Language of document : ECLI:EU:C:2021:930

ACÓRDÃO DO TRIBUNAL DE JUSTIÇA (Grande Secção)

16 de novembro de 2021 (*)

«Ação por incumprimento — Espaço de liberdade, segurança e justiça — Política de asilo — Diretivas 2013/32/UE e 2013/33/UE — Procedimento de concessão de proteção internacional — Fundamentos de inadmissibilidade — Conceitos de “país terceiro seguro” e de “primeiro país de asilo” — Assistência prestada aos requerentes de asilo — Criminalização — Proibição de entrada na zona fronteiriça do Estado‑Membro em causa»

No processo C‑821/19,

que tem por objeto uma ação por incumprimento nos termos do artigo 258.o TFUE, que deu entrada em 8 de novembro de 2019,

Comissão Europeia, representada inicialmente por J. Tomkin, A. Tokár e M. Condou‑Durande, e em seguida por J. Tomkin e A. Tokár, na qualidade de agentes,

demandante,

contra

Hungria, representada por K. Szíjjártó, M. M. Tátrai e M. Z. Fehér, na qualidade de agentes,

demandada,

O TRIBUNAL DE JUSTIÇA (Grande Secção),

composto por: K. Lenaerts, presidente, A. Arabadjiev, C. Lycourgos (relator), E. Regan, N. Jääskinen, I. Ziemele e J. Passer, presidentes de secção, M. Ilešič, J.‑C. Bonichot, A. Kumin e N. Wahl, juízes

advogado‑geral: A. Rantos,

secretário: I. Illéssy, administrador,

vistos os autos e após a audiência de 23 de novembro de 2020,

ouvidas as conclusões do advogado‑geral na audiência de 25 de fevereiro de 2021,

profere o presente

Acórdão

1        Com a sua petição, a Comissão Europeia pede ao Tribunal de Justiça que declare que a Hungria não cumpriu as obrigações que lhe incumbem por força do artigo 8.o, n.o 2, do artigo 12.o, n.o 1, alínea c), do artigo 22.o, n.o 1, e do artigo 33.o, n.o 2, da Diretiva 2013/32/UE do Parlamento Europeu e do Conselho, de 26 de junho de 2013, relativa a procedimentos comuns de concessão e retirada do estatuto de proteção internacional (JO 2013, L 180, p. 60), bem como do artigo 10.o, n.o 4, da Diretiva 2013/33/UE do Parlamento Europeu e do Conselho, de 26 de junho de 2013, que estabelece normas em matéria de acolhimento dos requerentes de proteção internacional (JO 2013, L 180, p. 96):

—        ao introduzir um novo fundamento de inadmissibilidade dos pedidos de asilo, que acresce aos fundamentos expressamente estabelecidos pela Diretiva 2013/32; e

—        ao tipificar como infração penal a atividade de organização destinada a permitir a instauração de um procedimento de pedido de asilo por indivíduos que não preenchem os critérios do direito de asilo estabelecidos pelo direito nacional e ao tomar medidas que implicam restrições em relação às pessoas constituídas arguidas ou punidas por essa infração.

 Quadro jurídico

 Direito da União

 Diretiva 2013/32

2        O artigo 6.o da Diretiva 2013/32, sob a epígrafe «Acessibilidade do processo», prevê:

«1.      Quando uma pessoa apresenta um pedido de proteção internacional a uma autoridade competente segundo a lei nacional para o registo de tais pedidos, esse registo é feito no prazo de três dias úteis a contar da apresentação do pedido.

Se o pedido de proteção internacional for feito a outras autoridades suscetíveis de o receber mas não competentes para o registo segundo a lei nacional, os Estados‑Membros asseguram que o registo seja feito no prazo de seis dias úteis a contar da apresentação do pedido.

Os Estados‑Membros asseguram que as autoridades suscetíveis de receber pedidos de proteção internacional, como a polícia, a guarda de fronteiras, as autoridades de imigração e o pessoal de estabelecimentos de detenção, disponham das informações pertinentes e o seu pessoal receba o necessário nível de formação adequada ao exercício das suas funções e responsabilidades, bem como instruções para informar os requerentes da forma e do local próprio para apresentar pedidos de proteção internacional.

2.      Os Estados‑Membros devem assegurar que as pessoas que apresentam um pedido de proteção internacional tenham a possibilidade efetiva de o apresentar o mais rapidamente possível. Se o requerente não apresentar o pedido, os Estados‑Membros podem aplicar o artigo 28.o

3.      Sem prejuízo do n.o 2, os Estados‑Membros podem exigir que os pedidos de proteção internacional sejam apresentados presencialmente e/ou em local designado.

4.      Não obstante o n.o 3, considera‑se que um pedido de proteção internacional foi apresentado no momento em que as autoridades competentes do Estado‑Membro em causa recebam um formulário apresentado pelo requerente ou, caso a lei nacional o preveja, um auto lavrado pela autoridade.

[…]»

3        O artigo 8.o desta diretiva, sob a epígrafe «Informação e aconselhamento em postos de fronteira e centros de detenção», dispõe:

«1.      Se houver indicações de que os nacionais de países terceiros ou apátridas colocados em centros de detenção ou presentes nos postos de fronteira, incluindo as zonas de trânsito nas fronteiras externas, podem querer apresentar um pedido de proteção internacional, os Estados‑Membros devem prestar‑lhes informações sobre a possibilidade de o fazer. Nesses centros de detenção e zonas de fronteira, os Estados‑Membros devem tomar medidas para assegurar serviços de interpretação na medida do necessário para facilitar o acesso ao processo de asilo.

2.      Os Estados‑Membros devem assegurar que as organizações e pessoas que prestam assistência jurídica e aconselhamento aos requerentes tenham acesso efetivo aos requerentes presentes nos postos de passagem da fronteira, incluindo as zonas de trânsito, nas fronteiras externas. Os Estados‑Membros podem prever regras que regulem a presença dessas organizações e pessoas nos postos de passagem da fronteira, e em especial que o acesso esteja sujeito a acordo das autoridades competentes do Estado‑Membro. Só podem ser impostos limites ao acesso se, por força da lei nacional, forem objetivamente necessários para a segurança, ordem pública ou gestão administrativa dos postos de passagem da fronteira em causa, desde que o acesso não seja fortemente limitado ou impossibilitado.»

4        O artigo 9.o da referida diretiva, sob a epígrafe «Direito de permanência no Estado‑Membro durante a apreciação do pedido», precisa, no seu n.o 2:

«Os Estados‑Membros só podem prever exceções a esse princípio nos casos em que uma pessoa apresente um pedido subsequente, previsto no artigo 41.o ou quando, conforme o caso, entregarem ou extraditarem uma pessoa, quer para outro Estado‑Membro, por força de uma obrigação decorrente de um mandado de detenção europeu ou por outro motivo, quer para um país terceiro ou para tribunais penais internacionais ou outros órgãos jurisdicionais.»

5        O artigo 12.o da mesma diretiva, sob a epígrafe «Garantias dos requerentes», enuncia:

«1.      Relativamente aos procedimentos previstos no capítulo III, os Estados‑Membros asseguram que todos os requerentes beneficiem das garantias seguintes:

[…]

c)      Não lhes ser recusada a possibilidade de comunicarem com o [Alto‑Comissariado das Nações Unidas para Refugiados (ACNUR)] ou com qualquer outra organização que preste assistência jurídica ou outro aconselhamento aos requerentes de acordo com a legislação desse Estado‑Membro;

[…]

2.      Relativamente aos procedimentos previstos no capítulo V, os Estados‑Membros asseguram que todos os requerentes beneficiem de garantias equivalentes às referidas no n.o 1, alíneas b) a e).»

6        Nos termos do artigo 22.o, n.o 1, da Diretiva 2013/32, sob a epígrafe «Direito a assistência jurídica e a representação em todas as fases do procedimento»:

«Os requerentes devem ter a oportunidade de consultarem, a expensas suas, de forma efetiva um advogado ou outro consultor, admitido ou aceite nessa qualidade pela legislação nacional, sobre matérias relacionadas com os seus pedidos de proteção internacional, em qualquer fase do procedimento, incluindo na sequência de uma decisão de indeferimento.»

7        O artigo 23.o, n.o 2, desta diretiva, sob a epígrafe «Âmbito da assistência jurídica e da representação», enuncia:

«Os Estados‑Membros devem assegurar que o advogado ou outro consultor que assista ou represente um requerente tenha acesso a zonas vedadas, como de centros de detenção e zonas de trânsito, para o aconselhar, de acordo com o artigo 10.o, n.o 4, e com o artigo 18.o, n.o 2, alíneas b) e c), da Diretiva [2013/33].»

8        O capítulo III desta diretiva, intitulado «Procedimentos em primeira instância», prevê, nos seus artigos 31.o a 43.o, as regras relativas ao procedimento de apreciação dos pedidos de proteção internacional.

9        Nos termos do artigo 31.o, n.o 8, da referida diretiva, sob a epígrafe «Procedimento de apreciação»:

«Os Estados‑Membros podem estabelecer que um procedimento de apreciação, nos termos dos princípios e garantias fundamentais enunciados no capítulo II, seja acelerado e/ou conduzido na fronteira ou em zonas de trânsito de acordo com o artigo 43.o se:

a)      O requerente, ao apresentar o pedido e ao expor os factos, tiver evocado apenas questões não pertinentes para analisar o cumprimento das condições para beneficiar da proteção internacional nos termos da Diretiva 2011/95/UE [do Parlamento Europeu e do Conselho, de 13 de dezembro de 2011, que estabelece normas relativas às condições a preencher pelos nacionais de países terceiros ou por apátridas para poderem beneficiar de proteção internacional, a um estatuto uniforme para refugiados ou pessoas elegíveis para proteção subsidiária e ao conteúdo da proteção concedida (reformulação) (JO 2011, L 337, p. 9)]; ou

b)      O requerente provier de um país de origem seguro, na aceção da presente diretiva, ou

c)      O requerente tiver induzido em erro as autoridades, apresentando informações ou documentos falsos ou ocultando informações ou documentos importantes a respeito da sua identidade e/ou nacionalidade suscetíveis de terem um impacto negativo na decisão; ou

d)      Se for provável que, de má‑fé, o requerente tenha destruído ou extraviado documentos de identidade ou de viagem suscetíveis de contribuírem para a determinação da sua identidade ou nacionalidade; ou

e)      O requerente tiver feito declarações claramente incoerentes e contraditórias, manifestamente falsas ou obviamente inverosímeis que contradigam informações suficientemente verificadas sobre o país de origem, retirando assim claramente credibilidade à alegação de cumprimento dos requisitos para beneficiar da proteção internacional nos termos da Diretiva [2011/95]; ou

f)      O requerente tiver apresentado posteriormente um pedido de proteção internacional que não seja admissível nos termos do artigo 40.o, n.o 5; ou

g)      O requerente apresentar o pedido apenas com o intuito de atrasar ou impedir a aplicação de uma decisão anterior ou iminente que se traduza no seu afastamento; ou

h)      O requerente entrar ilegalmente no território do Estado‑Membro ou prolongar ilegalmente a sua estadia e, sem justificação, não se apresentar às autoridades nem introduzir um pedido de proteção internacional logo que possível, dadas as circunstâncias da entrada; ou

i)      O requerente recusar cumprir a obrigação de registar as suas impressões digitais em conformidade com o Regulamento (UE) n.o 603/2013 do Parlamento Europeu e do Conselho, de 26 de junho de 2013, relativo à criação do sistema “Eurodac” de comparação de impressões digitais para efeitos da aplicação efetiva do Regulamento (UE) n.o 604/2013 que estabelece os critérios e mecanismos de determinação do Estado‑Membro responsável pela análise de pedidos de proteção internacional apresentados num dos Estados‑Membros por um nacional de um país terceiro ou um apátrida e de pedidos de comparação com os dados Eurodac apresentados pelas autoridades responsáveis dos Estados‑Membros e pela Europol para fins de aplicação da lei [e que altera o Regulamento (UE) n.o 1077/2011 que cria uma Agência europeia para a gestão operacional de sistemas informáticos de grande escala no espaço de liberdade, segurança e justiça (JO 2013, L 180, p. 1)]; ou

[…]»

10      Segundo o artigo 33.o da Diretiva 2013/32, sob a epígrafe «Inadmissibilidade dos pedidos»:

«1.      Além dos casos em que um pedido não é apreciado em conformidade com o Regulamento (UE) n.o 604/2013, os Estados‑Membros não são obrigados a analisar se o requerente preenche as condições para beneficiar de proteção internacional, em conformidade com a Diretiva [2011/95], quando o pedido for considerado não admissível nos termos do presente artigo.

2.      Os Estados‑Membros podem considerar não admissível um pedido de proteção internacional apenas quando:

a)      Outro Estado‑Membro tiver concedido proteção internacional;

b)      Um país, que não um Estado‑Membro, for considerado o primeiro país de asilo para o requerente, nos termos do artigo 35.o;

c)      Um país, que não um Estado‑Membro, for considerado país terceiro seguro para o requerente, nos termos do artigo 38.o;

d)       O pedido for um pedido subsequente, em que não surgiram nem foram apresentados pelo requerente novos elementos ou dados relacionados com a análise do cumprimento das condições para o requerente beneficiar da proteção internacional nos termos da Diretiva [2011/95]; ou

e)      Uma pessoa a cargo do requerente tiver introduzido um pedido depois de ter consentido, nos termos do artigo 7.o, n.o 2, que o seu caso fosse abrangido por um pedido apresentado em seu nome e não existam elementos relativos à situação dessa pessoa que justifiquem um pedido separado.»

11      O artigo 35.o desta diretiva, sob a epígrafe «Conceito de primeiro país de asilo», prevê:

«Um país pode ser considerado primeiro país de asilo para um requerente, se este:

a)      Tiver sido reconhecido nesse país como refugiado e possa ainda beneficiar dessa proteção; ou

b)       Usufruir de outro modo, nesse país, de proteção suficiente, incluindo o benefício do princípio da não repulsão,

desde que seja readmitido nesse país.

[…]»

12      O artigo 38.o da referida diretiva, sob a epígrafe «Conceito de país terceiro seguro», enuncia:

«1.      Os Estados‑Membros só podem aplicar o conceito de país terceiro seguro quando as autoridades competentes se certificarem de que uma pessoa que requer proteção internacional será tratada no país terceiro em causa de acordo com os seguintes princípios:

a)      Não ameaça da vida e liberdade em virtude da raça, religião, nacionalidade, pertença a determinado grupo social ou opinião política;

b)      Inexistência de risco de danos graves, na aceção da Diretiva [2011/95];

c)      Respeito do princípio da não repulsão nos termos da [Convenção relativa ao Estatuto dos Refugiados, assinada em Genebra, em 28 de julho de 1951 (Recueil des traités des Nations unies, vol. 189, p. 150, n.o 2545) (1954), conforme alterada pelo Protocolo relativo ao Estatuto dos Refugiados, celebrado em Nova Iorque, em 31 de janeiro de 1967];

d)      Respeito da proibição do afastamento, em violação do direito de não ser objeto de tortura nem de tratamentos cruéis, desumanos ou degradantes consagrado na legislação internacional; e

e)      Concessão da possibilidade de pedir o estatuto de refugiado e de, se a pessoa for considerada refugiada, receber proteção em conformidade com a [Convenção relativa ao Estatuto dos Refugiados].

2.      A aplicação do conceito de país terceiro seguro está subordinada às regras estabelecidas no direito interno, incluindo:

a)      Regras que exijam uma ligação entre o requerente e o país terceiro em causa que permita, em princípio, que essa pessoa se dirija para esse país;

b)      Regras sobre a metodologia pela qual as autoridades competentes se certificam de que o conceito de país terceiro seguro pode ser aplicado a determinado país ou a determinado requerente. Essa metodologia inclui a análise casuística da segurança do país para determinado requerente e/ou a designação nacional de países considerados geralmente seguros;

c)      Regras, nos termos do direito internacional, que permitam avaliar individualmente se o país terceiro em questão é um país seguro para determinado requerente e que, no mínimo, autorizem o requerente a contestar a aplicação do conceito de país terceiro seguro, com o fundamento de que o país terceiro não é seguro nas suas circunstâncias específicas. O requerente deve dispor também da possibilidade de contestar a existência de ligação entre ele e o país terceiro, de acordo com a alínea a).

[…]

4.      Quando o país terceiro não autorizar o requerente a entrar no seu território, os Estados‑Membros asseguram o acesso a um procedimento de acordo com os princípios e garantias fundamentais enunciados no capítulo II.

[…]»

 Diretiva 2013/33

13      O artigo 10.o da Diretiva 2013/33, sob a epígrafe «Condições da detenção», dispõe, no seu n.o 4:

«Os Estados‑Membros asseguram que os membros da família, os conselheiros jurídicos ou consultores e as pessoas que representam as organizações não governamentais relevantes reconhecidas pelo Estado‑Membro em causa têm a possibilidade de comunicar com os requerentes e de os visitar, em condições de respeito da privacidade. Só podem ser impostos limites de acesso às instalações de detenção se, nos termos do direito nacional, forem objetivamente necessários por motivos de segurança, ordem pública ou gestão administrativa das instalações de detenção, desde que o acesso não seja fortemente limitado nem impossibilitado.»

14      O artigo 18.o desta diretiva, sob a epígrafe «Regras em matéria de condições materiais de acolhimento», prevê:

«1.      Se for fornecido alojamento em espécie, deve sê‑lo sob uma das seguintes formas ou por uma combinação das mesmas:

a)      Em instalações utilizadas para alojar os requerentes durante o exame de pedidos de proteção internacional apresentados na fronteira ou em zonas de trânsito;

b)      Em centros de acolhimento que proporcionem um nível de vida adequado;

c)      Em casas particulares, apartamentos, hotéis ou noutras instalações adaptadas para acolher requerentes.

2.      Sem prejuízo das condições específicas de detenção previstas nos artigos 10.o e 11.o, relativamente às formas de alojamento previstas nas alíneas a), b) e c) do n.o 1 do presente artigo, os Estados‑Membros asseguram que:

[…]

b)      Os requerentes têm a possibilidade de comunicar com familiares, conselheiros ou consultores jurídicos, pessoas que representam o ACNUR e outras organizações e entidades nacionais, internacionais e não governamentais relevantes;

c)      Os membros da família, conselheiros ou consultores jurídicos e as pessoas que representem o ACNUR e as organizações não governamentais relevantes, reconhecidas pelo Estado‑Membro em causa, têm acesso autorizado a fim de assistir os requerentes. Só podem ser impostas restrições a este acesso por razões de segurança das instalações e dos requerentes.

[…]»

 Diretiva 2002/90/CE

15      O artigo 1.o da Diretiva 2002/90/CE do Conselho, de 28 de novembro de 2002, relativa à definição do auxílio à entrada, ao trânsito e à residência irregulares (JO 2002, L 328, p. 17), dispõe:

«1.      Os Estados‑Membros devem adotar sanções adequadas:

a)      Contra quem auxilie intencionalmente uma pessoa que não seja nacional de um Estado‑Membro a entrar ou a transitar através do território de um Estado‑Membro, em infração da legislação aplicável nesse Estado em matéria de entrada ou trânsito de estrangeiros;

b)      Contra quem, com fins lucrativos, auxilie intencionalmente uma pessoa que não seja nacional de um Estado‑Membro a permanecer no território de um Estado‑Membro, em infração da legislação aplicável nesse Estado em matéria de residência de estrangeiros.

2.      Qualquer Estado‑Membro pode tomar a decisão de não impor sanções em relação ao ato definido na alínea a) do n.o 1, aplicando a sua lei e práticas nacionais, sempre que o objetivo desse comportamento seja prestar assistência humanitária à pessoa em questão.»

 Decisãoquadro 2002/946/JAI

16      O artigo 1.o, n.o 1, da Decisão‑quadro 2002/946/JAI do Conselho, de 28 de novembro de 2002, relativa ao reforço do quadro penal para a prevenção do auxílio à entrada, ao trânsito e à residência irregulares (JO 2002, L 328, p. 1), prevê:

«Os Estados‑Membros devem tomar as medidas necessárias para garantir que as infrações definidas nos artigos 1.o e 2.o da Diretiva [2002/90] sejam passíveis de sanções penais efetivas, proporcionadas e dissuasivas, suscetíveis de conduzir à extradição.»

17      O artigo 6.o desta decisão‑quadro dispõe:

«A presente decisão‑quadro é aplicável sem prejuízo da proteção concedida aos refugiados e aos requerentes de asilo, segundo o direito internacional dos refugiados ou outros instrumentos internacionais relativos aos direitos do Homem, e, sobretudo, da observância, pelos Estados‑Membros, das obrigações internacionais que para eles decorrem dos artigos 31.o e 33.o da [Convenção relativa ao Estatuto dos Refugiados].»

 Direito húngaro

18      O artigo 51.o, n.o 2, alínea f), da menedékjogról szóló 2007. évi LXXX. törvény (Lei n.o LXXX, de 2007, relativa ao Direito de Asilo), de 29 de junho de 2007 (Magyar Közlöny 2007/83), na sua versão aplicável para efeitos do presente processo (a seguir «Lei relativa ao Direito de Asilo»), prevê um novo fundamento de inadmissibilidade do pedido de asilo, definido nestes termos:

«O pedido é inadmissível se o requerente tiver chegado à Hungria através de um país onde não está exposto a perseguições na aceção do artigo 6.o, n.o 1, ou ao risco de ofensas graves, na aceção do artigo 12.o, n.o 1, ou no qual está assegurado um nível de proteção adequado.»

19      Em conformidade com o artigo 51.o, n.o 12, da Lei relativa ao Direito de Asilo:

«Se o n.o 2, alínea f, for aplicável, o requerente pode, logo que disso tenha sido informado, e, em todo o caso, no prazo de três dias a contar da notificação, declarar que, no seu caso individual, os requisitos estabelecidos no n.o 2, alínea f), não estavam preenchidos em relação a esse determinado país.

[…]»

20      O artigo 353.o‑A da Büntető Törvénykönyvről szóló 2012. évi C. törvény (Lei n.o C, de 2012, que Institui o Código Penal), de 13 de julho de 2012 (Magyar Közlöny 2012/92), na sua versão aplicável para efeitos do presente processo (a seguir «Código Penal»), sob a epígrafe «Facilitação da imigração irregular», prevê:

«1)      Quem exerça atividades de organização com vista a

a)      Permitir dar início a um procedimento de asilo na Hungria por uma pessoa que não está sujeita a perseguição no país de que é nacional, no seu país de residência habitual ou em qualquer outro país pelo qual tenha chegado, devido à sua raça, nacionalidade, pertença a um determinado grupo social, convicções religiosas ou políticas, ou que não tenha motivos válidos para recear uma perseguição direta, ou

b)      Ajudar uma pessoa que entre ou resida ilegalmente na Hungria a obter uma autorização de residência,

incorre em confinamento, a menos que tenha praticado uma infração penal mais grave.

(2)      Quem fornecer recursos materiais que permitam praticar a infração penal referida no n.o 1 ou desenvolver regularmente essas atividades de organização é punível com pena de prisão até um ano.

(3)      Quem praticar a infração penal referida no n.o 1

a)      Para obter um ganho financeiro,

b)      Ajudando mais do que uma pessoa ou

c)      A uma distância inferior a oito quilómetros da fronteira ou da linha de fronteira correspondente à fronteira externa, nos termos do artigo 2.o, ponto 2, do Regulamento (UE) 2016/399 do Parlamento Europeu e do Conselho, de 9 de março de 2016, que estabelece o código da União relativo ao regime de passagem de pessoas nas fronteiras (Código das Fronteiras Schengen) [(JO 2016, L 77, p. 1)], é punível com a pena prevista no n.o 2.

(4)      A pena aplicada ao autor da infração penal referida no n.o 1 pode ser reduzida sem restrição ou, em casos que mereçam um tratamento especial, pode ser dispensada se o autor revelar, até ao momento da sua constituição como arguido, as circunstâncias em que a infração penal foi praticada.

(5)      Para efeitos do presente artigo, as atividades de organização incluem, em especial, um dos objetivos a que se refere o n.o 1:

a)      A realização de vigilância das fronteiras, na fronteira, ou numa linha de fronteira correspondente à fronteira externa da Hungria nos termos do ponto 2 do artigo 2.o do Regulamento 2016/399,

b)      A elaboração ou a difusão de documentos de informação ou o facto de encarregar terceiros de praticar esses atos e

c)      A constituição ou a exploração de uma rede.»

21      O artigo 46.o‑F da Rendőrségről szóló 1994. évi XXXIV. törvény (Lei n.o XXXIV, de 1994, relativa à Polícia), de 20 de abril de 1994 (Magyar Közlöny 1994/41), na sua versão aplicável para efeitos do presente processo (a seguir «Lei da Polícia»), sob a epígrafe «Medidas de afastamento utilizadas no âmbito da segurança das fronteiras», dispõe:

«A fim de manter a ordem na fronteira do Estado e prevenir uma eventual perturbação da vigilância das fronteiras, os agentes da polícia impedem qualquer pessoa sujeita a ação penal por infrações de passagem ilegal da barreira de fronteira (artigo 352.o‑A do Código Penal), degradação da barreira de fronteira (artigo 352.o‑B do Código Penal), obstrução à construção ou à manutenção da barreira de fronteira (artigo 352.o‑C do Código Penal), tráfico de seres humanos (artigo 353.o do Código Penal), auxílio à residência irregular (artigo 354.o do Código Penal) ou facilitação da imigração irregular (artigo 353.o‑A do Código Penal) de entrar num perímetro situado a uma distância inferior a oito quilómetros da fronteira ou da linha de fronteira correspondente à fronteira externa do território húngaro, nos termos do artigo 2.o, ponto 2, do Regulamento [2016/399], ou exigem que essa pessoa abandone essa zona se aí se encontrar.»

 Procedimento précontencioso

22      Em 19 de julho de 2018, a Comissão enviou uma notificação para cumprir à Hungria, na qual considerou, nomeadamente, contrárias ao direito da União a extensão, pelo legislador húngaro, dos fundamentos de inadmissibilidade dos pedidos de proteção internacional, a criminalização, por este, das atividades de organização destinadas a facilitar a apresentação de pedidos de asilo por pessoas que não têm direito a asilo ao abrigo do direito húngaro, bem como as restrições à liberdade de circulação impostas às pessoas visadas por essa criminalização.

23      A Hungria respondeu a esta notificação para cumprir por carta recebida pela Comissão em 19 de setembro de 2018, considerando que a legislação húngara era compatível com o direito da União.

24      Em 24 de janeiro de 2019, a Comissão emitiu um parecer fundamentado, no qual alegou, nomeadamente, que a Hungria não cumpriu as obrigações que lhe incumbem por força do artigo 8.o, n.o 2, do artigo 12.o, n.o 1, alínea c), do artigo 22.o, n.o 1, e do artigo 33.o, n.o 2, da Diretiva 2013/32, bem como do artigo 10.o, n.o 4, da Diretiva 2013/33:

—        ao introduzir um novo fundamento de inadmissibilidade dos pedidos de asilo, que acresce aos fundamentos expressamente previstos na Diretiva 2013/32;

—        ao tipificar como infração penal a atividade de organização que consiste em facilitar a instauração de um procedimento de asilo; e

—        ao introduzir medidas restritivas contra pessoas acusadas da prática de tal infração ou condenadas por esse motivo.

25      A Hungria respondeu a este parecer fundamentado em 23 de março de 2019, reiterando a posição segundo a qual as disposições legislativas húngaras em causa eram compatíveis com o direito da União e justificadas à luz da situação de crise provocada por uma imigração massiva no seu território.

26      Não tendo ficado convencida com os argumentos apresentados pela Hungria, a Comissão decidiu intentar a presente ação.

 Argumentos das partes

27      A Comissão considera que a Hungria não cumpriu as obrigações que lhe incumbem por força do artigo 33.o, n.o 2, da Diretiva 2013/32, ao prever, no artigo 51.o, n.o 2, alínea f), da Lei relativa ao Direito de Asilo, que um pedido de asilo deve ser considerado inadmissível quando o requerente tiver chegado através de um país onde não está exposto a perseguições ou no qual está assegurado um nível de proteção adequado.

28      Segundo a Comissão, este fundamento de inadmissibilidade não pode ser equiparado a um dos fundamentos de inadmissibilidade enumerados de forma exaustiva no artigo 33.o, n.o 2, da Diretiva 2013/32. Em especial, não pode ser considerado compatível com os conceitos de «primeiro país de asilo» ou de «país terceiro seguro», na aceção desta disposição.

29      Embora tomando nota do Acórdão de 19 de março de 2020, Bevándorlási és Menekültügyi Hivatal (Tompa) (C‑564/18, EU:C:2020:218), a Hungria duvida de que o artigo 33.o da Diretiva 2013/32 seja suscetível de criar um equilíbrio adequado entre a sobrecarga dos sistemas de tratamento dos pedidos de asilo, provocada por pedidos injustificados, e os interesses legítimos dos requerentes que efetivamente necessitam de proteção internacional.

30      Segundo este Estado‑Membro, o artigo 51.o, n.o 2, alínea f), da Lei relativa ao Direito de Asilo visa reprimir os abusos ao prever, em conformidade com o fundamento de inadmissibilidade relativo ao «país terceiro seguro», conforme mencionado no artigo 33.o, n.o 2, alínea c), da Diretiva 2013/32, que o pedido apresentado por uma pessoa que transitou, se for caso disso, de forma duradoura, por um Estado no qual não foi perseguida e não corre o risco de sê‑lo é, em princípio, inadmissível, mesmo que essa pessoa não tenha apresentado um pedido de proteção internacional nesse Estado.

31      A insuficiência das disposições do direito da União para combater as práticas abusivas resulta, igualmente, da proposta de regulamento do Parlamento Europeu e do Conselho que institui um procedimento comum de proteção internacional na União Europeia e que revoga a Diretiva 2013/32/UE [COM (2016) 467 final].

 Apreciação do Tribunal de Justiça

32      A título preliminar, há que sublinhar que, contrariamente ao que a Hungria parece sustentar, o simples facto de uma alteração da Diretiva 2013/32 estar prevista pelo legislador da União não é um elemento pertinente no âmbito do exame desta acusação, a qual deve ser apreciada à luz da legislação da União em vigor no termo do prazo mencionado no parecer fundamentado dirigido a esse Estado‑Membro (v., neste sentido, Acórdão de 24 de maio de 2011, Comissão/Portugal, C‑52/08, EU:C:2011:337, n.o 41 e jurisprudência referida).

33      Feita esta observação preliminar, há que salientar que, ao abrigo do artigo 33.o, n.o 1, da Diretiva 2013/32, além dos casos em que o pedido não é apreciado em conformidade com o Regulamento n.o 604/2013, os Estados‑Membros não são obrigados a analisar se o requerente preenche as condições para beneficiar de proteção internacional, em conformidade com a Diretiva 2011/95, quando o pedido for considerado inadmissível nos termos desta disposição. A este respeito, o artigo 33.o, n.o 2, da Diretiva 2013/32 enumera taxativamente as situações em que os Estados‑Membros podem considerar inadmissível um pedido de proteção internacional (Acórdão de 14 de maio de 2020, Országos Idegenrendészeti Főigazgatóság Dél‑alföldi Regionális Igazgatóság, C‑924/19 PPU e C‑925/19 PPU, EU:C:2020:367, n.o 149 e jurisprudência referida).

34      Ora, como o Tribunal de Justiça declarou, o artigo 51.o, n.o 2, alínea f), da Lei relativa ao Direito de Asilo não corresponde a nenhum dos fundamentos de inadmissibilidade previstos no artigo 33.o, n.o 2, alíneas a), b), d) e e), da Diretiva 2013/32 (v., a este respeito, Acórdão de 14 de maio de 2020, Országos Idegenrendészeti Főigazgatóság Dél‑alföldi Regionális Igazgatóság, C‑924/19 PPU e C‑925/19 PPU, EU:C:2020:367, n.os 151 e 161 a 164).

35      Quanto ao artigo 33.o, n.o 2, alínea c), desta diretiva, importa recordar que, segundo esta disposição, os Estados‑Membros podem considerar inadmissível um pedido de proteção internacional quando um país, que não seja um Estado‑Membro, for considerado país terceiro seguro para o requerente, nos termos do artigo 38.o da Diretiva 2013/32.

36      Como o Tribunal de Justiça declarou, resulta do artigo 38.o desta diretiva que a aplicação do conceito de «país terceiro seguro» está sujeita à observância das condições cumulativas previstas nos seus n.os 1 a 4 (Acórdão de 14 de maio de 2020, Országos Idegenrendészeti Főigazgatóság Dél‑alföldi Regionális Igazgatóság, C‑924/19 PPU e C‑925/19 PPU, EU:C:2020:367, n.o 153 e jurisprudência referida). Assim, em conformidade com o artigo 38.o, n.o 2, alínea a), da referida diretiva, deve existir uma ligação entre o requerente de proteção internacional e o país terceiro em causa que permita, em princípio, que essa pessoa se dirija para esse país.

37      No caso em apreço, a ligação que o artigo 51.o, n.o 2, alínea f), da Lei relativa ao Direito de Asilo estabelece entre o referido requerente e o país terceiro em causa decorre do simples trânsito do requerente pelo território desse país.

38      Ora, basta salientar que, como o Tribunal de Justiça declarou, a circunstância de um requerente de proteção internacional ter transitado pelo território de um país terceiro não constitui, por si só, uma razão válida para considerar que o referido requerente poderia razoavelmente regressar a esse país [Acórdão de 19 de março de 2020, Bevándorlási és Menekültügyi Hivatal (Tompa), C‑564/18, EU:C:2020:218, n.o 47].

39      Por outro lado, a obrigação imposta pelo artigo 38.o, n.o 2, da Diretiva 2013/32 aos Estados‑Membros, para efeitos da aplicação do conceito de «país terceiro seguro», de fixarem regras que prevejam a metodologia aplicável para apreciar, casuisticamente, se o país terceiro em causa preenche os requisitos para ser considerado seguro para o requerente, bem como a possibilidade de o referido requerente contestar a existência de uma ligação com esse país terceiro, não se justificaria se o mero trânsito do requerente de proteção internacional pelo país terceiro em causa constituísse uma ligação suficiente ou significativa para esses efeitos (Acórdão de 14 de maio de 2020, Országos Idegenrendészeti Főigazgatóság Dél‑alföldi Regionális Igazgatóság, C‑924/19 PPU e C‑925/19 PPU, EU:C:2020:367, n.o 158 e jurisprudência referida).

40      Decorre das considerações precedentes que o simples trânsito do requerente de proteção internacional pelo país terceiro em causa não pode constituir uma «ligação» com esse país terceiro, na aceção do artigo 38.o, n.o 2, alínea a), da Diretiva 2013/32 (v., neste sentido, Acórdão de 14 de maio de 2020, Országos Idegenrendészeti Főigazgatóság Dél‑alföldi Regionális Igazgatóság, C‑924/19 PPU e C‑925/19 PPU, EU:C:2020:367, n.o 159 e jurisprudência referida).

41      Por conseguinte, o artigo 51.o, n.o 2, alínea f), da Lei relativa ao Direito de Asilo não pode constituir uma aplicação do fundamento de inadmissibilidade relativo ao país terceiro seguro, previsto no artigo 33.o, n.o 2, alínea c), desta diretiva [Acórdão de 19 de março de 2020, Bevándorlási és Menekültügyi Hivatal (Tompa), C‑564/18, EU:C:2020:218, n.o 51], e não pode, por consequência, contrariamente ao que alega a Hungria, constituir uma transposição correta desta disposição.

42      Atendendo a todas as considerações precedentes, há que declarar que a Hungria não cumpriu as obrigações que lhe incumbem por força do artigo 33.o, n.o 2, da Diretiva 2013/32, ao permitir declarar inadmissível um pedido de proteção internacional pelo facto de o requerente ter chegado ao seu território através de um Estado no qual não está exposto a perseguições ou a um risco de ofensas graves, ou no qual é assegurado um grau de proteção adequado.

 Quanto ao artigo 353.oA, n.o 1, alínea a), do Código Penal

 Argumentos das partes

43      A Comissão considera que, ao adotar o artigo 353.o‑A, n.o 1, alínea a), do Código Penal, a Hungria violou o artigo 8.o, n.o 2, o artigo 12.o, n.o 1, alínea c), e o artigo 22.o, n.o 1, da Diretiva 2013/32, bem como o artigo 10.o, n.o 4, da Diretiva 2013/33.

44      A este respeito, a Comissão observa que a formulação dos elementos constitutivos da infração prevista no artigo 353.o‑A, n.o 1, alínea a), do Código Penal é «extensiva» e «imprecisa».

45      Assim, primeiro, embora, segundo a exposição de motivos deste artigo 353.o‑A, a instituição desta infração se justifique pelo risco acrescido de um recurso abusivo ao procedimento de asilo, o âmbito de aplicação da referida infração não se limita, segundo a redação do referido artigo 353.o‑A, a cobrir a apresentação de pedidos deliberadamente abusivos ou o facto de induzir as autoridades em erro.

46      A jurisprudência do Alkotmánybíróság (Tribunal Constitucional, Hungria) relativa ao mesmo artigo 353.o‑A não conseguiu esclarecê‑lo, uma vez que remeteu para o juiz de direito comum a responsabilidade de determinar em que caso a assistência ao requerente de asilo pode ser equiparada a uma ajuda humanitária e, por conseguinte, escapar à criminalização.

47      Por outro lado, a obrigação de provar a intenção caracterizada do autor da infração referida no artigo 353.o‑A do Código Penal também não oferece garantias suficientes às pessoas que prestam assistência aos requerentes de asilo. Com efeito, este artigo baseia‑se na premissa errada de que a pessoa que exerce uma atividade de organização com vista a propor essa ajuda sabe antecipadamente se esses requerentes de asilo preenchem os requisitos exigidos para obter asilo na Hungria, embora não caiba a essa pessoa decidir se estes têm a qualidade de refugiados.

48      Segundo, na linha do artigo 51.o, n.o 2, alínea f), da Lei relativa ao Direito de Asilo, o artigo 353.o‑A, n.o 1, do Código Penal permite punir uma atividade de organização destinada a permitir que uma pessoa, que não sofre perseguições em qualquer país através do qual tenha chegado ou que não tem razão válida para aí recear perseguições diretas, apresente um pedido de asilo.

49      Ora, no âmbito da situação de crise provocada por uma imigração massiva decretada na Hungria a partir de 2015, os pedidos de asilo só podem ser apresentados nas zonas de trânsito de Röszke (Hungria) e de Tompa (Hungria), situadas na fronteira servo‑húngara, que só são acessíveis a partir da Sérvia. Por conseguinte, na grande maioria dos casos, estes pedidos são, por força da legislação húngara, julgados inadmissíveis. Neste contexto, as pessoas que prestam assistência ou informações sobre a apresentação dos pedidos de asilo deveriam inevitavelmente saber que os requerentes que se encontram numa zona de trânsito só podem aí ter chegado através da Sérvia e que não poderão, em princípio, obter o direito de asilo ao abrigo do direito húngaro. Por conseguinte, seria fácil provar o elemento intencional relativamente às pessoas que exercem essas atividades.

50      Terceiro, a circunstância de a prática da infração penal prevista no artigo 353.o‑A, n.o 1, do Código Penal exigir o exercício de uma atividade de organização também não constitui uma garantia suficiente. Com efeito, a definição da atividade de organização é objeto de uma formulação «extensiva» e «imprecisa», que não permite excluir que o simples facto de ajudar uma pessoa a apresentar um pedido de asilo seja punido criminalmente, limitando‑se o artigo 353.o‑A, n.o 5, deste código a dar exemplos, particularmente genéricos, de atividades de organização. O Acórdão do Alkotmánybíróság (Tribunal Constitucional) de 25 de fevereiro de 2019 não ofereceu segurança jurídica a este respeito, uma vez que confia ao juiz de direito comum a tarefa de definir com precisão o que constitui uma atividade de organização.

51      Além disso, resulta da redação do artigo 353.o‑A do Código Penal, por um lado, que uma atividade pode ser qualificada de atividade de organização, na aceção deste artigo, mesmo que não seja desenvolvida com regularidade e se destine a ajudar uma só pessoa e, por outro, que uma pessoa que presta apoio financeiro, ainda que modesto, a uma organização da sociedade civil que fornece documentação sobre as regras da União em matéria de asilo ao cuidado dos requerentes de asilo presentes numa zona de trânsito pode estar sujeita a uma sanção penal.

52      Por conseguinte, não obstante o objetivo da lei, conforme resulta da sua exposição de motivos, a saber, a redução dos pedidos de asilo com caráter abusivo e enganoso, o artigo 353.o‑A do Código Penal dá origem a um risco de exercício da ação penal contra praticamente qualquer pessoa que preste assistência à instauração de um procedimento de asilo na Hungria. A este respeito, a Comissão especificou, na audiência, que qualquer assistência prestada durante o procedimento de asilo pode ser considerada uma assistência à instauração desse procedimento, na medida em que, a partir do momento em que o órgão para judicial ou administrativo de um Estado‑Membro responsável pela apreciação dos pedidos de proteção internacional e competente para proferir uma decisão em primeira instância sobre esses pedidos (a seguir «órgão de decisão») começa a instruir o processo, incumbe ao requerente um número considerável de obrigações para provar o seu direito de obter o estatuto de refugiado.

53      A Comissão salienta igualmente que o artigo 353.o‑A do Código Penal não pode ser considerado a transposição para o direito húngaro da Diretiva 2002/90, uma vez que o âmbito de aplicação deste artigo difere do auxílio à entrada, ao trânsito e à residência irregulares, conforme definido no artigo 1.o desta diretiva.

54      Ao abrigo destes esclarecimentos, em primeiro lugar, a Comissão considera que o artigo 353.o‑A do Código Penal é incompatível com o artigo 8.o, n.o 2, da Diretiva 2013/32.

55      Com efeito, uma vez que praticamente qualquer organização, bem como qualquer voluntário ou consultor jurídico, que exerça uma atividade de organização, na aceção do artigo 353.o‑A do Código Penal, está, na prática, sujeito a processos penais, o acesso efetivo das organizações e pessoas que prestam aconselhamento e orientações aos requerentes de asilo que se apresentam nos postos de passagem nas fronteiras externas, incluindo nas zonas de trânsito, poderia tornar‑se impossível.

56      É certo que o artigo 8.o, n.o 2, última frase, da Diretiva 2013/32 permite à Hungria determinar quem pode entrar nas zonas de trânsito para aí prestar assistência jurídica aos requerentes de asilo. No entanto, só é possível impor esses limites se forem objetivamente necessários à segurança, ordem pública ou gestão administrativa dos postos de passagem e desde que o referido acesso não seja fortemente limitado ou impossibilitado. Ora, no caso em apreço, os requisitos de aplicação das exceções relativas à ordem pública e à segurança pública não estão preenchidos e o artigo 353.o‑A não prevê a verificação de tais requisitos.

57      Em segundo lugar, a Comissão considera que a Hungria não cumpriu as obrigações que lhe incumbem por força do artigo 12.o, n.o 1, alínea c), da Diretiva 2013/32. Com efeito, o artigo 353.o‑A do Código Penal pode ser aplicado a qualquer pessoa que exerça uma atividade de organização que preste assistência à abertura de um procedimento de asilo, na aceção deste artigo 12.o, n.o 1, alínea c), nomeadamente ao fornecer informações sobre a assistência jurídica ou sobre as formalidades necessárias para apresentar um pedido.

58      Em terceiro lugar, a Comissão sustenta que este artigo 353.o‑A é igualmente incompatível com o artigo 22.o, n.o 1, da Diretiva 2013/32. Com efeito, se forem instaurados processos penais contra os consultores, designadamente jurídicos, por prestarem os serviços referidos nesta última disposição, estes últimos deixam de poder estar à disposição dos requerentes de asilo, incluindo no caso de indeferimento do pedido de asilo.

59      Em quarto lugar, a Comissão considera que a legislação húngara contestada é igualmente incompatível com o artigo 10.o, n.o 4, da Diretiva 2013/33. As zonas de trânsito devem, com efeito, ser equiparadas a instalações de detenção, na aceção do artigo 2.o, alínea h), da Diretiva 2013/33. Por conseguinte, os requerentes de asilo presentes nas zonas de trânsito estão abrangidos pelo artigo 10.o desta diretiva. Ora, o artigo 353.o‑A do Código Penal esvazia de conteúdo o direito previsto neste artigo 10.o, n.o 4.

60      A Hungria alega, em primeiro lugar, que, tendo em conta a expressão «com vista a», o artigo 353.o‑A, n.o 1, do Código Penal só pode ser entendido no sentido de que institui uma infração intencional. Por conseguinte, uma pessoa só pode ser punida com base no artigo 353.o‑A do Código Penal no caso de as autoridades poderem provar, além de qualquer dúvida razoável, que atuou sabendo que o indivíduo no interesse do qual exerceu a atividade de organização não estava exposto a perseguições ou que os seus receios a este respeito não tinham fundamento, e que quis que, graças a essa atividade, esse indivíduo pudesse dar início a um procedimento de asilo ou obter um título de residência.

61      No seu Acórdão de 25 de fevereiro de 2019, o Alkotmánybíróság (Tribunal Constitucional) confirmou esta interpretação, sublinhando que a atividade de organização desinteressada através da qual é cumprido o dever de assistência às pessoas carenciadas e necessitadas não pode estar abrangida pelo âmbito de aplicação do artigo 353.o‑A do Código Penal. A interpretação assim adotada pelo Alkotmánybíróság (Tribunal Constitucional) vincula o juiz de direito comum.

62      De resto, resulta claramente da exposição de motivos do artigo 353.o‑A do Código Penal que este tem por objetivo reprimir a assistência ao recurso abusivo ao procedimento de asilo e a ajuda à imigração baseada no engano, bem como os comportamentos que visam organizar tais atividades. Por conseguinte, para efeitos da ação penal, as autoridades húngaras devem provar que o autor teve por objetivo ajudar as pessoas que pretendiam apresentar um pedido de proteção internacional a contornar a regulamentação, a abusar do regime de asilo ou a subtrair‑se às regras relativas aos títulos de residência. Desta forma, a infração referida no artigo 353.o‑A do Código Penal não pode ser praticada por pessoas e organizações de boa‑fé, que não procuram alcançar objetivos proibidos por lei ou eludir a aplicação do direito.

63      Assim, uma pessoa que presta assistência no momento da apresentação de um pedido de proteção internacional sabendo que, muito provavelmente, o requerente não tem direito ao estatuto de refugiado não pratica a infração prevista no artigo 353.o‑A do Código Penal. A este respeito, importa sublinhar que, contrariamente ao que a Comissão sustenta, o facto de uma pessoa não ter, em princípio, direito ao asilo, por ter transitado através de um país terceiro seguro, não basta para excluir à partida que possa ser considerada uma pessoa com direito a beneficiar do estatuto de refugiado, sendo a causa de inadmissibilidade do seu pedido relativa a esse trânsito ilidível, em conformidade com o artigo 51.o, n.o 12, da Lei relativa ao Direito de Asilo.

64      Em segundo lugar, a Hungria sublinha que o conceito de «organização» é utilizado como elemento constitutivo de outras infrações previstas no Código Penal. O facto de o artigo 353.o‑A, n.o 5, deste código recorrer a uma lista exemplificativa não torna a interpretação jurisprudencial deste conceito difícil, pelo contrário, facilita‑a.

65      Por outro lado, essa atividade de organização não pode ser equiparada ao simples facto de prestar aconselhamento ou informações, uma vez que o conceito de «organização» remete para uma forma de comportamento mais complexa e alargada, que visa realizar um objetivo concertado e direcionado, através de uma coordenação. No seu Acórdão de 25 de fevereiro de 2019, o Alkotmánybíróság (Tribunal Constitucional) declarou, aliás, que o facto de prestar um serviço de representação jurídica não equivale, por si só, a exercer uma atividade de organização, na aceção do artigo 353.o‑A do Código Penal. De resto, o exercício das atividades de aconselhamento jurídico, de informação ou de assistência é expressamente garantido pela legislação húngara em matéria de asilo.

66      Em terceiro lugar, a Hungria alegou, na audiência, que, na medida em que a assistência prestada a um requerente de asilo só é punível se permitir dar início ao procedimento de asilo, qualquer assistência prestada após a apresentação de um pedido de asilo escapa ao âmbito de aplicação dessa criminalização. Ora, apesar de todas as disposições do direito da União cuja violação é alegada pela Comissão apenas visarem os requerentes de proteção internacional, um nacional de um país terceiro ou um apátrida só obtém a qualidade de requerente a partir da apresentação do seu pedido.

67      Em quarto lugar, a Comissão não se baseia em nenhum facto objetivo para demonstrar a existência do efeito dissuasivo que invoca a propósito do artigo 353.o‑A do Código Penal. Ora, cabe à Comissão apresentar ao Tribunal de Justiça os elementos necessários à verificação, por este, da existência do incumprimento que alega, não podendo basear‑se numa qualquer presunção.

68      Em quinto lugar, embora a adoção do artigo 353.o‑A do Código Penal não vise transpor a Diretiva 2002/90 para o direito húngaro, este artigo foi, todavia, adotado em conformidade com os objetivos desta diretiva, a fim de punir comportamentos criminosos ainda desconhecidos no momento em que a referida diretiva foi adotada, mas estreitamente relacionados com os comportamentos referidos no seu artigo 1.o

69      Por último, a Hungria alega que o confinamento nas zonas de trânsito não constitui uma medida de detenção, pelo que o artigo 10.o, n.o 4, da Diretiva 2013/33 não é, em todo o caso, pertinente no âmbito da apreciação da presente ação.

 Apreciação do Tribunal de Justiça

70      A Comissão considera, em substância, que a Hungria restringiu, de maneira injustificada, os direitos garantidos pelo artigo 8.o, n.o 2, pelo artigo 12.o, n.o 1, alínea c), e pelo artigo 22.o, n.o 1, da Diretiva 2013/32, bem como pelo artigo 10.o, n.o 4, da Diretiva 2013/33, ao tipificar como infração penal a atividade de organização destinada a permitir a abertura de um procedimento de asilo por pessoas que, segundo os critérios estabelecidos pelo seu direito nacional, não podem obter o estatuto de refugiado.

71      Daqui resulta que esta acusação deve ser entendida no sentido de que tem por objeto a infração prevista no artigo 353.o‑A, n.o 1, alínea a), do Código Penal, sabendo‑se que os contornos desta infração estão especificados no artigo 353.o‑A, n.os 2, 3 e 5, deste código.

72      Para determinar se a referida acusação é fundada, há que examinar, num primeiro momento, se esta disposição constitui uma restrição aos direitos que decorrem das disposições das Diretivas 2013/32 e 2013/33 mencionadas no n.o 70 do presente acórdão e, se for o caso, num segundo momento, se essa restrição pode ser justificada à luz do direito da União.

 Quanto à existência de uma restrição

73      Para apreciar se o artigo 353.o‑A, n.o 1, alínea a), do Código Penal constitui uma restrição aos direitos consagrados nas disposições das Diretivas 2013/32 e 2013/33 mencionadas no n.o 70 do presente acórdão, há que determinar se as atividades de assistência aos requerentes de proteção internacional visadas nestas disposições de direito da União estão abrangidas pelo seu âmbito de aplicação e, em caso afirmativo, se este artigo 353.o‑A, n.o 1, alínea a), restringe os direitos consagrados nas referidas disposições.

74      Em primeiro lugar, no que respeita à aplicabilidade do referido artigo 353.o‑A, n.o 1, alínea a), a essas atividades de assistência aos requerentes de proteção internacional, importa salientar que a infração prevista nesta disposição assenta em três elementos constitutivos.

75      Assim, primeiro, para que a infração se verifique, resulta da redação desta disposição que o auxílio prestado pelo autor da infração deve destinar‑se a «permitir dar início a um procedimento de asilo na Hungria».

76      Daqui resulta, segundo este Estado‑Membro, que o âmbito de aplicação desta disposição se limita às fases do procedimento de asilo anteriores à apreciação, propriamente dita, do pedido de asilo pelo órgão de decisão, pelo que a referida disposição só pode reprimir o auxílio prestado aos nacionais de países terceiros ou aos apátridas a fim de formularem («présenter») e depois apresentarem («introduire») o pedido de asilo, na aceção do artigo 6.o da Diretiva 2013/32.

77      A Comissão não demonstrou que essa interpretação seja errada. Com efeito, é através de uma leitura manifestamente contrária à redação do artigo 353.o‑A, n.o 1, alínea a), do Código Penal que sustenta que o âmbito de aplicação deste artigo deve ser entendido no sentido de que se estende à assistência prestada durante todo o procedimento de asilo, pelo simples facto de, na apreciação propriamente dita do seu pedido de asilo, o requerente continuar sujeito a um certo número de obrigações que podem necessitar de assistência por parte das pessoas ou organizações referidas nas disposições do direito da União mencionadas no n.o 70 do presente acórdão.

78      Daqui resulta que, à luz dos elementos submetidos ao Tribunal de Justiça, esta disposição deve ser entendida no sentido de que não pode servir de base a uma condenação penal contra uma pessoa que presta assistência a um requerente de asilo, uma vez apresentado o pedido deste último, nos termos do artigo 6.o, n.os 2 a 4, da Diretiva 2013/32.

79      Não obstante, importa salientar, antes de mais, que as atividades referidas no artigo 8.o, n.o 2, e no artigo 22.o, n.o 1, da Diretiva 2013/32, bem como no artigo 10.o, n.o 4, da Diretiva 2013/33, são passíveis de ser exercidas antes da apresentação do pedido de proteção internacional e são, por conseguinte, suscetíveis de ser abrangidas pelo âmbito de aplicação do artigo 353.o‑A, n.o 1, alínea a), do Código Penal.

80      Com efeito, por um lado, contrariamente ao que sustenta a Hungria, o nacional de um país terceiro ou apátrida adquire a qualidade de requerente de proteção internacional, na aceção destas disposições, a partir do momento em que formula tal pedido [Acórdão de 17 de dezembro de 2020, Comissão/Hungria (Acolhimento dos requerentes de proteção internacional), C‑808/18, EU:C:2020:1029, n.o 100 e jurisprudência referida]. Por outro lado, o artigo 8.o, n.o 2, e o artigo 22.o, n.o 1, da Diretiva 2013/32 devem ser interpretados no sentido de que garantem igualmente que possa ser prestada assistência para formular esse pedido. Com efeito, além do facto de a Diretiva 2013/32 visar garantir um acesso efetivo, fácil e rápido ao procedimento de proteção internacional, incluindo desde a fase de formulação do pedido de proteção internacional [v., a este respeito, Acórdão de 17 de dezembro de 2020, Comissão/Hungria (Acolhimento dos requerentes de proteção internacional), C‑808/18, EU:C:2020:1029, n.os 104 a 106], resulta da leitura conjugada dos n.os 1 e 2 do artigo 8.o da Diretiva 2013/32 que a assistência prestada nos postos de passagem da fronteira tem, designadamente, por objetivo facilitar a formulação de pedidos de proteção internacional pelos nacionais de países terceiros ou apátridas que aí se encontrem. Além disso, o artigo 22.o, n.o 1, desta diretiva consagra expressamente o direito de consultar um advogado ou consultor em qualquer fase do procedimento.

81      Em contrapartida, o mesmo não se aplica às atividades referidas no artigo 12.o, n.o 1, alínea c), da Diretiva 2013/32. Com efeito, resulta da própria redação desta disposição que a mesma só se aplica aos procedimentos previstos no capítulo III desta diretiva, ou seja, a partir da fase de apreciação propriamente dita do pedido de asilo. Ora, como decorre, nomeadamente, do artigo 31.o, n.o 3, da referida diretiva, esta fase só começa depois de ter sido apresentado o pedido de proteção internacional e, por conseguinte, da conclusão da fase de acesso ao processo, na aceção do seu artigo 6.o

82      Daqui resulta que, contrariamente ao que a Comissão sustenta, as atividades de assistência aos requerentes de proteção internacional criminalizadas pelo artigo 353.o‑A, n.o 1, alínea a), do Código Penal não estão abrangidas pelo âmbito de aplicação do artigo 12.o, n.o 1, alínea c), da Diretiva 2013/32. A sua criminalização não é, por consequência, suscetível de restringir os direitos garantidos aos requerentes de proteção internacional ao abrigo desta disposição.

83      Segundo, para que a infração prevista neste artigo 353.o‑A, n.o 1, alínea a), se verifique é igualmente necessário que a assistência seja prestada no âmbito de uma «atividade de organização».

84      Embora o conceito de «atividade de organização» não esteja definido no artigo 353.o‑A do Código Penal, uma vez que o n.o 5 deste artigo apenas estabelece uma lista exemplificativa dessas atividades, resulta da própria redação dos n.os 2 e 3 do referido artigo que a assistência prestada com vista a formular ou apresentar um pedido de asilo pode ser considerada uma «atividade de organização», na aceção do artigo 353.o‑A, n.o 1, alínea a), do Código Penal, mesmo quando seja prestada apenas a uma pessoa, de maneira ocasional e independentemente de qualquer pretensão de lucro.

85      Todavia, a Hungria alega que, para que possa ser considerada uma «atividade de organização», na aceção desta última disposição, a assistência prestada à pessoa que pretende obter asilo no seu território deve inserir‑se no âmbito de uma certa coordenação destinada a um objetivo concertado e direcionado.

86      Em todo o caso, este elemento não é suscetível de impedir a criminalização de determinadas atividades abrangidas pelo âmbito de aplicação do artigo 8.o, n.o 2, do artigo 22.o, n.o 1, da Diretiva 2013/32, bem como do artigo 10.o, n.o 4, da Diretiva 2013/33, com base no artigo 353.o‑A, n.o 1, alínea a), do Código Penal.

87      Com efeito, por um lado, o artigo 8.o, n.o 2, da Diretiva 2013/32 e o artigo 10.o, n.o 4, da Diretiva 2013/33 garantem, designadamente, a certas organizações o direito de acesso aos requerentes de proteção internacional que se apresentem nas fronteiras externas dos Estados‑Membros ou que estejam detidos no seu território. Ora, como salientou o advogado‑geral, em substância, no n.o 39 das suas conclusões, a atividade dessas organizações é, por natureza, objeto de uma certa coordenação com vista à realização de um objetivo concertado e direcionado. Por conseguinte, a assistência prestada a esses requerentes de asilo pelos membros das referidas organizações deve ser considerada uma «atividade de organização», na aceção desse artigo 353.o‑A, n.o 1, alínea a).

88      Por outro lado, mesmo que as organizações que prestam assistência aos requerentes de proteção internacional não sejam expressamente referidas no artigo 22.o, n.o 1, da Diretiva 2013/32, nem por isso se pode excluir que as consultas, incluindo jurídicas, a que o requerente de proteção internacional pode recorrer a expensas suas, ao abrigo desta disposição, sejam realizadas no âmbito de uma «atividade de organização», na aceção dada pela Hungria.

89      Com efeito, embora essas consultas tenham lugar em benefício de uma determinada pessoa, é perfeitamente possível que ocorram no âmbito, mais genérico, de uma atividade coordenada e concertada destinada a prestar assistência aos requerentes de proteção internacional.

90      Também não resulta do Acórdão do Alkotmánybíróság (Tribunal Constitucional) de 25 de fevereiro de 2019, invocado pela Hungria em apoio da sua defesa, que as consultas jurídicas, incluindo as prestadas por um advogado, estejam, em qualquer caso, excluídas do âmbito de aplicação do artigo 353.o‑A, n.o 1, alínea a), do Código Penal. Com efeito, embora seja verdade que, nesse acórdão, este órgão jurisdicional sublinhou que a assistência jurídica não constitui, enquanto tal, uma atividade de organização suscetível de ser punida com base nesta disposição, não é menos verdade que não excluiu que, quando os requisitos previstos na referida disposição estiverem preenchidos, essa assistência possa ser abrangida pelo seu âmbito de aplicação. Por outro lado, o referido órgão jurisdicional especificou que, por força da legislação húngara, o exercício da atividade de advogado não pode ter como objetivo contornar a lei.

91      Terceiro, a infração prevista neste artigo 353.o‑A, n.o 1, alínea a), pressupõe um elemento intencional. Com efeito, como a Hungria referiu, para que esta infração se verifique é necessário que as autoridades húngaras provem, além de qualquer dúvida razoável, que o seu autor estava ciente de que a pessoa à qual prestou assistência não podia obter asilo nos termos do direito húngaro.

92      Contudo, nem o artigo 8.o, n.o 2, da Diretiva 2013/32, nem o artigo 22.o, n.o 1, desta diretiva, nem o artigo 10.o, n.o 4, da Diretiva 2013/33 excluem dos respetivos âmbitos de aplicação a assistência prestada a um requerente de proteção internacional, mesmo que a pessoa que preste tal assistência esteja ciente de que o pedido está, em todo o caso, votado ao fracasso.

93      Resulta das considerações precedentes que, pelo menos, certas atividades de assistência aos requerentes de proteção internacional visadas no artigo 8.o, n.o 2, e no artigo 22.o, n.o 1, da Diretiva 2013/32, bem como no artigo 10.o, n.o 4, da Diretiva 2013/33, estão abrangidas pelo âmbito de aplicação do artigo 353.o‑A, n.o 1, alínea a), do Código Penal.

94      Em segundo lugar, há que examinar se este artigo 353.o‑A, n.o 1, alínea a), restringe os direitos consagrados nas disposições do direito da União mencionadas no n.o 93 do presente acórdão.

95      No que diz respeito, por um lado, aos direitos decorrentes do artigo 8.o, n.o 2, da Diretiva 2013/32 e do artigo 10.o, n.o 4, da Diretiva 2013/33, embora seja verdade que esse artigo 353.o‑A, n.o 1, alínea a), e n.os 2 e 3, não proíbe formalmente as pessoas ou organizações que prestam assistência aos requerentes de proteção internacional de acederem aos nacionais de países terceiros ou aos apátridas que pretendem obter asilo na Hungria, que se apresentam nas fronteiras externas deste Estado‑Membro ou estão detidos no seu território, ou de comunicarem com estes, não é menos verdade que, ao punir criminalmente um determinado tipo de assistência prestada nesta ocasião, esta disposição restringe os direitos de acesso a esses requerentes e de comunicação com os mesmos, direitos expressamente reconhecidos neste artigo 8.o, n.o 2, e neste artigo 10.o, n.o 4.

96      Por outro lado, no que se refere ao artigo 22.o, n.o 1, da Diretiva 2013/32, embora o risco de sanção penal não recaia sobre o próprio requerente de asilo, o artigo 353.o‑A, n.o 1, alínea a), do Código Penal, lido em conjugação com o seu artigo 353.o‑A, n.os 2 e 3, restringe igualmente a efetividade do direito, que é garantido a esse requerente por este artigo 22.o, n.o 1, de poder consultar, a expensas suas, um advogado ou outro consultor, na medida em que esta disposição penal é suscetível de dissuadir esses prestadores de serviços de lhe prestarem assistência. Além disso, essa criminalização restringe igualmente o direito de responder às solicitações dos requerentes de asilo que este artigo 22.o, n.o 1, confere indiretamente a esses prestadores de serviços.

97      Além disso, importa sublinhar que, como a Hungria reconheceu na audiência, a criminalização de certas atividades de assistência aos requerentes de proteção internacional que resulta do artigo 353.o‑A, n.o 1, alínea a), do Código Penal é acompanhada de uma pena de colocação em confinamento, que constitui uma medida privativa de liberdade. Por outro lado, em conformidade com o artigo 353.o‑A, n.o 2, deste código, quando essa infração é praticada com regularidade, o seu autor fica sujeito a uma pena de prisão de um ano. O mesmo acontece quando a referida infração é praticada nas circunstâncias descritas no artigo 353.o‑A, n.o 3, do referido código.

98      A instituição dessas sanções penais tem incontestavelmente um efeito dissuasivo muito significativo, que pode levar as pessoas que pretendam prestar assistência aos nacionais de países terceiros ou apátridas que tencionam obter o estatuto de refugiado na Hungria a não participarem nas atividades de assistência que são objeto das disposições do direito da União mencionadas no n.o 93 do presente acórdão.

99      Tendo em conta estes elementos, o artigo 353.o‑A, n.o 1, alínea a), do Código Penal, lido em conjugação com o seu artigo 353.o‑A, n.os 2 e 3, deve ser considerado uma restrição aos direitos consagrados nestas disposições, as quais, de resto, contribuem para concretizar o direito consagrado no artigo 18.o da Carta dos Direitos Fundamentais da União Europeia (a seguir «Carta»).

100    Importa acrescentar que nenhum dos argumentos invocados pela Hungria é suscetível de pôr em causa esta constatação.

101    Assim, primeiro, mesmo admitindo que, como sustenta este Estado‑Membro, os direitos garantidos pelas disposições das Diretivas 2013/32 e 2013/33 mencionadas no n.o 93 do presente acórdão estejam expressamente consagrados noutras disposições do direito húngaro, não é menos verdade que o artigo 353.o‑A, n.o 1, alínea a), do Código Penal deve ser considerado uma legislação específica em relação a essas disposições nacionais, limitando o alcance destas, e não o contrário.

102    Segundo, quanto à reserva de interpretação formulada pelo Alkotmánybíróság (Tribunal Constitucional) no seu Acórdão de 25 de fevereiro de 2019, há que observar que, nos termos da mesma, este artigo 353.o‑A, n.o 1, alínea a), não pode punir os comportamentos altruístas que cumprem o imperativo de ajudar as pessoas carenciadas e necessitadas, e que não resultam de intenções proibidas por esta disposição.

103    Ora, por um lado, importa salientar que esta reserva de interpretação se limita às atividades desinteressadas e, por conseguinte, não visa a pessoa que presta assistência aos requerentes de asilo mediante remuneração, apesar de o artigo 22.o, n.o 1, da Diretiva 2013/32 só garantir o direito de o requerente consultar um advogado ou outro consultor a expensas suas.

104    Por outro lado, decorre da referida reserva de interpretação que a assistência prestada, a título gratuito, aos requerentes de asilo só escapa ao âmbito de aplicação do artigo 353.o‑A, n.o 1, alínea a), do Código Penal se faltar o elemento intencional dessa infração. Por conseguinte, parece ser de excluir que, com fundamento na mesma reserva de interpretação, a pessoa que, no âmbito de uma atividade de organização, preste assistência para formular ou apresentar um pedido de asilo, quando se possa provar, além de qualquer dúvida razoável, que estava ciente de que esse pedido não podia ser deferido nos termos do direito húngaro, esteja isenta de responsabilidade penal.

105    Terceiro, contrariamente ao que a Hungria sustenta nas suas observações escritas, a Comissão não estava obrigada a fornecer, para provar a existência de uma restrição aos direitos consagrados nas disposições do direito da União mencionadas no n.o 93 do presente acórdão, elementos de prova que demonstrassem que o efeito dissuasivo do artigo 353.o‑A, n.o 1, alínea a), do Código Penal se traduziu concretamente numa diminuição do acesso aos requerentes de asilo ou numa redução das consultas efetivamente prestadas em benefício desses requerentes.

106    Com efeito, embora incumba à Comissão provar a existência dos incumprimentos que alega, sem que se possa basear numa qualquer presunção, a existência de um incumprimento pode ser provada, todavia, no caso de este ter origem na adoção de uma medida legislativa ou regulamentar cuja existência e aplicação não sejam contestadas, através de uma análise jurídica das disposições dessa medida [v., neste sentido, Acórdão de 18 de junho de 2020, Comissão/Hungria (Transparência associativa), C‑78/18, EU:C:2020:476, n.os 36, 37 e jurisprudência referida].

107    Ora, no caso em apreço, o incumprimento que a Comissão imputa à Hungria tem origem na adoção do artigo 353.o‑A do Código Penal, cuja existência e aplicação não são contestadas por este Estado‑Membro e cujas disposições foram objeto de uma análise jurídica na petição inicial. A este respeito, há que sublinhar, mais especificamente, que a Hungria admitiu, na audiência, que foram instaurados processos penais com base no artigo 353.o‑A, n.o 1, alínea a), do Código Penal.

108    Por último, importa salientar, em todo o caso, que, mesmo admitindo, como afirma a Hungria, que esta disposição ainda não serviu de fundamento a uma condenação penal, tal circunstância não constitui um elemento determinante para apreciar se gera um efeito dissuasivo que restringe os direitos garantidos pelas disposições do direito da União mencionadas no n.o 93 do presente acórdão. Com efeito, além do facto de não se poder excluir que seja esse o caso no futuro, é próprio do efeito dissuasivo associado às infrações penais desencorajar quem desenvolve a atividade considerada ilícita e assim se expõe às sanções que a acompanham.

 Quanto à existência de uma justificação

109    Na medida em que o artigo 353.o‑A, n.o 1, alínea a), do Código Penal, lido em conjugação, sendo caso disso, com o artigo 353.o‑A, n.os 2 e 3, deste código, constitui uma restrição aos direitos garantidos pelo artigo 8.o, n.o 2, e pelo artigo 22.o, n.o 1, da Diretiva 2013/32, bem como pelo artigo 10.o, n.o 4, da Diretiva 2013/33, cabe ao Tribunal de Justiça examinar se essa restrição é justificada à luz do direito da União.

110    A este respeito, resulta das observações da Hungria que o artigo 353.o‑A, n.o 1, alínea a), do Código Penal foi adotado para reprimir tanto a assistência prestada no recurso abusivo ao procedimento de asilo como a assistência à imigração ilegal baseada no engano. Por conseguinte, há que determinar se a alegada prossecução desses objetivos é suscetível de justificar a restrição aos direitos referidos no número anterior.

–       Quanto ao combate à assistência prestada no recurso abusivo ao procedimento de asilo

111    Em conformidade com jurisprudência constante do Tribunal de Justiça, os litigantes não podem invocar de forma fraudulenta ou abusiva as normas do direito da União. Daqui resulta que um Estado‑Membro deve recusar o benefício das disposições do direito da União quando estas são invocadas não para realizar os objetivos dessas disposições, mas com o objetivo de beneficiar de uma vantagem do direito da União quando os requisitos para beneficiar dessa vantagem estão apenas formalmente preenchidos (Acórdão de 26 de fevereiro de 2019, T Danmark e Y Denmark, C‑116/16 e C‑117/16, EU:C:2019:135, n.os 70 a 72 e jurisprudência referida).

112    Por conseguinte, o artigo 8.o, n.o 2, da Diretiva 2013/32 e o artigo 10.o, n.o 4, da Diretiva 2013/33 não podem ser interpretados no sentido de que impedem os Estados‑Membros de punirem as pessoas ou organizações que mencionam quando estas últimas adotam comportamentos que constituem uma utilização do direito de acesso aos requerentes de proteção internacional para fins incompatíveis com os objetivos para os quais esse direito de acesso lhes é reconhecido.

113    Do mesmo modo, o artigo 22.o, n.o 1, da Diretiva 2013/32 não pode ser interpretado no sentido de que proíbe os Estados‑Membros de punirem as práticas fraudulentas ou abusivas dos advogados ou outros consultores no âmbito das consultas que prestam em benefício desses requerentes.

114    Por conseguinte, há que determinar se o artigo 353.o‑A, n.o 1, alínea a), do Código Penal, lido em conjugação com o artigo 353.o‑A, n.os 2 e 3, deste código, constitui uma medida adequada para combater as práticas fraudulentas ou abusivas, na aceção da jurisprudência referida no n.o 111 do presente acórdão.

115    A este respeito, importa salientar que a Comissão não contestou que esta disposição penal do direito húngaro permita punir comportamentos que podem legitimamente se subsumir ao combate dos Estados‑Membros às práticas fraudulentas ou abusivas.

116    No entanto, a referida disposição penal do direito húngaro não se limita a reprimir esses comportamentos. Com efeito, a ilicitude da assistência punida com base no artigo 353.o‑A, n.o 1, alínea a), do Código Penal verifica‑se desde que possa ser provado, além de qualquer dúvida razoável, que a pessoa em causa tinha conhecimento de que o indivíduo a quem prestou assistência não podia obter o estatuto de refugiado nos termos do direito húngaro. Por conseguinte, contrariamente ao que a Hungria sustenta, desde que essa prova possa ser feita, qualquer assistência prestada, no âmbito de uma atividade de organização, a fim de facilitar a formulação ou apresentação de um pedido de asilo, mesmo que essa assistência seja prestada no estrito respeito pelas regras processuais previstas a este respeito e sem vontade de induzir materialmente em erro o órgão de decisão, é suscetível de ser punida criminalmente.

117    Deste modo, a Hungria reprime comportamentos que não podem ser considerados práticas fraudulentas ou abusivas, na aceção da jurisprudência referida no n.o 111 do presente acórdão.

118    Assim, em primeiro lugar, importa sublinhar que a Hungria não desmentiu que uma pessoa que ajude a formular ou apresentar um pedido de asilo na Hungria, apesar de saber que esse pedido não pode ser acolhido à luz das regras do direito húngaro, mas que considera que essas regras são contrárias ao direito internacional ou ao direito da União, esteja sujeita a processos penais com base no artigo 353.o‑A, n.o 1, alínea a), do Código Penal.

119    Ora, seria contrário ao objetivo da Diretiva 2013/32, que, como foi sublinhado no n.o 80 do presente acórdão, consiste em garantir um acesso efetivo, fácil e rápido ao procedimento de proteção internacional, privar esses requerentes de uma assistência que lhes permita contestar, numa fase posterior deste procedimento, a regularidade da legislação nacional aplicável à sua situação tendo em conta, designadamente, o direito da União.

120    A este respeito, há que dar especial atenção à situação dos advogados consultados pelos requerentes e cujas atividades podem estar abrangidas, como foi sublinhado nos n.os 88 a 90 do presente acórdão, pelo âmbito de aplicação do artigo 353.o‑A, n.o 1, alínea a), do Código Penal.

121    Com efeito, resulta de jurisprudência do Tribunal de Justiça que um advogado deve estar efetivamente em condições de assegurar a sua missão de aconselhamento, defesa e representação do seu cliente de maneira adequada, sob pena de este último se ver privado dos direitos conferidos pelo artigo 47.o da Carta [v., neste sentido, Acórdão de 15 de julho de 2021, Comissão/Polónia (Regime disciplinar dos juízes), C‑791/19, EU:C:2021:596, n.o 206 e jurisprudência referida].

122    Ora, o artigo 353.o‑A, n.o 1, alínea a), do Código Penal é suscetível de impedir os advogados de assegurarem a defesa efetiva dos interesses dos requerentes que os consultam, dissuadindo‑os de aconselharem estes últimos a formularem ou apresentarem um pedido de asilo na Hungria, a fim de poderem impugnar posteriormente as disposições nacionais pertinentes que lhes parecem contrárias ao direito da União.

123    É certo que a Hungria alega que a pessoa constituída arguida com base neste artigo 353.o‑A, n.o 1, alínea a), pode, sendo caso disso, invocar, perante o órgão jurisdicional competente para decidir do processo penal instaurado contra si, a incompatibilidade dessas disposições nacionais com o direito da União, para que este órgão jurisdicional a absolva das acusações que lhe são imputadas.

124    Não é menos verdade que seria contrário ao artigo 47.o da Carta que, para poder aceder a um tribunal competente para assegurar o respeito pelos direitos que o direito da União lhe garante, uma pessoa se veja obrigada a violar uma norma ou uma obrigação jurídica e a estar sujeita à sanção associada a essa infração [v., neste sentido, Acórdão de 6 de outubro de 2020, État luxembourgeois (Direito à ação contra um pedido de informação em matéria fiscal), C‑245/19 e C‑246/19, EU:C:2020:795, n.o 66 e jurisprudência referida].

125    Em segundo lugar, como a Hungria confirmou na audiência, resulta da própria redação do artigo 353.o‑A, n.o 1, alínea a), do Código Penal que esta disposição pune o comportamento de quem, com pleno conhecimento de causa e no âmbito de uma atividade de organização, ajude uma pessoa a formular ou apresentar um pedido de asilo na Hungria, quando esta pessoa não sofreu perseguições e não está exposta a um risco de perseguição em, pelo menos, um Estado através do qual transitou antes de chegar à Hungria.

126    Ora, como indicado no n.o 42 do presente acórdão, a Diretiva 2013/32 opõe‑se a que um pedido de asilo seja julgado inadmissível por esse motivo. Por conseguinte, como salientou o advogado‑geral, em substância, no n.o 35 das suas conclusões, é manifesto que, na medida em que criminaliza a prestação de uma assistência como a descrita no número anterior, o artigo 353.o‑A, n.o 1, alínea a), do Código Penal pune um comportamento que, enquanto tal, não pode, em caso algum, ser equiparado a uma prática fraudulenta ou abusiva e viola, assim, os direitos garantidos pelas disposições do direito da União mencionadas no n.o 93 do presente acórdão.

127    Em terceiro lugar, há que salientar que, primeiro, embora a prática da infração prevista neste artigo 353.o‑A, n.o 1, alínea a), exija, como foi sublinhado no n.o 91 do presente acórdão, que se possa provar, além de qualquer dúvida razoável, que o seu autor estava ciente de que o pedido de asilo estava votado ao fracasso, tal exigência não permite, no entanto, excluir, tendo em conta os elementos de que o Tribunal de Justiça dispõe, que uma condenação penal, com base nesta disposição, possa ser proferida, desde que seja concretamente demonstrado que o arguido não podia ignorar que o nacional de um país terceiro ou apátrida a quem prestou assistência não cumpria os requisitos previstos no direito húngaro para beneficiar do direito de asilo.

128    Segundo, na medida em que não exclui que uma pessoa seja punida criminalmente pelo simples motivo de poder ser provado, além de qualquer dúvida razoável, que não podia ignorar que o requerente que ajudou não preenchia os requisitos para obter o asilo, nos termos do direito húngaro, o artigo 353.o‑A, n.o 1, alínea a), do Código Penal tem por consequência que a pessoa que pretenda prestar tal ajuda não se pode limitar a prestar uma assistência meramente formal ao requerente, no âmbito da formulação ou apresentação do seu pedido, mas deve, pelo contrário, examinar, logo nessa fase, se esse pedido é suscetível de ser acolhido ao abrigo do direito húngaro.

129    Ora, por um lado, como a Comissão observa, em substância, não se pode esperar que as pessoas que prestam assistência aos requerentes de asilo, seja qual for o título ao abrigo do qual intervenham, efetuem esse controlo antes de poderem ajudar um nacional de um país terceiro ou apátrida a formular ou apresentar o seu pedido de asilo.

130    De resto, os requerentes de asilo podem ter dificuldades em invocar, na fase da formulação ou apresentação do pedido, os elementos pertinentes que lhes poderiam permitir comprovar que podem beneficiar do estatuto de refugiado.

131    Por outro lado, o risco de a pessoa em causa ser sujeita a uma sanção penal, pelo simples facto de não poder ignorar que o pedido de asilo estava votado ao fracasso, torna incerta a legalidade de qualquer ajuda destinada a permitir a realização dessas duas fases essenciais do procedimento de concessão de asilo, que são a formulação e a apresentação desse pedido. Tanto mais que o artigo 353.o‑A, n.o 1, alínea a), do Código Penal pune essa infração com uma pena particularmente severa, uma vez que configura uma medida privativa de liberdade.

132    Daqui resulta que esta disposição é suscetível de dissuadir fortemente a pessoa que pretenda prestar qualquer assistência destinada a formular ou apresentar um pedido de asilo, seja qual for o título ao abrigo do qual essa pessoa intervenha, apesar de essa assistência se destinar apenas a permitir ao nacional de um país terceiro ou ao apátrida exercer o seu direito fundamental de requerer asilo num Estado‑Membro, conforme garantido no artigo 18.o da Carta e concretizado no artigo 6.o da Diretiva 2013/32.

133    Decorre dos n.os 116 a 132 do presente acórdão que o artigo 353.o‑A, n.o 1, alínea a), do Código Penal, lido em conjugação com os n.os 2 e 3 deste artigo, vai além do que pode ser considerado necessário para alcançar o objetivo de combater as práticas fraudulentas ou abusivas.

–       Quanto ao combate à imigração ilegal baseada no engano

134    Quanto ao objetivo de combater a imigração ilegal baseada no engano, e sem que seja necessário examinar se este objetivo permite justificar restrições a todos os direitos consagrados nas disposições do direito da União mencionadas no n.o 93 do presente acórdão, basta sublinhar que, em todo o caso, o artigo 353.o‑A, n.o 1, alínea a), do Código Penal não é uma medida adequada a prosseguir tal objetivo.

135    Com efeito, em primeiro lugar, o artigo 353.o‑A, n.o 1, alínea a), do Código Penal não tem por objeto punir a pessoa que preste uma assistência material ou financeira destinada a facilitar a entrada ou residência irregulares no território húngaro, sendo este comportamento, aliás, punido por outras disposições deste código, como a Hungria reconhece nas suas observações escritas.

136    Em segundo lugar, importa recordar que, por um lado, o nacional de um país terceiro ou apátrida tem o direito de formular um pedido de proteção internacional no território de um Estado‑Membro, incluindo nas suas fronteiras ou nas suas zonas de trânsito, mesmo que se encontre em situação irregular nesse território [v., neste sentido, Acórdão de 25 de junho de 2020, Ministerio Fiscal (Autoridade suscetível de receber um pedido de proteção internacional), C‑36/20 PPU, EU:C:2020:495, n.o 73, e Acórdão de 17 de dezembro de 2020, Comissão/Hungria (Acolhimento dos requerentes de proteção internacional), C‑808/18, EU:C:2020:1029, n.o 96 e jurisprudência referida]. Este direito deve ser‑lhe reconhecido, independentemente das hipóteses de sucesso de tal pedido.

137    Por outro lado, como foi recordado no n.o 80 do presente acórdão, a partir do momento em que esse pedido é formulado, o nacional de um país terceiro ou apátrida adquire a qualidade de requerente de proteção internacional, na aceção da Diretiva 2013/32. Ora, não se pode, em princípio, considerar que esse requerente está em situação irregular no território do Estado‑Membro ao qual formulou o seu pedido, enquanto não for proferida decisão de primeira instância sobre este pedido (v., neste sentido, Acórdãos de 19 de junho de 2018, Gnandi, C‑181/16, EU:C:2018:465, n.o 40, e de 14 de maio de 2020, Országos Idegenrendészeti Főigazgatóság Dél‑alföldi Regionális Igazgatóság, C‑924/19 PPU e C‑925/19 PPU, EU:C:2020:367, n.o 209 e jurisprudência referida).

138    Por conseguinte, a prestação de assistência com vista a formular ou apresentar um pedido de asilo no território de um Estado‑Membro, mesmo quando é um dado adquirido para a pessoa que presta essa assistência que esse pedido não será deferido, não pode ser considerada uma atividade que favorece a entrada ou residência irregulares de um nacional de um país terceiro ou apátrida no território desse Estado‑Membro.

139    O mesmo se aplica caso o requerente de asilo não deva beneficiar do direito de permanecer no território do Estado‑Membro em causa, durante a apreciação do seu pedido em primeira instância, como previsto, a título excecional, no artigo 9.o, n.o 2, da Diretiva 2013/32. Com efeito, não é menos verdade que, na medida em que a ajuda criminalizada no artigo 353.o‑A, n.o 1, alínea a), do Código Penal se limita a permitir ao interessado formular ou apresentar esse pedido e não a permanecer, neste caso, no território desse Estado‑Membro, não pode ser equiparada a uma ajuda à situação irregular.

140    Além disso, contrariamente ao que a Hungria dá a entender nas suas observações escritas, a atividade criminalizada neste artigo 353.o‑A, n.o 1, alínea a), distingue‑se claramente dos comportamentos que os Estados‑Membros são obrigados a punir de maneira adequada por força do artigo 1.o, n.o 1, da Diretiva 2002/90. Com efeito, esses comportamentos consistem, por um lado, no facto de auxiliar intencionalmente um nacional de um país terceiro a entrar ou a transitar através do território de um Estado‑Membro, em infração da legislação aplicável nesse Estado em matéria de entrada ou trânsito de estrangeiros, e, por outro, no facto de, com fins lucrativos, auxiliar intencionalmente essa pessoa a permanecer no território de um Estado‑Membro, em infração da legislação aplicável nesse Estado em matéria de residência de estrangeiros.

141    Ora, não se pode considerar que um nacional de um país terceiro ou um apátrida viola as regras relativas à entrada e permanência no território dos Estados‑Membros pela simples razão de requerer, no território do Estado‑Membro em causa, proteção internacional. Por conseguinte, a pessoa que se limita a ajudar esse nacional de um país terceiro ou apátrida a formular ou apresentar um pedido de asilo às autoridades nacionais competentes, mesmo que saiba que esse pedido está votado ao fracasso, não pode ser comparada a uma pessoa que presta auxílio à entrada, ao trânsito ou à permanência irregulares, como o previsto no artigo 1.o, n.o 1, da Diretiva 2002/90.

142    Esta interpretação é confirmada pelo artigo 6.o da Decisão‑Quadro 2002/946. Com efeito, embora esta última imponha aos Estados‑Membros a aplicação de sanções efetivas que punam a prática das infrações previstas no artigo 1.o da Diretiva 2002/90, o artigo 6.o desta decisão‑quadro prevê expressamente que esta é aplicável sem prejuízo da proteção concedida aos requerentes de asilo, segundo o direito internacional.

143    Deste modo, a restrição que o artigo 353.o‑A, n.o 1, alínea a), do Código Penal, lido em conjugação com os n.os 2 e 3 deste artigo, causa aos direitos consagrados nas disposições do direito da União mencionadas no n.o 93 do presente acórdão não é justificada.

144    Atendendo a todas as considerações precedentes, há que declarar que a Hungria não cumpriu as obrigações que lhe incumbem por força do artigo 8.o, n.o 2, e do artigo 22.o, n.o 1, da Diretiva 2013/32, bem como do artigo 10.o, n.o 4, da Diretiva 2013/33, ao punir criminalmente, no seu direito interno, o comportamento de qualquer pessoa que, no âmbito de uma atividade de organização, presta assistência à formulação ou à apresentação de um pedido de asilo no seu território, quando possa ser provado, além de qualquer dúvida razoável, que essa pessoa estava ciente de que o pedido não podia ser deferido, ao abrigo desse direito.

145    Em contrapartida, a acusação da Comissão deve ser rejeitada na parte relativa ao incumprimento pela Hungria das obrigações que lhe incumbem por força do artigo 12.o, n.o 1, alínea c), da Diretiva 2013/32, em razão da adoção do artigo 353.o‑A, n.o 1, alínea a), do Código Penal.

 Quanto ao artigo 46.oF da Lei da Polícia

 Argumentos das partes

146    A Comissão considera que a Hungria também não cumpriu as obrigações que lhe incumbem por força do artigo 8.o, n.o 2, do artigo 12.o, n.o 1, alínea c), e do artigo 22.o, n.o 1, da Diretiva 2013/32, bem como do artigo 10.o, n.o 4, da Diretiva 2013/33, ao prever que as restrições à liberdade de circulação impostas pelo artigo 46.o‑F da Lei da Polícia são aplicáveis às pessoas suspeitas da prática da infração referida no artigo 353.o‑A, n.o 1, alínea a), do Código Penal ou condenadas a este título.

147    A este respeito, observa, em complemento dos argumentos desenvolvidos a propósito do artigo 353.o‑A do Código Penal, que, mesmo que as organizações e as pessoas mencionadas no artigo 8.o, n.o 2, da Diretiva 2013/32 decidissem continuar a exercer as suas atividades, apesar do risco de serem intentadas ações penais contra elas, devido a esta disposição penal, seria fácil impedi‑las de o fazerem com base no artigo 46.o‑F da Lei da Polícia, que proíbe qualquer pessoa que seja apenas suspeita da violação deste artigo 353.o‑A de se aproximar das fronteiras externas da Hungria. Ora, essa restrição ao direito garantido pelo artigo 8.o, n.o 2, da Diretiva 2013/32 não pode ser justificada com base na segunda frase desta disposição, uma vez que as medidas de polícia previstas nesse artigo 46.o‑F decorrem automaticamente da instauração de um processo penal.

148    Além disso, a Comissão considera que a aplicação do artigo 46.o‑F da Lei da Polícia às pessoas suspeitas da prática da infração prevista no artigo 353.o‑A, n.o 1, alínea a), do Código Penal, ou condenadas com base nesta última disposição, é suscetível de esvaziar de conteúdo os direitos garantidos pelo artigo 12.o, n.o 2, alínea c), e pelo artigo 22.o, n.o 1, da Diretiva 2013/32, bem como pelo artigo 10.o, n.o 4, da Diretiva 2013/33.

149    Em complemento dos argumentos que invoca em apoio da sua defesa relativa ao artigo 353.o‑A do Código Penal, a Hungria responde que é lógico que a pessoa suspeita da prática de uma infração não possa penetrar numa área tão importante como uma zona de trânsito.

150    Além disso, uma vez que, na aceção da A büntetőeljárásról szóló 2017. évi XC. törvény (Lei n.o XC, de 2017, que Aprova o Código de Processo Penal), de 26 de junho de 2017 (Magyar Közlöny 2017/99), na sua versão aplicável ao litígio no processo principal, é necessária uma «suspeita fundamentada» para promover a ação pública, a exclusão dos arguidos que praticaram as infrações referidas no artigo 46.o‑F da Lei da Polícia da zona fronteiriça é compatível com a exceção baseada na manutenção da ordem pública ou da segurança, prevista no artigo 8.o, n.o 2, da Diretiva 2013/32. Mais especificamente, as pessoas suspeitas, no âmbito de uma atividade de organização, de fornecerem aos requerentes de asilo as informações necessárias para enganarem as autoridades húngaras ameaçam a manutenção da segurança e ordem pública ou a gestão administrativa dos postos de passagem da fronteira, pelo que o artigo 46.o‑F constitui uma medida necessária e justificada para a manutenção da ordem nas fronteiras do Estado.

 Apreciação do Tribunal de Justiça

151    A Comissão acusa, em substância, a Hungria de ter violado o artigo 8.o, n.o 2, o artigo 12.o, n.o 1, alínea c), e o artigo 22.o da Diretiva 2013/32, bem como o artigo 10.o, n.o 4, da Diretiva 2013/33, ao prever que o artigo 46.o‑F da Lei da Polícia é aplicável às pessoas constituídas arguidas ou punidas com base no artigo 353.o‑A, n.o 1, alínea a), do Código Penal.

152    Nos termos deste artigo 46.o‑F, os serviços de polícia húngaros são obrigados a impedir que a pessoa sujeita a ação penal, com base, designadamente, no artigo 353.o‑A do Código Penal, se encontre a menos de oito quilómetros das fronteiras externas da Hungria.

153    A título preliminar, há que precisar que, contrariamente ao que a Comissão sustenta, resulta da própria redação do artigo 46.o‑F da Lei da Polícia que este não é aplicável às pessoas que foram condenadas com base nesse artigo 353.o‑A. A este respeito, embora a Hungria não conteste que essa condenação possa implicar uma proibição de entrada numa parte do seu território, há que salientar, todavia, que esta consequência está prevista, não no artigo 46.o‑F da Lei da Polícia, mas noutra disposição do Código Penal, que não é objeto da presente ação.

154    Prestado este esclarecimento preliminar, em primeiro lugar, importa salientar que o artigo 46.o‑F da Lei da Polícia constitui uma restrição aos direitos garantidos pelas disposições do direito da União mencionadas no n.o 151 do presente acórdão.

155    Assim, primeiro, é manifesto que, ao impedir as pessoas suspeitas da prática da infração referida no artigo 353.o‑A, n.o 1, alínea a), do Código Penal de acederem aos requerentes de asilo que se apresentem nas fronteiras externas da Hungria, este artigo 46.o‑F restringe o direito de acesso a esses requerentes de asilo garantido pelo artigo 8.o, n.o 2, da Diretiva 2013/32.

156    Segundo, o artigo 46.o‑F da Lei da Polícia também deve ser considerado uma restrição ao direito de acesso aos requerentes de asilo detidos, conforme consagrado no artigo 10.o, n.o 4, da Diretiva 2013/33.

157    Com efeito, basta sublinhar que, no termo do prazo fixado no parecer fundamentado dirigido à Hungria, as zonas de trânsito de Röszke e de Tompa ainda não tinham sido encerradas. Ora, por um lado, havia um número significativo de requerentes de proteção internacional que estavam obrigados a permanecer nessas zonas de trânsito, situadas na proximidade imediata da fronteira servo‑húngara, durante a apreciação do seu pedido, e, por outro, as referidas zonas deviam ser consideradas instalações de detenção, na aceção da Diretiva 2013/33 [v., neste sentido, Acórdão de 17 de dezembro de 2020, Comissão/Hungria (Acolhimento dos requerentes de proteção internacional), C‑808/18, EU:C:2020:1029, n.os 156 a 166 e jurisprudência referida].

158    Por conseguinte, ao impedir as pessoas suspeitas da prática da infração referida no artigo 353.o‑A, n.o 1, alínea a), do Código Penal de terem acesso à proximidade imediata das fronteiras externas da Hungria, incluindo às zonas de trânsito de Röszke e de Tompa, o artigo 46.o‑F teve, em todo o caso, por efeito restringir o acesso das pessoas e organizações mencionadas no artigo 10.o, n.o 4, da Diretiva 2013/33 a uma parte dos requerentes de proteção internacional, que, no termo do prazo fixado no parecer fundamentado dirigido à Hungria, foram detidos no território deste Estado‑Membro.

159    Terceiro, importa salientar que o direito de o requerente de proteção internacional consultar as pessoas referidas no artigo 22.o, n.o 1, da Diretiva 2013/32 deve ser entendido no sentido de que inclui o direito de acesso a essas pessoas, como comprova o artigo 23.o, n.o 2, desta diretiva.

160    Daqui resulta que o artigo 46.o‑F da Lei da Polícia constitui igualmente uma restrição aos direitos garantidos aos requerentes de asilo pelo artigo 22.o, n.o 1, da Diretiva 2013/32, quando estes se encontrem a menos de oito quilómetros das fronteiras externas deste Estado‑Membro.

161    Quarto, no que se refere ao artigo 12.o, n.o 1, alínea c), da Diretiva 2013/32, no n.o 82 do presente acórdão foi declarado que o artigo 353.o‑A, n.o 1, alínea a), do Código Penal não é suscetível de prejudicar o exercício dos direitos reconhecidos aos requerentes de proteção internacional por essa disposição, sendo esta última apenas aplicável após a apresentação do pedido de proteção internacional.

162    Não obstante, há que salientar que o artigo 46.o‑F da Lei da Polícia visa impedir que a pessoa suspeita da prática da infração prevista no artigo 353.o‑A, n.o 1, alínea a), do Código Penal possa ter acesso aos requerentes de proteção internacional que se encontrem na proximidade das fronteiras húngaras, incluindo após estes terem apresentado o pedido de proteção internacional. Daqui resulta que este artigo 46.o‑F é suscetível de restringir o direito de que esses requerentes dispõem, uma vez apresentado o pedido, de comunicarem com as organizações referidas no artigo 12.o, n.o 1, alínea c), da Diretiva 2013/32, visto que se especifica que este direito pressupõe a faculdade de essas organizações acederem aos referidos requerentes.

163    Em segundo lugar, importa salientar que, na medida em que o artigo 46.o‑F da Lei da Polícia restringe os direitos garantidos pelas disposições do direito da União mencionadas no n.o 151 do presente acórdão, pelo facto de a pessoa em causa ser suspeita da prática da infração prevista no referido artigo 353.o‑A, n.o 1, alínea a), do Código Penal, apesar de esta infração ser contrária ao direito da União, essa restrição não pode ser razoavelmente justificada à luz deste direito.

164    Atendendo a todas as considerações precedentes, há que declarar que a Hungria não cumpriu as obrigações que lhe incumbem por força do artigo 8.o, n.o 2, do artigo 12.o, n.o 1, alínea c), e do artigo 22.o, n.o 1, da Diretiva 2013/32, bem como do artigo 10.o, n.o 4, da Diretiva 2013/33, ao privar a pessoa suspeita de, no âmbito de uma atividade de organização, ter prestado assistência à formulação ou à apresentação de um pedido de asilo no seu território do direito de se aproximar das suas fronteiras externas, quando possa ser provado, além de qualquer dúvida razoável, que essa pessoa estava ciente de que o pedido não podia ser deferido.

 Quanto às despesas

165    Nos termos do artigo 138.o, n.o 1, do Regulamento de Processo do Tribunal de Justiça, a parte vencida é condenada nas despesas se a parte vencedora o tiver requerido. Em conformidade com o artigo 138.o, n.o 3, do Regulamento de Processo, se as partes obtiverem vencimento parcial, cada uma das partes suporta as suas próprias despesas. No entanto, se tal se afigurar justificado tendo em conta as circunstâncias do caso, o Tribunal pode decidir que, além das suas próprias despesas, uma parte suporte uma fração das despesas da outra parte.

166    Tendo a Comissão pedido a condenação da Hungria nas despesas e tendo esta sido vencida no essencial dos seus fundamentos, há que, atendendo às circunstâncias do caso vertente, condenar a Hungria a suportar, além das suas próprias despesas, quatro quintos das despesas da Comissão. Esta última suportará um quinto das suas despesas.

Pelos fundamentos expostos, o Tribunal de Justiça (Grande Secção) decide:

1)      A Hungria não cumpriu as obrigações que lhe incumbem por força:

—        do artigo 33.o, n.o 2, da Diretiva 2013/32/UE do Parlamento Europeu e do Conselho, de 26 de junho de 2013, relativa a procedimentos comuns de concessão e retirada do estatuto de proteção internacional, ao permitir declarar inadmissível um pedido de proteção internacional pelo facto de o requerente ter chegado ao seu território através de um Estado no qual não está exposto a perseguições ou a um risco de ofensas graves, ou no qual é assegurado um grau de proteção adequado;

—        do artigo 8.o, n.o 2, e do artigo 22.o, n.o 1, da Diretiva 2013/32, bem como do artigo 10.o, n.o 4, da Diretiva 2013/33/UE do Parlamento Europeu e do Conselho, de 26 de junho de 2013, que estabelece normas em matéria de acolhimento dos requerentes de proteção internacional, ao punir criminalmente, no seu direito interno, o comportamento de qualquer pessoa que, no âmbito de uma atividade de organização, presta assistência à formulação ou à apresentação de um pedido de asilo no seu território, quando possa ser provado, além de qualquer dúvida razoável, que essa pessoa estava ciente de que o pedido não podia ser deferido, ao abrigo desse direito;

—        do artigo 8.o, n.o 2, do artigo 12.o, n.o 1, alínea c), e do artigo 22.o, n.o 1, da Diretiva 2013/32, bem como do artigo 10.o, n.o 4, da Diretiva 2013/33, ao privar a pessoa suspeita da prática dessa infração do direito de se aproximar das suas fronteiras externas.

2)      A ação é julgada improcedente quanto ao restante.

3)      A Hungria suporta, além das suas próprias despesas, quatro quintos das despesas da Comissão Europeia.

4)      A Comissão Europeia suporta um quinto das suas despesas.

Assinaturas


*      Língua do processo: húngaro.