Language of document : ECLI:EU:T:2007:220

ACÓRDÃO DO TRIBUNAL DE PRIMEIRA INSTÂNCIA (Quarta Secção alargada)

11 de Julho de 2007 (*)

«Concorrência – Abuso de posição dominante – Mercado mundial da produção e fornecimento de diamantes em bruto – Decisão que torna obrigatórios os compromissos propostos pela empresa em posição dominante – Artigo 9.° do Regulamento (CE) n.° 1/2003 – Princípio da proporcionalidade – Liberdade contratual – Direito de ser ouvido»

No processo T‑170/06,

Alrosa Company Ltd, com sede em Mirny (Rússia), representada por R. Subiotto, S. Mobley e K. Jones, advogados,

recorrente,

contra

Comissão das Comunidades Europeias, representada por F. Castillo de la Torre, A. Whelan e R. Sauer, na qualidade de agentes,

recorrida,

que tem por objecto a anulação da Decisão 2006/520/CE da Comissão, de 22 de Fevereiro de 2006, relativa a um processo de aplicação do artigo 82.° [CE] e do artigo 54.° do Acordo EEE (Processo COMP/B‑2/38.381 – De Beers) (JO L 205, p. 24), que tornou obrigatórios os compromissos assumidos pela De Beers de cessar as suas aquisições de diamantes brutos à Alrosa a partir de 2009, no termo de um processo de redução progressiva do volume das suas aquisições a realizar entre 2006 e 2008, e que pôs termo ao processo em conformidade com o artigo 9.° do Regulamento (CE) n.° 1/2003 do Conselho, de 16 de Dezembro de 2002, relativo à execução das regras de concorrência estabelecidas nos artigos 81.° [CE] e 82.° [CE] (JO 2003, L 1, p. 1),

O TRIBUNAL DE PRIMEIRA INSTÂNCIA DAS COMUNIDADES EUROPEIAS (Quarta Secção alargada),

composto por: H. Legal, presidente, I. Wiszniewska‑Białecka, V. Vadapalas, E. Moavero Milanesi e N. Wahl, juízes,

secretário: K. Pocheć, administradora,

vistos os autos e após a audiência de 19 de Abril de 2007,

profere o presente

Acórdão

 Quadro jurídico e factual do litígio

1.     Quadro jurídico


 Regulamento n.° 1/2003

1        O Regulamento (CE) n.° 1/2003 do Conselho, de 16 de Dezembro de 2002, relativo à execução das regras de concorrência estabelecidas nos artigos 81.° [CE] e 82.° [CE] (JO 2003, L 1, p. 1), é aplicável a partir de 1 de Maio de 2004.

2        O artigo 7.° do Regulamento n.° 1/2003 dispõe no seu n.° 1:

«Se, na sequência de uma denúncia ou oficiosamente, a Comissão verificar uma infracção ao disposto nos artigos 81.° ou 82.° do Tratado, pode, mediante decisão, obrigar as empresas e associações de empresas em causa a porem termo a essa infracção. Para o efeito, a Comissão pode impor‑lhes soluções de conduta ou de carácter estrutural proporcionadas à infracção cometida e necessárias para pôr efectivamente termo à infracção. As soluções de carácter estrutural só podem ser impostas quando não houver qualquer solução de conduta igualmente eficaz ou quando qualquer solução de conduta igualmente eficaz for mais onerosa para a empresa do que a solução de carácter estrutural. Quando exista um interesse legítimo, a Comissão pode também declarar verificada a existência de uma infracção que já tenha cessado.»

3        Nos termos do artigo 9.° do Regulamento n.° 1/2003:

«1.      Quando a Comissão tencione aprovar uma decisão que exija a cessação de uma infracção e as empresas em causa assumirem compromissos susceptíveis de dar resposta às objecções expressas pela Comissão na sua apreciação preliminar, esta pode, mediante decisão, tornar estes compromissos obrigatórios para as empresas. Esta decisão pode ser aprovada por um período de tempo determinado e deve concluir pela inexistência de fundamento para que a Comissão tome medidas.

2.      A Comissão pode, a pedido ou oficiosamente, voltar a dar início ao processo se:

a)      Tiver ocorrido uma alteração substancial da situação de facto em que a decisão se fundou;

b)      As empresas em causa não cumprirem os seus compromissos; ou

c)      A decisão se basear em informações incompletas, inexactas ou deturpadas prestadas pelas partes.»

4        Segundo o artigo 27.° do Regulamento n.° 1/2003:

«1.      Antes de tomar as decisões previstas nos artigos 7.°, 8.° e 23.° e no n.° 2 do artigo 24.°, a Comissão dá às empresas ou associações de empresas sujeitas ao processo instruído pela Comissão oportunidade de se pronunciarem sobre as acusações por ela formuladas. A Comissão deve basear as suas decisões apenas em acusações sobre as quais as partes tenham tido oportunidade de apresentar as suas observações. […]

2.      Os direitos da defesa das partes interessadas serão plenamente acautelados no desenrolar do processo. As partes têm direito a consultar o processo em poder da Comissão, sob reserva do interesse legítimo das empresas na protecção dos seus segredos comerciais. […]

3.      Se a Comissão o considerar necessário, pode ouvir outras pessoas singulares ou colectivas. Caso solicitem ser ouvidas pessoas singulares ou colectivas que demonstrem ter um interesse suficiente, deve ser dado seguimento ao seu pedido. […]

4.      Sempre que a Comissão tencionar aprovar uma decisão nos termos dos artigos 9.° ou 10.°, deve publicar um resumo conciso do processo e do conteúdo essencial dos compromissos ou da actuação que se propõe seguir. Quaisquer terceiros interessados podem apresentar as suas observações num prazo fixado pela Comissão no acto de publicação, que não poderá ser inferior a um mês. A publicação deve ter em conta o interesse legítimo das empresas na protecção dos seus segredos comerciais.»

 Regulamento n.° 773/2004

5        O Regulamento (CE) n.° 773/2004 da Comissão, de 7 de Abril de 2004, relativo à instrução de processos pela Comissão para efeitos dos artigos 81.° [CE] e 82.° [CE] (JO L 123, p. 18), foi adoptado ao abrigo do artigo 33.° do Regulamento n.° 1/2003. Entrou em vigor em 1 de Maio de 2004.

6        O artigo 10.° do Regulamento n.° 773/2004 dispõe nomeadamente:

«1.      A Comissão comunicará aos interessados directos, por escrito, as objecções contra eles deduzidas. A comunicação de objecções deve ser notificada a cada um deles.

2.      Sempre que a Comissão notifique uma comunicação de objecções aos interessados directos deve fixar um prazo para que possam informá‑la por escrito das suas observações. A Comissão não é obrigada a tomar em consideração observações escritas recebidas após o termo daquele prazo.

[…]»

7        O artigo 15.°, n.° 1, do Regulamento n.° 773/2004 prevê:

«Se solicitado, a Comissão facultará o acesso ao processo aos interessados directos a quem tiver sido enviada uma comunicação de objecções. O acesso será facultado após a notificação da comunicação de objecções.»

2.     Factos na origem do litígio

8        A recorrente, Alrosa Company Ltd (a seguir «Alrosa»), é uma sociedade com sede em Mirny (Rússia). Está activa, nomeadamente, no mercado mundial da produção e fornecimento de diamantes brutos, onde ocupa a segunda posição em importância. Actua essencialmente na Rússia. Exerce nesse país actividades de exploração, extracção, avaliação e fornecimento, bem como uma actividade de joalharia.

9        A De Beers SA é uma sociedade com sede no Luxemburgo (Luxemburgo). O grupo De Beers, do qual é a principal sociedade holding, também está activo no mercado mundial da produção e fornecimento de diamantes brutos, onde ocupa a primeira posição em importância. Actua essencialmente na África do Sul, no Botswana, na Namíbia e na Tanzânia, bem como no Reino Unido. Exerce nestes países actividades de exploração, extracção, avaliação, fornecimento, negócio e fabrico, bem como uma actividade de joalharia, abrangendo, pois, todas as actividades relacionadas com o diamante.

10      Em 5 de Março de 2002, a Alrosa e a De Beers notificaram à Comissão um acordo celebrado em 17 de Dezembro de 2001 entre a Alrosa e duas filiais do grupo De Beers, a City and West East Ltd e a De Beers Centenary AG (a seguir «acordo notificado»), com vista à obtenção de um certificado negativo ou de uma isenção ao abrigo do Regulamento n.° 17 do Conselho, de 6 de Fevereiro de 1962, Primeiro Regulamento de execução dos artigos [81.°] e [82.°] do Tratado (JO 1962, 13, p. 204; EE 08 F1 p. 22).

11      Este acordo, que se inscreve no quadro das relações comerciais tecidas de longa data pela Alrosa e a De Beers, versava essencialmente sobre a actividade de fornecimento de diamantes brutos.

12      Foi celebrado por um período de cinco anos a contar, nos termos do seu artigo 12.°, da data da confirmação aos co‑contratantes pela Comissão de que «não infringia o artigo 81.°, n.° 1, CE, ou seria objecto de isenção ao abrigo do artigo 81.°, n.° 3, CE, e não infringia de modo algum o artigo 82.° CE».

13      Durante este período, a Alrosa comprometia‑se a vender diamantes brutos naturais produzidos na Rússia à De Beers até ao limite de 800 milhões de dólares americanos (USD) por ano, enquanto a De Beers assumia a obrigação de lhos comprar, como estipulava o artigo 2.°, n.° 1, ponto 1, do acordo notificado. Todavia, nos quarto e quinto anos de execução do acordo notificado, a Alrosa ficava autorizada a reduzir este valor para 700 milhões de USD, como estipulava o artigo 2.°, n.° 1, ponto 2, do acordo notificado. O valor de 800 milhões de USD, estabelecido em função dos preços em vigor à data da celebração do acordo notificado, correspondia a cerca de metade da produção anual da Alrosa e à totalidade da sua produção exportada para fora da Comunidade de Estados Independentes (CEI).

14      Em 14 de Janeiro de 2003, a Comissão enviou uma comunicação de objecções à recorrente e à De Beers com a referência COMP/E‑3/38.381, na qual considerava que o acordo notificado podia constituir um acordo anticoncorrencial proibido pelo artigo 81.°, n.° 1, CE, insusceptível de ficar isento ao abrigo do artigo 81.°, n.° 3, CE. No mesmo dia, enviou uma comunicação de objecções distinta à De Beers com a referência COMP/E‑2/38.381, na qual considerava que o acordo podia constituir um abuso de posição dominante proibido pelo artigo 82.° CE.

15      Em 31 de Março de 2003, a recorrente e a De Beers enviaram conjuntamente observações escritas à Comissão, em resposta à comunicação de objecções emitida no processo COMP/E‑3/38.381.

16      Em 1 de Julho de 2003, a Comissão enviou uma comunicação de objecções complementar à recorrente e à De Beers, na qual considerava que o acordo também podia constituir um acordo anticoncorrencial proibido pelo artigo 53.°, n.° 1, do Acordo sobre o Espaço Económico Europeu (EEE), insusceptível de ser isento ao abrigo do artigo 53.°, n.° 3, do acordo EEE. No mesmo dia, enviou uma comunicação de objecções complementar distinta à De Beers, nos termos da qual o acordo notificado também podia constituir um abuso de posição dominante proibido pelo artigo 54.° do acordo EEE.

17      Em 7 de Julho de 2003, a recorrente e a De Beers foram ouvidas pela Comissão nas suas observações orais.

18      Em 12 de Setembro de 2003, a recorrente propôs compromissos que consistiam em reduzir progressivamente a quantidade de diamantes brutos vendidos à De Beers a partir do sexto ano de execução do acordo notificado e, a partir de 2013, a deixar de vender diamantes brutos à De Beers. A recorrente retirou posteriormente estes compromissos.

19      Em 14 de Dezembro de 2004, a recorrente e a De Beers apresentaram conjuntamente compromissos (a seguir «compromissos conjuntos») destinados a dar resposta às preocupações de que a Comissão as tinha informado. Estes compromissos conjuntos previam a redução progressiva das vendas de diamantes brutos pela Alrosa à De Beers, cujo valor devia passar de 700 milhões de USD em 2005 para 275 milhões de USD em 2010, e a sua subsequente fixação a este nível.

20      Em 3 de Junho de 2005, uma «[c]omunicação […] relativa ao processo COMP/E‑2/38.381 – De Beers‑ALROSA» foi publicada no Jornal Oficial da União Europeia (JO C 136, p. 32, a seguir «comunicação sucinta»). Nesta, a Comissão indicava ter recebido compromissos formais por parte da Alrosa e da De Beers durante a sua investigação do acordo nos termos dos artigos 81.° CE, 82.° CE, 53.° e 54.° do acordo EEE (ponto 1), resumia o caso (pontos 3 a 10) e descrevia os compromissos propostos (pontos 11 a 15). Convidava ainda os terceiros interessados a apresentarem‑lhe as suas observações no prazo de um mês (pontos 2 e 17) e dava a conhecer a sua intenção de adoptar uma decisão para tornar obrigatórios os compromissos conjuntos, sob reserva do resultado desta consulta do mercado (pontos 2 e 16).

21      Na sequência desta publicação, vinte e um terceiros interessados apresentaram observações à Comissão, que disso informou a Alrosa e a De Beers em 27 de Outubro de 2005. Durante a reunião realizada nessa data, a Comissão convidou ainda as partes a apresentar‑lhe, antes do fim do mês de Novembro de 2005, novos compromissos conjuntos que fossem no sentido da cessação completa das suas relações comerciais a partir de 2009.

22      Em 25 de Janeiro de 2006, a De Beers apresentou individualmente compromissos (a seguir «compromissos individuais da De Beers») destinados a responder às preocupações manifestadas pela Comissão à luz dos resultados da consulta de mercado. Os compromissos individuais da De Beers previam a redução progressiva das vendas de diamantes brutos pela Alrosa à De Beers, cujo valor devia passar de 600 milhões de USD em 2006 para 400 milhões de USD em 2008, e a sua subsequente supressão.

23      Em 26 de Janeiro de 2006, a Comissão comunicou à recorrente um extracto dos compromissos individuais da De Beers e convidou‑a a apresentar observações a seu respeito. Transmitiu‑lhe ainda uma cópia das versões não confidenciais dos comentários formulados pelos terceiros.

24      Seguidamente, houve uma troca de pontos de vista entre a recorrente e a Comissão sobre certos aspectos do procedimento previsto pelo artigo 9.° do Regulamento n.° 1/2003 e das suas implicações para o caso em apreço. Estavam principalmente em causa a questão do acesso ao processo e a questão dos direitos de defesa e, mais especificamente, do direito de ser ouvido. Além disto, na sua carta de 6 de Fevereiro de 2006, a recorrente apresentou comentários sobre os compromissos individuais da De Beers e sobre as observações dos terceiros.

25      Em 22 de Fevereiro de 2006, a Comissão adoptou a Decisão 2006/520/CE, relativa a um processo de aplicação do artigo 82.° [CE] e do artigo 54.° do acordo EEE (Processo COMP/B‑2/38.381 – De Beers) (JO L 205, p. 24, a seguir «decisão»).

26      Nos termos do artigo 1.° da decisão, «[o]s compromissos enumerados no anexo são obrigatórios para a De Beers» e, nos termos do artigo 2.°, «[o] processo aberto no presente caso é encerrado».

 Tramitação processual e pedidos das partes

27      Por petição apresentada na Secretaria do Tribunal em 29 de Junho de 2006, a Alrosa interpôs o presente recurso.

28      Por requerimento separado apresentado na Secretaria no mesmo dia, a recorrente pediu ao Tribunal que decidisse segundo uma tramitação acelerada, em aplicação do artigo 76.°‑A, n.° 1, do seu Regulamento de Processo.

29      Em 16 de Agosto de 2006, a Comissão apresentou a sua contestação.

30      Por decisão de 14 de Setembro de 2006, o Tribunal (Quarta Secção), ouvida a Comissão e atendendo à especial urgência e às circunstâncias do processo, deferiu o pedido de tramitação acelerada da recorrente.

31      Por ofício de 28 de Setembro de 2006, o Tribunal (Quarta Secção) solicitou à Comissão que apresentasse as comunicações de objecções enviadas em 14 de Janeiro e 1 de Julho de 2003 à De Beers nos termos do artigo 82.° CE e do artigo 54.° do acordo EEE, em aplicação dos artigos 49.° e 64.° do Regulamento de Processo. A Comissão cumpriu esta medida de organização do processo no prazo fixado para o efeito.

32      Por decisão de 9 de Outubro de 2006, o Tribunal, ouvidas as partes, remeteu o processo à Quarta Secção alargada em aplicação do artigo 14.°, n.° 1, e do artigo 51.°, n.° 1, do Regulamento de Processo.

33      As partes foram ouvidas em alegações e nas suas respostas às questões do Tribunal na audiência de 19 de Abril de 2007.

34      A Alrosa conclui pedindo que o Tribunal se digne:

–        anular a decisão;

–        condenar a Comissão nas despesas.

35      A Comissão conclui pedindo que o Tribunal se digne:

–        negar provimento ao recurso;

–        condenar a Alrosa nas despesas.

 Questão de direito

1.     Quanto à admissibilidade

36      Não deixando de observar que os artigos 82.° CE e 54.° do acordo EEE só podem visar as empresas que se encontrem em posição dominante, que não é esse o caso da Alrosa e que, portanto, esta não pode ser considerada uma parte em causa no processo que conduziu à adopção da decisão nem uma destinatária desta última, a Comissão não contesta, porém, a admissibilidade do recurso, na medida em que assenta no facto de a decisão dizer directa e individualmente respeito à recorrente.

37      Todavia, sendo a questão da admissibilidade do recurso de ordem pública, deve ser examinada oficiosamente, por força do artigo 113.° do Regulamento de Processo (acórdão do Tribunal de Justiça de 24 de Março de 1993, CIRFS e o./Comissão, C‑313/90, Colect., p. I‑1125, n.° 23).

38      Não sendo a recorrente destinatária da decisão, há que, para este efeito, determinar se esta lhe diz directa e individualmente respeito, na acepção do artigo 230.°, quarto parágrafo, CE.

39      No presente caso e em conformidade com o artigo 9.°, n.° 1, do Regulamento n.° 1/2003, a decisão torna obrigatórios os compromissos individuais da De Beers de limitar as suas aquisições à Alrosa a um determinado montante de diamantes brutos entre 2006 e 2008 e de não adquirir, directa ou indirectamente, diamantes brutos à Alrosa a partir de 2009. Na medida em que limita a possibilidade de a De Beers se abastecer em diamantes brutos junto da Alrosa, a decisão produz efeitos directos e imediatos na situação jurídica desta última. Por conseguinte, a decisão diz directamente respeito à recorrente.

40      A decisão também diz individualmente respeito à recorrente, na medida em que foi adoptada no termo de um procedimento no qual participou de modo determinante, que a menciona expressamente, que se destina a pôr termo às relações comerciais que mantém há longa data com a De Beers e que é de natureza a afectar substancialmente a sua posição concorrencial no mercado do fornecimento e produção de diamantes brutos (v., neste sentido, acórdão do Tribunal de Justiça de 31 de Março de 1998, França e o./Comissão, C‑68/94 e C‑30/95, Colect., p. I‑1375, n.os 54 a 56).

41      Por conseguinte, a recorrente tem legitimidade para contestar a legalidade da decisão com base no artigo 230.°, quarto parágrafo, CE.

2.     Quanto ao mérito

42      A argumentação expendida pela recorrente em apoio do seu recurso articula‑se em torno de três fundamentos relativos, em primeiro lugar, à violação do direito de ser ouvida, em segundo, ao facto de a decisão violar os termos do artigo 9.° do Regulamento n.° 1/2003, que proíbem a imposição a uma determinada empresa, sobretudo sem limite do período de duração, de compromissos que esta não tenha assumido voluntariamente e, em terceiro e último, ao carácter excessivo dos compromissos tornados obrigatórios, em violação do artigo 9.° do Regulamento n.° 1/2003, do artigo 82.° CE, da liberdade contratual e do princípio da proporcionalidade.

43      Nas circunstâncias do caso em apreço, há que começar por examinar, conjuntamente, os segundo e terceiro fundamentos.

 Quanto aos fundamentos relativos à violação do artigo 9.° do Regulamento n.° 1/2003, do artigo 82.° CE, do princípio da liberdade contratual e do princípio da proporcionalidade

 Argumentos das partes

44      A recorrente sustenta em primeiro lugar que a decisão viola o artigo 9.° do Regulamento n.° 1/2003, porquanto torna obrigatórios os compromissos propostos por uma única das duas empresas a que diz respeito o presente caso, a saber, os compromissos individuais da De Beers, e que o faz por um período indeterminado.

45      O primeiro período do artigo 9.° do Regulamento n.° 1/2003 oferece à Comissão e à empresa ou empresas sujeitas a um processo de aplicação das regras da concorrência a possibilidade de chegarem a uma resolução mutuamente vantajosa do seu diferendo. Esta lógica exige que, quando sejam várias as empresas em causa e estas ofereçam conjuntamente compromissos à Comissão, esta última só possa aceitar e tornar obrigatórios estes compromissos e não os compromissos propostos individualmente por uma delas. Ora, no presente caso, a recorrente deveria ter sido considerada uma empresa em causa no processo. Consequentemente, a Comissão não devia ter tornado obrigatórios os compromissos individuais da De Beers.

46      Ao que acresce que o segundo período do artigo 9.° do regulamento deve ser entendido como impondo à Comissão, quando esta opta por tornar os compromissos obrigatórios, a adopção para esse efeito unicamente de decisões com um período de validade determinado. Ora, a decisão foi adoptada por um período indeterminado.

47      A recorrente sustenta ainda que a decisão torna absolutamente impossível e por um período potencialmente ilimitado qualquer fornecimento de diamantes brutos à De Beers pela Alrosa. Fazendo‑o, viola o artigo 9.° do Regulamento n.° 1/2003, o artigo 82.° CE e a liberdade contratual.

48      A este respeito, a recorrente alega antes de mais que a decisão enferma essencialmente de um erro de direito, pois que equivale a proibir um comportamento legal e isto por um período indeterminado.

49      Efectivamente, o princípio de uma economia de mercado aberto e de livre concorrência, consagrado pelo artigo 4.°, n.° 1, CE, e a liberdade contratual, consagrada pelo direito dos Estados‑Membros e já reconhecida pelo direito comunitário (acórdão do Tribunal de Primeira Instância de 26 de Outubro de 2000, Bayer/Comissão, T‑41/96, Colect., p. II‑3383, n.° 180; v. igualmente, neste sentido, conclusões da advogada‑geral S. Rozès no processo cujo acórdão foi proferido pelo Tribunal de Justiça em 11 de Outubro de 1983, Schmidt/Comissão, 210/81, Recueil, p. 3045, especialmente p. 3072, e conclusões do advogado‑geral F. Jacobs no processo cujo acórdão foi proferido pelo Tribunal de Justiça em 26 de Novembro de 1998, Bronner, C‑7/97, Colect., p. I‑7791, especialmente p. I‑7794, n.° 56), assumem importância fundamental no ordenamento jurídico comunitário.

50      Por conseguinte, a aplicação das regras comunitárias da concorrência deve ter em conta estes princípios. Mais particularmente, o artigo 82.° CE, que visa comportamentos abusivos específicos, não pode ser interpretado no sentido de considerar que o simples facto de se celebrar um acordo com vista à venda ou à aquisição de produtos constitui uma infracção em virtude apenas de uma das partes se encontrar numa posição dominante.

51      Ora, no presente caso, a decisão privava a Alrosa e a De Beers de toda a liberdade de celebrar um acordo, inclusive numa forma ad hoc, pela única razão de a De Beers se encontrar numa posição dominante, nos mercados situados a jusante do mercado do fornecimento de diamantes brutos. Equivale a tornar lícito o boicote da Alrosa pela De Beers a partir de 2009. Esta situação sem precedentes é tanto mais extraordinária quanto o acordo só abrangeu, na fase inicial, 50% da produção anual de diamantes brutos da Alrosa e 10% da produção anual mundial, e seguidamente, na fase resultante dos compromissos conjuntos, 18% da produção anual da Alrosa e 3,6% da produção anual mundial.

52      A recorrente sustenta em seguida que a decisão está essencialmente viciada por um erro manifesto de apreciação, porquanto as preocupações expressas a respeito do acordo notificado de forma alguma justificavam a extinção da sua liberdade contratual.

53      Com efeito, a principal preocupação expressa pela Comissão na sua apreciação preliminar do acordo notificado à luz dos artigos 82.° CE e 54.° do acordo EEE foi a de que o compromisso de fornecimento exclusivo aí estipulado conduzisse a um reforço do poder da De Beers sobre o mercado, excluindo a Alrosa do mercado de fornecimento de diamantes brutos e, por conseguinte, privando os demais compradores do acesso à importante fonte de abastecimento que esta constituía.

54      Em semelhante caso, era necessário, em conformidade com a jurisprudência (acórdãos do Tribunal de Justiça de 13 de Fevereiro de 1979, Hoffmann‑La Roche/Comissão, 85/76, Colect. 1979/Parte I, p. 217, n.° 89, e do Tribunal de Primeira Instância de 23 de Outubro de 2003, Van den Bergh Foods/Comissão, T‑65/98, Colect., p. II‑4653, n.os 80, 81 e 160), proceder a uma determinação concreta do efeito de compartimentação que se prende com o comportamento da De Beers. Esta exigência era tanto mais imperiosa quanto a administração e os tribunais que fiscalizam a sua actuação, até ao presente, nunca tiveram de se pronunciar sobre a legalidade de um compromisso de fornecimento exclusivo que envolve um comprador em posição dominante à luz do artigo 82.° CE.

55      Ora, no presente caso, concluiu‑se que se devia, por um lado, alterar o acordo o suficiente para reduzir o efeito de compartimentação verificado e, por outro lado, considerou‑se injustificado excluir completamente todas as possibilidades de a Alrosa celebrar um contrato com a De Beers.

56      A recorrente entende, por último, que a decisão produzirá, por seu turno, efeitos anticoncorrenciais. Por um lado, priva‑a do acesso ao principal comprador no mercado, correndo assim o risco de se ver obrigada a reduzir a sua produção por não ter a segurança de vir a encontrar compradores alternativos a preços equivalentes. Por outro, priva a De Beers do acesso à produção da Alrosa, permitindo deste modo que os demais compradores gozem de um poder sobre o mercado mais importante nas respectivas negociações com a Alrosa e que imponham preços artificiais.

57      A decisão também viola o artigo 9.° do Regulamento n.° 1/2003, o artigo 82.° CE e o princípio da proporcionalidade.

58      A este respeito, a recorrente começa por referir que o princípio da proporcionalidade consagrado pelo artigo 5.°, terceiro parágrafo, CE, que dispõe que a acção da Comunidade não deve exceder o necessário para atingir os objectivos do Tratado, tem como consequência, segundo o Tribunal de Justiça, que a legalidade da proibição do exercício de uma actividade económica está subordinada à condição de que as medidas de proibição sejam adequadas e necessárias à realização dos objectivos legitimamente prosseguidos pela regulamentação em causa, entendendo‑se que, quando exista uma escolha entre várias medidas adequadas, se deve recorrer à menos rígida e os inconvenientes causados não devem ser desproporcionados relativamente aos objectivos pretendidos (acórdãos do Tribunal de Justiça de 13 de Novembro de 1990, Fedesa e o., C‑331/88, Colect., p. I‑4023, n.° 13, e de 6 de Abril de 1995, RTE e ITP/Comissão, C‑241/91 P e C‑242/91 P, Colect., p. I‑743, n.° 93).

59      A recorrente entende, seguidamente, que este princípio se aplica às decisões através das quais a Comissão aplica o artigo 9.° do Regulamento n.° 1/2003. Efectivamente, os poderes conferidos à Comissão pelo Regulamento n.° 1/2003 devem ser associados ao dever que lhe incumbe de zelar pela aplicação dos princípios consagrados nos artigos 81.° CE e 82.° CE. A utilização que deles faz não deve, por conseguinte, exceder o que é necessário para assegurar que a concorrência não é falseada no mercado interno.

60      É indiferente a este propósito que os compromissos tornados obrigatórios pela Comissão sejam inicialmente oferecidos pelas empresas em causa e que a proposta destas exceda eventualmente o que é necessário para respeitar aos artigos 81.° CE e 82.° CE. Com efeito, é unicamente com vista a responder às preocupações de que tenham sido informadas pela Comissão que as empresas em causa oferecem compromissos. Por conseguinte, é imperativo que os compromissos finalmente tornados necessários pela Comissão respondam às preocupações expressas no quadro da sua apreciação preliminar, sem, porém, exceder o que é adequado, necessário e o menos oneroso possível para assegurar o respeito das regras comunitárias da concorrência. No mínimo, a satisfação destes requisitos é imperativa quando, como no presente caso, o facto de tornar obrigatórios compromissos possa afectar desfavoravelmente uma pessoa implicada no processo.

61      A recorrente considera, por último, que, no caso em apreço, a decisão violou o princípio da proporcionalidade.

62      Em primeiro lugar, a decisão não é necessária à realização do objectivo de proibição dos abusos de posição dominante prosseguido pelo artigo 82.° CE. Efectivamente, os compromissos conjuntos ofereceram à Comissão a redução da parte da produção anual da Alrosa fornecida à De Beers de 50% em 2005 para 18% em 2010 e anos posteriores, em função dos preços em vigor à data de celebração do acordo notificado, e na realidade a uma proporção ainda mais baixa em seguida, tendo em conta, por um lado, o previsto aumento de produção da Alrosa e, por outro, o aguardado aumento do preço do diamante bruto. Ora, uma proporção de 50% era geralmente considerada suficiente pela Comissão na sua prática decisória anterior em que se encontra implicado um fornecedor em posição dominante, e uma proporção bem inferior a este valor teria sido suficiente no presente caso.

63      Em segundo lugar, a decisão causa inconvenientes desmesurados face à finalidade da manutenção de uma concorrência não falseada que visa o artigo 82.° CE. Com efeito, destrói totalmente a possibilidade anteriormente oferecida à Alrosa de celebrar um contrato com a De Beers. Ora, tendo em conta as preocupações expressas pela Comissão quanto ao risco de compartimentação do mercado, teria bastado, tendo em conta a importância concreta deste risco, modificar o acordo notificado do modo previsto pelos compromissos conjuntos e, por conseguinte, limitar a parte da produção anual da Alrosa e a parte da produção anual mundial fornecidas à De Beers a, respectivamente, 18% e 3,6% do mercado. Contudo, a Comissão não determinou de modo algum, na decisão, por que razão esta opção menos gravosa, que lhe tinha sido sugerida pelas empresas em causa, não podia vingar.

64      Em terceiro lugar, o carácter desproporcionado da decisão provoca por seu turno uma discriminação em detrimento da Alrosa, porquanto os outros vendedores conservam toda a latitude para fornecer diamantes brutos à De Beers, de resto, em quantidades iguais ou superiores, em percentagem da produção anual mundial, aos 3,6% previstos no acordo notificado como modificado pelos compromissos conjuntos.

65      Segundo a Comissão, os fundamentos formulados pela recorrente não procedem.

66      Em primeiro lugar, a noção de empresas em causa evocada pelo primeiro período do artigo 9.° do Regulamento n.° 1/2003 visa, à semelhança da de partes em causa mencionada noutras disposições do referido regulamento, a ou, eventualmente, as pessoas contra as quais o processo é instaurado, isto é, aquelas às quais pode ser imputado um acordo ou uma prática concertada, na acepção dos artigos 81.° CE e 53.° do acordo EEE e um abuso de posição dominante, na acepção dos artigos 82.° CE e 54.° do acordo EEE. No presente caso, só a De Beers pode ser uma empresa a quem diz respeito o processo aberto nos termos das disposições relativas aos abusos de posição dominante. Por conseguinte, neste quadro, só a De Beers podia apresentar compromissos que podiam ser tornados obrigatórios pela Comissão.

67      Ao que acresce que os termos que figuram no segundo período do artigo 9.° do Regulamento n.° 1/2003 só podem ser interpretados como conferindo à Comissão o poder, e não o dever, de adoptar decisões por um período determinado.

68      Alega ainda que, em primeiro lugar, a decisão não viola a liberdade contratual. Antes de mais, é errado afirmar que a decisão equivale à proibição de um comportamento legal.

69      Efectivamente, a liberdade contratual é atenuada pela proibição das práticas anticoncorrenciais a que se referem os artigos 81.° CE e 82.° CE. Ora, no caso em apreço, o acordo, apreendido no contexto da relação comercial estabelecida de há longa data entre a Alrosa e a De Beers, surgiu, no termo de uma apreciação preliminar, como contrário a estas disposições, do mesmo modo que outros tipos de relações comerciais mantidas pelas partes durante o inquérito ordenado pela Comissão, como as vendas ad hoc do tipo «willing buyer/willing seller». Ao que acresce que a Comissão não chegou a esta apreciação preliminar unicamente com base na posição dominante ocupada pela De Beers nos mercados situados a jusante, como afirma a recorrente, mas sim tendo em vista a sua posição dominante no mercado da produção e fornecimento de diamantes brutos, como se salienta nos considerandos 23 e 24 da decisão.

70      Acresce ainda que a decisão não equivale a suprimir a liberdade contratual da Alrosa. Pelo contrário, limita‑se a tornar obrigatórios os compromissos individuais da De Beers, que esta assumira ao abrigo da sua própria liberdade contratual, de pôr termo ao acordo que a vinculava à Alrosa. É absolutamente possível que a Alrosa tenha interesse em substituir um acordo com a sua principal concorrente que põe em risco a concorrência. Porém, nem o interesse que um parceiro de uma empresa em posição dominante possa eventual ter em se vincular a esta por um acordo nem outras circunstâncias próprias a esse parceiro devem, segundo a jurisprudência, ser tomados em conta na aplicação do artigo 82.° CE (acórdãos do Tribunal de Justiça, Hoffmann‑La Roche/Comissão, já referido, n.os 89 e 91; de 9 de Novembro de 1983, Michelin/Comissão, 322/81, Recueil, p. 3461, n.° 71; e de 27 de Abril de 1994, Almelo, C‑393/92, Colect., p. I‑1477, n.° 44; acórdão do Tribunal de Primeira Instância de 1 de Abril de 1993, BPB Industries e British Gypsum/Comissão, T‑65/89, Colect., p. II‑389, n.° 68).

71      Seguidamente, a Comissão entende que é errado afirmar que as suas preocupações não justificam a adopção dos compromissos individuais da De Beers.

72      Embora aceitando que é normalmente necessário proceder a um exame concreto dos efeitos que uma prática de compartimentação pode ter na concorrência, a Comissão refere que, no caso em apreço, uma análise destinada a determinar se a De Beers podia adquirir uma determinada quantidade de diamantes brutos à Alrosa sem provocar os efeitos previstos na sua apreciação preliminar, e eventualmente qual era esta quantidade, teria sido muito difícil de efectuar. Em todo o caso, essa análise seria inútil, na medida em que, tendo em conta o objectivo prosseguido pelo artigo 9.° do Regulamento n.° 1/2003, era lícito à Comissão aceitar, sem mais, os compromissos individuais da De Beers. De resto, os seus serviços já tinham dado a conhecer às partes, durante o procedimento administrativo, que era de encarar uma cessação total da relação comercial entre a Alrosa e a De Beers.

73      Ao que acresce, contrariamente ao que afirmou a recorrente, que as preocupações da Comissão não se limitavam a um problema de exclusão dos concorrentes ou de compartimentação do mercado. Pelo contrário, estendiam‑se à globalidade da relação comercial estabelecida entre a Alrosa e a De Beers com vista à regulação conjunta, através de métodos não conformes a uma concorrência normal, do volume, do preço e da oferta de diamantes brutos no mercado mundial, de forma a suprimir do mercado um concorrente independente, a consolidar o papel de líder do mercado desempenhado pela De Beers e a prejudicar a manutenção e o desenvolvimento da concorrência, como resulta dos considerandos 28, 30 e 32 da decisão.

74      Por último, a Comissão alega que é sem fundamento que a recorrente sustenta que a execução da decisão produz efeitos anticoncorrenciais. Entende que os argumentos apresentados a este propósito são impertinentes, na medida em que apresentam erradamente a Alrosa como fornecedor da De Beers, quando, na verdade, é um seu concorrente, e não são convincentes de um ponto de visto económico nem estão alicerçados quanto ao mais.

75      Em segundo lugar, a Comissão sustenta que a decisão não viola o princípio da proporcionalidade.

76      A este respeito, começa por aceitar a aplicabilidade do princípio da proporcionalidade às decisões através das quais aplica o artigo 9.° do Regulamento n.° 1/2003.

77      Porém, importa ter em conta as especificidades que são próprias a esta disposição. Contrariamente ao artigo 7.° do Regulamento n.° 1/2003, que permite que a Comissão verifique a existência de uma infracção, intime as partes em causa a lhe pôr termo e lhes imponha qualquer medida correctiva de natureza estrutural ou de conduta, incluindo a cessação de relações comerciais contrárias às regras comunitárias da concorrência, o artigo 9.° do referido regulamento leva a que esta, sem se pronunciar sobre a existência de uma infracção, conclua que já não há necessidade de actuar pela razão de as empresas em causa terem oferecido voluntariamente compromissos que respondem às preocupações que nutre a respeito da concorrência.

78      Atentos estes elementos, não é necessário que uma decisão de aplicação do artigo 9.° do Regulamento n.° 1/2003 se baseie numa fundamentação como a que é exigida para uma decisão de aplicação do artigo 7.° do referido regulamento, em especial quando se revele difícil determinar a natureza ou o alcance do compromisso necessário para apaziguar as preocupações expressas pela Comissão, por exemplo, porque o comportamento que preocupa a instituição é inédito ou específico, como no presente caso. Ao que acresce que ficaria comprometida a realização do objectivo do artigo 9.° do Regulamento n.° 1/2003 se o resultado do exame de uma decisão nos termos dessa disposição dependesse da apreciação de outra decisão, hipotética, adoptada nos termos do artigo 7.° do mesmo diploma. Isto implicaria que a Comissão teria sempre de efectuar uma apreciação, como no caso de uma decisão nos termos do artigo 7.° do Regulamento n.° 1/2003, renunciando assim a uma parte das vantagens em termos de eficácia que o legislador procurou obter através do artigo 9.° desse regulamento.

79      Além disso, antes de aceitar os compromissos oferecidos, a Comissão deveria verificar se respondem de forma bastante às preocupações identificadas em matéria de concorrência. O artigo 9.° constitui um utensílio a ser aplicado neste contexto.

80      A Comissão aceita que a aplicação do princípio da proporcionalidade lhe impõe a recusa dos compromissos manifestamente excessivos, mas acrescenta que, na medida em que os compromissos são oferecidos voluntariamente pelas empresas em causa, é manifesto que semelhante hipótese não deixará de ser excepcional. Em todo o caso, não pode ser obrigada a proceder a uma apreciação paralela com vista a uma hipotética decisão adoptada nos termos do artigo 7.° do Regulamento n.° 1/2003, na medida em que tal apreciação paralela prejudicaria o próprio objectivo do artigo 9.° desse diploma em termos de eficácia dos procedimentos.

81      Donde conclui que, tendo em conta o objectivo e a economia do artigo 9.° do Regulamento n.° 1/2003, e a menos que se pretenda retirar toda a utilidade a esta disposição, a fiscalização jurisdicional aplicável às decisões que lhe dão aplicação deve limitar‑se à verificação da inexistência de violação manifesta do princípio de proporcionalidade e, de um modo mais geral, da inexistência de erro manifesto na complexa apreciação económica destinada a determinar se os compromissos oferecidos pelas empresas em causa respondem às preocupações expressas no quadro da apreciação preliminar.

82      A Comissão alega seguidamente que, no presente caso, a decisão não é desproporcionada e, mais especificamente, não prejudica indevidamente os legítimos interesses comerciais da Alrosa.

83      Em primeiro lugar, a recorrente não tem razão quando afirma que a decisão foi além do que era necessário ao tornar obrigatórios os compromissos individuais da De Beers. Efectivamente, é falacioso afirmar que o acordo notificado só reserva para a De Beers metade da produção anual da Alrosa, na medida em que a outra metade estava sempre reservada para o mercado russo e em que, portanto, o acordo notificado abrangia, inicialmente, a integralidade da produção anual destinada ao mercado mundial e, seguidamente, 36%, se os compromissos conjuntos tivessem sido tornados obrigatórios. Ao que acresce que estas percentagens não devem ser apreendidas isoladamente, mas sim no contexto de uma relação comercial estabelecida há já cerca de meio século para regular conjuntamente a produção e os preços. Foi tendo em vista estes elementos que, em primeiro lugar, a Comissão exprimiu preocupações quanto ao controlo do mercado pela De Beers e à impossibilidade de a Alrosa lhe fazer plena concorrência; que, em seguida, os terceiros interessados confirmaram que era necessário pôr termo à relação comercial existente entre estas sociedades; e, por último, que a De Beers ofereceu unilateralmente estes compromissos, dissipando deste modo qualquer preocupação possível. A Comissão sustenta também que a proibição das transacções através da via das licitações abertas se justifica à luz das práticas anteriores da Alrosa e da De Beers quando das vendas ad hoc de tipo «willing buyer/willing seller». Em todo o caso, a recorrente não conseguiu demonstrar de que modo compromissos menos gravosos, como os compromissos conjuntos anteriormente oferecidos à Comissão, podiam ser suficientes.

84      Em segundo lugar, a recorrente não tem razão ao sustentar que a decisão lhe causou inconvenientes desmesurados relativamente à finalidade que era prosseguida. Com efeito, a Comissão teve devidamente em conta os seus interesses, permitindo‑lhe apresentar observações relativas aos compromissos individuais da De Beers e prevendo uma fase transitória destinada a permitir‑lhe pôr em execução um sistema de distribuição alternativo. Ao que acresce que, em Setembro de 2003, a própria Alrosa submeteu à Comissão compromissos que previam a cessação completa e definitiva das suas relações comerciais com a De Beers. Finalmente, a impossibilidade em que se encontra a Alrosa de celebrar um contrato com a De Beers finda esta fase transitória não é definitiva, podendo sempre ser reaberto o processo ao abrigo do artigo 9.°, n.° 2, do Regulamento n.° 1/2003.

85      Em terceiro lugar, a recorrente não tem justificação para alegar que a decisão constitui uma discriminação no que a si respeita, na medida em que a sua situação relativamente à de De Beers é diferente da de outros fornecedores em razão da sua qualidade de principal concorrente desta empresa em posição dominante, por um lado, e da relação comercial que de há longa data mantém com esta última, por outro.

 Apreciação do Tribunal

–       Quanto aos poderes conferidos à Comissão pelo artigo 9.° do Regulamento n.° 1/2003

86      Decorre do próprio teor do artigo 9.° do Regulamento n.° 1/2003 que a Comissão pode, mediante decisão, tornar obrigatórios os compromissos oferecidos pelas empresas em causa, quando sejam susceptíveis de dar resposta às preocupações expressas na sua apreciação preliminar. Como os próprios compromissos propostos pelas empresas são destituídos de efeitos jurídicos obrigatórios, é a decisão da Comissão tomada ao abrigo do artigo 9.° do Regulamento n.° 1/2003, e apenas ela, que produz efeitos jurídicos relativamente às empresas.

87      Tendo esta decisão por efeito pôr termo ao processo de verificação e punição de uma infracção às regras da concorrência, não pode ser considerada uma simples aceitação pela Comissão de uma proposta livremente formulada por um parceiro de negociações, antes constituindo uma medida obrigatória que põe termo a uma situação de infracção ou de infracção potencial, por ocasião da qual a Comissão exerce o conjunto das prerrogativas que lhe são conferidas pelos artigos 81.° CE e 82.° CE, sem prejuízo desta única particularidade: de a apresentação de propostas de compromissos pelas empresas em causa a dispensar de prosseguir o procedimento regulamentar imposto pelo artigo 85.° CE e, mais especificamente, de fazer prova da infracção.

88      Ao tornar obrigatória uma determinada conduta de um operador relativamente a terceiros, uma decisão adoptada nos termos do artigo 9.° do Regulamento n.° 1/2003 pode comportar indirectamente efeitos jurídicos erga omnes que a empresa em causa não estaria na posição de criar por si própria; assim, a Comissão é a única responsável por esses efeitos, a partir do momento em que confere força obrigatória aos compromissos propostos pela empresa em causa, assumindo, por conseguinte, sozinha a responsabilidade. Efectivamente, não está de modo algum obrigada a ter em conta, e a fortiori como apresentadas, as propostas de compromissos que as empresas em causa lhe submetam.

89      Apesar de o Regulamento n.° 1/2003 não definir a noção de empresa em causa, resulta das suas disposições que esta qualificação visa as empresas às quais o comportamento em causa é imputável e que podem ser punidas em razão deste.

90      Assim, num processo aberto ao abrigo do artigo 82.° CE, está em princípio em causa a empresa que se encontra numa posição dominante e cujo comportamento pode constituir um abuso. Se prevalecesse uma interpretação segundo a qual todas as empresas que poderão ser afectadas por compromissos de conduta destinados a pôr termo a um abuso verificado ou previsível deveriam ser associadas à proposta de compromissos na qualidade de empresas em causa, daí decorreria a impossibilidade prática de recurso ao artigo 9.° do Regulamento n.° 1/2003 na maioria das situações abrangidas pelo artigo 82.° CE.

91      Quanto ao período de aplicação da decisão que torna os compromissos obrigatórios, há que notar que, embora o artigo 9.°, n.°1, do Regulamento n.° 1/2003 preveja que esta decisão pode ser adoptada por um período de duração determinado, não impõe, porém, que assim seja. A redacção definitiva do artigo 9.° do Regulamento n.° 1/2003 distingue‑se a este respeito, como correctamente salientou a Comissão, da que tinha sido adoptada na proposta de Regulamento do Conselho relativo à execução das regras de concorrência aplicáveis às empresas previstas nos artigos 81.° [CE] e 82.° [CE], apresentada pela Comissão [COM (2000) 582 final], que previa que essa decisão «é adoptada por um período determinado». Consequentemente, não há qualquer razão de princípio que proíba à Comissão tornar os compromissos obrigatórios por um período indeterminado.

92      Ao que acresce que, apesar de o artigo 9.° do Regulamento n.° 1/2003 não mencionar, diversamente do seu artigo 7.°, n.° 1, o princípio da proporcionalidade, o seu respeito é imposto à Comissão quando adopta decisões com base nesse fundamento. Efectivamente, o princípio da proporcionalidade é reconhecido por jurisprudência constante como fazendo parte dos princípios gerais do direito comunitário (acórdão Fedesa e o., já referido, n.° 13).

93      De resto, o considerando 34 do Regulamento n.° 1/2003 expõe que, «[e]m conformidade com os princípios da subsidiariedade e da proporcionalidade consagrados no artigo 5.° [CE], o presente regulamento, para atingir o seu objectivo, ou seja, permitir a aplicação eficaz das regras comunitárias de concorrência, não excede o que é necessário».

94      A Comissão aceita nas suas observações a aplicabilidade do princípio da proporcionalidade às decisões adoptadas em aplicação do artigo 9.° do Regulamento n.° 1/2003. Contudo, considera que este princípio não deve merecer a mesma aplicação no quadro do artigo 7.°, n.° 1, e no quadro do artigo 9.°, n.° 1, do referido regulamento.

95      A este respeito, o Tribunal observa, em primeiro lugar, que o objectivo do artigo 7.°, n.° 1, do Regulamento n.° 1/2003 é o mesmo do seu artigo 9.°, n.° 1, e coincide com o objectivo principal do Regulamento n.° 1/2003, que é o de assegurar uma aplicação efectiva das regras de concorrência previstas pelo Tratado.

96      Para atingir este objectivo, a Comissão dispõe de uma margem de apreciação quanto à escolha que lhe é oferecida pelo Regulamento n.° 1/2003 de tornar obrigatórios os compromissos propostos pelas empresas em causa e de adoptar uma decisão ao abrigo do artigo 9.° deste ou de seguir a via prevista pelo artigo 7.°, n.° 1, do referido regulamento, que exige a verificação de uma infracção.

97      Todavia, a existência desta margem de apreciação quanto à escolha da via a seguir não exonera a Comissão do dever de respeitar o princípio da proporcionalidade quando decide tornar obrigatórios os compromissos oferecidos ao abrigo do artigo 9.°, n.° 1, do Regulamento n.° 1/2003.

98      Em segundo lugar e segundo jurisprudência assente nesta matéria, o princípio da proporcionalidade impõe que os actos das instituições comunitárias não ultrapassem os limites do adequado e necessário para a realização do objectivo pretendido (acórdãos do Tribunal de Primeira Instância de 19 de Junho de 1997, Air Inter/Comissão, T‑260/94, Colect., p. II‑997, n.° 144, e Van den Bergh Foods/Comissão, já referido, n.° 201), entendendo‑se que, quando se proporcione uma escolha entre várias medidas adequadas, deve recorrer‑se à menos limitativa e que os inconvenientes causados não devem ser desproporcionados relativamente aos objectivos visados (acórdãos do Tribunal de Justiça de 11 de Julho de 1989, Schräder, 265/87, Colect., p. 2237, n.° 21, e de 9 de Março de 2006, Zuid‑Hollandse Milieufederatie e Natuur en Milieu, C‑174/05, Colect., p. I‑2443, n.° 28).

99      Assim, a fiscalização da proporcionalidade de uma medida constitui uma fiscalização objectiva, devendo o carácter adequado e necessário da decisão impugnada ser apreciado por referência à finalidade prosseguida pela instituição. No tocante às decisões adoptadas em aplicação do artigo 7.° do Regulamento n.° 1/2003, a finalidade é a de pôr termo à infracção verificada; relativamente às adoptadas em aplicação do artigo 9.° deste regulamento, é a de responder às preocupações expressas pela Comissão no quadro da sua apreciação preliminar, que justificam que ponderasse adoptar uma decisão impondo a cessação de uma infracção.

100    Na hipótese da aplicação do artigo 7.°, n.° 1, do Regulamento n.° 1/2003 a Comissão deve verificar a existência de uma infracção, o que implica uma definição precisa do mercado relevante e, eventualmente, do abuso imputado à empresa em causa. No quadro do artigo 9.°, n.° 1, do mesmo diploma, é certo que a Comissão não está obrigada a demonstrar formalmente a existência de uma infracção, como, de resto, vem indicado no considerando 13 do Regulamento n.° 1/2003, mas deve, contudo, demonstrar a realidade das preocupações a respeito da concorrência que justificavam que ponderasse adoptar uma decisão ao abrigo dos artigos 81.° CE e 82.° CE e que permitem que imponha à empresa em causa o respeito de certos compromissos, o que pressupõe uma análise do mercado e uma identificação da infracção consideradas menos definitivas do que seriam no quadro da aplicação do artigo 7.°, n.° 1, embora devam ser suficientes para permitir a fiscalização do carácter adequado do compromisso.

101    Com efeito, seria contrário à economia do Regulamento n.° 1/2003 que uma decisão que, ao abrigo do artigo 7.°, n.° 1, do referido regulamento devia ser considerada desproporcionada à infracção verificada pudesse ser tomada com recurso ao procedimento previsto no artigo 9.°, n.° 1, sob a forma de um compromisso tornado obrigatório, por, nesse quadro, a infracção não ter sido formalmente demonstrada.

102    Foi já enunciado, com base no artigo 3.° do Regulamento n.° 17, que os ónus impostos às empresas, para porem termo a uma infracção ao direito da concorrência, não devem ir além dos limites do que é adequado e necessário para atingir a finalidade prosseguida, isto é, a reposição da legalidade em relação às regras que, concretamente, foram infringidas (acórdão RTE e ITP/Comissão, já referido, n.° 93). A mesma interpretação se impõe no que respeita ao artigo 7.°, n.° 1, primeiro período, do Regulamento n.° 1/2003, cujo teor é muito próximo do do artigo 3.°, n.° 1, do Regulamento n.° 17.

103    Donde decorre que a Comissão, sem exceder os poderes que lhe são conferidos tanto pelas regras de concorrência do Tratado CE como pelo Regulamento n.° 1/2003, só pode adoptar com base no artigo 7.°, n.° 1, desse regulamento uma decisão de proibição absoluta de qualquer relação comercial futura entre duas empresas se tal decisão for necessária para restabelecer a situação anterior à infracção (v., neste sentido, acórdão do Tribunal de Primeira Instância de 18 de Setembro de 1992, Automec/Comissão, T‑24/90, Colect., p. II‑2223, n.os 51 e 52).

104    Não há qualquer consideração relevante assente na diferença entre o artigo 7.° e o artigo 9.° do Regulamento n.° 1/2003 que permita chegar a diversa conclusão no tocante aos limites que se impõem à capacidade da Comissão de prever medidas obrigatórias ao abrigo do artigo 9.°, n.° 1, do referido regulamento.

105    Em terceiro lugar, o carácter voluntário dos compromissos também não exonera a Comissão do respeito do princípio da proporcionalidade, porquanto é a decisão da Comissão que os torna obrigatórios. O facto de uma empresa entender, por razões que lhe são próprias, que é oportuno em determinado momento apresentar certos compromissos não significa que estes compromissos sejam de facto necessários.

106    De resto e sob o regime do antigo Regulamento n.° 17, o Tribunal de Justiça enunciou que, em certas circunstâncias, as obrigações impostas às recorrentes por um compromisso devem ser equiparadas a injunções para pôr termo a infracções (acórdão do Tribunal de Justiça de 31 de Março de 1993, Ahlström Osakeyhtiö e o./Comissão, C‑89/85, C‑104/85, C‑114/85, C‑116/85, C‑117/85 e C‑125/85 a C‑129/85, Colect., p. I‑1307, n.° 181). Com efeito, o Tribunal de Justiça concluiu que, ao assumir este compromisso, as empresas em causa apenas se limitam, por razões que lhes são próprias, a dar a sua anuência a uma decisão que a Comissão tinha poderes para adoptar unilateralmente (acórdão Ahlström Osakeyhtiö e o., já referido, n.° 181).

107    A circunstância de os compromissos serem propostos por uma empresa não limita, pois, a fiscalização que o Tribunal exerce sobre o mérito da decisão da Comissão de os tornar obrigatórios.

108    Por fim, o grau da fiscalização do Tribunal sobre as análises efectuadas pela Comissão com base nas regras de concorrência do Tratado depende da existência, subjacente a cada decisão considerada, de uma margem de apreciação justificada pela complexidade das normas de carácter económico a serem aplicadas. Tendo em conta o impacto das decisões tomadas ao abrigo dos artigos 81.° CE e 82.° CE sobre as liberdades económicas fundamentais garantidas pelo Tratado, a hipótese de uma fiscalização restrita deve ficar reservada para os casos em que a decisão impugnada se apoia numa apreciação económica complexa, salvo nos domínios, como o das concentrações, em que a existência de um poder discricionário é essencial para o exercício das atribuições da instituição reguladora (acórdão do Tribunal de Justiça de 15 de Fevereiro de 2005, Comissão/Tetra Laval, C‑12/03 P, Colect., p. I‑987, n.os 38 a 40).

109    É certo que constitui jurisprudência assente que, no domínio da fiscalização das concentrações, a Comissão dispõe de um vasto poder de apreciação para examinar a necessidade de obter compromissos para dissipar as sérias dúvidas colocadas por uma operação (acórdão do Tribunal de Primeira Instância de 30 de Setembro de 2003, ARD/Comissão, T‑158/00, Colect., p. II‑3825, n.os 328 e 329). A fiscalização limitada ao erro manifesto que o Tribunal exerce neste domínio justifica‑se pelo carácter prospectivo da análise económica efectuada pela Comissão para poder concluir que a operação em causa não criará ou reforçará uma posição dominante (acórdão do Tribunal de Primeira Instância de 25 de Março de 1999, Gencor/Comissão, T‑102/96, Colect., p. II‑753, n.° 163).

110    Em contrapartida, a análise que a Comissão tem o dever de efectuar no quadro de um processo aberto nos termos do Regulamento n.° 1/2003 versa sobre práticas existentes, quer estejamos perante uma decisão adoptada ao abrigo do artigo 7.°, n.° 1, quer do artigo 9.°, n.° 1, do Regulamento n.° 1/2003. É evidente que esta circunstância não exclui que sejam necessárias apreciações económicas complexas, mas não permite que, caso não existam, a fiscalização que o Tribunal exerce sobre as decisões da Comissão esteja sempre limitada ao erro manifesto de apreciação.

111    Decorre das considerações precedentes que incumbe ao Tribunal, no presente caso, verificar se as medidas tornadas obrigatórias pela decisão eram adequadas e necessárias para fazer cessar o abuso identificado no quadro da apreciação preliminar da Comissão.

–       Quanto à conformidade da decisão com o princípio da proporcionalidade

112    Segundo jurisprudência constante, o princípio da proporcionalidade exige que os actos das instituições comunitárias não ultrapassem os limites do adequado e do necessário para atingir o objectivo prosseguido, entendendo‑se que, quando exista uma escolha entre várias medidas adequadas, se deve recorrer à menos penalizante e que os inconvenientes causados não devem ser desproporcionados relativamente aos objectivos pretendidos (acórdãos do Tribunal de Justiça Fedesa e o., já referido, n.° 13, e de 14 de Julho de 2005, Países Baixos/Comissão, C‑180/00, Colect., p. I‑6603, n.° 103).

113    O objectivo pretendido pela Comissão com a adopção da decisão deve ser procurado na apreciação preliminar, contida na comunicação de objecções enviada à De Beers ao abrigo do artigo 82.° CE. Nos termos desta, o acordo notificado impede que a Alrosa intervenha como fornecedora independente no mercado dos diamantes brutos e elimina, deste modo, uma fonte de abastecimento para os potenciais clientes. A Comissão considera, pois, que o acordo notificado conduz a uma exclusividade de distribuição em proveito da De Beers, potencialmente constitutiva de um abuso de posição dominante.

114    Donde se conclui que o abuso identificado no quadro da apreciação preliminar da Comissão é constituído pelo acordo notificado, cuja celebração pela De Beers é apresentada como um abuso da sua posição dominante. Nestas circunstâncias, poder‑se‑ia afirmar que o simples facto de não permitir que as partes dêem execução a este acordo, no quadro do processo aberto nos termos do artigo 81.° CE, teria bastado para pôr termo ao eventual abuso.

115    Todavia, e apesar de as objecções enunciadas na comunicação de objecções nos termos do artigo 82.° CE dizerem unicamente respeito ao acordo notificado, é de notar que as preocupações expressas pela Comissão na decisão também concernem à situação revelada pelo acordo notificado, ou seja, às relações históricas entre as partes, às quais o acordo notificado assegura a continuação.

116    Assim, o ponto 28 da decisão indica: «[...] as práticas examinadas que levantam problemas, tendo em conta a posição dominante e o papel de líder do mercado da De Beers, dizem respeito à relação comercial entre esta sociedade e o seu concorrente mais importante, a Alrosa, à luz do seu contexto histórico. Resulta do inquérito da Comissão que a De Beers e a Alrosa estabeleceram relações comerciais desde há longa data, de modo a regularem conjuntamente o volume, o sortido e os preços dos diamantes brutos vendidos no mercado mundial. A base das compras actuais continua, aparentemente, a ser a mesma e constitui um dos principais elementos do papel de líder do mercado da De Beers».

117    É, portanto, possível considerar que o acordo notificado foi considerado, no quadro da apreciação preliminar, a fonte das preocupações concorrenciais da Comissão, não apenas enquanto tal, o que tornaria inadequado qualquer recurso ao artigo 82.° CE, mas também enquanto reforço e perpetuação das relações comerciais anteriores, que também eram consideradas abusivas.

118    Segundo o ponto 46 da decisão, o primeiro motivo das preocupações da Comissão a respeito das práticas examinadas no processo relativo ao artigo 82.° CE «referia‑se ao facto de a De Beers poder reforçar ou manter a sua posição dominante, restringindo o acesso dos potenciais clientes a uma fonte viável de abastecimento em diamantes brutos e impedindo que o segundo concorrente [a Alrosa] lhe fizesse plena concorrência».

119    O objectivo prosseguido pela Comissão ao tornar obrigatórios os compromissos individuais da De Beers era, pois, o de pôr termo às práticas que impediam que a Alrosa se posicionasse como concorrente efectivo no mercado em causa e de abrir a terceiros o acesso a uma fonte de abastecimento alternativa.

120    Por conseguinte, a necessidade da decisão deve ser analisada à luz destes dois objectivos.

121    Resulta do ponto 47 da decisão que os compromissos individuais da De Beers bastavam para responder às preocupações expressas no quadro da sua apreciação preliminar, o que a recorrente não contesta. Porém, resta ainda examinar se os compromissos individuais da De Beers tornados obrigatórios pela decisão satisfazem também o critério da necessidade, apesar da conclusão da decisão não encarar este aspecto da proporcionalidade da medida.

122    A este propósito e como foi anteriormente exposto, a fiscalização jurisdicional dos actos da Comissão que implicam apreciações económicas complexas limita‑se à verificação do respeito das regras processais e de fundamentação, bem como da exactidão material dos factos, da inexistência de erro manifesto de apreciação e de desvio de poder (acórdão do Tribunal de Justiça de 7 de Janeiro de 2004, Aalborg Portland e o./Comissão, C‑204/00 P, C‑205/00 P, C‑211/00 P, C‑213/00 P, C‑217/00 P e C‑219/00 P, Colect., p. I‑123, n.° 279).

123    Para que, no presente caso, o Tribunal possa limitar‑se a exercer uma fiscalização restrita sobre a proporcionalidade da decisão, é necessário que esteja em condições de poder verificar que a Comissão efectuou a sua apreciação com base numa análise económica complexa que lhe permitiu concluir que os compromissos tornados obrigatórios eram necessários para responder às preocupações expressas na sua apreciação preliminar.

124    Ora, tanto na sua contestação como na audiência, a Comissão indicou que podia ter existido uma zona cinzenta entre os compromissos conjuntos e os compromissos individuais da De Beers, mas que a identificação de soluções alternativas aos compromissos tornados obrigatórios pressupunha uma apreciação económica complexa que o artigo 9.° do Regulamento n.° 1/2003 se destina a evitar. A Comissão afirmou ainda que, tendo em conta a dificuldade de determinar soluções alternativas, chegou à conclusão de que uma proibição total representava a única solução adequada para responder às suas preocupações iniciais.

125    Donde se conclui que no caso em apreço a Comissão não procedeu a uma análise económica complexa que justifique uma limitação da fiscalização a efectuar pelo Tribunal sobre a decisão e que assenta a sua reivindicação de uma fiscalização restrita unicamente nas especificidades do artigo 9.° do Regulamento n.° 1/2003. Ora, como foi exposto no n.° 100 do presente acórdão, embora o artigo 9.° não imponha que a Comissão faça a prova da infracção a que respeita o processo, não a dispensa de reunir os elementos de análise necessários para permitir uma fiscalização jurisdicional efectiva da proporcionalidade da medida adoptada.

126    Em todo o caso, o Tribunal observa que a decisão enferma de erro de apreciação, o qual, de resto, assume carácter manifesto. Com efeito, decorre manifestamente das circunstâncias do presente caso que eram possíveis outras soluções menos gravosas do que a proibição permanente das transacções entre a De Beers e a Alrosa para atingir o objectivo prosseguido pela decisão, que a sua determinação não suscitava especiais dificuldades técnicas e que a Comissão não se podia considerar dispensada de proceder ao seu exame.

127    A este propósito, o Tribunal começa por recordar que, segundo jurisprudência assente, para uma empresa que se encontre em posição dominante num mercado, o facto de vincular – embora a seu pedido – compradores através de uma obrigação ou promessa de se abastecerem exclusivamente, relativamente à totalidade ou a uma parte considerável das suas necessidades, junto da referida empresa constitui uma exploração abusiva de uma posição dominante na acepção do artigo 82.° CE (acórdão Hoffmann‑La Roche/Comissão, já referido, n.° 89). Aplicada a um comprador em posição dominante, esta jurisprudência significa que o facto, para a De Beers, de reservar para si a totalidade da produção da Alrosa exportada para fora da CEI, mesmo com o acordo desta última, pode constituir um abuso no quadro das suas relações.

128    A solução, prima facie, mais adequada para pôr termo a um abuso assim caracterizado teria sido, pois, a de proibir às partes a celebração de qualquer acordo que permitisse à De Beers reservar para si a totalidade, ou mesmo uma parte substancial, da produção da Alrosa exportada para fora da CEI, para que esta última voltasse a encontrar a sua independência no mercado e para que o acesso de terceiros a uma fonte de abastecimento alternativo ficasse garantido, sem que fosse necessário proibir toda e qualquer aquisição pela De Beers de diamantes produzidos pela Alrosa.

129    Em segundo lugar, os compromissos conjuntos foram propostos em Dezembro de 2004 pela De Beers e a Alrosa e a Comissão não explicou por que razão não respondiam às preocupações expressas no quadro da sua apreciação preliminar.

130    É verdade que a Comissão nunca é obrigada, nos termos do artigo 9.°, n.° 1, do Regulamento n.° 1/2003, a decidir tornar os compromissos obrigatórios em vez de actuar ao abrigo do artigo 7.° do mesmo regulamento. Por conseguinte, não lhe incumbe fornecer as razões pelas quais lhe parece que os compromissos não são adequados para serem tornados obrigatórios de forma a encerrar o processo.

131    Todavia, o respeito do princípio da proporcionalidade exige da instituição, quando existam medidas menos gravosas do que as que tenciona tornar obrigatórias e que sejam do seu conhecimento, que examine a sua aptidão para responder às preocupações que justificam a sua actuação, antes de optar, caso se revelem inadequadas, pela fórmula mais gravosa.

132    Os compromissos conjuntos propostos em Dezembro de 2004 pela De Beers e pela Alrosa, relativamente aos quais é verdade que a Comissão não tinha o dever processual de os tomar em conta, nem na sua decisão, nem na sua fundamentação, constituem, contudo, uma medida menos gravosa do que a que decidiu tornar obrigatória e cujo exame é a este respeito relevante em termos da fiscalização da proporcionalidade.

133    Ora, na medida em que, por um lado, abriam progressivamente o acesso dos terceiros à produção da Alrosa, e, por outro, deixavam a esta última o tempo necessário para desenvolver o seu próprio sistema de distribuição de diamantes brutos e, portanto, de se tornar um concorrente efectivo da De Beers, estes compromissos conjuntos podiam, prima facie, revelar‑se aptos a responder às preocupações expressas pela Comissão.

134    Efectivamente, o Tribunal verifica que, para o período compreendido entre 2005 e 2009, os compromissos conjuntos previam uma diminuição substancial da quantidade de diamantes reservada pela Alrosa à De Beers, passando esta de 700 milhões de USD em 2005 para 275 milhões de USD a partir de 2009. A Alrosa entregaria, pois, à De Beers a partir de 2009 somente 35% da quantidade de diamantes que lhe vendeu em 2004. Em consequência, dificilmente poderia a De Beers influenciar os preços fixados pela Alrosa, na medida em que mais de dois terços dos diamantes exportados por esta para fora da CEI eram vendidos ao preço determinado nos termos das negociações com terceiros. Assim, e supondo que a De Beers e a Alrosa pretendiam coordenar as respectivas políticas de preços, a colocação em prática desta coordenação era dificilmente concebível, na medida em que, face a uma recusa dos terceiros em comprar ao preço acordado pelas duas empresas, a Alrosa não podia socorrer‑se da De Beers para escoar as existências não vendidas. Por conseguinte, os compromissos conjuntos permitiam aos terceiros um acesso efectivo a uma fonte de abastecimento alternativa e independente.

135    Uma diminuição progressiva durante um período de cinco anos da quantidade vendida à De Beers, com uma limitação das vendas a um valor máximo de 275 milhões de USD a partir de 2009, também permitiria à Alrosa estabelecer o seu sistema de distribuição para fora da CEI, sem a qual não podia assumir a posição de concorrente efectivo da De Beers. Porém, o Tribunal nota que no ponto 47 da decisão impugnada, a Comissão afirma que o período transitório compreendido entre 2006 e 2008, ou seja, de três anos, era necessário para que a Alrosa constituísse «um sistema de distribuição concorrencial para as quantidades de diamantes anteriormente vendidos pela De Beers». Contudo, a Comissão não explica como podia este período ser suficiente para esse efeito, sobretudo tendo a Alrosa informado a Comissão em Setembro de 2003 de que lhe era necessário um período de oito anos para pôr em execução um sistema de distribuição eficaz e que era apenas a partir de 2012 que considerava poder cessar todas as vendas de diamantes brutos à De Beers, como decorre dos documentos apresentados em anexo à petição.

136    De resto, note‑se que, em 3 de Junho de 2005, data da publicação no Jornal Oficial da União Europeia da comunicação relativa aos compromissos conjuntos, a Comissão ponderava, sem prejuízo dos resultados da consulta do mercado, tornar obrigatórios os referidos compromissos. Assim, a Comissão considerava que estes compromissos respondiam prima facie às preocupações que expressara no quadro da sua apreciação preliminar.

137    Em terceiro lugar e mesmo supondo que os compromissos conjuntos não eram de natureza a responder às preocupações iniciais da Comissão, a respectiva adaptação era igualmente susceptível de resolver os problemas de concorrência criados pelo acordo notificado, sem que fosse necessário impor às partes a cessação definitiva de todas as relações comerciais a partir de 2009.

138    Nomeadamente, podia ter sido aceite a adaptação, sugerida pela recorrente na carta que enviou à Comissão em 6 de Fevereiro de 2006, e que consistia em lhe permitir escoar diamantes, através de vendas em leilão à De Beers, até um valor máximo anual de 275 milhões de USD. Esta adaptação teria permitido, por um lado, pleno acesso dos terceiros à produção da Alrosa e, por outro, que esta continuasse a vender uma quantidade limitada ao maior comprador do mercado numa base ad hoc.

139    É verdade que a Comissão não se deve substituir às partes para modificar os compromissos que estas propõem nos termos do artigo 9.° do Regulamento n.° 1/2003 a fim de que esses compromissos respondam às preocupações formuladas no quadro da sua apreciação preliminar. Porém, nada há que a impeça de tornar obrigatórios apenas parcialmente ou em determinada medida os compromissos propostos. De resto, verifica‑se que, na reunião de 27 de Outubro de 2005, a Comissão sugeriu às partes modificações aos compromissos conjuntos. Com efeito, anunciou‑lhes, nessa ocasião, a sua intenção de tomar uma decisão, com base no artigo 7.° do Regulamento n.° 1/2003, proibindo‑lhes que mantivessem qualquer relação comercial a partir de 2009 se não propusessem compromissos que fossem nesse sentido antes do fim do mês de Novembro de 2005.

140    Contudo, a Comissão não pode licitamente sugerir às partes que lhe submetam compromissos que vão mais longe do que uma decisão que ela teria podido adoptar ao abrigo do artigo 7.°, n.° 1, do Regulamento n.° 1/2003. Ora, no caso em apreço, uma decisão adoptada ao abrigo desta última disposição e que impusesse à De Beers a cessação a partir de 2009, por um período indeterminado, de qualquer relação comercial directa ou indirecta com a Alrosa iria manifestamente além do que a Comissão poderia impor no respeito do princípio da proporcionalidade, tendo em conta o objectivo prosseguido.

141    Com efeito, só circunstâncias excepcionais, que não foram identificadas na decisão e que não se vislumbram nos autos, podem justificar que uma decisão adoptada ao abrigo do artigo 9, n.° 1, do Regulamento n.° 1/2003 proíba empresas, de forma absoluta e definitiva, de estabelecerem relações contratuais entre si. É certo que, no caso de uma posição dominante colectiva das empresas em causa, não se pode excluir que a proibição pura e simples de qualquer transacção entre elas possa constituir a única maneira de prevenir os abusos. Porém, embora a Comissão tenha insinuado na comunicação de objecções notificada às partes ao abrigo do artigo 81.° CE que podia existir um oligopólio entre a Alrosa e a De Beers, a análise que figura na decisão funda‑se unicamente na posição dominante da De Beers e não numa eventual posição dominante colectiva das duas empresas. A Comissão confirmou, tanto na sua contestação como na audiência, que é neste sentido que se deve entender a decisão.

142    Refira‑se ainda que a comparação feita pela Comissão entre os compromissos propostos pela recorrente em Setembro de 2003, os compromissos conjuntos e os compromissos tornados obrigatórios não basta para demonstrar o carácter necessário destes últimos, posto que a necessidade da proibição imposta, no presente caso, sob a forma de compromissos tornados obrigatórios deve ser apreciada objectivamente, por referência à finalidade prosseguida pela Comissão.

143    No tocante aos compromissos propostos pela recorrente em Setembro de 2003, nos quais a Comissão se apoia para justificar a proporcionalidade da medida, é certo que previam uma cessação completa e por um período ilimitado das relações comerciais com a De Beers. Todavia, o Tribunal verifica, por um lado, que estes compromissos previam esta cessação das relações comerciais somente a partir de 2013 e não a partir de 2009, o que deixava à Alrosa mais quatro anos para desenvolver um sistema de distribuição para fora da CEI que lhe permitisse escoar o volume de diamantes brutos precedentemente vendido à De Beers. A criação deste sistema era manifestamente necessária para permitir que os terceiros tivessem acesso à produção da Alrosa e que esta última fizesse concorrência plena à De Beers. Por outro lado, a Alrosa retirou estes compromissos, por não serem viáveis de um ponto de vista económico. Por último, o facto de uma empresa ter em determinado momento proposto compromissos, por razões que lhe são próprias, não permite presumir a respectiva proporcionalidade e não dispensa a Comissão do dever de verificar a sua adequação e a sua necessidade relativamente ao objectivo pretendido. Por conseguinte, a circunstância de a Alrosa ter proposto em Setembro de 2003 certos compromissos não tem qualquer incidência sobre a legalidade da decisão.

144    Quanto aos compromissos conjuntos propostos pelas partes em Dezembro de 2004, a Comissão apresenta‑os como sendo insuficientes, com fundamento em que, se a De Beers fosse autorizada a continuar a comprar à Alrosa diamantes brutos por um valor anual de 275 milhões de USD, este facto poderia impedir esta última de lhe fazer concorrência, na medida em que lhe seria mais difícil com os dois terços restantes da sua produção destinada à exportação propor fornecimentos regulares de uma ampla gama de diamantes. A Comissão entende ainda que a De Beers podia continuar a utilizar os diamantes da Alrosa para desempenhar o seu papel de líder do mercado.

145    Porém, o Tribunal constata que o único elemento apresentado pela Comissão em apoio da afirmação segundo a qual a capacidade de a Alrosa fornecer um amplo sortido de diamantes ficaria diminuída se continuasse a ser vendida à De Beers uma quantidade máxima anual correspondente a 275 milhões de USD é uma remissão para o ponto 70 da comunicação de objecções apresentada ao abrigo do artigo 81.° CE. Segundo este ponto, «[a] De Beers […] tem uma vantagem considerável sobre os seus concorrentes, não apenas devido à sua dimensão, mas ainda porque pode garantir a melhor uniformidade no fornecimento [de diamantes brutos] aos seus clientes. Isto explica‑se pelo facto de ter acesso à produção de um mais vasto número de diferentes minas que produzem uma mais ampla variedade de diamantes brutos e de ser o único produtor que possui grandes quantidades em reserva». Ora, esta consideração não demonstra por que razão a Alrosa não podia assegurar um fornecimento regular de quantidades importantes de diamantes brutos se continuasse a fornecer uma quantidade limitada à De Beers.

146    De resto e mesmo que a venda à De Beers de uma quantidade limitada de diamantes permitisse a esta última manter ou reforçar o seu papel de líder do mercado e, portanto, a sua posição dominante, não ficava necessariamente demonstrada a violação das regras de concorrência. Não sendo o objectivo do artigo 82.° CE proibir as posições dominantes, mas sim respectivo abuso, a Comissão não pode exigir a uma empresa dominante que se abstenha de efectuar compras que lhe permitem manter ou reforçar a sua posição no mercado, se para tal não se socorrer de métodos incompatíveis com as regras da concorrência. Embora uma empresa que ocupa tal posição tenha especiais responsabilidades (acórdão Michelin/Comissão, já referido, n.° 57), essas responsabilidades não podem levar a que se exija que seja posto termo à própria existência da posição dominante.

147    Ora, no presente caso, a Comissão impõe às partes que cessem todas as relações comerciais, com a intenção evidente de enfraquecer o papel de líder do mercado da De Beers.

148    A decisão também impõe de facto à Alrosa, que não é visada pelo processo instaurado nos termos do artigo 82.° CE, que proceda a modificações importantes na sua organização e na sua actividade a fim de fazer concorrência à De Beers fora da CEI, e isto num prazo de três anos.

149    Assim, a Comissão impõe a um operador que não está directamente em causa no processo instaurado ao abrigo do artigo 82.° CE que participe na alteração da estrutura do mercado da produção e do fornecimento dos diamantes brutos, medida que excede os poderes conferidos à Comissão por esta disposição.

150    A Comissão sustenta, por último, que a proibição das transacções pela via das licitações abertas se justifica à luz das práticas anteriores da Alrosa e da De Beers quando das vendas ad hoc (de tipo «willing buyer/willing seller»). Alega que se podia legitimamente recear que essas vendas permitissem às partes continuar a executar o acordo notificado, podendo as quantidades vendidas por essa via corresponder às quantidades previstas pelo acordo.

151    A este propósito e partindo do pressuposto de que a De Beers e a Alrosa podiam pretender manter, por vias travessas, o valor das transacções previsto no acordo notificado, a Comissão não estava desprovida dos meios para a seu respeito tomar as medidas que se impunham para assegurar o respeito das regras de concorrência. Com efeito e nomeadamente, o artigo 9.°, n.° 2, do Regulamento n.° 1/2003 dispõe que a Comissão pode reabrir o processo se as empresas em causa não cumprirem os seus compromissos. De igual modo, o artigo 23.°, n.° 2, do mesmo diploma confere‑lhe a possibilidade de punir as empresas que não respeitem os compromissos tornados obrigatórios por força do artigo 9.° do referido regulamento.

152    Ao que acresce que, se, por hipótese, as vendas ad hoc entre a De Beers e a Alrosa permitissem à De Beers manter ou reforçar o seu papel de líder do mercado, esse efeito não constituiria per se uma infracção às regras da concorrência, na medida em que estas vendas se desenrolariam com base no princípio da melhor oferta.

153    Por conseguinte, o Tribunal não aceita a hipótese segundo a qual a possibilidade deixada à Alrosa de vender à De Beers uma certa quantidade de diamantes por ocasião das vendas em leilão teria posto necessariamente em perigo a realização dos objectivos visados pela Comissão. Estas vendas permitiriam, por um lado, que os terceiros tivessem acesso à produção da Alrosa nas mesmas condições que a De Beers e, por outro, que a Alrosa vendesse ao mais importante comprador presente no mercado. Não tendo a Comissão demonstrado que foram tomados em consideração pela Alrosa durante as vendas em leilão efectivamente realizadas critérios diversos da qualidade da oferta de compra, o argumento relativo ao tratamento preferencial de que a De Beers beneficiou durante estas vendas não pode ser acolhido. Ao que acresce que, na sua carta de 6 de Fevereiro de 2006, que foi efectivamente enviada à Comissão após o termo do prazo fixado para a apresentação de novos compromissos, a Alrosa propunha limitar o valor dos diamantes vendidos à De Beers durante as vendas em leilão a 275 milhões de USD. Esta limitação teria, no mínimo, diminuído os riscos de distorção da concorrência invocados pela Comissão.

154    Donde decorre que no presente caso existiam soluções alternativas menos gravosas para as empresas do que a proibição total das transacções e que a Comissão não podia deixar de as ter em consideração ao invocar a pretensa dificuldade da sua determinação.

155    Finalmente e no tocante ao argumento da Comissão relativo ao carácter não definitivo da decisão, em razão da possibilidade da reabertura do processo em conformidade com o artigo 9.°, n.° 2, do Regulamento n.° 1/2003, o Tribunal observa que esta possibilidade existe em três hipóteses: em caso de alteração substancial de um dos factos em que assenta a decisão; em caso de violação dos compromissos pelas empresas em causa; quando a decisão assenta em informações incompletas, inexactas ou deturpadas. Estando, assim, taxativamente enumeradas as situações que justificam uma reabertura, a Alrosa não podia requerer a reabertura do processo por razões como as indicadas na sua petição, designadamente por violação do princípio da proporcionalidade. Ao que acresce que a Comissão podia discricionariamente recusar a reabertura. Não pode, portanto, prosperar o argumento que a Comissão retira do artigo 9.°, n.° 2, do Regulamento n.° 1/2003.

156    Nestas condições, é correctamente que a recorrente sustenta, por um lado, que a proibição de qualquer transacção comercial entre a De Beers e ela própria por um período indeterminado excede manifestamente o que era necessário para atingir a finalidade prosseguida e, por outro, que existiam outras soluções proporcionadas a este objectivo. O recurso ao processo que permite tornar obrigatórios os compromissos propostos por uma empresa em causa não dispensava a Comissão da aplicação do princípio da proporcionalidade, que pressupõe uma verificação in concreto da viabilidade destas soluções intermédias.

157    Decorre do conjunto das considerações precedentes que o fundamento relativo à violação do artigo 9.°, n.° 1, do Regulamento n.° 1/2003 e do princípio da proporcionalidade é procedente e que a decisão deve ser anulada por esta única razão.

158    Todavia, tendo em conta as competências de que goza a Comissão na execução dos acórdãos que anulam as decisões adoptadas com base nos artigos 81.° CE e 82.° CE, importa também, no caso em apreço e para ser exaustivo, apreciar o primeiro fundamento da recorrente, relativo à violação do direito de ser ouvido.

 Quanto ao fundamento relativo à violação do direito de ser ouvido

 Argumentos das partes

159    A recorrente sustenta que a decisão foi adoptada em violação do seu direito de ser ouvida, pois a Comissão, por um lado, não a informou das razões pelas quais considerava, vistas as observações apresentadas pelos terceiros interessados, que os compromissos conjuntos não eram de natureza a responder às suas preocupações, e, por outro, não lhe permitiu expor o seu ponto de vista a esse respeito.

160    Para alicerçar este fundamento, começa por expor que o direito de ser ouvida, como garantido no quadro de um processo de aplicação das regras da concorrência, impõe duas obrigações à Comissão. Este direito, de que pode beneficiar qualquer pessoa antes de a seu respeito ser tomada qualquer medida individual que a afecte desfavoravelmente, como recorda o artigo 41.°, n.° 2, primeiro travessão, da Carta dos direitos fundamentais da União Europeia proclamada em 7 de Dezembro de 2000 em Nice (JO 2000, C 364, p. 1), implica, com efeito, que os interessados devem poder previamente apresentar as suas observações sobre as objecções que a Comissão entenda dever fazer‑lhes e que, para esse efeito, devem ser informados dos elementos de facto nos quais se baseiam essas objecções (acórdão do Tribunal de Justiça de 13 de Julho de 1966, Consten e Grundig/Comissão, 56/64 e 58/64, Colect. 1965‑1968, p. 423) e das conclusões que deles retira a Comissão (acórdão do Tribunal de Primeira Instância de 10 de Março de 1992, Hüls/Comissão, T‑9/89, Colect., p. II‑499, n.° 38).

161    A recorrente alega seguidamente que as preocupações expressas pela Comissão na decisão diferem das expostas anteriormente por esta instituição na sua apreciação preliminar, tal como foi levada ao seu conhecimento.

162    Efectivamente, num primeiro momento, a Comissão exprimiu preocupações relativamente a dois pontos. Como se extrai das comunicações de objecções referentes aos artigos 81.° CE e 53.° do acordo EEE e da comunicação sucinta, expôs, por um lado, que o acordo parecia restringir a concorrência por reservar para a De Beers metade da produção da Alrosa e reduzir nessa medida a possibilidade de a Alrosa se comportar como um concorrente independente no mercado. A Comissão indicou, por outro lado, que parecia constituir um abuso de posição dominante por privar os clientes da De Beers do acesso a uma fonte de abastecimento alternativa e reforçar o poder sobre o mercado da De Beers a expensas do seu principal concorrente. Foi tendo esta apreciação preliminar em mente que a recorrente e a De Beers ofereceram os compromissos conjuntos, que a Comissão teve inicialmente a intenção de tornar obrigatórios.

163    Num segundo momento, a Comissão modificou a sua análise. Efectivamente, após ter tomado conhecimento das observações apresentadas pelos terceiros interessados em reacção à comunicação sucinta, que suscitou seis outros motivos de inquietação na perspectiva das regras de concorrência, concluiu nos considerandos 41 e 42 da decisão que, embora não revelassem novas preocupações pertinentes, essas observações, em conjunto com a análise efectuada pela própria Comissão, a levavam à conclusão, definitiva, de que os compromissos conjuntos não eram de natureza a responder às suas preocupações.

164    A recorrente considera por fim que, nestas circunstâncias, incumbia à Comissão colocá‑la em condições de ser ouvida a respeito não apenas das observações apresentadas pelos terceiros interessados mas ainda da análise à luz da qual passou a considerar insuficientes os compromissos conjuntos e necessário tornar obrigatórios os compromissos individuais da De Beers. Porém, assim não aconteceu.

165    As objecções da Comissão a este respeito não têm fundamento. Por um lado, a Comissão não podia razoavelmente sustentar, como fez no considerando 41 da decisão, que os compromissos individuais se limitam a reforçar os compromissos conjuntos. Com efeito, a proibição absoluta e potencialmente definitiva de manter qualquer relação comercial com a De Beers é, de um ponto de vista económico, de natureza bem diferente da possibilidade de prosseguir, embora em condições restritivas, esta relação. Por outro lado, a Comissão não podia validamente argumentar que a recorrente não era uma parte em causa no processo aberto a título dos artigos 82.° CE e 54.° do acordo EEE. Efectivamente, a própria Comissão admitiu que as circunstâncias do processo justificavam a audição da recorrente a respeito das observações apresentadas pelos terceiros interessados e não tinha razão para recusar‑se a ouvi‑la a respeito da sua análise modificada.

166    A Comissão considera que o fundamento não procede.

167    Começa por salientar que importa distinguir entre a posição da recorrente no quadro do processo aberto ao abrigo dos artigos 81.° CE e 53.° do acordo EEE, por um lado, e a sua posição no quadro do aberto ao abrigo dos artigos 82.° CE e 54.° do acordo EEE, por outro. O primeiro destes processos foi aberto contra a De Beers e a Alrosa, que eram destinatárias de uma comunicação de objecções, ofereceram compromissos conjuntos à Comissão e foram por esta ouvidas, mais especificamente a respeito das observações apresentadas pelos terceiros interessados a seu respeito. Contudo, o prosseguimento deste processo perdeu todo o interesse em razão dos compromissos individuais da De Beers e, portanto, foi encerrado sem ter conduzido à adopção de qualquer decisão. Por seu turno, o segundo processo foi instaurado à De Beers, mas não à recorrente, e conduziu à adopção da decisão.

168    Seguidamente, a Comissão alega que há que distinguir entre a situação jurídica da parte em causa num processo de aplicação das regras da concorrência, isto é, da pessoa contra a qual este processo foi instaurado e à qual pode ser aplicada uma sanção, da situação das outras partes interessadas no referido processo, ou seja, das pessoas que podem ter interesse no seu resultado, mas contra as quais o processo não foi aberto e às quais não pode ser aplicada uma sanção. O alcance do direito de ser ouvido, como decorre dos princípios gerais do direito e das disposições do direito derivado, não é o mesmo para estas duas categorias de pessoas.

169    A Comissão alega por fim que a situação jurídica das partes implicadas a qualquer título num processo de aplicação das regras da concorrência é específica quando pondera aplicar o artigo 9.° do Regulamento n.° 1/2003. Efectivamente, esta disposição, criada para permitir à Comissão encerrar rápida e eficazmente o processo quando lhe sejam oferecidos compromissos de natureza a responder às suas preocupações, não conduz a instituição a ouvir as partes da mesma forma do que quando não é esse o caso. Mais especificamente, incumbe num primeiro momento à Comissão, não dirigir uma comunicação de objecções às partes em causa mas sim informar as empresas em causa das suas preocupações por meio de uma apreciação preliminar. Quando estas empresas lhe ofereçam compromissos, estes pareçam ser de natureza a responder às suas preocupações e tencione torná‑los obrigatórios, incumbe num segundo momento à Comissão colocar os terceiros interessados na posição de poderem apresentar as suas observações a esse propósito, publicando uma comunicação sucinta no Jornal Oficial da União Europeia.

170    Esta publicação não prejudica a apreciação da Comissão e não a obriga a aplicar o artigo 9.° do Regulamento n.° 1/2003. Assim, a instituição pode prosseguir o exame dos compromissos oferecidos pelas empresas em causa e, à luz deste, das observações eventualmente apresentadas pelos terceiros interessados e das circunstâncias do processo, tornar estes compromissos obrigatórios, considerar que são inadequados para responder às suas preocupações e examinar uma nova proposta de compromissos apresentada pelas partes em causa ou ainda retomar o processo previsto no artigo 7.° do Regulamento n.° 1/2003. Não tem, portanto, qualquer obrigação de adoptar uma decisão de aplicação do artigo 9.° do Regulamento n.° 1/2003.

171    No presente caso, não sendo a recorrente uma parte em causa no processo que levou a Comissão a adoptar a decisão, não havia que lhe conceder o benefício dos direitos conferidos às partes em causa pelo artigo 27.° do Regulamento n.° 1/2003 e pelos artigos 10.° a 12.° do Regulamento n.° 773/2004.

172    Contudo, a recorrente beneficiou efectivamente do direito de ser ouvida a que juridicamente podia aspirar no quadro deste processo. O alcance deste direito foi determinado em função da posição específica que a recorrente ocupava concretamente. Era essencialmente tributária da condução paralela de dois processos relativos aos acordos e abusos de posição dominante, primeiro ao abrigo das disposições do Regulamento n.° 17 e seguidamente das do Regulamento n.° 1/2003. Explica‑se acessoriamente pela apresentação sucessiva de compromissos conjuntos pela recorrente e a De Beers e, seguidamente, após a consulta do mercado, dos compromissos individuais da De Beers.

173    Assim, a recorrente foi informada, em primeiro lugar, das preocupações expressas pela Comissão no quadro da apreciação preliminar do acordo notificado à luz dos artigos 82.° CE e 54.° do acordo EEE pela via da comunicação sucinta, em segundo lugar, das observações apresentadas a esse propósito pelos terceiros interessados e, em terceiro, dos compromissos individuais da De Beers. Ao que acresce que teve a possibilidade de dar a conhecer o seu ponto de vista sobre as observações dos terceiros interessados e sobre os compromissos individuais da De Beers e que efectivamente se exprimiu a esse respeito.

174    Por outro lado, é incorrecto sustentar que a Comissão manifestou novas preocupações no seguimento da publicação da comunicação sucinta e da recepção das observações dos terceiros interessados. Com efeito, a instituição limitou‑se então a analisar se os compromissos conjuntos da Alrosa e da De Beers respondiam ou não às suas preocupações relativas ao acordo. As observações apresentadas pelos terceiros interessados a esse respeito não suscitaram novas questões e confirmaram a insuficiência dos compromissos conjuntos.

 Apreciação do Tribunal

175    O Regulamento n.° 1/2003 faz a distinção entre várias categorias de participantes no processo perante a Comissão: as empresas «em causa» (artigo 7.°), os «autores das denúncias» (artigos 7.° e 27.°), as empresas ou as partes «em causa» ou «interessadas» (artigos 9.°, 17.°, 18.°, 21.°, n.° 1, e 27.°, n.° 2), as empresas «sujeitas ao processo» (artigo 27.°, n.° 1) e os «terceiros interessados» (artigo 27.°, n.° 4).

176    Está desde logo excluído que a recorrente seja «autora das denúncias». Ao que acresce, pelas razões expostas supra, que a De Beers é a única empresa «em causa» e «sujeita ao processo» conduzido pela Comissão ao abrigo do artigo 82.° CE.

177    Porém, a recorrente também não é um simples «terceiro interessado» no processo, na acepção do artigo 27.°, n.° 4, do Regulamento n.° 1/2003. Efectivamente, a Alrosa é a co‑contratante da De Beers no quadro de uma relação comercial bilateral de longa data à qual a decisão põe termo. Além disso, a recorrente esteve implicada nos dois processos abertos pela Comissão na sequência da notificação do seu acordo com a De Beers.

178    O modo como a Comissão instruiu os dois processos relativos ao acordo entre a De Beers e a Alrosa conforta esta conclusão.

179    Assim, na sequência da notificação do acordo notificado, em 14 de Janeiro de 2003, a Comissão abriu dois processos, um com base no artigo 81.° CE, o outro com base no artigo 82.° CE. Os dois processos foram registados sob o mesmo número (38.381), como esclarecido pela Comissão na audiência.

180    A Comissão enviou à recorrente a comunicação de objecções respeitante ao processo baseado no artigo 81.° CE e à De Beers as comunicações de objecções respeitantes aos dois processos. As duas comunicações versavam sobre o acordo que a De Beers e a Alrosa previam celebrar, no contexto histórico que caracterizava as relações entre as duas partes.

181    Na sequência da comunicação de objecções, a recorrente e a Comissão encetaram discussões, às quais a De Beers posteriormente se juntou, com vista a atingir uma resolução negociada do caso. Em 31 de Março de 2003, a recorrente e a De Beers enviaram em comum observações escritas à Comissão em resposta à comunicação de objecções emitida a título do artigo 81.° CE. Estas observações também tratavam da questão da compatibilidade do acordo com o artigo 82.° CE, apesar de a recorrente não ter recebido uma cópia da comunicação de objecções dirigida à De Beers a título deste artigo.

182    Além disso, em 7 de Julho de 2003, a Comissão ouviu as observações orais da recorrente e da De Beers. Em 14 de Dezembro de 2004, a recorrente e a De Beers apresentaram conjuntamente compromissos destinados a responder às preocupações que a Comissão lhes tinha dado a conhecer.

183    A comunicação no processo COMP/E‑2/38.381 – De Beers – Alrosa, de 3 de Junho de 2005, através da qual a Comissão tornou públicos os compromissos oferecidos pela recorrente e a De Beers e convidou os terceiros interessados a apresentar‑lhe as respectivas observações, também não distingue entre os dois processos.

184    Ao que acresce o facto de, em 27 de Outubro de 2005, a recorrente e a De Beers terem participado conjuntamente numa reunião com a Comissão, durante a qual esta as informou das observações dos vinte um terceiros interessados formuladas na sequência da comunicação de 3 de Junho de 2005.

185    Por último, em ofício de 22 de Fevereiro de 2006, a Comissão informou a recorrente de que o processo em que estava em causa tinha sido encerrado na sequência dos compromissos individuais da De Beers no processo conduzido ao abrigo do artigo 82.° CE.

186    Decorre desta resenha dos factos que os processos conduzidos pela Comissão ao abrigo dos artigos 81.° CE e 82.° CE foram sempre tratados de facto como um único processo, tanto pela Comissão como pela recorrente e a De Beers.

187    Nas circunstâncias do caso em apreço, a conexão entre os dois processos abertos pela Comissão e o facto de a decisão mencionar expressamente a Alrosa deveria ter conduzido a reconhecer à recorrente, para o processo considerado no seu todo, os direitos concedidos a uma «empresa em causa» na acepção do Regulamento n.° 1/2003, apesar de, stricto sensu, não o ser no processo relativo ao artigo 82.° CE.

188    O considerando 37 do Regulamento n.° 1/2003 esclarece que este «respeita os direitos fundamentais e observa os princípios gerais reconhecidos, nomeadamente, na Carta dos direitos fundamentais da União Europeia» e que «nada no presente regulamento deverá ser interpretado e aplicado como afectando esses direitos e princípios». Segundo o artigo 41.°, n.° 2, da Carta dos direitos fundamentais da União Europeia, qualquer pessoa goza do direito de ser ouvida, «antes de a seu respeito ser tomada qualquer medida individual que a afecte desfavoravelmente».

189    De igual modo, o artigo 27.°, n.° 2, do Regulamento n.° 1/2003 prevê que «os direitos da defesa das partes interessadas serão plenamente acautelados no desenrolar do processo» e que as partes interessadas «têm direito a consultar o processo em poder da Comissão».

190    Por fim, o considerando 10 do Regulamento n.° 773/2004 relativo à instrução de processos pela Comissão para efeitos dos artigos 81.° CE e 82.° CE expõe: «[a] fim de assegurar o respeito dos direitos de defesa das empresas, a Comissão deve dar aos interessados directos o direito de serem ouvidos antes de tomar uma decisão».

191    Importa igualmente recordar que o respeito do direito de ser ouvido, em qualquer processo susceptível de culminar num acto que afecte os interesses de determinada pessoa, constitui um princípio fundamental de direito comunitário que deve ser respeitado, mesmo na falta de regulamentação específica (acórdão do Tribunal de Justiça de 24 de Outubro de 1996, Comissão/Lisrestal e o., C‑32/95 P, Colect., p. I‑5373, n.° 21).

192    O Tribunal observa que, em 3 de Junho de 2005, quando da publicação da comunicação através da qual a Comissão tornou públicos os compromissos conjuntos propostos pela De Beers e a recorrente, a Comissão tinha a intenção de tornar obrigatórios estes compromissos, sem prejuízo do resultado da consulta dos terceiros. Por conseguinte, considerava que estes compromissos respondiam prima facie às preocupações que expressara no quadro da sua apreciação preliminar.

193    Após a recepção dos comentários dos terceiros, a Comissão entendeu, porém, que os compromissos conjuntos não respondiam às suas preocupações iniciais e que a única solução que podia encarar era a da cessação de todas as relações entre a Alrosa e a De Beers a partir de 2009. Contudo, a Comissão esclarece no ponto 41 da decisão que a «grande maioria destas observações confirmaram as preocupações em matéria de concorrência [que expressara] na sua apreciação preliminar, salientando que estas preocupações não ficavam totalmente dissipadas pelos compromissos propostos» e que estas observações dos terceiros «não exprimiram novas preocupações pertinentes». O que significa que a Comissão não concluiu pela existência de novas objecções que tivessem sido apresentadas pelos terceiros.

194    Todavia, o Tribunal não fica convencido pela afirmação da Comissão segundo a qual os comentários dos terceiros apenas confirmaram as suas preocupações iniciais. Efectivamente, se os comentários dos terceiros nada trouxessem de novo relativamente à análise preliminar da Comissão, esta teria podido tornar os compromissos conjuntos obrigatórios tal como foram apresentados. Se, pelo contrário, os terceiros consideravam insuficientes os compromissos conjuntos e se os seus comentários levaram a Comissão a concluir que só a cessação definitiva das relações entre as partes a partir de 2009 era de natureza a responder às suas preocupações iniciais, a Comissão devia ouvir as partes a respeito destas observações, bem como sobre os demais elementos de facto que justificavam esta sua nova conclusão. Com efeito, importa admitir que a Comissão só se pode afastar da apreciação que fez dos compromissos conjuntos caso as circunstâncias de facto se tenham alterado ou se esta apreciação tivesse sido efectuada com base em informações inexactas.

195    É certo que a Comissão tinha o direito de entender, após recepção das observações dos terceiros, que os compromissos propostos pelas partes não respondiam às preocupações expostas no quadro da sua apreciação preliminar, sendo precisamente a finalidade da consulta dos terceiros prevista no artigo 27.°, n.° 4, do Regulamento n.° 1/2003, a de lhe permitir tomar uma decisão susceptível de responder aos problemas concorrenciais identificados na sua apreciação preliminar.

196    Porém, o respeito do direito de ser ouvido exige, num caso como o presente, por um lado, que as empresas que propuseram estes compromissos sejam informadas dos elementos de facto essenciais em que a Comissão se baseou para exigir novos compromissos e, por outro, que se possam exprimir a esse respeito. Ora, no caso em apreço, a recorrente beneficiou apenas de uma informação sumária a respeito das conclusões que a Comissão retirou das observações dos terceiros. Efectivamente, na reunião de 27 de Outubro de 2005, a Comissão informou‑a simplesmente do facto de que os comentários dos terceiros se referiam principalmente ao risco da compartimentação do mercado e ao risco da constituição de um cartel entre a De Beers e a Alrosa e que o membro da Comissão encarregado da concorrência tinha pedido à equipa responsável pelo processo para não aceitar os compromissos conjuntos tal como tinham sido apresentados. Na mesma ocasião, recebeu um resumo das observações dos terceiros e foi informada do teor dos compromissos que a Comissão pretendia receber das partes na sequência do resultado negativo da consulta dos terceiros: a cessação de todas as relações a partir de 2009 e uma nova proposta de compromissos, nesta base, antes do fim do mês de Novembro de 2005.

197    As empresas em causa têm ainda, nos termos do artigo 27.°, n.° 2, do Regulamento n.° 1/2003, o direito de aceder ao processo em poder da Comissão. Segundo jurisprudência assente, este direito faz parte das garantias processuais que se destinam a proteger os direitos de defesa e a assegurar, em especial, o exercício efectivo do direito de ser ouvido (acórdãos do Tribunal de Primeira Instância de 30 de Setembro de 2003, Atlantic Container Line e o./Comissão, T‑191/98 e T‑212/98 a T‑214/98, Colect., p. II‑3275, n.° 334, e de 25 de Outubro de 2005, Groupe Danone/Comissão, T‑38/02, Colect., p. II‑4407, n.° 33). O exercício deste direito pressupõe, em conformidade com o artigo 15.°, n.° 1, do Regulamento n.° 773/2004, a apresentação pela empresa em causa de um pedido neste sentido à Comissão.

198    A este respeito, o Tribunal observa que as partes concordam que a recorrente solicitou uma versão não confidencial das observações dos terceiros. Todavia, segundo a recorrente, este pedido foi apresentado oralmente durante a reunião de 27 de Outubro de 2005 e reiterado na sua carta de 6 de Dezembro de 2005, ao passo que, segundo a Comissão, a recorrente só pediu uma versão não confidencial das observações dos terceiros em 6 de Dezembro de 2005, ou seja, após expiração do prazo fixado para a apresentação de novos compromissos.

199    Resulta dos autos que, durante a reunião de 27 de Outubro de 2005, respondendo a uma questão dos advogados da recorrente quanto ao acesso à versão não confidencial das observações dos terceiros, a Comissão indicou que, segundo o procedimento previsto no artigo 9.°, n.° 1, do Regulamento n.°1/2003, não estava obrigada a comunicar‑lhe essa versão. De resto, o facto de a possibilidade de acesso a estes documentos ter sido discutida pelas partes durante essa reunião não é contestado pela Comissão.

200    Importa ainda salientar que os compromissos individuais tornados obrigatórios pela decisão foram apresentados pela De Beers em 25 de Janeiro de 2006, ou seja, após a data limite de 30 de Novembro de 2005 indicada pela Comissão durante a reunião de 27 de Outubro de 2005 para a apresentação de novos compromissos. Nestas circunstâncias, não se pode sustentar que após 31 de Novembro de 2005 já não podiam ser apresentados novos compromissos conjuntos pela Alrosa e a De Beers nem que, após esta data, um pedido de acesso às observações de terceiros estaria desprovido de utilidade prática no que respeita à recorrente.

201    Na sequência do pedido formal apresentado por escrito pela recorrente em 6 de Dezembro de 2005, a Comissão só transmitiu uma versão não confidencial destas observações dos terceiros em 26 de Janeiro de 2006, ou seja, mais de seis semanas após a data do pedido formal apresentado pela recorrente a esse propósito e mais de três meses após a reunião de 27 de Outubro de 2005, por ocasião da qual a questão do acesso à versão não confidencial das observações dos terceiros tinha sido discutida pelas partes. O Tribunal observa ainda que estes documentos foram transmitidos à recorrente simultaneamente com o extracto dos compromissos individuais propostos pela De Beers, colocando‑a assim na impossibilidade de lhes responder de forma útil e de propor novos compromissos conjuntos com a De Beers.

202    Ora, as observações dos terceiros assumiram especial importância no processo, na medida em que a Comissão as tomou em conta para concluir que a consulta do mercado era negativa e que só a cessação de todas as relações comerciais a partir de 2009 representava uma solução aceitável. Efectivamente e segundo o ponto 42 da decisão, «estas observações, bem como a análise a que procedeu a própria Comissão, levaram‑na a pedir às partes que modificassem os compromissos que tinham proposto».

203    Donde resulta que a recorrente gozava, em circunstâncias como as do caso em apreço, do direito de ser ouvida a respeito dos compromissos individuais da De Beers que a Comissão tencionava tornar obrigatórios no quadro do processo aberto ao abrigo do artigo 82.° CE e que não beneficiou da possibilidade de exercer plenamente esse direito, embora não se possa determinar claramente, no presente caso, em que medida esta irregularidade pôde afectar a decisão da Comissão.

204    Por conseguinte, o primeiro fundamento da recorrente, examinado por cuidado de exaustão, também é procedente.

205    Decorre das precedentes considerações que a decisão deve ser anulada.

 Quanto às despesas

206    Por força do artigo 87.°, n.° 2, do Regulamento de Processo do Tribunal de Primeira Instância, a parte vencida é condenada nas despesas se a parte vencedora o tiver requerido. Tendo a Comissão sido vencida, há que condená‑la a suportar, para além das despesas que ela própria efectuou, as despesas efectuadas pela recorrente, em conformidade com os pedidos desta última.

Pelos fundamentos expostos,

O TRIBUNAL DE PRIMEIRA INSTÂNCIA (Quarta Secção alargada)

decide:

1)      A Decisão 2006/520/CE da Comissão, de 22 de Fevereiro de 2006, relativa a um processo de aplicação do artigo 82.° [CE] e do artigo 54.° do Acordo EEE (Processo COMP/B‑2/38.381 – De Beers), é anulada.

2)      A Comissão suportará as suas próprias despesas e as efectuadas pela Alrosa Company Ltd.

Legal

Wiszniewska‑Białecka

Vadapalas

Moavero Milanesi

 

      Wahl

Proferido em audiência pública no Luxemburgo, em 11 de Julho de 2007.

O secretário

 

      O presidente

E. Coulon

 

      H. Legal


* Língua do processo: inglês.