Language of document : ECLI:EU:T:2009:400

Processo T‑140/08

Ferrero SpA

contra

Instituto de Harmonização do Mercado Interno (marcas, desenhos e modelos) (IHMI)

«Marca comunitária – Processo de declaração de nulidade – Marca figurativa comunitária TiMi KiNDERJOGHURT – Marca nominativa anterior KINDER – Motivo relativo de recusa – Falta de semelhança dos sinais – Processo de oposição anterior – Inexistência de autoridade de caso julgado – Artigo 8.°, n.° 1, alínea b), e n.° 5, e artigo 52.°, n.° 1, alínea a), do Regulamento (CE) n.° 40/94 [actuais artigo 8.°, n.° 1, alínea b), e n.° 5, e artigo 53.°, n.° 1, alínea a), do Regulamento (CE) n.° 207/2009]»

Sumário do acórdão

1.      Marca comunitária – Renúncia, extinção e nulidade – Pedido de declaração de nulidade – Relação entre uma decisão final em matéria de oposição e um pedido de nulidade – Caso julgado – Alcance

(Regulamento n.° 40/94 do Conselho, artigos 52.°, n.° 4, e 96.°, n.° 2)

2.      Marca comunitária – Definição e aquisição da marca comunitária – Motivos relativos de recusa – Oposição pelo titular de uma marca anterior idêntica ou semelhante que goza de renome – Extensão da protecção da marca anterior com renome a produtos ou serviços não semelhantes

(Regulamento n.° 40/94 do Conselho, artigo 8.°, n.° 5)

3.      Marca comunitária – Renúncia, extinção e nulidade – Causas de nulidade relativa – Registo contrário ao artigo 8.°, n.° 5, do Regulamento n.° 40/94

[Regulamento n.° 40/94 do Conselho, artigos 8.°, n.° 5, e 52.°, n.° 1, alínea a)]

1.      O princípio do caso julgado, que impõe que o carácter definitivo de uma decisão judicial não seja posto em causa, não era aplicável na relação entre uma decisão final em matéria de oposição e um pedido de declaração de nulidade, tendo em conta, nomeadamente, por um lado, o facto de os processos no Instituto de Harmonização do Mercado Interno (marcas, desenhos e modelos) serem de natureza administrativa, e não de natureza jurisdicional, e, por outro, o facto de as disposições pertinentes do Regulamento n.° 40/94, sobre a marca comunitária, ou seja, o artigo 52.°, n.° 4, e o artigo 96.°, n.° 2, não preverem uma regra que estipule nesse sentido.

Além disso, os factos apurados na decisão final em matéria de oposição não podem ser totalmente ignorados quando se trata de tomar uma decisão sobre o pedido de declaração de nulidade que opõe as mesmas partes, tem o mesmo objecto e se baseia nos mesmos fundamentos, desde que esse apuramento ou os pontos decididos não sejam alterados por novos elementos de facto, novas provas ou novos fundamentos. Com efeito, esta afirmação não passa de uma expressão específica da jurisprudência de acordo com a qual a prática decisória anterior do Instituto é um elemento que pode ser levado em consideração para apreciar se um sinal pode ser registado.

Ao invés, no âmbito de um processo de declaração de nulidade, as instâncias do Instituto estão vinculadas pelos factos apurados na decisão final proferida no âmbito do processo de oposição, por força da regra nemo potest venire contra factum proprium, da protecção dos direitos adquiridos e dos princípios da segurança jurídica e da protecção da confiança legítima. Com efeito, por um lado, na medida em que a decisão, mesmo definitiva, proferida no âmbito de um processo de oposição não faz caso julgado, não é susceptível de criar direitos adquiridos nem confiança legítima quanto ao resultado de um processo de declaração de nulidade ulterior. Por outro lado, no caso contrário, a impugnação do registo de uma marca comunitária sobre a qual tivesse havido uma decisão em matéria de oposição através de um pedido de declaração de nulidade entre as mesmas partes, com o mesmo objecto e baseado nos mesmos fundamentos ficaria, apesar de ser possível, nos termos do Regulamento n.° 40/94, como resulta das considerações precedentes, destituída de qualquer efeito útil.

(cf. n.os 34‑36)

2.      Para satisfazer o requisito relativo à semelhança das marcas imposto pelo artigo 8.°, n.° 5, do Regulamento n.° 40/94 sobre a marca comunitária, que prevê uma protecção da marca registada anteriormente que goza de renome, alargada a produtos ou a serviços não semelhantes, não é necessário demonstrar que existe, no espírito do público em causa, um risco de confusão entre a marca anterior que goza de prestígio e a marca impugnada. Basta que o grau de semelhança entre estas marcas leve o público em causa a estabelecer uma ligação entre as mesmas. A existência dessa ligação deve ser apreciada globalmente, tendo em consideração todos os factores relevantes do caso concreto. No que respeita à semelhança visual, auditiva ou conceptual das marcas em causa, a comparação dos sinais deve basear‑se na impressão de conjunto produzida pelas marcas, tendo em conta, designadamente, os elementos distintivos e dominantes das mesmas.

(cf. n.° 54)

3.      A marca figurativa TiMi KiNDERJOGHURT, registada como marca comunitária para «Iogurte, iogurte de fruta, iogurte líquido, iogurte líquido com frutos; alimentos semiconfeccionados ou preconfeccionados principalmente à base de iogurte ou de produtos com iogurte; cremes de iogurte» da classe 29 na acepção do Acordo de Nice, não pode ser declarada nula ao abrigo do artigo 52.°, n.° 1, alínea a), do Regulamento n.° 40/94 sobre a marca comunitária, por existência de um motivo relativo de recusa referido no artigo 8.°, n.° 5, do referido regulamento, na medida em que esta marca e a marca KINDER, registada anteriormente em Itália para produtos da classe 30 na acepção do mesmo acordo, não são semelhantes.

Em primeiro lugar, o elemento «kinder» faz corpo com o elemento «joghurt», o que os priva de uma existência autónoma específica. Com efeito, por um lado, não só os elementos «kinder» e «joghurt» têm a mesma importância visual mas as irregularidades estilizadas do tipo de letra dançante e ondulante do elemento «kinderjoghurt» fazem dele uma unidade harmoniosa em que os dois elementos que o compõem se tornaram quase imperceptíveis. Estas particularidades demonstram que o elemento «kinder» não está simplesmente unido ao elemento «joghurt». Por outro, devido ao tipo de letra estilizado do elemento «kinder» utilizado na marca impugnada, esta não se parece, visualmente, com a marca nominativa anterior em que se baseia o pedido de declaração de nulidade, que é representada com um tipo de letra clássico.

Em segundo lugar, não se pode deixar de concluir que o elemento «kinder», na marca impugnada, faz simplesmente parte do elemento «kinderjoghurt», que tem apenas uma importância secundária em relação ao elemento «timi».

Em terceiro lugar, contrariamente à sua posição na marca nominativa anterior em que se baseia o pedido de declaração de nulidade, o elemento «kinder» encontra‑se, na marca impugnada, entre dois outros elementos que são, por um lado, o elemento «timi» e, por outro, o elemento «joghurt». Esta diferença enfraquece substancialmente não só a semelhança fonética que pode existir entre os dois sinais devido ao elemento que partilham mas também a eventual semelhança visual que pode existir devido a esse elemento comum. Por conseguinte, o elemento «kinder» é um elemento insignificante na impressão de conjunto criada pela marca em causa.

(cf. n.os 56‑58)