Language of document : ECLI:EU:T:2006:221

DESPACHO DO PRESIDENTE DO TRIBUNAL DE PRIMEIRA INSTÂNCIA

20 de Julho de 2006 (*)

«Contratos públicos – Processo de concurso comunitário – Processo de medidas provisórias – Fumus boni juris – Urgência»

No processo T‑114/06 R,

Globe SA, com sede em Zandhoven (Bélgica), representada por A. Abate, advogado,

requerente,

contra

Comissão das Comunidades Europeias, representada por M. Wilderspin e G. Boudot, na qualidade de agentes,

requerida,

que tem por objecto a suspensão da execução da decisão da Comissão pela qual esta rejeitou a proposta da requerente no âmbito do processo de concurso de fornecimentos destinados a determinados países da Ásia Central (EuropeAid/122078/C/S/Multi),

O PRESIDENTE DO TRIBUNAL DE PRIMEIRA INSTÂNCIA DAS COMUNIDADES EUROPEIAS

profere o presente

Despacho

 Factos na origem do litígio e tramitação processual

1        A Globe SA presta serviços especializados a operadores de redes (gás e electricidade) e à indústria petroquímica. A sua actividade de base, a topografia, foi alargada à medição tridimensional (através de um processo de digitalização por laser), às conversões de dados (Globe DD) e ao desenho assistido por computador (DAC).

2        Em 2004, a requerente desenvolveu, no domínio dos gasodutos, a partir de um software denominado «SIG» (sistema de informação geográfica), uma nova versão deste software, denominada «Pipe Guardian», que permite assistir os gestores dessas instalações em todas as suas tarefas.

3        Em 20 de Outubro de 2005, a Comissão publicou um anúncio de concurso para o projecto EuropeAid/122078/C/S/Multi, para o fornecimento de um sistema de informação relativo a uma rede de gasodutos às companhias de gás da Ásia Central (Cazaquistão, Quirguizistão, Turquemenistão, Uzebequistão). Este contrato insere‑se no âmbito do programa TACIS 2002.

4        O objecto do contrato consistia em assegurar, no âmbito de um único lote, a integração, a configuração, a entrega, a instalação, a colocação em funcionamento e o serviço pós‑venda de três sistemas de informação relativos a redes de gasodutos, bem como os programas de aplicação correspondentes e os respectivos serviços conexos, ou seja, a formação e o serviço pós‑venda, conforme definidos nas especificações técnicas do concurso.

5        Nos termos do ponto 1.1 das instruções aos proponentes, publicadas apenas em inglês, um sistema de informação relativo a um gasoduto é um sistema de base de dados destinado à gestão de todos os dados de construção e inspecção de uma rede de gasodutos e do seu ambiente geográfico.

6        A Comissão indica que, se foi ela própria que lançou o concurso, confiou, porém, a um gabinete exterior, neste caso, a um consultor, o cuidado de determinar os pormenores materiais da proposta.

7        O artigo 2.° das instruções aos proponentes prevê as seguintes etapas:

–        data limite de apresentação dos pedidos de esclarecimentos por parte da entidade adjudicante: 18 de Novembro de 2005;

–        data limite de publicação dos esclarecimentos pela entidade adjudicante: 29 de Novembro de 2005;

–        data limite de apresentação das propostas: 5 de Dezembro de 2005;

–        data da reunião de abertura das propostas: 8 de Dezembro de 2005;

–        data de notificação da adjudicação do contrato ao proponente seleccionado no concurso: 16 de Dezembro de 2005;

–        data de assinatura do contrato: 30 de Dezembro de 2005.

8        Por carta de 10 de Novembro de 2005, dirigida à Comissão, a requerente colocou várias questões sobre diferentes assuntos relativos ao concurso, uma das quais respeitante ao número de cartuchos de tinta previsto pelo caderno de encargos (75 cartuchos de tinta preta e 25 cartuchos de tinta de cor). A requerente pretendia, nomeadamente, saber se este número respeitava a cada uma das impressoras previstas no concurso ou se era o número previsto para a totalidade do contrato.

9        Em 14 de Novembro de 2005, a Comissão publicou uma rectificação n.° 1, indicando que a data final em que os esclarecimentos seriam publicados pela entidade adjudicante era 24 de Novembro de 2005.

10      Em 22 de Novembro de 2005, a Comissão publicou um conjunto de esclarecimentos, um dos quais, no número 23, respeitava ao número de cartuchos de tinta previsto pelo concurso e indicava que os números de 75 e 25 cartuchos de tinta eram os números de cartuchos previstos para cada impressora. Nesta ocasião, a Comissão precisou também que era de dezasseis o número de impressoras a tomar em consideração nas propostas.

11      Em 24 de Novembro de 2005, a Comissão publicou uma rectificação n.° 2, em que indicava que o número exacto de cartuchos de tinta era cinco cartuchos de tinta preta e dois cartuchos de tinta de cor por cada impressora.

12      A IGN France international (a seguir «IGN») apresentou a sua proposta em 2 de Dezembro de 2005, ou seja, oito dias após a publicação da rectificação n.° 2. Esta proposta mencionava um número total de 1 600 cartuchos de tinta, ou seja, 1 200 cartuchos de tinta preta (ou seja 75 cartuchos por cada uma das dezasseis impressoras) e 400 cartuchos de tinta de cor (ou seja, 25 cartuchos por cada uma das dezasseis impressoras).

13      A proposta da requerente foi apresentada em 5 de Dezembro de 2005, tendo em conta as indicações da rectificação n.° 2.

14      Os dois outros proponentes, a Asia Soft e a Geomagic, apresentaram também propostas que tinham em conta as indicações fornecidas pela Comissão na sua rectificação n.° 2.

15      Em conformidade com o ponto 20.6 das instruções aos proponentes, o único critério de adjudicação do contrato era o preço e o contrato seria adjudicado à proposta conforme do proponente que apresentasse o valor mais baixo.

16      A sessão de abertura das propostas foi organizada pela comissão de avaliação, como estava previsto, em 8 de Dezembro de 2005. Verificou‑se nessa ocasião que as propostas apresentadas pelos quatro proponentes eram as seguintes:

–        Globe: 545 215 euros;

–        IGN: 592 400 euros;

–        Asia Soft: 865 143 euros;

–        Geomagic: 934 964 euros.

17      A Comissão adjudicou o contrato à IGN. O contrato foi assinado pela Comissão em 19 de Dezembro de 2005 e pela IGN em 30 de Dezembro de 2005, sem que a requerente tenha sido avisada desse facto.

18      Por cartas de 6 de Janeiro, de 1 e de 3 de Fevereiro de 2006, a requerente e o seu mandatário dirigiram‑se à Comissão para obter informações sobre o andamento do processo de concurso.

19      Por carta de 1 de Março de 2006, a Comissão indicou o seguinte ao mandatário da requerente:

«[...] se é certo que, na sessão de abertura das propostas, se verificou que a da Globe era a mais baixa, veio depois a revelar‑se que a proposta de outro proponente se referia às quantidades mencionadas na publicação original no Jornal Oficial e não às indicadas na rectificação publicada no sítio Internet da EuropeAid. Dado que esta rectificação foi publicada tardiamente, o que só dava aos potenciais proponentes um prazo muito curto para dela tomarem conhecimento, e que num concurso de equipamento não é possível identificar antecipadamente os potenciais proponentes, a comissão de avaliação decidiu tomar em consideração esta proposta e proceder aos necessários ajustamentos tendo em conta as quantidades da rectificação publicada na Internet. Na sequência destes ajustamentos (redução das quantidades e, consequentemente, diminuição do preço global) verificou‑se que a proposta da Globe não era a mais baixa. O contrato foi, portanto, adjudicado à [IGN].»

20      Por carta de 2 de Março de 2006 (a seguir «decisão controvertida»), a Comissão informou a requerente de que a sua proposta não era a menos onerosa entre as propostas declaradas conformes e que o contrato tinha sido adjudicado à IGN por um valor de 531 600 euros.

21      Na sequência de uma carta enviada pelo mandatário da requerente à Comissão em 6 de Março de 2006, esta última enviou‑lhe, em 17 de Março de 2006, uma cópia do relatório de avaliação elaborado pela comissão de avaliação. Neste relatório, sob a rubrica relativa à conformidade técnica das propostas, a comissão de avaliação indica, essencialmente, no que respeita à IGN, que, a pedido da entidade adjudicante, havia que recalcular a proposta, tendo em conta o número de cartuchos de tinta, alterado pela rectificação n.° 2, e que a proposta tinha sido alterada neste sentido. Sob esta mesma rubrica, a comissão de avaliação confirmava, aliás, que a proposta revista e a confirmação tinham sido recebidas dentro do prazo de 24 horas por correio electrónico e por fax.

22      Em 14 de Abril de 2006, a requerente interpôs recurso de anulação no Tribunal de Primeira Instância, através do qual contesta a legalidade da decisão controvertida.

23      No mesmo dia, a requerente apresentou um pedido de medidas provisórias em que pede, essencialmente, a suspensão da execução da decisão controvertida pelo juiz das medidas provisórias e a condenação da Comissão nas despesas.

24      Em 27 de Abril de 2006, a Comissão apresentou as suas observações sobre o pedido de medidas provisórias. Nessas observações, a Comissão conclui pedindo o indeferimento do pedido de medidas provisórias bem como a condenação da requerente nas despesas.

25      Foram ouvidas as explicações orais das partes na audiência realizada em 16 de Maio de 2006.

 Questão de direito

26      O artigo 104.°, n.° 2, do Regulamento de Processo do Tribunal de Primeira Instância dispõe que os pedidos de medidas provisórias devem especificar o objecto do litígio, as circunstâncias que determinam a urgência, bem como os fundamentos de facto e de direito que, à primeira vista (fumus boni juris) justificam a adopção da medida provisória requerida. Estas condições são cumulativas, pelo que um pedido de suspensão da execução deve ser indeferido se uma delas não estiver preenchida [despacho do presidente do Tribunal de Justiça de 14 de Outubro de 1996, SCK e FNK/Comissão, C‑268/96 P(R), Colect., p. I‑4971, n.° 30]. O juiz das medidas provisórias procede igualmente, sendo caso disso, à ponderação dos interesses em causa (v. despacho do presidente do Tribunal de Justiça de 23 de Fevereiro de 2001, Áustria/Conselho, C‑445/00 R, Colect., p. I‑1461, n.° 73, e a jurisprudência referida).

27      Além disso, no âmbito dessa análise de conjunto, o juiz das medidas provisórias dispõe de um vasto poder de apreciação e pode determinar, atentas as especificidades do caso concreto, o modo como essas diferentes condições devem ser verificadas, bem como a ordem desse exame, uma vez que nenhuma norma de direito comunitário lhe impõe um esquema de análise pré‑estabelecido para apreciar a necessidade de decidir provisoriamente [despacho do presidente do Tribunal de Justiça de 19 de Julho de 1995, Comissão/Atlantic Container Line e o., C‑149/95 P(R), Colect., p. I‑2165, n.° 23].

28      É à luz dos princípios atrás referidos que o presente pedido de medidas provisórias deve ser apreciado.

29      Antes de decidir sobre o presente pedido de medidas provisórias, há que precisar o seu objecto. Com efeito, no seu pedido, a requerente pede a suspensão da execução da decisão controvertida.

30      A este respeito, há que observar que uma decisão relativa à adjudicação de um contrato a um único proponente implica necessária e indissociavelmente uma decisão concomitante de não adjudicar o contrato aos outros proponentes. Assim, há que considerar que a comunicação formal do resultado do concurso aos proponentes afastados não implica a adopção de uma decisão distinta da decisão relativa à adjudicação do contrato, para efeitos de formular expressamente uma rejeição (acórdão o Tribunal de Primeira Instância de 25 de Fevereiro de 2003, Strabag Benelux/Conselho, T‑183/00, Colect., p. II‑135, n.° 28).

31      Como tal, deve considerar‑se que o pedido de suspensão da execução da requerente visa tanto a decisão de não lhe adjudicar o contrato como a decisão da Comissão de adjudicar o contrato à IGN.

32      Por outro lado, confirmou‑se na audiência que o contrato foi celebrado pela Comissão em 19 de Dezembro e pela IGN em 30 de Dezembro e que a sua execução já começou, sem que esteja, a esta data, concluída. O contrato constitui, assim, o prolongamento imediato da decisão da Comissão de o adjudicar à IGN.

33      Ora, no seu pedido, e tal como confirmou na audiência, a requerente invoca prejuízos resultantes da execução do contrato e tenta, por conseguinte, evitar os prejuízos graves e irreparáveis que, na sua opinião, resultariam desta execução.

34      Consequentemente, há que considerar que o pedido visa também a suspensão da execução do referido contrato.

1.     Quanto ao fumus boni juris

 Argumentos das partes

 Argumentos da requerente

35      A requerente adianta, essencialmente, quatro fundamentos em apoio do seu recurso no processo principal, relativos, respectivamente, à conformidade das propostas, à violação dos direitos de defesa, à violação dos seus direitos de defesa, à violação pela Comissão da obrigação de fundamentação e, por fim, à violação do princípio da boa administração.

–       Quanto ao primeiro fundamento

36      No âmbito do primeiro fundamento, a requerente sustenta que a Comissão cometeu três erros de apreciação que viciam o processo de adjudicação do contrato à IGN.

37      Em primeiro lugar, a requerente sustenta, por um lado, que a sua proposta era a de menor custo e que, consequentemente, em conformidade com o ponto 20.6 das instruções aos proponentes, segundo o qual o contrato devia ser adjudicado, com base no critério único do preço, à proposta do proponente que apresentasse o valor mais baixo, o contrato devia ter‑lhe sido adjudicado pela Comissão, não dispondo esta de nenhuma margem de apreciação a este respeito. Entende que, ao não lhe ser adjudicado o contrato, a Comissão violou a sua confiança legítima.

38      Por outro lado, a requerente sustenta que a proposta da IGN não era conforme às especificações técnicas do caderno de encargos.

39      Antes de mais, segundo a requerente, o caderno de encargos previa que as impressoras deviam responder ao «formato A3 max» para poderem imprimir em papel com as dimensões 297x420 mm. A indicação «A3 max» significa, na sua opinião, que as impressoras deviam poder imprimir em tal formato, e que as dimensões mais importantes (A2, A1, A0) não eram exigidas. Indica, além disso, que, no domínio técnico em questão, são utilizados formatos por vezes maiores e que, consequentemente, a indicação «A3 max» exprime a exigência de que deve ser possível imprimir em papel de formato A3. Ora, as impressoras propostas pela IGN seriam de formato A4 (210x297 mm). Estas impressoras não correspondem, portanto, na opinião da requerente, ao formato exigido pelo caderno de encargos.

40      Seguidamente, a requerente sustenta que o caderno de encargos previa uma especificação segundo a qual a velocidade de impressão a cores da primeira página devia ser de 26 segundos, ao passo que a velocidade das impressoras propostas pela IGN seria de 29 segundos.

41      Na opinião da requerente, estas diferenças técnicas traduzem‑se em diferenças de preço significativas entre as impressoras que propôs e as propostas pela IGN, sendo o preço de 379 euros para as impressoras propostas pela IGN e de 3 719,10 euros para as propostas pela requerente. A decisão de aceitar a proposta da IGN viola, portanto, o princípio da não discriminação.

42      Por fim, a requerente alega, no essencial, que a Comissão devia ter rejeitado a proposta da IGN, uma vez que esta não era conforme às condições estabelecidas pelo concurso, pois respeitava a 1 600 cartuchos, número previsto inicialmente pelo caderno de encargos, e não a 112 cartuchos, número que veio finalmente a ser adoptado pela rectificação n.° 2.

43      Em segundo lugar, a requerente sustenta, no essencial, que a IGN beneficiou de uma prorrogação do prazo de apresentação das propostas, concedida pela Comissão, na medida em que esta permitiu à IGN alterar e corrigir a sua proposta após a data limite de apresentação das propostas prevista no concurso, apesar de esta ter conhecimento dos preços propostos pelos outros proponentes, uma vez que tinha assistido, com efeito, tal como os outros proponentes, à reunião de abertura das propostas.

44      Em terceiro lugar, a requerente afirma, no essencial, que a Comissão permitiu à IGN a alteração da sua proposta, em violação das regras aplicáveis aos proponentes e, mais especificamente, das disposições dos pontos 15, 19.5, 20.3 e 20.4 das instruções aos proponentes.

–       Quanto ao segundo fundamento

45      A requerente sustenta, essencialmente, que a Comissão a devia ter informado das razões pelas quais se propunha inverter a ordem de prioridade das propostas, para lhe permitir apresentar a sua posição, respeitando assim os seus direitos de defesa.

–       Quanto ao terceiro fundamento

46      A requerente salienta, essencialmente, que a fundamentação da decisão adoptada pela Comissão era insuficiente e contraditória, tanto mais que a aplicação das instruções aos proponentes devia tê‑la levado a adjudicar‑lhe o contrato. A decisão não revela, além disso, quaisquer elementos de facto ou de direito que tenham levado a Comissão a alterar a lista de prioridades elaborada pela comissão de avaliação em 8 de Dezembro de 2005.

–       Quanto ao quarto fundamento

47      A requerente alega que a Comissão revelou negligência no âmbito do processo de adjudicação deste contrato. Considera, essencialmente, que o prazo em que a Comissão lhe respondeu viola o código de boa conduta administrativa, que impõe à Comissão que responda dentro de um prazo de quinze dias contados a partir da recepção do pedido de informações.

 Argumentos da Comissão

–       Quanto ao primeiro fundamento

48      Por um lado, a Comissão sustenta que a proposta da IGN era a menos onerosa, já no momento da sua apresentação, tal como foi feita em 2 de Dezembro de 2005. Para justificar a sua posição, indica que, se a correcção do número de cartuchos de tinta exigidos pelo concurso, tal como previsto pela rectificação n.° 2, tivesse sido feita pela própria comissão de avaliação, o montante da proposta da IGN teria sido inferior ao da proposta da Globe.

49      A Comissão considera que a requerente não tem, portanto, razões para invocar uma violação do direito à protecção da confiança legítima, tendo em conta que a comissão de avaliação estava no início do exame das propostas e que não tinha ainda tomado qualquer decisão, apesar de a comissão de avaliação ter considerado, numa primeira fase, que a Globe preenchia as condições exigidas pelo concurso.

50      Por outro lado, no que respeita à conformidade da proposta da IGN, a Comissão invoca, em primeiro lugar, o facto de a exigência «A3 max» ter sido interpretada pela comissão de avaliação no sentido de incluir as impressoras de formato A4, constituindo o formato A3 um limite máximo que as impressoras exigidas não deviam ultrapassar.

51      Em segundo lugar, a Comissão salienta que a comissão de avaliação considerou que o tempo de impressão de 26 segundos para a primeira página a cores, estabelecido no caderno de encargos, era um limite e que a comissão de avaliação considerou que esta diferença de 3 segundos não constituía uma deficiência técnica maior que justificasse, por si só, a rejeição da proposta da IGN.

52      Em terceiro lugar, a Comissão observa, essencialmente, que o convite que dirigiu à IGN, no sentido de esta lhe enviar uma proposta corrigida, se deveu ao carácter tardio da rectificação n.° 2. A Comissão acrescenta que não foram apenas razões de equidade que determinaram esta decisão da comissão de avaliação, mas também o seu receio de se ver exposta a um recurso de anulação ou a uma acção de indemnização por parte da IGN, caso a tivesse afastado.

–       Quanto ao segundo fundamento

53      Por um lado, a Comissão considera que respondeu a este fundamento no âmbito da sua argumentação relativa à proposta mais baixa e remete para a mesma e, por outro, alega que necessitou de um prazo de dois meses para permitir aos seus serviços a elaboração de uma decisão fundamentada num procedimento que considera complexo e que, segundo afirma, apresentou dificuldades técnicas durante o processo de concurso.

–       Quanto ao terceiro fundamento

54      A Comissão sustenta, essencialmente, que a decisão controvertida é perfeitamente clara e responde aos requisitos da jurisprudência assente do Tribunal de Justiça e do Tribunal de Primeira Instância, segundo a qual a fundamentação exigida pelo artigo 253.° CE depende da natureza do acto em causa e do contexto em que foi adoptado. Deve revelar de forma clara e inequívoca o raciocínio seguido pela autoridade comunitária autora do acto impugnado, de modo a permitir aos interessados conhecer as razões da medida tomada para poderem fazer valer os seus direitos e a permitir ao juiz comunitário exercer a sua fiscalização (acórdão do Tribunal de Primeira Instância de 23 de Fevereiro de 2006, Cementbouw Handel & Industrie/Comissão, T‑282/02, ainda não publicado na Colectânea, n.° 85). Não é, porém, exigido que a fundamentação especifique todos os elementos de facto e de direito pertinentes, na medida em que a questão de saber se preenche as exigências do artigo 253.° CE deve ser apreciada à luz não somente da redacção do acto em causa mas também do contexto em que foi adoptado (acórdãos do Tribunal de Justiça de 26 de Junho de 1986, Nicolet Instrument, 203/85, Colect., p. 2049, n.° 10; de 7 de Maio de 1987, NTN Toyo Bearing e o./Conselho, 240/84, Colect., p. 1809, n.° 31; Nachi Fujikoshi/Conselho, 255/84, Colect., p. 1861, n.° 39, e de 9 de Janeiro de 2003, Petrotub e Republica/Conselho, C‑76/00 P, Colect., p. I‑79, n.° 81).

55      A Comissão indica, além disso, que tomou o cuidado de explicar, nos dois primeiros parágrafos da sua carta de 1 de Março de 2006, as razões que a levaram a propor à IGN a reformulação da sua proposta em conformidade com a rectificação n.° 2.

–       Quanto ao quarto fundamento

56      A Comissão limita‑se a declarar que este fundamento é improcedente.

 Apreciação do juiz das medidas provisórias

57      A título preliminar, há que observar, em primeiro lugar, que o artigo 89.°, n.° 1, do Regulamento (CE, Euratom) n.° 1605/2002 do Conselho, de 25 de Junho de 2002, que institui o Regulamento Financeiro aplicável ao orçamento geral das Comunidades Europeias (JO L 248, p. 1, a seguir «Regulamento Financeiro») prevê que os contratos públicos financiados, total ou parcialmente, pelo orçamento comunitário devem observar os princípios da transparência, da proporcionalidade, da igualdade de tratamento e da não discriminação. Em seguida, o artigo 97.°, n.° 1, do Regulamento Financeiro prevê que os critérios de atribuição que permitem avaliar o conteúdo das propostas serão previamente definidos e especificados nos documentos do contrato. Finalmente, decorre de jurisprudência bem assente que, por força dos princípios da igualdade de tratamento e da transparência, os critérios de adjudicação devem ser formulados, no caderno de encargos ou no anúncio de concurso, de forma a permitir que todos os proponentes razoavelmente informados e normalmente diligentes os interpretem da mesma maneira (despacho do presidente do Tribunal de Primeira Instância de 31 de Janeiro de 2005, Capgemini Nederland/Comissão, T‑447/04 R, Colect., p. II‑257, n.° 68).

58      Há igualmente que observar, ainda a título preliminar, que, segundo jurisprudência bem assente, a Comissão dispõe de um importante poder de apreciação quanto aos elementos a tomar em consideração para a tomada de uma decisão de adjudicar um contrato através de concurso e que a fiscalização do juiz comunitário se deve limitar a verificar a ausência de erro grave e manifesto (acórdão do Tribunal de Justiça de 23 de Novembro de 1978, Agence européenne d’intérims/Comissão 56/77, Recueil, p. 2215, n.° 20, Colect., p. 761, e acórdão do Tribunal de Primeira Instância de 8 de Maio de 1996, Adia interim/Comissão, T‑19/95, Colect., p. II‑321, n.° 49).

59      Formuladas estas observações preliminares, o juiz das medidas provisórias considera que, tendo em conta os elementos dos autos no âmbito do presente pedido de medidas provisórias, o primeiro fundamento invocado pela requerente apresenta um carácter muito sério.

60      A este respeito, é pacífico que, na sessão de abertura das propostas, em 8 de Dezembro de 2005, a comissão de avaliação constatou que as propostas dos quatro proponentes se ordenavam do seguinte modo:

–        Globe: 545 215 euros;

–        IGN: 592 400 euros;

–        Asia Soft: 865 143 euros;

–        Geomagic: 934 964 euros.

A proposta da requerente era, portanto, a mais baixa no momento da abertura das propostas.

61      A Comissão alega, todavia, que a IGN apresentava a proposta mais baixa, já desde a abertura das propostas. Segundo afirma, se a correcção do número de cartuchos de tinta exigido pelo concurso, nos termos previstos pela rectificação n.° 2, tivesse sido feita pela própria comissão de avaliação, a proposta da IGN teria sido mais baixa do que a da requerente.

62      Há que declarar que a Comissão reconhece deste modo que, a menos que corrigisse a sua proposta, a IGN não era o proponente com a proposta mais baixa no momento da abertura das propostas.

63      Assim, há que verificar se a Comissão tinha, à primeira vista, o direito de permitir à IGN que corrigisse a sua resposta.

64      O ponto 15 das instruções aos proponentes previa que as propostas não poderiam ser alteradas depois de 5 de Dezembro de 2005.

65      O ponto 19.5 das instruções aos proponentes dispõe, além disso, que, no interesse da transparência e da igualdade de tratamento, e a pedido escrito da comissão de avaliação, os proponentes podem ser chamados a prestar esclarecimentos dentro de um prazo de 48 horas, sem que possam alterar a sua proposta. Tal pedido de esclarecimentos não deve visar a correcção de erros de forma ou de «restrições» maiores que afectem a execução do contrato ou gerem uma distorção da concorrência.

66      O ponto 20.3 das instruções aos proponentes previa que, para facilitar o exame, a avaliação e a comparação das propostas, a comissão de avaliação podia pedir a cada proponente que esclarecesse a sua proposta, incluindo a discriminação do preço proposto. O pedido de esclarecimento e a resposta deviam ser apresentados apenas por escrito, mas não podia ser pedida, proposta ou permitida qualquer alteração do preço ou do conteúdo da proposta, excepto na medida necessária para confirmar a correcção de erros aritméticos descobertos durante a avaliação das propostas.

67      O ponto 20.4 das instruções aos proponentes dispõe, por outro lado, que as propostas cuja conformidade técnica tenha sido constatada são verificadas para confirmar que não contêm erros aritméticos de cálculo. Segundo esta disposição, os erros são corrigidos pela comissão de avaliação do seguinte modo: por um lado, em caso de divergência entre os montantes indicados por algarismos e por extenso, deverá ser tomado em consideração o montante indicado por extenso. Por outro lado, com excepção dos contratos relativos a um montante fixo, em caso de diferença entre o preço unitário e o montante total resultante da multiplicação do preço unitário pela quantidade, é o preço unitário que deve ser tomado em consideração.

68      Se é manifestamente possível, nos termos destas disposições, corrigir erros aritméticos, esta correcção não deixa de ser estritamente limitada, não permitindo as mesmas, à primeira vista, que tal correcção conduza a uma alteração da proposta.

69      Ora, no caso em apreço, a IGN, a pedido da Comissão, não procedeu à correcção de erros aritméticos, mas sim à rectificação de certos parâmetros da sua proposta que eram incorrectos, o que a Comissão, de resto, reconhece, uma vez que admite que o número de cartuchos de tinta indicado na proposta inicial da IGN não era o número exigido nos termos da rectificação n.° 2.

70      Por outro lado, há que salientar que os outros três proponentes, a saber, a requerente, a Asia Soft e a Geomagic, tinham apresentado propostas conformes às exigências previstas pela rectificação n.° 2.

71      A Comissão sustenta que o convite que dirigiu à IGN, pedindo‑lhe a apresentação de uma proposta corrigida, se deveu ao carácter tardio da rectificação n.° 2. A Comissão acrescenta que não foram apenas razões de equidade que determinaram esta decisão da comissão de avaliação, mas também o seu receio de se ver exposta a um recurso de anulação ou a uma acção de indemnização por parte da IGN, caso a tivesse afastado.

72      Todavia, a data limite inicialmente prevista para a publicação dos esclarecimentos por parte da entidade adjudicante era o dia 29 de Novembro de 2005. Em 14 de Novembro de 2005, a Comissão publicou uma rectificação n.° 1, indicando que a data limite de publicação dos esclarecimentos por parte da entidade adjudicante seria o dia 24 de Novembro de 2005. Há que observar que esta correcção do prazo de publicação dos esclarecimentos por parte da Comissão parece ter sido necessária para respeitar o prazo de onze dias entre a data de publicação dos esclarecimentos pela Comissão e a data de apresentação das propostas, prazo esse previsto no ponto 2 e no ponto 13, terceiro parágrafo, das instruções aos proponentes. Estes pontos prevêem, com efeito, que a data limite para publicar eventuais esclarecimentos é o dies a quo de um prazo de onze dias durante o qual os proponentes podiam elaborar e apresentar as suas propostas, sabendo que o caderno de encargos não sofreria mais alterações.

73      Os esclarecimentos foram publicados em 22 de Novembro de 2005 e uma rectificação a estes esclarecimentos foi publicada pela Comissão em 24 de Novembro de 2005. Consequentemente, a Comissão não pode, à primeira vista, alegar o carácter tardio da rectificação n.° 2, já que esta foi, com efeito, publicada dentro do prazo que a própria Comissão tinha fixado.

74      Seguidamente, no que respeita à conformidade da proposta da IGN, que constituía, nos termos do ponto 20.4 das instruções aos proponentes, um requisito prévio que condicionava a possibilidade de correcção dos erros aritméticos, a requerente sustenta que o caderno de encargos previa uma especificação segundo a qual a velocidade de impressão da primeira página a cores devia ser de 26 segundos, ao passo que a das impressoras propostas pela IGN seria de 29 segundos.

75      A Comissão alega que a comissão de avaliação considerou que o tempo de impressão de 26 segundos para a primeira página a cores estabelecido no caderno de encargos era um limite. Além disso, sustenta que a comissão considerou que esta diferença de três segundos não constituía uma deficiência técnica maior que justificasse, de facto, a rejeição da proposta da IGN.

76      Para além do facto de a argumentação da Comissão quanto à velocidade de impressão ser, à primeira vista, pouco convincente pois, a segui‑la, caso se trate efectivamente de um limite, quanto mais lenta fosse a impressora melhor satisfaria as especificações do caderno de encargos, é forçoso declarar que este precisava que a velocidade de impressão devia ser de 26 segundos. Além disso, a latitude que a Comissão invoca não está explicitamente expressa no caderno de encargos e não parece, à primeira vista, que a comissão de avaliação tenha disposto de qualquer base jurídica que lhe permitisse considerar que tinha o direito de se afastar das especificações técnicas constantes desse mesmo caderno de encargos. Consequentemente, a conformidade da proposta da IGN quanto a este aspecto parece, pelo menos, duvidosa, já que a grande margem de apreciação de que a Comissão dispõe quanto aos elementos a tomar em consideração com vista à decisão de adjudicar um contrato por concurso não lhe permite, à primeira vista, afastar‑se de critérios que ela própria definiu de modo estrito, sob pena de violar a igualdade de tratamento que é devida aos proponentes.

77      Além disso, os argumentos da requerente quanto ao formato de impressão exigido para as impressoras a fornecer pelo adjudicatário do contrato também não podem ser afastados à partida, sem se proceder a um exame mais aprofundado.

78      Com efeito, não se contesta que as impressoras deviam ser utilizadas, nomeadamente, para a impressão de mapas do traçado dos gasodutos e da área que os rodeia.

79      A requerente sustenta, essencialmente, que a menção relativa ao formato «A3 max» constitui uma especificação técnica, segundo a qual as impressoras abrangidas por este formato deviam poder imprimir, em formato A3, mapas e cartas geográficas de zonas que iam dos 2 aos 40 000 quilómetros, em conformidade com as exigências do anexo TS4.2 às instruções aos proponentes, não sendo exigida a utilização de impressoras de formatos superiores, tais como o A2, o A1, ou mesmo o A0, que são, aliás, frequentes, no domínio da cartografia.

80      A Comissão sustenta, por seu lado, que a comissão de avaliação decidiu por unanimidade interpretar a menção «A3 max» no sentido de constituir um «limite máximo» e considerar que as impressoras limitadas ao formato A4 respeitavam os requisitos do caderno de encargos.

81      Em primeiro lugar, coloca‑se a questão de saber, por um lado, se a menção «A3 max» podia ser interpretada pela comissão de avaliação, caso se trate, como a requerente, sustenta, de uma especificação técnica e, por outro, se a Comissão dispunha do poder de interpretar esta menção, em especial sem que tal interpretação tenha sido levada ao conhecimento dos proponentes.

82      Em segundo lugar, admitindo que a comissão de avaliação tivesse o direito de interpretar a menção «A3 max» e que esta menção não fosse, portanto, uma especificação técnica que não pode ser objecto de interpretação, há que observar que a interpretação adoptada pela Comissão parece, à primeira vista, pouco convincente. Com efeito, a seguir‑se a argumentação da Comissão, segundo a qual o formato A3 constituía um formato máximo que devia ser respeitado, os formatos de impressão iguais ou mesmo inferiores ao formato A4 (tal como o formato A5, ou mesmo formatos ainda mais pequenos) teriam satisfeito os requisitos do caderno de encargos, embora tais formatos pareçam pouco propícios à impressão de mapas e de cartas geográficas que abrangem áreas de 2 a 40 000 quilómetros. Se, pelo contrário, a interpretação da comissão de avaliação se limitava a admitir a conformidade das impressoras de formato A4, com exclusão de formatos mais pequenos, tal implicaria que o formato exigido pelas instruções aos proponentes tinha não só um «limite máximo» («A3 max») mas também um limite mínimo (A4) que não era, todavia, aí referido, e que, ao que parece, não foi levado ao conhecimento dos proponentes.

83      Além disso, há que observar que a requerente sustenta nos seus articulados, sem que a Comissão o conteste, que a aplicação informática em causa necessitava da utilização de formato de impressão A3.

84      Ora, é pacífico que estas diferenças de formatos de impressão das impressoras se traduzem em diferenças de preço particularmente significativas – as propostas pela IGN custavam 379 euros cada uma, as propostas pela requerente custavam 3 719,10 euros cada – o que, logicamente, se a interpretação da Comissão fosse correcta, teria levado os proponentes a não propor impressoras de formato A3, limitando‑se a formatos de impressão mais pequenos para reduzir o valor das suas propostas.

85      Além disso, há que observar, a este respeito, que o custo total das dezasseis impressoras propostas pela IGN se elevava a 6 064 euros, ao passo que o custo total das propostas pela requerente se elevava a 59 504 euros, ou seja, uma diferença de 53 440 euros. Consequentemente, se a IGN tivesse respeitado o formato de impressão A3 para as impressoras propostas, tudo leva a crer que a sua proposta de preço teria sofrido um aumento de um valor quase idêntico e teria, assim, sido muito superior à da requerente, mesmo depois de corrigido o número de cartuchos de tinta exigidos, admitindo que tal correcção fosse possível.

86      A questão de saber se as impressoras escolhidas pela IGN respondiam ou não às especificações técnicas do caderno de encargos relativas ao formato de impressão exigido carece, por conseguinte, de um exame detalhado em que não compete ao juiz das medidas provisórias entrar, limitando‑se a constatar, no âmbito do exame da condição relativa à existência de um fumus boni juris, que os argumentos adiantados pela requerente a este respeito não são, à primeira vista, totalmente improcedentes.

87      À luz destas considerações, os argumentos de facto e de direito apresentados pela requerente no âmbito do seu primeiro fundamento suscitam, tendo em conta os elementos de que o juiz das medidas provisórias dispõe, dúvidas muito sérias quanto à legalidade da adjudicação do contrato à IGN. Nestas condições, o presente pedido não pode ser indeferido com fundamento na inexistência de fumus boni juris, pelo que há que examinar se o pedido satisfaz a condição relativa à urgência (v., neste sentido, despacho Áustria/Conselho, n.° 26 supra, n.os 100 e 101).

2.     Quanto à urgência

 Argumentos das partes

 Argumentos da requerente

88      A requerente, reconhecendo embora que a não obtenção do contrato não é susceptível de colocar em risco a sua existência, sustenta, essencialmente, que os prejuízos decorrentes da perda do contrato que devia ter obtido não podem ser totalmente compensados por uma reparação financeira e que o seu pedido visa permitir‑lhe a obtenção de uma reparação em espécie.

89      A requerente sustenta que a sua actividade de base, a topografia, se alargou progressivamente à medição tridimensional (através de um processo de digitalização por laser), às conversões de dados (Globe DD) e ao desenho assistido por computador (DAC) e que, no domínio dos gasodutos, esta competência lhe permitiu desenvolver um software SIG (sistema de informação geográfica) que permitia assistir os gestores de gasodutos em todas as suas tarefas. Uma nova versão deste software, denominada «Pipe Guardian», foi desenvolvida pela Globe em 2004.

90      A requerente indica que este software representa um investimento considerável e integra‑se numa estratégia de internacionalização da sociedade que, actualmente, exerce a sua actividade, essencialmente, na Bélgica e nos Países Baixos. Salienta que esta internacionalização é necessária num mercado tecnológico de grande especialização, com um número restrito de operadores. Indica, a este respeito, que, neste domínio, há cinco operadores actualmente activos no mercado mundial, entre os quais se contam os quatro proponentes.

91      A requerente sustenta que a progressão comercial do seu software Pipe Guardian está intimamente associada à sua participação em concursos públicos internacionais e que a maioria dos potenciais clientes selecciona a sua nova plataforma de software através de pré‑selecções e de concursos públicos. Um dos elementos importantes neste processo é a disponibilização de uma lista de referências representativas. A este respeito, a requerente salienta que a própria Comissão exigiu referências deste tipo para tomar em consideração uma proposta no âmbito dos seus processos de concurso, nomeadamente no âmbito do contrato objecto da decisão controvertida, em que a requerente pôde apresentar as referências obtidas junto da Shell e da Organização do Tratado do Atlântico Norte (OTAN).

92      Por outro lado, a requerente observa, no essencial, que, tendo sido constituída há dezasseis anos, é um operador do mercado para quem um contrato tal como o proposto pela Comissão no seu concurso permitiria aumentar o renome, competir com outros operadores no âmbito dos concursos públicos internacionais e implantar‑se no mercado internacional.

93      Na audiência, a requerente precisou, além disso, no essencial, que considerava que, no caso em apreço, não tinha perdido uma oportunidade de obter um contrato, mas sim um contrato, que lhe devia ter sido adjudicado se as regras de adjudicação tivessem sido respeitadas pela Comissão e, consequentemente, tinha também perdido a oportunidade de obter as referências que poderia invocar pela adjudicação deste contrato pela Comissão, o que, na sua opinião, constitui um prejuízo irreparável.

94      A urgência resulta também, segundo a requerente, do facto de o contrato correspondente ao concurso em causa vir a ser em grande parte, ou mesmo totalmente, executado antes de ser proferido o acórdão quanto ao mérito. O acórdão que vier a ser proferido no processo principal fica, portanto, desprovido do seu efeito útil. Neste sentido, invoca o despacho do presidente do Tribunal de Justiça de 22 de Abril de 1994, Comissão/Bélgica (C‑87/94 R, Colect., p. I‑1395, n.° 31), proferido no âmbito de uma acção por incumprimento.

 Argumentos da Comissão

95      A Comissão sustenta que a Globe não adianta qualquer elemento susceptível de demonstrar que a execução do contrato pela IGN lhe cause um prejuízo. Sustenta, além disso, que o prejuízo é reparável, tendo a própria requerente estimado o seu prejuízo em 492 000 euros no recurso no processo principal, embora admitindo que a requerente alegou que esta reparação seria apenas uma solução imperfeita.

96      A Comissão acrescenta que é tanto mais assim quanto a requerente não alega a perda de uma oportunidade mas sim a perda do contrato em si.

97      Além disso, afirmou essencialmente na audiência que, se é certo que a requerente perdeu uma oportunidade de obter referências, se admite, todavia, que os processos de concurso são processos altamente competitivos e que o facto de ter perdido um contrato não se reflecte negativamente nas competências do proponente afastado.

98      Por fim, a Comissão alega que a argumentação da requerente segundo a qual a urgência resulta do facto de o contrato celebrado entre a Comissão e a IGN vir a ser, em grande medida, executado antes da tomada de uma decisão no processo principal não tem qualquer pertinência no caso em apreço. A requerente baseia‑se na jurisprudência aplicável no âmbito de acções de incumprimento. Ora, estas acções são muito específicas e não podem dar lugar a uma acção de indemnização intentada no tribunal comunitário. Além disso, não se podem comparar os factos em causa no processo que deu origem ao despacho Comissão/Bélgica, já referido no n.° 93 supra, com os do caso em apreço.

 Apreciação do juiz das medidas provisórias

99      No que respeita à condição da urgência, há que recordar que o processo de medidas provisórias tem por finalidade assegurar a plena eficácia da futura decisão definitiva, a fim de evitar uma lacuna na protecção jurídica garantida pelos órgãos jurisdicionais comunitários [despachos do presidente da Primeira Secção do Tribunal de Justiça de 12 de Dezembro de 1968, Renckens/Comissão, 27/68 R, Recueil 1969, p. 274; do presidente do Tribunal de Justiça de 3 de Maio de 1996, Alemanha/Comissão, C‑399/95 R, Colect., p. I‑2441, n.° 46; de 29 de Janeiro de 1997, Antonissen/Conselho e Comissão, C‑393/96 P(R), Colect., p. I‑441, n.° 36, e de 17 de Julho de 2001, Comissão/NALOO, C‑180/01 P(R), Colect., p. I‑5737, n.° 52]. Para alcançar este objectivo, a urgência deve ser apreciada em relação à necessidade de decidir provisoriamente para evitar que se produza um prejuízo grave e irreparável à parte que solicita a protecção provisória [despachos do presidente do Tribunal de Justiça de 25 de Março de 1999, Willeme/Comissão, C‑65/99 P(R), Colect., p. I‑1857, n.° 62; Comissão/NALOO, já referido, n.° 52, e de 20 de Junho de 2003, Comissão/Laboratoires Servier, C‑156/03 P‑R, Colect., p. I‑6575, n.° 35].

100    A requerente sustenta que, em caso de anulação das decisões impugnadas, e na falta de medidas provisórias, já não poderá obter a adjudicação e executar depois o contrato em questão no processo de concurso e, consequentemente, daí retirar determinados benefícios em termos de referências e de acesso ao mercado internacional dos serviços em causa.

101    A este respeito, há que observar, que, na hipótese de as decisões impugnadas serem anuladas pelo Tribunal de Primeira Instância, cabe à Comissão, ao abrigo do artigo 233.°, primeiro parágrafo, CE, tomar as medidas necessárias à execução do acórdão, sem prejuízo das obrigações que podem resultar da aplicação do artigo 288.°, segundo parágrafo, CE (despacho do presidente do Tribunal de Primeira Instância de 20 de Setembro de 2005, Deloitte Business Advisory/Comissão, T‑195/05 R, Colect., p. II‑3485, n.° 128).

102    Além disso, há que recordar que, em aplicação do artigo 233.° CE, é a instituição de que emana o acto anulado que deve tomar as medidas necessárias à execução do acórdão do Tribunal de Primeira Instância. Daqui decorre, por um lado, que o juiz do recurso de anulação não tem competência para indicar à instituição de que emana o acto anulado as modalidades de execução das decisões judiciais (despacho do Tribunal de Justiça de 26 de Outubro de 1995, Pevasa e Inpesca/Comissão, C‑199/94 P e C‑200/94 P, Colect., p. I‑3709, n.° 24) e, por outro, que o juiz das medidas provisórias não pode decretar antecipadamente as medidas que poderão ser tomadas na sequência de um eventual acórdão de anulação. As modalidades de execução de um acórdão de anulação dependem não só da disposição anulada e do alcance do referido acórdão, que é apreciado à luz da sua fundamentação (acórdãos do Tribunal de Justiça de 26 de Abril de 1988, Asteris e o./Comissão, 97/86, 99/86, 193/86 e 215/86, Colect., p. 2181, n.° 27, e de 1 de Junho de 2006, P&O European Ferries (Vizcaya)/Comissão, C‑442/03 P e C‑471/03 P, ainda não publicado na Colectânea, n.° 44), como também de circunstâncias específicas de cada caso concreto, tais como o prazo dentro do qual foi decretada a anulação do acto impugnado e os interesses dos terceiros afectados.

103    No caso em apreço, na hipótese da anulação das decisões impugnadas, caberá, portanto, à Comissão, tendo em conta as circunstâncias próprias deste processo, tomar as medidas necessárias para proteger de maneira adequada os interesses da requerente (v., neste sentido, os despachos Capgemini Nederland/Comissão, já referido no n.° 57 supra, n.° 96, e Deloitte Business Advisory/Comissão, já referido no n.° 101 supra, n.° 130).

104    Não pertence, portanto, ao juiz das medidas provisórias decretar antecipadamente as medidas que a Comissão poderá tomar em execução de um eventual acórdão de anulação.

105    Porém, o princípio geral do direito a uma protecção jurisdicional completa e efectiva implica que se possa assegurar a protecção provisória dos litigantes, se a mesma for necessária à plena eficácia da futura decisão definitiva, a fim de evitar uma lacuna na protecção jurídica garantida pelos órgãos jurisdicionais comunitários (v., neste sentido, despacho Renckens/Comissão, n.° 99 supra; acórdãos do Tribunal de Justiça de 19 de Junho de 1990, Factortame e o., C‑213/89, Colect., p. I‑2433, n.° 21, e de 21 de Fevereiro der 1991, Zuckerfabrik Süderdithmarschen e Zuckerfabrik Soest, C‑143/88 e C‑92/89, Colect., p. I‑415, n.os 16 a 18; e despachos Alemanha/Comissão, n.° 99 supra, n.° 46, e Áustria/Conselho, n.° 26 supra, n.° 111).

106    Há que verificar, portanto, se está demonstrado, com suficiente probabilidade, que a requerente corre o risco de sofrer um prejuízo grave e irreparável se não forem decretadas as medidas provisórias requeridas (v., neste sentido, despacho Comissão/NALOO, n.° 99 supra, n.° 53).

107    Para este efeito, há que examinar, antes de mais, se, após um eventual acórdão de anulação, a possibilidade de a Comissão organizar um novo processo de concurso permitiria ressarcir o prejuízo alegado pela requerente e, em caso de resposta negativa, apreciar se a requerente poderia ser indemnizada.

108    Quanto à possibilidade de a Comissão organizar um novo processo de concurso, há que observar que o contrato foi adjudicado pela Comissão à sociedade IGN e que foi assinado pelas partes em Dezembro de 2005, sem que a requerente tenha sido previamente informada de que o contrato não lhe tinha sido adjudicado, o que a Comissão só lhe comunicou, após vários pedidos, por carta de 1 de Março de 2006.

109    Além disso, questionada na audiência quanto a este aspecto, a Comissão indicou, de imediato, que, se podia confirmar que a execução do contrato tinha efectivamente começado depois de ter sido assinado pelas partes, e que o fornecimento de certos elementos materiais do contrato, tais como as impressoras e os cartuchos de tinta, estava previsto para o fim do mês de Abril de 2006, não sabia porém em que estádio se encontrava a referida execução do contrato e seguidamente, sem mais explicações, indicou que os elementos materiais do contrato tinham já sido fornecidos.

110    A requerente, por seu lado, indicou que o prazo final previsto pela Comissão para a execução das outras prestações exigidas pelo contrato, nomeadamente a colocação em funcionamento do software, era o dia 15 de Março de 2007, sem que a Comissão o contestasse.

111    Consequentemente, há que constatar que o acórdão que puser termo ao processo principal só será provavelmente proferido depois de concluída a execução do contrato, ou, pelo menos, de uma parte importante do mesmo.

112    É, portanto, muito pouco provável que após um eventual acórdão de anulação, que seria provavelmente proferido depois de terminada a execução do contrato, a Comissão organize um novo processo de concurso. O prejuízo que a requerente sofreria não poderia, consequentemente, ser ressarcido desse modo.

113    Há então que apreciar se, e de que modo, o prejuízo que a requerente sofreria poderia ser ressarcido no âmbito de uma acção proposta com base no artigo 235.° CE.

114    Saliente‑se, a este respeito, que a requerente sustenta que uma reparação sob a forma de uma indemnização constituiria uma compensação muito imperfeita do prejuízo que sofreria, ao passo que a suspensão do contrato até ser proferido o acórdão no âmbito do processo principal lhe permitiria salvaguardar a possibilidade de obter uma reparação em espécie, ou seja, no caso em apreço, a execução do contrato e, consequentemente, a obtenção das vantagens concorrenciais que, na sua opinião, decorrem da obtenção de tal contrato.

115    Uma vez que a reparação integral do prejuízo sofrido constitui um princípio cujo respeito é assegurado pelos órgãos jurisdicionais comunitários (acórdão do Tribunal de Justiça de 27 de Janeiro de 2000, Mulder e o./Conselho e Comissão, C‑104/89 e C‑37/90, Colect., p. I‑203, n.° 227), há que examinar se a reparação integral do prejuízo defendido pela requerente seria possível através de uma indemnização.

116    O artigo 101.°, primeiro parágrafo, do Regulamento n.° 1605/2002 dispõe que «[a] entidade adjudicante pode, até à assinatura do contrato, renunciar à celebração do contrato ou anular o processo da sua adjudicação, sem que os candidatos ou proponentes possam exigir qualquer indemnização». Consequentemente, ao contrário do que a requerente afirma, esta não perdeu um contrato mas sim uma oportunidade, particularmente séria no caso em apreço, de obter o contrato objecto do concurso comunitário.

117    Embora se trate, neste caso, de uma oportunidade muito séria de obter o contrato é, porém, muito difícil, ou mesmo impossível, quantificá‑la e, consequentemente, avaliar com a precisão exigida o prejuízo resultante da sua perda. Ora, segundo jurisprudência assente, um prejuízo que, uma vez produzido, não pode ser quantificado com precisão suficiente, pode considerar‑se muito dificilmente reparável (v., neste sentido, despacho do presidente do Tribunal de Justiça de 23 de Maio de 1990, Comos‑Tank e o./Comissão, C‑51/90 R e C‑59/90 R, Colect., p. I‑2167, n.° 31; despachos do presidente do Tribunal de Primeira Instância de 21 de Março de 1997, Antillean Rice Mills/Conselho, T‑41/97 R, Colect., p. II‑447, n.° 47; de 7 de Julho de 1998, Van den Bergh Foods/Comissão, T‑65/98 R, Colect., p. II‑2641, n.° 65, e despacho Deloitte Business Advisory/Comissão, n.° 101 supra, n.° 147 e jurisprudência aí referida).

118    A perda dessa oportunidade pode, portanto, considerar‑se constitutiva de um prejuízo muito dificilmente reparável através de uma indemnização compensatória (v., neste sentido, despacho Deloitte Business Advisory/Comissão, já referido no n.° 101 supra, n.° 148).

119    Além disso, a requerente afirma, essencialmente, que à perda resultante da não adjudicação do contrato propriamente dito acresce a perda de uma vantagem concorrencial associada à obtenção do contrato, vantagem essa que lhe teria permitido aceder ao mercado internacional dando‑lhe a possibilidade de, no âmbito de outros concursos, fazer referência ao contrato adjudicado pela Comissão.

120    A este respeito, há que observar que, segundo a requerente, há apenas cinco empresas activas neste mercado, a nível mundial, o que a Comissão não contesta, tal como não contesta a alegação da requerente segundo a qual as referências que os proponentes podem apresentar no mercado em questão constituem um elemento de selecção importante para os seus potenciais clientes.

121    Nos termos do ponto 11.8 das instruções aos proponentes, as referências constituem um dos elementos de apreciação da conformidade das propostas no processo de adjudicação do contrato estabelecido pela Comissão.

122    Há que observar, todavia, que estas referências são apenas um dos critérios, entre muitos outros, tomados em consideração pela Comissão para efeitos da selecção qualitativa dos prestadores de serviços [artigo 137.° do Regulamento (CE, Euratom) n.° 2342/2002 da Comissão, de 23 de Dezembro de 2002, que estabelece as normas de execução do Regulamento Financeiro (JO L 357, p. 1); v. também, neste sentido, despachos do presidente do Tribunal de Primeira Instância de 20 de Julho de 2000, Esedra/Comissão, T‑169/00 R, Colect., p. II‑2951, n.° 49, e de 27 de Julho de 2004, TQ3 Travel Solutions Belgium/Comissão, T‑148/04 R, Colect., p. II‑3027, n.° 51].

123    Porém, no caso em apreço, por um lado, tendo em conta o número muito restrito de operadores a nível mundial, não se pode excluir à partida, sem um exame mais aprofundado, que se possa tratar de uma verdadeira vantagem concorrencial, o que aliás não foi contestado pela Comissão. Por outro lado, as referências pretendidas não visam a obtenção de contratos com a Comissão – relativamente à qual se trata apenas, com efeito, de um elemento entre muitos outros que são tomados em consideração – mas sim contratos com outros clientes, relativamente aos quais tais referências poderiam constituir um elemento determinante na obtenção do contrato, o que a Comissão também não contestou.

124    No caso em apreço, tendo em conta as circunstâncias particulares do contrato em questão, que respeita a software muito específico, com um número de potenciais clientes, à primeira vista, relativamente restrito e tendo em conta o número muito reduzido de proponentes, o prejuízo alegado afigura‑se certo ou, pelo menos, demonstrado com suficiente probabilidade (despacho do presidente do Tribunal de Primeira Instância de 15 de Janeiro de 2001, Le Canne/Comissão, T‑241/00 R, Colect., p. II‑37, n.° 34) e não se afigura de natureza puramente hipotética e baseado exclusivamente na probabilidade aleatória de acontecimentos futuros e incertos (v., neste sentido, despacho do presidente do Tribunal de Primeira Instância de 19 de Dezembro de 2001, Government of Gibraltar/Comissão, T‑195/01 R e T‑207/01 R, Colect., p. II‑3915, n.° 101 e jurisprudência aí referida).

125    Com efeito, a possibilidade de a requerente invocar um contrato celebrado com a Comissão das Comunidades Europeias num mercado tão especializado e caracterizado por um número de operadores tão reduzido, depois de ter sido seleccionada pela sociedade Shell e pela OTAN, pode ser considerada uma vantagem concorrencial de que a requerente poderia ter beneficiado se o contrato lhe tivesse sido adjudicado.

126    Além disso, há que observar que a requerente, ao não ser seleccionada, sofre uma desvantagem concorrencial relativamente à IGN, que obteve este contrato e que poderá utilizar este argumento para fins concorrenciais, apesar de haver sérias razões para crer que este contrato não lhe devia ter sido adjudicado.

127    Ora, seria também muito difícil quantificar o valor desta vantagem concorrencial e, por conseguinte, avaliar com suficiente precisão o prejuízo resultante da perda da oportunidade de a obter, assegurando, assim, a sua reparação integral, através de uma indemnização (v., neste sentido, o despacho Deloitte Business Advisory/Comissão, já referido no n.° 101 supra, n.os 147 e 148).

128    Há, assim, que constatar que a requerente tem razão ao sustentar que a concessão de uma indemnização constituiria apenas uma reparação imperfeita dos seus prejuízos.

129    O prejuízo invocado pela requerente pode, portanto, ser considerado muito dificilmente reparável caso a execução da decisão controvertida não seja suspensa.

130    No entanto, para justificar a concessão de medidas provisórias, o prejuízo invocado pela demandante deve ser grave (despacho Deloitte Business Advisory/Comissão, n.° 101 supra, n.° 149).

131    Ora, a perda de uma oportunidade de obter a adjudicação e execução de um contrato público é inerente à exclusão do procedimento de concurso em causa e não se pode considerar constitutiva, em si, de um prejuízo grave, independentemente de uma apreciação concreta da gravidade da lesão específica alegada em cada caso concreto (despacho Deloitte Business Advisory/Comissão, n.° 101 supra, n.° 150).

132    Consequentemente, é, no caso vertente, na condição de a requerente ter feito prova bastante de que teria podido extrair benefícios suficientemente significativos da adjudicação e da execução do contrato no âmbito do procedimento de concurso que o facto de ela ter perdido uma ocasião de obter a adjudicação e execução do referido contrato constitui um prejuízo grave (despacho Deloitte Business Advisory/Comissão, já referido no n.° 101 supra, n.° 151).

133    Há, pois, que apreciar concretamente os diversos benefícios que, a requerente retiraria da adjudicação e da execução do contrato em causa no âmbito do procedimento de concurso.

134    Observe‑se, a este respeito que, quando o demandante é uma empresa, a gravidade de um prejuízo de ordem material deve ser avaliada à luz, designadamente, da dimensão dessa empresa (v., neste sentido, despacho Comos‑Tank e o./Comissão, n.° 117 supra, n.os 26 e 31, e despacho do presidente do Tribunal de Primeira Instância de 22 de Dezembro de 2004, Microsoft/Comissão, T‑201/04 R, Colect., p. II‑4463, n.° 257). Ora, o juiz das medidas provisórias considera, no caso em apreço, que os elementos dos autos não lhe permitem apreciar a gravidade do prejuízo à luz da dimensão da empresa.

135    Não se pode excluir, porém, que a gravidade do prejuízo deva também ser avaliada com base noutros critérios, como a gravidade dos prejuízos causados às quotas de mercado ou à alteração da posição concorrencial da empresa (v., por analogia, os despachos do presidente do Tribunal de Primeira Instância de 30 de Junho de 1999, Pfizer Animal Health/Conselho, T‑13/99 R, Colect., p. II‑1961, n.° 138; de 11 de Abril de 2003, Solvay Pharmaceuticals/Conselho, T‑392/02 R, Colect., p. II‑1825, n.° 107, e de 16 de Janeiro de 2004, Arizona Chemical e o./Comissão, T‑369/03 R, Colect., p. II‑205, n.° 76).

136    No que se refere, em primeiro lugar, aos benefícios de ordem financeira associados à execução do contrato, é manifesto que a não execução do mesmo priva a requerente dos rendimentos que teria auferido se o contrato lhe tivesse sido adjudicado, e a perda da oportunidade de obter os rendimentos que poderiam ter resultado do contrato afigura‑se, tendo em conta os montantes em jogo, susceptível de constituir um prejuízo de alguma gravidade para a requerente.

137    Em segundo lugar, a possibilidade de a requerente invocar um contrato celebrado com a Comissão das Comunidades Europeias num mercado tão especializado e caracterizado por um número de operadores tão reduzido é susceptível de ser considerada uma vantagem concorrencial de que a requerente poderia ter beneficiado se lhe tivesse sido adjudicado o contrato.

138    Ainda que o seu valor exacto seja difícil de estimar, a perda de tal vantagem concorrencial é, tendo em conta as circunstâncias do caso em apreço, susceptível de constituir um prejuízo grave para uma sociedade que, tal como a requerente, desenvolve software muito específico, destinado a um número de potenciais clientes que é, à primeira vista, restrito, num mercado de forte concorrência e caracterizado por um pequeno número de operadores, tanto mais que a IGN, um dos seus concorrentes directos, poderia reivindicar o benefício da obtenção deste contrato para fins concorrenciais, apesar de haver razões sérias para crer que este contrato não lhe devia ter sido adjudicado.

139    Consequentemente, tendo em conta as circunstâncias particulares do caso em apreço e as características do mercado em que operam a requerente e a IGN, há que considerar que o prejuízo sofrido pela requerente pode ser considerado grave.

140    Por fim, a urgência que a requerente pode, assim, invocar deve ser tanto mais tida em consideração pelo juiz das medidas provisórias quanto, conforme resulta dos n.os 54 a 84 do presente despacho, os argumentos de facto e de direito apresentados pela mesma no âmbito do seu primeiro fundamento se afiguram particularmente sérios (v., neste sentido, o despacho Áustria/Conselho, já referido no n.° 26 supra, n.° 110).

141    Tendo em conta todos estes elementos, para assegurar a plena eficácia da futura decisão definitiva e, mais especialmente, para salvaguardar uma eventual reparação em espécie, como a pedida pela requerente, relativamente à qual não se pode excluir que seja a única forma de evitar, pelo menos em parte, o prejuízo sofrido, há que considerar que a medida requerida, de suspensão da decisão controvertida e do contrato, deve ser concedida à requerente, desde que a ponderação dos interesses penda a seu favor, o que há agora que examinar.

3.     Quanto à ponderação dos interesses

 Argumentos das partes

 Argumentos da requerente

142    A requerente sustenta, essencialmente, que a ponderação dos interesses pende a seu favor na medida em que, por um lado, se vê privada das receitas de um concurso que lhe devia ter sido adjudicado e, por outro, a IGN não pode exigir a protecção dos seus interesses que têm origem num acto que deve ser considerado ilegal. A requerente entende, além disso, que a IGN não pode obter uma protecção maior do que a conferida à própria requerente, quando o respeito do procedimento de adjudicação do contrato devia ter levado a Comissão a afastar a proposta da IGN, que não era conforme às condições previstas pelas instruções aos proponentes.

143    Sustenta também que a medida é exigida pelo interesse geral em que os procedimentos de adjudicação de contratos públicos pelas instituições comunitárias possam decorrer com respeito dos princípios da legalidade, da transparência, da igualdade de tratamento, da confiança legítima e da boa administração.

 Argumentos da Comissão

144    A Comissão contesta esta argumentação e alega, essencialmente, que, mesmo que tivesse cometido uma falta que implicasse a sua responsabilidade para com a requerente, o contrato celebrado com a IGN não deixaria de ser válido, havendo que respeitar as expectativas e a confiança legítimas desta sociedade, na medida em que podia confiar na aparência de legalidade da decisão que lhe adjudicou o contrato.

145    A Comissão alega, além disso, que o contrato reveste particular importância para o desenvolvimento da rede dos gasodutos na Ásia central e que a suspensão da execução do contrato por um período prolongado teria efeitos nocivos na região, em especial quanto às relações que mantém com as autoridades cazaques. Considera, a este respeito, que o interesse público de o contrato ser executado em tempo útil deve prevalecer sobre os interesses puramente privados da requerente, que podem ser protegidos pelo acórdão que decidir sobre o recurso no processo principal. Na audiência, a Comissão precisou que este elemento teve também relevo na decisão da Comissão de não pôr termo ao concurso para o relançar mais tarde, com o objectivo, por um lado, de evitar um atraso na execução do contrato e, por outro, numa perspectiva orçamental, de evitar que os créditos afectos a este contrato se perdessem. Este elemento devia, consequentemente, ser considerado na apreciação do interesse da requerente em obter presentemente a suspensão da execução do contrato.

146    Na audiência, a Comissão sublinhou também, essencialmente, que era importante evitar um recurso da IGN, risco que teria corrido se o contrato que celebrou com esta sociedade viesse a ser suspenso.

 Apreciação do juiz das medidas provisórias

147    Quando, no âmbito de um pedido de medidas provisórias, o juiz das medidas provisórias perante o qual se demonstra o risco que o requerente corre de sofrer um prejuízo grave e irreparável pondera os diferentes interesses em causa, deve determinar, nomeadamente, se a anulação eventual da decisão controvertida pelo juiz do mérito permitirá modificar a situação provocada pela execução imediata da mesma e, inversamente, se a suspensão da execução dessa decisão pode impedir o efeito da mesma na hipótese de o recurso no processo principal ser improcedente (v., neste sentido, despacho do presidente do Tribunal de Justiça de 26 de Junho de 2003, Bélgica e Forum 187/Comissão, C‑182/03 R e C‑217/03 R, Colect., p. I‑6887, n.° 142, e despacho Pfizer Animal Health/Conselho, n.° 135 supra, n.° 167 e jurisprudência aí referido).

148    No caso em apreço, há que tomar em conta, em primeiro lugar, o interesse da requerente na suspensão da execução da decisão de adjudicar o contrato à IGN, depois, em segundo lugar, o interesse da IGN em que o contrato possa ser executado e, em terceiro lugar, o interesse geral e o interesse da Comissão na execução do contrato.

149    Em primeiro lugar, o juiz das medidas provisórias considera que a continuação da execução do contrato adjudicado à IGN seria susceptível de causar um prejuízo grave e irreparável à requerente (v. n.os 104 a 140 supra).

150    Em segundo lugar, há razões sérias para crer que a proposta da IGN não era conforme às especificações previstas pelas instruções aos proponentes e que esta proposta devia ter sido afastada pela Comissão. Ao contrário do que esta avançou, essencialmente, na audiência, a legalidade da decisão controvertida e a validade do contrato que dela decorre não são independentes uma da outra; com efeito, se, por um lado, a decisão controvertida for anulada pelo Tribunal de Primeira Instância ao decidir sobre o recurso no processo principal e se, por outro lado, a execução do contrato tiver sido suspensa, a decisão de anulação poderá ter o efeito de levar a Comissão a pôr termo ao contrato que celebrou com a IGN.

151    Consequentemente, a IGN teria muito provavelmente, como a Comissão observa, o direito de exigir uma indemnização pela falta cometida pela Comissão perante os órgãos jurisdicionais belgas, competentes, segundo a Comissão, por força de um pacto privativo de jurisdição previsto no contrato. Há que declarar, portanto, que os interesses da IGN poderiam ser protegidos no âmbito de um recurso jurisdicional.

152    A ponderação dos interesses não pode, por conseguinte, pender a favor da IGN, em detrimento da requerente. Com efeito, há razões sérias para crer que a proposta desta não era conforme às especificações técnicas do concurso, ao passo que a Comissão não contesta que a proposta da requerente era conforme às referidas especificações. Nestas condições, os interesses da IGN na continuação do contrato não podem prevalecer sobre os da requerente em obter a adjudicação do mesmo, que continuaria a ser possível, pelo menos em parte, se se suspendesse o referido contrato até ser proferido o acórdão no processo principal.

153    Em terceiro lugar, a alegação da Comissão segundo a qual a continuação da execução do contrato não pode sofrer qualquer atraso, para manter as boas relações com as autoridades cazaques, não foi demonstrada, não tendo a Comissão apresentado ao juiz das medidas provisórias qualquer elemento de prova a este respeito.

154    Os argumentos avançados pela Comissão na audiência parecem, além disso, indicar que a Comissão se tinha apercebido que a adjudicação deste contrato à IGN podia, ou iria, suscitar dificuldades, mas que, por razões orçamentais, preferiu avançar e correr o risco de se expor seguidamente a um recurso por parte dos proponentes indevidamente afastados.

155    Admitindo que tal atitude possa ter sido justificada por razões orçamentais, a Comissão não demonstrou que essas considerações que, segundo a sua própria argumentação, a levaram a celebrar o contrato com a IGN antes de 31 de Dezembro de 2005, para não perder os créditos de que dispunha para o efeito, são susceptíveis de impedir que se suspenda agora a execução desse contrato.

156    A Comissão não pode, além disso, invocar o seu interesse na continuação da execução do contrato, no sentido de evitar um recurso da IGN, para pedir ao juiz das medidas provisórias que se recuse a assegurar a protecção jurisdicional da requerente.

157    Consequentemente, a concessão da suspensão da execução, por um lado, da decisão de adjudicar o contrato à sociedade IGN e, por outro, do referido contrato é, nas circunstâncias particulares do caso em apreço, justificada e responde de modo adequado à necessidade de assegurar uma efectiva protecção jurídica provisória da requerente.

Pelos fundamentos expostos,

O PRESIDENTE DO TRIBUNAL DE PRIMEIRA INSTÂNCIA

decide:

1)      É suspensa a execução da decisão da Comissão de adjudicar o contrato à IGN France international no quadro do procedimento de concurso de fornecimento destinado a determinados países da Ásia Central (EuropeAid/122078/C/S/Multi), bem como a execução do contrato celebrado pela Comissão com a IGN France international, até que o Tribunal decida sobre o recurso no processo principal.

2)      Reserva‑se para final a decisão quanto às despesas.

Proferido no Luxemburgo, em 20 de Julho de 2006.

O secretário

 

      O presidente

E. Coulon

 

      B. Vesterdorf


* Língua do processo: francês.