Language of document : ECLI:EU:C:2024:60

ACÓRDÃO DO TRIBUNAL DE JUSTIÇA (Quarta Secção)

18 de janeiro de 2024 (*)

«Reenvio prejudicial — Procedimentos de recurso em matéria de celebração dos contratos de direito público de fornecimentos e de obras — Diretiva 89/665/CEE — Acesso aos procedimentos de recurso — Artigo 2.o, n.o 3, e artigo 2.o‑A, n.o 2 — Obrigação de os Estados‑Membros preverem um procedimento de recurso com efeito suspensivo — Órgão de recurso de primeira instância — Recurso da decisão de adjudicação de um contrato — Artigo 2.o, n.o 9 — Instância responsável pelos procedimentos de recurso de natureza não jurisdicional — Celebração de um contrato público antes da interposição de um recurso jurisdicional de uma decisão dessa instância — Artigo 47.o da Carta dos Direitos Fundamentais da União Europeia — Proteção jurisdicional efetiva»

No processo C‑303/22,

que tem por objeto um pedido de decisão prejudicial apresentado, nos termos do artigo 267.o TFUE, pelo Krajský soud v Brně (Tribunal Regional de Brno, República Checa), por Decisão de 5 de maio de 2022, que deu entrada no Tribunal de Justiça em 9 de maio de 2022, no processo

CROSS Zlín a.s.

contra

Úřad pro ochranu hospodářské soutěže,

sendo interveniente:

Statutární město Brno,

O TRIBUNAL DE JUSTIÇA (Quarta Secção),

composto por: C. Lycourgos (relator), presidente de secção, O. Spineanu‑Matei, J.‑C. Bonichot, S. Rodin e L. S. Rossi, juízes,

advogado‑geral: M. Campos Sánchez‑Bordona,

secretário: A. Lamote, administradora,

vistos os autos e após a audiência de 25 de maio de 2023,

vistas as observações apresentadas:

–        em representação da CROSS Zlín a.s., por M. Šimka e L. Vaculínová, advokáti,

–        em representação da Úřad pro ochranu hospodářské soutěže, por P. Mlsna e I. Pospíšilíková, na qualidade de agentes,

–        em representação do Governo Checo, por L. Halajová, M. Smolek e J. Vláčil, na qualidade de agentes,

–        em representação do Governo Cipriota, por N. Ioannou, D. Kalli e E. Zachariadou, na qualidade de agentes,

–        em representação da Comissão Europeia, por G. Gattinara, P. Ondrůšek e G. Wils, na qualidade de agentes,

ouvidas as conclusões do advogado‑geral na audiência de 7 de setembro de 2023,

profere o presente

Acórdão

1        O pedido de decisão prejudicial tem por objeto a interpretação do artigo 2.o, n.o 3, e do artigo 2.o‑A, n.o 2, da Diretiva 89/665/CEE do Conselho, de 21 de dezembro de 1989, que coordena as disposições legislativas, regulamentares e administrativas relativas à aplicação dos procedimentos de recurso em matéria de celebração dos contratos de direito público de fornecimentos e de obras (JO 1989, L 395, p. 33), conforme alterada pela Diretiva 2014/23/UE do Parlamento Europeu e do Conselho, de 26 de fevereiro de 2014 (JO 2014, L 94, p. 1) (a seguir «Diretiva 89/665»), bem como do artigo 47.o da Carta dos Direitos Fundamentais da União Europeia (a seguir «Carta»).

2        Este pedido foi apresentado no âmbito de um litígio que opõe a CROSS Zlín a.s. à Úřad pro ochranu hospodářské soutěže (Autoridade para a Proteção da Concorrência, República Checa) (a seguir «Autoridade») a respeito da confirmação, pelo presidente desta última, da negação de provimento ao recurso interposto pela CROSS Zlín da decisão do Statutární město Brno (Município de Brno, República Checa) de excluir esta sociedade de um procedimento de adjudicação de um contrato público relativo à extensão das funções da central de controlo de tráfego (do sistema de semáforos) deste município.

 Quadro jurídico

 Direito da União

3        O quinto considerando da Diretiva 89/665 tem a seguinte redação:

«[…] dada a brevidade dos processos de adjudicação dos contratos de direito público, as instâncias de recurso competentes devem nomeadamente estar habilitadas a tomar medidas provisórias para suspender um processo dessa natureza ou a execução de decisões eventualmente tomadas pela entidade adjudicante; que a brevidade dos processos exige um tratamento urgente das violações acima mencionadas».

4        Os considerandos 3, 4 e 36 da Diretiva 2007/66/CE do Parlamento Europeu e do Conselho, de 11 de dezembro de 2007, que altera as Diretivas 89/665/CEE e 92/13/CEE do Conselho no que diz respeito à melhoria da eficácia do recurso em matéria de adjudicação de contratos públicos (JO 2007, L 335, p. 31), enunciam:

«(3)      A consulta dos interessados diretos, bem como a jurisprudência do Tribunal de Justiça, revelaram algumas deficiências nos mecanismos de recurso existentes nos Estados‑Membros. Devido a tais deficiências, os mecanismos estabelecidos pelas Diretivas 89/665/CEE e 92/13/CEE [do Conselho, de 25 de fevereiro de 1992, relativa à coordenação das disposições legislativas, regulamentares e administrativas respeitantes à aplicação das regras comunitárias em matéria de procedimentos de celebração de contratos de direito público pelas entidades que operam nos setores da água, da energia, dos transportes e das telecomunicações (JO 1992, L 76, p. 14),] nem sempre permitem garantir o respeito do direito comunitário, em especial numa fase em que as violações ainda podem ser corrigidas. Assim, as garantias de transparência e de não discriminação que as referidas diretivas consagram deverão ser reforçadas, a fim de assegurar que a Comunidade no seu conjunto beneficie plenamente dos efeitos positivos da modernização e da simplificação das regras relativas à adjudicação de contratos públicos alcançados pelas Diretivas 2004/18/CE [do Parlamento Europeu e do Conselho, de 31 de março de 2004, relativa à coordenação dos processos de adjudicação dos contratos de empreitada de obras públicas, dos contratos públicos de fornecimento e dos contratos públicos de serviços (JO 2004, L 134, p. 114)] e 2004/17/CE [do Parlamento Europeu e do Conselho, de 31 de março de 2004, relativa à coordenação dos processos de adjudicação de contratos nos setores da água, da energia, dos transportes e dos serviços postais (JO 2004, L 134, p. 1)]. […]

(4)      Entre as deficiências assinaladas figura, em especial, a inexistência de um prazo que permita interpor um recurso eficaz entre o momento da decisão de adjudicação e o da celebração do contrato em causa. Por vezes, essa inexistência conduz a que as entidades adjudicantes, que pretendem tornar irreversíveis as consequências da decisão de adjudicação contestada, procedam rapidamente à assinatura do contrato. A fim de obviar a esta deficiência, que constitui um obstáculo sério a uma tutela jurisdicional efetiva dos proponentes em causa, nomeadamente dos proponentes que ainda não tenham sido definitivamente excluídos, é necessário prever um prazo suspensivo mínimo, durante o qual a celebração do contrato em questão fique suspensa, independentemente do facto de a celebração ocorrer ou não no momento da assinatura do contrato.

[…]

(36)      A presente diretiva respeita os direitos fundamentais e observa os princípios reconhecidos, em especial, na [Carta]. Em especial, a presente diretiva destina‑se a assegurar o respeito pleno do direito a um recurso efetivo e a que a sua causa seja julgada de forma equitativa, em conformidade com os primeiro e segundo parágrafos do artigo 47.o da Carta.»

5        O artigo 1.o da Diretiva 89/665, com a epígrafe «Âmbito de aplicação e acesso ao recurso», dispõe:

«1.      […]

[…]

Os Estados‑Membros adotam as medidas necessárias para assegurar que, no que se refere aos contratos abrangidos pelo âmbito de aplicação da Diretiva 2014/24/UE [do Parlamento Europeu e do Conselho, de 26 de fevereiro de 2014, relativa aos contratos públicos e que revoga a Diretiva 2004/18/CE (JO 2014, L 94, p. 65),] ou da Diretiva [2014/23/UE do Parlamento Europeu e do Conselho, de 26 de fevereiro de 2014, relativa à adjudicação de contratos de concessão (JO 2014, L 94, p. 1)], as decisões das autoridades adjudicantes possam ser objeto de recursos eficazes, e, sobretudo, tão céleres quanto possível, nos termos dos artigos 2.o a 2.o‑F da presente diretiva, com fundamento na violação, por tais decisões, do direito da União em matéria de contratos públicos ou das normas nacionais de transposição desse direito.

[…]

3.      Os Estados‑Membros devem garantir o acesso ao recurso, de acordo com regras detalhadas que os Estados‑Membros podem estabelecer, a qualquer pessoa que tenha ou tenha tido interesse em obter um determinado contrato e que tenha sido, ou possa vir a ser, lesada por uma eventual violação.

[…]

5.      Os Estados‑Membros podem exigir que o interessado solicite previamente à entidade adjudicante a alteração da sua decisão. Nesse caso, os Estados‑Membros devem assegurar que a apresentação de tal pedido implique a suspensão imediata da possibilidade de celebrar o contrato.

[…]

A suspensão referida no primeiro parágrafo não cessa antes do termo de um prazo mínimo de 10 dias consecutivos, a contar do dia seguinte à data em que a entidade adjudicante tenha enviado uma resposta, em caso de utilização de telecópia ou de meios eletrónicos, ou, em caso de utilização de outros meios de comunicação, alternativamente, um prazo mínimo de 15 dias consecutivos, a contar do dia seguinte à data em que a entidade adjudicante tenha enviado uma resposta, ou de 10 dias consecutivos a contar do dia seguinte à data de receção da resposta.»

6        O artigo 2.o da Diretiva 89/665, com a epígrafe «Requisitos do recurso», prevê:

«1.      Os Estados‑Membros asseguram que as medidas tomadas relativamente aos recursos a que se refere o artigo 1.o prevejam poderes para:

a)      Decretar, no mais curto prazo, mediante processo de urgência, medidas provisórias destinadas a corrigir a alegada violação ou a impedir que sejam causados novos danos aos interesses em causa, designadamente medidas destinadas a suspender ou a mandar suspender o procedimento de adjudicação do contrato público em causa ou a execução de quaisquer decisões tomadas pela entidade adjudicante;

b)      Anular ou mandar anular as decisões ilegais, incluindo suprimir as especificações técnicas, económicas ou financeiras discriminatórias que constem do convite à apresentação de propostas, dos cadernos de encargos ou de qualquer outro documento relacionado com o procedimento de adjudicação do contrato em causa;

c)      Conceder indemnizações aos lesados por uma violação.

2.      Os poderes referidos no n.o 1 e nos artigos 2.o‑D e 2.o‑E podem ser atribuídos a instâncias distintas responsáveis por aspetos diferentes do recurso.

3.      Caso seja interposto recurso de uma decisão de adjudicação de um contrato para um órgão que decida em primeira instância, independente da entidade adjudicante, os Estados‑Membros devem assegurar que a entidade adjudicante não possa celebrar o contrato antes de a instância de recurso ter tomado uma decisão, quer sobre o pedido de medidas provisórias, quer sobre o pedido de recurso. A suspensão não pode cessar antes do termo do prazo suspensivo a que se referem o n.o 2 do artigo 2.o‑A e os n.os 4 e 5 do artigo 2.o‑D.

4.      Salvo nos casos previstos no n.o 3 do presente artigo e no n.o 5 do artigo 1.o, o recurso não deve ter necessariamente efeitos suspensivos automáticos relativamente aos processos de adjudicação de contratos a que se refere.

5.      Os Estados‑Membros podem prever que a instância responsável pelo recurso possa ter em conta as consequências prováveis da aplicação das medidas provisórias atendendo a todos os interesses suscetíveis de serem lesados, bem como o interesse público, e decidir não decretar essas medidas caso as consequências negativas das mesmas possam superar as vantagens.

A decisão de recusa de decretamento de medidas provisórias não prejudica os outros direitos reivindicados pelo requerente de tais medidas.

6.      Os Estados‑Membros podem estabelecer que, caso seja pedida indemnização com fundamento no facto de uma decisão ter sido tomada ilegalmente, a decisão contestada deva primeiro ser anulada por uma instância com a competência necessária para esse efeito.

7.      […]

Além disso, exceto se a decisão tiver de ser anulada antes da concessão de indemnização, os Estados‑Membros podem prever que, após a celebração do contrato nos termos do n.o 5 do artigo 1.o, do n.o 3 do presente artigo, ou dos artigos 2.o‑A a 2.o‑F, os poderes da instância responsável pelo recurso se limitem à concessão de indemnização aos lesados por uma violação.

[…]

9.      Caso as instâncias responsáveis pelo recurso não sejam de natureza jurisdicional, as suas decisões devem sempre ser fundamentadas por escrito. Além disso, nesse caso, devem ser aprovadas disposições para garantir que os processos segundo os quais qualquer medida alegadamente ilegal tomada pela instância de recurso ou qualquer alegado incumprimento no exercício dos poderes que lhe tenham sido conferidos possam ser objeto de recurso jurisdicional ou de recurso para outra instância que seja um órgão jurisdicional na aceção do artigo [267.o TFUE] e que seja independente em relação à entidade adjudicante e à instância de recurso.

[…]»

7        Nos termos do artigo 2.o‑A desta diretiva, com a epígrafe «Prazo suspensivo»:

«1.      Os Estados‑Membros devem garantir que as pessoas a que se refere o n.o 3 do artigo 1.o disponham de um prazo suficiente para assegurar o recurso eficaz das decisões de adjudicação de contratos tomadas por entidades adjudicantes, mediante a aprovação das disposições necessárias que respeitem as condições mínimas estabelecidas no n.o 2 do presente artigo e no artigo 2.o‑C.

2.      A celebração de um contrato na sequência da decisão de adjudicação de um contrato abrangido pela Diretiva [2014/24] ou pela Diretiva [2014/23] não pode ter lugar antes do termo de um prazo mínimo de 10 dias consecutivos, a contar do dia seguinte à data em que a decisão de adjudicação do contrato tiver sido enviada aos proponentes e candidatos interessados, em caso de utilização de telecópia ou de meios eletrónicos, ou, em caso de utilização de outros meios de comunicação, antes do termo de um prazo mínimo, alternativamente, de 15 dias consecutivos a contar do dia seguinte à data em que a decisão de adjudicação do contrato tiver sido comunicada aos proponentes e candidatos interessados ou de pelo menos 10 dias consecutivos a contar do dia seguinte à data de receção da decisão de adjudicação do contrato.

Considera‑se que os proponentes estão interessados se ainda não tiverem sido definitivamente excluídos. Uma exclusão é definitiva se tiver sido notificada aos proponentes interessados e se tiver sido considerada legal por uma instância de recurso independente ou já não puder ser objeto de recurso.

[…]

A comunicação da decisão de adjudicação a cada um dos proponentes e candidatos interessados é acompanhada:

–        de uma exposição sintética dos motivos relevantes […], e

–        da indicação exata do prazo suspensivo aplicável nos termos das disposições de direito interno que transpõem o presente número.»

8        O artigo 2.o‑D da Diretiva 89/665, com a epígrafe «Privação de efeitos», prevê:

«1.      Os Estados‑Membros devem assegurar que o contrato seja considerado desprovido de efeitos por uma instância de recurso independente da entidade adjudicante ou que a não produção de efeitos do contrato resulte de uma decisão dessa instância de recurso em qualquer dos seguintes casos:

[…]

b)      Em caso de violação do n.o 5 do artigo 1.o, do n.o 3 do artigo 2.o ou do n.o 2 do artigo 2.o‑A da presente diretiva, se essa violação tiver privado o proponente que interpôs recurso da possibilidade de prosseguir as vias de impugnação pré‑contratuais. Caso tal violação, conjugada com uma violação da Diretiva [2014/24] ou [da] Diretiva [2014/23], tiver afetado as hipóteses do proponente que interpôs recurso de obter o contrato;

[…]

2.      As consequências decorrentes do facto de um contrato ser considerado desprovido de efeitos são estabelecidas pelo direito interno.

O direito interno pode dispor a anulação retroativa de todas as obrigações contratuais ou limitar a anulação às obrigações que ainda devam ser cumpridas. Neste último caso, os Estados‑Membros devem prever a aplicação de outras sanções na aceção do n.o 2 do artigo 2.o‑E.»

 Direito checo

9        Resulta dos §§ 241.o e 242.o da zákon č. 134/2016 Sb., o zadávání veřejných zakázek (Lei n.o 134/2016, relativa à Adjudicação de Contratos Públicos), na sua versão aplicável ao litígio no processo principal (a seguir «Lei n.o 134/2016»), que pode ser apresentada uma reclamação contra o procedimento da entidade adjudicante no prazo de quinze dias a contar da data em que o reclamante tenha tomado conhecimento da violação da lei pela entidade adjudicante.

10      Segundo o § 245.o, n.o 1, desta lei, a entidade adjudicante envia ao reclamante, no prazo de quinze dias a contar da notificação da reclamação, uma decisão sobre esta última, indicando se a defere ou indefere. Esta decisão deve conter uma fundamentação na qual a entidade adjudicante se pronuncie em pormenor e de modo compreensível sobre todos os elementos invocados pelo reclamante na reclamação. Se a entidade adjudicante deferir a reclamação, deve indicar também, na referida decisão, as medidas corretivas que tomará.

11      Nos termos do § 245.o, n.o 4, da referida lei, caso a entidade adjudicante indefira a reclamação, instrui o reclamante, na decisão sobre essa reclamação, sobre a possibilidade de apresentar à Autoridade, no prazo previsto no § 251.o, n.o 2, da mesma lei, um pedido de reapreciação dos atos da entidade adjudicante e sobre a obrigação de notificar à entidade adjudicante uma cópia dessa reclamação, no mesmo prazo.

12      O § 246.o, n.o 1, da Lei n.o 134/2016 prevê que a entidade adjudicante não pode celebrar um contrato com um fornecedor:

«a)      antes do termo do prazo para a apresentação de uma reclamação contra a decisão de excluir um participante do procedimento de concurso público, de selecionar um fornecedor ou contra o ato de notificação voluntária da intenção de celebrar o contrato;

b)      até ser notificada ao recorrente a decisão sobre a reclamação, caso tenha sido apresentada uma reclamação;

c)      antes do termo do prazo para a apresentação de um pedido de reapreciação dos atos da entidade adjudicante, caso esta tenha indeferido a reclamação apresentada;

d)      no prazo de 60 dias a contar da data de início do procedimento de reapreciação dos atos da entidade adjudicante, caso o pedido de reapreciação dos atos tenha sido apresentado dentro do prazo. No entanto, a entidade adjudicante pode celebrar o contrato, mesmo dentro desse prazo, se a Autoridade tiver indeferido esse pedido ou se o procedimento administrativo relativo ao referido pedido tiver sido encerrado, e essa decisão de indeferimento ou de encerramento nesse procedimento administrativo se tiver tornado definitiva.»

13      Nos termos do § 246.o, n.o 2, desta lei, a entidade adjudicante também não pode celebrar um contrato com um fornecedor no prazo de 60 dias a contar da data de início do procedimento de reapreciação dos atos da entidade adjudicante se a Autoridade iniciar esse processo oficiosamente. Todavia, a entidade adjudicante pode celebrar um contrato, mesmo dentro desse prazo, se o procedimento administrativo tiver sido encerrado e essa decisão se tiver tornado definitiva no âmbito desse procedimento administrativo.

14      Em conformidade com § 254.o, n.o 1, da referida lei, pode ser apresentado um pedido de proibição de execução de um contrato público por um proponente que alegue que a entidade adjudicante celebrou o contrato, nomeadamente, sem publicação prévia, não obstante a proibição de o celebrar resultante da mesma lei ou de medidas provisórias, ou por via de atos praticados fora do âmbito do procedimento de adjudicação de um contrato público.

15      O § 257.o, alínea j), da Lei n.o 134/2016 dispõe que a Autoridade encerra o procedimento por despacho, se, durante o procedimento administrativo, a entidade adjudicante tiver celebrado um contrato para a execução do contrato que é objeto da reapreciação.

16      O § 264.o, n.o 1, desta lei prevê que, no âmbito de um procedimento instaurado a pedido por aplicação do § 254.o da referida lei, a Autoridade proíbe a entidade adjudicante de executar o contrato se o contrato público ou o contrato‑quadro tiver sido celebrado do modo previsto neste § 254.o, n.o 1. Presume‑se que um contrato cuja execução a Autoridade tenha proibido é nulo ab initio, sem ser necessário proceder nos termos do n.o 3. Em conformidade com este § 264.o, n.o 2, o contrato para a execução de um contrato público só se torna nulo, por violação da mesma lei, nos casos em que a Autoridade imponha uma proibição de execução do referido contrato por força do mencionado § 264.o, n.o 1.

 Litígio no processo principal e questão prejudicial

17      Em 27 de setembro de 2019, o município de Brno lançou um concurso para a adjudicação de um contrato público relativo à extensão das funções da central de controlo de tráfego (do sistema de semáforos) deste município. O valor estimado desse contrato público era de 13 805 000 coroas checas (CZK), excluindo o imposto sobre o valor acrescentado (IVA) (aproximadamente 560 000 euros).

18      O município de Brno recebeu, enquanto entidade adjudicante, duas propostas, a saber a da CROSS Zlín, com o preço mais baixo, e a da Siemens Mobility, s. r. o. Por aviso de 6 de abril de 2020, esta entidade adjudicante excluiu a CROSS Zlín do concurso por incumprimento das condições do concurso. Em 7 de abril de 2020, o referido contrato foi adjudicado à Siemens Mobility.

19      A Cross Zlín apresentou uma reclamação contra esse aviso de exclusão, que a entidade adjudicante indeferiu por Decisão de 4 de maio de 2020. Em seguida, esta sociedade apresentou um pedido de reapreciação dos atos da entidade adjudicante na Autoridade, destinado à anulação do referido aviso de exclusão, bem como da decisão de adjudicação do contrato em causa à Siemens Mobility.

20      Em 3 de julho de 2020, no âmbito do procedimento administrativo na Autoridade, esta última decretou oficiosamente uma medida provisória que proibia a entidade adjudicante de celebrar o contrato público em causa até ao encerramento definitivo desse procedimento administrativo.

21      Por Decisão de 5 de agosto de 2020, a Autoridade indeferiu o pedido da CROSS Zlín. Esta última apresentou, então, uma reclamação contra essa decisão, que o presidente da Autoridade, enquanto órgão administrativo de segundo grau, indeferiu por Decisão de 9 de novembro de 2020. Em 18 de novembro de 2020, a entidade adjudicante celebrou esse contrato público com a Siemens Mobility.

22      Em 13 de janeiro de 2021, a CROSS Zlín interpôs recurso dessa decisão do presidente da Autoridade no Krajský soud v Brně (Tribunal Regional de Brno, República Checa), que é o órgão jurisdicional de reenvio. Paralelamente a este recurso, a CROSS Zlín solicitou que fosse conferido ao referido recurso um efeito suspensivo relativo à celebração do contrato e que fosse decretada uma medida provisória para proibir a entidade adjudicante de celebrar ou executar o referido contrato público.

23      Em 11 de fevereiro de 2021, este órgão jurisdicional indeferiu o pedido com o fundamento, em substância, de que, quando já foi celebrado um contrato público, não há que impor uma proibição de celebrar esse contrato à entidade adjudicante em causa. Com efeito, no estado atual do direito checo, mesmo no caso de ser dado provimento ao recurso jurisdicional e de a decisão controvertida ser anulada com devolução do processo à Autoridade, esta última arquivaria o processo com base no § 257.o, alínea j), da Lei n.o 134/2016, sem examinar esse processo quanto ao mérito.

24      Do mesmo modo, o referido órgão jurisdicional recusou impor à entidade adjudicante uma proibição de execução do contrato, uma vez que a regulamentação checa não se opunha à celebração de um contrato público depois de a decisão do presidente da Autoridade se ter tornado definitiva no âmbito do procedimento administrativo.

25      Neste contexto, o órgão jurisdicional de reenvio manifesta dúvidas quanto à questão de saber se a Diretiva 89/665 e a exigência de garantir um controlo jurisdicional efetivo que decorre do artigo 47.o da Carta se opõem a uma regulamentação de um Estado‑Membro que permite a uma entidade adjudicante celebrar um contrato público antes do termo do prazo previsto para interpor recurso jurisdicional da decisão do órgão administrativo de segundo grau ou antes de o órgão jurisdicional chamado a pronunciar‑se poder decidir sobre um pedido para decretar uma medida provisória que proíba essa entidade adjudicante de celebrar esse contrato até que a decisão sobre esse recurso se torne definitiva.

26      Resulta da jurisprudência dos órgãos jurisdicionais checos que, se o contrato público for celebrado antes de o órgão jurisdicional chamado a pronunciar‑se decidir sobre esse recurso ou esse pedido, esse órgão jurisdicional já não pode decretar medidas provisórias, uma vez que, nesse caso, já não é necessário resolver provisoriamente a situação das partes.

27      Assim, se o órgão jurisdicional chamado a pronunciar‑se concluir que a Autoridade cometeu um erro na apreciação da legalidade da exclusão do proponente em causa, deve anular por ilegalidade a decisão do presidente da Autoridade, referida no n.o 21 do presente acórdão, e devolver o processo a essa autoridade administrativa. No entanto, se o contrato público em causa tiver sido celebrado antes de esse órgão jurisdicional se pronunciar, a Autoridade, uma vez devolvido o processo, não examinará novamente o mérito do pedido de reapreciação dos atos da entidade adjudicante em conformidade com as conclusões do referido órgão jurisdicional e encerrará o processo com base no § 257.o, alínea j), da Lei n.o 134/2016.

28      Nessa hipótese, o proponente excluído apenas poderia dirigir‑se aos tribunais cíveis no âmbito de um pedido de reparação do prejuízo causado pelo comportamento ilegal da entidade adjudicante, sendo, no entanto, segundo o órgão jurisdicional de reenvio, as condições de obtenção dessa reparação difíceis de cumprir.

29      Este órgão jurisdicional acrescenta que, em conformidade com a regulamentação checa, a Autoridade é uma «instância de recurso», na aceção da Diretiva 89/665. A este respeito, o § 246.o da Lei n.o 134/2016 prevê os prazos durante os quais a entidade adjudicante não pode celebrar um contrato no decurso do processo na Autoridade. Todavia, esta última não pode ser considerada um órgão jurisdicional.

30      Por conseguinte, se, como resulta do Acórdão de 21 de dezembro de 2021, Randstad Italia (C‑497/20, EU:C:2021:1037, n.o 73), se devesse considerar que a instância de recurso independente, em virtude do artigo 2.o, n.o 3, ou do artigo 2.o‑A, n.o 2, da Diretiva 89/665, deve ser um tribunal, na aceção do artigo 47.o da Carta, a regulamentação checa, que permite a celebração de um contrato público imediatamente após a decisão do presidente da Autoridade, viola esta diretiva e não garante um recurso jurisdicional efetivo aos proponentes excluídos de um procedimento de adjudicação de um contrato público.

31      Por último, no caso de o Tribunal de Justiça declarar a insuficiência da transposição da Diretiva 89/665 para a ordem jurídica checa, o órgão jurisdicional de reenvio considera que estaria obrigado, em caso de declaração de ilegalidade da decisão da entidade adjudicante, a impor à Autoridade que não aplicasse as disposições do direito checo que dão origem a essa violação desta diretiva.

32      Nestas circunstâncias, o Krajský soud v Brně (Tribunal Regional de Brno) decidiu suspender a instância e submeter ao Tribunal de Justiça a seguinte questão prejudicial:

«A regulamentação checa que permite a uma entidade adjudicante celebrar um contrato público antes da interposição de um recurso no órgão jurisdicional competente com vista à fiscalização da legalidade da decisão de exclusão de um proponente, proferida em segunda instância pela [Autoridade], é compatível com o artigo 2.o, n.o 3, e com o artigo 2.o‑A, n.o 2, da Diretiva [89/665], interpretados à luz do artigo 47.o da [Carta]?»

 Quanto ao pedido de reabertura da fase oral do processo

33      Na sequência da leitura das conclusões do advogado‑geral a CROSS Zlín, por requerimento apresentado na Secretaria do Tribunal de Justiça em 19 de setembro de 2023, pediu a reabertura da fase oral, nos termos do artigo 83.o do Regulamento de Processo do Tribunal de Justiça.

34      Em apoio do seu pedido, a CROSS Zlín considera que, tendo em conta as conclusões do advogado‑geral, o processo corre o risco de ser decidido com base num argumento que não foi debatido entre as partes ou os interessados referidos no artigo 23.o do Estatuto do Tribunal de Justiça da União Europeia. Com efeito, a ordem jurídica checa não permite, nem de facto nem de direito, que um tribunal administrativo anule um contrato, mesmo que este tenha sido celebrado com base numa decisão ilegal da entidade adjudicante. Ora, estas conclusões não têm em conta esta circunstância, o que a CROSS Zlín pretende explicar no âmbito da reabertura da fase oral do processo.

35      A CROSS Zlín indica, por outro lado, que pretende abordar, no Tribunal de Justiça, a razão pela qual o Krajský soud v Brně (Tribunal Regional de Brno) julgou improcedente o seu pedido para decretar uma medida provisória de proibição da execução do contrato público em causa no processo principal, a competência dos tribunais administrativos checos para decidir sobre a validade dos contratos celebrados no âmbito de um procedimento de adjudicação de um contrato relacionado com as decisões proferidas em primeira instância pela Autoridade, bem como os efeitos reais da anulação de uma decisão da Autoridade por um tribunal administrativo e a sua incidência no contrato de execução de um contrato público já celebrado. Propõe, a este respeito, completar, com vários elementos, a resposta à questão prejudicial sugerida pelo advogado‑geral.

36      Importa, por um lado, recordar que, nos termos do artigo 252.o, segundo parágrafo, TFUE, o advogado‑geral apresenta publicamente, com toda a imparcialidade e independência, conclusões fundamentadas sobre as causas que, nos termos do Estatuto do Tribunal de Justiça da União Europeia, requeiram a sua intervenção. O Tribunal de Justiça não está vinculado nem pelas conclusões do advogado‑geral nem pela fundamentação em que este baseie essas conclusões (Acórdão de 28 de setembro de 2023, LACD, C‑133/22, EU:C:2023:710, n.o 22 e jurisprudência referida).

37      Há que lembrar também que, o Estatuto do Tribunal de Justiça da União Europeia e o Regulamento de Processo não preveem a possibilidade de as partes interessadas responderem às conclusões apresentadas pelo advogado‑geral. Por conseguinte, o desacordo de uma parte no litígio no processo principal ou de um interessado com as conclusões do advogado‑geral, sejam quais forem as questões nelas examinadas, não pode constituir, em si mesmo, um fundamento justificativo da reabertura da fase oral do processo (Acórdãos de 28 de maio de 2020, Interseroh, C‑654/18, EU:C:2020:398, n.o 33, e de 9 de novembro de 2023, Všeobecná úverová banka, C‑598/21, EU:C:2023:845, n.o 50).

38      A Cross Zlín não pode, portanto, validamente justificar o seu pedido de reabertura da fase oral do processo propondo completar a resposta à questão prejudicial sugerida pelo advogado‑geral nas suas conclusões.

39      Por outro lado, é certo que, nos termos do artigo 83.o do seu Regulamento de Processo, o Tribunal de Justiça pode, a qualquer momento, ouvido o advogado‑geral, ordenar a reabertura da fase oral do processo, designadamente se considerar que não está suficientemente esclarecido, ou quando, após o encerramento dessa fase, uma parte invocar um facto novo que possa ter influência determinante na decisão do Tribunal de Justiça, ou ainda quando o processo deva ser resolvido com base num argumento que não foi debatido entre as partes ou os interessados referidos no artigo 23.o do Estatuto do Tribunal de Justiça da União Europeia.

40      Todavia, há que salientar que a CROSS Zlín, bem como os interessados que participaram no presente processo, puderam expor, tanto na fase escrita como na fase oral, os elementos de direito que consideraram relevantes para permitir ao Tribunal de Justiça interpretar a Diretiva 89/665, a fim de responder à questão submetida pelo órgão jurisdicional de reenvio. A este respeito, o Tribunal de Justiça considera que dispõe de todos os elementos necessários para decidir sobre o presente pedido de decisão prejudicial e que nenhum dos elementos invocados pela CROSS Zlín em apoio do seu pedido de reabertura da fase oral do processo justifica essa reabertura, em conformidade com o artigo 83.o do Regulamento de Processo.

41      Nestas condições, o Tribunal de Justiça, ouvido o advogado‑geral, considera que não há que ordenar a reabertura da fase oral do processo.

 Quanto à questão prejudicial

42      A título preliminar, importa recordar que, segundo jurisprudência constante, cabe ao Tribunal de Justiça, no âmbito do processo de cooperação com os órgãos jurisdicionais nacionais instituído pelo artigo 267.o TFUE, dar ao juiz de reenvio uma resposta útil que lhe permita decidir o litígio que lhe foi submetido e, nesta ótica, incumbe ao Tribunal de Justiça, se necessário, reformular as questões que lhe são submetidas (Acórdão de 5 de maio de 2022, Universiteit Antwerpen e o., C‑265/20, EU:C:2022:361, n.o 33 e jurisprudência referida).

43      A redação da questão menciona a interpretação, nomeadamente, do artigo 2.o, n.o 3, da Diretiva 89/665 em relação a uma regulamentação de um Estado‑Membro que permite à entidade adjudicante celebrar um contrato para a adjudicação de um contrato público antes de a instância jurisdicional competente poder fiscalizar a legalidade da decisão da entidade adjudicante de excluir um proponente desse contrato.

44      Ora, há que observar que este artigo 2.o, n.o 3, não visa o caso de um recurso de uma decisão de exclusão de um proponente do contrato em causa, mas o de um recurso da decisão de adjudicação desse contrato. Assim, uma vez que resulta dos elementos que figuram no pedido de decisão prejudicial que, perante a Autoridade, a CROSS Zlín não só pediu a anulação do aviso relativo à sua exclusão mas também da decisão de adjudicação do contrato público em causa no processo principal ao outro proponente, a Siemens Mobility, importa examinar o presente pedido de decisão prejudicial apenas à luz desta decisão de adjudicação.

45      Nestas condições, há que considerar que, com a sua questão, o órgão jurisdicional de reenvio pergunta, em substância, se o artigo 2.o, n.o 3, e o artigo 2.o‑A, n.o 2, da Diretiva 89/665 devem ser interpretados no sentido de que se opõem a uma regulamentação de um Estado‑Membro que só proíbe a entidade adjudicante de celebrar um contrato público até à data em que o órgão que decida em primeira instância, na aceção deste artigo 2.o, n.o 3, que, nesse Estado‑Membro, não é de natureza jurisdicional, tome uma decisão sobre o recurso interposto da decisão de adjudicação desse contrato.

46      Antes de mais, importa salientar que a Diretiva 89/665 contém disposições pormenorizadas que preveem um sistema coerente de procedimentos de recurso no domínio dos contratos públicos que, em conformidade com o artigo 1.o, n.o 3, desta diretiva, devem ser acessíveis, pelo menos a qualquer pessoa que tenha ou tenha tido interesse em obter um determinado contrato e que tenha sido, ou possa vir, a ser lesada por uma eventual violação.

47      A este respeito, importa, em primeiro lugar, recordar que, segundo o artigo 2.o‑A, n.o 1, da Diretiva 89/665, os Estados‑Membros devem garantir que as pessoas a que se refere o n.o 3 do artigo 1.o, desta diretiva disponham de um prazo suficiente para assegurar o recurso eficaz das decisões de adjudicação de contratos tomadas por entidades adjudicantes, mediante a aprovação das disposições necessárias que respeitem as condições mínimas estabelecidas, nomeadamente, nesse artigo 2.o‑A, n.o 2.

48      Esta última disposição fixa os prazos de suspensão mínimos durante os quais, na sequência da decisão de adjudicação de um contrato público, o contrato relativo a esse concurso não pode ser celebrado. Estes prazos são, consoante os casos, de dez ou de quinze dias consecutivos, a contar do dia seguinte ao dia em que a decisão de adjudicação do contrato em causa tiver sido comunicada aos proponentes interessados, ou por eles recebida, em função do modo de envio dessa decisão.

49      O artigo 2.o‑A, n.o 2, da Diretiva 89/665 determina, assim, prazos de suspensão de pleno direito da celebração de um contrato público por forma a assegurar o recurso eficaz dessa decisão de adjudicação que pode ser interposto pelas pessoas referidas no artigo 1.o, n.o 3, desta diretiva.

50      Em segundo lugar, importa salientar que, quando essas pessoas interpõem esse recurso, é aplicável o artigo 2.o, n.o 3, da referida diretiva.

51      Segundo jurisprudência constante, na interpretação de uma disposição do direito da União, há que ter em conta não só os seus termos mas também o seu contexto e os objetivos prosseguidos pela regulamentação de que faz parte (Acórdão de 22 de dezembro de 2022, Sambre & Biesme e Commune de Farciennes, C‑383/21 e C‑384/21, EU:C:2022:1022, n.o 54 e jurisprudência referida).

52      A este respeito, resulta, antes de mais, da redação do artigo 2.o, n.o 3, da Diretiva 89/665 que, caso seja interposto recurso de uma decisão de adjudicação de um contrato para um órgão que decida em primeira instância, independente da entidade adjudicante, essa entidade adjudicante não pode celebrar esse contrato antes de esse órgão que decide em primeira instância ter tomado uma decisão, quer sobre o pedido de medidas provisórias, quer sobre o pedido de recurso.

53      Assim, por um lado, esta disposição prevê o efeito suspensivo, relativamente à assinatura do contrato, de um recurso da decisão de adjudicação de um contrato público durante o processo perante o órgão que decide em primeira instância chamado a conhecer desse recurso ou, pelo menos até que esse órgão tome uma decisão sobre um eventual pedido de medidas provisórias. Por outro lado, embora a mencionada disposição exija que o referido órgão seja independente da entidade adjudicante, não contém nenhuma indicação da qual decorra que o mesmo órgão deva ser de natureza jurisdicional.

54      No que respeita, em seguida, ao contexto do artigo 2.o, n.o 3, da Diretiva 89/665, o n.o 9 deste artigo 2.o prevê expressamente o caso de «as instâncias responsáveis pelo recurso não [serem] de natureza jurisdicional», donde decorre que os Estados‑Membros têm a possibilidade de atribuir a essas instâncias competência para conhecer dos recursos das decisões de adjudicação de um contrato público. Nesse caso, o referido artigo 2.o, n.o 9, especifica que qualquer medida alegadamente ilegal tomada por essa instância de recurso não jurisdicional ou qualquer alegado incumprimento no exercício dos poderes que lhe foram conferidos deve poder ser objeto de recurso jurisdicional ou de recurso para outra instância que seja um órgão jurisdicional na aceção do artigo 267.o TFUE, independente em relação à entidade adjudicante e a esse órgão de recurso não jurisdicional que tenha decidido em primeira instância.

55      O mesmo artigo 2.o, n.o 9, concede assim aos Estados‑Membros a possibilidade de escolher entre duas soluções para a organização do sistema de fiscalização dos contratos públicos. A primeira solução consiste em atribuir a competência para conhecer dos recursos a instâncias de natureza jurisdicional. De acordo com a segunda solução, esta competência é, numa primeira fase, atribuída a instâncias que não sejam de natureza jurisdicional. Neste caso, todas as decisões tomadas por essas instâncias devem poder ser objeto de recurso jurisdicional ou de um recurso que, em substância, seja «jurisdicional» na aceção do direito da União, o que permite garantir um recurso adequado (v., neste sentido, Acórdão de 4 de março de 1999, HI, C‑258/97, EU:C:1999:118, n.os 16 e 17).

56      Ora, importa salientar que o artigo 2.o, n.o 3, da Diretiva 89/665, ao formular uma obrigação de suspensão da celebração do contrato público, não faz nenhuma referência ao recurso jurisdicional, previsto neste artigo 2.o, n.o 9, das decisões das instâncias responsáveis pelos processos de recurso que não sejam de natureza jurisdicional.

57      Nestas condições, tanto essa falta de referência como a escolha conferida aos Estados‑Membros pelo artigo 2.o, n.o 9, da Diretiva 89/665 de atribuir a competência para conhecer dos procedimentos de recurso das decisões de adjudicação de um contrato a órgãos que decidam em primeira instância que sejam de natureza jurisdicional ou não implicam que, quando um Estado‑Membro decide atribuir essa competência a um órgão que decida em primeira instância que não seja de natureza jurisdicional, a expressão «instância de recurso», que figura nesse artigo 2.o, n.o 3, visa este órgão que decide em primeira instância não jurisdicional. Nesse caso, os Estados‑Membros devem prever a suspensão da celebração do contrato público em causa, seja de pleno direito até que a referida instância decida do recurso, seja, pelo menos, até que esta se pronuncie sobre um pedido de medidas provisórias destinado a obter essa suspensão.

58      Em contrapartida, o artigo 2.o, n.o 3, da Diretiva 89/665, lido à luz deste artigo 2.o, n.o 9, não exige que essa suspensão persista após o termo do processo perante essa instância de recurso não jurisdicional, por exemplo até que uma instância jurisdicional se pronuncie sobre o recurso que pode ser interposto da decisão dessa instância de recurso não jurisdicional.

59      Por último, esta conclusão está em conformidade com os objetivos prosseguidos pela Diretiva 89/665. Esta diretiva destina‑se a garantir o pleno respeito do direito à ação e a um processo equitativo, consagrado no artigo 47.o, primeiro e segundo parágrafos, da Carta (v., neste sentido, Acórdão de 7 de setembro de 2021, Klaipėdos regiono atliekų tvarkymo centras, C‑927/19, EU:C:2021:700, n.o 128 e jurisprudência referida).

60      A este respeito, foi declarado que o artigo 1.o, n.os 1 e 3, da referida diretiva, que se destina a proteger os operadores económicos contra a arbitrariedade da entidade adjudicante, visa assegurar a existência, em todos os Estados‑Membros, de meios de recurso eficazes, e tão rápidos quanto possível, para garantir a aplicação efetiva das regras da União Europeia em matéria de adjudicação de contratos públicos, em particular numa fase em que as violações ainda possam ser corrigidas (Acórdão de 7 de setembro de 2021, Klaipėdos regiono atliekų tvarkymo centras, C‑927/19, EU:C:2021:700, n.o 127 e jurisprudência referida).

61      Assim sendo, importa também salientar que o legislador da União pretendeu, através das disposições da Diretiva 89/665, conciliar os interesses do proponente excluído com os da entidade adjudicante e do adjudicatário [v., neste sentido, Acórdão de 11 de setembro de 2014, Fastweb, C‑19/13, EU:C:2014:2194, n.o 63, e Despacho de 23 de abril de 2015, Comissão/Vanbreda Risk & Benefits, C‑35/15 P(R), EU:C:2015:275, n.o 34].

62      É assim que, por um lado, o artigo 2.o, n.o 5, desta diretiva prevê que a instância responsável pelo recurso possa ter em conta as consequências prováveis da aplicação das medidas provisórias atendendo a todos os interesses suscetíveis de serem lesados, bem como o interesse público, e decidir não decretar essas medidas provisórias caso as consequências negativas das mesmas possam superar as vantagens. Ora, o interesse de celebrar contratos públicos sem atrasos excessivos constitui um tal interesse público.

63      Por outro lado, o artigo 2.o, n.o 7, segundo parágrafo, da Diretiva 89/665 dispõe que os Estados‑Membros podem prever que, após a celebração do contrato nos termos deste artigo 2.o, n.o 3, ou seja, que tenha sido celebrado após o termo da suspensão da respetiva celebração, os poderes da instância responsável pelo recurso se limitem à concessão de indemnização aos lesados por uma violação do direito da União em matéria de contratos públicos ou das regras nacionais de transposição desse direito.

64      Estes elementos corroboram, portanto, a interpretação, que decorre da leitura do artigo 2.o, n.o 3, da Diretiva 89/665, à luz do n.o 9 desse artigo 2.o, segundo a qual a suspensão da celebração de um contrato público, prevista no referido artigo 2.o, n.o 3, se mantém, o mais tardar, até à data em que o órgão que decida em primeira instância tome uma decisão sobre o recurso interposto da decisão de adjudicação desse contrato, quer esta instância seja ou não seja de natureza jurisdicional. Depois de a referida instância ter tomado uma decisão, os Estados‑Membros podem prever que o lesado só possa ter direito a uma indemnização.

65      Em terceiro lugar, importa salientar que esta interpretação não pode ser posta em causa pelo Acórdão de 21 de dezembro de 2021, Randstad Italia (C‑497/20, EU:C:2021:1037). No n.o 73 desse acórdão, o Tribunal de Justiça interpretou a expressão «instância de recurso independente», na aceção do artigo 2.o‑A, n.o 2, segundo parágrafo, da Diretiva 89/665, no sentido de que visa um tribunal independente e imparcial, previamente estabelecido por lei, na aceção do artigo 47.o da Carta. Todavia, o Tribunal de Justiça circunscreveu expressamente esta última interpretação, especificando que era válida «[a fim] de determinar se a exclusão de um proponente se tornou definitiva», na aceção deste artigo 2.o‑A, n.o 2, segundo parágrafo.

66      A este respeito, o Tribunal de Justiça indicou, no n.o 74 do referido acórdão, que o caráter ainda não definitivo da decisão de exclusão determina, para os proponentes, a legitimidade para agir contra a decisão de adjudicação. No n.o 75 do mesmo acórdão, o Tribunal de Justiça precisou que «só a exclusão definitiva, na aceção do artigo 2.o‑A, n.o 2, [segundo parágrafo,] da Diretiva 89/665, pode ter por efeito privar um proponente da sua legitimidade para agir contra a decisão [de adjudicação de um contrato]».

67      Assim, pode resultar de uma decisão da «instância de recurso independente», referida nesse artigo 2.o‑A, n.o 2, segundo parágrafo, que um proponente seja privado de legitimidade para agir contra a decisão de adjudicação de um contrato. Neste contexto, o respeito do direito a uma proteção jurisdicional efetiva de tal proponente exige que a instância que se pronuncie sobre a licitude da exclusão deste último seja um tribunal independente e imparcial, previamente estabelecido por lei, na aceção do artigo 47.o da Carta.

68      Em contrapartida, estas considerações não são válidas no que respeita ao órgão de recurso de primeira instância referido no artigo 2.o, n.o 3, da Diretiva 89/665. Com efeito, quando um Estado‑Membro faz uso da possibilidade, que lhe é conferida por esta diretiva, de instituir essa instância que não seja de natureza jurisdicional, o direito a uma proteção jurisdicional efetiva é assegurado pela exigência, prevista nesse artigo 2.o, n.o 9, de que todas as decisões dessa instância de recurso não jurisdicional possam ser objeto de recurso jurisdicional.

69      Em quarto e último lugar, importa, todavia, salientar, à semelhança da Comissão Europeia, que, na falta, na legislação de um Estado‑Membro, de uma suspensão de pleno direito da celebração de um contrato público até à data em que o órgão que decida em primeira instância, referido no artigo 2.o, n.o 3, da Diretiva 89/665, tome uma decisão sobre o recurso, e quando essa instância de recurso não seja de natureza jurisdicional, o indeferimento, por esta instância, de um pedido de medidas provisórias destinado a obter a proibição da celebração de um contrato público até à data em que a referida instância tome uma decisão sobre esse recurso deve poder ser objeto de um recurso jurisdicional com efeito suspensivo até que o órgão jurisdicional chamado a pronunciar‑se decida sobre essas medidas provisórias.

70      Esta exigência decorre da leitura conjugada dos n.os 3 e 9 do artigo 2.o da Diretiva 89/665. Assim, a fim de assegurar o caráter efetivo de um recurso da decisão de um órgão não jurisdicional de primeira instância que indefere um pedido de medidas provisórias destinado a proibir a celebração de um contrato público até à data em que essa instância tiver decidido, por um lado, o proponente afetado por essa decisão de indeferimento deve poder beneficiar de um prazo de suspensão razoável para lhe permitir interpor esse recurso e, por outro, se este for interposto, a suspensão da celebração desse contrato deve manter‑se até que o órgão jurisdicional chamado a pronunciar‑se tome uma decisão sobre o referido recurso.

71      No caso em apreço, resulta da decisão de reenvio que o § 246.o da Lei n.o 134/2016 prevê que o contrato público não pode ser celebrado, por um lado, antes do termo do prazo para apresentar uma reclamação à entidade adjudicante contra a decisão de adjudicação do contrato e depois do prazo para apresentação de um pedido de reapreciação dos atos da entidade adjudicante à Autoridade, e, por outro, durante o procedimento na Autoridade, que, segundo o órgão jurisdicional de reenvio, é o órgão de recurso de primeira instância, independente da entidade adjudicante, na aceção do artigo 2.o, n.o 3, da Diretiva 89/665, e que não é de natureza jurisdicional. Em especial, sem prejuízo das verificações que incumbe a esse órgão jurisdicional efetuar, segundo este § 246.o, n.o 1, a proibição de pleno direito de celebrar um contrato público mantém‑se até à data em que esse órgão de recurso de primeira instância tome uma decisão sobre o recurso interposto da decisão de adjudicação do contrato.

72      A este respeito, decorre dos elementos constantes da decisão de reenvio que, no âmbito do processo principal, em primeiro lugar, a Autoridade decretou oficiosamente, em 3 de julho de 2020, uma medida provisória que proibia a entidade adjudicante de celebrar o contrato público em causa no processo principal até ao encerramento definitivo do procedimento administrativo na Autoridade. Em seguida, por Decisão de 9 de novembro de 2020, o presidente da Autoridade, enquanto órgão administrativo de segundo grau, indeferiu a reclamação que a CROSS Zlín tinha apresentado contra a decisão da Autoridade que indeferiu o seu pedido de anulação da decisão de adjudicação do contrato público em causa e, por último, em 18 de novembro de 2020, a entidade adjudicante celebrou esse contrato com o adjudicatário. Daqui resulta que o referido contrato só foi celebrado depois de a Autoridade se ter pronunciado definitivamente, num duplo grau de instância, sobre a legalidade dessa decisão de adjudicação, o que cabe, todavia, ao órgão jurisdicional de reenvio verificar.

73      Importa, assim, salientar que, sem prejuízo das verificações a que cabe a esse órgão jurisdicional proceder, esta legislação nacional, bem como a sua aplicação no âmbito do processo principal, parecem permitir garantir uma correta aplicação do artigo 2.o, n.o 3, e do artigo 2.o‑A, n.o 2, da Diretiva 89/665, lidos à luz do direito a uma proteção jurisdicional efetiva, previsto no artigo 47.o da Carta.

74      Tendo em conta as considerações precedentes, há que responder à questão submetida que o artigo 2.o, n.o 3, e o artigo 2.o‑A, n.o 2, da Diretiva 89/665 devem ser interpretados no sentido de que não se opõem a uma regulamentação nacional que só proíbe a entidade adjudicante de celebrar um contrato público até à data em que o órgão que decida em primeira instância, na aceção deste artigo 2.o, n.o 3, tome uma decisão sobre o recurso interposto da decisão de adjudicação desse contrato, sem que seja relevante, a este respeito, a questão de saber se essa instância de recurso é ou não de natureza jurisdicional.

 Quanto às despesas

75      Revestindo o processo, quanto às partes na causa principal, a natureza de incidente suscitado perante o órgão jurisdicional de reenvio, compete a este decidir quanto às despesas. As despesas efetuadas pelas outras partes para a apresentação de observações ao Tribunal de Justiça não são reembolsáveis.

Pelos fundamentos expostos, o Tribunal de Justiça (Quarta Secção) declara:

O artigo 2.o, n.o 3, e o artigo 2.oA, n.o 2, da Diretiva 89/665/CEE do Conselho, de 21 de dezembro de 1989, que coordena as disposições legislativas, regulamentares e administrativas relativas à aplicação dos procedimentos de recurso em matéria de celebração dos contratos de direito público de fornecimentos e de obras, conforme alterada pela Diretiva 2014/23/UE do Parlamento Europeu e do Conselho, de 26 de fevereiro de 2014,

devem ser interpretados no sentido de que:

não se opõem a uma regulamentação nacional que só proíbe a entidade adjudicante de celebrar um contrato público até à data em que o órgão que decida em primeira instância, na aceção deste artigo 2.o, n.o 3, tome uma decisão sobre o recurso interposto da decisão de adjudicação desse contrato, sem que seja relevante, a este respeito, a questão de saber se essa instância de recurso é ou não de natureza jurisdicional.

Assinaturas


*      Língua do processo: checo.