Language of document : ECLI:EU:T:2005:360

ACÓRDÃO DO TRIBUNAL DE PRIMEIRA INSTÂNCIA (Primeira Secção alargada)

18 de Outubro de 2005 (*)

«Recurso de anulação – Admissibilidade – Quarto parágrafo do artigo 230.° CE – Pessoas singulares ou colectivas – Actos que lhes dizem directamente respeito – Fundo Europeu de Desenvolvimento Regional (FEDER) – Decisão da Comissão relativa à supressão e ao pedido de reembolso de uma contribuição financeira – Artigo 24.° do Regulamento (CEE) n.° 4253/88 – Erro manifesto de apreciação»

No processo T‑60/03,

Regione Siciliana, representada inicialmente por G. Aiello e mais tarde por A. Cingolo, avvocati dello Stato, com domicílio escolhido no Luxemburgo,

recorrente,

contra

Comissão das Comunidades Europeias, representada por E. de March e L. Flynn, na qualidade de agentes, com domicílio escolhido no Luxemburgo,

recorrida,

que tem por objecto a anulação da Decisão C (2002) 4905 da Comissão, de 11 de Dezembro de 2002, relativa à supressão do auxílio concedido à República Italiana pela Decisão C (87) 2090 026 da Comissão, de 17 de Dezembro de 1987, respeitante à concessão de uma contribuição do Fundo Europeu de Desenvolvimento Regional (FEDER) a título de um investimento em infra‑estruturas, de montante igual ou superior a 15 milhões de EUR em Itália (região: Sicília), e à recuperação dos adiantamentos pagos pela Comissão a título dessa contribuição,

O TRIBUNAL DE PRIMEIRA INSTÂNCIA
DAS COMUNIDADES EUROPEIAS (Primeira Secção alargada),

composto por: B. Vesterdorf, presidente, J. D. Cooke, R. García‑Valdecasas, I. Labucka e V. Trstenjak, juízes,

secretário: I. Natsinas, administrador,

vistos os autos e após a audiência de 12 de Maio de 2005,

profere o presente

Acórdão

 Quadro regulamentar

1        O Fundo Europeu de Desenvolvimento Regional (FEDER) foi criado pelo Regulamento (CEE) n.° 724/75 do Conselho, de 18 de Maio de 1975 (JO L 73, p. 1), alterado em várias ocasiões e mais tarde substituído, a partir de 1 de Janeiro de 1985, pelo Regulamento (CEE) n.° 1787/84 do Conselho, de 19 de Junho de 1984, relativo ao FEDER (JO L 169, p. 1; EE 14 F1 p. 88). Em 1988, o seu regime foi reformado pelo Regulamento (CEE) n.° 2052/88 do Conselho, de 24 de Junho de 1988, relativo às missões dos fundos com finalidade estrutural, à sua eficácia e à coordenação das suas intervenções, entre si, com as intervenções do Banco Europeu de Investimento e com as dos outros instrumentos financeiros existentes (JO L 185, p. 9). Em 19 de Dezembro de 1988, o Conselho adoptou o Regulamento (CEE) n.° 4253/88, que estabelece as disposições de aplicação do Regulamento n.° 2052/88 no que respeita à coordenação entre as intervenções dos diferentes fundos estruturais, por um lado, e entre estas e as do Banco Europeu de Investimento e dos outros instrumentos financeiros existentes, por outro (JO L 374, p. 1). O Regulamento n.° 4253/88 foi alterado, nomeadamente, pelo Regulamento (CEE) n.° 2082/93 do Conselho, de 20 de Julho de 1993 (JO L 193, p. 20).

2        O artigo 24.° do Regulamento n.° 4253/88 alterado, sob a epígrafe «Redução, suspensão e supressão da contribuição», dispõe:

«1.      Se a realização de uma acção ou de uma medida parecer não justificar, nem em parte nem na totalidade, a contribuição financeira que lhe foi atribuída, a Comissão procederá a uma análise adequada do caso no âmbito da parceria, solicitando nomeadamente ao Estado‑Membro ou às autoridades por ele designadas para a execução da acção que apresentem as suas observações num determinado prazo.

2.      Após essa análise, a Comissão poderá reduzir ou suspender a contribuição para a acção ou para a medida em causa se a análise confirmar a existência de uma irregularidade ou de uma alteração importante que afecte a natureza ou as condições de execução da acção ou da medida, e para a qual não tenha sido solicitada a aprovação da Comissão.

3.      Qualquer verba que dê lugar a reposição deve ser devolvida à Comissão. As verbas não devolvidas são acrescidas de juros de mora, [...]»

 Factos que deram origem ao litígio

3        Por pedido chegado à Comissão em 23 de Setembro de 1986, a República Italiana solicitou a concessão de uma contribuição do FEDER ao abrigo do Regulamento n.° 1787/84, para um investimento em infra‑estruturas na Sicília (Itália), respeitante à terceira fase da construção de uma barragem no Gibbesi. O pedido previa a construção de instalações anexas à barragem e indicava o duplo destino da barragem cujas águas deviam servir, em particular, para um abastecimento fiável de água do pólo industrial de Licata ainda a realizar e, também, para a irrigação de cerca de 1 000 hectares de terras agrícolas.

4        Através da Decisão C (87) 2090 026, de 17 de Dezembro de 1987, respeitante à concessão de uma contribuição do FEDER para um investimento em infra‑estruturas de montante igual ou superior a 15 milhões de [EUR] em Itália (região: Sicília), a Comissão concedeu à República Italiana uma contribuição do FEDER no montante máximo de 94 490 620 056 liras italianas (ITL) (cerca de 48,8 milhões de EUR) no quadro da intervenção n.° 86.05.03.008 (a seguir «decisão de concessão». A República Italiana recebeu um adiantamento global de 75 592 496 044 ITL (cerca de 39 milhões de EUR) a título da referida contribuição.

5        Por carta de 23 de Maio de 2000, as autoridades italianas transmitiram à Comissão um relatório elaborado pelos serviços italianos sobre as intervenções que são objecto da contribuição. Segundo esse relatório, as obras da barragem estavam terminadas desde 11 de Novembro de 1992. A barragem não estava, no entanto, operacional, não tendo sido realizadas as represas de água e não tendo o aqueduto sido acabado. Por outro lado, as autoridades italianas comprometiam‑se a apresentar o seu pedido de pagamento do saldo da contribuição financeira antes de 31 de Março de 2001.

6        Pela mesma carta, as autoridades italianas transmitiram à Comissão uma nota de 17 de Janeiro de 2000 da recorrente, na qual esta se comprometia formalmente a mandar efectuar as obras necessárias para tornar a barragem operacional e explorável.

7        Por carta de 19 de Dezembro de 2000, a Comissão pediu informações suplementares às autoridades italianas. Pretendia, em particular, obter elementos relativos ao pedido de prorrogação do prazo de apresentação do pedido de pagamento do saldo, às medidas adoptadas pela recorrente com vista ao acabamento e à exploração da obra, e ao relatório do estado da realização da obra com indicação da data efectiva ou prevista de acabamento dos trabalhos e do início da exploração da obra.

8        Por carta de 29 de Março de 2001, as autoridades italianas apresentaram à Comissão um pedido de pagamento do saldo e transmitiram uma nota de 5 de Março de 2001 da recorrente. Resultava dessa nota que o Ente minerario Siciliano (Administração Mineira da Sicília, dono da obra da barragem) se tinha dissolvido, que o pólo industrial de Licata não tinha podido ser realizado e que, portanto, o destino inicial das águas da barragem devia ser modificado. Assim, fora encomendado um estudo com vista a definir as potenciais utilizações das águas do reservatório.

9        Com base nestes elementos, a Comissão decidiu instaurar o processo de análise previsto pelo artigo 24.° do Regulamento n.° 4253/88 e pelo artigo 2.° da decisão de concessão.

10      Por carta de 26 de Setembro de 2001, a Comissão transmitiu à República Italiana os elementos susceptíveis de constituir uma irregularidade e de justificar uma eventual decisão de supressão da contribuição. A Comissão alegava, nomeadamente, que não dispunha de informações sobre a data precisa ou indicativa em que a obra estaria plenamente operacional e explorável. Sublinhava igualmente que o destino da obra tinha sido modificado em relação ao que figura na decisão de concessão. Convidava as autoridades italianas, a presidência da Regione Siciliana e o beneficiário final a formular as suas observações num prazo de dois meses especificando que, salvo circunstâncias excepcionais, não seriam tomados em consideração eventuais documentos comunicados após essa data.

11      Por carta de 29 de Novembro de 2001, a República Italiana transmitiu à Comissão as observações da recorrente. Resultava, nomeadamente, dessas observações que nenhuma data, mesmo provisória, tinha sido fixada para o início da exploração da obra, cuja finalidade fora efectivamente modificada.

12      Por carta de 21 de Fevereiro de 2002, posterior ao termo do prazo fixado pela Comissão (v. n.° 10, supra), a recorrente comunicou outras informações sobre o estado de adiantamento do projecto, bem como um calendário que previa o acabamento das obras antes de 2 de Fevereiro de 2003.

13      A Comissão considerou que essas últimas informações confirmavam a existência de várias irregularidades na acepção do artigo 24.° do Regulamento n.° 4253/88 e adoptou, em 11 de Dezembro de 2002, a Decisão C (2002) 4095 relativa à supressão do auxílio atribuído à República Italiana pela decisão de concessão e à cobrança do adiantamento pago pela Comissão a título dessa contribuição (a seguir «decisão impugnada»).

14      Os considerandos 14 e 15 da decisão impugnada têm a seguinte redacção:

«(14) A análise dos elementos supramencionados confirmou a existência de irregularidades na acepção do [artigo 24.° do Regulamento n.° 4253/88]:

–        A análise do caso confirmou que as obras não foram acabadas e que não é possível prever, mesmo aproximadamente, a data em que a barragem estará operacional e explorável […]

–        A análise do caso confirmou, além disso, que a finalidade e o destino da obra sofreram uma modificação substancial em relação ao que indica a decisão de concessão, quando a aprovação prévia da Comissão não foi solicitada;

–        Os argumentos da Regione [Siciliana] não poderão justificar os elementos em causa na carta da Comissão de 26 de Setembro de 2001 respeitantes ao procedimento de adjudicação do contrato e ao respeito dos princípios de uma sã gestão financeira;

(15) Considerando que, tendo presentes as irregularidades verificadas, se deve pôr termo à contribuição e proceder [...] à recuperação dos adiantamentos pagos».

15      Pela decisão impugnada, a Comissão suprimiu a contribuição concedida à República Italiana, liberou a soma reservada para pagamento do saldo (cerca de 9,8 milhões de EUR) e reclamou a restituição das verbas pagas a título de adiantamento (cerca de 39 milhões de EUR).

 Tramitação do processo e pedidos das partes

16      Por petição apresentada na Secretaria do Tribunal de Primeira Instância em 20 de Fevereiro de 2003, a recorrente interpôs o presente recurso.

17      Com base no relatório do juiz‑relator, o Tribunal de Primeira Instância (Primeira Secção alargada) decidiu dar início à fase oral do processo. No quadro das medidas de organização do processo, o Tribunal colocou questões escritas à recorrente e à Comissão, para resposta oral na audiência. O Tribunal convidou também a República Italiana a responder por escrito a várias questões. A República Italiana acedeu a esses pedidos.

18      Foram ouvidas as alegações das partes e as respostas às questões escritas e orais na audiência de 12 de Maio de 2005. Ouvidas as partes, o Tribunal decidiu verter para os autos duas cartas da Comissão dirigidas à recorrente, uma com data de 4 de Agosto de 2003, a outra com data de 24 de Outubro de 2003, e apresentadas por esta no quadro dos processos conexos T‑392/03 e T‑435/03 que opõem as mesmas partes a propósito da execução da decisão impugnada.

19      A recorrente conclui pedindo que o Tribunal se digne:

–        anular a decisão impugnada;

–        condenar a Comissão nas despesas.

20      A Comissão conclui pedindo ao Tribunal que se digne:

–        a título principal, julgar o recurso inadmissível;

–        a título subsidiário, negar provimento ao recurso;

–        em qualquer caso, condenar a recorrente nas despesas.

 Questão de direito

21      Na audiência, interrogada para o efeito pelo Tribunal, a Comissão reconheceu que o considerando 14, terceiro travessão, da decisão impugnada, relativo à declaração de irregularidades na acepção do artigo 24.° do Regulamento n.° 4253/88 (v. n.° 14, supra), não tinha de modo algum servido de fundamento para a adopção da referida decisão. Ora, os fundamentos e os argumentos invocados na petição e relativos ao referido travessão não são susceptíveis, por si sós, de justificar a anulação da decisão impugnada, na medida em que esta se baseia igualmente nas irregularidades declaradas nos primeiro e segundo travessões do referido considerando. Por razões atinentes à economia do processo, o Tribunal não examinará, portanto, os fundamentos e os argumentos supramencionados.

1.     Quanto à admissibilidade

 Argumentos das partes

22      A Comissão invoca a inadmissibilidade do presente recurso com o fundamento de que a recorrente não tem legitimidade para agir.

23      A Comissão não contesta que a decisão diz individualmente respeito à recorrente, na acepção do quarto parágrafo do artigo 230.° CE. Considera, em contrapartida, que a decisão impugnada não diz directamente respeito à recorrente.

24      A título preliminar, a Comissão refere que nunca existiram vínculos jurídicos directos entre ela e a recorrente.

25      Ora, um dos princípios fundamentais das políticas estruturais terá sido, desde o início, o facto de a Comissão e os Estados‑Membros serem conjuntamente responsáveis pela programação das acções estruturais, enquanto os Estados‑Membros são apenas responsáveis pela implementação dessa política.

26      Assim, no tocante às actividades do FEDER durante o período de programação de 1985‑1988, no decurso do qual foi tomada a decisão de concessão, esse princípio ter‑se‑á reflectido em várias disposições do Regulamento n.° 1787/84, então em vigor. Assim, a Comissão sublinha que, no caso em apreço, o Estado‑Membro interessado apresentou um pedido específico à Comissão, que adoptou a decisão de concessão (artigo 22.°). Durante a execução do projecto, o Estado‑Membro devia apresentar à Comissão mapas trimestrais que indicassem, nomeadamente, as despesas reais (artigo 28.°). Podiam ser concedidos adiantamentos, pela Comissão, a pedido do Estado‑Membro (artigo 31.°).

27      A Comissão conclui que os Estados‑Membros são os únicos interlocutores no sistema de gestão descentralizada que constitui uma das características fundamentais dos fundos estruturais para o período pertinente. Os Estados‑Membros constituem um filtro entre a Comissão e o beneficiário final da contribuição, pois os pagamentos são feitos às autoridades nacionais e estas são livres de decidir das consequências para o beneficiário final da supressão da contribuição concedida. Assim, segundo a Comissão e contrariamente ao que sustenta a recorrente, a República Italiana dispõe de um poder de apreciação no que respeita à execução da decisão impugnada.

28      A este propósito, em resposta ao argumento da recorrente segundo o qual já tinha restituído, no quadro de uma compensação, as verbas pagas a título da contribuição financeira suprimida pelas decisão impugnada (v. n.° 40, infra), a Comissão observa que a referida compensação, efectuada em 9 de Novembro de 2003, teve lugar entre uma dívida do Ministério da Economia e das Finanças italiano, destinatário da nota de débito para a recuperação da contribuição suprimida, e um pagamento destinado a esse mesmo ministério.

29      É à luz destas considerações preliminares que deverá determinar‑se se a recorrente, que, contrariamente à República Italiana, não é destinatária da decisão impugnada, é directamente por ela abrangida na acepção do quarto parágrafo do artigo 230.° CE.

30      A Comissão recorda a jurisprudência constante segundo a qual uma medida, para produzir efeitos directos na situação jurídica de um particular que não é o seu destinatário, deve produzir efeitos jurídicos directos na situação jurídica do interessado e a sua aplicação deve revestir um carácter puramente automático e decorrer apenas da regulamentação comunitária, sem aplicação de outras regras intermédias (acórdão do Tribunal de Justiça de 5 de Maio de 1998, Dreyfus/Comissão, C‑386/96 P, Colect., p. I‑2309, n.° 43, e acórdão do Tribunal de Primeira Instância de 13 de Dezembro de 2000, DSTV/Comissão, T‑69/99, Colect., p. II‑4009, n.° 24).

31      Quando o acto impugnado é aplicado pelas autoridades nacionais que dele são destinatárias, há que verificar se a aplicação do acto deixa algum poder de apreciação a essas autoridades (acórdão do Tribunal de Primeira Instância de 15 de Setembro de 1998, Oleifici Italiani e Fratelli Rubino/Comissão, T‑54/96, Colect., p. II‑3377, n.° 56). Da mesma forma, um acto diz directamente respeito a um particular quando a possibilidade de os destinatários do acto não lhe darem seguimento é puramente teórica, não havendo qualquer dúvida quanto à intenção destes de retirar consequências conformes ao referido acto (acórdãos do Tribunal de Justiça de 17 de Janeiro de 1985, Piraiki‑Patraiki e o./Comissão, 11/82, Recueil, p. 207, n.os 8 a 11, e Dreyfus/Comissão, já referido, n.° 44).

32      Neste contexto, a Comissão observa que o Tribunal, no seu despacho de 25 de Abril de 2001, Coillte Teoranta/Comissão (T‑244/00, Colect., p. II‑1275, a seguir «despacho Coillte Teoranta»), julgou no sentido de que a decisão de excluir certas despesas do financiamento pago pelo Fundo Europeu de Orientação e de Garantia Agrícola (FEOGA), Secção «Garantia», não produzia efeitos directos na situação jurídica do beneficiário da ajuda.

33      Segundo a Comissão, o despacho Coillte Teoranta, proferido em relação ao FEOGA, aplica‑se da mesma maneira aos fundos estruturais, e, portanto, ao FEDER, devido ao facto de a gestão dos fundos estruturais assentar no princípio da separação das relações jurídicas entre, por um lado, a Comissão e os Estados‑Membros e, por outro, entre os Estados‑Membros e os beneficiários das contribuições comunitárias. Esse raciocínio é válido sempre que a responsabilidade principal do controlo das despesas efectuadas no quadro do regime de gestão centralizada, como acontece, nomeadamente, com o FEDER e o FEOGA, incumbir aos Estados‑Membros.

34      A Comissão especifica, além disso, que a referência feita pelo Tribunal de Primeira Instância, no n.° 45 do despacho Coillte Teoranta, à situação diferente que se verifica no caso de decisões de inelegibilidade para o financiamento pelo Fundo Social Europeu (FSE), deveria ser compreendida como a referência a um período durante o qual, contrariamente à presente situação, existiam relações directas entre a Comissão e os beneficiários de financiamentos do FSE. A Comissão pensa compreender que essa remissão visa o regime jurídico definido no Regulamento (CEE) n.° 2950/83 do Conselho, de 17 de Outubro de 1983, que aplica a Decisão 83/516/CEE relativa às funções do FSE (JO L 289, p. 1; EE 05 F4 p. 22), que regia o FSE durante o período de programação de 1984‑1988 e que previa uma relação jurídica directa entre a Comissão e os beneficiários. Segundo a Comissão, a inexistência de uma relação directa desse tipo diferencia nitidamente esse regime jurídico do aplicável aos fundos estruturais, incluindo ao FEDER, durante o período de programação de 1985‑1988.

35      A Comissão considera que essa diferença entre os regimes aplicáveis durante os diversos períodos de programação exclui assim que, no caso em apreço, os beneficiários sejam reconhecidos como tendo legitimidade para impugnar as decisões de redução do auxílio, em conformidade com os n.os 46 a 48 do acórdão do Tribunal de Primeira Instância de 6 de Dezembro de 1994, Lisrestal e o./Comissão (T‑450/93, Colect., p. II‑1177), confirmado pelo Tribunal de Justiça no seu acórdão de 24 de Outubro de 1996, Comissão/Lisrestal e o. (C‑32/95 P, Colect., p. I‑5373). Durante o período de programação de 1984‑1988, teria havido, portanto, essencialmente uma gestão directa assegurada pela Comissão. Em contrapartida, no quadro do Regulamento n.° 1787/84 que serviu de fundamento à decisão de concessão, a Comissão teria um papel de fiscalização. Uma vez que a Comissão já não desempenha qualquer papel nas acções de recuperação empreendidas pelos Estados‑Membros e uma vez que, como o Tribunal referiu nos n.os 47 e 48 do despacho Coillte Teoranta, as eventuais acções de recuperação se baseiam no direito nacional e não são uma consequência automática das decisões de exclusão de certas despesas do financiamento comunitário, a análise contida no acórdão Lisrestal e o./Comissão, já referido, não é válida para as decisões tomadas com base no Regulamento n.° 4253/88 e relativas a projectos financiados pelos fundos estruturais.

36      Em resposta ao argumento da recorrente segundo o qual o despacho Coillte Teoranta não lhe é aplicável devido ao facto de ela ser uma pessoa colectiva de direito público e não um particular (v. n.° 42, infra), a Comissão replica que o referido argumento não é convincente, na medida em que o Tribunal de Primeira Instância não procede a essa distinção no referido despacho.

37      Por outro lado, a Comissão não contesta que, no seu acórdão de 9 de Julho de 2003, Vlaams Fonds voor de Sociale Integratie van Personen met een Handicap/Comissão (T‑102/00, Colect., p. II‑2433, a seguir «acórdão Vlaams Fonds»), o Tribunal de Primeira Instância julgou no sentido de que a decisão da Comissão que reduz ou suprime uma contribuição financeira concedida pelo FSE é susceptível de dizer directa e individualmente respeito aos beneficiários de tal contribuição. A Comissão salienta, no entanto, que essa afirmação foi feita incidentalmente, na medida em que o Tribunal não fora convidado a pronunciar‑se sobre a questão de saber se a decisão controvertida nesse processo dizia directamente respeito ao recorrente. Da mesma forma, não fora chamada a sua atenção para o precedente constituído pelo despacho Coillte Teoranta. A Comissão acrescenta que a jurisprudência citada pelo Tribunal de Primeira Instância no acórdão Vlaams Fonds se referia a um outro período de programação no decurso do qual a regulamentação dos fundos estruturais não se baseava ainda num regime de gestão descentralizada. Nestas condições, o precedente constituído pelo despacho Coillte Teoranta é mais pertinente do que o acórdão Vlaams Fonds no que diz respeito às relações entre os beneficiários finais e a Comissão nas operações actualmente geridas de forma descentralizada pelos Estados‑Membros.

38      A recorrente considera, por seu lado, que o recurso é admissível e alega que as disposições do Tratado CE relativas aos direitos de recurso dos particulares não podem ser objecto de interpretação restritiva. Refere‑se, nomeadamente, ao acórdão do Tribunal de Justiça de 15 de Julho de 1963, Plaumann/Comissão (25/62, Colect. 1962‑1964, p. 279). Também há que reconhecer a legitimidade para agir a todas as pessoas a quem, tendo a personalidade jurídica exigida pelas referidas disposições, o acto impugnado diz individual e directamente respeito. Segundo a recorrente, essa solução impõe‑se igualmente quando o recorrente é uma entidade pública que preencha essas condições. A esse propósito, faz referência ao acórdão do Tribunal de Primeira Instância de 15 de Junho de 1999, Regione autonoma Friuli‑Venezia Giulia/Comissão (T‑288/97, Colect., p. II‑1871).

39      Segundo a recorrente, a decisão impugnada, em relação à qual afirma que não lhe é formalmente dirigida, diz‑lhe, no entanto, directamente respeito, porquanto afecta directamente a sua situação jurídica. Com efeito, o destinatário da decisão impugnada, isto é, a República Italiana, não dispõe de qualquer poder de apreciação quanto à sua aplicação que consiste na simples repetição de verbas anteriormente pagas pelo FEDER. Para esse efeito, nenhuma actividade normativa suplementar é necessária. A recorrente considera que, segundo a jurisprudência comunitária constante, essas circunstâncias bastam para fundar a legitimidade para agir dos particulares (acórdão Dreyfus/Comissão, já referido).

40      Além disso, a recorrente sublinha que já restituiu, no quadro de uma compensação, as verbas pagas a título da contribuição suprimida pela decisão impugnada, incluindo juros de mora.

41      Nestas condições, o facto de não terem existido relações directas entre a recorrente e a Comissão é irrelevante, na medida em que era claro, desde a decisão de concessão, que a recorrente era manifestamente a beneficiária da contribuição do FEDER. De resto, deverá salientar‑se, a esse propósito, que a recorrente, contrariamente ao que sustenta a Comissão, teve vários contactos directos com esta durante a fase de análise que precedeu a decisão de concessão. Ao longo desse período, tiveram lugar discussões aprofundadas entre a Comissão e a recorrente.

42      Além disso, a jurisprudência invocada pela Comissão (despacho Coillte Teoranta) não lhe é aplicável. Com efeito, a recorrente não é um particular, mas um órgão da administração local, isto é, uma emanação do Estado Italiano.

43      A este propósito, deve recordar‑se o acórdão Vlaams Fonds, cujo n.° 60 dos fundamentos tem a seguinte redacção:

«Segundo jurisprudência [...] assente, uma decisão da Comissão que reduz ou suprime uma contribuição financeira concedida pelo FSE é susceptível de afectar directa e individualmente os beneficiários de uma tal contribuição e de pôr em causa os seus interesses, apesar do facto de o Estado‑Membro em questão ser o único interlocutor do FSE no procedimento administrativo. Com efeito, são os beneficiários da contribuição que sofrem as consequências económicas da decisão de redução ou de supressão, na medida em que são responsáveis, a título principal, pelo reembolso das somas indevidamente pagas (v., neste sentido, acórdão Lisrestal e. o/Comissão, já referido, n.os 43 a 48 e a jurisprudência aí referida).»

 Apreciação do Tribunal de Primeira Instância

44      A decisão impugnada que revoga a contribuição de que a recorrente era beneficiária foi dirigida ao Estado‑Membro em causa, isto é, à República Italiana. Nos termos do quarto parágrafo do artigo 230.° CE, «qualquer pessoa singular ou colectiva pode interpor [...] recurso [...] das decisões que, embora tomadas sob a forma [...] de decisão dirigida a outra pessoa, lhe digam directa e individualmente respeito». Não sendo contestável, no caso em apreço, que a decisão impugnada diz individualmente respeito à recorrente, há que examinar se lhe diz directamente respeito.

45      Devem recordar‑se os dois critérios cumulativos para que se possa afirmar que um acto diz directamente respeito a uma pessoa, na acepção do quarto parágrafo do artigo 230.° CE, definidos pela jurisprudência constante.

46      Em primeiro lugar, o acto em causa deve produzir directamente efeitos na situação jurídica do particular. Em segundo lugar, o referido acto não deve deixar qualquer poder de apreciação aos seus destinatários encarregados da sua aplicação, não tendo este um carácter puramente automático e decorrendo somente da regulamentação comunitária sem aplicação de outras regras intermédias (acórdãos Dreyfus/Comissão, já referido, n.° 43, DSTV/Comissão, já referido, n.° 24, e despacho do Tribunal de Primeira Instância de 6 de Junho de 2002, SLIM Sicilia/Comissão, T‑105/01, Colect., p. II‑2697, n.° 45; v. igualmente, neste sentido, acórdãos do Tribunal de Justiça de 13 de Maio de 1971, International Fruit Company e o./Comissão, 41/70 a 44/70, Colect., p. 131, n.os 23 a 29, e de 6 de Março de 1979, Simmenthal/Comissão, 92/78, Colect., p. 407, n.os 25 e 26). A condição exigida pelo segundo critério está igualmente preenchida quando a possibilidade de o Estado‑Membro não dar seguimento ao acto em causa for puramente teórica, não existindo quaisquer dúvidas quanto à sua intenção de tirar consequências conformes ao referido acto (acórdão Dreyfus/Comissão, já referido, n.° 44; v., igualmente, neste sentido, acórdão Piraiki‑Patraiki e o./Comissão, já referido, n.os 8 a 10).

47      Ao anular a contribuição na totalidade, a decisão impugnada revogou principalmente, tal como é exposto no n.° 15, supra, a obrigação de a Comissão pagar o saldo da contribuição (9,8 milhões de EUR) e impôs o reembolso dos adiantamentos pagos à República Italiana e transferidos para a recorrente (cerca de 39 milhões de EUR).

48      O Tribunal considera que a decisão produziu necessariamente efeitos directos na situação jurídica da recorrente, e isto por várias razões. Além disso, a decisão impugnada não deixa qualquer poder de apreciação às autoridades italianas, tendo a sua aplicação carácter puramente automático e decorrendo unicamente da regulamentação comunitária sem aplicação de outras regras intermédias.

49      A título preliminar, há que recordar que, depois da adopção da decisão de concessão e notificada à República Italiana, a recorrente podia considerar, para efeitos da realização do projecto que é objecto da contribuição, e sem prejuízo do cumprimento das condições ligadas à referida decisão de concessão e à regulamentação aplicável ao FEDER, que a verba da contribuição (cerca de 48,8 milhões de EUR) estava à sua inteira disposição. Nesta base, a recorrente podia, assim, planificar e orçamentar as suas despesas com vista à realização da terceira fase das obras da barragem no Gibbesi.

50      Além disso, as autoridades nacionais italianas, à semelhança da recorrente, estavam também vinculadas pelas condições e pela regulamentação supramencionadas. Também as verbas adiantadas pela Comissão a título da contribuição em causa deviam obrigatoriamente ser utilizadas na realização da terceira fase da barragem no Gibbesi. Nem o direito comunitário nem o direito nacional autorizavam as autoridades italianas a privar a recorrente das verbas dessa contribuição ou de as utilizar para outros fins. Assim, enquanto as condições e a regulamentação supramencionadas fossem respeitadas, as autoridades italianas não estavam habilitadas a pedir à recorrente o reembolso, mesmo parcial, dessas verbas.

51      Deve, de resto, sublinhar‑se, como a recorrente confirmou na audiência em resposta às questões do Tribunal, que esta, entre 1987 e 1992, realizou a maior parte do projecto que é objecto da contribuição anulada, e que essas obras foram financiadas exclusivamente por recursos próprios da recorrente e pela contribuição comunitária posteriormente suprimida.

52      É à luz destas considerações preliminares que deve ser examinada a questão de saber se a decisão impugnada diz directamente respeito à recorrente.

53      No que respeita, em primeiro lugar, à modificação da situação jurídica da recorrente, a decisão impugnada teve como primeiro efeito directo e imediato modificar a sua situação patrimonial privando‑a do saldo da contribuição (cerca de 9,8 milhões de EUR) que restava pagar pela Comissão. O saldo não pago da contribuição não será liquidado à República Italiana pela Comissão, dado que a contribuição foi anulada. As autoridades italianas não podem, portanto, transferi‑lo para a recorrente. Quando, antes da adopção da decisão impugnada, a recorrente podia contar garantidamente com a referida verba no quadro da realização do projecto, ela foi coagida, a partir da adopção dessa decisão, em primeiro lugar, a verificar que estava privada dela e, em segundo lugar, a procurar um financiamento de substituição para fazer face às obrigações contraídas no quadro da realização das obras da terceira fase da barragem no Gibbesi.

54      A decisão impugnada modifica directamente a situação jurídica da recorrente também no que respeita à obrigação de restituir as verbas pagas a título de adiantamento (cerca de 39 milhões de EUR). De facto, a decisão impugnada tem por efeito transformar directamente o estatuto jurídico da recorrente de credor incontestado no de devedor, pelo menos potencial, das referidas verbas. A razão disso é que a decisão impugnada põe fim à impossibilidade em que se encontravam as autoridades nacionais, tanto por força do direito comunitário como do direito nacional, de exigir da parte da recorrente o reembolso dos adiantamentos pagos. Por outras palavras, a decisão impugnada tem como segundo efeito directo e automático modificar a situação jurídica da recorrente face às autoridades nacionais.

55      Na medida em que modifica directamente, e de resto sensivelmente, a situação jurídica da recorrente, tal como resulta dos n.os 53 e 54, supra, a decisão impugnada preenche, portanto, efectivamente as condições relativas ao primeiro critério da afectação directa recordado no n.° 46, supra.

56      No respeitante, em seguida, ao critério da aplicabilidade automática da decisão impugnada, deve salientar‑se que é mecanicamente, por si mesma, que a decisão impugnada produz em relação à recorrente o duplo efeito indicado nos n.os 53 e 54, supra.

57      Esse duplo efeito da decisão impugnada decorre unicamente da regulamentação comunitária, isto é, da conjugação do disposto no terceiro travessão do artigo 211.° CE e no quarto parágrafo do artigo 249.° CE. A esse propósito, as autoridades nacionais não dispõem de qualquer poder de apreciação quanto à sua obrigação de executar essa decisão.

58      As conclusões dos n.os 56 e 57, supra, não são postas em causa pelo argumento da Comissão segundo o qual as autoridades nacionais podem teoricamente decidir liberar a recorrente das consequências financeiras que a decisão impugnada directamente provoca nela, financiando a partir de recursos estatais, por um lado, o saldo da contribuição comunitária liberada e, por outro, o reembolso do saldo dos adiantamentos comunitários recebidos pela recorrente, ou um dos dois somente.

59      Com efeito, uma eventual decisão nacional de financiamento dessa ordem não priva a decisão da Comissão da sua aplicabilidade automática. Ela continua juridicamente estranha à aplicação, em direito comunitário, da decisão impugnada. Essa decisão nacional tem por efeito recolocar a recorrente na situação que ela tinha antes da adopção da decisão impugnada, provocando, por seu turno, uma segunda modificação da situação jurídica da recorrente modificada em primeiro lugar, e de forma automática, pela decisão impugnada. Essa segunda modificação da situação jurídica da recorrente decorre somente da decisão nacional e não da execução da decisão impugnada.

60      Por outras palavras, a adopção de uma decisão nacional de financiamento é indispensável para contrariar os efeitos automáticos da decisão impugnada.

61      A esse propósito, os factos do caso em apreço são muito diferentes dos factos que deram origem ao despacho Coillte Teoranta invocado pela Comissão (v. n.os 32 a 34, supra). Com efeito, pela decisão impugnada no processo Coillte Teoranta, a Comissão indeferiu o pedido do Estado‑Membro em causa, destinatário da referida decisão, com vista a que os prémios que já tinha pago ao beneficiário fossem suportados pelo FEOGA como despesas elegíveis para o co‑financiamento comunitário. Contrariamente à situação no presente processo, a decisão impugnada que deu lugar ao despacho Coillte Teoranta não implicou, portanto, automática e mecanicamente a liberação de um saldo ainda devido ao beneficiário. Além disso, a simples adopção de uma decisão nacional consecutiva à decisão impugnada da Comissão podia coagir o beneficiário a restituir os adiantamentos já recebidos.

62      A argumentação da Comissão mencionada no n.° 58, supra, faz, portanto, uma aplicação errada do conceito de efeito directo na acepção da jurisprudência constante recordada no n.° 46, supra, ou subverte mesmo esse conceito. Com efeito, a existência de tal possibilidade de financiamento pelas autoridades italianas não significa só por si que a decisão impugnada deva ser executada pelo seu destinatário antes de produzir efeitos na esfera da recorrente.

63      Na medida em que não deixa qualquer poder de apreciação às autoridades italianas, dado que reveste carácter puramente automático e decorre unicamente da regulamentação comunitária sem aplicação de outras regras intermédias, tal como resulta dos n.os 56 a 62, supra, a decisão impugnada preenche, portanto, efectivamente as condições relativas ao segundo critério da afectação directa recordado no n.° 46, supra.

64      Por outro lado, o argumento invocado pela Comissão (v. n.os 24 a 27, supra), segundo o qual a separação das relações jurídicas, por um lado, entre a Comissão e os Estados‑Membros e, por outro, entre os Estados‑Membros e os beneficiários impede qualquer afectação directa da recorrente, não pode ser acolhido.

65      Com efeito, segundo jurisprudência constante (v., neste sentido, acórdão do Tribunal de Justiça de 11 de Novembro de 1981, IBM/Comissão, 60/81, Recueil, p. 2639, n.° 9; acórdãos do Tribunal de Primeira Instância de 24 de Março de 1994, Air France/Comissão, T‑3/93, Colect., p. II‑121, n.° 43, e de 4 de Março de 1999, Assicurazioni Generali e Unicredito/Comissão, T‑87/96, Colect., p. II‑203, n.° 37), para determinar se o acto de uma instituição comunitária afecta directamente um particular na acepção do artigo 230.° CE, há que examinar a sua natureza efectiva a fim de verificar se, independentemente da sua forma, produz efeitos imediatos nos interesses desse particular, modificando, assim, de forma caracterizada, a sua situação jurídica.

66      Ora resulta dos n.os 47 a 63, supra, que a situação jurídica da recorrente é directamente afectada pela decisão impugnada.

67      Por outro lado, e para ser exaustivo, há que salientar que, como a recorrente sublinha com razão, existiram relações directas entre ela e a Comissão, por exemplo, durante a fase de preparação da concessão da contribuição, ou pelo envio directo à recorrente da carta de 26 de Setembro de 2001 (v. n.° 10, supra). A esse propósito, o Tribunal observa que essas relações directas prosseguiram após a adopção da decisão impugnada, tal como resulta das duas cartas da Comissão dirigidas directamente à recorrente e vertidas para os autos (v. n.° 18, supra). Na primeira dessas cartas, com data de 4 de Agosto de 2003, a Comissão convida, com efeito, a recorrente a pagar 39 milhões de EUR acrescidos de juros de mora em restituição das verbas pagas a título de adiantamento no âmbito do projecto em causa. Da mesma forma, na segunda carta, com data de 24 de Outubro de 2003, a Comissão refere à recorrente que tinha procedido à compensação entre diferentes créditos e dívidas da Comissão relativos a projectos respeitantes à recorrente, entre os quais o projecto relativo à terceira fase da barragem no Gibbesi. Nestas condições, a abordagem formalista da Comissão não pode ser acolhida.

68      Estando preenchidos os dois critérios recordados no n.° 46, supra, há que rejeitar a questão prévia de inadmissibilidade.

2.     Quanto ao mérito

69      A recorrente invoca dois fundamentos em apoio do seu recurso. O primeiro é relativo à violação do artigo 24.° do Regulamento n.° 4253/88 e o segundo a um erro manifesto de apreciação na aplicação dessa mesma disposição.

 Quanto ao primeiro fundamento, relativo à violação do artigo 24.° do Regulamento n.° 4253/88

70      A recorrente invoca três argumentos em apoio do seu primeiro fundamento. Em primeiro lugar, o texto do artigo 24.° do Regulamento n.° 4253/88 não prevê a hipótese da supressão da contribuição. Em seguida, o estado não operacional e não explorável da obra não pode justificar a supressão da contribuição em causa ao abrigo do artigo 24.° do Regulamento n.° 4253/88 e da decisão de concessão. Finalmente, as condições para a manutenção da contribuição em causa estão reunidas face ao disposto no artigo 24.° do Regulamento n.° 4253/88.

 Quanto ao primeiro argumento em apoio do primeiro fundamento

–       Argumentos das partes

71      A recorrente lembra que, pela decisão impugnada, a Comissão suprimiu a contribuição na totalidade. Ora, a supressão da contribuição comunitária está prevista apenas na epígrafe do artigo 24.° do Regulamento n.° 4253/88 e não no texto propriamente dito do artigo. Com efeito, como a própria Comissão admite, o n.° 2 do artigo 24.° prevê apenas a redução ou a suspensão da contribuição, e isso em certas condições precisas. Só o artigo 2.° da decisão de concessão prevê a supressão da contribuição em causa, mas em hipóteses não expressamente mencionadas na decisão impugnada. Nestas condições, a decisão impugnada, na medida em que se baseia numa interpretação extensiva só do artigo 24.° do Regulamento n.° 4253/88, quando a supressão da contribuição, que tem a natureza de sanção, exige, pelo contrário, uma interpretação restritiva dessa disposição, é desprovida de fundamento jurídico.

72      A Comissão replica que, em caso de divergência entre o teor de uma disposição e a sua epígrafe, deve interpretar‑se um e outro de forma a que todos os termos tenham um efeito útil. Além disso, uma interpretação sistemática do artigo 24.°, e, nomeadamente do seu n.° 1, permite concluir pela possibilidade de suprimir totalmente uma contribuição, de forma que a referência ao artigo 2.° da decisão de concessão não era necessária. De resto, reconhecer à Comissão unicamente o poder de reduzir o montante da contribuição proporcionalmente às irregularidades cometidas equivaleria a encorajar as fraudes, na medida em que só as verbas indevidamente recebidas deveriam ser restituídas.

–       Apreciação do Tribunal de Primeira Instância

73      As condições em que uma contribuição pode ser suprimida não são regidas pelas regras processuais mas pelas normas substantivas (acórdão do Tribunal de Primeira Instância de 28 de Janeiro de 2004, Euroagri/Comissão, T‑180/01, ainda não publicado na Colectânea, n.os 36 e 37). Estes aspectos são, portanto, em princípio, regidos pela regulamentação aplicável no momento da concessão da contribuição. Tal como o Tribunal recordou no mesmo acórdão, a supressão de uma contribuição comunitária em razão de irregularidades censuradas ao beneficiário tem carácter de sanção quando a mesma não se limita à repetição dos montantes indevidamente pagos em razão dessas irregularidades. Só é portanto admissível se for justificada tanto à luz da regulamentação aplicável no momento da concessão da contribuição como à luz da que estiver em vigor no momento da decisão de supressão.

74      Nestas condições, as disposições pertinentes em matéria de supressão de contribuições são as do Regulamento n.° 1787/84, em vigor na altura da adopção da decisão de concessão, e do Regulamento n.° 4253/88, na sua versão aplicável na altura da adopção da decisão impugnada, isto é, tal como alterada pelo Regulamento n.° 2082/93.

75      O n.° 1 do artigo 32.° do Regulamento n.° 1787/84 previa a redução ou a supressão da contribuição. O artigo 24.° do Regulamento n.° 4253/88, na sua versão alterada pelo Regulamento n.° 2082/93, prevê a supressão da contribuição na sua epígrafe e também, de forma indirecta, no seu n.° 1, que evoca a não justificação parcial ou na totalidade de uma contribuição financeira.

76      No tocante à redacção do n.° 2 do referido artigo 24.°, que não prevê expressamente a supressão da contribuição, basta salientar que a jurisprudência constante (acórdãos do Tribunal de Primeira Instância de 12 de Outubro de 1999, Conserve Italia/Comissão, T‑216/96, Colect., p. II‑3139, n.° 92; de 14 de Junho de 2001, Hortiplant/Comissão, T‑143/99, Colect., p. II‑1665, n.° 40; de 26 de Setembro de 2002, Sgaravatti Mediterranea/Comissão, T‑199/99, Colect., p. II‑3731, n.os 130 e 131, e de 11 de Março de 2003, Conserve Italia/Comissão, T‑186/00, Colect., p. II‑719, n.os 74 e 78) consagra a possibilidade de a Comissão suprimir uma contribuição com base no n.° 2 do artigo 24.° do Regulamento n.° 4253/88.

77      Nestas condições, o primeiro argumento em apoio do primeiro fundamento não é procedente e deve, portanto, ser rejeitado.

 Quanto ao segundo argumento em apoio do primeiro fundamento

–       Argumentos das partes

78      Segundo a recorrente, a exigência da Comissão relativa ao carácter plenamente funcional e utilizável da obra não figura na decisão de concessão nem no artigo 24.° do Regulamento n.° 4253/88. Só foi feita pela Comissão no momento da apresentação do pedido de pagamento definitivo. Por essa razão, essa exigência tardia deve ser considerada desprovida de fundamento jurídico, tanto mais que a recorrente se comprometera a partir de 17 de Janeiro de 2000 a assegurar a funcionalidade da obra co‑financiada pelo FEDER, com brevidade.

79      A Comissão replica, em primeiro lugar, que a recorrente não contesta a circunstância de que a barragem não estava operacional nem era utilizável na data da decisão impugnada. Lembra seguidamente, em substância, que o critério operacional das obras financiadas foi sempre e continua a ser essencial no regime dos fundos estruturais, nomeadamente por razões ligadas à eficácia da política de coesão económica e social definida pelo Tratado, cuja programação constitui um elemento central. Uma boa gestão financeira dos fundos estruturais impõe, além disso, à Comissão e aos Estados‑Membros fazer respeitar a programação estabelecida e poder suprimir as contribuições relativas aos projectos não operacionais.

–       Apreciação do Tribunal de Primeira Instância

80      Como a Comissão recordou na audiência, a decisão de concessão de uma contribuição comunitária deve ser interpretada em conjugação com o pedido de contribuição correspondente (v., por analogia, acórdão do Tribunal de Primeira Instância de 14 de Julho de 1997, Interhotel/Comissão, T‑81/95, Colect., p. II‑1265, n.° 42). Ora, resulta dos autos, nomeadamente do pedido de contribuição apresentado pela República Italiana, referido no n.° 3, supra, que esse pedido, com base no qual foi tomada a decisão de concessão, referia que a terceira fase das obras da barragem no Gibbesi devia conduzir ao carácter operacional da obra.

81      Por outro lado, como a Comissão recordou com razão nos seus articulados, o n.° 1 do artigo 18.° do Regulamento n.° 1787/84, com base no qual foi adoptada a decisão de concessão, prevê que «o financiamento de investimentos em infra‑estruturas [se refere] [...] a infra‑estruturas que contribuam para o desenvolvimento da região ou da zona em que se localizam».

82      A este propósito, deve, em primeiro lugar, recordar‑se que, a fim de garantir o bom funcionamento do sistema dos fundos estruturais comunitários e a sua sã gestão financeira, a realização de qualquer projecto co‑financiado nesse quadro deve tender para o carácter operacional do referido projecto, sendo essa exigência subjacente à decisão que concede o financiamento comunitário.

83      Ora, é claro que a barragem não estava operacional nem era utilizável na data da decisão impugnada. Em tais circunstâncias, é manifestamente incompatível com a disposição já referida autorizar o beneficiário da contribuição em causa a conservar o financiamento comunitário concedido com vista à realização da obra mesmo enquanto, precisamente, a referida obra não for utilizável. Tal abordagem não é, aliás, compatível com o objectivo de boa gestão dos fundos estruturais comunitários.

84      Nestas condições, o segundo argumento em apoio do primeiro fundamento não é procedente e deve, portanto, ser rejeitado.

 Quanto ao terceiro argumento em apoio do primeiro fundamento

–       Argumentos das partes

85      Segundo a recorrente, as condições para a manutenção da contribuição em causa estão reunidas ao abrigo do disposto no artigo 24.° do Regulamento n.° 4253/88 na medida em que a natureza da obra e as condições de execução da acção elegível não são afectadas e na medida em que, por outro lado, a modificação do destino da obra foi objecto de um pedido de aprovação dirigido à Comissão.

86      A recorrente é de opinião de que a modificação da finalidade ou do destino da obra não constitui, segundo o n.° 1 do artigo 24.° do Regulamento n.° 4253/88, uma circunstância de molde a reduzir ou a suspender a contribuição financeira, mesmo que a Comissão tenha considerado a referida modificação na decisão impugnada.

87      A recorrente prossegue sublinhando que o próprio anexo da decisão de concessão fez uma descrição da obra, mas não indicou a sua finalidade.

88      Ora, segundo a recorrente, o facto de as águas retidas pela obra se destinarem inteiramente à irrigação, e já não também à refrigeração de instalações industriais, não pode modificar a natureza da obra em causa, que é a de constituir uma reserva de água no interesse geral. A recorrente menciona, neste aspecto, sem ser contraditada pela Comissão, que previu sempre que as águas de reserva da barragem em causa fossem destinadas à irrigação de cerca de 1 000 hectares de terras. Foi a não abertura do pólo industrial cuja realização estava prevista em Licata desde 1986 que tornou o objectivo de irrigação preponderante. Essa situação foi comunicada à Comissão, sendo, então, precisado que a obra conservava a sua função sócio‑económica no quadro do desenvolvimento regional. A este propósito, deve considerar‑se que a barragem, situada numa região que sofre de uma importante falta de água para uso privado, agrícola e industrial, poderia, graças à qualidade das suas águas, colmatar numerosas necessidades, incluindo em água potável, e inserir‑se num regime de conjunto e mais vasto de intervenções em matéria de águas co‑financiado pelo FEDER. A recorrente acrescenta que foi encomendado um estudo específico para a utilização das águas e a valorização da barragem em causa.

89      Da mesma forma, a recorrente considera que a modificação do destino da obra não pode afectar as condições de execução da acção, uma vez que estas têm a ver com o funcionamento da obra e não com o seu destino.

90      Segundo a recorrente, a decisão impugnada é, além disso, errada na medida em que não tem em conta o facto de as autoridades italianas terem comunicado à Comissão, com documentos de apoio, a modificação em causa do destino da obra.

91      A Comissão lembra que o artigo 24.° do Regulamento n.° 4253/88 pode ser invocado com base numa irregularidade, nomeadamente, de uma modificação importante que afecta a execução da medida em causa.

92      Prossegue referindo que reconheceu a existência de uma irregularidade que consiste numa mudança substancial dos objectivos e do destino da obra em relação àquilo que estava previsto na decisão de concessão, sem que a sua aprovação prévia tenha sido pedida.

93      A Comissão lembra, em seguida, que a decisão de concessão foi adoptada com base no Regulamento n.° 1787/84. As disposições do n.° 3 do artigo 22.° desse regulamento, que prevêem a descrição da obra co‑financiada pelos fundos comunitários, seriam supérfluas se devesse considerar‑se que tal descrição é puramente indicativa. O mesmo aconteceria com as disposições do n.° 1, alínea b), do artigo 28.° do mesmo regulamento, segundo as quais o pedido de pagamento final compreende, nomeadamente, uma declaração segundo a qual o investimento está em conformidade com o projecto inicial.

94      Ora, resulta do pedido de contribuição do FEDER apresentado à Comissão pelas autoridades italianas ao abrigo do n.° 3 do artigo 22.° do Regulamento n.° 1787/84 que a descrição da barragem e da sua utilização prevista faziam parte integrante do pedido. A Comissão acrescenta que a contribuição foi concedida tendo em conta, em particular, a duração, as características técnicas e as finalidades da obra, expostas no pedido. A esse propósito, a irrigação de cerca de 1 000 hectares de terras agrícolas, segundo a Comissão, fora prevista apenas a título acessório.

95      Nestas condições, o desvio do projecto, uma vez obtido o financiamento, para utilizações diferentes das previstas, é incompatível com a noção de desenvolvimento regional coerente e convergente que subentende o conceito de programação. A contribuição em causa fora atribuída com base numa premissa segundo a qual as águas retidas pela barragem eram destinadas, em primeiro lugar, ao abastecimento de água de um pólo industrial a realizar.

96      Conclui‑se que a mudança de destino da água da barragem justifica a supressão da contribuição nos termos do artigo 24.° do Regulamento n.° 4253/88.

97      Por outro lado, a Comissão replica que o argumento da recorrente (v. n.° 90, supra) segundo o qual não tivera em conta, na decisão impugnada, o facto de as autoridades italianas terem comunicado à Comissão a modificação em causa do destino da obra é desprovido de fundamento. Com efeito, a Comissão nunca deu a sua aprovação relativa à mudança de destino da obra, comunicada, ainda por cima, muito tardiamente, isto é, em 29 de Março de 2001. Aliás, a recorrente nem sequer pediu a aprovação da referida modificação. A Comissão alega que a comunicação de tal informação relativa à mudança de destino da obra não equivale a um pedido de aprovação. Pelo contrário, a informação que lhe foi comunicada em 29 de Março de 2001 conduzira‑a a desencadear, em Setembro de 2001, o processo de supressão da contribuição. A confirmação pela recorrente dessas informações, em 29 de Novembro de 2001, conduziu à adopção, em 11 de Novembro de 2002, da decisão impugnada.

98      Além disso, o argumento da recorrente assenta numa interpretação errada do artigo 24.° do Regulamento n.° 4253/88, segundo a qual a Comissão não pode reduzir nem suprimir a contribuição pela simples razão de as autoridades nacionais terem pedido a sua aprovação. Ora, os interesses financeiros da Comunidade seriam postos em perigo se a Comissão não pudesse reduzir ou suprimir uma contribuição pela simples razão de que foi informada da modificação do projecto. Tal interpretação tornaria inútil a própria aprovação da modificação.

–       Apreciação do Tribunal de Primeira Instância

99      Há que salientar, em primeiro lugar, que, como a Comissão recorda com razão, a finalidade da obra em causa é indicada no pedido de contribuição do FEDER apresentado pela República Italiana.

100    Além disso, é com toda a razão que a Comissão sustenta que não lhe basta ser informada das modificações feitas ao destino de uma obra cuja construção é co‑financiada pelo FEDER, mas deve ainda dar o seu acordo em relação a essas modificações. O Tribunal já julgou, com efeito, no sentido de que a Comissão pode suprimir uma contribuição em caso de irregularidade, nomeadamente, em caso de modificação importante da acção que afecta a sua natureza ou as condições da sua execução sem que a aprovação prévia da Comissão tenha sido pedida (acórdão de 12 de Outubro de 1999, Conserve Italia/Comissão, já referido, n.° 92).

101    Ora, resulta dos autos que a recorrente se limitou a informar tardiamente a Comissão da mudança de destino das águas retidas pela obra em causa. Essa informação não constituía, manifestamente, um pedido de aprovação.

102    Devendo a decisão de concessão e o pedido de financiamento correspondente ser lidos conjuntamente, tal como foi recordado no n.° 81, supra, por um lado, e tendo o destino da obra sido modificado de forma importante sem a aprovação prévia da Comissão, uma vez que o objectivo preponderante de abastecimento de água do pólo de Licata não foi alcançado, por outro, há que concluir que a supressão da contribuição se justifica à luz do disposto no artigo 24.° do Regulamento n.° 4253/88.

103    Nestas condições, o terceiro argumento em apoio do primeiro fundamento não é procedente e deve, portanto, ser rejeitado, o que implica a rejeição do primeiro fundamento na sua totalidade.

 Quanto ao segundo fundamento, relativo a um erro manifesto de apreciação na aplicação do artigo 24.° do Regulamento n.° 4253/88

 Argumentos das partes

104    A recorrente sustenta que a apreciação, preponderante para a Comissão, segundo a qual as obras não foram acabadas e segundo a qual a data em que a barragem seria funcional e utilizável não é determinável, nem mesmo a título indicativo, é errada.

105    Alega, pelo contrário, que resulta da documentação transmitida à Comissão, e, em particular, do certificado do estado das obras, que estas estavam acabadas em 4 de Novembro de 1992, na medida em que a barragem estava realizada na sua integralidade. Acrescenta que essa circunstância é reconhecida no considerando 6 da decisão impugnada.

106    A recorrente prossegue indicando que as últimas obras, que a decisão impugnada menciona que continuam por terminar, são totalmente acessórias. Não permitem excluir o acabamento efectivo da barragem. O próprio certificado do estado das obras confirma estas afirmações.

107    De resto, a recorrente sublinha que o referido certificado não menciona, contrariamente às indicações do considerando 6 da decisão impugnada, as «represas provisórias» não acabadas.

108    A recorrente acrescenta que o Servizio nazionale dighe (Serviço Nacional de Diques italiano), após o acabamento das obras, pediu somente a realização de trabalhos de revestimento da ala esquerda da barragem.

109    A recorrente conclui que as obras respeitantes à realização de uma barragem no Gibbesi estavam acabadas em Novembro de 1992 e que as intervenções supramencionadas pedidas pelo Servizio nazionale dighe eram marginais em relação à função primordial da barragem que é, antes de mais, uma represa de água. O referido serviço considerara sempre, por outro lado, com base em controlos semestrais da funcionalidade das instalações, confirmados por certificados de eficácia previstos para esse efeito, que a barragem estava acabada.

110    A Comissão contesta que as obras tenham sido acabadas em 1992 e que as operações a efectuar com vista ao funcionamento da barragem tenham sido de natureza acessória.

111    Em apoio da sua afirmação, a Comissão menciona a carta das autoridade italianas à Comissão, de 23 de Maio de 2000, à qual foi junto um certificado de fim das obras, do qual resulta que as represas provisórias não tinham sido realizadas e que o aqueduto não estava concluído. A Comissão acrescenta que, por carta de 19 de Dezembro de 2000, pediu informações suplementares às autoridades italianas relativas, em particular, à conclusão e à data, efectiva ou presumida, da entrada em serviço da barragem. Por carta de 21 de Fevereiro de 2001, a recorrente comunicara um calendário segundo o qual as obras estariam terminadas antes de 2 de Fevereiro de 2003.

112    A Comissão acrescenta que as obras em causa não compreendiam somente a construção do corpo da barragem, mas também o desvio do Gibbesi, o canal de restituição, o aqueduto, bem como outras obras. Além disso, as autoridades italianas destacaram, no seu pedido de contribuição, a finalidade da obra que consiste em contribuir para o desenvolvimento industrial da região em causa. Resulta daí que a obra devia ser acabada em todos os seus elementos e funcionar para realizar os objectivos previstos. Nestas circunstâncias, a distinção feita pela recorrente entre obras principais e acessórias não tem sentido.

113    Nestas condições, a Comissão apenas pôde verificar, na data da adopção da decisão impugnada, que as obras previstas a título da contribuição em causa não estavam concluídas.

 Apreciação do Tribunal de Primeira Instância

114    Há que salientar, em primeiro lugar, que o considerando 6 da decisão impugnada menciona somente que as obras do corpo da barragem estavam acabadas e não a barragem na totalidade.

115    Além disso, resulta dos autos, nomeadamente do certificado de conclusão das obras junto à carta de 23 de Maio de 2000 dirigida pelas autoridades italianas à Comissão, que é com razão que a Comissão sublinha que as represas provisórias não tinham sido realizadas e que o aqueduto não estava acabado, quando a verdade é que esses trabalhos faziam parte integrante do projecto em causa.

116    Nestas condições, há que concluir que as obras que são objecto da presente contribuição do FEDER não estavam acabadas na altura da adopção da decisão impugnada.

117    Assim, o segundo fundamento não é procedente e deve, portanto, ser rejeitado.

118    Tendo em conta tudo o que precede, há que negar provimento ao recurso.

 Quanto às despesas

119    Nos termos do n.° 2 do artigo 87.° do Regulamento de Processo do Tribunal de Primeira Instância, a parte vencida é condenada nas despesas se a parte vencedora o tiver requerido. Todavia, o n.° 3, primeiro parágrafo, do mesmo artigo prevê que, se cada parte obtiver vencimento parcial, o Tribunal pode determinar que as despesas sejam repartidas entre as partes. O n.° 3, segundo parágrafo, do referido artigo prevê, por seu lado, que o Tribunal pode condenar a parte, mesmo vencedora, a pagar à outra parte as despesas em que a tenha feito incorrer e que sejam consideradas inúteis ou vexatórias.

120    No caso em apreço a Comissão foi vencida no que respeita à admissibilidade. Além disso, uma parte das despesas que a recorrente efectuou para efeitos da apresentação da sua petição foi devida à redacção susceptível de ser aperfeiçoada da decisão impugnada (v. n.° 21, supra). O Tribunal considera, portanto, equitativo que a Comissão suporte metade das suas despesas. Portanto, há que decidir que a recorrente suportará as suas próprias despesas, bem como metade das despesas da Comissão.

Pelos fundamentos expostos,

O TRIBUNAL DE PRIMEIRA INSTÂNCIA (Primeira Secção alargada)

decide:

1)      A questão prévia de inadmissibilidade é rejeitada.

2)      É negado provimento ao recurso.

3)      A recorrente suportará as suas próprias despesas e metade das despesas da Comissão. A Comissão suportará metade das suas despesas.

Vesterdorf

Cooke

García‑Valdecasas

Labucka

 

      Trstenjak

Proferido em audiência pública no Luxemburgo, em 18 de Outubro de 2005.

O secretário

 

      O presidente

E. Coulon

 

      B. Vesterdorf


* Língua do processo: italiano.