Language of document : ECLI:EU:C:2011:157

CONCLUSÕES DO ADVOGADO‑GERAL

NIILO JÄÄSKINEN

apresentadas em 17 de Março de 2011 (1)

Processos apensos C‑431/09 e C‑432/09

Airfield NV

Canal Digitaal BV

contra

Belgische Vereniging van Auteurs, Componisten en Uitgevers CVBA (Sabam)

e

Airfield NV

contra

Agicoa Belgium BVBA

[pedido de decisão prejudicial apresentado pelo Hof van Beroep te Brussel (Bélgica)]

«Aproximação das legislações – Direito de autor e direitos conexos – Directiva 93/83/CEE – Radiodifusão por satélite – Direito exclusivo do autor de autorizar a comunicação das suas obras – Acto de comunicação ao público por satélite – Organismo de radiodifusão – Fornecedor de pacotes de canais de televisão por satélite»





I –    Introdução

1.        Nos processos apensos submetidos à apreciação do Tribunal de Justiça, o hof van beroep te Brussel (Bélgica) apresenta duas questões prejudiciais relativas à interpretação da Directiva 93/83/CEE do Conselho, de 27 de Setembro de 1993, relativa à coordenação de determinadas disposições em matéria de direito de autor e direitos conexos aplicáveis à radiodifusão por satélite e à retransmissão por cabo (2) e, designadamente, quanto ao sentido do disposto nos artigos 1.°, n.° 2, alíneas a) e c), desta directiva.

2.        Com efeito, o órgão jurisdicional de reenvio considerou que a interpretação do conceito de «comunicação ao público por satélite» conforme prevista na referida directiva era necessária para a resolução dos dois litígios conexos nele pendentes. Esses litígios opõem, por um lado, as sociedades Airfield NV (a seguir «Airfield») e Canal Digitaal BV (a seguir «Canal Digitaal») à Belgische Vereniging van Auteurs, Componisten en Uitgevers CVBA (sociedade belga de autores, compositores e editores, a seguir «Sabam») (processo C‑431/09) e, por outro, a Airfield à Agicoa Belgium BVBA (a seguir «Agicoa») (processo C‑432/09).

3.        O objecto do litígio consiste em saber se a Airfield, fornecedora de televisão por satélite que propõe ao público a assinatura de um pacote de canais televisivos (a seguir «fornecedor de pacotes de canais de televisão por satélite»), tem a obrigação de obter a autorização dos titulares dos direitos dos direitos de autor para, com o apoio da sociedade Canal Digitaal, a ela ligada, participar na difusão em simultâneo e inalterada de programas fornecidos por organismos de radiodifusão, quando estes já possuem uma autorização dos titulares dos direitos de propriedade intelectual sobre esses programas. Por outras palavras, há que determinar se, e em que medida, um fornecedor de pacotes de canais de televisão por satélite que opera nas circunstâncias referidas no processo principal, pratica um acto de exploração respeitante a obras protegidas por direitos de autor ou direitos conexos.

4.        Os pormenores técnicos relativamente complexos do caso escondem uma questão jurídica na realidade bastante simples. No essencial, trata‑se de saber que tratamento se deve dar, de acordo com a Directiva 93/83, a um operador independente em relação a um organismo de radiodifusão que intervém, de forma mais ou menos importante, na cadeia de comunicação que, nas situações típicas, liga o referido organismo a um público que é o destinatário final dos sinais portadores de programas difundidos por satélite.

II – Quadro jurídico

A –    Direito da União

–        Directiva 93/83

5.        A Directiva 93/83 visa integrar uma lacuna deixada no enquadramento legal da criação de um espaço audiovisual único pela Directiva 89/552/CEE do Conselho, de 3 de Outubro de 1989, relativa à coordenação de certas disposições legislativas, regulamentares e administrativas dos Estados‑Membros relativas ao exercício de actividades de radiodifusão televisiva (3), adoptada sem conter disposições respeitantes aos direitos de autor (4).

6.        Os décimo quarto e décimo quinto considerandos da Directiva 93/83 dispõem:

«(14) […] a incerteza no plano jurídico sobre os direitos a adquirir, que entrava a difusão transfronteiras de programas por satélite, será ultrapassada pela definição da noção de comunicação ao público por satélite, à escala comunitária; […] essa definição especifica simultaneamente qual o local do acto de comunicação ao público; […] é necessário uma definição desse tipo, para evitar a aplicação cumulativa de várias legislações nacionais a um mesmo acto de radiodifusão; […] a comunicação ao público por satélite apenas tem lugar se e no Estado‑Membro em que são introduzidos sinais portadores de programas sob o controlo e a responsabilidade de um organismo de difusão numa cadeia ininterrupta de comunicação que inclui a transmissão dos referidos sinais ao satélite e o retorno daqueles à terra; […] os processos técnicos normais relativos a sinais portadores de programas não devem ser considerados interrupções à cadeia de radiodifusão;

(15)      […] a aquisição contratual do direito exclusivo de radiodifusão deve respeitar a legislação sobre direito de autor e direitos conexos em vigor no Estado‑Membro em que se verifique a comunicação ao público por satélite»

7.        O artigo 1.°, n.° 2, alíneas a) a c), da Directiva 93/83, que figura no Capítulo I, intitulado «Definições», preceitua:

«a)      Para efeitos da presente directiva, entende‑se por ‘comunicação ao público por satélite’ o acto de introdução, sob o controlo e a responsabilidade do organismo de radiodifusão, de sinais portadores de programas que se destinam a ser captados pelo público numa cadeia ininterrupta de comunicação conducente ao satélite e deste para a terra;

b)      A comunicação ao público por satélite verifica‑se apenas no Estado‑Membro onde os sinais portadores do programa são introduzidos, sob o controlo e a responsabilidade do organismo de radiodifusão, numa cadeia ininterrupta de comunicação conducente ao satélite e deste para a terra;

c)      Se os sinais portadores de programas forem codificados, a comunicação ao público por satélite realizar‑se‑á na condição de os meios para descodificar a emissão serem postos à disposição do público pelo organismo de radiodifusão ou com o seu consentimento.»

8.        O artigo 2.° da Directiva 93/83, relativo ao direito de radiodifusão por satélite, dispõe:

«Nos termos do disposto no presente capítulo, os Estados‑Membros garantirão aos autores o direito exclusivo de autorizar a comunicação ao público por satélite de obras protegidas pelo direito de autor.»

–        Directiva 2001/29

9.        O vigésimo terceiro considerando da Directiva 2001/29/CE do Parlamento Europeu e do Conselho, de 22 de Maio de 2001, relativa à harmonização de certos aspectos do direito de autor e dos direitos conexos na sociedade da informação (5), prevê que esta «deverá proceder a uma maior harmonização dos direitos de autor aplicáveis à comunicação de obras ao público. Esses direitos deverão ser entendidos no sentido lato, abrangendo todas as comunicações ao público não presente no local de onde provêm as comunicações. Abrangem ainda qualquer transmissão ou retransmissão de uma obra ao público, por fio ou sem fio, incluindo a radiodifusão, não abrangendo quaisquer outros actos» (6).

10.      Nos termos do artigo 3.°, n.° 1, desta directiva, «[o]s Estados‑Membros devem prever a favor dos autores o direito exclusivo de autorizar ou proibir qualquer comunicação ao público das suas obras, por fio ou sem fio, incluindo a sua colocação à disposição do público por forma a torná‑las acessíveis a qualquer pessoa a partir do local e no momento por ela escolhido».

B –    Direito nacional

11.      O artigo 1.°, n.° 1, quarto parágrafo, da lei belga de 30 de Junho de 1994 relativa ao direito de autor e direitos conexos (7) (a seguir «lei dos direitos de autor»), na versão com alterações, dispõe que «o autor de uma obra literária ou artística tem o direito exclusivo de comunicar ao público a obra, independentemente do processo utilizado (incluindo a sua colocação à disposição do público por forma a torná‑la acessível a qualquer pessoa a partir do local e no momento por ela escolhido)» (8).

12.      Os artigos 49.° e 50.° desta lei, relativos à «comunicação ao público por satélite», retomam, no essencial, o disposto no artigo 1.°, n.° 2, alíneas a) a c), da Directiva 93/83, sem alteração posterior.

III – Quadro factual

13.      A Airfield, sociedade belga que opera na Bélgica sob a denominação comercial TV Vlaanderen, fornece televisão e rádio digital por satélite. Propõe pacotes de canais de televisão por satélite que podem ser conjuntamente ouvidos e visualizados por satélite pelos seus assinantes.

14.      O pacote que a Airfield propõe ao público contém dois tipos de canais de televisão. Canais gratuitos e não codificados, geralmente denominados «free to air», que podem ser recebidos por qualquer pessoa que disponha de uma antena parabólica e de um equipamento de recepção de satélite, sem obrigação de assinatura. Canais codificados que só podem ser visualizados após descodificação, o que exige a celebração de um contrato de assinatura com a Airfield, que entrega aos seus clientes um cartão que permite a descodificação, denominado «smartcard».

15.      Para fornecer as suas prestações, a Airfield recorre aos serviços técnicos da Canal Digitaal, sociedade neerlandesa que pertence ao mesmo grupo da Airfield e que fornece serviços equivalentes aos seus a consumidores residentes nos Países Baixos.

16.      A Canal Digitaal celebrou com a sociedade SES Astra, que explora o sistema de satélite Astra, um contrato nos termos da qual esta aluga à Canal Digitaal capacidade para rádio e televisão digitais nesse satélite.

17.      Além disso, a Canal Digitaal celebrou com a Airfield um contrato de serviços pelo qual se obriga, a partir de 1 de Janeiro de 2006, a subalugar a capacidade que lhe é alugada pela Astra para a difusão de programas de rádio e televisão na Bélgica e no Luxemburgo. Para a transmissão dos programas televisivos, a Canal Digitaal obriga‑se a fornecer serviços técnicos, nomeadamente a multiplexagem (mistura), a compressão, a codificação e a transmissão de dados, necessários para a Airfield poder emitir serviços de televisão digital na Bélgica e no Luxemburgo.

18.      Para oferecer aos seus clientes na Flandres (Bélgica) a televisão digital por satélite, a Airfield celebrou igualmente uma série de contratos com organismos de radiodifusão cujos canais estão incluídos no seu pacote de canais de televisão por satélite. Do ponto de vista técnico, as modalidades de colaboração com estes últimos diferem em função do processo de retransmissão dos canais de televisão em causa. O órgão jurisdicional de reenvio distingue três tipos de encaminhamento dos sinais portadores de programas via satélite para os consumidores na Bélgica, dois dos quais indirectos e um directo, precisando que, em qualquer dos casos, os programas retransmitidos não são alterados.

–       Os dois métodos de retransmissão indirecta dos canais de televisão incluídos no pacote por satélite

19.      Nos termos dos dois despachos de reenvio, no primeiro caso de retransmissão indirecta, designado por «situação 1», os organismos de radiodifusão belga enviam sinais não codificados portadores dos seus programas, por via terrestre, para os aparelhos que a Canal Digitaal instalou na Bélgica. Os sinais são depois comprimidos e codificados pela Canal Digitaal para serem enviados, por banda larga, para a sua estação situada nos Países Baixos. Esta codifica também os sinais e assegura a transmissão para o satélite Astra. A chave de que o público necessita para visionar os programas está incorporada num cartão de descodificação que a Canal Digitaal faculta à Airfield e é posteriormente entregue aos assinantes desta última.

20.      O segundo tipo de retransmissão indirecta, correspondente à «situação 3» descrita pelo órgão jurisdicional de reenvio, consiste na transmissão à Canal Digitaal, por organismos de radiodifusão, de sinais portadores dos seus programas, através de outro satélite (o Eutelsat, por exemplo) e não por via terrestre. A Canal Digitaal capta nos Países Baixos ou no Luxemburgo os sinais do satélite codificados e não acessíveis ao público, descodifica‑os, caso necessário, volta a codificá‑los e envia‑os para o satélite Astra. Os assinantes da Airfield podem descodificar os sinais, utilizando um cartão especial que a Canal Digitaal fornece à Airfield.

21.      A Airfield celebrou com os organismos de radiodifusão interessados por estes dois métodos de encaminhamento dos seus sinais contratos de fornecimento de televisão por satélite, denominados «carriage agreements» (9), ou contratos de transmissão.

22.      Nos termos destes contratos, a Airfield aluga aos referidos organismos capacidade de repetidor de satélite com vista à transmissão dos programas televisivos para telespectadores na Bélgica, nos Países Baixos e no Luxemburgo. A Airfield garante ter obtido da sociedade que explora o satélite Astra a autorização para subalugar essa capacidade.

23.      Além disso, a Airfield obrigou‑se a receber o sinal dos programas televisivos desses organismos numa estação central de ligação ascendente e a comprimir, multiplexar, codificar e enviar o sinal para o satélite, para difusão e recepção.

24.      Os organismos de radiodifusão pagam à Airfield uma remuneração por este aluguer e prestação de serviços. Por seu lado, os organismos de radiodifusão concedem‑lhe uma autorização para os assinantes do fornecedor do pacote de canais de televisão por satélite poderem ver simultaneamente na Bélgica, nos Países Baixos e no Luxemburgo, os seus programas difundidos através do satélite Astra.

25.      Como contrapartida dos direitos concedidos pelos organismos de radiodifusão à Airfield e da faculdade discricionária da Airfield de incluir os programas televisivos na sua oferta de pacotes, esta última deve pagar a esses organismos de radiodifusão uma remuneração pelos programas televisivos recebidos pelos seus assinantes no território em causa.

–       O método de retransmissão directa dos canais de televisão incluídos no pacote por satélite

26.      Neste caso, que corresponde à «situação 2» descrita pelo órgão jurisdicional de reenvio, a retransmissão é considerada directa porque se realiza sem o apoio técnico da Airfield e da Canal Digitaal. Com efeito, os organismos de radiodifusão codificam eles próprios ou através de operadores diferentes da Airfield os sinais portadores dos seus programas no país de origem e enviam‑nos directamente para o satélite Astra. Esses sinais são depois reenviados para terra. A intervenção da Canal Digitaal limita‑se à entrega da chave do código aos operadores, para que seja aplicada a codificação correcta tendo em vista a visualização, mais tarde, pelos assinantes da Airfield, utilizando o seu cartão de descodificação.

27.      A Airfield celebrou com este grupo de organismos de radiodifusão um outro tipo de contratos, denominados «heads of agreement». Nos termos destes contratos, esses organismos concedem à Airfield a autorização para a recepção e a visualização em simultâneo, pelos seus assinantes na Bélgica e no Luxemburgo, dos seus programas de televisão difundidos através do satélite Astra.

28.      Como contrapartida dos direitos concedidos pelos organismos de radiodifusão à Airfield e da faculdade discricionária da Airfield de incluir os programas televisivos na sua oferta de pacotes televisivos, esta última deve pagar a esses organismos de radiodifusão uma remuneração pelos programas televisivos recebidos pelos seus assinantes no território em causa.

IV – Processos principais, questões prejudiciais e tramitação no Tribunal de Justiça

29.      A Sabam é uma sociedade cooperativa belga que, enquanto sociedade de gestão, representa os autores para efeitos de concessão da autorização de utilização, por terceiros, das respectivas obras protegidas por direitos de autor e da cobrança da remuneração por essa utilização.

30.      A Agicoa (10) é uma sociedade belga de gestão colectiva que representa os produtores belgas e internacionais de obras audiovisuais, para efeitos de gestão dos direitos de autor e dos direitos conexos sobre filmes e outras obras audiovisuais, com excepção de clips de vídeo, recebendo as remunerações devidas a esses produtores.

31.      A Sabam e a Agicoa consideraram que a Airfield, enquanto entidade independente dos organismos de radiodifusão, fazia uma redifusão de programas televisivos já transmitidos por esses organismos, na acepção da Convenção de Berna (11). Em virtude dessa nova comunicação ao público, entendiam que a Airfield devia obter uma autorização suplementar em relação à recebida pelos organismos de radiodifusão, para a utilização do repertório dos autores cujos direitos são geridos pela Sabam e pela Agicoa, respectivamente.

32.      Em resposta, a Airfield e a Canaal Digitaal argumentaram que não fazem uma redifusão, limitando‑se a oferecer ao público programas de televisão por satélite por conta dos organismos de radiodifusão. Na sua opinião, trata‑se de uma primeira e única transmissão por satélite pelos próprios organismos de radiodifusão, para a qual estes últimos recorrem aos serviços da Airfield e da Canal Digitaal para assegurarem os aspectos estritamente técnicos. As demandadas alegaram que só os organismos de radiodifusão é que efectuam uma operação relevante para a cobrança de direitos de autor, na acepção dos artigos 49.° e 50.° da lei dos direitos de autor, que transpôs a Directiva 93/83 para o direito belga.

33.      Não tendo sido possível chegar a acordo, a Sabam propôs uma acção contra a Airfield e a Canal Digitaal (processo C‑431/09) e a Agicoa propôs uma acção contra a Airfield (processo C‑432/09), com base na lei dos direitos de autor, através de requerimentos dirigidos ao presidente do rechtbank van eerste aanleg te Brussel (tribunal de primeira instância de Bruxelas). Este decidiu que a Airfield e a Canal Digitaal tinham cometido uma infracção aos direitos de autor e direitos conexos geridos pela Sabam e pela Agicoa, por oferecerem aos telespectadores assinantes dos programas da Airfield obras protegidas do repertório das demandantes, sem terem obtido a autorização prévia destas.

34.      A Airfield e a Canal Digitaal interpuseram recurso para o órgão jurisdicional de reenvio. Considerando que não estava em condições de dar uma resposta clara às questões relativas à interpretação e aplicação do direito comunitário suscitadas no âmbito dos dois processos que lhe foram submetidos, o hof van beroep te Brussel decidiu suspender a instância e submeter ao Tribunal de Justiça as seguintes questões prejudiciais, cuja redacção é idêntica nos processos C‑431/09 e C‑432/09:

«1.      A Directiva 93/83 obsta a que se imponha ao fornecedor de televisão digital por satélite a obrigação de obter a autorização dos titulares dos direitos, numa situação em que, seja [por via terrestre] seja através de um sinal de satélite codificado, um organismo de radiodifusão transmite os seus sinais portadores de programas [a] um fornecedor de televisão digital por satélite independente do organismo de radiodifusão, o qual, através de uma sociedade a ele ligada, codifica e transmite estes sinais para um satélite, sendo depois estes sinais reenviados, com autorização do organismo de radiodifusão, como parte de um pacote de canais televisivos e, portanto, agrupados, para os assinantes do fornecedor de televisão por satélite que podem ver os programas em simultâneo e inalterados através da utilização de um cartão de descodificação ou de um cartão inteligente disponibilizado pelo fornecedor de televisão por satélite?

2.      A Directiva 93/83 obsta a que se imponha ao fornecedor de televisão digital por satélite a obrigação de obter a autorização dos titulares dos direitos, num situação em que um organismo de radiodifusão transmite [a] um satélite os seus sinais portadores de programas em conformidade com as instruções de um fornecedor de televisão digital por satélite independente do organismo de radiodifusão, sendo depois estes sinais reenviados, com autorização do organismo de radiodifusão, como parte de um pacote de canais televisivos e, portanto, agrupados, para os assinantes do fornecedor de televisão por satélite que podem ver os programas em simultâneo e inalterados mediante a utilização de um cartão de descodificação ou de um cartão inteligente disponibilizado pelo fornecedor de televisão por satélite?»

35.      Por despacho do presidente do Tribunal de Justiça de 6 de Janeiro de 2010, os processos C‑431/09 e C‑432/09 foram apensados para efeitos da fase escrita, da fase oral e do acórdão.

36.      A Airfield e a Canal Digitaal conjuntamente, a Sabam e a Agicoa apresentaram observações escritas e orais e respostas escritas às questões colocadas pelo Tribunal de Justiça com vista a clarificar o quadro factual. A Comissão Europeia apresentou observações escritas e orais. O Governo finlandês apresentou apenas observações escritas.

V –    Análise

A –    Quanto à admissibilidade

37.      A título preliminar, a Agicoa afirma que a Directiva 93/83 não é aplicável ao processo principal e que, em consequência, as duas questões prejudiciais não são admissíveis, pois a interpretação solicitada não tem utilidade para permitir ao órgão jurisdicional de reenvio pronunciar‑se sobre o diferendo que foi chamado a decidir (12). Defende que, pelo contrário, devem aplicar‑se as disposições do artigo 3.°, n.° 1, da Directiva 2001/29 em conjugação com as do artigo 11‑bis, n.° 2, da Convenção de Berna (13).

38.      Em apoio dos seus pedidos alega, antes de mais, que o grupo de trabalho sobre a radiodifusão por satélite (14) preconizou, na sua reunião de 6 de Maio de 2003 (15), o estabelecimento de uma distinção clara entre «o fornecedor do pacote da canais de televisão por satélite e o organismo de radiodifusão, na medida em que a actividade daquele é a constituição de um pacote de serviços a partir de um Estado‑Membro», como é o caso da Airfield no processo em análise. Conclui, sem outras explicações, que é inoperante invocar o conceito de «comunicação ao público por satélite» e que, consequentemente, o Tribunal de Justiça não tem de responder às questões que lhe foram submetidas.

39.      A Agicoa alega ainda que o processo principal que lhe diz respeito não é abrangido pelo âmbito de aplicação material da Directiva 93/83, pois não está em causa a utilização de um satélite, na acepção do artigo 1.° desta directiva (16).

40.      Por último, considera que a Directiva 93/83 não é aplicável porque, neste caso, não existe a dimensão transfronteiriça prevista pela Directiva 93/83 ou porque, pelo menos, este elemento nunca foi precisado pela Airfield.

41.      No que diz respeito ao primeiro argumento, segundo o qual as questões apresentadas não têm relação com o objecto de nenhum dos processos principais ou hipotéticos, recordo que, no quadro do processo de reenvio prejudicial, é o órgão jurisdicional nacional, atendendo às especificidades de cada processo, que está mais bem colocado para apreciar tanto a necessidade desse reenvio, a fim de poder proferir a sua decisão, como a pertinência das questões que submete ao Tribunal de Justiça (17). Se as questões forem relativas à interpretação do direito da União, o Tribunal de Justiça é, em princípio, obrigado a decidir, sabendo‑se que, segundo jurisprudência constante, as questões submetidas pelo juiz nacional gozam de uma presunção de pertinência (18).

42.      No caso vertente, sem uma demonstração que permita pôr de lado essa tese, não é possível sustentar que, para a resolução dos processos principais, não é útil para a solução do litígio no processo principal responder às questões que o órgão jurisdicional de reenvio considerou necessário e juridicamente pertinente formular a fim de determinar como aplicar o direito em vigor no Reino da Bélgica e, em particular, a lei dos direitos de autor, atendendo às exigências da Directiva 93/83 e tendo presente que, como salientam os dois despachos de reenvio, esta directiva foi transposta naquele Estado‑Membro pela referida lei.

43.      Os segundo e terceiro argumentos da Agicoa também não têm sustentação. No que ao último se refere, à luz da jurisprudência do Tribunal de Justiça, a problemática relativa à inexistência de dimensão transfronteiriça (19) não é tratada como uma excepção de inadmissibilidade mas como uma questão de mérito (20). De resto, não me parece que, no caso vertente, todos os elementos do processo principal estejam confinados ao interior de um Estado‑Membro (21). Portanto, o pedido de decisão prejudicial também não pode ser declarado inadmissível com base neste fundamento.

44.      Por outro lado, na audiência, o representante da Comissão afirmou lamentar que o hof van beroep te Brussel não tenha sido mais explícito sobre os factos que deram origem aos dois processos principais. Afirmou que a Comissão só tinha tido pleno conhecimento das circunstâncias da causa através da leitura dos comentários das partes no processo principal e que, por isso, desejava completar as suas observações escritas (22). Portanto, poder‑se‑ia perguntar se cada um dos pedidos de decisão prejudicial foi formulado de modo suficientemente preciso para o Tribunal de Justiça se pronunciar.

45.      À luz dos elementos inicialmente fornecidos ao Tribunal de Justiça e dos posteriormente trazidos ao seu conhecimento nas fases escrita e oral do processo, penso que o órgão jurisdicional de reenvio definiu o quadro factual em que se inserem as questões que colocou em conformidade com as exigências do Tribunal de Justiça (23). Com efeito, o Hof van Beroep te Brussel descreve os elementos de facto de forma um pouco complexa mas sem equívocos susceptíveis de induzir em erro o leitor. A dificuldade a que Comissão alude resulta, em minha opinião, de ter presumido que os litígios em causa só podiam ter como objecto uma única forma de actividade.

46.      Em consequência, considero que se deve responder às questões prejudiciais atrás enunciadas, nos precisos termos em que foram submetidas ao Tribunal de Justiça e, portanto, em relação às disposições da Directiva 93/83.

47.      As propostas que para este efeito apresento, a seguir a algumas observações de carácter geral, acompanham a distinção estabelecida pelo órgão jurisdicional de reenvio entre, por um lado, os modos de transmissão utilizados pelos organismos de radiodifusão para a retransmissão dos sinais portadores dos seus programas de televisão para o satélite com o concurso da Airfield e da Canal Digitaal (primeira questão prejudicial) e, por outro, o modo utilizado para a emissão dos seus programas, sem o apoio deste fornecedor de pacotes de canais de televisão por satélite e da sociedade e ele ligada (segunda questão prejudicial), nas circunstâncias descritas na exposição dos factos que deram origem aos processos principais.

B –    Observações preliminares

48.      Como o órgão jurisdicional de reenvio põe em evidência para fundamentar o seu duplo pedido de decisão prejudicial, ao adoptar o artigo 1.°, n.° 2, alíneas a) a c), da Directiva 93/83, foi intenção do legislador definir o conceito de «comunicação ao público por satélite» previsto pela directiva e que é objecto do presente pedido de decisão prejudicial, a fim de criar certeza jurídica a nível comunitário.

49.      Com efeito, decorre do décimo quarto considerando da Directiva 93/83 que o objectivo do referido artigo é ultrapassar a incerteza no plano jurídico sobre os direitos a adquirir, que entrava a difusão transfronteiras de programas por satélite (24). Além disso, a definição deste conceito «à escala comunitária» mostrou‑se necessária a fim de evitar a aplicação cumulativa de várias legislações nacionais a um mesmo acto de radiodifusão, tendo em conta o grande impacto territorial que a difusão por satélite é susceptível de ter (25).

50.      Para tanto, o artigo 1.°, n.° 2, da Directiva 93/83 contém uma definição muito precisa de «comunicação ao público por satélite» na acepção desta directiva, que especifica também o local do acto de comunicação, tendo como único ponto de referência o país de origem da difusão, sem remeter para o direito dos Estados‑Membros. Este conceito autónomo, isto é, próprio do direito da União, deve por conseguinte ser objecto de uma interpretação uniforme. É jurisprudência assente (26) que esse conceito deve ser interpretado tendo em conta não só todos os termos da disposição em causa mas também o seu contexto e os seus objectivos (27), acima referidos, e atendendo nomeadamente à existência de convenções internacionais nesta matéria e de actos conexos do direito da União, como a Directiva 2001/29 (28).

51.      No quadro do presente processo, o órgão jurisdicional de reenvio interroga‑se, em substância, sobre a questão de saber se, nos casos de difusão de programas televisivos como definidos nas duas questões prejudiciais, que envolvem de forma mais ou menos importante um fornecedor de pacotes de canais de televisão por satélite, deve considerar‑se que existe:

–      uma comunicação ao público por satélite única e imputável exclusivamente ao organismo de radiodifusão, que seria, por conseguinte, o único com a obrigação de obter os direitos de autor relativos aos programas assim emitidos

–      ou, pelo contrário, duas comunicações ao público por satélite distintas, a primeira do organismo de radiodifusão para o público da emissão primária e a segunda do fornecedor de pacotes de canais de televisão por satélite para o público constituído pelos seus assinantes (29), o que implicaria que os direitos de autor deveriam ser respeitados em cada uma dessas operações.

52.      Sublinho desde já que importa descartar o risco de mal‑entendidos no que se refere ao conceito de difusão simultânea. Como a Sabam explicou na audiência, diversamente de uma difusão em diferido, essa retransmissão, também qualificada de «redifusão directa», é realizada em paralelo e, por conseguinte, ao mesmo tempo e com o mesmo conteúdo que a difusão inicial dos programas, designada «emissão primária» na Directiva 89/552 (30), estreitamente ligada à Directiva 93/83. Apesar de serem simultâneas, e não sucessivas, deve fazer‑se uma distinção entre as duas formas de difusão no que diz respeito aos direitos de autor a que podem dar origem (31).

53.      Na audiência, a Comissão afirmou ter previsto, nas suas observações escritas, o caso de uma eventual difusão primária dos programas efectuada directamente pela Airfield, cuja actividade, alimentada por simples produtores de material para difusão, seria assim equiparável à de um organismo de radiodifusão e que teria sem dúvida de obter, neste caso, uma autorização dos autores para efectuar uma comunicação pública por satélite. No entanto, atendendo ao teor das questões prejudiciais submetidas ao Tribunal de Justiça, parece‑me que a hipótese considerada pelo órgão jurisdicional de reenvio é outra, isto é, exclusivamente a de uma retransmissão directa pela Airfield que reproduz a realizada na origem e em paralelo por um organismo de radiodifusão. Com efeito, estas duas questões especificam que a visualização dos programas pelos assinantes da Airfield se efectua «em simultâneo e sem alteração», o que dá a entender que é possível recebê‑los ao mesmo tempo que os programas acessíveis através de um sistema de difusão diferente do da Airfield, emitidos pelo organismo de radiodifusão «fornecedor» desta última.

54.      No âmbito dos litígios nos processos principais, sabe‑se que o organismo de radiodifusão e o fornecedor de pacotes de canais de televisão por satélite são operadores distintos nos planos estrutural e económico; mas que dizer no plano jurídico, ou seja, no que se refere à exploração das obras protegidas por direitos de autor? A resposta que for dada é importante porque, no primeiro caso acima referido, os autores, graças ao seu direito de autorizarem ou proibirem a exploração, recebem unicamente uma remuneração paga pelos organismos de radiodifusão, ao passo que, no segundo caso, beneficiam, além disso, de uma remuneração paga pelo fornecedor dos pacotes de canais de televisão por satélite.

55.      Note‑se que, na opinião do Governo finlandês, as disposições da Directiva 93/83 não permitem responder às questões formuladas nos dois despachos de reenvio prejudicial e que, segundo o acórdão Egeda (32), é necessário reportar‑se às legislações dos Estados‑Membros a fim de determinar qual é a entidade que realiza uma «comunicação ao público por satélite» e que tem, por isso, a obrigação de obter a autorização dos autores de programas televisivos. Não subscrevo este ponto de vista, pois dos trabalhos preparatórios depreende‑se que o artigo 1.° da Directiva 93/83 tinha como objecto definir simultaneamente que acto de difusão de programas constitui uma comunicação ao público por satélite e quem é responsável por esse acto, o que, para essa pessoa, implica a necessidade de obter os direitos de exploração (33).

C –    Quanto à autorização a obter no âmbito de uma retransmissão indirecta dos canais de televisão incluídos no pacote por satélite

56.      Com a sua primeira questão prejudicial, o hof van beroep te Brussel pergunta, em substância, se a Directiva 93/83 obsta a que um fornecedor de pacotes televisivos por satélite seja obrigado a obter uma autorização dos titulares dos direitos relativos à comunicação de obras protegidas no âmbito de uma retransmissão indirecta de canais de televisão por um organismo de radiodifusão, em circunstâncias como as dos litígios nos processos principais.

57.      O carácter indirecto das operações em causa (34) deve‑se ao facto de o organismo de radiodifusão fornecer os sinais portadores dos seus programas quer por via terrestre quer por satélite com uma codificação, não o fazendo ele próprio mas por intermédio da Airfield, que o órgão jurisdicional de reenvio especifica ser independente desse organismo. Concretamente, este fornecedor de televisão por satélite faz codificar os sinais por uma sociedade a ele ligada, a saber, a Canal Digitaal, e assegura a transmissão para o satélite Astra.

58.      Para responder às questões apresentadas importa recordar que o artigo 2.° da Directiva 93/83 dispõe que o autor de uma obra protegida pelos direitos de que seja titular tem o direito exclusivo de autorizar a comunicação ao público por satélite dessa obra. No caso vertente, as disposições pertinentes da Directiva 93/83 são as do artigo 1.°, n.° 2, alíneas a) a c), que define o conceito de «comunicação ao público por satélite» na acepção desta directiva.

59.      O teor destas disposições mostra que há que ter em conta vários critérios para o acto poder ser qualificado como «comunicação ao público por satélite», implicando a necessidade de uma autorização do titular dos direitos sobre a obra difundida.

60.      As partes no processo principal estão de acordo relativamente à série de elementos que o Tribunal de Justiça deveria examinar, mas divergem quanto à resposta a dar às questões prejudiciais. Por um lado, a Airfield e a Canal Digitaal consideram que a Directiva 93/83 obsta a que se imponha ao fornecedor de pacotes de canais de televisão por satélite a obrigação de obter uma autorização específica dos autores de programas, visto que a intervenção de tal fornecedor se resume à prestação de serviços técnicos. Por outro lado, a Agicoa e a Sabam defendem o contrário, alegando que a «comunicação ao público por satélite» é efectuada não apenas pelos organismos de radiodifusão mas também pelo referido fornecedor de pacotes de canais de televisão por satélite.

61.      Observo, desde já, que o conceito de «sinais portadores de programas» na acepção do artigo 1.°, n.° 2, da Directiva 93/83, não levanta qualquer problema. De facto, é indubitável que os sinais em causa nos processos principais podem ser qualificados como tais.

62.      A Agicoa e a Sabam argumentam que os referidos sinais se destinam ao fornecedor de pacotes de canais de televisão por satélite e não ao público enquanto tal, ao passo que, segundo a Airfield e a Canal Digitaal, não é esse fornecedor que emite para o público, especialmente na fase de transmissão ascendente.

63.      Decorre da jurisprudência que o conceito de «público» na acepção do artigo 1.°, n.° 2, da Directiva 93/83 se reporta ao grande público, por oposição aos profissionais (35). Por conseguinte, há que excluir da qualificação de «comunicação ao público por satélite» a parte dos actos de retransmissão que corresponde à captação dos sinais por um profissional como a Airfield. A hipótese prevista pelo órgão jurisdicional de reenvio é a da operação que principia com o fornecimento dos sinais portadores de programas por um organismo de radiodifusão e termina com a possibilidade de, no final do processo, os assinantes do fornecedor de televisão por satélite verem os programas na íntegra, sem serem diferidos nem desvirtuados. Em minha opinião, este público, mesmo que potencial (36), é pertinente no que se refere à questão prejudicial.

64.      No presente caso, o público abrangido pela actividade da Airfield é constituído pelas pessoas que celebraram um contrato de assinatura com esta sociedade. O organismo de radiodifusão pode perfeitamente ter tido como alvo um público diferente, devendo indicar‑se que nenhum dos organismos cujos programas integram os pacotes de canais da Airfield reserva a distribuição dos seus sinais exclusivamente a esta. Ora, esta abordagem no que respeita à existência de um «público novo» foi adoptada pelo Tribunal de Justiça no acórdão SGAE, já referido, relativamente ao conceito de «comunicação ao público por satélite» tal como prevista no artigo 3.°, n.° 1, da Directiva 2001/09 (37) que, no essencial, se destina a substituir o artigo 2.° da Directiva 93/83 (38). No caso vertente, pode considerar‑se necessário dissociar a comunicação ao público inicialmente feita pelo organismo de radiodifusão, que pode ser captada gratuitamente por qualquer pessoa que disponha de um equipamento de acesso apropriado, da efectuada pelo fornecedor de canais de televisão por satélite, que só é acessível aos assinantes aos quais foi distribuído um cartão de descodificação. Sendo os seus públicos diferentes, os interesses económicos destes dois operadores que, segundo os dois despachos de reenvio, são independentes um do outro, também são distintos (39).

65.      Na audiência, a Airfield admitiu que seria necessária uma autorização especial dos autores e, portanto, outra remuneração dos mesmos, na hipótese, que não se verifica no caso em apreço, de a sua retransmissão ser diferida no tempo em relação à efectuada pelos organismos de radiodifusão. No entanto, como a Sabam e a Comissão, considero que pouco importa que a difusão pelo fornecedor de pacotes de canais de televisão por satélite seja diferida ou, como nos processos principais, simultânea. O critério essencial para que se verifiquem actos de exploração separados é que a Airfield tenha actuado com um público alvo determinado, isto é, o público especificamente visado pela oferta global de programas, operação que proporciona ao fornecedor de pacotes de canais de televisão por satélite um valor económico acrescentado.

66.      A Airfield define o seu próprio público ao compor os pacotes de canais de televisão que, por definição, são um produto audiovisual diferente dos canais individuais que os constituem. Como a Comissão indicou na audiência, pode tratar‑se tanto de uma emissão primária pela Airfield como de uma redifusão mas, em ambos os casos, o fornecedor de pacotes de canais de televisão por satélite deve dispor da sua própria autorização concedida pelos titulares dos direitos de autor. Em minha opinião, a única excepção admissível é a do caso em que, nos termos de um acordo contratual com os autores e em conformidade com a legislação nacional (40), o organismo de radiodifusão tenha podido ceder a sua autorização ao fornecedor de pacotes de canais de televisão por satélite que efectua uma retransmissão em simultâneo. Ora, esta possibilidade parece estar excluída no caso em análise, atendendo às indicações que a Sabam deu na audiência, especificando que os contratos gerais de autorização e de remuneração por ela celebrados com os organismos de radiodifusão em causa exigiam que estes assegurassem eles próprios a difusão das obras protegidas e excluíam expressamente a possibilidade de estes últimos recorrerem a um terceiro para distribuir ou redifundir os programas objecto da autorização que lhes tivesse sido concedida pelos titulares dos direitos de autor.

67.      Depois de terem salientado que a Directiva 93/83 não define claramente o conceito de «acto de introdução, sob o controlo e a responsabilidade do organismo de radiodifusão» na acepção do artigo 1.°, n.° 2, alínea a), da referida directiva, a Airfield e a Canal Digitaal consideram que intervêm na qualidade de meros subcontratantes, limitando‑se a prestar apoio técnico aos organismos de radiodifusão, pois não são as demandantes que decidem o conteúdo dos programas emitidos nem o momento da sua difusão (41).

68.      Na audiência, a Comissão considerou, no entanto, que o fornecedor de pacotes de canais de televisão por satélite actua como um organismo de radiodifusão na medida em que, pelo menos, dá instruções e realiza uma grupagem de canais de televisão. A Agicoa e a Sabam refutam também a análise da Airfield e da Canal Digitaal, pelo facto de estas últimas desempenharem um papel de «facilitadoras» em relação aos organismos de radiodifusão com os quais foram celebrados contratos.

69.      Faço notar que, no caso vertente, o órgão jurisdicional de reenvio, nos termos da sua primeira questão prejudicial, dá por adquirido que o «organismo de radiodifusão transmite os seus sinais portadores de programas a um fornecedor de televisão digital por satélite». Daí resulta que visivelmente é esse organismo que está na origem do processo de comunicação. Resta saber se é ele e não a Airfield que realiza o «acto de introdução» pertinente de comunicação ao público por satélite, na acepção da Directiva 93/83, ou se, enquanto simples produtor de material para difusão, se limita a fornecer o conteúdo audiovisual cuja difusão por satélite é executada, tanto do ponto técnico como jurídico, sob o controlo da Airfield e da Canal Digitaal.

70.      Em meu entender, a resposta encontra‑se nos contratos de transmissão que a Airfield celebrou com os organismos de radiodifusão. Com efeito, do n.° 7.2 do contrato‑tipo de «carriage agreement» junto aos autos decorre que a Airfield tem a faculdade discricionária de seleccionar os programas televisivos que entende incluir na sua oferta em todo ou em parte de um território, em contrapartida do pagamento de uma remuneração. Portanto, é este fornecedor de canais de televisão por satélite que define o conteúdo daquilo que é enviado na transmissão ascendente. Consequentemente, enquanto responsável pela comunicação ao público, deve obter uma autorização dos titulares de direitos.

71.      Recordo que o efeito útil do artigo 1.°, n.° 2, alínea a), da Directiva 93/83, é definir o acto de exploração pertinente do ponto de vista dos direitos de autor, no contexto da radiodifusão por satélite. A solução adoptada pelo legislador comunitário só tem sentido se a comunicação ao público por satélite for entendida como uma cadeia causal única e fechada que consiste num acto de introdução dos sinais, seguido de uma transmissão ascendente para o satélite, e de uma ligação descendente, tudo sob a responsabilidade e o controlo do organismo de radiodifusão que efectuou a emissão primária.

72.      Nas suas observações escritas, a Comissão salientou que, tendo em conta o objectivo de certeza jurídica pretendido pela Directiva 93/83, convém não fazer depender a aplicabilidade das suas disposições das contingências de ordem técnica do satélite. Da jurisprudência do Tribunal de Justiça depreende‑se que o sistema de difusão deve ser fechado, no sentido de que o público não deve ter acesso aos sinais portadores de programas enquanto estes estiverem na cadeia de comunicação (42). Considero que é este o caso análise, pois, dada a codificação do sinal transmitido, não é possível qualquer interrupção por um terceiro.

73.      A Airfield e a Canal Digitaal sustentam que, como as suas intervenções se limitam a «processos técnicos normais», não podem ser consideradas susceptíveis de causar uma interrupção do sinal (43), em conformidade com o décimo quarto considerando da Directiva 93/83 (44). Na audiência, os interessados alegaram que a composição de pacotes de canais de televisão por satélite não origina interrupções, uma vez que os programas são retransmitidos tal como são recebidos do organismo de radiodifusão, sem alteração do seu conteúdo nem sequer do seu horário de transmissão e que as operações técnicas que efectuam não constituem, por isso, actos que dêem direito a receber direitos de autor.

74.      Tendo em conta a redacção da questão prejudicial e os elementos que figuram nos autos, subscrevo a análise em contrário da Agicoa e da Sabam de que as referidas intervenções (45) implicam uma adaptação técnica dos sinais emitidos pelos organismos de radiodifusão e de que, por conseguinte, levam a uma interrupção da cadeia de comunicações. Importa salientar que a Airfield, com o apoio técnico da Canal Digitaal, altera a natureza dos sinais emitidos pelos organismos de radiodifusão e utiliza a sua própria frequência para difundir os programas televisivos, o que permite considerar que este fornecedor de pacotes de canais de televisão por satélite actua de modo autónomo em relação aos referidos organismos. Considero que estes actos são mais do que «processos técnicos normais» (46), que há uma interrupção da cadeia de comunicação inicialmente aberta pelos organismos de radiodifusão e que existe uma nova cadeia, criada e definida pela Airfield. Esta operação permite‑lhe orientar a retransmissão por satélite dos programas em causa para um público diferente do do organismo de radiodifusão que efectuou a emissão primária, mesmo que a difusão destes programas se faça em simultâneo e o seu conteúdo seja totalmente idêntico.

75.      Da leitura dos dois despachos de reenvio constata‑se que o órgão jurisdicional nacional parte da hipótese de que os sinais portadores de programas são difundidos com codificação e recebidos nesse estado pelos assinantes do fornecedor de pacotes de canais de televisão por satélite, que lhes distribui um cartão de descodificação desses sinais. Por conseguinte, o caso em análise é abrangido pelas disposições do artigo 1.°, n.° 2, alínea c), da Directiva 93/83.

76.      A Airfield indica que os organismos de radiodifusão deram o seu acordo para que ela vendesse esses cartões aos seus clientes. Porém, segundo a Agicoa e a Sabam, os interessados não apresentaram prova desse alegado consentimento. Compete ao órgão jurisdicional nacional apreciar se foram produzidos elementos de prova suficientes.

77.      Pronunciando‑se na audiência sobre este último critério, a Airfield alegou que os organismos de radiodifusão pedem o seu apoio técnico para codificar os programas precisamente para estes só poderem ser recebidos no território escolhido, isto é, a Flandres belga, e não serem acessíveis a todo o público (47). Em minha opinião, isto mostra bem que a intervenção do fornecedor de pacotes de canais de televisão por satélite tem grande influência na orientação da «comunicação ao público por satélite», na acepção da Directiva 93/83. Em minha opinião, não se pode presumir que a autorização concedida pelos titulares de direitos a um organismo, para o acto de exploração que consiste na difusão de emissões primárias por satélite, abrange a retransmissão dos mesmos programas por um operador independente, tendo como destinatários os seus clientes, que constituem um público diferente.

78.      À luz de todos estes elementos, considero que se deve dar resposta negativa à primeira questão prejudicial, ou seja, declarar que a Directiva 93/83 deve ser interpretada no sentido de que não é incompatível com o direito da União que o direito de um Estado‑Membro imponha a um fornecedor de pacotes de canais de televisão por satélite a obrigação de obter uma autorização especial para utilizar os sinais portadores de programas protegidos por direitos de autor, quando esses sinais são retransmitidos indirectamente por um organismo de radiodifusão, o que implica uma participação mais activa do referido fornecedor, em circunstâncias como as dos litígios nos processos principais.

D –    Quanto à autorização a obter no âmbito de uma retransmissão directa dos canais de televisão incluídos no pacote de canais de televisão por satélite

79.      Com a sua segunda questão prejudicial, o hof van beroep te Brussel pergunta, em substância, se a Directiva 93/83 obsta a que se imponha a um fornecedor de pacotes de canais de televisão por satélite a obrigação de obter uma autorização dos titulares dos direitos relativos à comunicação de obras protegidas, no âmbito de uma retransmissão directa de canais de televisão por um organismo de radiodifusão, nas circunstâncias do caso em análise.

80.      Os elementos que diferenciam esta questão prejudicial da primeira dizem respeito não às regras do direito da União cuja interpretação é solicitada, uma vez que se trata ainda das disposições pertinentes da directiva referida, mas aos elementos de facto dos litígios nos processos principais que são objecto do pedido de decisão prejudicial. Com efeito, no caso que evoca como «situação 2», o órgão jurisdicional de reenvio refere outra repartição dos papéis, na qual o organismo de radiodifusão é mais activo na difusão dos canais de televisão oferecidos pelo fornecedor de pacotes de canais de televisão por satélite, mais precisamente na fase inicial deste processo, que é a transmissão ascendente (48).

81.      Nessa hipótese, a retransmissão pode ser qualificada como «directa» porque o organismo de radiodifusão assegura, por si próprio ou com a ajuda de terceiros, a codificação dos sinais portadores dos seus programas e o envio destes para o satélite, sem a intervenção da Airfield ou da Canal Digitaal. O fornecedor de pacotes de canais de televisão por satélite e a empresa a ele ligada limitam‑se a dar ao referido organismo «instruções», segundo a terminologia usada na segunda questão prejudicial.

82.      As condições de aplicação das disposições do artigo 1.°, n.° 2, alíneas a) a c), da Directiva 93/83 que foram analisadas relativamente à primeira questão prejudicial são igualmente operantes a este respeito. Embora as considerações de ordem geral anteriormente formuladas relativamente às referidas condições também sejam aqui válidas devem, no entanto, ser objecto de uma apreciação concreta apropriada a esta situação, dadas as diferenças em relação às outras situações referidas pelo órgão jurisdicional de reenvio.

83.      As partes nos processos principais assumem as mesmas posições antagónicas que no âmbito da resposta à primeira questão prejudicial. Tendo em conta que a intervenção do fornecedor de pacotes de canais de televisão por satélite na operação em causa é, por hipótese, mais limitada neste caso do que no previsto na questão precedente, se se verificasse que era dada resposta afirmativa a esta, a meu ver o Tribunal de Justiça deveria concluir, a fortiori, que não se pode impor ao referido fornecedor a obrigação de obter uma autorização relativamente a uma retransmissão assegurada de forma mais activa pelo organismo de radiodifusão. Esclareço desde já que proponho ao Tribunal de Justiça que interprete as disposições pertinentes da Directiva 93/83 no sentido de dar uma resposta oposta nos dois casos em análise.

84.      À semelhança do que foi referido relativamente à primeira questão, é possível considerar que os sinais portadores dos programas televisivos que o organismo de radiodifusão emite, desta feita de forma directa, não se destinam, enquanto tal, a ser captados pelo público na fase de transmissão ascendente, mas apenas na de transmissão descendente. No entanto, no final da cadeia de comunicação, que deve ser vista no seu todo, estes sinais chegam a um público específico e, por conseguinte, novo no plano económico, constituído pelos clientes da Airfield.

85.      Na minha opinião, a intervenção do fornecedor de pacotes de canais de televisão por satélite dá‑se logo na primeira fase da difusão, embora de forma mais moderada do que nas hipóteses previstas pela primeira questão prejudicial. Com efeito, segundo os dois despachos de reenvio, o fornecedor dá as suas «instruções» aos organismos de radiodifusão em causa a fim de que estes utilizem, nas operações de codificação de que os próprios se encarregam, os mesmos códigos que os seus, desse modo permitindo mais tarde aos clientes da Airfield descodificar os sinais com o cartão que lhes é fornecido e ver os programas daqueles organismos.

86.      No presente caso, é incontestável que os sinais portadores de programas são introduzidos na cadeia de comunicação sob o controlo e a responsabilidade do organismo de radiodifusão uma vez que – e aqui reside a diferença mais clara com a situação anteriormente tratada – o referido organismo envia esses sinais para o satélite pelos seus próprios meios. Este acto afigura‑se, assim, imputável ao organismo de radiodifusão e não ao fornecedor, sem esquecer que, segundo o órgão jurisdicional de reenvio, são entidades independentes uma da outra.

87.      Porém, os organismos de radiodifusão perdem o controlo das operações devido à intervenção da Airfield. Em concreto, esta última presta mais do que um simples apoio técnico, pois define, por um lado, as chaves de codificação e, por outro, a composição dos pacotes de programas, nas condições obrigatórias previstas pelos «heads of agreement» celebrados com cada um dos organismos de radiodifusão que optaram por uma retransmissão dita directa. Em particular, o n.° 3.1. dos referidos contratos dispõe que a Airfield tem o poder discricionário de incluir, ou não, os programas televisivos na sua oferta, mediante o pagamento de uma remuneração, em contrapartida dessa vantagem. Parece‑me que, nestas condições, os organismos interessados não têm o controlo total e, portanto, a responsabilidade total pelas operações relativas à transmissão ascendente mas que, pelo menos, partilham esses atributos com o fornecedor de pacotes de canais de televisão por satélite, ou mesmo que esses atributos são exclusivos deste último.

88.      Segundo a Airfield, a sua intervenção limitada na cadeia de comunicação é um processo técnico normal e não constitui uma causa de interrupção da mesma. Contudo, na minha opinião, as «instruções» que dá não são despiciendas, pois não só são frequentes (49) como, sobretudo, dado que são tais instruções que, por um lado, garantem que o público a que o referido fornecedor se dirige, isto é, as pessoas que celebraram um contrato de assinatura, possa receber os programas difundidos e descodificá‑los (50) e que, por outro, permitem que esses programas sejam agrupados em pacotes compostos pela selecção realizada pelo fornecedor.

89.      Ora, a autorização de comunicação ao público, concedida ao organismo de radiodifusão pelo autor de um programa televisivo, não equivale necessariamente ao consentimento para que esse programa se encontre associado, num conjunto escolhido pela Airfield, a outros programas cuja natureza ou objecto poderia parecer pouco compatível com o público que o autor dessa obra protegida pretende atingir (51). O facto de o fornecedor de pacotes de canais de televisão por satélite ter a obrigação de obter uma autorização do autor permite a este último preservar tantos os seus interesses financeiros como os seus direitos morais sobre o programa difundido de forma agrupada.

90.      O dispositivo de descodificação necessário para visualizar as emissões em causa é entregue pelo fornecedor de pacotes de canais de televisão por satélite aos seus assinantes mas, aparentemente, com o acordo do organismo de radiodifusão. Como este facto é contestado, compete ao órgão jurisdicional de reenvio apurar se foi feita prova do mesmo.

91.      Este último elemento não põe em causa a minha análise segundo a qual o fornecedor de pacotes de canais de televisão por satélite pratica realmente um acto de exploração das obras protegidas por direitos de autor e por direitos conexos, distinto do acto do organismo de radiodifusão e que constitui uma «comunicação ao público por satélite», na acepção da Directiva 93/83 (52).

92.      Considero, portanto, que se deve dar resposta negativa à segunda questão prejudicial, tal como à primeira, apesar de os sinais portadores de programas serem, neste caso, retransmitidos em directo pelo organismo de radiodifusão e, por conseguinte, com uma intervenção mais moderada do fornecedor de pacotes de canais de televisão por satélite, nas circunstâncias do caso em apreço.

VI – Conclusão

93.      Atendendo às considerações precedentes, proponho ao Tribunal de Justiça que responda do seguinte modo às questões prejudiciais submetidas pelo hof van beroep te Brussel:

«A Directiva 93/83/CEE do Conselho, de 27 de Setembro de 1993, relativa à coordenação de determinadas disposições em matéria de direito de autor e direitos conexos aplicáveis à radiodifusão por satélite e à retransmissão por cabo, não obsta a que seja imposta a um fornecedor de pacotes de canais de televisão por satélite a obrigação de obter a autorização dos titulares de direitos de autor ou de direitos conexos para operações nas quais um organismo de radiodifusão lhe fornece os sinais portadores dos seus programas em circunstâncias como as dos processos principais».


1 – Língua original: francês.


2 – Chamada «Directiva satélite‑cabo», JO L 248, p. 15.


3 – (JO L 298, p. 23).Esta directiva foi revista em 1997 (JO L 202, p. 60) e em 2007 (JO L 332, p. 27).


4 – V. quarto, quinto e décimo segundo considerandos da directiva 93/83.


5 – Chamada «Directiva Sociedade da informação», JO L 167, p. 10.


6 – No acórdão de 7 de Dezembro de 2006, SGAE (C‑306/05, Colect., p. I‑11519, n.° 30) o Tribunal de Justiça salientou que, enquanto a Directiva 93/83 apenas prevê uma harmonização mínima de determinados aspectos da protecção dos direitos de autor e dos direitos conexos em caso de comunicação ao público por satélite ou de retransmissão por cabo de emissões provenientes de outros Estados‑Membros, a Directiva 2001/29 aplica‑se a todas as comunicações ao público de obras protegidas.


7Moniteur belge de 27 de Julho de 1994, p. 19297. Esta lei entrou em vigor no dia 1 de Agosto de 1994.


8 – O trecho citado entre parênteses foi acrescentado pela lei de 22 de Maio de 2005, que transpôs para o direito belga a Directiva 2001/29.


9 – Segundo o órgão jurisdicional de reenvio, só lhe foi facultada uma versão inglesa desses contratos.


10 – Mais precisamente, a Agicoa Belgium, demandante no processo principal, exerce esta actividade com base nos mandatos de gestão que lhe foram conferidos tanto pela association de gestion internationale collective des oeuvres audivisuelles (AGICOA) (associação de direito suíço) como pela beheers‑en belangenvennootschap voor audiovisuele producenten (BAVP), sociedade cooperativa belga de responsabilidade limitada.


11 – Convenção de Berna para a protecção das obras literárias e artísticas (Acto de Paris de 24 de Julho de 1971), conforme alterada em 28 de Setembro de 1979 (a seguir «Convenção de Berna»).


12 – A este respeito, a Agicoa remete para os acórdãos de 22 de Janeiro de 2002, Canal Satélite Digital (C‑390/99, Colect., p. I‑607, n.° 19) e de 5 de Fevereiro de 2004, Schneider (C‑380/01, Colect., p. I‑1389, n.° 22) que dispõem, segundo jurisprudência constante, que «a recusa de decisão quanto a uma questão prejudicial submetida pelo órgão jurisdicional nacional só é possível quando é manifesto que a interpretação do direito comunitário solicitada não tem qualquer relação com a realidade ou com o objecto do litígio no processo principal, quando o problema é hipotético ou ainda quando o Tribunal não dispõe dos elementos de facto e de direito necessários para responder utilmente às questões que lhe são colocadas».


13 – «Os autores de obras literárias e artísticas gozam do direito exclusivo de autorizar: (…) 2) qualquer comunicação pública, quer por fio, quer sem fio, da obra radiodifundida, quando essa comunicação seja feita por outro organismo que não o de origem».


14 – A acta da primeira reunião deste grupo de trabalho, que teve lugar em 28 de Novembro de 2002, recorda que «a consulta dos operadores económicos em questão […] tinha sido comunicada no relatório sobre a aplicação da [Directiva 93/83]». Esta acta está disponível no sítio Internet da Comissão: http://ec.europa.eu/internal_market/copyright/docs/satellite‑cable/working‑group‑satellite_fr.pdf.


15 – A acta da segunda reunião pode ser consultada no sítio Internet da Comissão:


http://ec.europa.eu/internal_market/copyright/docs/satellite‑cable/working‑group‑satellite‑05‑03_fr.pdf.


16 – Segundo este artigo, entende‑se por satélite «qualquer satélite que opere em bandas de frequência que, nos termos da legislação sobre telecomunicações, se encontrem reservadas à radiodifusão de sinais que se destinem a ser captados pelo público ou à comunicação individual não pública.»


17 – V. acórdão de 21 de Outubro de 2010, Padawan (C‑467/08, ainda não publicado na Colectânea, n.os 21 e segs. e a jurisprudência referida), e n.os 48 e segs. das conclusões apresentadas nesse processo pela advogada‑geral V. Trstenjak.


18 – Presunção que o Tribunal de Justiça recordou recentemente no seu acórdão de 12 de Outubro de 2010, Rosenbladt (C‑45/09, ainda não publicado na Colectânea, n.° 33).


19 – Faço notar que esta problemática foi abordada pelo grupo de trabalho sobre a radiodifusão por satélite na sua segunda reunião, realizada em 2003. De facto, o trecho citado pela Agicoa, acima referido, acrescenta: «A este respeito, os serviços da Comissão recordaram que só podiam ser tidas em conta no quadro da [Directiva 93/83] as actividades com uma dimensão transfronteiriça e que a actividade de retransmissão de canais nacionais por um fornecedor de pacotes televisivos por satélite, destinados a ser recebidos pelo público no interior de fronteiras nacionais, não pode ser abrangida pelo âmbito de aplicação dessa directiva baseada nos artigos 43.° e 49.° do Tratado CE, relativos à liberdade de estabelecimento e à livre prestação de serviços».


20 – Acórdão de 13 de Janeiro de 2000, TK‑Heimdienst (C‑254/98, Colect., p. I‑151, n.os 14 e 15).


21 – Com efeito, segundo os dois despachos de reenvio, o fornecedor de pacotes televisivos por satélite é uma sociedade belga que colabora com uma sociedade neerlandesa, sendo os sinais portadores de programas recebidos tanto nos Países Baixos como no Luxemburgo e os programas transmitidos por satélite, originários de vários Estados‑Membros da União, podem ser vistos por públicos estabelecidos noutros territórios, em especial na Bélgica e no Luxemburgo.


22 – A Comissão indicou que, tendo dúvidas quanto à questão de saber se as transmissões feitas pela Airfield são emissões primárias, como tinha considerado nos seus articulados ou, pelo contrário, retransmissões, decidiu não alterar a sua posição inicial para o caso de o órgão jurisdicional de reenvio considerar que, no presente caso, são emissões primárias, mas acrescentar elementos para também responder na outra hipótese.


23 – A saber, segundo jurisprudência constante (v., designadamente o acórdão de 6 de Março 2007, Placanica e o., C‑338/04, C‑359/04 e C‑360/04, Colect., p. I‑1891, n.° 34 e jurisprudência referida) de forma não só a que o Tribunal de Justiça esteja em condições de dar respostas úteis para decidir os litígios nos processos principais, mas que os governos dos Estados‑Membros e as outras partes interessadas possam apresentar observações, nos termos do artigo 23.° do Estatuto do Tribunal de Justiça.


24 – Objectivo igualmente enunciado no quinto considerando da Directiva 93/83.


25 – V. proposta da Comissão na origem da Directiva 93/83, COM(91) 276 final, p. 33 e segs., relatório da Comissão Europeia sobre a aplicação desta directiva COM(2002) 430 final, em especial págs. 6 a 8, e os acórdãos de 3 de Fevereiro de 2000, Egeda (C‑293/98, Colect., p. I‑629, n.os 15, 20 e 21) e de 14 de Julho de 2005, Lagardère Active Broadcast (já referido, n.º 42).


26 – V. a jurisprudência referida no acórdão Padawan, já referido (n.os 31 e segs.) e as conclusões da advogada‑geral V. Trstenjak no referido processo (n.os 61 e segs.) cujas considerações me parecem transponíveis para o presente caso.


27 – V., entre outros, acórdão Lagardère Active Broadcast (já referido, n.os 26 e segs.).


28 – V., designadamente, Convenção de Berna e Tratado sobre o Direito de Autor adoptado em Genebra, em 20 de Dezembro de 1996, pela Organização Mundial da Propriedade Intelectual (a seguir «Tratado OMPI sobre o direito de autor»). Relativamente ao nexo entre o conceito de «comunicação ao público» nesses textos e o mesmo conceito constante do artigo 3.°, n.° 1, da Directiva 2001/29, v. n.° 127 e segs. das conclusões apresentadas pela advogada‑geral Kokott no processo Football Association Premier League e o., C‑403/08, ainda pendente.


29 –      Saliento que o artigo 3.°, n.° 2, da Directiva 93/83, relativo à «aquisição de direitos de radiodifusão», dispõe que «[o]s Estados‑Membros podem prever que um acordo colectivo celebrado entre uma entidade de gestão e um organismo de radiodifusão em relação a uma determinada categoria de obras seja tornado extensivo aos titulares de direitos da mesma categoria não representados pela entidade de gestão, desde que a comunicação ao público por satélite se verifique em simultâneo com uma emissão terrestre pelo mesmo radiodifusor. (…)». Neste quadro, o organismo de radiodifusão apenas beneficia do sistema previsto desde que haja uma emissão primária em simultâneo com a comunicação ao público por satélite.


30 – O artigo 1.°, alínea a), da Directiva 89/552, na versão aplicável no momento de adopção da Directiva 93/83, previa que: «[p]ara efeitos da presente directiva, entende‑se por: a) ‘Radiodifusão televisiva’, a transmissão primária, com ou sem fio, terrestre ou por satélite, codificada ou não, de programas televisivos destinados ao público. A radiodifusão televisiva inclui a comunicação de programas entre empresas com vista à sua difusão ao público. (…)». Em contrapartida, penso que a Directiva 93/83 se aplica apenas às emissões primárias por satélite, regulando igualmente a retransmissão por cabo.


31 – Comparar com o artigo 1.°, n.° 3, da Directiva 93/83, relativo à difusão por cabo, que dispõe que «[p]ara efeitos da presente directiva, entende‑se por ‘retransmissão por cabo’ a retransmissão ao público, simultânea, inalterada e integral, por cabo ou microondas, de uma emissão primária a partir de outro Estado‑Membro, com ou sem fio, incluindo por satélite, de programas de televisão ou rádio destinados à recepção pelo público.» Em contrapartida, penso que a Directiva 93/83 se aplica apenas às emissões primárias.


32 – Já referido (n.° 25 e segs.). V. igualmente, a este respeito, acórdão SGAE, já referido (n.° 30).


33 – V. proposta inicial de directiva COM(91) 276 final, p. 33, n.° 3 e proposta modificada de directiva, COM(92) 526 final, em especial, p. 7.


34 – A saber, as «situações 1 e 3» referidas pelo órgão jurisdicional de reenvio, por oposição à «situação 2», exposta acima, no quadro factual.


35 – Sobre o conceito de «público» na acepção da Directiva 93/83, v. acórdão Lagardère Active Broadcast, já referido (n.os 31 e segs.), que cita o acórdão de 2 de Junho de 2005, Mediakabel (C‑89/04, Colect., p. I‑4891, n.° 30), relativo à interpretação desta noção nos termos da Directiva 89/552. O Tribunal de Justiça referiu‑se a estes dois acórdãos, no acórdão SGAE (C‑306/05, já citado, n.° 37 e segs.), para interpretar o mesmo conceito na acepção da Directiva 2001/29.


36 – É indiferente que os programas transmitidos sejam realmente visualizados ou não; como acontece com os livros, só a colocação da obra à disposição do público conta para justificar o pagamento de direitos de autor em caso de venda.


37 – No acórdão SGAE, já referido (n.os 41 e segs.), o Tribunal de Justiça, apoiando‑se nas disposições da Convenção de Berna, salienta que «a transmissão [de obras através de aparelhos de televisão instalados em quartos de hotel] se destina a um público diferente do destinatário do acto de comunicação original da obra, ou seja, a um público novo.» Como a recepção das emissões em causa se destina a um círculo mais amplo, num acto independente através do qual a obra emitida é comunicada a um novo público, essa recepção pública dá lugar ao direito exclusivo do autor de a autorizar. V. igualmente o despacho de 18 de Março de 2010, Organismos Sillogikis Diacheirisis Dimiourgon Theatrikon kai Optikoakoustikon Ergon (C‑136/09, ainda não publicado na Colectânea, n.os 38 e segs.), bem como as conclusões da advogada‑geral J. Kokott no processo Football Association Premier League e o., já referidos (n.os 118 e segs.).


38 – V., neste sentido, Hugenholtz, B., «Nouvelle lecture de la Directive Satellite‑Câble: passé, présent, avenir», IRIS Plus 2009‑8, Convergence, droit d’auteur et télévision transfrontière, IRIS Plus 2009‑8, Observatoire européen de l’audiovisuel, Estrasburgo, p. 10, segundo o qual o artigo 3.° da directiva 2001/29 prevê um direito de comunicação ao público enunciado num sentido tão geral que engloba previsivelmente os actos de radiodifusão por satélite. Observo também que o vigésimo terceiro considerando da referida directiva dispõe que este direito deve ser entendido em sentido lato, abrangendo todas as comunicações ao público não presente no local de onde provêm as comunicações, nomeadamente a radiodifusão.


39 – Quanto à tomada em consideração dos actos autónomos de exploração por um operador e à vantagem económica que este assim obtém, v. n.os 56, 57 e 64 das conclusões da advogada‑geral E. Sharpston no processo em que foi proferido o acórdão SGAE, já referido, que faz referência à posição assumida pelo advogado‑geral A. La Pergola no processo em que foi proferido o acórdão Egeda, já referido. O carácter lucrativo da comunicação foi considerado pelo tribunal no acórdão SGAE, já referido (n.° 44).


40 – V. décimo quinto considerando da Directiva 93/83.


41 – Os critérios respeitantes a uma decisão unívoca relativamente ao conteúdo e à transmissão são efectivamente importantes em vista dos trabalhos preparatórios da Directiva 93/83 [v. COM(91) 276 final, p. 33 e segs., e COM(92) 526 final, p. 7].


42 – No n.° 39 do acórdão Lagardère Active Broadcast, já referido, declara‑se que «[a] Directiva 93/83 tem como objectivo um sistema de comunicação fechado, no qual o satélite constitui o elemento central, essencial e insubstituível, de modo que, em caso de avaria deste, a transmissão dos sinais é tecnicamente impossível e, consequentemente, o público não receberá qualquer emissão». No caso em análise, não se contesta que o satélite constitui o elemento chave do sistema.


43 – Uma ruptura da cadeia de comunicação, após a passagem dos sinais pelo satélite, foi salientada no processo em que foi proferido o acórdão Lagardère Active Broadcast, já referido (v. n.os 48 segs. das conclusões do advogado‑geral A. Tizzano no referido processo). A ruptura poderia assim resultar da introdução de publicidades diferentes das contidas nos programas iniciais.


44 – A proposta alterada que levou à adopção da Directiva 93/83 [COM(92) 526 final, p. 7] precisa que não há interrupção desde que o processo técnico utilizado seja normal e enquanto a comunicação permanecer sob o controlo do organismo de radiodifusão. Quanto ao carácter contínuo da cadeia, v. também a proposta de directiva inicial [COM(91) 276 final, n.° 4].


45 – Designadamente operações de compressão, de multiplexagem, de codificação e de selecção dos sinais destinados a compor os pacotes de canais de televisão por satélite difundidos pela Airfield, o que vai além de um simples «meio técnico para garantir ou melhorar a recepção da emissão de origem» e constitui uma intervenção técnica «para dar acesso à obra protegida aos seus clientes», como salientou o Tribunal de Justiça no acórdão SGAE, já referido (nº 42) e no despacho Organismos Sillogikis Diacheirisis Dimiourgon Theatrikon kai Optikoakoustikon Ergon, já referido (n.os 40 e segs.).


46 – Conceito a comparar, por analogia, com a declaração comum relativa ao artigo 8.° do Tratado da OMPI sobre o direito de autor, segundo a qual «[a] mera disponibilização de meios materiais para permitir ou realizar uma comunicação não constitui só por si uma comunicação na acepção do presente tratado ou da Convenção de Berna».


47 – No seu Relatório sobre a aplicação da Directiva 93/83 elaborado em 2002 [COM(2002) 430 final, n.° 3.1.1], a Comissão salientou que a utilização de codificação, associada a uma disponibilização limitada dos dispositivos de descodificação necessários, conduz à atribuição de exclusividades territoriais e, por conseguinte, à fragmentação do mercado interior, o que é contrário aos objectivos prosseguidos pela directiva.


48 – Note‑se que, em contrapartida, no que se refere aos dados relativos à transmissão descendente, as duas questões prejudiciais estão redigidas de forma em tudo idêntica.


49 – Na audiência, o representante da Airfield precisou que os códigos são mudados todos os meses, o que significa, portanto, que o operador dá regularmente novas directivas aos organismos de radiodifusão, relativamente ao método de codificação que devem utilizar.


50 – A Agicoa assinalou, acertadamente, que a Airfield, que tem o controlo exclusivo sobre os sinais, poderia interromper a transmissão a um dos seus clientes, sem nenhuma intervenção dos organismos de radiodifusão, no caso de o interessado não pagar a sua assinatura.


51 – Analogamente, o autor de uma obra literária pode opor‑se a que o seu livro seja posto à venda integrado num lote indivisível, formando um produto novo, que inclua obras que, na sua opinião, podem dar uma má imagem.


52 – A este respeito, observo que, na reunião do grupo de trabalho sobre a radiodifusão por satélite, que se realizou em 2003, a maioria dos participantes, quando se pronunciou relativamente a canais estrangeiros gratuitos não codificados, transmitidos por satélite a partir de outro Estado‑Membro mas cuja recepção é possível em todos os Estados‑Membros, considerou que um contrato entre um fornecedor de canais de televisão por satélite e um radiodifusor, com vista a incluir no pacote um determinado canal (para ter maior visibilidade no pacote através da inserção no guia electrónico de programas) constituía um acordo equivalente a uma autorização dada pelo radiodifusor, o que implicava uma remuneração dos titulares de direitos (acta acessível no sítio internet da Comissão acima referido). Em minha opinião, a haver um acordo do mesmo género sobre uma difusão transfronteiras de canais pagos, o fornecedor de pacotes de canais de televisão por satélite, que obtém com essa operação uma vantagem económica ainda mais segura, tem que, a fortiori, cumprir as obrigações que lhe incumbem em matéria de direitos de autor e de direitos conexos.