Language of document : ECLI:EU:C:2023:900

ACÓRDÃO DO TRIBUNAL DE JUSTIÇA (Primeira Secção)

23 de novembro de 2023 (*)

«Reenvio prejudicial — Harmonização de certos aspetos dos direitos de autor e dos direitos conexos na sociedade de informação — Diretiva 2001/29/CE — Artigo 2.o, alínea e) — Organismos de radiodifusão — Direito de reprodução das fixações de radiodifusões — Artigo 5.o, n.o 2, alínea b) — Exceção de cópia privada — Compensação equitativa — Prejuízo causado aos organismos de radiodifusão — Igualdade de tratamento — Regulamentação nacional que exclui os organismos de radiodifusão do direito a uma compensação equitativa»

No processo C‑260/22,

que tem por objeto um pedido de decisão prejudicial apresentado, nos termos do artigo 267.o TFUE, pelo Landgericht Erfurt (Tribunal Regional de Erfurt, Alemanha), por Decisão de 31 de março de 2022, que deu entrada no Tribunal de Justiça em 19 de abril de 2022, no processo

Seven.One Entertainment Group GmbH

contra

Corint Media GmbH,

O TRIBUNAL DE JUSTIÇA (Primeira Secção),

composto por: A. Arabadjiev, presidente de secção, T. von Danwitz, P. G. Xuereb, A. Kumin e I. Ziemele (relatora), juízes,

advogado‑geral: A. M. Collins,

secretário: K. Hötzel, administradora,

vistos os autos e após a audiência de 29 de março de 2023,

vistas as observações apresentadas:

–        em representação da Seven.One Entertainment Group GmbH, por C. Masch e W. Raitz von Frentz, Rechtsanwälte,

–        em representação da Corint Media GmbH, por O. Fiss e M. von Albrecht, Rechtsanwälte,

–        em representação do Governo Alemão, por J. Möller, J. Heitz e M. Hellmann, na qualidade de agentes,

–        em representação do Governo Italiano, por G. Palmieri, na qualidade de agente, assistida por R. Guizzi, avvocato dello Stato,

–        em representação do Governo Austríaco, por G. Eberhard, F. Koppensteiner e G. Kunnert, na qualidade de agentes,

–        em representação da Comissão Europeia, por G. von Rintelen e J. Samnadda, na qualidade de agentes,

ouvidas as conclusões do advogado‑geral na audiência de 13 de julho de 2023,

profere o presente

Acórdão

1        O pedido de decisão prejudicial tem por objeto a interpretação do artigo 5.o, n.o 2, alínea b), da Diretiva 2001/29/CE do Parlamento Europeu e do Conselho, de 22 de maio de 2001, relativa à harmonização de certos aspetos do direito de autor e dos direitos conexos na sociedade da informação (JO 2001, L 167, p. 10).

2        Este pedido foi apresentado no âmbito de um litígio que opõe a Seven.One Entertainment Group GmbH (a seguir «Seven.One»), um organismo de radiodifusão, à Corint Media GmbH, uma sociedade de gestão coletiva, a respeito do pagamento da «compensação equitativa», ao abrigo do artigo 5.o, n.o 2, alínea b), da Diretiva 2001/29.

 Quadro jurídico

 Direito da União

3        Os considerandos 4, 9, 31, 35 e 38 da Diretiva 2001/29 enunciam:

«(4)      Um enquadramento legal do direito de autor e dos direitos conexos, através de uma maior segurança jurídica e respeitando um elevado nível de proteção da propriedade intelectual, estimulará consideravelmente os investimentos na criatividade e na inovação, nomeadamente nas infraestruturas de rede, o que, por sua vez, se traduzirá em crescimento e num reforço da competitividade da indústria europeia, tanto na área do fornecimento de conteúdos e da tecnologia da informação, como, de uma forma mais geral, num vasto leque de setores industriais e culturais. Este aspeto permitirá salvaguardar o emprego e fomentará a criação de novos postos de trabalho.

[…]

(9)      Qualquer harmonização do direito de autor e direitos conexos deve basear‑se num elevado nível de proteção, uma vez que tais direitos são fundamentais para a criação intelectual. A sua proteção contribui para a manutenção e o desenvolvimento da atividade criativa, no interesse dos autores, dos intérpretes ou executantes, dos produtores, dos consumidores, da cultura, da indústria e do público em geral. A propriedade intelectual é pois reconhecida como parte integrante da propriedade.

[…]

(31)      Deve ser salvaguardado um justo equilíbrio de direitos e interesses entre as diferentes categorias de titulares de direitos, bem como entre as diferentes categorias de titulares de direitos e utilizadores de material protegido. As exceções ou limitações existentes aos direitos estabelecidas a nível dos Estados‑Membros devem ser reapreciadas à luz do novo ambiente eletrónico. As diferenças existentes em termos de exceções e limitações a certos atos sujeitos a restrição têm efeitos negativos diretos no funcionamento do mercado interno do direito de autor e dos direitos conexos. Tais diferenças podem vir a acentuar‑se tendo em conta o desenvolvimento da exploração das obras através das fronteiras e das atividades transfronteiras. No sentido de assegurar o bom funcionamento do mercado interno, tais exceções e limitações devem ser definidas de uma forma mais harmonizada. O grau desta harmonização deve depender do seu impacto no bom funcionamento do mercado interno.

[…]

(35)      Em certos casos de exceção ou limitação, os titulares dos direitos devem receber uma compensação equitativa que os compense de modo adequado da utilização feita das suas obras ou outra matéria protegida. Na determinação da forma, das modalidades e do possível nível dessa compensação equitativa, devem ser tidas em conta as circunstâncias específicas a cada caso. Aquando da avaliação dessas circunstâncias, o principal critério será o possível prejuízo resultante do ato em questão para os titulares de direitos. Nos casos em que os titulares dos direitos já tenham recebido pagamento sob qualquer outra forma, por exemplo como parte de uma taxa de licença, não dará necessariamente lugar a qualquer pagamento específico ou separado. O nível da compensação equitativa deverá ter devidamente em conta o grau de utilização das medidas de caráter tecnológico destinadas à proteção referidas na presente diretiva. Em certas situações em que o prejuízo para o titular do direito seja mínimo, não há lugar a obrigação de pagamento.

[…]

(38)      Deve dar‑se aos Estados‑Membros a faculdade de preverem uma exceção ou limitação ao direito de reprodução mediante uma equitativa compensação, para certos tipos de reproduções de material áudio, visual e audiovisual destinadas a utilização privada. Tal pode incluir a introdução ou a manutenção de sistemas de remuneração para compensar o prejuízo causado aos titulares dos direitos. Embora as diferenças existentes nestes sistemas de remuneração afetem o funcionamento do mercado interno, tais diferenças, no que diz respeito à reprodução analógica privada, não deverão ter um impacto significativo no desenvolvimento da sociedade da informação. A cópia digital privada virá provavelmente a ter uma maior divulgação e um maior impacto económico. Por conseguinte, deverão ser tidas devidamente em conta as diferenças existentes entre a cópia digital privada e a cópia analógica privada e, em certos aspetos, deverá ser estabelecida uma distinção entre elas.»

4        O artigo 2.o desta diretiva, sob a epígrafe «Direito de reprodução», dispõe:

«Os Estados‑Membros devem prever que o direito exclusivo de autorização ou proibição de reproduções, diretas ou indiretas, temporárias ou permanentes, por quaisquer meios e sob qualquer forma, no todo ou em parte, cabe:

a)      Aos autores, para as suas obras;

b)      Aos artistas intérpretes ou executantes, para as fixações das suas prestações;

c)      Aos produtores de fonogramas, para os seus fonogramas;

d)      Aos produtores de primeiras fixações de filmes, para o original e as cópias dos seus filmes;

e)      Aos organismos de radiodifusão, para as fixações das suas radiodifusões, independentemente de estas serem transmitidas por fio ou sem fio, incluindo por cabo ou satélite.»

5        O artigo 5.o da referida diretiva, sob a epígrafe «Exceções e limitações», especifica, nos n.os 2 e 5:

«2.      Os Estados‑Membros podem prever exceções ou limitações ao direito de reprodução previsto no artigo 2.o nos seguintes casos:

[…]

b)      Em relação às reproduções em qualquer meio efetuadas por uma pessoa singular para uso privado e sem fins comerciais diretos ou indiretos, desde que os titulares dos direitos obtenham uma compensação equitativa que tome em conta a aplicação ou a não aplicação de medidas de caráter tecnológico, referidas no artigo 6.o, à obra ou outro material em causa;

[…]

5.      As exceções e limitações contempladas nos n.os 1, 2, 3 e 4 só se aplicarão em certos casos especiais que não entrem em conflito com uma exploração normal da obra ou outro material e não prejudiquem irrazoavelmente os legítimos interesses do titular do direito.»

 Direito alemão

6        O § 53, n.o 1, da Gesetz über Urheberrecht und verwandte Schutzrechte — Urheberrechtsgesetz (Lei dos Direitos de Autor e dos Direitos Conexos), de 9 de setembro de 1965 (BGBl. 1965 I, p. 1273), na sua versão aplicável ao litígio no processo principal (a seguir «UrhG»), prevê:

«São lícitas as cópias individuais de uma obra feitas por uma pessoa singular em qualquer suporte e para uso privado desde que as cópias não sirvam, direta ou indiretamente, fins comerciais e que não sejam feitas com base num exemplar fabricado de modo manifestamente ilegal ou que tenha sido disponibilizado ao público. A pessoa autorizada a fazer cópias também pode solicitar a sua realização a um terceiro desde que esta realização se faça gratuitamente ou desde que se trate de cópias realizadas em papel ou suporte semelhante através de qualquer tipo de técnica fotomecânica ou de qualquer outro processo com efeitos semelhantes.»

7        Nos termos do § 54, n.o 1, da UrhG:

«Se a natureza da obra deixar antever uma reprodução autorizada nos termos do § 53, n.os 1 ou 2, ou dos §§ 60a a 60f, o autor da obra tem direito ao pagamento de uma remuneração adequada pelo fabricante dos dispositivos e dos suportes de armazenamento cujo tipo seja utilizado, sozinho ou em combinação com outros dispositivos, suportes de armazenamento ou acessórios, para a realização de tais reproduções.»

8        O § 87 da UrhG tem a seguinte redação:

«1.      Os organismos de radiodifusão têm o direito exclusivo de

[…]

2.      fazer gravações de vídeo ou áudio da sua radiodifusão, tirar fotografias da sua radiodifusão, bem como reproduzir e distribuir as gravações de vídeo e áudio ou as fotografias, com exceção do direito de aluguer;

[…]

4.      Aplicam‑se mutatis mutandis o § 10, n.o 1, bem como as disposições da parte 1, secção 6, com exceção do § 47, n.o 2, segundo período, e do § 54, n.o 1.»

 Litígio no processo principal e questões prejudiciais

9        A Corint Media é uma sociedade de gestão coletiva que gere os direitos de autor e direitos conexos de canais de televisão e rádio privados. Neste contexto, distribui as receitas provenientes da taxa sobre os suportes virgens aos organismos de radiodifusão.

10      A Seven.One é um organismo de radiodifusão que produz e difunde, em todo o território alemão, um programa televisivo privado, financiado através da publicidade.

11      Estas partes estão vinculadas por um contrato de gestão, que regula o exercício e a exploração exclusivos pela Corint Media dos direitos de autor e direitos conexos da Seven.One para este programa. A este respeito, a Seven.One pediu, nomeadamente, à Corint Media, em conformidade com este contrato, que lhe fosse paga uma compensação ao abrigo da taxa sobre os suportes virgens. Todavia, a Corint Media não pôde satisfazer este pedido, uma vez que o § 87, n.o 4, da UrhG exclui os organismos de radiodifusão do direito à compensação equitativa.

12      O órgão jurisdicional de reenvio tem dúvidas quanto à compatibilidade desta regulamentação nacional com o direito da União. Este órgão jurisdicional observa, antes de mais, que a compensação equitativa deve, em conformidade com o artigo 5.o, n.o 2, alínea b), da Diretiva 2001/29, ser paga aos titulares do direito exclusivo de reprodução afetados pela exceção da cópia privada, entre os quais figuram os organismos de radiodifusão. Ora, esta disposição não prevê nenhuma restrição da compensação equitativa em detrimento de determinados titulares de direitos. Em seguida, a exclusão prevista pela regulamentação nacional é questionável em relação ao princípio da igualdade de tratamento, consagrado no artigo 20.o da Carta dos Direitos Fundamentais da União Europeia (a seguir «Carta»). Por último, esta exclusão é suscetível de restringir a liberdade de radiodifusão, prevista no artigo 11.o da Carta.

13      Nestas circunstâncias, o Landgericht Erfurt (Tribunal Regional de Erfurt) decidiu suspender a instância e submeter ao Tribunal de Justiça as seguintes questões prejudiciais:

«1.      Deve a Diretiva [2001/29] ser interpretada no sentido de que os organismos de radiodifusão são titulares diretos e originários do direito à compensação equitativa prevista no quadro da designada exceção da [“cópia privada”], nos termos do artigo 5.o, n.o 2, alínea b), da Diretiva [2001/29]?

2.      Podem os organismos de radiodifusão, tendo em conta o direito que lhes é conferido pelo artigo 2.o, alínea e), da Diretiva [2001/29], ser excluídos do direito à compensação equitativa prevista no artigo 5.o, n.o 2, alínea b), da Diretiva [2001/29], porque também podem ter o direito a essa compensação equitativa na sua qualidade de produtores de filmes?

3.      Em caso de resposta afirmativa à segunda questão:

É admissível a exclusão geral dos organismos de radiodifusão, apesar de estes, em função da organização concreta dos seus programas, só numa proporção muito reduzida receberem em parte direitos da produção de filmes (em especial programas de televisão com uma participação elevada de programas licenciados por terceiros), e em parte não receberem nenhum direito de produção de filmes (em especial os apresentadores de programas radiofónicos)?»

 Quanto ao pedido de reabertura da fase oral do processo

14      Por requerimento que deu entrada no Tribunal de Justiça em 26 de julho de 2023, a Seven.One pediu a reabertura da fase oral do processo, em aplicação do artigo 83.o do Regulamento de Processo do Tribunal de Justiça.

15      Em apoio do seu pedido, a Seven.One alegou que as conclusões do advogado‑geral exigiam uma discussão mais aprofundada, ou mesmo uma correção. Em especial, a Seven.One observa, por um lado, que o direito exclusivo de os organismos de radiodifusão autorizarem a reprodução das fixações das suas radiodifusões ao abrigo do artigo 2.o, alínea e), da Diretiva 2001/29 deve ser tratado da mesma forma que o direito exclusivo de estes organismos permitirem ou proibirem a fixação das suas radiodifusões, previsto no artigo 7.o, n.o 2, da Diretiva 2006/115/CE do Parlamento Europeu e do Conselho, de 12 de dezembro de 2006, relativa ao direito de aluguer, ao direito de comodato e a certos direitos conexos ao direito de autor em matéria de propriedade intelectual (JO 2006, L 376, p. 28). Por outro lado, a avaliação do prejuízo causado aos organismos de radiodifusão a título da cópia privada não pode ser deixada à apreciação do juiz nacional.

16      A este respeito, importa recordar, por um lado, que o Estatuto do Tribunal de Justiça da União Europeia e o Regulamento de Processo não preveem a possibilidade de os interessados visados no artigo 23.o deste Estatuto apresentarem observações em resposta às conclusões apresentadas pelo advogado‑geral (Acórdão de 9 de junho de 2022, Préfet du Gers e Institut national de la statistique et des études économiques, C‑673/20, EU:C:2022:449, n.o 40 e jurisprudência referida).

17      Por outro lado, por força do artigo 252.o, segundo parágrafo, TFUE, cabe ao advogado‑geral apresentar publicamente, com toda a imparcialidade e independência, conclusões fundamentadas sobre as causas que, nos termos do Estatuto do Tribunal de Justiça da União Europeia, requeiram a sua intervenção. Não se trata, portanto, de um parecer destinado aos juízes ou às partes que emane de uma autoridade externa ao Tribunal de Justiça, mas da opinião individual, fundamentada e expressa publicamente, de um membro da própria instituição. Nestas condições, as conclusões do advogado‑geral não podem ser debatidas pelas partes. Por outro lado, o Tribunal de Justiça não está vinculado nem por estas conclusões do advogado‑geral nem pela fundamentação em que este baseia essas conclusões. Por conseguinte, o desacordo de uma parte com as conclusões do advogado‑geral, sejam quais forem as questões que este último examina nessas conclusões, não constitui, por si, um fundamento justificativo da reabertura da fase oral do processo (Acórdão de 9 de junho de 2022, Préfet du Gers e Institut national de la statistique et des études économiques, C‑673/20, EU:C:2022:449, n.o 41 e jurisprudência referida).

18      No entanto, em conformidade com o artigo 83.o do Regulamento de Processo, o Tribunal pode, a qualquer momento, ouvido o advogado‑geral, ordenar a reabertura da fase oral do processo, designadamente se considerar que não está suficientemente esclarecido, ou quando, após o encerramento desta fase, uma parte invocar um facto novo que possa ter influência determinante na decisão do Tribunal, ou ainda quando o processo deva ser resolvido com base num argumento que não foi debatido entre os interessados.

19      No caso em apreço, o Tribunal de Justiça considera, contudo, ouvido o advogado‑geral, que dispõe de todos os elementos necessários para se pronunciar sobre o presente pedido de decisão prejudicial. Por outro lado, salienta que os elementos invocados pela Seven.One em apoio do seu pedido de reabertura da fase oral do processo não constituem factos novos suscetíveis de poderem ter influência na decisão que é assim chamado a proferir.

20      Nestas condições, não há que ordenar a reabertura da fase oral do processo.

 Quanto às questões prejudiciais

21      Com as suas questões, que importa examinar em conjunto, o órgão jurisdicional de reenvio pergunta, em substância, se o artigo 5.o, n.o 2, alínea b), da Diretiva 2001/29 deve ser interpretado no sentido de que se opõe a uma regulamentação nacional que exclui os organismos de radiodifusão, cujas fixações das radiodifusões são reproduzidas por pessoas singulares para uso privado e sem fins comerciais, do direito a uma compensação equitativa previsto nesta disposição.

22      Segundo jurisprudência constante, na interpretação de uma disposição do direito da União, há que ter em conta não só os seus termos mas também o seu contexto, os objetivos prosseguidos pela regulamentação de que faz parte e, se for caso disso, a sua origem (Acórdão de 19 de dezembro de 2019, Nederlands Uitgeversverbond e Groep Algemene Uitgevers, C‑263/18, EU:C:2019:1111, n.o 38 e jurisprudência referida).

23      Em primeiro lugar, segundo os termos do artigo 5.o, n.o 2, alínea b), da Diretiva 2001/29, os Estados‑Membros podem prever exceções ou limitações ao direito exclusivo de reprodução previsto no artigo 2.o desta diretiva, no caso de reproduções em qualquer meio efetuadas por pessoas singulares para uso privado e sem fins comerciais diretos ou indiretos, desde que os titulares deste direito exclusivo obtenham uma compensação equitativa.

24      A este respeito, resulta expressamente deste artigo 2.o, alínea e), que os organismos de radiodifusão dispõem, à semelhança dos outros titulares de direitos previstos nas alíneas a) a d) deste artigo, do direito exclusivo «de autorização ou proibição de reproduções, diretas ou indiretas, temporárias ou permanentes, por quaisquer meios e sob qualquer forma, no todo ou em parte» para as fixações das suas radiodifusões, independentemente de estas serem transmitidas por fio ou sem fio, incluindo por cabo ou satélite.

25      Decorre assim de uma leitura conjugada do artigo 2.o, alínea e), e do artigo 5.o, n.o 2, alínea b), da Diretiva 2001/29 que aos organismos de radiodifusão, que são titulares de um direito exclusivo de reprodução, deve, em princípio, ser reconhecido, nos Estados‑Membros que aplicaram a exceção da cópia privada, o direito a uma compensação equitativa quando as reproduções das fixações das suas radiodifusões são realizadas por pessoas singulares para uso privado e sem fins comerciais diretos ou indiretos.

26      Esta interpretação literal é corroborada, em segundo lugar, pelo contexto em que se inscrevem estas disposições e pela origem da Diretiva 2001/29.

27      Assim, há que salientar, por um lado, que o artigo 2.o da Diretiva 2001/29, que define, nas suas alíneas a) a e), o direito exclusivo de reprodução das diferentes categorias de titulares de direitos, não procede a nenhuma diferença de tratamento entre estas categorias de titulares. A este respeito, também resulta da exposição de motivos da proposta de diretiva do Parlamento Europeu e do Conselho relativa à harmonização de certos aspetos do direito de autor e dos direitos conexos na Sociedade da Informação, de 10 de dezembro de 1997 [COM (97) 628 final], na origem da Diretiva 2001/29, que a solução adotada pelo artigo 2.o desta diretiva garante que todos os autores, artistas, intérpretes e executantes, produtores de fonogramas e filmes, bem como organismos de difusão, beneficiem do mesmo nível de proteção das suas obras ou de outro material protegido no que respeita aos atos protegidos pelo direito de reprodução.

28      Por outro lado, resulta do considerando 35 da Diretiva 2001/29 que, no caso de determinadas exceções, os titulares dos direitos devem receber uma compensação equitativa que os compense de modo adequado da utilização feita das suas obras ou outra matéria protegida. Além disso, resulta do artigo 5.o, n.o 5, da Diretiva 2001/29 que a exceção contemplada no artigo 5.o, n.o 2, alínea b), desta diretiva só se aplicará em certos casos especiais que não entrem em conflito com uma exploração normal da obra e não prejudiquem irrazoavelmente os legítimos interesses do titular do direito.

29      Daqui resulta que, sob pena de as privar de qualquer efeito útil, estas disposições impõem ao Estado‑Membro que introduziu a exceção da cópia privada que assegure, no âmbito das suas competências, a cobrança efetiva dessa compensação destinada a indemnizar os titulares de direitos lesados pelo prejuízo sofrido, nomeadamente se este ocorreu no território deste Estado‑Membro (v., neste sentido, Acórdão de 8 de setembro de 2022, Ametic (C‑263/21, EU:C:2022:644, n.o 69 e jurisprudência referida).

30      Esta interpretação é corroborada, em terceiro lugar, pelos objetivos prosseguidos pelas disposições em causa.

31      Por um lado, os considerandos 4 e 9 da Diretiva 2001/29 enunciam que esta diretiva tem por objetivo assegurar um elevado nível de proteção da propriedade intelectual, o qual deve estimular consideravelmente os investimentos na criatividade e na inovação, nomeadamente nas infraestruturas de rede, e traduzir‑se em crescimento e num reforço da competitividade da indústria europeia, e que qualquer harmonização do direito de autor e direitos conexos deve basear‑se num elevado nível de proteção, uma vez que tais direitos são fundamentais para a criação intelectual.

32      Por outro lado, no que respeita especificamente ao objetivo prosseguido pelo artigo 5.o, n.o 2, alínea b), desta diretiva, resulta dos seus considerandos 35 e 38 que esta disposição traduz a vontade de o legislador da União Europeia estabelecer um sistema especial de compensação cuja aplicação é desencadeada pela existência de um prejuízo causado aos titulares de direitos, que gera, em princípio, a obrigação de «[indemnizar]» ou de «compensar» estes últimos (Acórdãos de 24 de março de 2022, Austro‑Mechana, C‑433/20, EU:C:2022:217, n.o 37, e de 8 de setembro de 2022, Ametic, C‑263/21, EU:C:2022:644, n.o 35 e jurisprudência referida).

33      Com efeito, deve considerar‑se que a realização de uma cópia por uma pessoa singular que atue a título privado constitui um ato suscetível de provocar um prejuízo para o titular dos direitos em causa, visto ser realizada sem que seja previamente solicitada a autorização deste titular (Acórdão de 29 de novembro de 2017, VCAST, C‑265/16, EU:C:2017:913, n.o 33 e jurisprudência referida).

34      À luz dos elementos precedentes, há que considerar que deve, em princípio, ser reconhecido aos organismos de radiodifusão, referidos no artigo 2.o, alínea e), da Diretiva 2001/29, nos Estados‑Membros que aplicaram a exceção da cópia privada, o direito a uma compensação equitativa previsto no artigo 5.o, n.o 2, alínea b), desta diretiva, à semelhança dos outros titulares de direitos expressamente referidos nesse artigo 2.o

35      Uma vez que as disposições da mesma Diretiva 2001/29 não especificam os diferentes elementos do sistema de compensação equitativa, os Estados‑Membros gozam de uma ampla margem de apreciação para os circunscrever. Cabe nomeadamente aos Estados‑Membros determinar as pessoas que devem pagar essa compensação, bem como fixar a forma, as modalidades e o nível da referida compensação (v., neste sentido, Acórdãos de 24 de março de 2022, Austro‑Mechana, C‑433/20, EU:C:2022:217, n.o 41, e de 8 de setembro de 2022, Ametic, C‑263/21, EU:C:2022:644, n.o 36 e jurisprudência referida).

36      Quando da determinação da forma, das modalidades e do possível nível de tal compensação equitativa, incumbe aos Estados‑Membros, como resulta do considerando 35 da Diretiva 2001/29, ter em conta as circunstâncias específicas a cada caso e, nomeadamente, o possível prejuízo resultante do ato em questão para os titulares de direitos. Além disso, este considerando precisa que certos casos em que o prejuízo causado ao titular do direito é mínimo podem não dar origem a uma obrigação de pagamento.

37      Assim, resulta de jurisprudência assente que a compensação equitativa, bem como, por conseguinte, o regime em que esta assenta e o seu nível, devem estar associados ao prejuízo causado aos titulares de direitos devido à realização das cópias privadas. Com efeito, qualquer compensação equitativa que não esteja ligada ao dano causado aos titulares dos direitos devido a tal realização não é compatível com a exigência, enunciada no considerando 31 da Diretiva 2001/29, segundo a qual deve ser salvaguardado um justo equilíbrio entre os titulares de direitos e os utilizadores do material protegido (Acórdãos de 11 de julho de 2013, Amazon.com International Sales e o., C‑521/11, EU:C:2013:515, n.o 62, e de 24 de março de 2022, Austro‑Mechana, C‑433/20, EU:C:2022:217, n.os 49 e 50 e jurisprudência referida).

38      A este respeito, o Tribunal de Justiça já declarou que, do mesmo modo que os Estados‑Membros podem prever, ou não, qualquer uma das exceções precisadas no artigo 5.o, n.o 2, da Diretiva 2001/29, entre as quais figura a exceção por cópia privada, estes mesmos Estados beneficiam, como confirmado pelo considerando 35 desta diretiva, da faculdade de prever, em certos casos que entram no âmbito de aplicação das exceções que livremente implementarem uma isenção de pagamento da compensação equitativa quando o prejuízo causado aos titulares de direitos seja mínimo (Acórdão de 5 de março de 2015, Copydan Båndkopi, C‑463/12, EU:C:2015:144, n.os 59 e 60).

39      No que se refere à determinação do prejuízo, é certo que resulta da jurisprudência do Tribunal de Justiça que a fixação de um limiar abaixo do qual o prejuízo pode ser qualificado de «mínimo», na aceção deste considerando, deve resultar da margem de apreciação dos Estados‑Membros (Acórdão de 5 de março de 2015, Copydan Båndkopi, C‑463/12, EU:C:2015:144, n.o 61).

40      Todavia, é ainda necessário que, na aplicação deste limiar, os Estados‑Membros respeitem o princípio da igualdade de tratamento, que constitui um princípio geral do direito da União, previsto no artigo 20.o da Carta (Acórdão de 5 de março de 2015, Copydan Båndkopi, C‑463/12, EU:C:2015:144, n.o 31 e jurisprudência referida).

41      No caso em apreço, há que salientar desde logo, primeiro, à semelhança do advogado‑geral no n.o 30 das suas conclusões, que é irrelevante a circunstância, invocada pelo Governo Alemão para justificar a exclusão do conjunto dos organismos de radiodifusão do direito à compensação equitativa, de alguns deles, que têm também a qualidade de produtores de filmes, já receberem uma compensação equitativa a este título.

42      Com efeito, por um lado, o objeto do direito exclusivo de reprodução destes diferentes titulares de direitos não é idêntico. Enquanto o artigo 2.o, alínea d), da Diretiva 2001/29 confere aos produtores de primeiras fixações de filmes o direito exclusivo de autorização da reprodução do original e de cópias dos seus filmes e protege a prestação organizacional e económica destes produtores, o artigo 2.o, alínea e), desta diretiva confere aos organismos de radiodifusão o direito exclusivo de reprodução para as fixações das radiodifusões que difundem e protege o desempenho técnico, consubstanciado na radiodifusão. Daqui resulta que os prejuízos causados a estes titulares ao abrigo da cópia privada também não coincidem.

43      Por outro lado, como resulta dos autos, a qualidade de produtor de filmes dos organismos de radiodifusão é suscetível de intervir com uma intensidade variável, consoante eles próprios produzam as suas radiodifusões, com os seus próprios recursos, materiais e em pessoal, difundam radiodifusões produzidas a pedido por parceiros contratuais ou difundam sob licença radiodifusões produzidas por terceiros.

44      Segundo, como foi recordado nos n.os 37 e 40 do presente acórdão, o sistema em que assenta a compensação equitativa e o seu nível devem estar associados ao prejuízo causado aos titulares de direitos devido à realização das cópias privadas e respeitar o princípio da igualdade de tratamento, conforme consagrado no artigo 20.o da Carta.

45      Neste contexto, o Tribunal de Justiça já declarou que este princípio exige que situações comparáveis não sejam tratadas de maneira diferente e que situações diferentes não sejam tratadas de maneira igual, a menos que esse tratamento seja objetivamente justificado. Uma diferença de tratamento é justificada quando se baseie num critério objetivo e razoável, ou seja, quando esteja relacionada com um objetivo legalmente admissível prosseguido pela regulamentação em causa, e seja proporcionada ao objetivo prosseguido pelo tratamento em questão [Acórdãos de 16 de dezembro de 2008, Huber, C‑524/06, EU:C:2008:724, n.o 75, e de 4 de maio de 2023, Glavna direktsia «Pozharna bezopasnost i zashtita na naselenieto» (Trabalho noturno), C‑529/21 a C‑536/21 e C‑732/21 a C‑738/21, EU:C:2023:374, n.o 52 e jurisprudência referida].

46      A este respeito, tendo em conta as considerações que figuram nos n.os 23 a 34 do presente acórdão, há que constatar que os organismos de radiodifusão, referidos no artigo 2.o, alínea e), da Diretiva 2001/29, se encontram numa situação comparável à dos outros titulares dos direitos mencionados neste artigo, visto que todos estes titulares beneficiam do direito exclusivo de reprodução aí previsto.

47      Por conseguinte, uma diferença de tratamento entre estes organismos de radiodifusão e os outros titulares de direitos deve basear‑se num critério objetivo e razoável e ser proporcionada ao objetivo prosseguido pelo tratamento em questão.

48      A este respeito, a inexistência ou o nível «mínimo» do prejuízo sofrido pela categoria de titulares de direitos constituída pelos organismos de radiodifusão devido à cópia privada das fixações das suas radiodifusões constitui, à luz das considerações recordadas nos n.os 36 e 37 do presente acórdão, esse critério objetivo e razoável, que não vai além do que é necessário para a manutenção de um justo equilíbrio entre os titulares de direitos e os utilizadores de material protegido.

49      Todavia, tendo em conta as considerações que figuram nos n.os 38 e 39 do presente acórdão, incumbe ao juiz nacional, por um lado, assegurar‑se, à luz de critérios objetivos, de que os organismos de radiodifusão, ao contrário das outras categorias de titulares de direito referidas no artigo 2.o da Diretiva 2001/29, apenas sofrem um prejuízo que pode ser qualificado de «mínimo», a título da reprodução não autorizada das fixações das suas radiodifusões. Por outro lado, o juiz nacional tem de verificar, também à luz de critérios objetivos, se, dentro da categoria de titulares de direitos constituída pelos organismos de radiodifusão, todos estes organismos se encontram em situações comparáveis, nomeadamente à luz do prejuízo que sofrem, que justificam que todos esses organismos sejam excluídos do benefício do direito à compensação equitativa.

50      Com efeito, só nesta dupla condição se deve considerar que uma regulamentação nacional que exclui todos os referidos organismos do benefício da compensação equitativa cumpre as exigências do artigo 5.o, n.o 2, alínea b), da Diretiva 2001/29.

51      A este respeito, as partes interessadas que apresentaram observações escritas não estão de acordo quanto à natureza nem quanto à extensão do prejuízo que os organismos de radiodifusão sofreriam devido à cópia privada das fixações das suas radiodifusões nem quanto à comparabilidade das situações em que se encontram estes organismos, consoante beneficiem ou não de financiamento público.

52      Como o advogado‑geral salientou, em substância, no n.o 26 das suas conclusões, a existência e a extensão do eventual prejuízo sofrido pelos organismos de difusão, bem como o exame da comparabilidade das situações em que se encontram as eventuais categorias distintas de organismos de radiodifusão, constituem apreciações de facto que incumbe ao órgão jurisdicional de reenvio efetuar.

53      Tendo em conta todas as considerações precedentes, há que responder às questões submetidas que o artigo 5.o, n.o 2, alínea b), da Diretiva 2001/29 deve ser interpretado no sentido de que se opõe a uma regulamentação nacional que exclui os organismos de radiodifusão, cujas fixações das radiodifusões são reproduzidas por pessoas singulares para uso privado e sem fins comerciais, do direito a uma compensação equitativa previsto nesta disposição, desde que estes organismos sofram um possível prejuízo que não possa ser qualificado de «mínimo».

 Quanto às despesas

54      Revestindo o processo, quanto às partes na causa principal, a natureza de incidente suscitado perante o órgão jurisdicional de reenvio, compete a este decidir quanto às despesas. As despesas efetuadas pelas outras partes para a apresentação de observações ao Tribunal de Justiça não são reembolsáveis.

Pelos fundamentos expostos, o Tribunal de Justiça (Primeira Secção) declara:

O artigo 5.o, n.o 2, alínea b), da Diretiva 2001/29/CE do Parlamento Europeu e do Conselho, de 22 de maio de 2001, relativa à harmonização de certos aspetos do direito de autor e dos direitos conexos na sociedade da informação,

deve ser interpretado no sentido de que:

se opõe a uma regulamentação nacional que exclui os organismos de radiodifusão, cujas fixações das radiodifusões são reproduzidas por pessoas singulares para uso privado e sem fins comerciais, do direito a uma compensação equitativa previsto nesta disposição, desde que estes organismos sofram um possível prejuízo que não possa ser qualificado de «mínimo».

Assinaturas


*      Língua do processo: alemão.