Language of document : ECLI:EU:T:2007:344

Processo T‑215/07 R

Beniamino Donnici

contra

Parlamento Europeu

«Processo de medidas provisórias – Decisão do Parlamento Europeu – Verificação dos poderes dos eleitos – Invalidação de um mandato parlamentar resultante da aplicação do direito eleitoral nacional – Pedido de suspensão da execução – Admissibilidade – Fumus boni juris – Urgência – Ponderação dos interesses»

Sumário do despacho

1.      Processo de medidas provisórias – Suspensão da execução – Requisitos de concessão – Interesse do requerente em obter a suspensão solicitada

(Artigo 242.° CE; Regulamento de Processo do Tribunal de Primeira Instância, artigo 104.°, n.° 2)

2.      Parlamento – Verificação dos poderes dos membros – Limites

(Acto relativo à eleição dos representantes na assembleia por sufrágio universal directo, artigo 12.°)

3.      Parlamento – Membros – Conceito

(Acto relativo à eleição dos representantes na assembleia por sufrágio universal directo, artigo 6.°)

4.      Parlamento – Legalidade de uma decisão do Parlamento sobre a verificação dos poderes dos eleitos

(Artigo 234.° CE; acto relativo à eleição dos representantes na assembleia por sufrágio universal directo)

5.      Processo de medidas provisórias – Suspensão da execução – Suspensão da execução de um acto do parlamento Europeu que invalida o mandato de um dos seus membros por falta de poderes

(Artigo 242.° CE; acto relativo à eleição dos representantes para a assembleia por sufrágio universal directo, artigo 8.°; Regulamento de Processo do Tribunal de Primeira Instância, artigo 104.°, n.° 2)

1.      Um pedido de suspensão da execução de uma decisão administrativa negativa não é, em princípio, concebível, uma vez que a concessão da suspensão não pode ter como efeito a modificação da situação do requerente.

Todavia, não pode ser qualificada como acto negativo uma decisão do Parlamento Europeu que procede à verificação dos poderes de um requerente na qualidade de membro desta instituição e que declara, na sequência dessa verificação, o seu mandato inválido. Com efeito, o deferimento do pedido de suspensão da execução da referida decisão conduziria a uma modificação da situação jurídica do requerente, que teria desde logo como efeito a manutenção da situação provisória favorável de que beneficiava, durante a qual ele continuaria a ocupar o seu lugar no Parlamento Europeu e nos seus órgãos, no pleno gozo dos seus direitos.

(cf. n.os 33, 35, 36)

2.      Resulta da redacção do artigo 12.° do Acto de 1976, relativo à eleição dos representantes na assembleia por sufrágio universal directo, que o Parlamento Europeu não dispõe de competência nenhuma de princípio para assegurar o respeito do direito comunitário pelos Estados‑Membros, seja de forma geral, seja mais particularmente no âmbito eleitoral. Ao invés, os termos dessa disposição revelam que o poder de verificação de que o Parlamento Europeu dispõe é, pelo menos à primeira vista, restringido pela introdução de um limite duplo.

Por um lado, o exercício que consiste em «registar» resultados proclamados oficialmente pelos Estados‑Membros parece significar que o papel do Parlamento se limita a registar a constatação, já efectuada pelas autoridades nacionais, das pessoas eleitas, ou seja, uma situação jurídica pré‑existente e que resulta exclusivamente de uma decisão dessas autoridades, o que evidencia a total ausência de margem de apreciação do Parlamento Europeu na matéria. Parece assim excluída a possibilidade de o Parlamento Europeu pôr em causa, nesse contexto, a própria regularidade do acto nacional em questão e recusar‑se a registá‑lo, se considerar que está perante uma irregularidade.

Por outro lado, a competência específica do Parlamento Europeu para decidir sobre as reclamações apresentadas no âmbito da verificação dos poderes está igualmente limitada ratione materiae às impugnações que possam eventualmente ser feitas com base nas disposições do Acto de 1976, com exclusão das disposições nacionais para as quais esse Acto remete.

(cf. n.os 71‑73, 75, 76)

3.      O artigo 6.° do Acto de 1976, relativo à eleição dos representantes na assembleia por sufrágio universal directo, visa apenas os membros do Parlamento Europeu, que devem poder exercer as suas prerrogativas de forma independente, e não os candidatos eleitos cujos poderes ainda não foram verificados pelo Parlamento Europeu, nos termos do artigo 12.° do Acto de 1976. A validação do mandato dessa pessoa pelo Parlamento, no âmbito do processo de verificação dos seus poderes, constitui uma condição prévia e indispensável para que o artigo 6.° do referido Acto que lhe seja aplicável. A situação de um candidato eleito não pode ser equiparada à de um membro do Parlamento para efeitos da aplicação do referido artigo 6.°

(cf. n.os 77, 79, 81)

4.      As eventuais irregularidades que viciaram a proclamação oficial dos resultados eleitorais pela autoridade nacional competente na matéria não podem afectar a legalidade da decisão do Parlamento sobre a verificação de poderes dos eleitos. Com efeito, quando um acto nacional se integra num processo de decisão comunitário e, em virtude da repartição de competências estabelecida no domínio considerado, vincula a instância comunitária de decisão e determina, por conseguinte, os termos da decisão comunitária a adoptar, as irregularidades que eventualmente viciem esse acto nacional não podem, em caso nenhum, afectar a validade da decisão da instância comunitária.

Cabe aos órgãos jurisdicionais nacionais decidir, se for esse o caso, após reenvio prejudicial ao Tribunal de Justiça, nos termos do artigo 234.° CE, sobre a legalidade das disposições e procedimentos eleitorais nacionais.

(cf. n.os 91‑93)

5.       O prejuízo grave e irreparável, critério da urgência, constitui o primeiro termo da comparação efectuada no âmbito da ponderação de interesses. Mais especificamente, essa comparação deve conduzir o juiz das medidas provisórias a examinar se a eventual anulação do acto controvertido pelo juiz de mérito permitiria inverter a situação provocada pela sua execução imediata e, inversamente, se a suspensão da execução do referido acto poderia ser um obstáculo ao seu pleno efeito no caso de ser negado provimento ao recurso no processo principal.

Numa situação de igualdade entre os interesses específicos em causa, os interesses mais gerais que militam quer pela concessão da suspensão da execução pedida quer pelo seu indeferimento, revestem uma importância particular.

A este respeito, é incontestável que o Estado‑Membro ao qual diz respeito uma decisão do Parlamento Europeu que invalida o mandato de um dos seus membros por falta de poderes tem interesse em ver a sua legislação em matéria eleitoral respeitada pelo Parlamento, uma vez que, em aplicação do artigo 8.° do Acto de 1976 relativo à eleição dos representantes na assembleia por sufrágio universal directo, o processo eleitoral é regulado, em cada Estado‑Membro, pelas disposições nacionais. É certo que a este interesse se pode opor o interesse geral do Parlamento Europeu em manter as suas decisões. No entanto, este último interesse não pode prevalecer na ponderação dos interesses em causa. Com efeito, mesmo admitindo que o Parlamento Europeu pode invocar a sua faculdade de ignorar os resultados eleitorais comunicados pelo Estado‑Membro em questão quando esses resultados lhe pareçam contrários às disposições do Acto de 1976, não é menos certo que essa faculdade só pode ser usada em raros casos e, como tal, excepcionais, já que se pode legitimamente supor que, em regra geral, os Estados‑Membros darão cumprimento à sua obrigação, decorrente do artigo 10.° CE, de adaptar o seu direito eleitoral às exigências do Acto de 1976.

(cf. n.os 106, 109, 110, 113)