafo, do referido Estatuto, quando agem no Tribunal Geral.

68      Tal duplicação processual seria profundamente insatisfatória em vários aspetos, quer para as partes em questão quer para os órgãos jurisdicionais da União. A dualidade de ações resultante da aplicação estrita da regra enunciada no n.° 65 supra seria com efeito fonte de graves inconvenientes, como o aumento da carga processual e dos seus custos para os litigantes, o desperdício dos recursos limitados dos órgãos jurisdicionais da União e, sobretudo, o risco de decisões judiciais contraditórias proferidas no âmbito do mesmo litígio, incompatível com o princípio da segurança jurídica.

69      Nestas circunstâncias, segundo princípios amplamente reconhecidos nos sistemas processuais dos Estados‑Membros, devem existir mecanismos de prevenção ou de regulação dos conflitos de competência entre os órgãos jurisdicionais simultaneamente chamados a decidir ou suscetíveis de sê‑lo, como as extensões, prorrogações ou declinações de competências, o reconhecimento do poder de avocar ao órgão jurisdicional superior, a prioridade do tribunal a quem primeiro se recorreu ou a aplicação da máxima accessorium sequitur principale (v., neste sentido, acórdão do Tribunal de Justiça de 15 de janeiro de 1987, Shenavai, 266/85, Colet., p. 239, n.° 19), sendo estes mecanismos previstos pela lei ou por criação pretoriana.

70      De igual modo, no direito da União, o Tribunal de Justiça já se afastou do quadro processual estrito previsto pelos textos em vigor, para derrogar de forma pretoriana regras de competência ou de processo de ordem pública, inspirando‑se essencialmente em considerações ligadas à economia do processo e à boa administração da justiça.

71      Assim, relativamente a regras de competência, no despacho IAMA Consulting/Comissão, já referido, o Tribunal de Justiça, tendo rejeitado a abordagem do Tribunal Geral que se cingia ao quadro estrito das disposições conjugadas do artigo 225.°, n.° 1, CE e do artigo 51.° do Estatuto do Tribunal de Justiça, aplicou uma regra de criação pretoriana, sendo essa solução justificada pelo «interesse da economia processual e [pela] prioridade reconhecida ao tribunal a quem foi submetido em primeiro lugar, considerações também comummente reconhecidas nos sistemas processuais dos Estados‑Membros» (n.° 17 do despacho).

72      Relativamente às regras processuais, apesar de, segundo o sistema dos artigos 90.° e 91.° do Estatuto, todos os recursos deverem ser precedidos por um procedimento pré‑contencioso regularmente conduzido, e como tal por uma reclamação administrativa prévia, o Tribunal de Justiça derrogou de forma pretoriana essa regra, para permitir o recurso direto para o juiz da União, relativamente a uma vasta gama de decisões, como as dos júris de concursos ou os relatórios de classificação, relativamente às quais a AIPN não dispõe de nenhuma margem de apreciação no âmbito de tal reclamação (v., designadamente, relativamente às decisões dos júris de concursos, acórdãos do Tribunal de Justiça de 14 de junho de 1972, Marcato/Comissão, 44/71, Colet., p. 427, e de 7 de maio de 1986, Rihoux e o./Comissão, 52/85, Colet., p. 1555, 1567, e, relativamente aos relatórios de classificação, acórdãos do Tribunal de Justiça de 3 de julho de 1980, Grassi/Conselho, 6/79 e 97/79, Colet., p. 2141, e de 15 de março de 1989, Bevan/Comissão, 140/87, Colet., p. 701). Esta jurisprudência foi motivada pelo facto de uma reclamação de uma decisão do júri de um concurso ou de um relatório de classificação «não fazer sentido», uma vez que a instituição em questão não tem o poder de anular ou alterar as decisões do júri de um concurso ou a apreciação dos avaliadores. Como tal, uma «interpretação excessivamente restritiva do artigo 91.°, n.° 2, do Estatuto levaria unicamente a prolongar, sem qualquer utilidade, o procedimento» (acórdão do tribunal de Justiça de 16 de março de 1978, Ritter von Wüllerstorff und Urbair/Comissão, 7/77, Colet., p. 769).

73      À luz do que ficou exposto, e na presença de motivos imperativos relativos à segurança jurídica, à boa administração da justiça, à economia do processo e à prevenção das decisões judiciais contraditórias, há que considerar que, em circunstâncias como as do caso vertente, em que os sucessores de um funcionário ou agente falecido reclamam a indemnização de vários prejuízos causados pelo mesmo ato, tanto na sua qualidade de sucessores como em seu próprio nome e jure proprio, há a possibilidade de juntar esses pedidos, formando uma única ação.

74      Esta ação única deve ser intentada no Tribunal Geral, uma vez que este é não só o órgão jurisdicional «generalista» ou «de direito comum», e que dispõe a esse título de «jurisdição plena», por oposição ao Tribunal da Função Pública que é um tribunal especializado, mas também o tribunal superior, ao qual está «adstrito» o Tribunal da Função Pública, nos termos do artigo 257.° TFUE. Há que salientar, a este respeito, que, quando dois tribunais de diferentes instâncias conhecem de processos que têm o mesmo objeto, é geralmente o tribunal de instância superior que é competente para decidir sobre a totalidade do litígio. Assim, no direito da União, o artigo 8.°, n.° 3, segundo parágrafo, do anexo I do Estatuto do Tribunal de Justiça dispõe que, quando são submetidas ao Tribunal da Função Pública e ao Tribunal Geral várias questões com o mesmo objeto, o Tribunal da Função Pública declina a sua competência, a fim de que o Tribunal Geral possa decidir essas questões. Uma solução análoga encontra‑se prevista no artigo 54.°, terceiro parágrafo, do Estatuto do Tribunal de Justiça, quando são submetidos ao Tribunal de Justiça e ao Tribunal Geral processos com o mesmo objeto, que suscitem o mesmo problema de interpretação ou ponham em causa a validade do mesmo ato.

75      Importa também observar, neste contexto, que embora, em circunstâncias como as do caso vertente, os parentes próximos do funcionário falecido fossem obrigados a intentar duas ações, tal implicaria que tanto o Tribunal Geral como o Tribunal da Função Pública decidissem sobre processos com o mesmo objeto, a saber, em substância, pedidos de reparação do prejuízo resultante da morte do funcionário em causa, cuja responsabilidade seria por hipótese imputada à mesma falta da instituição recorrida. Ora, nessas circunstâncias, por aplicação do artigo 8.°, n.° 3, segundo parágrafo, do anexo I do Estatuto do Tribunal de Justiça, o Tribunal da Função Pública deve declinar a sua competência de imediato para que o Tribunal Geral possa decidir essas questões.

76      Assim, a afirmação, nessas circunstâncias, de uma regra de extensão da competência a favor do Tribunal Geral, surge também como o corolário da regra do artigo 8.°, n.° 3, do anexo I do Estatuto do Tribunal de Justiça. Não faria sentido, nessas circunstâncias, obrigar os interessados a recorrer ao Tribunal da Função Pública, e uma interpretação excessivamente restritiva do quadro de competências delimitado pelos artigos 268.° TFUE e 270.° TFUE, o artigo 1.° do anexo I do Estatuto do Tribunal de Justiça e os artigos 90.° e 91.° do Estatuto levaria unicamente a prolongar, sem nenhuma utilidade, o processo (v., neste sentido e por analogia, a jurisprudência do Tribunal de Justiça referida no n.° 72, supra).

77      No caso concreto em análise, resulta das considerações precedentes que o Tribunal da Função Pública era incompetente ab initio para conhecer da presente ação, exceto no que se refere ao pedido de reparação do prejuízo moral ex haerede sofrido por Alessandro Missir Mamachi di Lusignano antes da sua morte.

78      Por aplicação da regra de estrita repartição de competências entre os dois órgãos jurisdicionais em questão, conforme enunciada no n.° 65, supra, há pois que declarar oficiosamente a incompetência do Tribunal da Função Pública para conhecer do pedido de reparação do prejuízo pessoal, tanto material como moral, do próprio recorrente e dos sucessores de Alessandro Missir Mamachi di Lusignano, e anular, nessa medida, o acórdão recorrido.

79      As consequências desta anulação serão analisadas nos n.os 102 e 103 infra.

80      Quanto ao restante, há que prosseguir com a análise do recurso, relativamente aos fundamentos do recorrente, apenas na medida em que o Tribunal da Função Pública era competente para conhecer do pedido que lhe foi submetido, ou seja, quanto à decisão sobre o pedido de reparação do prejuízo moral ex haerede sofrido por Alessandro Missir Mamachi di Lusignano antes da sua morte.

 Quanto ao primeiro fundamento, relativo ao erro de direito cometido pelo Tribunal da Função Pública na medida em que declarou inadmissível o pedido de indemnização do prejuízo moral ex haerede sofrido por Alessandro Missir Mamachi di Lusignano antes da sua morte

81      O primeiro fundamento subdivide‑se em três partes. Dado que, todavia, a segunda parte do referido fundamento se refere ao indeferimento do pedido de indemnização do prejuízo moral sofrido pelo próprio recorrente, não será objeto de uma análise mais extensa, tendo em conta a anulação desse aspeto do acórdão recorrido, já efetuada no âmbito da apreciação do fundamento de ordem pública oficiosamente suscitado.

82      Com a primeira parte do fundamento, que se refere mais particularmente à declaração de inadmissibilidade do pedido de indemnização do prejuízo moral sofrido antes da sua morte pelo funcionário falecido (prejuízo moral ex haerede), o recorrente alega que a regra processual da concordância, aplicável aos recursos em matéria de função pública, exige uma identidade de causa e de objeto entre a reclamação administrativa e o recurso, e não, como terá considerado incorretamente o juiz do Tribunal da Função Pública, entre o pedido e a reclamação. Invoca designadamente, nesse sentido, o acórdão do Tribunal de Justiça de 1 de julho de 1976, Sergy/Comissão (58/75, Colet., p. 1139). Ora, no caso vertente, a reclamação de 10 de setembro de 2008 continha um pedido de indemnização pelo prejuízo moral sofrido antes da sua morte pelo funcionário assassinado e pelos seus sucessores.

83      Com a terceira parte do fundamento, o recorrente alega também, em substância, que a regra da concordância, conforme aplicada pelo Tribunal da Função Pública, limita o direito à proteção jurisdicional efetiva.

84      A Comissão responde que o Tribunal da Função Pública não cometeu nenhum erro de direito a esse respeito e que o respeito pelo procedimento pré‑contencioso não viola o princípio da proteção jurisdicional efetiva, que pode comportar restrições, na condição de estas satisfazerem objetivos de interesse geral e de não implicarem uma intervenção desmedida e intolerável que atente contra a própria essência dos direitos (acórdão do Tribunal de Justiça de 18 de março de 2010, Alassini e o., C‑317/08 a C‑320/08, Colet., p. I‑2213, n.os 63 e segs.).

85      A este respeito, o Tribunal Geral considera que o Tribunal da Função Pública violou, nos n.os 84 a 86 do acórdão recorrido, as regras e restrições processuais que decorrem dos artigos 90.° e 91.° do Estatuto, no âmbito de um recurso de um funcionário com caráter estritamente indemnizatório.

86      É certo que, no n.° 82 do acórdão recorrido, o Tribunal da Função Pública recordou, corretamente, a jurisprudência segundo a qual, no sistema das vias de ação previsto pelos artigos 90.° e 91.° do Estatuto, quando uma ação é, como no caso vertente, estritamente indemnizatória, no sentido de que não comporta nenhum pedido de anulação de um ato determinado, mas visa exclusivamente a reparação de prejuízos pretensamente causados por uma série de erros ou de omissões que, na falta de qualquer efeito jurídico, não podem ser qualificados como atos que causam prejuízo, o procedimento administrativo deve imperativamente, sob pena de inadmissibilidade da ação ulterior, ter início com um pedido do interessado em que este convida a AIPN a reparar os prejuízos alegados e prosseguir, sendo caso disso, com a apresentação de uma reclamação contra a decisão de indeferimento do pedido (v. acórdãos do Tribunal Geral Saby/Comissão, já referido, n.° 31, e de 13 de dezembro de 2012, A/Comissão, T‑595/11 P, n.os 111 e 118 e jurisprudência referida).

87      No n.° 83 do acórdão recorrido, o Tribunal da Função Pública recordou, também corretamente, a jurisprudência constante segundo a qual os pedidos apresentados ao juiz da União devem ter o mesmo objeto que os feitos na reclamação e conter unicamente motivos de impugnação que assentem na mesma causa que os invocados na reclamação, podendo esses motivos de impugnação, na fase contenciosa, ser desenvolvidos através da apresentação de fundamentos e argumentos que não figuram necessariamente na reclamação, mas que com ela estão estreitamente conexos (v. acórdão do Tribunal de Justiça de 23 de abril de 2002, Campogrande/Comissão, C‑62/01 P, Colet., p. I‑3793, n.° 34 e jurisprudência referida).

88      Todavia, no n.° 84 do acórdão recorrido, o Tribunal da Função Pública desenvolveu essa jurisprudência acrescentando que, estritamente em matéria de indemnizações, a definição do conceito de «causa» não tem por referência os «aspetos de contestação», na aceção da jurisprudência referida no número anterior, mas os «prejuízos» invocados pelo funcionário em causa no seu pedido de indemnização, e que são estes prejuízos que determinam o objeto da reparação solicitada pelo funcionário e, consequentemente, o objeto do pedido sobre o qual a administração deve decidir.

89      No n.° 85 do acórdão recorrido, o Tribunal da Função Pública declarou relativamente às considerações enunciadas nos n.os 86 a 88, supra, que os pedidos de indemnização baseados em diversos prejuízos só são admissíveis nos órgãos jurisdicionais da União se tiverem sido precedidos, em primeiro lugar, por um pedido dirigido à administração que tenha o mesmo objeto e que assente nos mesmos prejuízos, seguido de uma reclamação apresentada contra a decisão, tácita ou expressa, da administração sobre o referido pedido.

90      A este respeito, saliente‑se em primeiro lugar que esses desenvolvimentos e as conclusões a que levaram derivam de uma confusão entre os conceitos de «objeto» e de «causa». Mais especificamente, contrariamente ao que se enuncia na penúltima frase do n.° 84 do acórdão recorrido, o conceito de «causa» não pode ser definido com referência aos «prejuízos» invocados pelo funcionário no seu pedido de indemnização, uma vez que, na realidade, estes determinam o «objeto» do pedido de indemnização, como o Tribunal da Função Pública aliás acrescentou na última frase do referido n.° 84.

91      Em todo o caso, os referidos desenvolvimentos e conclusões não são compatíveis com a jurisprudência em que se baseiam nem, sobretudo, com os princípios subjacentes a essa jurisprudência.

92      Antes de mais, importa recordar, neste contexto, a jurisprudência que decorre do acórdão do Tribunal de Justiça de 26 de janeiro de 1989, Koutchoumoff/Comissão (224/87, Colet., p. 99), segundo a qual, no sistema de vias de recurso previsto nos artigos 90.° e 91.° do Estatuto, um pedido de indemnização deduzido pela primeira vez no Tribunal Geral é admissível, quando a reclamação administrativa prévia apenas visava a anulação da decisão alegadamente causadora do prejuízo, pois um pedido de anulação pode implicar um pedido de reparação do prejuízo sofrido (acórdão do Tribunal Geral de 13 de julho de 1995, Saby/Comissão, T‑44/93, ColetFP, pp. I‑A‑175 e II‑541, n.° 28).

93      De igual modo, segundo jurisprudência constante, um pedido de juros moratórios formulado em caso de anulação da decisão impugnada não necessita, para ser admissível no Tribunal Geral, de ter sido expressamente mencionado na reclamação administrativa prévia (acórdãos do Tribunal Geral de 30 de março de 1993, Vardakas/Comissão, T‑4/92, Colet., p. II‑357, n.° 50; de 8 de junho de 1995, P/Comissão, T‑583/93, ColetFP, pp. I‑A‑137 e II‑433, n.° 50; e de 12 de novembro de 2002, López Cejudo/Comissão, T‑271/01, ColetFP, pp. I‑A‑221 e II‑1109).

94      Contrariamente ao que o Tribunal da Função Pública afirmou no n.° 90 do acórdão recorrido, esta jurisprudência não é específica do contencioso de anulação e não permite concluir que é inaplicável ao contencioso estritamente indemnizatório.

95      Assim, no acórdão de 8 de outubro de 1992, Meskens/Parlamento (T‑84/91, Colet., p. II‑2335, n.° 44), que dizia respeito a uma ação estritamente indemnizatória, o Tribunal Geral declarou que os pedidos de reparação de prejuízos morais ou materiais causados a um funcionário por uma decisão da administração, apresentados no âmbito de uma ação de indemnização, não são de considerar, para efeitos da norma que impõe que a reclamação prévia e o recurso tenham o mesmo objeto, diferentes dos que se destinam, por um lado, à anulação daquela decisão e, por outro, à reparação do dano moral sofrido pelo interessado, expostos na reclamação. Com efeito, há que aceitar que um pedido de anulação de uma decisão que causa prejuízo, apresentado na reclamação, pode implicar um pedido de reparação do prejuízo tanto material como moral que essa decisão possa ter causado.

96      Além disso, no processo que deu origem ao acórdão Sergy/Comissão, já referido, ao indeferir a exceção de inadmissibilidade suscitada pela Comissão relativamente a dois dos diferentes aspetos do dano invocado, devido a não lhes ter sido feita referência na reclamação administrativa prévia, o Tribunal de Justiça recordou que o artigo 91.° do Estatuto tem por objeto permitir e favorecer uma resolução amigável do diferendo entre os funcionários ou agentes e a administração; que, pelo contrário, essa disposição não tem por objetivo vincular, de forma rigorosa e definitiva, a eventual fase contenciosa, desde que os pedidos apresentados nesta última fase não modifiquem a causa de pedir nem o objeto da reclamação; que, na sua reclamação, o recorrente, após ter exposto as suas acusações, tinha alegado que a sua reintegração tardia lhe causou um dano relevante, cujos «principais elementos» tinha enumerado em seguida; e que, nessas condições, os elementos suplementares que alegou terem origem no comportamento imputado à administração e que se referiam à reparação do dano que o recorrente alegava ter sofrido em sua razão, podiam ser sujeitos à apreciação do Tribunal de Justiça (v. n.os 31 a 36 do acórdão).

97      Apesar de essa jurisprudência só se referir, stricto sensu, à regra da concordância entre a reclamação administrativa e o recurso, os princípios que a inspiram, e como tal as flexibilizações que autoriza, são também transponíveis para a regra da «concordância» entre o pedido e a reclamação, própria das ações estritamente indemnizatórias, como a referida no n.° 86, supra.

98      À luz dessa jurisprudência e desses princípios, há pois que concluir que o Tribunal da Função Pública cometeu um erro de direito nos n.os 84 a 86 do acórdão recorrido. Como tal, há que julgar procedente o primeiro fundamento de recurso e anular o acórdão recorrido, na parte em que deu provimento ao primeiro fundamento de inadmissibilidade invocado pela Comissão, relativamente ao pedido de reparação do prejuízo moral ex haerede sofrido por Alessandro Missir Mamachi di Lusignano antes da sua morte.

99      As consequências desta anulação serão examinadas nos n.os 104 a 112, infra.

100    Resulta das considerações precedentes que o acórdão recorrido deve ser anulado na sua totalidade, sem que seja necessário conhecer dos outros fundamentos do recurso.

 Quanto ao recurso de primeira instância

101    Em conformidade com o disposto no artigo 13.°, n.° 1, do anexo I do Estatuto do Tribunal de Justiça, quando o recurso for julgado procedente, o Tribunal Geral anula a decisão do Tribunal da Função Pública e decide do litígio. Remete o processo ao Tribunal da Função Pública se não estiver em condições de ser julgado.

102    Em primeiro lugar, relativamente ao pedido de reparação do prejuízo pessoal, tanto material como moral, do próprio recorrente e dos sucessores de Alessandro Missir Mamachi di Lusignano, o Tribunal da Função Pública, após ter declarado que não era competente para conhecer desse aspeto do recurso, uma vez que este se inseria na competência do Tribunal Geral, devia ter remetido o processo ao referido Tribunal, nos termos do artigo 8.°, n.° 2, do anexo I do Estatuto do Tribunal de Justiça.

103    O litígio encontra‑se, a esse respeito, em condições de ser julgado, e esse aspeto do recurso deve ser remetido ao Tribunal Geral, para que dele conheça enquanto órgão jurisdicional de primeira instância, nos termos dos artigos 268.° TFUE e 340.° TFUE. Com efeito, não cabe ao juiz do recurso, chamado a decidir nos termos do artigo 9.° do anexo I do Estatuto do Tribunal de Justiça, conhecer desse recurso.

104    Em segundo lugar, relativamente ao pedido de reparação do prejuízo moral ex haerede sofrido por Alessandro Missir Mamachi di Lusignano antes da sua morte, o Tribunal da Função Pública era competente para dele conhecer, mas julgou‑o, erradamente, inadmissível segundo a regra da «concordância» entre o pedido e a reclamação administrativa.

105    A este respeito, o Tribunal Geral considera, nos termos dos princípios e da jurisprudência recordados nos n.os 92 a 97, supra, que, contrariamente ao que se decidiu no acórdão recorrido, o pedido de reparação dos prejuízos morais sofridos tanto por Alessandro Missir Mamachi di Lusignano antes da sua morte como pelos seus parentes próximos, alegadamente causados pela mesma falta imputada à Comissão na carta do recorrente de 25 de fevereiro de 2008, apesar de ter sido apresentado pela primeira vez de forma expressa na reclamação, não modificou o objeto nem a causa do pedido inicial de indemnização apresentado na referida carta.

106    A este respeito, apesar de o Tribunal da Função Pública ter afirmado, no n.° 88 do acórdão recorrido, que era «pacífico» que, nessa carta, o recorrente tinha «solicitado apenas a reparação de prejuízos materiais» e que «de nenhum modo invocou os prejuízos morais alegados no Tribunal [da Função Pública]», cabe ao Tribunal Geral apreciar de novo o alcance do pedido de indemnização contido nessa carta.

107    Ora, na referida carta, o recorrente solicitou ao presidente da Comissão, J. Barroso, uma «decisão pessoal e expressa […] sobre todas as implicações políticas e financeiras d[o] duplo homicídio».

108    Mais concretamente, na parte I dessa carta, o recorrente começou por dar conta do seu desacordo em relação às propostas que lhe tinham sido feitas pelos serviços da Comissão, designadamente quanto ao montante das «várias indemnizações e direitos a favor dos herdeiros», referindo‑se assim, aparentemente, às prestações estatutárias previstas pelo Estatuto a favor dos órfãos. Em seguida, na parte II dessa carta, o recorrente referiu‑se expressamente à «indemnização pelo dano moral» concedida pela justiça marroquina, sublinhando o seu caráter inadequado. Por último, na parte III dessa carta, o recorrente pediu o pagamento de uma «indemnização equivalente a, no mínimo, o total dos 26 anos de salários anuais do funcionário assassinado, calculado entre 2006 (data da tragédia de Rabat) e 2032 (ano em que presumivelmente se reformaria)». Neste contexto, sublinhou ainda que essa indemnização, a pagar pela Comissão aos quatro filhos menores, era «naturalmente distinta e complementar» da referida na parte II da mesma carta, ou seja, a indemnização pelo dano moral.

109    Atendendo à redação da carta do recorrente de 25 de fevereiro de 2008, e contrariamente ao indicado no n.° 88 do acórdão recorrido, deve entender‑se que, no pedido de indemnização contido na referida carta, o recorrente não se limitou a pedir a reparação dos prejuízos materiais, mas também aludiu claramente a um prejuízo moral.

110    De resto, ao pedir uma tomada de posição da instituição sobre «todas as implicações políticas e financeiras» do duplo homicídio, o recorrente pediu fundamentalmente a reparação plena e total do prejuízo causado pela falta da Comissão que resultou na morte de Alessandro Missir Mamachi di Lusignano. A circunstância de não ter detalhado de imediato esse prejuízo global segundo as categorias jurídicas especiais que certamente não lhe eram familiares, como o prejuízo material, moral ou existencial, ex haerede ou jure proprio, não se afigura decisiva nesse estado precoce do procedimento administrativo pré‑contencioso, em que não é obrigatória a intervenção de um advogado e em que a AIPN deve prioritariamente esforçar‑se por obter uma resolução amigável do diferendo, sobretudo em circunstâncias tão trágicas como as do caso vertente. Em todo o caso, há ainda que constatar que, como fez o Tribunal de Justiça no seu acórdão Sergy/Comissão, já referido, o recorrente enumerou os «elementos principais» do prejuízo cuja reparação pedia, nas partes I, II e III da sua carta de 25 de fevereiro de 2008.

111    Por outro lado, na sua reclamação de 10 de setembro de 2008, o recorrente detalhou devidamente os vários elementos do prejuízo alegado, incluindo o pedido expresso da reparação do prejuízo moral ex haerede sofrido por Alessandro Missir Mamachi di Lusignano antes da sua morte.

112    Daí decorre que o primeiro fundamento de inadmissibilidade invocado pela Comissão contra o pedido de reparação do prejuízo moral ex haerede sofrido por Alessandro Missir Mamachi di Lusignano antes da sua morte deve ser rejeitado.

113    Quanto aos outros fundamentos de inadmissibilidade também invocados pela Comissão relativamente ao mesmo pedido (v. n.° 91 do acórdão recorrido), o litígio não está em condições de ser julgado.

114    Nestas circunstâncias, caberia normalmente remeter este aspeto do recurso ao Tribunal da Função Pública para que decidisse novamente.

115    Todavia, cabe também acrescentar que, caso se procedesse a essa remessa, o Tribunal da Função Pública seria imediatamente obrigado a constatar que ele próprio e o Tribunal Geral conhecem atualmente de processos com o mesmo objeto, a saber, relativamente ao Tribunal Geral, o presente processo e o processo paralelo T‑494/11. Em conformidade com o artigo 8.°, n.° 3, segundo parágrafo, do anexo I do Estatuto do Tribunal de Justiça, seria então obrigado a declinar a sua competência, a fim de que o Tribunal Geral possa decidir essas questões (v. também n.° 75, supra).

116    Tal remessa afigura‑se assim desprovida de sentido, uma vez que o Tribunal da Função Pública não tem outra alternativa senão remeter por sua vez o processo ao Tribunal Geral. Como tal, uma aplicação excessivamente estrita do artigo 13.°, n.° 1, do anexo I do Estatuto do Tribunal de Justiça levaria apenas a prolongar, sem qualquer utilidade, o processo (v., neste sentido e por analogia, a jurisprudência do Tribunal de Justiça referida no n.° 72, supra).

117    Nestas condições, cabe remeter também esse aspeto do recurso ao Tribunal Geral, para que dele conheça como órgão jurisdicional de primeira instância, nos termos dos artigos 268.° TFUE e 340.° TFUE.

118    Decorre do que precede que o processo F‑50/09 deve ser remetido ao Tribunal Geral na sua totalidade.

 Quanto às despesas

119    Tendo o processo sido remetido ao Tribunal Geral, importa reservar para final a decisão quanto às despesas.

Pelos fundamentos expostos,

O TRIBUNAL GERAL (Secção dos recursos das decisões do Tribunal da Função Pública)

decide:

1)      O acórdão do Tribunal da Função Pública da União Europeia (Primeira Secção) de 12 de maio de 2011, Missir Mamachi di Lusignano/Comissão (F‑50/09), é anulado.

2)      O processo F‑50/09 é remetido ao Tribunal Geral, para que dele conheça enquanto órgão jurisdicional de primeira instância, nos termos dos artigos 268.° TFUE e 340.° TFUE.

3)      Reserva‑se para final a decisão quanto às despesas.

Proferido em audiência pública no Luxemburgo, em 10 de julho de 2014.

Assinaturas


* Língua do processo: italiano.