Language of document : ECLI:EU:T:2021:895

ACÓRDÃO DO TRIBUNAL GERAL (Quarta Secção)

15 de dezembro de 2021 (*)

«Recurso de decisão do Tribunal da Função Pública — Função pública — Funcionários — Afetação num país terceiro — Alojamento familiar colocado à disposição pela Administração — Incumprimento da obrigação de aí residir em família — Processo disciplinar — Sanção disciplinar de suspensão da subida de escalão — Reparação do prejuízo sofrido pela União Europeia — Artigo 22.o do Estatuto — Negação de provimento ao recurso quanto ao mérito — Anulação em recurso — Acórdão proferido em sede de recurso reexaminado pelo Tribunal de Justiça e anulado — Remessa ao Tribunal Geral»

No processo T‑693/16 P‑RENV‑RX,

HG, representado por L. Levi, advogada,

recorrente,

sendo a outra parte no processo

Comissão Europeia, representada por T. Bohr, na qualidade de agente, assistido por A. Dal Ferro, advogado,

recorrida em primeira instância,

que tem por objeto um recurso do Acórdão do Tribunal da Função Pública da União Europeia (Segunda Secção) de 19 de julho de 2016, HG/Comissão (F‑149/15, EU:F:2016:155), que visa a anulação desse acórdão,

O TRIBUNAL GERAL (Quarta Secção),

composto por: S. Gervasoni, presidente, L. Madise (relator), P. Nihoul, juízes,

secretário: L. Ramette, administrador,

visto o Acórdão do Tribunal de Justiça de 26 de março de 2020,

após a audiência de 17 de junho de 2021,

profere o presente

Acórdão (1)

[omissis]

2        Com o seu recurso interposto nos termos do artigo 9.o do anexo I do Estatuto do Tribunal de Justiça da União Europeia, o recorrente, HG, funcionário da Comissão Europeia, pede a anulação do acórdão recorrido pelo qual o Tribunal da Função Pública negou provimento ao seu recurso que visa, em primeiro lugar, a título principal, a anulação da decisão da Comissão, de 10 de fevereiro de 2015, que lhe aplicou a sanção disciplinar de suspensão da subida de escalão por 18 meses e o condenou a reparar o prejuízo que a Comissão sofreu no montante de 108 596,35 euros (a seguir «a decisão controvertida») e, na medida do necessário, a anulação da decisão de indeferimento da sua reclamação contra a decisão controvertida e, de seguida, a título subsidiário, a redução da sanção pecuniária contida nessa decisão e, por último, a condenação da Comissão à reparação do dano não patrimonial e de reputação por ele sofridos, avaliados em 20 000 euros, bem como a condenação da Comissão no pagamento das despesas.

[omissis]

 Tramitação processual e pedidos das partes

[omissis]

39      O primeiro acórdão proferido em sede de recurso, que anulou o acórdão recorrido devido à irregularidade da composição da formação de julgamento do Tribunal da Função Pública que se pronunciou, foi proferido na sequência desse processo, mas ele próprio foi anulado pelo Tribunal de Justiça, como exposto nos n.os 1 e 3, supra, e o recurso foi remetido ao Tribunal Geral. Por conseguinte, o processo que tinha sido remetido ao Tribunal Geral por força do primeiro acórdão proferido em sede de recurso para que este se pronunciasse sobre o recurso interposto pelo recorrente no Tribunal da Função Pública (processo T‑440/18 RENV) foi encerrado por decisão do Secretário de 26 de março de 2020.

[omissis]

45      Foram ouvidas as alegações das partes e as suas respostas às questões do Tribunal Geral na audiência de 17 de junho de 2021. A fase oral do processo foi encerrada no mesmo dia.

46      O recorrente conclui pedindo que o Tribunal Geral se digne:

–        anular o acórdão recorrido;

–        anular a decisão controvertida;

–        na medida do necessário, anular a decisão que indeferiu a reclamação;

–        a título subsidiário, reduzir a sanção pecuniária contida na decisão controvertida;

–        condenar a Comissão na reparação do seu dano não patrimonial e de reputação no montante de 20 000 euros;

–        condenar a Comissão na totalidade das despesas das duas instâncias.

47      A Comissão conclui pedindo que o Tribunal Geral se digne:

–        negar provimento ao recurso;

–        condenar o recorrente na totalidade das despesas.

 Questão de direito

 Quanto ao recurso

[omissis]

 Quanto aos fundamentos invocados contra o acórdão recorrido no que respeita à responsabilidade financeira do recorrente considerada na decisão controvertida

[omissis]

–       Quanto ao fundamento relativo a erros de direito cometidos pelo juiz que conhece do mérito no que respeita à responsabilidade financeira do recorrente considerada na decisão controvertida

83      O recorrente expõe, antes de mais, no n.º 11 do recurso, que, ao examinar os seus argumentos «sobre a inexistência de materialidade das alegadas violações do dever de lealdade», o Tribunal da Função Pública considerou, no n.º 151 do acórdão recorrido, que, uma vez que o dever de lealdade de um funcionário da União em relação a esta se impõe de forma geral e objetiva, pouco importam as razões que levaram o recorrente a violar esse dever, admitindo que essas razões estejam provadas. Ora, segundo o recorrente, quando aplica o artigo 22.º do Estatuto, suscetível de fundamentar a responsabilidade financeira de um funcionário perante a União em consequência de culpa grave em que tiver incorrido no exercício, ou por causa do exercício das suas funções, a AIPN [Autoridade Investida do Poder de Nomeação] deve ter em conta eventuais circunstâncias atenuantes que possam encontrar‑se nas razões que explicam o incumprimento desse funcionário. Se assim não fosse, o princípio da proporcionalidade seria violado. Ao decidir que as razões que explicam o seu comportamento não tinham importância, o Tribunal da Função Pública cometeu, portanto, um erro de direito, tanto à luz do artigo 22.º do Estatuto, como do princípio da proporcionalidade.

[omissis]

86      O artigo 22.º, primeiro parágrafo, do Estatuto prevê que «[o] funcionário pode ser obrigado a reparar, na totalidade ou em parte, o prejuízo sofrido pela União, em consequência de culpa grave em que tiver incorrido no exercício, ou por causa do exercício das suas funções».

[omissis]

90      O artigo 11.º, primeiro parágrafo, primeiro período, do Estatuto, segundo o qual «[o] funcionário deve desempenhar as suas funções e pautar a sua conduta tendo unicamente em vista os interesses da União», consagra o dever de lealdade dos funcionários da União relativamente a esta. Este dever é explicitamente mencionado no seguimento do mesmo parágrafo, no terceiro período, que precisa que o funcionário deve desempenhar as funções que lhe sejam confiadas de forma objetiva e imparcial e observando o seu dever de lealdade para com a União. Este dever é igualmente explicitamente mencionado no artigo 17.º‑A do Estatuto, relativo aos limites à liberdade de expressão dos funcionários. As modalidades do respeito do dever de lealdade são especificadas à luz de certos aspetos ou de certas circunstâncias em várias disposições do Estatuto, como os artigos 12.º, 12.º‑B ou 17.º‑A.

[omissis]

93      A questão consiste, portanto, em saber se as razões que podem levar um funcionário a ter um comportamento ditado no todo ou em parte por interesses diferentes dos da União ou mesmo um comportamento oposto a estes, por exemplo a intenção de prejudicar, a corrupção, a indiferença, a motivação política, a vontade de obter uma vantagem para si ou de proporcionar a outros, uma pressão externa inultrapassável, um imperativo pessoal, devem ser tidas em conta para apreciar se esse comportamento constitui ou não uma marca de deslealdade em relação à União.

94      No n.o 151 do acórdão recorrido, o Tribunal da Função Pública respondeu negativamente com base no Acórdão de 23 de outubro de 2013, Gomes Moreira/ECDC (F‑80/11, EU:F:2013:159). Nesse acórdão, foi decidido, em substância, nos n.os 65 e 66, que a constatação de um incumprimento de vários deveres estatutários destinados, nomeadamente, a assegurar a lealdade dos funcionários não dependia da circunstância de o funcionário em causa ter causado um prejuízo à União ou de o seu comportamento ter suscitado queixas. Esta apreciação baseava‑se, ela própria, num precedente jurisprudencial (Acórdão de 3 de julho de 2001, E/Comissão, T‑24/98 e T‑241/99, EU:T:2001:175, n.o 76) no qual foi declarado que não era necessário que o funcionário em causa tivesse procurado beneficiar pessoalmente do seu comportamento ou que este último tenha causado um prejuízo à instituição para declarar um incumprimento de vários deveres da mesma ordem. Num outro processo, que deu origem ao Acórdão de 19 de março de 1998, Tzoanos/Comissão (T‑74/96, EU:T:1998:58, n.o 66), ele próprio invocado como precedente jurisprudencial no Acórdão de 3 de julho de 2001, E/Comissão (T‑24/98 e T‑241/99, EU:T:2001:175), no que respeita a um possível incumprimento da obrigação de um funcionário pedir uma autorização para exercer uma atividade externa, que decorre do dever de lealdade e que tem um alcance geral, foi decidido que, para apreciar a existência desse incumprimento, era supérfluo saber se essa atividade podia gerar um conflito de interesses tendo em conta as funções exercidas por esse funcionário.

95      Contrariamente ao que considerou o Tribunal da Função Pública, não resulta desses precedentes que as razões que levaram um funcionário a adotar um comportamento que viola alguns dos seus deveres para com a União não devem, em caso algum, ser tomadas em consideração para determinar se foi desleal em relação a esta.

96      É certo que, embora certas circunstâncias sejam, por natureza, indiferentes a este propósito, como as circunstâncias identificadas nos acórdãos mencionados no n.o 94, supra, a questão de saber se um comportamento foi desleal depende precisamente do contexto em que se inscreve. Por exemplo, um funcionário pode crer agir com vista aos interesses da União no exercício das suas funções, mas agir na realidade contra eles porque é ultrapassado por uma situação particularmente complexa e inédita, o que não traduz necessariamente uma falta de lealdade da sua parte mesmo que, num dado momento, tenha perdido de vista os interesses da União. Um problema pessoal grave de um funcionário pode fazer‑lhe passar momentaneamente, para segundo plano, os interesses da União no âmbito da sua conduta, sem que, em função das circunstâncias, possa ser sempre acusado de falta de lealdade por tal facto. Inversamente, se um funcionário alega que desrespeitou os interesses da União porque foi ultrapassado pela situação, ou que fez passar os interesses da União para segundo plano relativamente a problemas pessoais graves, não é indiferente saber, para apreciar a sua lealdade para com a União, se deu conta à hierarquia das suas dificuldades e que atitude adotou neste contexto.

97      Assim, apreciar a lealdade de uma pessoa, é apreciar o seu comportamento em relação à entidade ou à pessoa à qual essa lealdade é devida em função do contexto. O artigo 11.o, primeiro parágrafo, primeiro período, do Estatuto, que dispõe que «[o] funcionário deve desempenhar as suas funções e pautar a sua conduta tendo unicamente em vista os interesses da União», prescreve a este respeito um comportamento geral que caracteriza a lealdade para com a União, mas não constitui uma definição absoluta que afasta a tomada em consideração do contexto em que essa lealdade deve ser apreciada, exigida com base no artigo 11.o, primeiro parágrafo, terceiro período, do Estatuto, em que é mencionada a obrigação dos funcionários da União desempenharem as suas funções «observando o […] dever de lealdade para com a União».

98      A este respeito, nos acórdãos em que se baseou, direta ou indiretamente, o Tribunal da Função Pública no n.o 151 do acórdão recorrido, a apreciação segundo a qual, em substância, vários deveres estatutários se impõem de forma geral e objetiva visa esses deveres propriamente ditos, mas não significa que, de um ponto de vista mais geral, a lealdade ou a deslealdade de um funcionário da União deva ser apreciada independentemente das circunstâncias em que adotou um determinado comportamento e das razões pelas quais adotou esse comportamento. Desta forma, o Tribunal da Função Pública cometeu um erro de direito ao decidir que as razões que motivaram a conduta do recorrente eram indiferentes para constatar o alcance da violação do seu dever de lealdade.

99      Além disso, é com razão que o recorrente sustenta que, para qualificar, no âmbito de aplicação do artigo 22.o do Estatuto, o comportamento de um funcionário como constitutivo de culpa grave, a AIPN deve ter em conta as circunstâncias e não se pode limitar a declarar que o funcionário em causa violou as regras que lhe são impostas, ou por outras palavras, não se pode limitar a declarar que faltou a alguns dos seus deveres.

[omissis]

102    No quadro da fiscalização de legalidade, o juiz que conhece do mérito pode, para declarar improcedentes fundamentos ou argumentos de um recorrente, apoiar‑se em constatações, apreciações e qualificações vertidas no ato impugnado, se estas forem legais e, além disso, motivar o indeferimento destes fundamentos e argumentos pelas suas próprias considerações jurídicas (v., neste sentido, Despacho de 27 de setembro de 2004, UER/M6 e o., C‑470/02 P, não publicado, EU:C:2004:565, n.os 69 e 70, e Acórdão de 21 de setembro de 2010, Suécia e o./API e Comissão, C‑514/07 P, C‑528/07 P e C‑532/07 P, EU:C:2010:541, n.o 65). Em contrapartida, no âmbito da fiscalização da legalidade, o juiz que conhece do mérito não pode substituir a sua própria apreciação ou fundamentação à do autor do ato impugnado para o justificar (v., neste sentido, Acórdãos de 27 de janeiro de 2000, DIR International Film e o./Comissão, C‑164/98 P, EU:C:2000:48, n.o 38, e de 24 de janeiro de 2013, Frucona Košice/Comissão, C‑73/11 P, EU:C:2013:32, n.os 88 e 89). No entanto, quando exerce uma competência de plena jurisdição, como, com base no artigo 91.o, n.o 1, do Estatuto, nos litígios de caráter pecuniário entre a União e os seus funcionários e, em especial, com base no artigo 22.o, terceiro parágrafo, do Estatuto, nos litígios relativos à responsabilidade financeira dos funcionários perante a União, o próprio juiz que conhece do mérito pode ter em conta todas as circunstâncias do processo e, portanto, fornecer a este respeito a sua própria apreciação ou fundamentação para justificar o pagamento de uma quantia por uma parte à outra parte (v., neste sentido, Acórdãos de 27 de outubro de 1987, Houyoux e Guery/Comissão, 176/86 e 177/86, EU:C:1987:461, n.o 16, e de 20 de maio de 2010, Gogos/Comissão, C‑583/08 P, EU:C:2010:287, n.o 44 e jurisprudência referida).

103    No caso em apreço, há que observar que, ao indicar, no n.o 159 do acórdão recorrido, que a situação do recorrente era irregular desde setembro de 2008, o Tribunal da Função Pública retomou uma apreciação que figura na decisão controvertida nos considerandos 22 e 37. Ora, a retoma desta apreciação destinava‑se apenas, como resulta do n.o 160 do acórdão recorrido, a refutar os argumentos do recorrente sobre a avaliação do prejuízo que tinha podido infligir à União, cuja existência contestava até setembro de 2009, mas não visava, contrariamente ao que sustenta o recorrente, afirmar que as condições de aplicação do artigo 22.o do Estatuto estavam preenchidas desde setembro de 2008. Ao fazê‑lo, o Tribunal da Função Pública não qualificou, portanto, como constitutivo de culpa grave o comportamento do recorrente entre setembro de 2008 e dezembro de 2008 nem, aliás, fez crer que a AIPN teve em conta a culpa grave relativamente a um período com início em setembro de 2008 e, portanto, não desvirtuou os autos a este propósito, como também sustenta o recorrente no n.o 14 do recurso.

104    Por outro lado, ao indicar, no mesmo n.o 159 do acórdão recorrido, que a delegação tinha sido privada a partir de janeiro de 2009 da possibilidade de utilizar o alojamento de função do recorrente para novas finalidades, é certo que o Tribunal da Função Pública acrescentou, mesmo tendo em conta a decisão de indeferimento da reclamação do recorrente, um fundamento em relação à decisão controvertida, na qual apenas se indicava que o prejuízo resultava da assunção, pela União, do custo do arrendamento injustificado do apartamento familiar posto à disposição do recorrente. No entanto, este fundamento suplementar invocado pelo Tribunal da Função Pública consiste apenas em dizer que o comportamento do recorrente não permitiu diminuir o prejuízo identificado na decisão controvertida, mas não identifica um prejuízo suplementar. Além disso, esta apreciação pode resultar do exercício do poder de plena jurisdição do Tribunal da Função Pública relativamente à responsabilidade financeira do recorrente, poder que este, de resto, lhe tinha pedido para exercer. Por conseguinte, o erro de direito, relativo ao facto de o Tribunal da Função Pública ter identificado, no n.o 159 do acórdão recorrido, um novo prejuízo hipotético não suscetível de desencadear a responsabilidade financeira do recorrente não está demonstrado. Deve igualmente concluir‑se que o fundamento suplementar aduzido pelo Tribunal da Função Pública não pode revelar uma desvirtuação dos autos, tal como definida no n.o 67, supra.

105    O recorrente considera, em seguida, nos n.os 21 a 23 do recurso, que, ao examinar os seus argumentos sobre a «violação da prescrição quinquenal ou do prazo razoável», o Tribunal da Função Pública cometeu um erro de direito ao declarar que a prescrição de cinco anos prevista no artigo 85.o, segundo parágrafo, do Estatuto, invocada na petição, não se aplicava à sua situação.

[omissis]

107    Nos n.os 167 e 168 do acórdão recorrido, o Tribunal da Função Pública, baseando‑se no Acórdão de 27 de janeiro de 2016, DF/Comissão (T‑782/14 P, EU:T:2016:29, n.o 54), sublinhou que o artigo 85.o do Estatuto visa a reposição das quantias indevidamente recebidas por um funcionário e que, no caso em apreço, o recorrente não tinha recebido nenhuma quantia por parte da instituição, mas lhe causou um prejuízo financeiro, e que as quantias pagas por esta ao locador não eram indevidas.

[omissis]

109    Quanto ao mérito, há que sublinhar que o Acórdão de 27 de janeiro de 2016, DF/Comissão (T‑782/14 P, EU:T:2016:29), invocado pelo Tribunal da Função Pública, referido no n.º 107, supra, não permite considerar que o artigo 85.º do Estatuto não se aplica a uma situação em que é concedido um beneficio em espécie. Com efeito, ao indicar, no n.º 54 desse acórdão, proferido num processo em que o funcionário recorrente, ao qual era reclamado o reembolso de uma indemnização não devida, argumentava que não podia recuperar a parte transferida para a sua ex‑mulher no âmbito de uma pensão de alimentos, o Tribunal limitou‑se a declarar que o artigo 85.º do Estatuto apenas diz respeito à relação financeira entre o funcionário que beneficiou dos pagamentos irregulares e a instituição em causa, pouco importando as eventuais consequências da reposição para o funcionário relativamente a outras pessoas que tinham podido beneficiar diretamente ou indiretamente desses pagamentos irregulares objeto da recuperação por esta instituição, dado que tais questões decorriam do direito privado. Por conseguinte, o referido acórdão não se pronuncia sobre a questão de saber se se pode considerar que um benefício em espécie, como a prestação de um apartamento de função, pode ser considerado parte da relação financeira entre um funcionário e a sua instituição e pode ser objeto de uma ação de reposição. Além disso, nada se opõe a que um benefício em espécie indevido, que equivale ao pagamento indireto de uma quantia, seja objeto de uma reposição. Se assim não fosse, as instituições nunca poderiam obter o reembolso desses benefícios indevidos, a menos que iniciassem o procedimento previsto no artigo 22.º do Estatuto e provassem culpa grave dos funcionários em causa, o que seria inadequado a um certo número de circunstâncias e conduziria a uma desigualdade de tratamento entre os funcionários que obtiveram um beneficio indevido sob a forma de pagamento direto de uma quantia em dinheiro e os que obtiveram um beneficio indevido sob a forma de um benefício em espécie. Assim, ao decidir que, uma vez que o recorrente não tinha recebido diretamente nenhuma quantia da sua instituição, não podia invocar o artigo 85.º do Estatuto, o Tribunal da Função Pública cometeu um erro de direito.

110    Todavia, embora os fundamentos de um acórdão do juiz que conhece do mérito mostrem uma violação do direito da União, se a sua parte decisória se mostrar fundada por diferentes razões jurídicas, deve ser negado provimento ao recurso dele interposto. A mesma abordagem é válida para a análise pelo juiz que conhece do mérito de um fundamento do pedido, ou de uma parte do fundamento do pedido, considerado de maneira isolada (v., neste sentido, Acórdão de 9 de junho de 1992, Lestelle/Comissão, C‑30/91 P, EU:C:1992:252, n.os 27 a 29).

111    No caso concreto, o Tribunal da Função Pública recordou igualmente, no n.o 167 do acórdão recorrido, que, através do seu comportamento, o recorrente causou um prejuízo financeiro à sua instituição. Esta asserção leva a sublinhar que a responsabilidade financeira do recorrente não foi estabelecida pela AIPN com base no artigo 85.o do Estatuto, relativo à reposição de importância recebida indevidamente com base na constatação de um benefício indevido, mas com base no artigo 22.o do Estatuto, relativo à reparação dos prejuízos sofridos pela União em consequência de culpa grave em que tiverem incorrido os seus funcionários no exercício ou por causa do exercício das suas funções, com base na identificação de um prejuízo causado à União em consequência de culpa grave do recorrente.

112    Deve sublinhar‑se que as condições de recurso do artigo 85.o e do artigo 22.o do Estatuto são nitidamente diferentes, tal como o seu contexto. A decisão de reposição pressupõe apenas, nos termos do artigo 85.o do Estatuto, a demonstração de que foi indevidamente fornecida ao funcionário em causa uma importância ou um benefício equivalente e que este tinha conhecimento dessa irregularidade ou que era tão evidente que dela não podia deixar de ter conhecimento, enquanto que a decisão de obrigar à reparação de um prejuízo com base no artigo 22.o do Estatuto pressupõe a demonstração da culpa grave do funcionário que está na origem desse prejuízo. A decisão de reposição pode ser adotada depois de, se for caso disso, se terem recolhido elementos de facto ou observações do funcionário em causa, a partir do momento em que seja feita prova das condições previstas no artigo 85.o do Estatuto, ao passo que a decisão de obrigar à reparação de um prejuízo com base no artigo 22.o do Estatuto só pode ser adotada, por força do segundo parágrafo desta disposição, após observação das formalidades prescritas em matéria disciplinar, isto é, tendo em conta a necessidade de caracterizar a culpa grave, em princípio, na sequência de um inquérito, de um processo perante o Conselho de Disciplina e da fase contraditória final na AIPN, tal como previsto no anexo IX do Estatuto. Estas diferenças na natureza e nas condições de fundo e de adoção das decisões em questão justificam que a AIPN possa, em função das circunstâncias, agir nos termos do artigo 22.o do Estatuto, embora pudesse ter atuado ao abrigo do artigo 85.o do Estatuto, mesmo que as regras ou princípios em matéria de prazos não sejam idênticos nos dois casos, o que, de resto, também se pode justificar por essas diferenças.

113    Tendo em conta os fundamentos que figuram nos n.os 111 e 112, supra, a regra de prescrição específica do artigo 85.o do Estatuto, invocada pelo recorrente, foi corretamente afastada pelo Tribunal da Função Pública.

114    O recorrente considera, em seguida, nos n.os 24 e 25 do recurso, que, ao examinar os seus argumentos sobre a «violação da prescrição quinquenal ou do prazo razoável», o Tribunal da Função Pública cometeu igualmente erros de direito ao rejeitar os argumentos subsidiários da petição segundo os quais, se a prescrição quinquenal prevista no artigo 85.o, segundo parágrafo, do Estatuto não se aplicasse, haveria que ter em conta, «como parâmetro igualmente do prazo razoável» para a aplicação do artigo 22.o do Estatuto, da prescrição quinquenal prevista no artigo 81.o do Regulamento (UE, Euratom) n.o 966/2012 do Parlamento Europeu e do Conselho, de 25 de outubro de 2012, relativo às disposições financeiras aplicáveis ao orçamento geral da União e que revoga o Regulamento (CE, Euratom) n.o 1605/2002 (JO 2012, L 298, p. 1).

[omissis]

127    Há que salientar que, no caso em apreço, tanto o recorrente como o Tribunal da Função Pública se equivocaram quanto ao âmbito de aplicação da lei ao invocar, respetivamente, no n.o 130 da petição, as disposições do artigo 81.o do Regulamento n.o 966/2012 para arguir uma prescrição ou a inobservância de um prazo razoável e, no n.o 170 do acórdão recorrido, as do artigo 93.o, n.o 2, do Regulamento Delegado n.o 1268/2012, adotadas em execução das primeiras, para arguir a interrupção do prazo invocado.

128    Com efeito, no Regulamento n.o 966/2012, que era o regulamento que fixava as disposições financeiras aplicáveis ao orçamento geral da União no momento da adoção da decisão controvertida, o artigo 81.o figura no capítulo «Operações relativas às receitas» e segue, no mesmo capítulo, os artigos 78.o, 79.o e 80.o, que estabelecem, respetivamente, os princípios segundo os quais os créditos são apurados, a sua cobrança é ordenada e a sua cobrança é efetuada. Este artigo 81.o dispõe, nomeadamente, no seu n.o 1, que, sem prejuízo de disposições específicas, irrelevantes para o caso em apreço, os créditos da União sobre terceiros estão sujeitos a um prazo de prescrição de cinco anos e, no seu n.o 2, que a Comissão fica habilitada a adotar atos delegados no que diz respeito às regras de execução aplicáveis ao prazo de prescrição. O artigo 80.o do Regulamento Delegado n.o 1268/2012, adotado em execução do artigo 78.o do Regulamento n.o 966/2012, dispõe, no seu n.o 3, que o gestor orçamental que apure um crédito informará o devedor através de uma nota de débito, devendo esta especificar o prazo de pagamento e a partir do qual haverá lugar a juros de mora se a dívida não for paga. O artigo 93.o do Regulamento Delegado n.o 1268/2012, adotado em execução do artigo 81.o do Regulamento n.o 966/2012, dispõe nomeadamente, no seu n.o 1, que o prazo de prescrição dos créditos da União sobre terceiros começa a correr na data em que termina o prazo de pagamento e, no seu n.o 2, que a contagem desse prazo é interrompida por qualquer ato de uma instituição, ou de um Estado‑Membro agindo a pedido de uma instituição, que seja notificado aos terceiros e que vise a cobrança da dívida.

129    Daqui resulta que, no estado do direito aplicável ao presente processo, a prescrição invocada pelo demandante, baseada no artigo 81.o do Regulamento n.o 966/2012, só pode dizer respeito a uma fase posterior ao apuramento do crédito, começando mais precisamente na data em que termina o prazo de pagamento mencionada na nota de débito enviada ao terceiro devedor e não pode, portanto, ser oposta no que respeita às fases precedentes que conduzem ao apuramento do crédito (v., por analogia, Acórdão de 14 de junho de 2016, Marchiani/Parlamento, C‑566/14 P, EU:C:2016:437, n.os 86 a 89). Ora, no caso concreto, é o período de tempo que transcorre entre os factos geradores da dívida e o momento em que esta foi determinada através da decisão controvertida, ou seja, mesmo antes do seu apuramento na aceção do artigo 78.o do Regulamento n.o 966/2012, que o recorrente considera excessivo. Em consequência, seja por aplicação direta ou mesmo como parâmetro do prazo razoável, o prazo de prescrição de cinco anos previsto no artigo 81.o do Regulamento n.o 966/2012 não se podia aplicar em benefício do recorrente.

130    Por conseguinte, o Tribunal da Função Pública invocou de forma errada as disposições do artigo 93.o, n.o 2, do Regulamento Delegado n.o 1268/2012, disposições de execução do artigo 81.o do Regulamento n.o 966/2012, em resposta à argumentação do recorrente relativa à prescrição baseada neste último artigo. No entanto, a conclusão a que chegou o Tribunal da Função Pública segundo a qual o crédito relativo às rendas em causa não estava prescrito por força das regras abrangidas pela regulamentação financeira é, no entanto, fundada pelas razões jurídicas expostas no n.o 129, supra.

131    Nestas condições, tendo em conta as considerações expostas no n.o 110, supra, relativas à possibilidade de substituição de razões jurídicas pelo órgão jurisdicional de recurso e ao facto de o recorrente não ter apresentado no seu recurso outros argumentos destinados a criticar a análise feita pelo Tribunal da Função Pública do fundamento da petição relativo à violação da prescrição quinquenal ou do prazo razoável, há que julgar improcedente o fundamento do recurso relativo a erros de direito no que respeita à responsabilidade financeira do recorrente, na parte em que se refere à aplicação do artigo 81.o do Regulamento n.o 966/2012.

[omissis]

 Quanto aos fundamentos invocados contra o acórdão recorrido no que respeita aos vícios processuais e à violação dos direitos de defesa alegados perante o juiz que conhece do mérito

[omissis]

–       Quanto ao fundamento relativo a erros de direito cometidos pelo juiz que conhece do mérito no que respeita aos vícios processuais e à violação dos direitos de defesa alegados perante ele

[omissis]

156    No n.o 28 do recurso, o recorrente contesta, antes de mais, a apreciação de princípio feita no n.o 70 do acórdão recorrido, alegando que as acusações formuladas contra um funcionário não podem evoluir no decurso do processo, sendo adaptadas em função das suas respostas, não para serem atenuadas, mas para manter a todo o custo um processo disciplinar contra si. Esta forma de agir não permite ao funcionário em causa defender‑se em tempo útil. O Tribunal da Função Pública cometeu, portanto, um erro de direito.

[omissis]

159    Quanto aos argumentos do recurso relatados no n.o 156, supra, relativos à apreciação de princípio referida no n.o 155, supra, resulta do anexo IX do Estatuto relativo ao processo disciplinar que este é precedido de uma fase de inquérito, conduzida pelo OLAF [Organismo Europeu de Luta Antifraude] ou pela AIPN, que pode dispor de um serviço especializado para este fim na Comissão como o IDOC [Serviço de Investigação e Disciplina da Comissão]. Só no termo desta fase de inquérito, como previsto no artigo 3.o do mesmo anexo, é que o processo disciplinar é eventualmente instaurado, com ou sem consulta do Conselho de Disciplina, consoante o grau de sanção possível. Por conseguinte, no caso de o Conselho de Disciplina ser consultado, é no relatório da AIPN que acompanha a sua consulta que é definida a alegada falta do funcionário em causa, como confirma o artigo 12.o, n.o 1, do mesmo anexo, segundo o qual esse relatório deve indicar «claramente os factos imputados e, quando adequado, as circunstâncias em que ocorreram, incluindo qualquer circunstância agravante ou atenuante». É relativamente à falta identificada nesse relatório, transmitido ao funcionário em causa em aplicação do artigo 12.o, n.o 2, do mesmo anexo, que o seu comportamento vai ser apreciado, tanto pelo Conselho de Disciplina como pela AIPN, à luz igualmente dos elementos complementares apresentados durante essa fase disciplinar, e que, sendo caso disso, lhe vai ser aplicada uma sanção. É relativamente a esta mesma falta, que a AIPN lhe imputa após inquérito, que o funcionário em causa vai poder continuar a exercer os seus direitos de defesa segundo as modalidades previstas nos artigos 12.o a 22.o do mesmo anexo, nomeadamente tomando conhecimento de todo o processo e apresentando observações escritas e orais ao Conselho de Disciplina e, após este ter emitido o seu parecer, à AIPN. Por conseguinte, eventuais ajustamentos relativos ao conteúdo da falta durante a fase de inquérito, durante a qual os serviços responsáveis pelo inquérito o levam a cabo com base numa possível falta, não podem constituir uma violação dos direitos de defesa, como decidiu corretamente o Tribunal da Função Pública, incluindo, aliás, se, tendo em conta as investigações conduzidas, a falta identificada no fim do inquérito for mais ampla ou mais grave do que a eventual falta inicialmente identificada. A este respeito, os artigos 1.o e 2.o do anexo IX do Estatuto, ambos relativos à fase de inquérito, indicam que quando surge a possibilidade de um funcionário estar implicado num processo, o mesmo é informado desde que isso não prejudique a tramitação do inquérito. Isso não obriga de modo algum a cristalizar a falta possível desde o início das investigações (v., neste sentido, Acórdão de 15 de maio de 1997, N/Comissão, T‑273/94, EU:T:1997:71, n.o 79). O alegado erro de direito no recurso relativamente ao n.o 70 do acórdão recorrido não está, portanto, demonstrado.

[omissis]

162    No entanto, os fundamentos mencionados no n.o 161, supra, não bastam, em direito, para rejeitar a crítica do recorrente quanto à inexistência, no processo transmitido pela AIPN ao Conselho de Disciplina e no seu processo individual, a que teve acesso, do resultado da medida de instrução efetuada pelo IDOC relativa à existência desta regra de não atribuição de um alojamento de função das circunstâncias que o recorrente encontrou.

163    A este respeito, deve sublinhar‑se que esta medida de instrução foi efetivamente executada, como resulta da decisão de indeferimento da reclamação do recorrente pela AIPN de 10 de setembro de 2015, que indica que «as trocas de correspondência com o SEAE não permitiram confirmar com certeza a existência de tal regra e prática no SEAE» e que «a existência de tal regra não se verifica». O próprio recorrente apresentou, na sua reclamação contra a decisão controvertida, uma explicação semelhante dada pelos representantes da AIPN na sessão do Conselho de Disciplina [A 23 F, p. 253]. Ora, o artigo 13.o, n.o 1, do anexo IX do Estatuto dispõe que, logo que receba o relatório da AIPN ao Conselho de Disciplina, o funcionário acusado tem o direito de conhecer integralmente o seu processo individual e de tirar cópias de todos os documentos relevantes do processo. Esta disposição visa assegurar o respeito dos direitos de defesa uma vez terminada a fase de inquérito. Há que recordar que o respeito dos direitos de defesa em qualquer processo suscetível de ter como resultado a aplicação de sanções constitui um princípio fundamental do direito da União que deve ser observado mesmo tratando‑se de um procedimento de natureza administrativa (Acórdão de 13 de fevereiro de 1979, Hoffmann‑La Roche/Comissão, 85/76, EU:C:1979:36, n.o 9). Além disso, foi declarado que, no âmbito de um processo disciplinar, o funcionário em causa deve ter a possibilidade de tomar posição sobre qualquer documento que uma instituição pretenda utilizar contra ele, salvo se, no que respeita à legalidade da decisão tomada no termo desse processo, esse documento não seja, em definitivo, determinante (v., neste sentido, Acórdão de 3 de julho de 2001, E/Comissão, T‑24/98 e T‑241/99, EU:T:2001:175, n.os 92 e 93). O artigo 13.o, n.o 1, do anexo IX do Estatuto insere‑se também, doravante, no respeito do princípio enunciado no artigo 41.o, n.o 2, alínea b), da Carta dos Direitos Fundamentais, que visa assegurar o direito a uma boa administração, segundo o qual qualquer pessoa tem direito de acesso aos processos que se lhe refiram. Daqui resulta que uma medida de instrução dos serviços de inquérito, seja qual for o seu resultado, deve fazer parte do processo transmitido ao Conselho de Disciplina e ao interessado. No caso concreto, ainda se deve observar: em primeiro lugar, que a AIPN utilizou, na sessão do Conselho de Disciplina, o resultado desta medida de instrução, indicando que a existência da regra invocada pelo recorrente não era confirmada, sem ter dado previamente conhecimento ao recorrente desse resultado no processo; em seguida, que o Conselho de Disciplina, no essencial, no considerando 38 do seu parecer, retomou esta conclusão; por último, que esta conclusão foi ainda repetida na decisão de indeferimento da reclamação do recorrente pela AIPN de 10 de setembro de 2015. Não se pode excluir que, se o recorrente tivesse podido tomar conhecimento, uma vez que o assunto foi submetido ao Conselho de Disciplina, do teor da medida de instrução efetuada pelo IDOC, teria podido, sobretudo se esta se tivesse revelado sucinta, feita de modo informal ou pouco documentada, aprofundar a sua argumentação a este propósito e, por exemplo, pedir, de forma mais detalhada do que na sua nota ao Conselho de Disciplina de 23 de setembro de 2014, a reabertura das investigações a este respeito, nomeadamente pedindo uma instrução contraditória ordenada pelo Conselho de Disciplina, com base no artigo 17.o, n.o 1, do anexo IX do Estatuto.

[omissis]

169    Ao declarar, no n.o 80 do acórdão recorrido, que as alegações do recorrente sobre a apreciação dos factos pelo Conselho de Disciplina eram inoperantes, o Tribunal da Função Pública cometeu, com efeito, um erro de direito.

170    Quando o processo disciplinar comporta a intervenção do Conselho de Disciplina, ou seja, tendo em consideração as disposições dos artigos 3.o e 11.o do anexo IX do Estatuto, quando a AIPN dá início a um processo disciplinar ao considerar que pode levar a aplicar uma sanção mais severa do que a advertência por escrito ou repreensão, essa intervenção constitui um elemento essencial do processo, uma vez que constitui o momento de um debate contraditório aprofundado com, eventualmente, a condução de um inquérito complementar ao já realizado anteriormente e porque a AIPN toma então uma decisão tendo em conta os trabalhos do Conselho de Disciplina, ou seja, tendo em conta o seu parecer fundamentado adotado por maioria e mesmo as opiniões divergentes de alguns dos seus membros que possam ser expressas, como resulta dos artigos 12.o a 18.o do mesmo anexo. O recorrente sublinha, com razão, a este respeito que, quando a AIPN se afasta do parecer do Conselho de Disciplina, deve expor os respetivos fundamentos de forma circunstanciada, como decidiu várias vezes o Tribunal da Função Pública (v., neste sentido, Acórdão de 3 de junho de 2015, Bedin/Comissão, F‑128/14, EU:F:2015:51, n.o 29; de 18 de junho de 2015, CX/Comissão, F‑27/13, EU:F:2015:60, n.os 57 e 58, e de 10 de junho de 2016, HI/Comissão, F‑133/15, EU:F:2016:127, n.o 147). Por conseguinte, a intervenção do Conselho de Disciplina constitui, quando este deve ser chamado a decidir como no caso em apreço, uma formalidade essencial do processo que um funcionário sancionado no termo desse processo deve, em princípio, poder contestar o parecer, quando a AIPN retoma por sua conta a apreciação dos factos feita pelo Conselho de Disciplina. Além disso, o Tribunal de Justiça declarou que o próprio parecer do Conselho de Disciplina pode ser objeto de um pedido de anulação admissível (Acórdão de 29 de janeiro de 1985, F./Comissão, 228/83, EU:C:1985:28, n.o 16). No caso de um recurso, como no caso em apreço, que pede apenas a anulação da decisão final da AIPN que aplica uma sanção, só no caso de a AIPN se afastar claramente, ou não ter claramente em conta, na sua decisão final, a apreciação feita pelo Conselho de Disciplina ou por um dos seus membros é que se pode considerar que um fundamento ou uma alegação contra esta apreciação é inoperante, uma vez que o ato impugnado é, com efeito, a decisão final e não o parecer do Conselho de Disciplina ou a opinião de alguns dos seus membros. Nas outras hipóteses, seria excessivamente formalista exigir que o recorrente visasse nos seus fundamentos e nas suas alegações passagens específicas da decisão controvertida para contestar uma apreciação emitida no âmbito dos trabalhos do Conselho de Disciplina quando a AIPN teve em conta essa apreciação para adotar a sua decisão.

[omissis]

 Quanto ao recurso de anulação da decisão controvertida e quanto aos pedidos acessórios

[omissis]

 Quanto ao primeiro fundamento da petição, relativo a vícios processuais que afetam os atos preparatórios da decisão controvertida

[omissis]

239    Como já foi exposto no n.o 147, supra, o recorrente censura o Conselho de Disciplina, em primeiro lugar, no n.o 59 da petição, por não se ter pronunciado sobre a regularidade da sua consulta e, mais genericamente, sobre as questões processuais que tinha suscitado na nota de defesa que lhe tinha dirigido, mencionada no n.o 19, supra.

240    A este respeito, foi com razão que o Conselho de Disciplina, nos n.os 1 e 2 do seu parecer, afirmou, em substância, que não lhe competia controlar a regularidade do processo de inquérito, mas apenas a regularidade da tramitação do processo que lhe foi submetido. Com efeito, como salientou o Tribunal da Função Pública no n.o 78 do acórdão recorrido, nos termos do artigo 18.o do anexo IX do Estatuto, o papel do Conselho de Disciplina é emitir um parecer fundamentado sobre a existência dos factos imputados ao acusado e sobre a eventual sanção a que esses factos possam dar origem. Compete à AIPN, habilitada a aplicar uma sanção ao funcionário em causa, verificar se o processo de inquérito e o processo disciplinar no seu conjunto foram regulares e, sendo caso disso, ao órgão jurisdicional chamado a conhecer de um recurso da decisão adotada pela AIPN de o fazer igualmente. Por seu turno, o Conselho de Disciplina deve, como qualquer órgão administrativo ou consultivo, zelar pela regularidade do processo que perante ele corre, que é uma das fases do processo disciplinar. Por outro lado, se considerar que, previamente à sua consulta, o processo de inquérito foi insuficiente, cabe‑lhe completá‑lo, para além das declarações escritas ou orais prestadas perante ele pelo funcionário em causa e pela AIPN, pelas suas próprias questões, ou mesmo por uma instrução contraditória, como previsto no artigo 17.o do anexo IX do Estatuto. No caso em apreço, nos n.os 1 e 2 do seu parecer, o Conselho de Disciplina indicou que não tinha o poder de condenar eventuais irregularidades que afetem o processo anterior à sua consulta, mas assegurou‑se de que a nota do IDOC de 31 de outubro de 2013, que tinha iniciado o inquérito relativo à responsabilidade financeira do recorrente e que devia fazer parte do processo transmitido ao Conselho de Disciplina, tinha podido ser objeto de observações por parte do recorrente e recordou que ele próprio tinha podido tomar conhecimento daquela em tempo útil. Por outro lado, há que observar que, na petição, o recorrente não censura o Conselho de Disciplina de não ter realizado investigações complementares, através de questões ou de inquérito. Há, pois, que rejeitar os argumentos do recorrente expostos no n.o 59 da petição e recordados no n.o 74 do acórdão recorrido, censurando o Conselho de Disciplina por não se ter pronunciado sobre determinadas irregularidades processuais alegadas.

[omissis]

 Quanto aos fundamentos da petição relativos à responsabilidade financeira do recorrente (quarta parte do quarto fundamento e sexto fundamento)

286    O artigo 22.o do Estatuto dispõe que o funcionário da União pode ser obrigado a reparar, na totalidade ou em parte, o prejuízo sofrido pela União em consequência de culpa grave em que incorreu no exercício, ou por causa do exercício das suas funções.

[omissis]

295    O recorrente sabia que a situação de não ocupar com a sua família um apartamento de função de uma dimensão prevista para o alojamento desta, que tinha solicitado, era uma situação que não podia perdurar, mesmo que o chefe da administração da delegação não o tenha obrigado a disponibilizar de volta o seu alojamento de função. Admitiu, nomeadamente na sua segunda audição pelo OLAF, que este último tinha insistido para que a sua família se lhe juntasse nesse apartamento [A 32 F, p. 329 dos anexos da petição] e não nega que um alojamento de função previsto para ser ocupado em família deva normalmente sê‑lo. A este respeito, as disposições pertinentes do anexo X do Estatuto e as suas modalidades de aplicação só podem ser interpretadas, conjuntamente com a tomada em consideração dos interesses da União, devida pelos seus funcionários nos termos do artigo 11.o do Estatuto, no sentido de que o funcionário que pediu alojamento de função dimensionado para as necessidades da sua família o ocupe com a sua família ou faça saber que deve renunciar a essa habitação quando dificuldades persistentes impeçam, para além de um prazo razoável, a mudança do seu agregado familiar. Para o funcionário em causa, trata‑se de uma questão de lealdade.

296    No caso em apreço, se um problema de revestimento deficiente do soalho em parquet tornasse impossível o alojamento familiar, o que seria responsabilidade do proprietário, teria sido necessário que o recorrente recusasse a entrada no local ou iniciasse uma outra diligência adequada junto da delegação para que esta pudesse responsabilizar o proprietário.

297    Por último, mesmo que a presença de um amigo «zelador» tenha podido responder a uma preocupação do recorrente de que o seu apartamento de função não fosse intempestivamente ocupado por terceiros, foi unicamente porque o recorrente não residia permanentemente no mesmo devido ao facto de a sua família não se lhe ter juntado, que esse acordo de «zelador» a longo prazo se justificou.

298    Assim, nenhuma das razões ligadas aos problemas de saúde da sua mulher e do seu filho, a perturbações internas do apartamento ou à atitude da chefe da administração da delegação podem justificar o comportamento pessoal do recorrente e não demonstram que o recorrente se tenha mantido leal em relação à União a partir de janeiro de 2009, ou seja, após os quatro primeiros meses do arrendamento, não se propondo renunciar ao apartamento de dimensão familiar de que beneficiava e conservando‑o para com o seu próprio benefício, mesmo que tenha feito prova de uma certa transparência em face da chefe da administração da delegação.

[omissis]

300    Nesta fase da análise, deve portanto admitir‑se, tendo em conta a despesa de dinheiro público sem necessidade provocada pela atitude do recorrente e a sua manutenção no seu apartamento de função para além de um prazo razoável, que a AIPN considerou com razão que a culpa do recorrente era grave, uma vez que de janeiro de 2009, quatro meses após o início do arrendamento, até ao termo deste em agosto de 2010, prolongou o uso irregular do seu apartamento de função sem iniciar qualquer diligência em relação à delegação para o voltar a pôr à disposição. Tal falta, suscetível de conduzir à responsabilidade financeira do recorrente nos termos do artigo 22.o do Estatuto, foi corretamente qualificada para esse período.

[omissis]

302    No que respeita ao prejuízo que a atitude do recorrente acarretou, há que rejeitar, antes de mais, o argumento deste último, expresso nos n.os 120 a 123 da petição, baseado no facto de o arrendamento não poder ser rescindido no primeiro ano sem que a renda fosse, no entanto, devida por todo esse ano, o que teria excluído qualquer prejuízo para a União durante o primeiro ano do arrendamento de setembro de 2008 a agosto de 2009. O prejuízo para a União existe efetivamente durante todo o período considerado culposo para o recorrente na decisão controvertida, ou seja, de janeiro de 2009 a agosto de 2010, ou seja, nomeadamente, entre janeiro e agosto de 2009, uma vez que, durante esse tempo, a União pagava um apartamento de função familiar a um funcionário que só o ocupava sozinho e parcialmente durante a semana, apesar de dispor de outro apartamento familiar próximo onde permanecia a sua família e onde ele vivia parcialmente. Além disso, este prejuízo foi causado pelo recorrente que, após ter pedido um tal apartamento de função só colocou termo à mencionada situação propondo‑se devolver o apartamento após alguns meses. Como foi salientado no n.o 296, supra, se verdadeiramente um problema de revestimento deficiente do soalho tornasse impossível o alojamento familiar no apartamento de função, o que seria da responsabilidade do proprietário, teria sido necessário que o recorrente recusasse de imediato a entrada no local ou iniciasse uma outra diligência adequada junto da delegação para que esta pudesse responsabilizar rápida e firmemente o proprietário. Este prejuízo também está demonstrado até ao termo do contrato de arrendamento, na medida em que, ao não colocar o seu apartamento de função à disposição da delegação, o recorrente impediu a Comissão de gozar desse bem quando pagava as rendas correspondentes, em especial, impedindo‑a de utilizar de outra forma esse apartamento, como salientou o Tribunal da Função Pública no n.o 159 do acórdão recorrido, ou pelo menos de rescindir o arrendamento sem penalizações a partir de setembro de 2009, o que teria podido reduzir o prejuízo efetivamente sofrido pela União. A este respeito, o facto de ter sido previsto no arrendamento um período de não rescisão pelo arrendatário durante o primeiro ano, salvo se as rendas fossem, ainda assim, pagas durante esse período, não pode levar a considerar que não há prejuízo relativamente a esse período, contrariamente ao que sustenta o recorrente. Durante esse período, a delegação pagou efetivamente um apartamento de função de dimensão familiar, na sequência de um pedido do recorrente, sem que isso se justificasse e sem que daí pudesse retirar qualquer utilidade.

303    Em seguida, o recorrente sustenta, no n.o 125 da petição, que, na medida em que tinha direito a um apartamento de função mais pequeno, por ser solteiro, o prejuízo da União se limitou à diferença de renda entre o apartamento de função familiar que ocupou e esse apartamento de função mais pequeno. Este argumento só poderia ser acolhido se o recorrente tivesse efetivamente pedido um apartamento de função por ser solteiro durante o arrendamento previsto para o apartamento familiar, mas, na falta dessa circunstância, que se reduz a uma pura especulação, tanto mais que a sua esposa era proprietária de um apartamento em Nova Iorque no qual residia a família, deve considerar‑se que durante todo o período do arrendamento a União sofreu efetivamente um prejuízo correspondente à totalidade das rendas pagas pelo apartamento de função atribuído ao recorrente quando não era necessário arrendar esse apartamento. Este prejuízo estende‑se, portanto, como a Comissão salientou na decisão controvertida, ao período compreendido entre janeiro de 2009 e agosto de 2010, relativamente ao qual se declarou, no n.o 300 supra, que o recorrente atuou com culpa grave.

[omissis]

307    Como exposto nos n.os 106 e 114, supra, o recorrente invoca a prescrição quinquenal prevista no artigo 85.o, segundo parágrafo, do Estatuto e, a título subsidiário, como parâmetro do prazo razoável para a aplicação do artigo 22.o do Estatuto, a prescrição quinquenal estabelecida no artigo 81.o do Regulamento n.o 966/2012. Como foi declarado nos n.os 113 e 129, supra, nenhuma destas duas disposições é aplicável ao presente caso. Com efeito, nenhuma disposição do direito da União precisa o prazo em que, relativamente aos factos em causa, um inquérito, um processo disciplinar e uma decisão que declare a responsabilidade financeira de um funcionário nos termos do artigo 22.o do Estatuto devem ter lugar. No entanto, pode ser tido em conta que o artigo 85.o, segundo parágrafo, do Estatuto constitui uma ilustração de um prazo de prescrição adotado pelo legislador relativamente a certas relações entre a União e os seus funcionários, ainda que tendo em conta as diferenças que caracterizam a aplicação do artigo 22.o do Estatuto em relação à aplicação do artigo 85.o do Estatuto, sublinhadas no n.o 112, supra, um prazo de duração análoga a respeitar no âmbito da aplicação do artigo 22.o do Estatuto não pode ser um prazo ininterrompível como o previsto no artigo 85.o, segundo parágrafo, do Estatuto.

308    Resulta da jurisprudência que, quando o legislador não previu um prazo de prescrição, a exigência de segurança jurídica exige que as instituições da União exerçam os seus poderes num prazo razoável (v. Acórdão de 14 de junho de 2016, Marchiani/Parlamento, C‑566/14 P, EU:C:2016:437, n.o 96 e jurisprudência referida). Há, portanto, que verificar se, ao conduzir um inquérito, ao instaurar um processo disciplinar e ao considerar definitivamente uma responsabilidade financeira do recorrente relativamente ao período de janeiro de 2009 a agosto de 2010, os serviços da Comissão e a AIPN violaram, no exercício das suas competências, o princípio do prazo razoável para agir.

309    O caráter razoável de um prazo deve ser apreciado em função das circunstâncias próprias de cada processo, designadamente da importância do litígio para o interessado, da complexidade do processo e das diferentes etapas processuais seguidas pela União, e do comportamento das partes interessadas. O caráter razoável de um prazo não pode ser examinado por referência a um limite máximo preciso, determinado de forma abstrata (v. Acórdão de 14 de junho de 2016, Marchiani/Parlamento, C‑566/14 P, EU:C:2016:437, n.os 99 e 100 e jurisprudência referida).

310    No caso em apreço, o período relativamente ao qual se considera que houve culpa grave do recorrente foi entre janeiro de 2009 e agosto de 2010. O OLAF informou o recorrente da abertura de um inquérito que lhe dizia respeito a propósito da utilização do seu apartamento de função em março de 2012, ou seja, menos de dois anos após o termo desse período contínuo. No termo da fase de inquérito, que implicava sucessivamente o OLAF e o IDOC, a AIPN instaurou um processo disciplinar contra o recorrente em julho de 2014 e adotou a decisão controvertida considerando nomeadamente a responsabilidade financeira do recorrente em fevereiro de 2015. Esta decisão foi confirmada em setembro de 2015 com o indeferimento da reclamação do recorrente. Tendo em conta este encadeamento dos factos, deve considerar‑se que a autoridade administrativa não exerceu os seus poderes em prazos irrazoáveis.

[omissis]

 Quanto aos fundamentos novos aduzidos pelo recorrente no âmbito do recurso

[omissis]  

315    A denúncia, pelo recorrente, de comportamentos fraudulentos de um dos seus colegas em Nova Iorque foi feita através de uma mensagem de correio eletrónico do recorrente ao IDOC datada de 13 de maio de 2013, apresentada como anexo 36 da petição. Esta mensagem foi enviada quando o recorrente já era objeto do inquérito relativo à utilização do seu apartamento de função e visava, em primeiro lugar, pôr em dúvida a credibilidade de dois testemunhos contra ele que tinham sido tidos em conta pelo OLAF. É neste contexto que o recorrente denunciou o comportamento potencialmente irregular, a diversos títulos, do colega, que estaria ligado a duas pessoas que tinham testemunhado. Resulta desta mensagem que a denúncia feita pelo recorrente incidia, em parte, sobre factos manifestamente já conhecidos da hierarquia da delegação e do próprio desde há algum tempo e em parte sobre factos que tinham sido levados ao conhecimento do OLAF por outras pessoas da delegação, antes de o próprio recorrente comunicar ao IDOC vários meses depois de ter tomado conhecimento deles de forma fortuita. Por conseguinte, a denúncia do recorrente não se inscreve no âmbito de uma denúncia sobre factos que levem à presunção de existência de possíveis atividades ilegais, que um funcionário descobre, conforme previsto no artigo 22.o‑A do Estatuto, mas inscreve‑se apenas no âmbito da defesa por um funcionário dos seus próprios interesses. O recorrente não pode, portanto, invocar a qualidade de denunciante, admitindo que essa qualidade pudesse ter configurado uma circunstância atenuante à luz de factos que nada tinham a ver com aqueles que denunciou, mesmo que estes se tenham revelado exatos.

[omissis]  

317    Resulta de tudo o que precede que, não tendo sido acolhido nenhum dos fundamentos de anulação apresentados contra a decisão controvertida, há que julgar improcedentes os pedidos de anulação apresentados pelo recorrente, incluindo os que têm por objeto a decisão de indeferimento da sua reclamação. A este respeito, o Tribunal Geral remete para os fundamentos expostos pelo Tribunal da Função Pública nos n.os 43 a 45 do acórdão recorrido.

 Quanto ao pedido de redução do montante da reparação financeira exigida ao recorrente

318    Há que observar que o recorrente, ao pedir, nas suas conclusões, que o juiz exerça a competência de plena jurisdição prevista no artigo 22.o, terceiro parágrafo, do Estatuto para reduzir a reparação financeira que lhe é exigida na decisão controvertida, não apresentou qualquer particular argumento para justificar a redução pedida, para além dos expostos em apoio dos seus fundamentos de anulação. No entanto, como salientou a advogada‑geral J. Kokott no n.o 60 das suas Conclusões no processo Gogos/Comissão (C‑583/08 P, EU:C:2010:118), na medida em que forem afetados os aspetos puramente pecuniários do litígio entre a União e um dos seus funcionários, o juiz da União não se deve portanto limitar à mera fiscalização da regularidade da atuação em causa, mas também tem competência para apreciar a sua adequação e, portanto, substituir a apreciação da AIPN pela sua própria apreciação. A este respeito, o artigo 91.o, n.o 1, segundo período, do Estatuto permite ao juiz da União, nos litígios de caráter pecuniário e no quadro do exercício da sua competência de plena jurisdição, avaliar oficiosamente ex aequo et bono, tendo em conta todas as circunstâncias do caso, o prejuízo sofrido (v., neste sentido e por analogia, Acórdão de 20 de maio de 2010, Gogos/Comissão, C‑583/08 P, EU:C:2010:287, n.o 44 e jurisprudência referida). Além disso, uma tal competência pode ser exercida mesmo quando não exista um pedido regular nesse sentido (v., neste sentido, Conclusões da advogada‑geral J. Kokott no processo Gogos/Comissão, C‑583/08 P, EU:C:2010:118, n.o 61) e, a fortiori, no caso em que um tal pedido seja formulado, na ausência de qualquer argumentação específica suscitada em apoio daquele. No caso concreto, observando as exigências do respeito do contraditório, a questão do papel da chefe da administração da delegação foi largamente debatida tanto nos articulados das partes, como na audiência, nomeadamente nas questões colocadas pelo Tribunal Geral a este propósito.

319    Resulta deste debate e dos documentos dos autos que a chefe de administração da delegação não exigiu ao recorrente que abandonasse o seu alojamento de função, mas limitou‑se a recordar‑lhe a irregularidade da sua situação (v. n.o 274, supra). Mesmo se esta circunstância não põe em causa a existência de culpa grave do recorrente consistindo em prolongar a utilização irregular do seu apartamento de função de janeiro de 2009 a agosto de 2010 (v. n.o 300, supra), demonstra que, devido à falta de iniciativa adequada da sua representante no local quando esta estava ao corrente da situação, a Comissão contribuiu para a plena realização do prejuízo que sofreu quando poderia ter reduzido o seu alcance, não se afigurando que algum obstáculo pudesse impedir tal iniciativa, nomeadamente se esta tivesse consistido em exigir do recorrente que libertasse o seu apartamento de função, não estando reunidas as condições da sua ocupação. Desta forma, e ponderando a globalidade das circunstâncias do caso concreto, o Tribunal Geral estima ex aequo et bono que a reparação devida pelo recorrente para reparação do prejuízo sofrido pela União deve ser reduzida (v., neste sentido, Acórdãos de 7 de novembro de 1985, Adams/Comissão, 145/83, EU:C:1985:448, n.os 53 e 54, e de 11 de julho de 2007, Schneider Electric/Comissão, T‑351/03, EU:T:2007:212, n.os 332 e 334).

320    Por conseguinte, há que fixar, em conformidade com o artigo 22.o do Estatuto, que a reparação devida pelo recorrente para reparação do prejuízo sofrido pela União devido a culpa grave por não ter encetado nenhuma diligência para voltar a pôr à disposição o seu apartamento de função a partir de janeiro de 2009 é de 80 000 euros no dia da prolação do presente acórdão, o que implica que as quantias, incluindo eventuais juros, que o recorrente já tivesse pago e que excedam esse montante lhe sejam reembolsadas pela Comissão, ou que esta deve exigir ao recorrente que efetue quaisquer pagamentos adicionais até esse montante. Nas duas hipóteses, os pagamentos ou reembolsos devem ser acrescidos de juros à taxa aplicada pelo Banco Central Europeu (BCE) às suas operações principais de refinanciamento, calculados a partir da prolação do presente acórdão.

[omissis]

Pelos fundamentos expostos,

O TRIBUNAL GERAL (Quarta Secção)

decide:

O Acórdão do Tribunal da Função Pública da União Europeia (Segunda Secção) de 19 de julho de 2016, HG/Comissão (F149/15), é anulado.O montante da indemnização devida por HG à União Europeia é fixado em 80 000 euros na data em que é proferido o presente acórdão.É negado provimento ao recurso no processo F149/15 quanto ao restante.HG e a Comissão Europeia suportarão as suas próprias despesas nos processos F149/15, T693/16 P, T440/18 RENV e T693/16 PRENVRX.

Proferido em audiência pública no Luxemburgo, em 15 de dezembro de 2021.


*      Língua do processo: francês.


1      Apenas são reproduzidos os números do presente acórdão cuja publicação o Tribunal Geral considera útil.