Language of document : ECLI:EU:T:2008:160

ACÓRDÃO DO TRIBUNAL DE PRIMEIRA INSTÂNCIA (Quinta Secção)

21 de Maio de 2008 (*)

«Contratos públicos de serviços – Processo de concurso comunitário – Erro material manifesto – Adjudicação à proposta economicamente mais vantajosa – Proposta anormalmente baixa – Artigo 139.°, n.° 1, do Regulamento (CE, Euratom) n.° 2342/2002 – Excepção de ilegalidade – Caderno de encargos – Admissibilidade»

No processo T‑495/04,

Belfass SPRL, com sede em Forest (Bélgica), representada por L. Vogel, advogado,

recorrente,

contra

Conselho da União Europeia, representado por B. Driessen e A. Vitro, na qualidade de agentes,

recorrido,

que tem por objecto, por um lado, um pedido de anulação da decisão do Conselho da União Europeia de 13 de Outubro de 2004 que rejeitou as duas propostas apresentadas pela recorrente no âmbito do convite à apresentação de propostas UCA‑033/04 e, por outro, um pedido de indemnização pelo dano alegadamente sofrido pela recorrente devido à actuação do Conselho,

O TRIBUNAL DE PRIMEIRA INSTÂNCIA DAS COMUNIDADES EUROPEIAS (Quinta Secção),

composto por: M. Vilaras, presidente, E. Martins Ribeiro e K. Jürimäe (relatora), juízes,

secretário: J. Plingers, administrador,

vistos os autos e após a audiência de 21 de Junho de 2007,

profere o presente

Acórdão

 Quadro jurídico

1        A adjudicação dos contratos de serviços do Conselho da União Europeia está sujeita às disposições do título V da primeira parte do Regulamento (CE, Euratom) n.° 1605/2002 do Conselho, de 25 de Junho de 2002, que institui o Regulamento Financeiro aplicável ao orçamento geral das Comunidades Europeias (JO L 248, p. 1, a seguir «Regulamento Financeiro»), bem como às disposições do Regulamento (CE, Euratom) n.° 2342/2002 da Comissão, de 23 de Dezembro de 2002, que estabelece as normas de execução do Regulamento Financeiro (JO L 357, p. 1, a seguir «normas de execução»). Essas disposições são inspiradas nas directivas comunitárias que regulam a matéria, designadamente na Directiva 92/50/CEE do Conselho, de 18 de Junho de 1992, relativa à coordenação dos processos de adjudicação de contratos públicos de serviços (JO L 209, p. 1), na Directiva 93/36/CEE do Conselho, de 14 de Junho de 1993, relativa à coordenação dos processos de adjudicação dos contratos públicos de fornecimento (JO L 199, p. 1), e na Directiva 93/37/CEE do Conselho, de 14 de Junho de 1993, relativa à coordenação dos processos de adjudicação de empreitadas de obras públicas (JO L 199, p. 54), nas suas versões alteradas.

2        O artigo 97.° do Regulamento Financeiro dispõe:

«1.      Os critérios de selecção que permitem avaliar as capacidades dos candidatos ou proponentes e os critérios de atribuição que permitem avaliar o conteúdo das propostas serão previamente definidos e especificados nos documentos do contrato.

2.      Os contratos podem ser adjudicados à proposta de mais baixo preço ou à proposta economicamente mais vantajosa.»

3        O artigo 99.° do Regulamento Financeiro prevê:

«Durante o processo de adjudicação de um contrato, os contactos entre a entidade adjudicante e os candidatos ou proponentes só podem ter lugar em condições que garantam a transparência e a igualdade de tratamento. Os referidos contactos não podem ocasionar a alteração das condições do contrato, nem dos termos da proposta inicial.»

4        O artigo 100.°, n.° 2, do Regulamento Financeiro dispõe:

«2.      A entidade adjudicante comunicará a qualquer candidato ou proponente que seja afastado os motivos da rejeição da sua candidatura ou da sua proposta e a qualquer proponente que tenha apresentado uma proposta admissível e o solicite por escrito, as características e as vantagens relativas da proposta seleccionada, bem como o nome do adjudicatário.

Todavia, a comunicação de certos elementos pode ser omitida nos casos em que constitua um obstáculo à aplicação da lei, seja contrária ao interesse público ou prejudicial aos interesses comerciais legítimos de empresas públicas ou privadas ou possa prejudicar a concorrência leal entre aquelas empresas.»

5        Nos termos do artigo 101.°, n.° 1, do Regulamento Financeiro:

«1.      A entidade adjudicante pode, até à assinatura do contrato, renunciar à celebração do contrato ou anular o processo da sua adjudicação, sem que os candidatos ou proponentes possam exigir qualquer indemnização.»

6        O artigo 122.°, n.° 2, segundo parágrafo, das normas de execução, na versão aplicável na data em que ocorreram os factos, dispunha que o procedimento de um contrato:

«[…] é limitado quando todos os agentes económicos podem solicitar participar, mas só podem apresentar uma proposta os candidatos que satisfaçam os critérios de selecção estabelecidos no artigo 135.°, e que a tal sejam convidados simultaneamente por escrito, pelas entidades adjudicantes.»

7        O artigo 128.°, n.os 1 e 3, das normas de execução, que tem por objecto o concurso limitado com convite à manifestação de interesse, prevê, nomeadamente:

«1.      O convite à manifestação de interesse constitui um modo de pré‑selecção dos candidatos que serão convidados a apresentar uma proposta aquando de futuros concursos limitados […];

[…]

3.      Por ocasião de um contrato específico, a entidade adjudicante convidará a apresentar uma proposta, quer todos os candidatos inscritos na lista, quer alguns deles, com base em critérios de selecção objectivos e não discriminatórios e intrínsecos ao contrato.»

8        O artigo 130.°, n.° 1, das normas de execução, na versão aplicável na data em que ocorreram os factos, dispunha:

«1.      Os documentos relacionados com o convite a concorrer deverão incluir, no mínimo:

a)      O convite à apresentação de propostas ou para negociar;

b)      O caderno de encargos apenso ao convite e ao qual é anexado o caderno das condições gerais aplicáveis aos contratos;

c)      O modelo do contrato.

[…]»

9        O artigo 130.°, n.° 3, alíneas a) a c), das normas de execução, na versão aplicável na data em que ocorreram os factos, dispunha:

«3.      O caderno de encargos precisará, pelo menos:

a)      Os critérios de selecção e exclusão aplicáveis ao contrato, salvo se se tratar de um concurso limitado ou de um procedimento por negociação com publicação prévia de um anúncio, tal como referido no artigo 127.°; nestes casos, os critérios são indicados exclusivamente no anúncio de contrato ou no convite à manifestação de interesse;

b)      Os critérios de adjudicação de um contrato e a sua ponderação relativa, caso não tenha sido indicada no anúncio de contrato;

c)      As especificações técnicas a que se refere o artigo 131.°;

[…]»

10      O artigo 138.° das normas de execução, na versão aplicável na data em que ocorreram os factos, dispunha:

«1.      Os contratos podem ser adjudicados de acordo com as duas modalidades seguintes:

a)      Adjudicação à proposta que apresentar o preço mais baixo entre as propostas regulares e conformes;

b)      Adjudicação à proposta economicamente mais vantajosa.

2.      A proposta economicamente mais vantajosa é a que apresentar a melhor relação qualidade/preço, tendo em conta critérios justificados pelo objecto do contrato, como o preço proposto, a valia técnica, o carácter estético e funcional, características ambientais, o custo de utilização, a rendibilidade, o prazo de execução ou de entrega, o serviço pós‑venda e a assistência técnica.

3.      A entidade adjudicante precisará, no anúncio de contrato ou no caderno de encargos, a ponderação relativa que atribui a cada critério escolhido para determinar a proposta economicamente mais vantajosa.

A ponderação relativa do critério preço relativamente aos restantes critérios não deverá neutralizar o critério preço na selecção do adjudicatário do contrato.

Se, em casos excepcionais, a ponderação não for tecnicamente possível, nomeadamente devido à natureza do objecto do contrato, a entidade adjudicante precisará apenas, por ordem decrescente, a importância relativa dos critérios.»

11      O artigo 139.°, n.° 1, das normas de execução, na versão aplicável na data em que ocorreram os factos, previa:

«1.      Se, em relação a um determinado contrato, houver propostas que se revelem anormalmente baixas, antes de as rejeitar exclusivamente com base neste motivo, a entidade adjudicante solicitará por escrito esclarecimentos que entender necessários sobre os elementos constitutivos da proposta e verificará, de forma contraditória, esses elementos, tendo em conta as justificações fornecidas.

A entidade adjudicante pode tomar, nomeadamente, em consideração justificações relacionadas com:

a)      A economia do processo de fabrico dos produtos, da prestação dos serviços ou do processo de construção;

b)      As soluções técnicas escolhidas ou as condições excepcionalmente favoráveis de que o proponente dispõe;

c)      A originalidade da proposta do proponente.»

12      O artigo 148.°, n.os 1 e 3, das normas de execução prevê:

«1.      No decurso de um procedimento de adjudicação de um contrato, são autorizados, a título excepcional, os contactos entre a entidade adjudicante e os proponentes nas condições previstas nos n.os 2 e 3.

[…]

3.      Após a abertura das propostas e, caso uma proposta suscite pedidos de esclarecimento ou seja necessário corrigir erros materiais manifestos na redacção da proposta, a entidade adjudicante pode tomar a iniciativa de contactar o proponente, não podendo este contacto conduzir a uma alteração das condições da proposta.»

 Factos na origem do litígio

13      Em 4 de Março de 2004, actuando nos termos do Regulamento Financeiro e das normas de execução, o Conselho publicou no Suplemento do Jornal Oficial da União Europeia (JO 2004, S 45) um convite à apresentação de propostas com a referência UCA‑033/04, segundo o procedimento limitado, para a prestação de serviços de limpeza e de manutenção de dois edifícios ocupados pelo Secretariado‑Geral do Conselho em Bruxelas. O contrato compunha‑se de dois lotes, correspondendo cada um a um local específico de execução das prestações, concretamente, o edifício «Woluwé Heights» (lote n.° 1) e o edifício «Frère Orban» (lote n.° 2).

14      O caderno de encargos previa que o critério de adjudicação adoptado era o da proposta economicamente mais vantajosa. A avaliação final das propostas para cada lote devia fazer‑se atribuindo a cada proposta determinado número de pontos calculados do seguinte modo: «Número de pontos ‘qualidade’ x 100/índice de preços». A proposta a considerar economicamente mais vantajosa era a que obtivesse, no termo dessa avaliação final, o maior número de pontos, respeitando simultaneamente o número mínimo de pontos imposto na rubrica «Qualidade».

15      De acordo com o mesmo caderno de encargos, a qualidade de cada proposta devia ser avaliada com o limite máximo de 100 pontos e com base em 8 critérios. O oitavo critério, creditado com o limite máximo de 50 pontos, era relativo às «Prestações em horas segundo dados dos totais A, B, C e D da lista do anexo 3».

16      Os 50 pontos relativos a este último critério eram atribuídos numa base proporcional em relação ao intervalo entre, por um lado, o número total de horas propostas por ano na proposta avaliada (Ho) e, por outro, a média do total das horas propostas, para cada exercício anual, em cada uma das propostas declaradas admissíveis (Hm). A média Hm tinha de ser qualificada como satisfatória e tinham de lhe ser atribuídos 40 pontos (ou seja, 80% do limite máximo de 50 pontos). Nos termos do caderno de encargos, se esse limite Hm fosse ultrapassado em 12,5%, a proposta era premiada com pontos suplementares, dentro do limite máximo de 50 pontos. Em contrapartida, uma diminuição superior a 12,5% em relação a esse mesmo limite Hm era penalizada pela supressão de pontos até ao mínimo eliminatório de 30 pontos.

17      Acresce que o caderno de encargos previa que a taxa horária média de cada proposta não podia, sob pena de ser eliminada, ser inferior à taxa horária média fixada pela Union générale belge de nettoyage (a seguir «UGBN») quanto à categoria 1A em preço de custo e em vigor à data de apresentação da proposta. Em 1 de Julho de 2004, essa taxa horária média era de 19,6962 euros.

18      Em 23 de Junho de 2004, o caderno de encargos relativo ao convite à apresentação de propostas em causa foi notificado aos candidatos.

19      Em 23 de Julho de 2004, a recorrente, a Belfass SPRL, apresentou duas propostas, relativas, respectivamente, a cada um dos dois lotes a adjudicar no âmbito do convite à apresentação de propostas UCA‑033/04. O montante total do preço anual inscrito na proposta da recorrente, relativamente ao lote n.° 1, era de 234 059,67 euros.

20      Por ofício de 13 de Outubro de 2004, o Conselho informou a recorrente de que as suas duas propostas tinham sido rejeitadas pelos seguintes motivos: «[…] No que diz respeito ao lote [n.°] 1, o cálculo da taxa horária média da vossa proposta dá um resultado inferior ao mínimo da UGBN fixado em 19,6962 euros em [1 de Julho de 2004]. No que diz respeito ao lote [n.°] 2, a vossa proposta não obteve o mínimo exigido de pontos de qualidade a atribuir pelo comité de avaliação, de acordo com os critérios enunciados no caderno de encargos […]»

21      Em 15 de Outubro de 2004, a recorrente pediu ao Conselho informações complementares e detalhadas quanto às condições da rejeição da sua proposta relativa ao lote n.° 2.

22      Em 22 de Outubro de 2004, o Conselho respondeu a esse pedido, referindo, concretamente, o seguinte:

«[…] a vossa proposta, de que constava um número de horas inferior em 20% ao número médio de horas de todas as propostas foi, por essa razão, excluída nessa fase, em conformidade com a fórmula reproduzida na página 2.»

 Tramitação processual e pedidos das partes

23      Por petição registada na Secretaria do Tribunal de Primeira Instância em 23 de Dezembro de 2004, a recorrente interpôs o presente recurso.

24      Com base no relatório do juiz‑relator, o Tribunal (Quinta Secção) decidiu proceder à abertura da fase oral.

25      Em 13 de Dezembro de 2006, em resposta a um pedido de junção de documentos do Tribunal de 28 de Novembro de 2006, no âmbito das medidas de organização do processo, o Conselho transmitiu ao Tribunal o anúncio do concurso e o caderno de encargos relativos ao convite à apresentação de propostas UCA‑033/04, bem como o relatório de avaliação originário (versão não confidencial) relativo a esse convite à apresentação de propostas.

26      Na audiência de 21 de Junho de 2007, foram ouvidas as alegações das partes e as suas respostas às perguntas do Tribunal.

27      A recorrente conclui pedindo que o Tribunal se digne:

–        julgar o recurso admissível e conceder‑lhe provimento;

–        anular a decisão do Conselho de 13 de Outubro de 2004, de não dar seguimento favorável às suas duas propostas apresentadas no âmbito do convite à apresentação de propostas UCA‑033/04;

–        condenar o Conselho ao pagamento de uma indemnização pelos danos que sofreu, avaliados em 1 481 317,65 euros, acrescidos de juros à taxa anual de 7%;

–        condenar o Conselho na totalidade das despesas.

28      O Conselho conclui pedindo que o Tribunal se digne:

–        julgar o recurso inadmissível no que diz respeito ao lote n.° 2;

–        negar provimento ao recurso de anulação;

–        julgar o pedido de indemnização improcedente;

–        condenar a recorrente nas despesas.

 Quanto à admissibilidade do recurso da decisão de 13 de Outubro de 2004, na parte em que diz respeito ao lote n.° 2

 Argumentos das partes

29      O Conselho, não tendo embora arguido formalmente uma excepção de inadmissibilidade, sustenta que o recuso da decisão de 13 de Outubro de 2004, na parte em que diz respeito ao lote n.° 2, é inadmissível. Afirma que a recorrente não contesta a decisão de a excluir do concurso enquanto tal, mas a legalidade da decisão do Conselho de incluir, no caderno de encargos, o critério que levou à sua exclusão, ou seja, a média do número total de horas propostas pelos proponentes.

30      Na audiência, o Conselho esclareceu que resulta da jurisprudência do Tribunal de Justiça que uma pessoa que considera que as especificações de um concurso fixadas por decisão da entidade adjudicante são discriminatórias em seu detrimento não pode esperar pela notificação da decisão de adjudicação do contrato em causa para recorrer dessa decisão, arguindo precisamente a natureza discriminatória das referidas especificações, pois isso não está de acordo com os objectivos de rapidez e de eficácia da Directiva 89/665/CEE do Conselho, de 21 de Dezembro de 1989, que coordena as disposições legislativas, regulamentares e administrativas relativas à aplicação dos processos de recurso em matéria de adjudicação dos contratos de direito público de obras [e] de fornecimentos (JO L 395, p. 33), na redacção dada pela Directiva 92/50 (acórdão do Tribunal de Justiça de 12 de Fevereiro de 2004, Grossmann Air Service, C‑230/02, Colect., p. I‑1829, n.° 37).

31      Ora, o Conselho considera que, uma vez que o caderno de encargos foi individualmente notificado aos candidatos, e, portanto, à recorrente, em 23 de Junho de 2004, o prazo de dois meses para impugnar a legalidade da decisão de incluir o referido critério nesse mesmo caderno de encargos tinha expirado na data em que o presente recurso foi interposto.

32      A recorrente sustenta, a título principal, que um caderno de encargos não é um acto impugnável, na acepção do artigo 230.° CE. Com efeito, trata‑se de um acto preparatório de alcance geral e, de acordo com jurisprudência assente, um acto desse tipo, independentemente do momento em que é adoptado, nunca pode ser objecto de recurso de anulação.

33      Alega igualmente que um caderno de encargos é dirigido a todas as empresas que, pertencendo a uma categoria definida em termos gerais e abstractos, pretendem concorrer para obter a adjudicação de um contrato público. No caso em apreço, o caderno de encargos não é uma decisão de que a recorrente seja destinatária nem uma decisão que lhe diga directa e individualmente respeito. A recorrente conclui que a única forma através da qual podia impugnar a legalidade do critério inscrito no caderno de encargos relativo ao número total de horas propostas pelos proponentes era o recurso da decisão de adjudicação do contrato.

34      A título subsidiário, a recorrente invoca, relativamente ao caderno de encargos, o benefício da excepção de ilegalidade, na acepção do artigo 241.° CE.

 Apreciação do Tribunal de Primeira Instância

35      A título preliminar, o Tribunal verifica que a posição do Conselho consiste em contestar a admissibilidade do presente recurso na medida em que, segundo esta instituição, o mesmo tem por único objecto, na realidade, o caderno de encargos, que é um acto impugnável cuja legalidade não foi tempestivamente contestada.

36      No entanto, há que declarar que a anulação que se pretende obter com o presente recurso é a da decisão do Conselho de 13 de Outubro de 2004 de não dar seguimento favorável às propostas da recorrente apresentadas na sequência da publicação do convite à apresentação de propostas, e que foi para efeitos desse pedido de anulação, ou seja, a título incidental, que a recorrente impugnou a legalidade do caderno de encargos.

37      Assim, a questão que se coloca não é a da admissibilidade do recurso de anulação na parte em que tem alegadamente por objecto o caderno de encargos, mas a da admissibilidade da excepção de ilegalidade desse documento invocada no âmbito do recurso de anulação.

38      Para tomar posição sobre esta última questão, há que determinar se um documento parte de um procedimento de concurso público como o caderno de encargos em causa é, como sustenta o Conselho, um acto susceptível de recurso directo ao abrigo do artigo 230.°, quarto parágrafo, CE e se, por conseguinte, a recorrente devia ter reagido, com base nessa disposição e no prazo de dois meses fixado pelo seu quinto parágrafo, contra o caderno de encargos.

39      Por força do disposto no artigo 230.°, quarto parágrafo, CE, qualquer pessoa singular ou colectiva pode interpor recurso das decisões de que seja destinatária e das decisões que, embora tomadas sob a forma de regulamento ou de decisão dirigida a outra pessoa, lhe digam directa e individualmente respeito.

40      Segundo jurisprudência assente, uma pessoa singular ou colectiva que não seja o destinatário de um acto só pode invocar que o mesmo lhe diz individualmente respeito, na acepção do artigo 230.°, quarto parágrafo, CE, se o acto em causa a atingir em razão de determinadas qualidades que lhe são específicas ou em razão de uma situação de facto que a caracteriza em relação a qualquer outra pessoa e, por isso, a individualiza de modo análogo ao do destinatário (acórdãos do Tribunal de Justiça de 15 de Julho de 1963, Plaumann/Comissão, 25/62, Colect. 1962‑1964, pp. 279, 284; de 25 de Julho de 2002, Unión de Pequeños Agricultores/Conselho, C‑50/00 P, Colect., p. I‑6677, n.° 36, e de 1 de Abril de 2004, Comissão/Jégo‑Quéré, C‑263/02 P, Colect., p. I‑3425, n.° 45).

41      No caso em apreço, o Tribunal é de opinião de que não se pode considerar que o caderno de encargos em causa diz individualmente respeito à recorrente.

42      Por um lado, o Tribunal considera que, contrariamente ao que sustenta o Conselho, o facto de o caderno de encargos ter sido individualmente notificado, em 23 de Junho de 2004, aos candidatos pré‑seleccionados e, portanto, à recorrente, no âmbito do procedimento limitado, não individualiza esta última na acepção do artigo 230.°, quarto parágrafo, CE. Com efeito, o caderno de encargos, à semelhança de todos os documentos parte do procedimento de concurso público emitidos, no caso concreto, pelo Conselho e de que faz parte, aplica‑se a situações objectivamente determinadas e produz efeitos jurídicos para categorias de pessoas consideradas de forma geral e abstracta. Por conseguinte, é um documento de carácter geral e não se pode considerar que a sua notificação individual às empresas pré‑seleccionadas pela entidade adjudicante permite individualizar, na acepção do artigo 230.°, quarto parágrafo, CE, cada uma dessas empresas em relação a quaisquer outras pessoas.

43      Por outro lado, o Conselho baseia‑se erradamente no acórdão Grossmann Air Service, referido no n.° 30, para demonstrar que a recorrente podia impugnar o caderno de encargos em causa. Na verdade, importa recordar que esse acórdão do Tribunal de Justiça foi proferido no âmbito de um reenvio prejudicial relativo à interpretação do artigo 1.°, n.° 3, e do artigo 2.°, n.° 1, alínea b), da Directiva 89/665. Ora, as disposições da Directiva 89/665, na versão alterada, vinculam apenas os Estados‑Membros e não as instituições comunitárias, o que não foi contestado pelo Conselho. Além disso, como reconheceu o Conselho na audiência, não se pode deixar de referir que a legislação comunitária em matéria de adjudicação de contratos públicos de serviços pelas instituições comunitárias aplicável ao caso em apreço não contém nenhuma disposição comparável às que constam da Directiva 89/665. Por último, o Tribunal refere que, no caso vertente, contrariamente aos factos na origem do litígio principal no âmbito do processo em que foi proferido o acórdão Grossmann Air Service, referido no n.° 30, o critério que consta do caderno de encargos e contestado pela recorrente não a impediu de participar utilmente no procedimento de adjudicação do contrato em causa. Muito pelo contrário, resulta dos elementos dos autos que a recorrente, da mesma forma que os outros candidatos que constavam da lista elaborada depois da fase de pré‑selecção, teve a possibilidade de apresentar uma proposta relativa ao lote n.° 2. Por conseguinte, não se pode recorrer, por analogia, para analisar a admissibilidade do presente recurso na parte em que diz respeito ao lote n.° 2, à interpretação dada pelo Tribunal de Justiça, no acórdão Grossmann Air Service, referido no n.° 30, às disposições da Directiva 89/665, na versão alterada.

44      Decorre das precedentes considerações que, uma vez que o caderno de encargos em causa não diz individualmente respeito à recorrente, esta não tinha o direito de interpor recurso de anulação, ao abrigo do artigo 230.°, quarto parágrafo, CE, contra esse caderno de encargos. Assim, a argumentação esgrimida pelo Conselho, relativa à possibilidade de a recorrente impugnar esse caderno de encargos, para se opor à impugnação, por esta última, no âmbito do presente recurso, a título incidental, da legalidade desse documento, não procede.

 Quanto ao mérito

 Quanto ao recurso da decisão de 13 de Outubro de 2004, na parte em que diz respeito ao lote n.° 1

 Argumentos das partes

45      A recorrente invoca um único fundamento para o recurso de anulação da decisão de 13 de Outubro de 2004, na parte em que diz respeito ao lote n.° 1, que consiste num erro manifesto de apreciação.

46      No essencial, a recorrente sustenta que o Conselho cometeu um erro manifesto de apreciação na medida em que não cumpriu a sua obrigação de proceder a uma análise cuidadosa da sua proposta relativa ao lote n.° 1.

47      Com efeito, contrariamente ao que o Conselho concluiu, a recorrente sustenta que a taxa horária média da sua proposta ascendia a 22,123 euros e era, por conseguinte, superior à taxa horária média mínima de 19,6962 euros, fixada pela UGBN.

48      É certo que a recorrente reconhece que este erro cometido pelo Conselho decorre de um erro de cálculo contido na sua proposta na soma das categorias A, B, C e D (234 059,67 euros em vez de 271 811,67 euros).

49      Todavia, considera que, por força do princípio da boa administração, quando procedeu à análise da sua proposta, o Conselho devia ter‑se certificado de que a proposta submetida à sua apreciação não continha um erro material manifesto, que podia ter corrigido por sua própria iniciativa.

50      A recorrente observa que uma simples verificação de cálculo teria permitido ao Conselho verificar que a taxa horária correcta da sua proposta era de um montante mínimo de 20,92 euros, como resulta de modo claro e preciso da página 40 da proposta.

51      A recorrente considera que, pelo menos, na medida em que o referido erro era manifesto e que a sua correcção não teria alterado as condições do contrato nem a proposta inicial, o Conselho, observando o disposto no artigo 99.° do Regulamento Financeiro, e como se encontrava previsto no artigo 10.° do caderno de encargos do convite à apresentação de propostas em causa, podia ter feito uso do seu direito de entrar em contacto com ela.

52      A recorrente considera que, contrariamente ao que afirma o Conselho, as conclusões a que o Tribunal de Primeira Instância chegou no acórdão de 8 de Maio de 1996, Adia interim/Comissão (T‑19/95, Colect., p. II‑321, n.° 47), não são válidas para o caso em apreço. Com efeito, refere que, nesse acórdão, estava em causa um erro sistemático de cálculo, dificilmente detectável pela entidade adjudicante. Ora, no caso vertente, a recorrente considera que o erro em causa é um simples erro na soma das categorias A, B, C e D, erro que o Conselho podia facilmente ter detectado e corrigido.

53      De igual modo, a recorrente afirma que o Conselho não pode afirmar que não se apercebeu desse erro, quando o preço total correcto, e portanto corrigido, consta das avaliações comparativas «ordinária» e «teórica» da sua proposta juntas à sua resposta.

54      A recorrente sustenta ainda que o principio geral que decorre do acórdão do Tribunal de Justiça de 13 de Julho de 1972, Bernardi/Parlamento (90/71, Recueil, p. 603, n.° 10; Colect., p. 201), por força do qual as partes não podem invocar no Tribunal de Justiça as irregularidades que podem ter sido consequência do seu próprio comportamento, também não é aplicável ao presente caso. Com efeito, observa que o seu comportamento não foi doloso nem esteve na origem do erro cometido pelo Conselho. Acrescenta que não tinha nenhum interesse em que o seu erro, que é um simples erro de cálculo involuntário, não fosse corrigido.

55      Acresce que, em resposta à argumentação do Conselho, a recorrente sustenta que, se a comunicação prevista no artigo 100.° do Regulamento Financeiro confere ao proponente excluído o direito de chamar a atenção da entidade adjudicante para eventuais erros de apreciação que possam ter viciado a avaliação da sua proposta, então os princípios da boa administração e da transparência impõem à entidade adjudicante que informe expressamente o destinatário, nessa comunicação, da existência desse direito. Ora, a recorrente considera que o Conselho, no seu ofício de 13 de Outubro de 2004, não a informou da existência desse direito. Daí decorre uma violação do princípio da igualdade de tratamento.

56      A recorrente conclui que o erro cometido pelo Conselho quanto ao cálculo da taxa horária média da sua proposta relativa ao lote n.° 1 resulta do facto de este último não ter procedido a uma análise cuidadosa da referida proposta e que, consequentemente, a decisão final de rejeição dessa proposta está viciada por um erro manifesto de apreciação particularmente grave.

57      O Conselho alega que a taxa horária média, como resulta dos termos do caderno de encargos do convite à apresentação de propostas, é igual ao preço total da proposta em causa dividido pelo número total de horas inscrito na referida proposta. Afirma que é esta a razão pela qual se limitou a efectuar o cálculo, a partir desse preço total de referência de 234 059,67 euros, como indicado pela recorrente na sua proposta.

58      O Conselho é de opinião de que não lhe competia proceder à verificação da soma das categorias A, B, C e D incluídas na proposta da recorrente e descobrir, nessa ocasião, que o preço total correcto era de 271 811,67 euros e não de 234 059,67 euros. O Conselho considera igualmente que os dados que constam das avaliações comparativas «ordinária» e «teórica» da proposta em causa, que juntou à sua resposta, não podem servir para demonstrar que se tinha apercebido desse erro na fase do exame da referida proposta. Com efeito, foi na fase da preparação da sua resposta, no presente processo, que essas avaliações foram feitas.

59      Acrescenta que a entidade adjudicante só pode tomar a iniciativa de contactar o proponente para que sejam corrigidos erros materiais manifestos. Ora, o Conselho entende que, no caso em apreço, a prova de que o erro não era manifesto é o facto de ele não o ter detectado.

60      Além disso, o Conselho invoca o princípio geral de direito, reconhecido pelo Tribunal de Justiça no acórdão Bernardi/Parlamento, referido no n.° 54, por força do qual as partes não podem invocar no Tribunal de Justiça as irregularidades que possam ter sido consequência do seu próprio comportamento.

61      Considera também que, mesmo admitindo que devia ter detectado o erro em causa, lhe era impossível, sem correr o risco de violar o disposto no artigo 99.° do Regulamento Financeiro e no artigo 148.°, n.° 3, das normas de execução, contactar a proponente para corrigir o referido erro. Para fundamentar esta consideração, baseia‑se, concretamente, no acórdão Adia interim/Comissão, referido no n.° 52.

62      Por último, o Conselho considera que um dos objectivos da comunicação prevista no artigo 100.° do Regulamento Financeiro, que é posterior à adjudicação do contrato e precede a sua assinatura, consiste em permitir que o proponente excluído chame a atenção da entidade adjudicante sobre eventuais erros de apreciação que possam ter viciado a avaliação da proposta. Ora, refere que a recorrente não teve qualquer reacção quando recebeu o ofício de 13 de Outubro de 2004 que a informou dos motivos da rejeição da sua proposta relativa ao lote n.° 1.

 Apreciação do Tribunal de Primeira Instância

63      De acordo com uma jurisprudência constante, o Conselho dispõe de um amplo poder de apreciação quanto aos elementos a ter em conta para tomar uma decisão de adjudicação de um contrato com base num concurso e que a fiscalização do Tribunal deve limitar‑se a verificar a inexistência de erro grave e manifesto (acórdão do Tribunal de Justiça de 23 de Novembro de 1978, Agence européenne d’intérims/Comissão, 56/77, Recueil, p. 2215, n.° 20; Colect., p. 761; acórdãos do Tribunal de Primeira Instância Adia interim/Comissão, referido no n.° 52, n.° 49, e de 6 de Julho de 2000, AICS/Parlamento, T‑139/99, Colect., p. II‑2849, n.° 39).

64      Além disso, por força do disposto no artigo 148.° das normas de execução, após a abertura das propostas e caso uma proposta suscite pedidos de esclarecimento ou seja necessário corrigir erros materiais manifestos na redacção da proposta, a entidade adjudicante pode excepcionalmente tomar a iniciativa de contactar o proponente.

65      No caso em apreço, há que verificar se o erro material cometido pela recorrente, ou seja, um erro de cálculo contido na sua proposta na soma das categorias A, B, C e D (234 059,67 euros em vez de 271 811,67 euros), era um erro material manifesto de que o Conselho se devia ter apercebido.

66      A este respeito, o Tribunal verifica, em primeiro lugar, que o modo de cálculo da taxa horária das propostas não impunha que o Conselho procedesse novamente à soma das categorias A, B, C e D. Com efeito, é pacífico que esse cálculo da taxa horária média devia ser efectuado a partir do preço total da proposta e do número total das horas de prestação propostas, tais como inscritos pela recorrente na sua proposta.

67      Em segundo lugar, não se pode considerar, como fez a recorrente, que a taxa horária correcta da sua proposta era de um montante mínimo de 20,92 euros, montante que constava de forma clara e precisa na página 40 da proposta, e que, por essa razão, o Conselho se devia ter questionado sobre a existência de um provável erro de cálculo da taxa horária média da proposta da recorrente. Com efeito, o Tribunal verifica que o referido montante, inscrito na página 40 da proposta da recorrente, estava incluído na categoria E, que se referia expressamente à taxa horária dos trabalhos complementares, a realizar, a pedido, pelo pessoal de limpeza, «nos dias úteis (de segunda‑feira a sexta‑feira) entre as 6 h 00 e as 22 h 00». O montante da taxa horária aí mencionado, de 20,92 euros, dizia respeito, por conseguinte, a um tipo específico de prestações, concretamente, trabalhos complementares, e, portanto, distintas das prestações abrangidas pelas categorias A, B, C e D.

68      Em terceiro lugar, contrariamente ao que alega a recorrente, não se pode considerar que os quadros de avaliação «ordinária» e «teórica» juntos pelo Conselho à sua resposta no presente processo demonstram que este último tinha conhecimento do erro cometido pela recorrente. Com efeito, resulta claramente dos articulados do Conselho que este elaborou os referidos quadros para efeitos do presente processo contencioso. Além disso, o Tribunal refere que a recorrente não demonstrou o contrário.

69      Acresce que, contrariamente ao que alega a recorrente, o Tribunal considera que não pode ser censurado o Conselho pelo facto de não a ter informado, na fase da comunicação prevista no artigo 100.° do Regulamento Financeiro, do seu direito de chamar a atenção da entidade adjudicante para eventuais erros de apreciação que possam ter viciado a avaliação da sua proposta. Com efeito, segundo a jurisprudência, na falta de disposição expressa de direito comunitário, não pode incumbir às autoridades administrativas ou jurisdicionais da Comunidade uma obrigação geral de informar os particulares dos meios de recurso disponíveis e das condições em que estes os podem exercer (despacho do Tribunal de Justiça de 5 de Março de 1999, Guérin automobiles/Comissão, C‑153/98 P, Colect., p. I‑1441, n.° 15, e acórdão do Tribunal de Primeira Instância de 24 de Fevereiro de 2000, ADT Projekt/Comissão, T‑145/98, Colect., p. II‑387, n.° 210). Ora, no caso em apreço, o Tribunal verifica que o artigo 100.° do Regulamento Financeiro não prevê, de modo expresso, essa obrigação.

70      De qualquer forma, não se pode deixar de referir que, quando a recorrente recebeu o ofício do Conselho de 13 de Outubro de 2004, embora tivesse tomado a iniciativa de formular um pedido de esclarecimento quanto às condições de rejeição da sua proposta relativa ao lote n.° 2, não formulou nenhuma observação quanto à existência de um erro manifesto de cálculo na sua proposta relativa ao lote n.° 1.

71      Resulta das observações precedentes que o erro material cometido pela recorrente não era manifesto, na acepção do artigo 148.°, n.° 3, das normas de execução. Por conseguinte, não se pode censurar o Conselho pelo facto de não se ter apercebido desse erro e de, em seguida, não o ter corrigido ou, pelo menos, de não ter contactado a recorrente para lhe permitir rectificar esse erro.

72      Consequentemente, o fundamento único relativo a um erro manifesto de apreciação cometido pelo Conselho na decisão de 13 de Outubro de 2004, na parte em que diz respeito ao lote n.° 1, improcede. Assim, deve ser negado provimento ao recurso de anulação da decisão de 13 de Outubro de 2004, na parte em que diz respeito ao lote n.° 1.

 Quanto ao recurso da decisão de 13 de Outubro de 2004, na parte em que diz respeito ao lote n.° 2

 Argumentos das partes

73      A recorrente invoca três fundamentos para a anulação da decisão de 13 de Outubro de 2004, na parte em que diz respeito ao lote n.° 2, que consistem na violação do princípio geral da boa administração, num erro manifesto de apreciação e na violação do princípio da não discriminação. Além disso, na fase da réplica, a recorrente alegou um quarto fundamento, relativo ao facto de o Conselho, pelo facto de não a ter contactado antes de excluir a sua proposta, ter violado o disposto no artigo 139.°, n.° 1, das normas de execução.

74      A recorrente sustenta, no essencial, que os três primeiros fundamentos, que consistem na violação do princípio geral da boa administração, num erro manifesto de apreciação e na violação do princípio da não discriminação, assentam no facto de a sua proposta relativa ao lote n.° 2 ter sido rejeitada automaticamente, sem que se tenha procedido ao respectivo exame, pela simples razão de o número total de horas de trabalho inscrito na referida proposta ser inferior em mais de 12,5% à média do número total de horas indicadas nas propostas apresentadas.

75      Em primeiro lugar, a recorrente é de opinião de que, por razões semelhantes, o critério de selecção previsto no caderno de encargos relativo à média do número total de horas propostas em que o Conselho se baseou para rejeitar a sua proposta, sem mais, viola o princípio da boa administração e está viciado por um erro manifesto de apreciação. Com efeito, leva a privilegiar propostas que prevêem um volume de prestações em horas superior ao que é realmente necessário e que, consequentemente, são mais dispendiosas.

76      A este respeito, em primeiro lugar, a recorrente afirma que o referido critério usado pelo Conselho não permite avaliar de forma objectiva o que é necessário para executar as prestações em causa. Por um lado, recorda que assegurava, desde 1 de Janeiro de 1998, com inteira satisfação do Conselho, a limpeza e a manutenção do edifício em causa no âmbito do lote n.° 2, e com base num volume total de horas equivalente ao inscrito na sua proposta. Ora, reconhecendo embora que o Conselho não podia levar essa experiência em consideração, considera que a mesma permite simplesmente demonstrar, de forma objectiva, que o número total de horas necessário para executar as prestações em causa, em condições pelo menos equivalentes, era inferior ao da proposta finalmente aceite e, por conseguinte, que o critério aplicado pelo Conselho incentivava a inflacionar esse volume de horas.

77      Por outro lado, a recorrente considera que a avaliação da importância das prestações em causa não pode razoavelmente depender das propostas dos próprios proponentes, que podem ter interesse, depois de se terem conluiado nesse sentido, em empolar artificialmente o volume das prestações oferecidas. Por último, o volume de horas de trabalho não pode constituir o principal critério de apreciação da qualidade do trabalho a executar. Sobre esta última questão, a recorrente observa que, se tivesse empolado artificialmente o número de horas indicadas na sua proposta, esta não teria sido automaticamente excluída.

78      Em seguida, alega que o Conselho não pode invocar a seu favor o facto de, não obstante a proposta do adjudicatário ser 3,7% mais cara do que a sua, a recorrente propor um número de horas superior em 25,2% em relação àquela proposta. Com efeito, por um lado, reitera a sua afirmação segundo a qual o número total de horas propostas pelo adjudicatário era superior ao número de horas efectivamente necessário para executar, na condições de qualidade exigidas, o trabalho previsto no caderno de encargos. Assim, através desse inflacionar das prestações oferecidas pelo adjudicatário, é causado um prejuízo ao Conselho e à colectividade que o financia. Por outro, a recorrente acrescenta que, na verdade, o proponente seleccionado não fornece a totalidade do número de horas que constam da sua proposta, o que, segundo afirma, confirma que o número de horas que propôs correspondia ao que era necessário para executar a limpeza das instalações objecto do lote n.° 2.

79      Em segundo lugar, a recorrente sustenta que o critério de selecção adoptado é discriminatório, na medida em que leva a excluir automaticamente, sem mais, propostas objectivamente vantajosas para o Conselho no plano orçamental, e perfeitamente satisfatórias no plano qualitativo.

80      Em terceiro lugar, a recorrente sustenta que o Conselho violou o disposto no artigo 139.°, n.° 1, das normas de execução. Com efeito, considera que, antes de excluir a sua proposta devido ao carácter anormalmente baixo do número total de horas de prestações propostas, o Conselho devia ter procedido a uma verificação contraditória dessa proposta, nas condições estabelecidas no artigo 139.°, n.° 1, das normas de execução. Além disso, decorre da jurisprudência que a exclusão oficiosa de propostas anormalmente baixas, quando resulta da aplicação de um critério matemático, é proibida (acórdão do Tribunal de Justiça de 22 de Junho de 1989, Fratelli Costanzo, 103/88, Colect., p. 1839).

81      O Conselho recorda que, segundo a jurisprudência, a adjudicação de um contrato ao proponente que tenha apresentado a proposta economicamente mais vantajosa não significa necessariamente que a proposta aceite seja a mais barata.

82      Acrescenta que a abertura regular de concursos públicos tem especialmente por objectivo a demonstração de que é possível fazer melhor ou fazer mais. Num mercado competitivo, é provável que a média do número total de horas propostas por todos os proponentes corresponda a uma estimativa sólida e fiável dos meios necessários para garantir a boa execução do serviço do ponto de vista qualitativo. Com efeito, o Conselho é de opinião de que, com um maior número de horas consagradas à limpeza, se obtém um grau mais elevado de qualidade. Ora, no caso em apreço, o Conselho refere que, embora o adjudicatário tenha apresentado uma proposta 3,7% mais cara do que a da recorrente, em contrapartida, propôs mais 25,2% de horas de trabalho do que a recorrente. Além disso, observa que, enquanto o critério do preço tinha um peso de 50% na avaliação das propostas, o critério impugnado relativo ao número total de horas propostas só contava 25% para o número total de pontos a atribuir. Assim, a proposta do adjudicatário era economicamente mais vantajosa e os serviços da recorrente eram, por sua vez, muito mais caros. De resto, o Conselho afirma que os cartões de ponto dos trabalhadores ao serviço do adjudicatário demonstram que as prestações fornecidas correspondem às obrigações decorrentes dos termos do contrato.

83      Quanto às alegações da recorrente relativas ao risco de conluio entre os proponentes, que poderiam acordar entre si empolar artificialmente o volume das prestações, o Conselho convida‑a, na medida em que disponha de provas a esse respeito, a contactar as autoridades da concorrência.

84      Quanto ao terceiro fundamento, relativo à violação do princípio da não discriminação, o Conselho alega que esse princípio lhe vedava levar em conta, na escolha do adjudicatário, a qualidade dos serviços anteriormente prestados pela recorrente.

85      Por último, o Conselho sustenta que, uma vez que a recorrente apenas invocou o quarto fundamento, relativo à violação do artigo 139.°, n.° 1, das normas de execução, na fase da réplica, esse fundamento é novo e, por conseguinte, inadmissível. De qualquer forma, o Conselho considera que a proposta da recorrente não era anormalmente baixa. Com efeito, afirma, no essencial, que a observância do processo contraditório quando uma proposta é anormalmente baixa, como previsto no artigo 139.°, n.° 1, das normas de execução, apenas se impõe quando é o preço dessa proposta que está em causa. Ora, observa que, enquanto a proposta da recorrente continha um número total de horas inferior em 25,2% à proposta do adjudicatário, o seu preço era apenas 3,7% inferior à mesma. Por conseguinte, considera que os serviços da recorrente eram muito mais caros do que os do adjudicatário.

 Apreciação do Tribunal de Primeira Instância

86      Antes de analisar a procedência do recurso de anulação da decisão de 13 de Outubro de 2004 na parte em que diz respeito ao lote n.° 2, importa, antes de mais, apreciar a admissibilidade do quarto fundamento, relativo à violação do disposto no artigo 139.°, n.° 1, das normas de execução.

–       Quanto à admissibilidade do quarto fundamento, relativo à violação do disposto no artigo 139.°, n.° 1, das normas de execução

87      Segundo uma jurisprudência constante, resulta do disposto no artigo 44.°, n.° 1, alínea c), conjugado com o disposto no artigo 48.°, n.° 2, do Regulamento de Processo do Tribunal de Primeira Instância, que a petição inicial deve conter o objecto do litígio e a exposição sumária dos fundamentos do pedido, e que é proibido deduzir novos fundamentos no decurso da instância, a menos que tenham origem em elementos de direito e de facto que se tenham revelado durante o processo. Todavia, deve ser julgado admissível um fundamento que constitua a ampliação de um fundamento anteriormente deduzido, directa ou indirectamente, na petição inicial e que apresente um nexo estreito com ele (acórdãos do Tribunal de Justiça de 30 de Setembro de 1982, Amylum/Conselho, 108/81, Recueil, p. 3107, n.° 25, e de 19 de Maio de 1983, Verros/Parlamento, 306/81, Recueil, p. 1755, n.° 9; acórdão do Tribunal de Primeira Instância de 17 de Dezembro de 1997, Moles García Ortúzar/Comissão, T‑216/95, ColectFP, pp. I‑A‑403 e II‑1083, n.° 87).

88      Além disso, segundo a jurisprudência, resulta do artigo 139.°, n.° 1, das normas de execução que a entidade adjudicante tem o dever de permitir ao proponente esclarecer ou justificar as características da sua proposta antes de a rejeitar, se considerar que uma das propostas é anormalmente baixa (acórdão do Tribunal de Primeira Instância de 6 de Julho de 2005, TQ3 Travel Solutions Belgium/Comissão, T‑148/04, Colect., p. II‑2627, n.° 49).

89      No caso em apreço, o Tribunal verifica que, no n.° 17 da petição, a recorrente invoca, em particular, para fundamentar o seu recurso de anulação da decisão de 13 de Outubro de 2004, na parte em que diz respeito ao lote n.° 2, a violação do princípio geral da boa administração, do princípio da não discriminação e um erro manifesto de apreciação, na medida em que a sua proposta foi rejeitada, sem mais, pelo simples facto de o número total de horas de trabalho inscrito na referida proposta ser inferior em mais de 12,5% à média do número total de horas propostas. Do mesmo modo, no n.° 26 da petição, sustenta que a aplicação desse critério é discriminatória, na medida em que leva a afastar automaticamente, sem mais, propostas objectivamente mais vantajosas. Daqui decorre que a recorrente, na fase da petição, censurou expressamente o Conselho pelo facto de ter excluído a sua proposta, sem mais, devido ao seu carácter anormalmente baixo.

90      Decorre das considerações precedentes que o quarto fundamento, relativo à violação do artigo 139.°, n.° 1, das normas de execução, apesar de a recorrente só o ter invocado expressamente na fase da réplica, é uma ampliação dos três fundamentos enunciados na petição inicial, e tem com eles uma estreita relação. Por conseguinte, há que julgar esse fundamento admissível.

–       Quanto à procedência do recurso da decisão de 13 de Outubro de 2004, na parte em que diz respeito ao lote n.° 2

91      Como foi referido no n.° 89, com os três fundamentos invocados na fase da réplica relativos à violação do princípio da boa administração, a um erro manifesto de apreciação e à violação do princípio da não discriminação, a recorrente pretende, no essencial, demonstrar que o Conselho errou ao não a convidar, antes de excluir automaticamente a sua proposta devido ao carácter anormalmente baixo do número de horas que continha, e em conformidade com o princípio da verificação contraditória prevista no artigo 139.°, n.° 1, das normas de execução, a fornecer‑lhe um comprovativo que fizesse prova do carácter sério da sua proposta. Por conseguinte, há que analisar desde já o quarto fundamento, relativo à violação do artigo 139.°, n.° 1, das normas de execução.

92      A este títutlo, em primeiro lugar, há que determinar se o conceito de proposta anormalmente baixa apenas se refere, como sustenta o Conselho, ao critério do preço da proposta examinada pela entidade adjudicante ou se, como alega, no essencial, a recorrente, este conceito também se refere a outros critérios de avaliação das propostas.

93      Segundo a jurisprudência, uma vez que as exigências do artigo 29, n.° 5, da Directiva 71/305/CEE do Conselho, de 26 de Julho de 1971, relativa à coordenação dos processos de adjudicação de empreitadas de obras públicas (JO L 185, p. 5; EE 17 F3 p. 9), do artigo 37.°, n.° 1, da Directiva 92/50 e do artigo 30.°, n.° 4, da Directiva 93/37 são, no essencial, idênticas às impostas pelo artigo 139.°, n.° 1, das normas de execução, as considerações que seguem também valem para a interpretação desta última disposição (v., por analogia, acórdão do Tribunal de Justiça de 27 de Novembro de 2001, Lombardini e Mantovani, C‑285/99 e C‑286/99, Colect., p. I‑9233, n.° 50).

94      Além disso, importa referir que, no n.° 67 do acórdão Lombardini e Mantovani, referido no n.° 93, o Tribunal de Justiça declarou que era pacífico que o artigo 30.°, n.° 4, da Directiva 93/37 não definia o conceito de proposta anormalmente baixa e, a fortiori, não determinava o modo de cálculo de um patamar de anomalia. Nesse mesmo processo, o advogado‑geral considerou que o conceito de proposta anormalmente baixa não era um conceito abstracto; sendo pelo contrário muito preciso, e que devia ser definido, para cada contrato, em função do objecto específico que constituía a sua prestação (conclusões do advogado‑geral Ruiz‑Jarabo Colomer, acórdão Lombardini e Mantovani, já referido no n.° 93, n.os 32 e 35).

95      No caso em apreço, por um lado, o Tribunal verifica que nem o Regulamento Financeiro nem as normas de execução contêm nenhuma definição do patamar de anomalia nem do conceito de proposta anormalmente baixa, na acepção do artigo 139.°, n.° 1, das normas de execução. Por outro, não resulta expressamente das disposições deste mesmo artigo que o conceito de proposta anormalmente baixa não possa ser aplicado a outros critérios que não o do preço.

96      Consequentemente, para definir o âmbito de aplicação ratione materiae do conceito de proposta anormalmente baixa, na acepção do artigo 139.°, n.° 1, das normas de execução, há que tomar por base, antes de mais, o objectivo prosseguido por essa disposição.

97      Como foi recordado no n.° 88, por força do disposto no artigo 139.°, n.° 1, das normas de execução, a entidade adjudicante tem a obrigação, se considerar que uma proposta é anormalmente baixa, de permitir ao proponente que explicite, ou que justifique, as características da sua proposta antes de a rejeitar. Mais concretamente, resulta da jurisprudência que é essencial que cada concorrente relativamente ao qual haja suspeita de apresentação de uma proposta anormalmente baixa tenha a faculdade de defender eficazmente o seu ponto de vista, sendo‑lhe dada a possibilidade de apresentar todas as justificações sobre os diferentes elementos da sua proposta num momento em que tenha conhecimento não só do patamar de anomalia aplicável ao concurso em causa e do facto de que a sua proposta se revelou anormalmente baixa, mas também dos pontos precisos que suscitaram dúvidas à entidade adjudicante (acórdão Lombardini e Mantovani, já referido no n.° 93, n.° 53). O Tribunal de Justiça, na mesma ocasião, declarou que a existência de um debate contraditório efectivo constituía uma exigência fundamental da directiva para evitar a arbitrariedade da entidade adjudicante e garantir uma sã concorrência entre as empresas (acórdão Lombardini e Mantovani, já referido no n.° 93, n.° 57).

98      Decorre das considerações precedentes que o artigo 139.°, n.° 1, das normas de execução consagra uma exigência fundamental em matéria de adjudicação de contratos públicos, que impõe à entidade adjudicante que verifique contraditoriamente todas as propostas de carácter anormalmente baixo antes de as rejeitar, tendo em conta os elementos que as compõem.

99      Em seguida, o Tribunal recorda que, por força do artigo 97.°, n.° 2, do Regulamento Financeiro, os contratos podem ser adjudicados à proposta de mais baixo preço ou à proposta economicamente mais vantajosa e que, no que diz respeito a esta segunda forma de adjudicação, o artigo 138.°, n.° 2, das normas de execução prevê que a proposta economicamente mais vantajosa é a que apresentar a melhor relação qualidade/preço, tendo em conta critérios justificados pelo objecto do contrato, como o preço proposto, a valia técnica, o carácter estético e funcional, as características ambientais, o custo de utilização, a rendibilidade, o prazo de execução ou de entrega, o serviço pós‑venda e a assistência técnica.

100    Pelo exposto, o Tribunal considera que, quando o contrato é adjudicado à proposta economicamente mais vantajosa, a exigência fundamental referida no n.° 98 aplica‑se não só ao critério do preço da proposta examinada, mas também aos outros critérios previstos no artigo 138.°, n.° 2, das normas de execução, na medida em que permitam definir um patamar de anomalia abaixo do qual uma proposta apresentada no âmbito do concurso em causa parece ser anormalmente baixa, na acepção do artigo 139.°, n.° 1, das normas de execução.

101    Em segundo lugar, há que apreciar se, no caso em apreço, à luz das considerações precedentes, o Conselho estava obrigado, como sustenta a recorrente, a respeitar o processo de verificação contraditória, previsto no artigo 139.°, n.° 1, das normas de execução.

102    A este respeito, o Tribunal refere que o modo de adjudicação do contrato em causa era o da proposta economicamente mais vantajosa. Além disso, está assente que, entre os critérios adoptados, o relativo à média do número total de horas propostas respeitava ao aspecto qualitativo da proposta da recorrente e constituía um dos vários elementos da proposta na acepção da jurisprudência recordada no n.° 97. Por último, em conformidade com as disposições do caderno de encargos recordadas no n.° 16, o referido critério permitia definir um patamar de anomalia abaixo do qual a proposta em causa era automaticamente eliminada.

103    Ora, como resulta dos termos do ofício do Conselho de 22 de Outubro de 2004, e como confirmou expressamente o Conselho na audiência em resposta a uma pergunta do Tribunal, foi com base neste último critério que a proposta da recorrente foi rejeitada, pela simples razão de o número total de horas inscrito nessa proposta ser excessivamente baixo. Além disso, não se pode deixar de referir que o Conselho não procedeu a nenhuma verificação contraditória, na acepção das disposições do artigo 139.°, n.° 1, das normas de execução, da proposta da recorrente antes da sua exclusão automática.

104    Nestas circunstâncias, o Conselho violou o disposto no artigo 139.°, n.° 1, das normas de execução.

105    Esta conclusão não é posta em causa pelo facto de que, como alega o Conselho na tréplica, enquanto o volume total de horas da recorrente era menor do que o do adjudicatário 25,2%, o seu preço total, em contrapartida, era 3,7% inferior ao do mesmo adjudicatário. Com efeito, mais uma vez, basta referir que, como resulta do ofício do Conselho de 22 de Outubro de 2004, a proposta da recorrente foi excluída unicamente devido ao carácter excessivamente baixo do número total de horas nela inscrito.

106    Resulta das considerações precedentes que o quarto fundamento, relativo à violação do disposto no artigo 139.°, n.° 1, das normas de execução, deve ser julgado procedente.

107    Consequentemente, sem necessidade de apreciar a procedência dos três primeiros fundamentos invocados, há que anular a decisão de 13 de Outubro de 2004, na parte em que diz respeito ao lote n.° 2.

 Quanto ao pedido de indemnização

 Argumentos das partes

108    A recorrente considera que a exclusão injusta das suas duas propostas pelo Conselho lhe causou um prejuízo e pede o ressarcimento do referido prejuízo que avalia, multiplicando o preço anual da sua proposta pela duração do contrato (3 anos), em 1 481 317,65 euros, acrescidos de juros à taxa anual de 7%.

109    No que diz respeito à existência de culpa, sustenta que o Conselho cometeu incontestavelmente um erro grave e manifesto, por um lado, relativamente ao lote n.° 1, ao não verificar a exactidão da sua proposta e, por outro, relativamente ao lote n.° 2, ao violar as disposições do Regulamento Financeiro e das normas de execução.

110    No que diz respeito à existência do prejuízo, a recorrente alega que a exclusão irregular das suas duas propostas constitui um lucro cessante considerável que põe em perigo a sua própria sobrevivência.

111    Por um lado, a título subsidiário, a recorrente convida o Tribunal, se ainda não estiver convencido da procedência das suas pretensões em sede de ressarcimento dos danos que sofreu na sequência da rejeição das suas duas propostas, a conceder‑lhe imediatamente uma indemnização, a títutlo provisório, de 500 000 euros. Por outro, propõe ao Tribunal que, antes de se pronunciar definitivamente sobre o montante dos danos, designe um perito em contabilidade que calcule o lucro directo e indirecto que lhe teria proporcionado a adjudicação dos dois contratos.

112    No que diz respeito à existência de um nexo de causalidade entre a actuação culposa do Conselho e os danos sofridos, a recorrente considera que, por força do princípio da equivalência das condições, o Tribunal deve verificar se a mesma teria sofrido um dano idêntico no caso de o Conselho não ter actuado culposamente. A este respeito, alega que, uma vez que o Conselho excluiu automaticamente as suas duas propostas, já não é possível proceder a essa análise do dano.

113    Segundo a recorrente, uma vez que o Conselho não juntou à sua resposta o relatório de avaliação originário, o Tribunal ficou impossibilitado de fiscalizar o raciocínio do Conselho e de verificar com que base as suas propostas podiam ter sido excluídas do concurso controvertido mesmo que o Conselho não tivesse actuado culposamente.

114    O Conselho considera, no que diz respeito ao lote n.° 1, que não cometeu nenhum erro manifesto de apreciação. Acrescenta que, mesmo que venha a ser considerado responsável por esse erro, a recorrente não fez prova nem do carácter grave e manifesto desse erro, nem da existência do dano, nem da existência de um nexo de causalidade entre eles.

115    No que diz ao lote n.° 2, o Conselho é de opinião de que não violou os princípios da boa administração e da não discriminação, nem cometeu qualquer erro manifesto de apreciação. Acrescenta que, mesmo que venha a ser considerado responsável por essa violação, a recorrente não fez prova nem do carácter grave e manifesto desse erro, nem da existência do dano, nem da existência de um nexo de causalidade entre eles.

116    Sustenta que, contrariamente ao que alega a recorrente, os critérios de atribuição de pontos, no que diz respeito ao lote n.° 2, lhe permitiram incontestavelmente proceder à avaliação da proposta desta última. Com efeito, o Conselho recorda que 75% desses pontos eram atribuídos com fundamento em cálculos baseados no dados apresentados pelos proponentes, enquanto os restantes 25% eram atribuídos através de pontos de avaliação.

117    Por último, apoiando‑se numa avaliação «ordinária» (descrita pelo Conselho como sendo «baseada no dossier efectivamente apresentado pela recorrente admitindo que esta não fosse excluída do concurso») e numa avaliação «teórica» (descrita pelo Conselho como sendo «baseada na atribuição à recorrente [do número máximo de pontos atribuído] ao proponente mais bem classificado no âmbito de cada critério, salvos os casos em que o critério se baseia em dados matemáticos contidos na proposta»), o Conselho pretende demonstrar, no que diz respeito tanto ao lote n.°1 como ao lote n.° 2, que as propostas da recorrente não teriam chegado ao primeiro lugar e que, por consequência, o requisito da existência do prejuízo não se encontra preenchido no caso em apreço.

118    De qualquer forma, tanto no que diz respeito ao lote n.° 1 como ao lote n.° 2, admitindo que, por absurdo, o Tribunal julgasse procedente o pedido de indemnização da recorrente, o Conselho é de opinião de que a indemnização pedida por esta última deve ser recalculada e limitada ao lucro líquido anual de que pode fazer prova em relação ao contrato em causa.

 Apreciação do Tribunal de Primeira Instância

119    Resulta de uma jurisprudência constante que a responsabilidade extracontratual da Comunidade por actuação ilícita dos seus órgãos, na acepção do artigo 288.°, segundo parágrafo, CE, depende da verificação de uma série de requisitos, concretamente, a ilegalidade do comportamento censurado às instituições, a realidade do dano e a existência de um nexo de causalidade entre este comportamento e o prejuízo alegado (acórdão do Tribunal de Justiça de 29 de Setembro de 1982, Oleifici Mediterranei/CEE, 26/81, Recueil, p. 3057, n.° 16; acórdãos do Tribunal de Primeira Instância de 11 de Julho de 1996, International Procurement Services/Comissão, T‑175/94, Colect., p. II‑729, n.° 44; de 16 de Outubro de 1996, Efisol/Comissão, T‑336/94, Colect., p. II‑1343, n.° 30, e de 11 de Julho de 1997, Oleifici Italiani/Comissão, T‑267/94, Colect., p. II‑1239, n.° 20).

120    Não se encontrando preenchido um destes requisitos, o pedido deve ser julgado improcedente na íntegra, sem necessidade de analisar os restantes (acórdão do Tribunal de Justiça de 15 de Setembro de 1994, KYDEP/Conselho e Comissão, C‑146/91, Colect., p. I‑4199, n.os 19 e 81, e acórdão do Tribunal de Primeira Instância de 20 de Fevereiro de 2002, Förde‑Reederei/Conselho e Comissão, T‑170/00, Colect., p. II‑515, n.° 37).

121    Embora a recorrente invoque o direito a obter uma indemnização pelo prejuízo que alega ter sofrido devido à rejeição das suas duas propostas consideradas conjuntamente, há que analisar os seus pedidos de indemnização distinguindo a decisão de 13 de Outubro de 2004 consoante diz respeito, por um lado, ao lote n.° 1 e, por outro, ao lote n.° 2.

 Quanto ao pedido de indemnização no que diz respeito ao lote n.° 1

122    Segundo jurisprudência constante, os pedidos de reparação de um prejuízo devem ser julgados improcedentes quando apresentem um nexo estreito com os pedidos de anulação que tenham, eles próprios, sido indeferidos (v. acórdão do Tribunal de Primeira Instância de 4 de Julho de 2002, Arne Mathisen/Conselho, T‑340/99, Colect., p. II‑2905, n.° 134 e jurisprudência aí referida).

123    Uma vez que foi negado provimento ao pedido de anulação relativo ao lote n.° 1 pelo facto de a recorrente não ter alegado a respectiva ilegalidade e que o pedido de indemnização tem um nexo estrito com esse pedido, há que julgar o pedido de indemnização improcedente no que diz respeito ao lote n.° 1.

 Quanto ao pedido de indemnização no que diz respeito ao lote n.° 2

124    O Tribunal refere que a recorrente pede uma indemnização correspondente aos montantes que teria facturado ao Conselho se o contrato, e por conseguinte, nomeadamente, o lote n.° 2, lhe tivesse sido adjudicado. Este pedido deve ser interpretado no sentido de que se baseia não na perda da oportunidade de celebrar o contrato mas na perda do próprio contrato.

125    No entanto, a recorrente não fez prova de que, se não fosse a ilegalidade declarada relativamente ao lote n.° 2, ter‑lhe ia certamente sido adjudicado o contrato para esse lote. Se o Conselho não tivesse juntado o seu relatório de avaliação originário aos seus pedidos, não teria sido possível verificar com que base as suas propostas, mesmo que o Conselho não tivesse actuado culposamente, podiam ter sido excluídas do concurso controvertido.

126    Ora, sobre esta última questão, uma vez que o Conselho, em resposta a uma pergunta escrita do Tribunal, apresentou o relatório de avaliação originário, que foi transmitido à recorrente, o Tribunal não pode deixar de declarar que esta última, mesmo sem a ilegalidade declarada no n.° 106, não teria obtido a adjudicação do contrato no que diz respeito ao lote n.° 2. Com efeito, a proposta da recorrente está classificada, no relatório de avaliação originário apresentado pelo Conselho, em oitava e última posição.

127    Face ao exposto, o prejuízo alegado pela recorrente no que diz respeito ao lote n.° 2, ou seja, a perda do próprio contrato, não é real e certo, mas hipotético, de modo que não pode ser objecto de indemnização, o que, por si só, é suficiente para julgar o pedido de indemnização improcedente. Além disso, para sermos exaustivos, nenhum indício leva a crer, nem a recorrente invoca nenhum, que esta, devido à ilegalidade declarada, tenha perdido sequer a oportunidade de obter a adjudicação do contrato.

128    Consequentemente, há que julgar improcedente o pedido de indemnização relativo ao lote n.° 2.

129    Assim, os pedidos de indemnização devem ser julgados improcedentes na íntegra.

 Quanto às despesas

130    Por força do disposto no artigo 87.°, n.° 3, do Regulamento de Processo do Tribunal de Primeira Instância, se cada parte obtiver vencimento parcial, o Tribunal pode determinar que as despesas sejam repartidas entre as partes ou que cada uma das partes suporte as suas próprias despesas. No caso em apreço, há que decidir que cada parte suportará as respectivas despesas.

Pelos fundamentos expostos,

O TRIBUNAL DE PRIMEIRA INSTÂNCIA (Quinta Secção)

decide:

1)      A decisão do Conselho da União Europeia de 13 de Outubro de 2004 de rejeitar as propostas da Belfass SPRL no âmbito do convite à apresentação de propostas UCA‑033/04 é anulada na parte em que rejeitou a proposta da Belfass relativa ao lote n.° 2.

2)      Quanto ao demais, é negado provimento ao recurso.

3)      Cada parte suportará as suas próprias despesas.

Vilaras

Martins Ribeiro

Jürimäe

Proferido em audiência pública no Luxemburgo, em 21 de Maio de 2008.

O secretário

 

      O presidente

E. Coulon

 

      M. Vilaras

Índice


Quadro jurídico

Factos na origem do litígio

Tramitação processual e pedidos das partes

Quanto à admissibilidade do recurso da decisão de 13 de Outubro de 2004, na parte em que diz respeito ao lote n.° 2

Argumentos das partes

Apreciação do Tribunal de Primeira Instância

Quanto ao mérito

Quanto ao recurso da decisão de 13 de Outubro de 2004, na parte em que diz respeito ao lote n.° 1

Argumentos das partes

Apreciação do Tribunal de Primeira Instância

Quanto ao recurso da decisão de 13 de Outubro de 2004, na parte em que diz respeito ao lote n.° 2

Argumentos das partes

Apreciação do Tribunal de Primeira Instância

– Quanto à admissibilidade do quarto fundamento, relativo à violação do disposto no artigo 139.°, n.° 1, das normas de execução

– Quanto à procedência do recurso da decisão de 13 de Outubro de 2004, na parte em que diz respeito ao lote n.° 2

Quanto ao pedido de indemnização

Argumentos das partes

Apreciação do Tribunal de Primeira Instância

Quanto ao pedido de indemnização no que diz respeito ao lote n.° 1

Quanto ao pedido de indemnização no que diz respeito ao lote n.° 2

Quanto às despesas


* Língua do processo: francês.