Language of document : ECLI:EU:T:2012:118

ACÓRDÃO DO TRIBUNAL GERAL (Primeira Secção)

9 de março de 2012 (*)

«Marca comunitária ― Processo de oposição ― Pedido de marca figurativa comunitária ELLA VALLEY VINEYARDS ― Marcas nacional e comunitária anteriores ELLE ― Motivo relativo de recusa ― Risco de associação ― Ligação entre os sinais ― Prestígio ― Inexistência de semelhança dos sinais ― Artigo 8.°, n.° 5, do Regulamento (CE) n.° 207/2009»

No processo T‑32/10,

Ella Valley Vineyards (Adulam) Ltd, com sede em Jerusalém (Israel), representada por C. de Haas e O. Vanner, advogados,

recorrente,

contra

Instituto de Harmonização do Mercado Interno (marcas, desenhos e modelos) (IHMI), representado por A. Folliard‑Monguiral, na qualidade de agente,

recorrido,

sendo a outra parte no processo perante a Câmara de Recurso do IHMI, interveniente no Tribunal Geral,

Hachette Filipacchi Presse (HFP), com sede em Levallois‑Perret (França), representada por C. Moyou Joly, advogado,

que tem por objeto um recurso da decisão da Primeira Câmara de Recurso do IHMI, de 11 de novembro de 2009 (processo R 1293/2008‑1), relativa a um processo de oposição entre a Hachette Filipacchi Presse (HFP) e a Ella Valley Vineyards (Adulam) Ltd,

O TRIBUNAL GERAL (Primeira Secção),

composto por: J. Azizi, presidente, E. Cremona (relatora) e S. Frimodt Nielsen, juízes,

secretário: B. Pastor, secretária adjunta,

vista a petição entrada na Secretaria do Tribunal Geral em 22 de janeiro de 2010,

vista a resposta do IHMI apresentada na Secretaria do Tribunal Geral em 21 de maio de 2010,

vistas as observações da interveniente apresentadas na Secretaria do Tribunal Geral em 19 de maio de 2010,

vista a réplica apresentada na Secretaria do Tribunal Geral em 19 de agosto de 2010,

após a audiência de 13 de janeiro de 2012,

profere o presente

Acórdão

 Antecedentes do litígio

1        Em 4 de março de 2005, a recorrente, Ella Valley Vineyards (Adulam) Ltd, apresentou um pedido de registo de marca comunitária no Instituto de Harmonização do Mercado Interno (marcas, desenhos e modelos) (IHMI), ao abrigo do Regulamento (CE) n.° 40/94 do Conselho, de 20 de dezembro de 1993, sobre a marca comunitária (JO 1994, L 11, p. 1), conforme alterado [substituído pelo Regulamento (CE) n.° 207/2009 do Conselho, de 26 de fevereiro de 2009, sobre a marca comunitária (JO L 78, p. 1)].

2        A marca cujo registo foi pedido é o seguinte sinal figurativo:

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3        Os produtos para os quais o registo foi pedido pertencem à classe 33 na aceção do Acordo de Nice relativo à Classificação Internacional dos Produtos e dos Serviços para o registo de marcas, de 15 de junho de 1957, conforme revisto e alterado, e correspondem à seguinte descrição: «Vinhos».

4        O pedido de marca comunitária foi publicado no Boletim de Marcas Comunitárias n.° 37/2005, de 12 de setembro de 2005.

5        Em 12 de dezembro de 2005, a interveniente, Hachette Filipacchi Presse (HFP), deduziu oposição ao registo da marca requerida para os produtos referidos no n.° 3, supra, nos termos do artigo 42.° do Regulamento n.° 40/94 (que passou a artigo 41.° do Regulamento n.° 207/2009).

6        A oposição fundamentava‑se em duas marcas anteriores que correspondem ao seguinte sinal figurativo:

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7        Tratava‑se, por um lado, da marca figurativa comunitária, cujo pedido de registo foi apresentado em 30 de outubro de 2003 e que foi registada em 11 de outubro de 2005, sob o número 3475365, a qual designa, nomeadamente, os produtos da classe 16 e corresponde à descrição de «Periódicos» e «Livros» e, por outro lado, da marca figurativa francesa, cujo pedido de registo foi apresentado em 27 de junho de 1989 e que foi registada em 27 de junho de 1999, sob o número 1538354, a qual designa, nomeadamente, os produtos da classe 16 e corresponde à seguinte descrição: «Periódicos» e «Livros».

8        Os fundamentos invocados para a oposição eram os referidos no artigo 8.°, n.° 5, do Regulamento n.° 40/94 (que passou a artigo 8.°, n.° 5, do Regulamento n.° 207/2009).

9         Em 8 de julho de 2008, a Divisão de Oposição indeferiu a oposição, considerando que os sinais em conflito não eram suficientemente semelhantes para existir um risco de o público associar as marcas ou estabelecer uma ligação entre elas, o que excluía a aplicação do artigo 8.°, n.° 5, do Regulamento n.° 40/94.

10      Em 8 de setembro de 2008, a interveniente interpôs recurso no IHMI, nos termos dos artigos 57.° a 62.° do Regulamento n.° 40/94 (que passaram a artigos 58.° a 64.° do Regulamento n.° 207/2009), contra a decisão da Divisão de Oposição.

11      Por decisão de 11 de novembro de 2009 (a seguir «decisão recorrida»), a Primeira Câmara de Recurso do IHMI julgou procedente o recurso, com base no artigo 8.°, n.° 5, do Regulamento n.° 207/2009, e anulou a decisão da Divisão de Oposição.

12      Em primeiro lugar, a Câmara de Recurso considerou que, atendendo à semelhança dos sinais em causa, o público pertinente podia estabelecer uma ligação entre os referidos sinais. No entender da Câmara de Recurso, a marca requerida é composta pelo elemento nominativo dominante «ella», que apresenta, no plano visual, semelhanças com os sinais anteriores, até mesmo na sua tipografia particular. Os outros elementos da marca requerida não são distintivos, uma vez que são comummente utilizados no domínio dos vinhos. Além disso, os elementos «ella» e «valley» da marca requerida não têm a mesma importância no plano conceptual. O público pertinente não apreende a palavra «ella» como uma indicação geográfica associada à palavra «valley», mas como um nome próprio ou como um pronome pessoal feminino. A Câmara de Recurso também considerou que o prestígio das marcas anteriores tinha sido adquirido no território da União Europeia, na área das revistas.

13      Em seguida, a Câmara de Recurso considerou que a revista Elle, que goza de grande prestígio junto do público, estava associada a uma imagem particular de elegância do estilo de vida francês, que não se limita à moda, estendendo‑se igualmente à gastronomia. Ora, existe uma conexão entre as publicações sobre gastronomia e as publicações sobre vinhos. Além disso, a revista Elle desdobra‑se em revistas temáticas relativas à gastronomia e aos vinhos, como a revista Elle À TABLE, e fichas de receitas culinárias. Acresce que, por um lado, a revista Elle está diretamente associada à divulgação de vinhos (Cuvée ELLE) e, por outro, propõe regularmente aos seus leitores a compra de vinhos selecionados pela sua qualidade. Nestas condições, o facto de oferecer ao público vinhos cuja marca tem como elemento dominante uma palavra muito semelhante à palavra «elle», escrita com o mesmo tipo de carateres, acarreta um sério risco de a recorrente beneficiar indevidamente do prestígio das marcas anteriores. Com efeito, o consumidor de vinhos da União conhece a revista Elle e pode estabelecer uma ligação entre esta e os vinhos da recorrente.

 Pedidos das partes

14      A recorrente conclui pedindo que o Tribunal Geral se digne:

¾        anular a decisão recorrida;

¾        condenar o IHMI nas despesas.

15      O IHMI conclui pedindo que Tribunal Geral se digne:

¾        negar provimento ao recurso;

¾        condenar a recorrente nas despesas.

16      A interveniente conclui pedindo que o Tribunal Geral se digne negar provimento ao recurso.

 Questão de direito

17      A recorrente invoca um único fundamento de recurso, relativo à violação do artigo 8.°, n.° 5, do Regulamento n.° 207/2009. Alega que, no caso em apreço, não estão preenchidos os requisitos previstos pela jurisprudência para que o público pertinente possa estabelecer uma ligação entre as marcas anteriores e a marca requerida. Ou seja, em primeiro lugar, os sinais em causa não apresentam nenhuma semelhança particular, em segundo lugar, os produtos em causa são diferentes e, em terceiro lugar, as marcas anteriores apenas gozam de um prestígio limitado. A título subsidiário, a recorrente alega que, em todo caso, a marca requerida não retira nenhum benefício indevido do prestígio das marcas anteriores.

18      Resulta da redação do artigo 8.°, n.° 5, do Regulamento n.° 207/2009 que a sua aplicação está sujeita aos três requisitos seguintes: em primeiro lugar, a identidade ou a semelhança das marcas em conflito, em segundo lugar, a existência de prestígio da marca anterior invocada na oposição, e, em terceiro lugar, a existência de um risco de que a utilização injustificada da marca para a qual foi pedido o registo beneficie indevidamente do caráter distintivo ou do prestígio da marca anterior ou possa prejudicá‑los. Estes três requisitos são cumulativos e o não preenchimento de um deles é suficiente para tornar inaplicável a referida disposição [v. acórdão do Tribunal Geral de 8 de dezembro de 2011, Aktieselskabet af 21. november 2001/IHMI ― Parfums Givenchy (only givenchy), T‑586/10, não publicado na Coletânea, n.° 57 e jurisprudência citada].

19      A este respeito, resulta da jurisprudência que as infrações a que se refere o artigo 8.°, n.° 5, do Regulamento n.° 207/2009, quando ocorrem, são a consequência de um certo grau de semelhança entre as marcas em conflito, devido ao qual o público em causa efetua uma aproximação entre essas marcas, isto é, estabelece uma ligação entre elas, embora não as confunda [acórdão do Tribunal Geral de 12 de novembro de 2009, Spa Monopole/IHMI ― De Francesco Import (SpagO), T‑438/07, Colet., p. II‑4115, n.° 15; v., igualmente, por analogia, acórdão do Tribunal de Justiça de 27 de novembro de 2008, Intel Corporation, C‑252/07, Colet., p. I‑8823, n.° 30 e jurisprudência citada].

20      A existência, no espírito do público em causa, de uma ligação entre as marcas em conflito deve ser apreciada globalmente, tendo em conta todos os fatores pertinentes do caso em apreço (v., por analogia, acórdão Intel Corporation, já referido no n.° 19, supra, n.° 41 e jurisprudência citada).

21      O Tribunal de Justiça precisou os fatores que podem ser pertinentes na apreciação global que visa estabelecer a existência da referida ligação entre as marcas em conflito. Assim, entre esses fatores, o Tribunal de Justiça referiu, em primeiro lugar, o grau de semelhança entre as marcas em conflito, em segundo lugar, a natureza dos produtos ou dos serviços para os quais as marcas em conflito estão respetivamente registadas, incluindo o grau de proximidade ou de diferença desses produtos ou desses serviços e o público em causa, em terceiro lugar, a intensidade do prestígio da marca anterior, em quarto lugar, o grau de caráter distintivo, intrínseco ou adquirido pelo uso, da marca anterior e, em quinto lugar, a existência de risco de confusão no espírito do público (acórdão Intel Corporation, já referido no n.° 19, supra, n.° 42).

22      É à luz destes princípios que importa apreciar, no caso em apreço, a legalidade da decisão recorrida.

 Quanto ao público pertinente

23      Relativamente ao público pertinente, importa recordar que, segundo a jurisprudência, a existência da ligação entre as marcas em conflito, de que dependem os comportamentos abusivos previstos pelo artigo 8.°, n.° 5, do Regulamento n.° 207/2009, pressupõe que os públicos em causa para os produtos ou serviços para os quais as referidas marcas estão registadas sejam os mesmos ou «se sobreponham» numa determinada medida (acórdão Intel Corporation, referido no n.° 19, supra, n.os 46 a 49).

24      Ora, no caso em apreço, por um lado, o público‑alvo dos produtos designados pelas marcas anteriores, em relação aos quais o prestígio destas é invocado, a saber, os «periódicos» e os «livros», é constituído pelo grande público [v., neste sentido, acórdãos do Tribunal Geral de 19 de novembro de 2009, Agencja Wydawnicza Technopol/IHMI (100 e 300), T‑425/07 e T‑426/07, Colet., p. II‑4275, n.° 24, e Agencja Wydawnicza Technopol/IHMI (222, 333 e 555), T‑200/07 a T‑202/07, não publicado na Coletânea, n.° 26]. A este respeito, na medida em que uma das duas marcas anteriores em que a oposição da interveniente se baseou é uma marca comunitária, o público pertinente é o grande público da União.

25      Por outro lado, importa salientar que os produtos a que se refere a marca requerida, a saber, os «vinhos», são igualmente destinados ao grande público da União. Com efeito, segundo a jurisprudência, uma vez que são normalmente objeto de uma distribuição generalizada, que vai desde a secção da alimentação das grandes superfícies aos restaurantes e aos cafés, trata‑se de produtos de consumo corrente, para os quais o público pertinente é o consumidor médio dos produtos de grande consumo, que se presume estar normalmente informado e razoavelmente atento e avisado [v. acórdãos do Tribunal Geral de 16 de setembro de 2009, Dominio de la Vega/IHMI ― Ambrosio Velasco (DOMINIO DE LA VEGA), T‑458/07, não publicado na Coletânea, n.° 27, e de 23 de setembro de 2009, Viñedos y Bodegas Príncipe Alfonso de Hohenlohe/IHMI ― Byass (ALFONSO), T‑291/07, não publicado na Coletânea, n.° 29 e jurisprudência citada].

26      Nestas condições, uma vez que os consumidores interessados pelos produtos designados pelos sinais em conflito são o grande público da União, deve concluir‑se que, no caso em apreço, os públicos em causa «se sobrepõem», nos termos da jurisprudência referida no n.° 23, supra.

27      O argumento da recorrente de que o público visado pelos produtos abrangidos pela marca requerida demonstra ter um grau de atenção superior à média, sendo um público particularmente exigente na medida em que estes produtos apresentam a especificidade de serem vinhos do tipo «cacher», não pode ser acolhido.

28      Com efeito, em primeiro lugar, resulta da jurisprudência constante citada no n.° 25, supra, que o consumidor de vinhos tem, em geral, um grau de atenção médio. Ora, para pôr em causa a apreciação da Câmara de Recurso, não basta que a recorrente afirme que, num determinado setor, o consumidor é particularmente atento às marcas, mas deve também sustentar esta alegação [v. acórdão do Tribunal Geral de 5 de outubro de 2011, La Sonrisa de Carmen e Bloom Clothes/IHMI ― Heldmann (BLOOMCLOTHES), T‑118/09, não publicado na Coletânea, n.os 21 e 22 e jurisprudência citada], o que, no caso em apreço, não fez de forma bastante.

29      Em seguida, há que observar que a marca requerida designa o vinho em geral, e não tipos particulares de vinhos. Assim, o facto de a recorrente entender utilizar a marca requerida para vender vinhos de tipo «cacher», que faz parte das modalidades de comercialização particulares dos produtos designados pela referida marca, que podem variar no tempo e segundo a vontade dos seus titulares, em nada afeta o facto, admitido aliás pela própria recorrente na audiência, de que a proteção da marca requerida, se devesse ser registada, abarcaria todos os vinhos, de modo que é para a totalidade dos produtos «vinhos» que importa definir o público pertinente [v., neste sentido e por analogia, acórdão do Tribunal Geral de 16 de setembro de 2009, Zero Industry/IHMI ― zero Germany (zerorh+), T‑400/06, não publicado na Coletânea, n.° 38 e jurisprudência citada].

 Quanto ao prestígio das marcas anteriores

30      Relativamente ao prestígio das marcas anteriores, a recorrente afirma que não é suficiente para que o público em causa estabeleça uma ligação entre elas e a marca requerida no domínio do vinho. O facto de a revista Elle poder dedicar artigos ou rubricas aos vinhos não confere às marcas anteriores notoriedade nesse domínio.

31      A este respeito, para satisfazer o requisito relativo ao prestígio, uma marca anterior deve ser conhecida por uma parte significativa do público interessado pelos produtos ou serviços por ela abrangidos. No âmbito da apreciação deste requisito, há que ter em consideração todos os elementos pertinentes em causa, a saber, a quota de mercado detida pela marca anterior, a intensidade, o alcance geográfico e a duração da sua utilização, bem como a importância dos investimentos efetuados pela empresa para a promover, sem se exigir que a marca anterior seja conhecida por uma determinada percentagem do público assim definido ou que o seu prestígio se estenda à totalidade do território em causa, desde que o prestígio exista numa parte substancial do mesmo [v., por analogia, acórdão do Tribunal de Justiça de 14 de setembro de 1999, General Motors, C‑375/97, Colet., p. I‑5421, n.os 24, 25 e 27 a 29, e, relativamente ao artigo 8.°, n.° 5, do Regulamento n.° 40/94, acórdão do Tribunal Geral de 19 de junho de 2008, Mülhens/IHMI ― Spa Monopole (MINERAL SPA), T‑93/06, não publicado na Coletânea, n.° 33].

32      No caso em apreço, importa referir que a recorrente admite que, devido ao sucesso da revista Elle, as marcas anteriores são prestigiadas no domínio dos periódicos e dos livros no território da União ou, pelo menos, numa parte significativa deste território.

33      Ora, não resulta de modo nenhum da jurisprudência que, para demonstrar que o público pertinente pode efetuar uma aproximação entre as marcas em conflito, estabelecendo uma ligação entre elas, é necessário provar que as marcas anteriores adquiriram prestígio no domínio dos produtos ou dos serviços visados pela marca requerida. Assim, nos termos do artigo 8.°, n.° 5, do Regulamento n.° 207/2009, a Câmara de Recurso não estava obrigada a estabelecer que as marcas anteriores tinham prestígio no domínio dos vinhos.

34      A este respeito, deve ainda salientar‑se que, segundo a jurisprudência, só no caso de o público interessado pelos produtos designados pela marca anterior e o público interessado pelos produtos designados pela marca requerida serem distintos é que pode ser necessário ter em consideração a intensidade do prestígio da marca anterior, para determinar se este prestígio se estende além do público visado por essa marca (acórdão Intel Corporation, já referido no n.° 19, supra, n.os 51 a 53). Todavia, no caso em apreço, tal como foi afirmado no n.° 26, supra, os produtos designados pelas marcas anteriores e os produtos designados pela marca requerida referem‑se, pelo menos em parte, ao mesmo público.

35      Nestas condições, deve concluir‑se que a recorrente não demonstrou que a Câmara de Recurso cometeu um erro ao considerar que o prestígio das marcas anteriores era suficiente para o público em causa poder estabelecer uma ligação entre elas e a marca requerida.

 Quanto à semelhança dos sinais em conflito

36      Relativamente ao requisito da existência de identidade ou de semelhança entre os sinais em conflito, importa comparar as marcas anteriores e a marca requerida.

37      A este respeito, há que recordar, a título preliminar, que, para satisfazer o requisito relativo à semelhança das marcas, imposto pelo artigo 8.°, n.° 5, do Regulamento n.° 207/2009, não é necessário demonstrar que, no espírito do público em causa, existe risco de confusão entre a marca anterior que goza de prestígio e a marca requerida. Basta que o grau de semelhança entre estas marcas leve o público em causa a estabelecer uma ligação entre elas [v., por analogia, acórdãos do Tribunal de Justiça de 23 de outubro de 2003, Adidas‑Salomon e Adidas Benelux, C‑408/01, Colet., p. I‑12537, n.os 27 e 31, e de 18 de junho de 2009, L’Oréal e o./Bellure e o., C‑487/07, Colet., p. I‑5185, n.° 36; acórdão do Tribunal Geral de 16 de abril de 2008, Citigroup e Citibank/IHMI ― Citi (CITI), T‑181/05, Colet., p. II‑669, n.os 64 e 65]. A este respeito, quanto mais semelhantes forem as marcas em conflito, mais provável será que a marca requerida evoque, no espírito do público pertinente, a marca anterior de prestígio (acórdão Intel Corporation, já referido no n.° 19, supra, n.° 44).

38      A apreciação global que visa estabelecer a existência da ligação entre as marcas em causa deve basear‑se, em relação à semelhança visual, fonética ou conceptual dos sinais em conflito, na impressão de conjunto por eles produzida, tendo em conta os seus elementos distintivos e dominantes [acórdãos do Tribunal Geral de 16 de maio de 2007, La Perla/IHMI ― Worldgem Brands (NIMEI LA PERLA MODERN CLASSIC), T‑137/05, não publicado na Coletânea, n.° 35, e de 25 de março de 2009, L’Oréal/IHMI ― Spa Monopole (SPALINE), T‑21/07, não publicado na Coletânea, n.° 18].

39      Além disso, a apreciação da semelhança entre duas marcas não se pode limitar a tomar em consideração apenas uma componente de uma marca complexa e a compará‑la com outra marca. Pelo contrário, é necessário realizar a comparação examinando as marcas em causa, cada uma delas considerada no seu conjunto, o que não exclui que a impressão de conjunto produzida na memória do público pertinente por uma marca complexa possa, em determinadas circunstâncias, ser dominada por um ou por várias das suas componentes [v., por analogia, acórdão do Tribunal Geral de 15 de dezembro de 2009, Trubion Pharmaceuticals/IHMI ― Merck (TRUBION), T‑412/08, não publicado na Coletânea, n.° 35 e jurisprudência citada].

40      É à luz destes princípios que importa apreciar se a Câmara de Recurso cometeu um erro ao concluir que os sinais em causa eram suficientemente semelhantes para que o público pertinente pudesse estabelecer uma ligação entre as marcas em causa.

41      Na decisão recorrida, a Câmara de Recurso considerou, em primeiro lugar, que a palavra «ella» era o elemento dominante da marca requerida, pelo facto de esta palavra estar escrita em letras maiúsculas de tamanho grande, bem como pelo fraco caráter distintivo dos seus outros elementos nominativos e figurativos. Em seguida, partindo desta premissa, concluiu que o público interessado podia estabelecer uma ligação entre as marcas em causa, devido à proximidade entre o elemento dominante «ella» da marca requerida e o único sinal que constitui as marcas anteriores ELLE.

42      No caso em apreço, conforme resulta do n.° 2, supra, a marca requerida é constituída por um retângulo de cor negra, com um fino rebordo de cor branca, que reproduz o rótulo de uma garrafa de vinho. As palavras «ella» e «valley» estão escritas em letras maiúsculas brancas, no interior do retângulo. A palavra «vineyards» está escrita em letras maiúsculas negras, debaixo do retângulo.

43      Ora, como afirmou a Câmara de Recurso, embora na marca requerida a palavra «ella» seja de maior dimensão que a palavra «valley» e esteja posicionada por cima desta, deve considerar‑se que a marca requerida tem uma configuração que não permite apreender estas duas palavras separadamente. Com efeito, cabe observar que os termos «ella» e «valley» figuram ambos dentro do retângulo de cor negra e estão escritos com um tipo de carateres e uma cor idênticos. Deste modo, devido à contiguidade destas duas palavras no retângulo de cor negra, bem como à sua cor e ao seu tipo de carateres idêntico, e apesar da sua diferença de tamanho, o público pertinente apreenderá a expressão «ella valley» como um todo indissociável. A este respeito, importa recordar que, segundo jurisprudência constante, o consumidor apreende normalmente uma marca como um todo, sem proceder a uma análise dos diferentes pormenores (v. despacho do Tribunal de Justiça de 29 de junho de 2011, adp Gauselmann/IHMI, C‑532/10 P, não publicado na Coletânea, n.° 24 e jurisprudência citada).

44      Estas considerações são ainda mais pertinentes num contexto vinícola. Com efeito, neste contexto, é frequente o consumidor deparar‑se, no momento da compra do produto, com rótulos que contêm denominações constituídas por uma expressão que inclui uma palavra seguida do termo «valley», que designa um vale. Além disso, há que observar que essa circunstância foi confirmada pela própria Câmara de Recurso, quando referiu, tanto no n.° 16 como no n.° 19 da decisão recorrida, uma série de indicações de origem de vinhos assim constituídos, tais como, nomeadamente, «Napa Valley», «Sonoma Valley» ou «Barrosa Valley». Ora, estas numerosas indicações de origem demonstram claramente que essas denominações são comuns no setor vinícola.

45      Resulta destas considerações que, pela leitura da expressão «ella valley», tomada no seu conjunto, o consumidor pertinente terá tendência para a entender como uma referência a um topónimo que indica a origem do vinho. A este respeito, deve igualmente considerar‑se que, embora o consumidor de vinhos faça prova de um grau de atenção médio, conforme foi dito nos n.os 25 e 28, supra, a origem do vinho raramente lhe é indiferente quando compra o produto. Por conseguinte, o referido consumidor presta normalmente uma certa atenção à indicação de origem do vinho que compra.

46      Além disso, importa ainda salientar que a recorrente indicou perante o Tribunal Geral que a expressão inglesa «ella valley» remete para vale de Elah, em Israel ― mencionado na Bíblia como sendo o local onde David teria vencido Golias ―, no qual é produzido o vinho que a recorrente comercializa sob a marca requerida. Ora, independentemente da questão de saber se esta circunstância pode ter como consequência que a marca requerida seja composta exclusivamente por sinais com caráter descritivo ― questão que não é o objeto do presente processo ―, importa constatar que o facto de a expressão «ella valley» se referir a um vale que existe realmente milita a favor da conclusão de que esta expressão constitui um topónimo. A este respeito, conforme foi reconhecido pelas partes na audiência, tanto a palavra «ella» como a palavra «elah» são meras transcrições aproximativas de um termo hebraico, o que permite explicar as diferenças de escrita entre estas duas palavras.

47      À luz das considerações anteriores, deve concluir‑se que, no caso em apreço, contrariamente ao que entendeu a Câmara de Recurso, o público pertinente apreenderá a expressão «ella valley», tomada no seu conjunto, sem separar os elementos nominativos que a constituem, e, por conseguinte, compreendê‑la‑á no sentido de que se refere a um topónimo que indica a origem do vinho.

48      Relativamente ao termo «vineyards», não é contestado que, na medida em que remete para o conceito de «vinhedo», faz referência, pelo menos para o público anglófono da União, à origem do produto designado pela marca requerida e, por conseguinte, tem caráter pouco distintivo. Assim, atendendo igualmente à sua dimensão reduzida e à sua posição no sinal requerido, o referido termo não é suscetível de ser apreendido pelo consumidor como o elemento que indica a origem comercial dos produtos em causa, o que, todavia, não significa necessariamente que deva ser considerado negligenciável na impressão de conjunto veiculada pela marca requerida.

49      Nestas condições, há que observar que é a expressão «ella valley», tomada no seu conjunto ― e não apenas o elemento «ella», como considerou a Câmara de Recurso ―, que constitui o elemento dominante da marca requerida. Resulta daqui que, no caso em apreço, a apreciação global que visa estabelecer a existência de uma ligação entre as marcas em causa deve ser efetuada, no que respeita à semelhança visual, fonética ou conceptual dos sinais em conflito, entre as marcas anteriores e a marca requerida, sendo o elemento dominante constituído pela expressão «ella valley», sem desdenhar os outros elementos.

50      Ora, neste contexto, há que constatar que, no plano visual, os sinais em causa apenas apresentam um fraco grau de semelhança. Com efeito, embora seja verdade que as três primeiras letras da marca requerida são idênticas às das marcas anteriores, este facto não é suficiente para contrabalançar as numerosas diferenças que existem entre os sinais em causa. Assim, enquanto as marcas anteriores são compostas por uma palavra de quatro letras, o elemento dominante da marca requerida é composto por duas palavras, num total de dez letras, apresentadas em duas linhas. Além disso, importa igualmente observar que a primeira palavra da expressão «ella valley» não é idêntica à palavra «elle» das marcas anteriores, da qual se diferencia pela última letra. O elemento nominativo «vineyards» e os elementos figurativos da marca requerida acrescentam elementos de diferenciação no plano visual, embora fracos, entre os sinais em causa.

51      A este respeito, como salientou a Câmara de Recurso e como sublinham o IHMI e a interveniente, embora os tipos de carateres utilizados nas marcas anteriores e na marca requerida sejam idênticos, trata‑se de um tipo de carateres bastante comum e frequentemente utilizado. Por conseguinte, o tipo de carateres utilizado nos elementos nominativos dos sinais em conflito não constitui, no caso em apreço, um elemento suscetível de contrabalançar os numerosos elementos de diferenciação que existem entre as marcas em causa.

52      No plano fonético, as marcas em causa apresentam igualmente diferenças que prevalecem sobre os elementos de semelhança. Com efeito, cabe referir que a diferença de comprimento entre as marcas anteriores ― constituídas por uma palavra de quatro letras ― e a marca requerida ― constituída por um elemento nominativo dominante composto por duas palavras, num total de dez letras, e por uma palavra de nove letras ― produz uma sonoridade e um ritmo diferentes que não podem ser contrabalançados pela identidade das três primeiras letras do elemento nominativo que constitui as marcas anteriores e da primeira palavra que constitui o elemento dominante da marca requerida.

53      No plano conceptual, os sinais em causa também não apresentam um nível de semelhança suficiente para que o público pertinente possa estabelecer uma ligação entre as marcas em causa. Com efeito, conforme resulta das considerações expostas nos n.os 43 a 47, supra, a marca requerida é suscetível de evocar no espírito do público pertinente um topónimo ligado à origem do vinho comercializado sob essa marca, ao passo que isso não acontece com as marcas anteriores. Deste modo, embora não esteja excluído que, tendo em conta o prestígio de que gozam as marcas anteriores, a palavra «elle» possa evocar a revista Elle para uma parte do público da União, isto em nada afeta a conclusão de que os sinais em causa não apresentam semelhanças no plano conceptual.

54      No que respeita à semelhança dos sinais em conflito, importa igualmente observar que, no que se refere às decisões dos órgãos jurisdicionais nacionais apresentadas pela interveniente em apoio da sua tese sobre a semelhança que existe entre os termos «elle» e «ella», resulta de uma jurisprudência constante que, embora nem as partes nem o Tribunal Geral possam ser impedidos de se inspirar, para a interpretação do direito da União, em elementos retirados da jurisprudência nacional [v. acórdão do Tribunal Geral de 13 de julho de 2011, Evonik Industries/IHMI (Retângulo púrpura com um lado convexo), T‑499/09, não publicado na Coletânea, n.° 42 e jurisprudência citada], essa jurisprudência não vincula o juiz da União, uma vez que o sistema da marca comunitária é um sistema autónomo cuja aplicação é independente de qualquer sistema nacional [acórdãos do Tribunal Geral de 5 de dezembro de 2000, Messe München/IHMI (electronica), T‑32/00, Colet., p. II‑3829, n.° 47, e de 12 de julho de 2006, Rossi/IHMI ― Marcorossi (MARCOROSSI), T‑97/05, não publicado na Coletânea, n.° 53].

55      Resulta de todas estas considerações que, contrariamente ao que concluiu a Câmara de Recurso, os sinais em causa no presente processo não são suficientemente semelhantes para que o público pertinente possa associar a marca requerida às marcas anteriores.

56      Deste modo, a apreciação global que visa estabelecer a existência, no espírito do público interessado, de uma ligação entre as marcas em conflito, conforme é exigido pela jurisprudência mencionada nos n.os 19 a 21, supra, deve conduzir à conclusão de que, atendendo às diferenças que existem entre os sinais em causa, e não obstante o prestígio das marcas anteriores, não há, no caso em apreço, o risco de esse público poder estabelecer uma ligação dessa natureza.

57      Por conseguinte, há que concluir que, no caso em apreço, não está preenchido um dos requisitos de aplicação do artigo 8.°, n.° 5, do Regulamento n.° 207/2009, a saber, a semelhança das marcas em conflito que tenha por efeito o estabelecimento de uma ligação entre as referidas marcas pelo público interessado.

58      Nestas circunstâncias, uma vez que os requisitos de aplicação do artigo 8.°, n.° 5, do Regulamento n.° 207/2009 são cumulativos e que a falta de um deles é suficiente para tornar inaplicável a referida disposição (v. n.° 18, supra), há que julgar o recurso procedente e anular a decisão recorrida, sem que seja necessário apreciar o requisito relativo à existência do risco de a utilização injustificada da marca requerida beneficiar indevidamente do caráter distintivo ou do prestígio da marca anterior.

 Quanto às despesas

59      Nos termos do artigo 87.°, n.° 2, do Regulamento de Processo do Tribunal Geral, a parte vencida é condenada nas despesas se a parte vencedora o tiver requerido.

60      Tendo o IHMI sido vencido, há que o condenar nas despesas, de acordo com o pedido da recorrente. Tendo a interveniente sido vencida no seu pedido, há que a condenar nas suas próprias despesas.

Pelos fundamentos expostos,

O TRIBUNAL GERAL (Primeira Secção)

decide:

1)      É anulada a decisão da Primeira Câmara de Recurso do Instituto de Harmonização do Mercado Interno (marcas, desenhos e modelos) (IHMI), de 11 de novembro de 2009 (processo R 1293/2008‑1).

2)      O IHMI é condenado a suportar, além das suas próprias despesas, as despesas da Ella Valley Vineyards (Adulam) Ltd.

3)      A Hachette Filipacchi Presse (HFP) suportará as suas próprias despesas.

Azizi

Cremona

Frimodt Nielsen

Proferido em audiência pública no Luxemburgo, em 9 de março de 2012.

Assinaturas


* Língua do processo: francês.