Language of document : ECLI:EU:T:2010:551

ACÓRDÃO DO TRIBUNAL GERAL (Oitava Secção)

17 de Dezembro de 2010 (*)

«Cláusula compromissória – Contrato de prestação de serviços de organização de viagens para missões oficiais – Inexecução do contrato – Admissibilidade – Pagamento do montante principal da dívida – Juros de mora»

No processo T‑460/08,

Comissão Europeia, representada por A. Aresu e A. Caeiros, na qualidade de agentes,

demandante,

contra

Acentro Turismo SpA, com sede em Milão (Itália), representada por A. Carta e G. Murdolo, advogados,

demandada,

que tem por objecto uma acção intentada pela Comissão ao abrigo do artigo 153.° EA com vista a obter a condenação da demandada a pagar as importâncias pretensamente devidas, acrescidas dos juros de mora, em execução do contrato de prestação de serviços 349‑90‑04 TL ISP I, relativo à organização de viagens para missões oficiais do Centro Comum de Investigação,

O TRIBUNAL GERAL (Oitava Secção),

composto por: M. E. Martins Ribeiro, presidente, S. Papasavvas e N. Wahl (relator), juízes,

secretário: J. Palacio González, administrador principal,

vistos os autos e após a audiência de 11 de Fevereiro de 2010,

profere o presente

Acórdão

 Quadro contratual

1        Em 6 de Abril de 1990, a Comunidade Europeia da Energia Atómica (Euratom), representada pela Comissão das Comunidades Europeias, celebrou com a Acentro Divisione Turismo SpA, posteriormente denominada Acentro Turismo SpA (a seguir «Acentro»), o contrato de prestação de serviços 3949‑90‑04 TL ISP I (a seguir «contrato»).

2        O contrato previa que, no interesse da Comissão, a Acentro asseguraria a organização de viagens para as missões oficiais do Centro Comum de Investigação (CCR) situado em Ispra (Itália).

3        Nos termos do seu artigo 2.1, o contrato era concluído por um período inicial de dois anos a contar de 1 de Outubro de 1990. Foi em seguida prorrogado por mais quatro anos através de uma primeira adenda assinada em Ispra em 11 de Agosto de 1992, depois por seis anos numa segunda adenda assinada em Ispra em 7 de Julho de 1994 e, finalmente, por seis meses numa terceira adenda assinada em Ispra em 9 de Setembro de 1996.

4        Segundo o artigo 6.2 do contrato, a Acentro devia completar, três vezes por mês, os registos analíticos das facturas correspondentes aos títulos de viagens emitidos, e enviá‑los aos serviços competentes da Comissão, juntamente com os outros eventuais registos de despesas. Os referidos serviços deviam seguidamente proceder ao seu reembolso no prazo de sessenta dias a contar da data de apresentação dos referidos registos.

5        No artigo 7 do contrato, previa‑se que a Acentro reconhecia à Comissão três tipos de direitos pecuniários:

–        um desconto calculado «a partir de 3% dos montantes relativos aos bilhetes de voos internacionais» (artigo 7.1);

–        uma participação nas despesas inerentes à utilização e à manutenção pela Acentro das instalações postas à sua disposição pela Comissão no interior do sítio de Ispra, designadamente no que respeita às despesas de limpeza, de aquecimento, de ar condicionado e de electricidade, em conformidade com os parâmetros fixados no anexo 1 do contrato (artigo 7.2);

–        o pagamento das despesas de funcionamento ordinário e de execução das missões que lhe tinham sido confiadas, bem como das despesas de telefone, telex e telecópia (artigo 7.3).

6        Por força do disposto no artigo 8 do contrato, a Comissão devia, todos os semestres, enviar à Acentro uma factura relativa aos direitos pecuniários acima referidos, que devia ser paga por esta no prazo de trinta dias a contar da data da recepção.

7        O artigo 15 do contrato dispunha o seguinte:

«15.1 O presente contrato é regulado pela legislação italiana.

15.2      Em caso de contestação, o Tribunal de Justiça das Comunidades Europeias tem competência exclusiva para conhecer de qualquer litígio entre as partes contratantes relativamente ao presente contrato.»

8        O contrato previa igualmente, em conformidade com o artigo 1341.°, segundo parágrafo, do Código Civil italiano (a seguir «CC»), que a cláusula compromissória estipulada devia ser objecto de uma segunda assinatura, em acto separado.

9        O artigo 1341.°, segundo parágrafo, do Código Civil italiano estabelece que «[…] as derrogações à competência da autoridade judicial não produzem efeitos se não forem especificamente aprovadas por escrito.»

 Antecedentes do litígio

10      Após a data de termo do contrato, em 31 de Março de 1997, os serviços competentes da Comissão verificaram que a Acentro não tinha pago duas facturas emitidas pela Comissão em conformidade com o artigo 8 do contrato:

–        a factura com a referência 97170/REE, de 19 de Maio de 1997, no montante de 1 566 571 liras italianas (ITL), referente a despesas relativas à disponibilização das instalações no que respeita ao período de 1 de Setembro de 1996 a 31 de Março de 1997;

–        a factura com a referência 97182/REE, de 19 de Maio de 1997, no montante de 75 042 795 ITL, referente ao desconto de 3% sobre os bilhetes de voos internacionais período de 1 de Outubro de 1996 a 31 de Março de 1997.

11      Por carta de 2 de Setembro de 1997, a Comissão convidou a Acentro a pagar os montantes das duas facturas em causa no prazo de quinze dias a contar da data de recepção da interpelação para proceder ao pagamento.

12      Por carta de 12 de Setembro de 1997, a Acentro respondeu à carta da Comissão de 2 de Setembro de 1997, alegando, por um lado, que havia que deduzir da importância total de 76 609 366 ITL reclamada pela Comissão o montante global, que calculava em 22 257 166 ITL, que esta última lhe devia. Por outro lado, manifestava a sua intenção de não pagar a dívida residual, uma vez que considerava que esta devia ser compensada pelo crédito de 29 328 000 ITL que detinha em execução do contrato de prestação de serviços Phare n.° 96‑0781.00 que tinha concluído em Milão (Itália) com a Comunidade Europeia em 23 de Julho de 1996.

13      Aceitando o princípio da compensação das dívidas da Acentro e dos créditos que esta detinha em relação a si em execução do contrato, a Comissão procedeu a um exame comparativo das dívidas e dos créditos de cada parte contratante relativas ao exercício de 1997.

14      Ao efectuar esse exame, a Comissão tomou em consideração, além das facturas mencionadas no n.° 10 supra, seis facturas relativas a despesas de telefone que não tinham sido pagos pela Acentro, ou seja, as facturas com as referências 97171/REE, 97172/REE, 97173/REE, 97174/REE, 97175/REE e 97176/REE, cujo montante total se elevava a 80 501 938 ITL. Em seguida, tomou em consideração as facturas que figuravam nos registos analíticos enviados pela Acentro em 1997 que ainda não tinham sido pagas a esta última, cujo montante total era de 54 367 200 ITL. Concluiu assim pela existência de um saldo credor a seu favor de 26 134 738 ITL (13 497,46 euros) e, consequentemente, de um crédito no mesmo montante da Euratom sobre a Acentro.

15      Por carta registada com aviso de recepção de 31 de Maio de 2002, a Comissão informou a Acentro deste resultado e intimou‑a a pagar o montante de 13 497,46 euros no prazo de quinze dias a contar da recepção de tal carta.

16      Por carta de 10 de Junho de 2002, a Acentro informou a Comissão de que recusava pagar a dívida em causa, uma vez que considerava que esta podia ser compensada pelo crédito que detinha sobre a Euratom em execução do contrato de prestação de serviços Phare n.° 96‑0781.00.

17      Por carta registada com aviso de recepção de 11 de Novembro de 2002, a Comissão reclamou à Acentro o pagamento do montante de 13 497,46 euros.

18      Por carta de 20 de Novembro de 2002, a Acentro respondeu à carta da Comissão de 11 de Novembro de 2002. Reiterou o seu ponto de vista e manteve a sua recusa de pagar a dívida em causa.

19      Por carta registada com aviso de recepção de 20 de Janeiro de 2004, a Comissão exigiu novamente à Acentro o pagamento do montante de 13 497,46 euros.

20      Não tendo a Acentro dado seguimento a esta última carta, a Comissão mandatou um advogado italiano a fim de obter o pagamento da importância que considerava ser‑lhe devida. Dado que a situação não evoluiu e que o crédito da Euratom sobre a Acentro não foi cobrado, a Comissão decidiu recorrer ao Tribunal Geral em aplicação da cláusula compromissória que figura no artigo 15 do contrato.

 Tramitação processual e pedidos das partes

21      Por petição apresentada na Secretaria do Tribunal em 10 de Outubro de 2008, a Comissão propôs a presente acção ao abrigo do artigo 153.° EA.

22      Foram ouvidas as alegações das partes e as suas respostas às perguntas do Tribunal na audiência de 11 de Fevereiro de 2010.

23      Na audiência, a Comissão pediu para juntar aos autos certos documentos suplementares relativos ao crédito em causa. A Acentro opôs‑se a esta solicitação. Os documentos não foram juntos aos autos.

24      A Comissão conclui pedindo que o Tribunal se digne:

–        condenar a Acentro no pagamento do montante de 13 497,46, a título de montante principal da dívida;

–        condenar a Acentro no pagamento do montante de 2 278,55 euros, a título de juros de mora vencidos na data da propositura da presente acção, bem como no pagamento dos juros de mora vincendos e até à data do efectivo pagamento do montante principal da dívida, a calcular posteriormente em função da taxa de juro estabelecida pela lei italiana;

–        condenar a Acentro no pagamento de juros de mora sobre os juros de mora vencidos na data da propositura da presente acção, a calcular posteriormente em função da data de pagamento dos referidos juros de mora e da taxa de juro estabelecida pela lei italiana;

–        condenar a Acentro no pagamento das despesas do processo.

25      A Acentro conclui pedindo que o Tribunal se digne:

–        declarar a inexistência, a invalidade e, em qualquer caso, a ineficácia do pacto atributivo de jurisdição, e, consequentemente, julgar a acção inadmissível;

–        rejeitar todos os pedidos formulados pela Comissão a seu respeito;

–        condenar a Comissão nas despesas.

 Questão de direito

 Quanto à admissibilidade

 Argumentos das partes

26      Não suscitando formalmente uma questão prévia de inadmissibilidade na acepção do artigo 114.° do Regulamento de Processo do Tribunal, a Acentro contesta a admissibilidade da acção, alegando que o Tribunal Geral não é competente.

27      A Acentro alega que a cláusula objecto do artigo 15.2 do contrato, que atribui competência judiciária exclusiva ao Tribunal de Justiça das Comunidades Europeias, não foi especificamente aprovada por escrito no momento da conclusão do contrato e que, por conseguinte, com base no próprio contrato, referindo‑se ao artigo 1341.° do CC, esta cláusula é ineficaz, o que acarreta a incompetência do Tribunal Geral e, por consequência, a inadmissibilidade da acção.

28      A Comissão considera que a cláusula objecto do artigo 15.2 do contrato não deveria estar subordinada aos requisitos de forma do artigo 1341.°, segundo parágrafo, do CC.

29      Primeiro, o direito nacional aplica‑se unicamente ao que não estiver expressamente previsto no contrato ou, em caso de dúvida, no que respeita à interpretação de uma cláusula do contrato. Ora, a cláusula objecto do artigo 15.2 do contrato, que atribui competência judiciária exclusiva ao Tribunal de Justiça, é extremamente clara e explícita, não podendo razoavelmente subsistir nenhuma dúvida quanto ao seu conteúdo nem quanto ao seu significado.

30      Segundo, o artigo 1341.°, segundo parágrafo, do CC não é, segundo a Comissão, aplicável no caso vertente. A este respeito, a Comissão considera, em primeiro lugar, que o artigo 153.° EA não prevê a exigência de aprovação separada por escrito das cláusulas compromissórias. Em sua opinião, uma disposição nacional que requeira a estipulação expressa da cláusula em questão em acto escrito separado entra inevitavelmente em conflito com a letra e o espírito da disposição acima referida do Tratado EA, que prevalece sobre o direito nacional. Em segundo lugar, no entender da Corte suprema di cassazione (Tribunal de cassação italiano), a aprovação separada por escrito não pode ser exigida para os contratos celebrados com organismos públicos com o fundamento, como no caso vertente, de que estão em causa procedimentos de selecção públicos. Em terceiro lugar, esta aprovação separada por escrito apenas se aplicaria em situações caracterizadas por um desequilíbrio evidente entre os contratantes. Segundo a Comissão, é óbvio que o contrato tinha as características de uma relação de negócios «business to business» clássico, à qual as partes chagaram no termo de uma negociação entre profissionais plenamente conscientes das implicações dessa negociação.

31      Terceiro, a Comissão alega que, se se considerasse que não apenas o direito nacional, mas igualmente a disposição específica objecto do artigo 1341.°, segundo parágrafo, do CC seriam de aplicar àquilo que está previsto no contrato, o que contesta, a Acentro deu de forma plena e incondicional o seu acordo, por ocasião das negociações que seguiram o convite para apresentação de propostas, à inserção da cláusula compromissória no contrato.

 Apreciação do Tribunal Geral

32      A título liminar, há que declarar que as competências do Tribunal Geral são as enumeradas no artigo 225.° CE e no artigo 140.° EA, como precisa o artigo 51.° do Estatuto do Tribunal de Justiça. Em aplicação destas disposições, o Tribunal Geral não é competente para conhecer dos litígios em matéria contratual que lhe sejam submetidos ao abrigo de uma cláusula compromissória. Esta competência, fundada numa cláusula compromissória, é derrogatória ao direito comum e deve, por isso, ser interpretada restritivamente (acórdão do Tribunal de Justiça de 18 de Dezembro de 1986, Comissão/Zoubek, 426/85, Colect., p. 4057, n.° 11).

33      Seguidamente, importa recordar que, segundo a jurisprudência, a competência das jurisdições da União para conhecer, ao abrigo de uma cláusula compromissória, de um litígio relativo a um contrato é apreciada exclusivamente à luz das disposições do artigo 238.° CE ou do artigo 153.° EA e das estipulações da própria cláusula, sem que lhes possam ser opostas disposições do direito nacional que pudessem supostamente obstar à sua competência (acórdãos do Tribunal de Justiça de 8 de Abril de 1992, Comissão/Feilhauer, C‑209/90, Colect., p. I‑2613, n.° 13, e de 6 de Abril de 1995, Bauer/Comissão, C‑299/93, Colect., p. I‑839, n.° 11).

34      No caso vertente, o contrato contém uma cláusula atributiva de competência, na acepção do artigo 153.° EA, a favor das jurisdições da União.

35      O contrato foi assinado em 6 de Abril de 1990. Em contrapartida, a cláusula compromissória não foi objecto de uma segunda assinatura num acto separado pelo co‑contratante da Comissão.

36      Todavia, embora uma aprovação específica seja exigida pelo direito nacional aplicável ao contrato, a sua falta não permite invalidar a cláusula compromissória em causa.

37      Com efeito, resulta da jurisprudência referida no n.° 33 supra que, embora um contrato que contém uma cláusula compromissória na acepção do artigo 238.° CE ou do artigo 153.° EA seja regulado pelo direito nacional, tal como estipulado no referido contrato, a competência do juiz da União é unicamente regulada pelo Tratado em causa e pelas estipulações da própria cláusula compromissória. Ora, o direito nacional não pode obstar à competência do juiz da União. Esta jurisprudência aplica‑se igualmente nas circunstâncias do presente caso, nas quais o próprio contrato estipula uma aprovação específica por escrito.

38      Resulta das considerações e da jurisprudência que precedem que o Tribunal Geral é, com fundamento no artigo 153.° EA e no artigo 15.2 do contrato, competente para conhecer do presente litígio.

 Quanto ao mérito

 Quanto ao pedido de pagamento das importâncias que constituem o montante principal da dívida

–       Argumentos das partes

39      A Comissão considera que a existência de um crédito no montante de 13 497,46 euros a favor da Euratom ficou suficientemente demonstrada face às disposições do contrato e que, por conseguinte, tal crédito é certo, líquido e exigível. Além disso, em conformidade com o artigo 1219.°, primeiro parágrafo, do CC, a Acentro foi interpelada de maneira regular e através de intimação para pagamento.

40      A Comissão explica que utilizou, para calcular o montante do crédito em causa, as facturas pertinentes na sua posse, relativas aos três tipos de direitos pecuniários devidos pela Acentro por força do artigo 7 do contrato, isto é, o desconto de 3% sobre os bilhetes dos voos internacionais (facturas com a referência 97182/REE para o período de 1 de Outubro de 1996 a 31 de Março de 1997), as despesas relativas à disponibilização das instalações em Ispra (facturas com a referência 97170/REE para o período de 1 de Setembro de 1996 a 31 de Março de 1997) e as despesas de funcionamento ordinário (facturas com as referências 97171/REE, 97172/REE, 97173/REE, 97174/REE, 97175/REE e 97176/REE, representativas, no essencial, de todas as despesas de telefone a cargo da Acentro para os meses de Março de 1997 e para os períodos de Janeiro a Março e de Maio a Junho de 1996).

41      Em resposta ao argumento da Acentro segundo o qual não teria fornecido elementos justificativos suficientes relativamente às facturas telefónicas, a Comissão alega que a facturação se fazia em conformidade com as disposições do artigo 8 do contrato e que a Acentro nunca formulou a mais pequena objecção a este respeito. Acrescenta que a Acentro nunca pôs em dúvida o conteúdo das oito facturas mencionadas no número anterior, incluindo facturas telefónicas.

42      Além disso, a duração do período decorrido desempenha um papel importante no presente processo. A este respeito, a Comissão alega que, segundo o direito italiano, a obrigação de conservar as facturas relativas ao contrato é de 10 anos para efeitos do direito civil e de 5 anos para efeitos do direito fiscal. Por conseguinte, considera ter feito prova de ainda maior prudência ao conservar os elementos contabilísticos durante um período mais longo do que o exigido pelo direito italiano.

43      Segundo a Comissão, tendo em conta o tempo que a Acentro demorou a reagir, os únicos elementos a partir dos quais era possível deduzir de maneira clara e documentada as rubricas do activo e do passivo no quadro dos movimentos financeiros relativos ao contrato desapareceram ou são difíceis de reconstituir 12 anos após os factos.

44      Do mesmo modo, a dificuldade em obter os dados relativos ao tráfego telefónico junto do fornecedor de serviços então utilizado está relacionada com o facto de a Acentro ter optado por recorrer à central telefónica do sítio de Ispra para as comunicações inerentes às suas atribuições. Esta opção implicava a necessidade de facturar separadamente os custos relativos à utilização de tais serviços pela Acentro. Em conformidade com a regulamentação comunitária e nacional aplicável ao tratamento dos dados e à protecção da vida privada, os dados em questão não podiam ser conservados durante muito tempo.

45      Além disso, a Comissão alega, referindo‑se à correspondência trocada com a Acentro, que esta nunca contestou a existência do crédito em causa e, a este respeito, sustentou que o referido crédito devia ser compensado com outro crédito que afirmava deter sobre a Comissão ao abrigo do contrato de prestação de serviços Phare n.° 96‑0781.00. Ora, segundo a Comissão, tal compensação supõe necessariamente o reconhecimento pela Acentro dos montantes que esta última lhe devia.

46      No que respeita à compensação propriamente dita, a Comissão, que não reconhece nenhuma dívida em relação à Acentro em execução do contrato de prestação de serviços Phare n.° 96‑0781.00, explica que, em conformidade com o artigo 1241.° do CC e com o artigo 1242.°, primeiro parágrafo, do CC, a compensação sugerida pela Acentro só pode ser efectuada se duas pessoas tiverem dívidas recíprocas e essas dívidas forem certas, líquidas e exigíveis. Segundo a Comissão, não é o que acontece no caso vertente, dado que o primeiro crédito é detido pela Euratom sobre a Acentro, ao passo que o pretenso crédito da Acentro é detido sobre a Comunidade Europeia, ou seja, uma pessoa colectiva juridicamente distinta da Euratom.

47      A Acentro recorda que incumbe ao pretenso credor fornecer a prova do seu crédito, em conformidade com o ónus da prova previsto no artigo 2697.° do CC. A este respeito, alega que as facturas invocadas pela Comissão em apoio dos seus pedidos não constituem uma prova suficiente do crédito, e ainda menos de que este é líquido e exigível. Em especial, as facturas com base nas quais a Comissão exigiu o reembolso das despesas de telefone não contêm nenhum documento justificativo que permita verificar a procedência deste pedido.

48      A Acentro contesta igualmente o argumento da Comissão segundo o qual a sua carta de 12 de Setembro de 1997 constitui um reconhecimento de dívida, uma vez que, ao redigir essa carta, pensava que era possível compensar a dívida em causa com o crédito que detinha sobre a Comissão em execução do contrato de prestação de serviços Phare n.° 96‑0781.00.

–       Apreciação do Tribunal Geral

49      A título liminar, importa salientar que, segundo o artigo 2697.° do CC, incumbe ao credor demonstrar o fundamento do seu direito. No presente caso, para comprovar o crédito da Euratom sobre a Acentro, a Comissão apresentou oito facturas enviadas no quadro de uma relação contratual.

50      Cabe igualmente sublinhar que, para pôr em dúvida a existência do crédito em causa, a Acentro sustenta unicamente, em substância, que as facturas com base nas quais a Comissão exigiu o reembolso das despesas de telefone não contêm nenhum documento justificativo que lhe permita verificar a procedência deste pedido.

51      Neste particular, deve salientar‑se que, para as comunicações inerentes às suas atribuições (artigo 5.2, segunda parágrafo, do contrato), a Acentro podia, nos termos do contrato, optar entre recorrer à central telefónica do sítio de Ispra ou activar e manter a expensas suas, pagando directamente ao fornecedor do serviço, as linhas de telefone, telex e telecópia necessárias para a execução das suas obrigações (artigos 5 e 7 do contrato). Optou, na época dos factos, por utilizar a central telefónicas do sítio de Ispra e os serviços da Comissão para as comunicações relativas aos serviços a prestar.

52      Essa opção desencadeou a necessidade de facturar separadamente os custos ligados à utilização desses serviços pela Acentro. Com efeito, o serviço técnico do sítio de Ispra, ao inventariar as listas das comunicações telefónicas emitidas pelo operador telefónico, identificou as comunicações telefónicas efectuadas pela Acentro, calculou o montante correspondente e transmitiu a informação ao serviço financeiro, que emitiu a factura e a enviou à Acentro, anexando uma lista das referidas comunicações telefónicas.

53      Importa assim observar que a facturação era feita em conformidade com as disposições do artigo 8 do contrato e que a Acentro nunca pôs em dúvida esta maneira de operar durante a vigência do contrato.

54      Além disso, cabe assinalar que nenhum elemento dos autos demonstra que, na época dos factos, a Acentro tenha contestado as facturas em causa ou as subsequentes interpelações que a Comissão lhe enviou.

55      Ao invés, resulta dos autos que a Acentro, em vez de contestar as importâncias reclamadas ou de pedir explicações sobre as facturas em causa, convidou a Comissão a compensar esta dívida com outro crédito que afirmava ter sobre a Comissão, em execução de outro contrato, isto é, o contrato de prestação de serviços Phare n.° 96‑0781.00.

56      Independentemente da questão de saber se a Acentro e a Comissão têm dívidas uma em relação à outra ou se o facto de os contratos terem sido concluídos pela Acentro com duas Comunidades diferentes, a Comunidade Europeia no quadro do contrato de prestação de serviços Phare n.° 96‑0781.00 e a Euratom no quadro do contrato, obsta à compensação sugerida pela Acentro, há que concluir que tal reacção não basta, em si, para contestar as facturas em causa.

57      Importa assinalar, a este respeito, que as relações contratuais entre a Comissão e a Acentro eram reguladas, segundo o direito italiano, pelo princípio da boa‑fé. Este princípio implica que se uma das partes, no caso vertente a Acentro, contestar uma ou várias facturas ou certos elementos das facturas, deve, num prazo razoável, avisar a outra parte, neste caso a Comissão.

58      Por conseguinte, incumbia à Acentro pedir explicações ou esclarecimentos sobre as facturas em causa na época dos factos, o que não fez.

59      Assim, há que julgar procedentes os pedidos da Comissão no que respeita à condenação da Acentro a pagar 13 497,46 euros a título de montante principal da dívida, correspondente ao crédito detido pela Euratom sobre a Acentro em execução do contrato.

 Quanto aos pedidos relativos aos juros de mora

–       Argumentos das partes

60      A Comissão sustenta que os juros de mora devem ser calculados a partir de 25 de Junho de 2002. Alega que, relativamente ao período compreendido entre essa data, na qual a Acentro foi interpelada para pagar o montante em dívida, e 10 de Outubro de 2008, data da propositura da acção, o montante dos juros de mora, calculados segundo a taxa legal aplicável, é de 2 278,55 euros.

61      Segundo a Comissão, os juros de mora que correm após a data da propositura da presente acção e até à data do pagamento efectivo do montante principal da dívida deverão ser calculados separadamente, em função da taxa de juro fixada pela legislação italiana.

62      Finalmente, baseando‑se no artigo 1283.° do CC, a Comissão pede juros de mora suplementares. Estes juros deveriam igualmente, em sua opinião, ser calculados separadamente, em função da data do pagamento efectivo dos juros vencidos e da taxa de juro fixada pela lei italiana.

63      A Acentro não apresentou nenhum argumento sobre este ponto.

–       Apreciação do Tribunal Geral

64      Como resulta do n.° 59 supra, o pedido de pagamento da Comissão deve ser acolhido no que respeita ao montante de 13 497,46 euros correspondente ao montante principal da dívida.

65      Em relação aos juros, há que reconhecer que a Comissão, na sua carta de 31 de Maio de 2002, indicou que o montante principal da dívida devia ser pago no prazo de quinze dias a contar da data de recepção da referida carta. Esta foi recebida pela Acentro o mais tardar em 10 de Junho de 2002.

66      Não tendo sido fixados juros convencionais e na medida em que o contrato em causa é regulado pelo direito italiano, há que aplicar as disposições pertinentes e os juros de mora previstos pela legislação italiana.

67      Segundo o direito italiano, mais concretamente o artigo 1224.° do CC, um credor pode, em caso de não pagamento, exigir os juros de mora fixados por lei sem ter de provar um prejuízo.

68      Além disso, nos termos do artigo 1283.° do CC, um credor pode pedir juros de mora suplementares a contar da data da apresentação da petição inicial, desde que se trate de juros devidos em relação a um período de pelo menos seis meses.

69      Segundo o artigo 1284.° do CC:

«A taxa de juros legal é fixada em 3% ao ano. O Ministro das Finanças, mediante decreto publicado na Gazzetta ufficiale della Repubblica Italiana até 15 de Dezembro do ano anterior à aplicação da taxa, pode proceder anualmente à alteração do valor da taxa, com base no rendimento médio bruto anual das obrigações do Estado de duração inferior a doze meses e tendo em conta a taxa de inflação verificada no ano. Se até 15 de Dezembro não for fixado um novo valor da taxa, esta mantém‑se durante o ano seguinte […]»

70      Ora, essa taxa foi fixada em 3% pelo decreto ministerial de 11 de Dezembro de 2001, publicado na Gazzetta ufficiale della Repubblica italiana n.° 290, de 14 de Dezembro de 2001, e permaneceu em vigor ao longo dos anos de 2002 e 2003. Foi alterada pelo decreto ministerial de 1 de Dezembro de 2003, publicado na Gazzetta ufficiale della Repubblica italiana n.° 286, de 10 de Dezembro de 2003, que a fixou em 2,5% a contar de 1 de Janeiro de 2004, e permaneceu em vigor de 2004 a 2007. Por decreto ministerial de 12 de Dezembro de 2007, publicado na Gazzetta ufficiale della Repubblica italiana n.° 291, de 15 de Dezembro de 2007, a taxa foi fixada em 3% a partir de 1 de Janeiro de 2008.

71      Como indicado no n.° 65 supra, a carta que continha a interpelação para pagamento foi, no caso vertente, recebida pela Acentro o mais tardar em 10 de Junho de 2002. Por conseguinte, o prazo de quinze dias expirava em 25 de Junho de 2002. É portanto a partir dessa data que os juros de mora começam a contar.

72      Daqui resulta que o montante total dos juros de mora devidos pela Acentro era, na data da apresentação da petição inicial no presente processo, de 2 278,55 euros.

73      Em consequência, há que condenar a Acentro a pagar à Comissão 13 497,46 euros a título de montante principal da dívida, 2 278,55 euros a título de juros de mora vencidos na data da propositura da acção (10 de Outubro de 2008), bem como juros de mora sobre estas importâncias, calculados em conformidade com as taxas em vigor a partir de 10 de Outubro de 2008 até ao dia do pagamento integral do montante principal da dívida.

 Quanto às despesas

74      Nos termos do artigo 87.°, n.° 2, do Regulamento de Processo, a parte vencida é condenada nas despesas se a parte vencedora o tiver requerido. Tendo a recorrida sido vencida, há que condená‑la nas despesas, em conformidade com o requerido pela Comissão.

Pelos fundamentos expostos,

O TRIBUNAL GERAL (Oitava Secção)

decide:

1)      A Acentro Turismo SpA é condenada a pagar à Comissão Europeia 13 497,46 euros a título de montante principal da dívida, 2 278,55 euros a título de juros de mora vencidos na data da propositura da acção (10 de Outubro de 2008), bem como juros de mora sobre estas importâncias, calculados em conformidade com as taxas em vigor a partir de 10 de Outubro de 2008 até ao dia do pagamento integral do montante principal da dívida.

2)      A Acentro Turismo é condenada nas despesas.

Martins Ribeiro

Papasavvas

Wahl

Proferido em audiência pública no Luxemburgo, em 17 de Dezembro de 2010.

Assinaturas


* Língua do processo: italiano.