Language of document : ECLI:EU:C:2024:47

ACÓRDÃO DO TRIBUNAL DE JUSTIÇA (Grande Secção)

16 de janeiro de 2024 (*)

«Reenvio prejudicial — Espaço de liberdade, segurança e justiça — Política comum de asilo — Diretiva 2011/95/UE — Condições para poderem beneficiar do estatuto de refugiado — Artigo 2.o, alínea d) — Motivos da perseguição — “Pertença a um grupo social específico” — Artigo 10.o, n.o 1, alínea d) — Atos de perseguição — Artigo 9.o, n.os 1 e 2 — Nexo entre os motivos e os atos de perseguição ou entre os motivos e a falta de proteção em relação a tais atos — Artigo 9.o, n.o 3 — Agentes não estatais — Artigo 6.o, alínea c) — Condições de elegibilidade para proteção subsidiária — Artigo 2.o, alínea f) — “Ofensa grave” — Artigo 15.o, alíneas a) e b) — Apreciação do pedido de proteção internacional para fins de concessão do estatuto de refugiado ou do estatuto de proteção subsidiária — Artigo 4.o — Violência contra as mulheres baseada no sexo — Violência doméstica — Ameaça de “crimes de honra”»

No processo C‑621/21,

que tem por objeto um pedido de decisão prejudicial apresentado, nos termos do artigo 267.o TFUE, pelo Administrativen sad Sofia‑grad (Tribunal Administrativo da cidade de Sófia, Bulgária), por Decisão de 29 de setembro de 2021, que deu entrada no Tribunal de Justiça em 6 de outubro de 2021, no processo

WS

contra

Intervyuirasht organ na Darzhavna agentsia za bezhantsite pri Ministerskia savet,

sendo intervenientes:

Predstavitelstvo na Varhovnia komisar na Organizatsiyata na obedinenite natsii za bezhantsite v Bulgaria,

O TRIBUNAL DE JUSTIÇA (Grande Secção),

composto por: K. Lenaerts, presidente, L. Bay Larsen, vice‑presidente, K. Jürimäe, C. Lycourgos, E. Regan, F. Biltgen e N. Piçarra (relator), presidentes de secção, M. Safjan, S. Rodin, P. G. Xuereb, I. Ziemele, J. Passer, D. Gratsias, M. L. Arastey Sahún e M. Gavalec, juízes,

advogado‑geral: J. Richard de la Tour,

secretário: A. Calot Escobar,

vistos os autos,

vistas as observações apresentadas:

–        em representação de WS, por V. B. Ilareva, advokat,

–        em representação de Predstavitelstvo na Varhovnia komisar na Organizatsiyata na obedinenite natsii za bezhantsite v Bulgaria, por M. Demetriou, J. MacLeod, BL, e C. F. Kroes, advocaat,

–        em representação do Governo Alemão, por J. Möller e R. Kanitz, na qualidade de agentes,

–        em representação do Governo Francês, por A.‑L. Desjonquères e J. Illouz, na qualidade de agentes,

–        em representação da Comissão Europeia, por A. Azéma e I. Zaloguin, na qualidade de agentes,

ouvidas as conclusões do advogado‑geral na audiência de 20 de abril de 2023,

profere o presente

Acórdão

1        O pedido de decisão prejudicial tem por objeto a interpretação do considerando 17, do artigo 6.o, alínea c), do artigo 9.o, n.o 2, alíneas a) e f), do artigo 9.o, n.o 3, do artigo 10.o, n.o 1, alínea d), e do artigo 15.o, alíneas a) e b), da Diretiva 2011/95/UE do Parlamento Europeu e do Conselho, de 13 de dezembro de 2011, que estabelece normas relativas às condições a preencher pelos nacionais de países terceiros ou por apátridas para poderem beneficiar de proteção internacional, a um estatuto uniforme para refugiados ou pessoas elegíveis para proteção subsidiária e ao conteúdo da proteção concedida (JO 2011, L 337, p. 9).

2        Este pedido foi apresentado no âmbito de um litígio que opõe WS ao Intervyuirasht organ na Darzhavna agentsia za bezhantsite pri Ministerskia savet (Serviço Responsável pelas Entrevistas dos Refugiados da Agência Nacional para os Refugiados junto do Conselho de Ministros) (a seguir «DAB») relativo a uma decisão que recusou dar início ao procedimento de concessão de proteção internacional na sequência de um pedido de WS neste sentido.

 Quadro jurídico

 Direito internacional

 Convenção de Genebra

3        Nos termos do artigo 1.o, ponto A, § 2, da Convenção relativa ao Estatuto dos Refugiados, assinada em Genebra em 28 de julho de 1951, que entrou em vigor em 22 de abril de 1954 [Recueil des traités des Nations unies, vol. 189, p. 150, n.o 2545 (1954)] e completada pelo Protocolo Relativo ao Estatuto dos Refugiados, assinado em Nova Iorque, em 31 de janeiro de 1967, e que entrou em vigor em 4 de outubro de 1967 (a seguir «Convenção de Genebra»), «[p]ara os fins da presente Convenção, o termo “refugiado” aplicar‑se‑á a qualquer pessoa [q]ue, […] receando com razão ser perseguida em virtude da sua raça, religião, nacionalidade, filiação em certo grupo social ou das suas opiniões políticas, se encontre fora do país de que tem a nacionalidade e não possa ou, em virtude daquele receio, não queira pedir a proteção daquele país».

 CEDAW

4        Nos termos do artigo 1.o da Convenção sobre a Eliminação de Todas as Formas de Discriminação contra as Mulheres (a seguir «CEDAW»), adotada pela Assembleia Geral das Nações Unidas em 18 de dezembro de 1979, que entrou em vigor em 3 de setembro de 1981 (Recueil des traités des Nations unies, vol. 1249, n.o I — 20378 p. 13) e da qual todos os Estados‑Membros são parte, «[p]ara os fins [desta convenção], a expressão “discriminação contra as mulheres” significa qualquer distinção, exclusão ou restrição baseada no sexo que tenha como efeito ou como objetivo comprometer ou destruir o reconhecimento, o gozo ou o exercício pelas mulheres, seja qual for o seu estado civil, com base na igualdade dos homens e das mulheres, dos direitos do homem e das liberdades fundamentais nos domínios, político, económico, social, cultural e civil ou em qualquer outro domínio».

 Convenção de Istambul

5        O artigo 2.o da Convenção do Conselho da Europa para a Prevenção e o Combate à Violência Contra as Mulheres e a Violência Doméstica, celebrada em Istambul em 11 de maio de 2011, assinada pela União Europeia em 13 de junho de 2017, aprovada em nome desta pela Decisão (EU) 2023/1076 do Conselho, de 1 de junho de 2023 (JO 2023, L 143 I, p. 4) (a seguir «Convenção de Istambul»), e que entrou em vigor, no que respeita à União, em 1 de outubro de 2023, estipula:

«1.      A presente Convenção aplica‑se a todas as formas de violência contra as mulheres, incluindo a violência doméstica, que afeta desproporcionalmente as mulheres.

2      As Partes são encorajadas a aplicar a presente Convenção a todas as vítimas de violência doméstica. As Partes deverão dar uma atenção particular às mulheres vítimas da violência baseada no género na implementação das disposições da presente Convenção.

[…]»

6        O artigo 60.o da referida convenção, com a epígrafe «Pedidos de asilo baseados no género», tem a seguinte redação:

«1.      As Partes tomarão as medidas legislativas ou outras necessárias para que a violência contra as mulheres baseada no género possa ser reconhecida como uma forma de perseguição, na aceção do [a]rtigo 1.o, [ponto] A[, n.o 2] da [Convenção de Genebra] e como uma forma de dano grave que exige uma proteção complementar/subsidiária.

2.      As Partes velarão para que uma interpretação sensível ao género seja aplicada a cada um dos fundamentos referidos na convenção e para que seja concedido aos requerentes de asilo o estatuto de refugiado nos casos em que se tenha estabelecido que o receio de perseguição se baseia num ou em vários destes fundamentos, de acordo com os instrumentos relevantes aplicáveis.

[…]»

 Direito da União

7        Os considerandos 4, 10, 12, 17, 29, 30 e 34 da Diretiva 2011/95 estabelecem o seguinte:

«(4)      A Convenção de Genebra e o seu protocolo constituem a pedra basilar do regime jurídico internacional relativo à proteção dos refugiados.

[…]

(10)      […] é adequado, nesta fase, confirmar os princípios subjacentes à Diretiva 2004/83/CE [do Conselho, de 29 de abril de 2004, que estabelece normas mínimas relativas às condições a preencher por nacionais de países terceiros ou apátridas para poderem beneficiar do estatuto de refugiado ou de pessoa que, por outros motivos, necessite de proteção internacional, bem como relativas ao respetivo estatuto, e relativas ao conteúdo da proteção concedida (JO 2004, L 304, p. 12)] e procurar alcançar um maior nível de aproximação das normas sobre o reconhecimento e o conteúdo da proteção internacional com base em normas mais eficazes.

[…]

(12)      O principal objetivo da presente diretiva consiste em assegurar, por um lado, que os Estados‑Membros apliquem critérios comuns de identificação das pessoas que tenham efetivamente necessidade de proteção internacional e, por outro, que exista em todos os Estados‑Membros um nível mínimo de benefícios à disposição dessas pessoas.

[…]

(17)      No que respeita ao tratamento de pessoas abrangidas pelo âmbito de aplicação da presente diretiva, os Estados‑Membros estão vinculados pelas obrigações que lhes incumbem por força dos instrumentos de direito internacional de que são partes, incluindo em particular os que proíbem a discriminação.

[…]

(29)      Uma das condições a preencher para beneficiar do estatuto de refugiado na aceção do ponto A do artigo 1.o da Convenção de Genebra é a existência de um nexo de causalidade entre os motivos de perseguição, nomeadamente a raça, a religião, a nacionalidade, as convicções políticas ou a pertença a um determinado grupo social, e os atos de perseguição ou a falta de proteção contra tais atos.

(30)      É igualmente necessário introduzir um conceito comum para o motivo de perseguição constituído pela pertença a um determinado grupo social. Para efeitos de definição de determinado grupo social, deverão ser tidas em devida consideração questões relacionadas com o género do requerente, incluindo a identidade de género e a orientação sexual, que possam estar relacionadas com determinadas tradições jurídicas e costumes, conducentes, por exemplo, à mutilação genital, à esterilização forçada ou ao aborto forçado, na medida em que estejam relacionadas com o receio fundado de perseguição por parte do requerente.

[…]

(34)      É necessário estabelecer os critérios comuns a preencher pelos requerentes de proteção internacional para poderem beneficiar de proteção subsidiária. Tais critérios deverão ser estabelecidos com base nas obrigações internacionais previstas em instrumentos relativos aos direitos humanos e em práticas existentes nos Estados‑Membros.»

8        Nos termos do artigo 2.o, alíneas a), d) a i) e n), desta diretiva:

«Para efeitos da presente diretiva, entende‑se por:

a)      “Proteção internacional”, o estatuto de refugiado e o estatuto de proteção subsidiária, definidos nas alíneas e) e g);

[…]

d)      “Refugiado”, o nacional de um país terceiro que, receando com razão ser perseguido em virtude da sua raça, religião, nacionalidade, convicções políticas ou pertença a determinado grupo social, se encontre fora do país de que é nacional e não possa ou, em virtude daquele receio, não queira pedir a proteção desse país […];

e)      “Estatuto de refugiado”, o reconhecimento por parte de um Estado‑Membro de um nacional de um país terceiro ou de um apátrida como refugiado;

f)      “Pessoa elegível para proteção subsidiária”, o nacional de um país terceiro ou apátrida que não possa ser considerado refugiado, mas em relação ao qual se verificou existirem motivos significativos para acreditar que, caso volte para o seu país de origem ou, no caso de um apátrida, para o país em que tinha a sua residência habitual, correria um risco real de sofrer ofensa grave na aceção do artigo 15.o, e ao qual não se apliquem o artigo 17.o, n.os 1 e 2, e que não possa ou, em virtude dos referidos riscos, não queira pedir a proteção desse país;

g)      “Estatuto de proteção subsidiária”, o reconhecimento por parte de um Estado‑Membro de um nacional de um país terceiro ou de um apátrida como pessoa elegível para proteção subsidiária;

h)      “Pedido de proteção internacional”, o pedido de proteção apresentado a um Estado‑Membro por um nacional de um país terceiro ou por um apátrida, que deem a entender que pretendem beneficiar do estatuto de refugiado ou de proteção subsidiária e não solicitem expressamente outra forma de proteção não abrangida pelo âmbito de aplicação da presente diretiva e suscetível de ser objeto de um pedido separado;

i)      “Requerente”, um nacional de um país terceiro ou um apátrida que tenha apresentado um pedido de proteção internacional em relação ao qual ainda não foi tomada uma decisão definitiva;

[…]

n)      “País de origem”, o país ou países de nacionalidade ou, no caso dos apátridas, o país em que tinha a sua residência habitual.»

9        Conforme figura no capítulo II da referida diretiva, com a epígrafe «Apreciação do pedido de proteção internacional», o artigo 4.o desta, com a epígrafe «Apreciação dos factos e circunstâncias», dispõe, nos n.os 3 e 4:

«3.      A apreciação do pedido de proteção internacional deve ser efetuada a título individual e ter em conta:

a)      Todos os factos pertinentes respeitantes ao país de origem à data da decisão sobre o pedido, incluindo a respetiva legislação e regulamentação e a forma como estas são aplicadas;

b)      As declarações e a documentação pertinentes apresentadas pelo requerente, incluindo informações sobre se o requerente sofreu ou pode sofrer perseguição ou ofensa grave;

c)      A situação e as circunstâncias pessoais do requerente, incluindo fatores como a sua história pessoal, sexo e idade, por forma a apreciar, com base na situação pessoal do requerente, se os atos a que foi ou possa vir a ser exposto podem ser considerados perseguição ou ofensa grave;

...

4.      O facto de o requerente já ter sido perseguido ou diretamente ameaçado de perseguição, ou de ter sofrido ou sido diretamente ameaçado de ofensa grave, constitui um indício sério do receio fundado do requerente de ser perseguido ou do risco real de sofrer ofensa grave, a menos que haja motivos sérios para considerar que essa perseguição ou ofensa grave não se repetirá.»

10      O artigo 6.o da mesma diretiva, com a epígrafe «Agentes da perseguição ou ofensa grave», prevê:

«Podem ser agentes da perseguição ou ofensa grave:

a)      O Estado;

b)      As partes ou organizações que controlem o Estado ou uma parcela significativa do respetivo território;

c)      Os agentes não estatais, se puder ser provado que os agentes mencionados nas alíneas a) e b), incluindo organizações internacionais, são incapazes de ou não querem proporcionar proteção contra a perseguição ou ofensa grave na aceção do artigo 7.o»

11      O artigo 7.o da Diretiva 2011/95, com a epígrafe «Agentes da proteção», tem a seguinte redação:

«1.      A proteção contra a perseguição ou ofensa grave só pode ser proporcionada:

a)      Pelo Estado; ou

b)      Por partes ou organizações, incluindo organizações internacionais, que controlem o Estado ou uma parcela significativa do respetivo território,

desde que estejam dispostos e tenham capacidade para conferir proteção nos termos do n.o 2.

2.      A proteção contra a perseguição ou ofensa grave deve ser efetiva e de natureza não temporária. É proporcionada uma tal proteção, em geral, quando os agentes mencionados no n.o 1, alíneas a) e b), tomam medidas razoáveis para impedir a prática de atos de perseguição ou de ofensas graves e injustificadas, ativando nomeadamente um sistema jurídico eficaz para detetar, acionar judicialmente e sancionar os atos que constituam perseguição ou ofensa grave, e o requerente tenha acesso a tal proteção.

...»

12      O artigo 9.o desta diretiva, com a epígrafe «Atos de perseguição», dispõe:

«1.      Para ser considerado um ato de perseguição, na aceção do ponto A do artigo 1.o da Convenção de Genebra, um ato deve:

a)      Ser suficientemente grave, devido à sua natureza ou persistência, para constituir uma violação grave dos direitos humanos fundamentais, em especial os direitos que não podem ser derrogados, nos termos do artigo 15.o, n.o 2, da Convenção Europeia de Proteção dos Direitos do Homem e das Liberdades Fundamentais [assinada em Roma, em 4 de novembro de 1950 (a seguir “CEDH”)]; ou

b)      Constituir um cúmulo de várias medidas, incluindo violações dos direitos humanos, suficientemente graves para afetar o indivíduo de forma semelhante à referida na alínea a).

2.      Os atos de perseguição qualificados no n.o 1 podem assumir, designadamente, as seguintes formas:

a)      Atos de violência física ou mental, incluindo atos de violência sexual;

[…]

f)      Atos cometidos especificamente em razão do género […]

3.      Nos termos do artigo 2.o, alínea d), tem de existir um nexo entre os motivos a que se refere o artigo 10.o e os atos de perseguição qualificados no n.o 1 do presente artigo ou a falta de proteção em relação a tais atos.»

13      Nos termos do artigo 10.o da referida diretiva, com a epígrafe «Motivos da perseguição»:

«1.      Ao apreciarem os motivos da perseguição, os Estados‑Membros devem ter em conta o seguinte:

[…]

d)      Um grupo é considerado um grupo social específico nos casos concretos em que:

–        os membros desse grupo partilham uma característica inata ou uma história comum que não pode ser alterada, ou partilham uma característica ou crença considerada tão fundamental para a identidade ou para a consciência dos membros do grupo que não se pode exigir que a ela renunciem; e

–        esse grupo tem uma identidade distinta no país em questão, porque é encarado como diferente pela sociedade que o rodeia.

Dependendo das circunstâncias no país de origem, um grupo social específico poderá incluir um grupo baseado numa característica comum de orientação sexual. A orientação sexual não pode ser entendida como incluindo atos considerados criminosos segundo o direito nacional dos Estados‑Membros. Para efeitos da determinação da pertença a um grupo social específico ou da identificação de uma característica desse grupo, são tidos devidamente em conta os aspetos relacionados com o género, incluindo a identidade de género;

[…]

2.      Ao apreciar se o receio de perseguição do requerente tem fundamento, é irrelevante que o requerente possua efetivamente a característica associada à raça, religião, nacionalidade, grupo social ou político que induz a perseguição, desde que tal característica lhe seja atribuída pelo agente da perseguição.»

14      O artigo 13.o da Diretiva 2004/83, com a epígrafe «Concessão do estatuto de refugiado», prevê:

«Os Estados‑Membros concedem o estatuto de refugiado ao nacional de um país terceiro ou ao apátrida que preencha as condições para ser considerado como refugiado nos termos dos capítulos II e III.»

15      O artigo 15.o da Diretiva 2011/95, com a epígrafe «Ofensas graves», dispõe:

«São ofensas graves:

a)      A pena de morte ou a execução; ou

b)      A tortura ou a pena ou tratamento desumano ou degradante do requerente no seu país de origem; […]

[…]»

16      O artigo 18.o desta diretiva, com a epígrafe «Concessão do estatuto de proteção subsidiária», tem a seguinte redação:

«Os Estados‑Membros concedem o estatuto de proteção subsidiária ao nacional de um país terceiro ou ao apátrida elegível para proteção subsidiária nos termos dos capítulos II e V.»

 Direito búlgaro

17      Resulta da decisão do órgão jurisdicional de reenvio que o artigo 8.o, n.os 1, 3 a 5 e 7, da Zakon za ubezhishteto i bezhantsite (Lei relativa ao Asilo e aos Refugiados, a seguir «ZUB») transpõe, para o sistema jurídico búlgaro, o artigo 2.o, alínea d), bem como os artigos 6.o, 7.o e 9.o da Diretiva 2011/95, e o artigo 9.o, n.o 1, desta lei transpõe o artigo 15.o desta diretiva.

18      O n.o 1, ponto 5, das disposições complementares da ZUB, na sua redação em vigor desde 16 de outubro de 2015 (DV n.o 80 de 2015), precisa que «[a]s noções de “raça, religião, nacionalidade, grupo social e opinião ou convicção política” são aquelas na aceção da [Convenção de Genebra] e do artigo 10.o, n.o 1, da Diretiva [2011/95]».

 Litígio no processo principal e questões prejudiciais

19      WS é uma nacional turca de etnia curda, muçulmana sunita e divorciada. Chegou legalmente à Bulgária no mês de junho de 2018. Em seguida, juntou‑se a um membro da sua família em Berlim (Alemanha), onde apresentou um pedido de proteção internacional. Por Decisão do DAB de 28 de fevereiro de 2019, adotada na sequência de um pedido das autoridades alemãs, WS foi tomada a cargo pelas autoridades búlgaras para efeitos de apreciação do seu pedido de proteção internacional.

20      Nas três entrevistas realizadas pelo DAB no mês de outubro de 2019, WS declarou ter sido forçada a casar, quando tinha dezasseis anos, e ter tido três filhas. No decurso da respetiva vida conjugal, o seu marido, alegadamente, batia‑lhe, sem que a família biológica de WS, que tinha conhecimento desta situação, a ajudasse. Em setembro de 2016, WS fugiu do seu domicílio conjugal e, no decurso de 2017, contraiu um casamento religioso do qual nasceu um filho no mês de maio de 2018. Depois de ter deixado a Turquia, divorciou‑se oficialmente do seu primeiro marido no mês de setembro de 2018, apesar da oposição deste último. Por estes motivos, declarou recear que a sua família a mate se regressar à Turquia.

21      Perante o DAB, WS apresentou a decisão do Tribunal Civil turco, transitada em julgado, que decretou o seu divórcio, bem como a queixa‑crime apresentada na Procuradoria‑Geral de Torbali (Turquia) contra o seu marido, a família deste e a sua família biológica, no mês de janeiro de 2017, cujos autos, elaborados em 9 de janeiro de 2017, relatam as ameaças que o seu marido lhe tinha enviado por mensagens telefónicas. Apresentou também uma Decisão de um Tribunal turco, de 30 de junho de 2017, que a colocou numa casa para mulheres vítimas de violência, na qual não se sentia segura.

22      Por Decisão de 21 de maio de 2020, o diretor do DAB indeferiu o pedido de proteção internacional de WS, considerando, por um lado, que os motivos invocados para abandonar a Turquia, nomeadamente, os atos de violência doméstica ou as ameaças de morte por parte do seu marido e dos membros da sua família biológica, não eram relevantes para efeitos de concessão desse estatuto, uma vez que não podiam ser associados a nenhum dos motivos de perseguição previstos no artigo 8.o, n.o 1, da ZUB. Além disso, WS não declarou ser vítima de atos de perseguição em razão do seu sexo.

23      Por outro lado, o diretor do DAB indeferiu a concessão do estatuto de proteção subsidiária a WS. Considerou que esta não reunia os pressupostos requeridos para o efeito, visto que «nem as autoridades oficiais, nem grupos específicos agiram contra a requerente de maneira que o Estado não pudesse controlar», e que esta «tendo sido alvo de agressões criminosas não informou a polícia nem apresentou queixa‑crime destas e […] deixou legalmente a Turquia».

24      Por Decisão de 15 de outubro de 2020, confirmada em 9 de março de 2021, pelo Varhoven administrativen sad (Supremo Tribunal Administrativo, Bulgária), e transitada em julgado, o Administrativen sad Sofia‑grad (Tribunal Administrativo da Cidade de Sófia, Bulgária) negou provimento ao recurso interposto por WS da decisão referida no n.o 22 do presente acórdão.

25      Em 13 de abril de 2021, WS apresentou um pedido subsequente de proteção internacional fundamentado em novos elementos de prova invocando o receio baseado na perseguição por agentes não estatais em razão da sua pertença a um «grupo social específico», a saber o grupo de mulheres que sofreram violência doméstica e das mulheres suscetíveis de serem vítimas de «crimes de honra». WS afirmou que o Estado Turco não a poderia defender desses agentes não estatais e alegou que a sua repulsão para a Turquia a iria expor a «crimes de honra» ou a um casamento forçado e, por conseguinte, a uma violação dos artigos 2.o e 3.o da CEDH.

26      Em apoio do seu pedido, WS apresentou, como novo elemento de prova, uma decisão do Tribunal Penal turco que condenou o seu ex‑marido a uma pena de prisão de cinco meses pelo crime de ameaças cometido contra si durante o mês de setembro de 2016. Esta pena, tendo em conta a inexistência de condenações anteriores, as características pessoais e o facto de ter aceitado a referida pena, a execução da pena foi suspensa durante um período de cinco anos. WS juntou ao referido pedido os artigos do jornal Deutsche Welle, com data de 2021, que referiam mortes violentas de mulheres na Turquia. Além disso, como nova circunstância, WS invocou a retirada da República da Turquia da Convenção de Istambul no decurso do mês de março de 2021.

27      Por Decisão de 5 de maio de 2021, o DAB não admitiu o pedido subsequente de WS de reabertura do procedimento de concessão de proteção internacional por não ter sido apresentado nenhum elemento novo e importante relativo à sua situação pessoal ou ao seu Estado de origem. O DAB salientou que por diversas vezes as autoridades turcas a ajudaram e indicaram estar dispostas a ajudá‑la por todos os meios legais.

28      O órgão jurisdicional de reenvio começa por esclarecer que, embora o pedido subsequente de proteção internacional apresentado por WS tenha sido indeferido por inadmissibilidade, é, ainda assim, necessário interpretar os requisitos de direito material de concessão de proteção internacional, por forma a determinar se WS apresentou elementos ou factos novos que justifiquem a concessão de tal proteção.

29      A este respeito, o órgão jurisdicional de reenvio salienta que o Tribunal de Justiça nunca se pronunciou sobre as questões suscitadas no presente processo, «relati[vas] à violência contra as mulheres baseada no género sob a forma de violência doméstica e de ameaças de crimes de honra, enquanto motivo de concessão de proteção internacional». Este órgão jurisdicional questiona‑se se, para concluir que uma mulher, vítima de tais atos de violência, pertence a um determinado grupo social, enquanto motivo de perseguição, na aceção do artigo 10.o, n.o 1, alínea d), da Diretiva 2011/95, é suficiente o seu género biológico ou social e se os atos de perseguição, incluindo a violência doméstica, podem ser determinantes para estabelecer a visibilidade deste grupo na sociedade.

30      Neste contexto, o órgão jurisdicional de reenvio questiona, antes de mais, se, para efeitos de interpretação desta disposição e à luz do considerando 17 da Diretiva 2011/95, há que tomar em consideração a CEDAW e a Convenção de Istambul, ainda que a República da Bulgária não seja parte desta última convenção.

31      Este órgão jurisdicional observa que os atos enumerados nos artigos 34.o a 40.o da Convenção de Istambul, a saber, nomeadamente, a violência física ou sexual, o casamento forçado ou o assédio, que se considera constituírem violência contra as mulheres baseada no género, encontram‑se mencionados, de maneira não exaustiva, no considerando 30 da Diretiva 2011/95 e que podem ser qualificados de «atos de perseguição», na aceção do artigo 9.o, n.o 2, alíneas a) e f), desta diretiva.

32      Por conseguinte, o órgão jurisdicional de reenvio interroga‑se sobre a interpretação do artigo 9.o, n.o 3, da Diretiva 2011/95 nos casos de atos de perseguição, baseados no género sob a forma de violência doméstica, perpetrados por agentes não estatais, na aceção do artigo 6.o, alínea c), desta diretiva. Pergunta, em especial, se o «nexo» exigido à luz do artigo 9.o, n.o 3, pressupõe que os agentes não estatais reconheçam que os atos de perseguição, por si cometidos, são determinados pelo género biológico ou social das vítimas destes atos.

33      Por fim, na hipótese de não estar demonstrada a pertença a «um grupo social específico», na aceção do artigo 10.o, n.o 1, alínea d) da Diretiva 2011/95, de uma mulher, vítima de violência doméstica, e suscetível de ser vítima de um crime de honra, o órgão jurisdicional de reenvio sublinha que WS apenas poderá ser repelida para o seu país de origem após ter sido provado que a repulsão não a exporá a um risco real de sofrer «ofensas graves», na aceção do artigo 2.o, alínea f), desta diretiva. Neste caso, o órgão jurisdicional de reenvio questiona, em particular, se uma ameaça de um «crime de honra» constitui um risco real de ofensa grave incluído no artigo 15.o, alínea a), da referida diretiva, lido em conjugação com o artigo 2.o da CEDH, ou do artigo 15.o, alínea b), da mesma diretiva, lido em conjugação com o artigo 3.o da CEDH.

34      Nestas circunstâncias, o Administrativen sad Sofia‑grad (Tribunal Administrativo da Cidade de Sófia) decidiu suspender a instância e submeter ao Tribunal de Justiça as seguintes questões prejudiciais:

«1.      Para efeitos da qualificação da violência baseada no género contra mulheres como fundamento para a concessão de proteção internacional na aceção da [Convenção de Genebra] e da [Diretiva 2011/95], aplicam‑se, em conformidade com o considerando 17 da [Diretiva 2011/95], as definições constantes da [CEDAW] e da [Convenção de Istambul], ou a violência baseada no género contra mulheres assume um significado autónomo como fundamento para a concessão de proteção internacional nos termos da Diretiva 2011/95 que difere do significado constante dos referidos instrumentos de direito internacional?

2.      No caso de ser invocada a prática de violência baseada no género contra as mulheres, deve a determinação da pertença a um grupo social específico como motivo da perseguição na aceção do artigo 10.o, n.o 1, alínea d), da Diretiva 2011/95 ser exclusivamente fundada no sexo biológico ou social da vítima de perseguição (violência contra uma mulher pelo simples facto de ser mulher), podem as formas/as ações/os atos concretos de perseguição, tal como constam da enumeração não exaustiva que consta do considerando 30 da Diretiva 2011/95, ser determinantes para a “visibilidade do grupo na sociedade”, ou seja, a sua característica distintiva, dependendo das circunstâncias no país de origem, ou os atos apenas podem estar relacionados com os atos de perseguição nos termos do artigo 9.o, n.o 2, alíneas a) ou f), da Diretiva 2011/95?

3.      No caso de a pessoa que requer a proteção denunciar atos de violência baseada no género sob a forma de violência doméstica, o sexo biológico ou social constitui um motivo suficiente para determinar a pertença a um determinado grupo social nos termos do artigo 10.o, n.o 1, alínea d), da Diretiva 2011/95, ou deve ser determinada uma característica distintiva adicional se o artigo 10.o, n.o 1, alínea d), da [Diretiva 2011/95] for de interpretar literalmente, de acordo com a sua redação, nos termos da qual as condições são cumulativas e as considerações associadas ao género são alternativas?

4.      No caso de a requerente invocar a prática de violência baseada no género sob a forma de violência doméstica por parte de um agente não estatal, na aceção do artigo 6.o, alínea c), da Diretiva 2011/95, deve o artigo 9.o, n.o 3, da Diretiva 2011/95 ser interpretado no sentido de que, para estabelecer o nexo de causalidade, é suficiente determinar uma relação entre os motivos da perseguição referidos no artigo 10.o e os atos de perseguição na aceção do [artigo 9.o,] n.o 1, ou deve necessariamente ser determinada uma falta de proteção perante a perseguição invocada ou existe um nexo de causalidade nos casos em que os agentes não estatais que estão na origem da perseguição não consideram que os atos de perseguição ou violência específicos, enquanto tal, constituem atos baseados no género?

5.      Caso se verifiquem as restantes condições, pode a ameaça efetiva de um [crime] de honra no caso de um eventual regresso ao país de origem justificar a concessão de proteção subsidiária nos termos do artigo 15.o, alínea a), da Diretiva 2011/95, em conjugação com o artigo 2.o da CEDH […] ou deve ser qualificada de ofensa nos termos do artigo 15.o, alínea b), da Diretiva 2011/95, em conjugação com o artigo 3.o da CEDH, tal como é interpretado pela jurisprudência do Tribunal Europeu dos Direitos do Homem, tendo em consideração uma avaliação global dos perigos que advêm de outros atos de violência baseada no género, ou é suficiente para a concessão desta proteção que, subjetivamente, a requerente não pretenda pedir a proteção do país de origem?»

 Quanto às questões prejudiciais

 Quanto às questões primeira a terceira

35      Com as suas três primeiras questões, que importa examinar em conjunto, o órgão jurisdicional de reenvio pergunta, em substância, se o artigo 10.o, n.o 1, alínea d), da Diretiva 2011/95 deve ser interpretado no sentido de que, consoante as circunstâncias existentes no país de origem, se pode considerar que as mulheres desse país, no seu todo, pertencem a um «grupo social específico», enquanto «motivo de perseguição» suscetível de conduzir ao reconhecimento do estatuto de refugiado, ou se as mulheres em causa devem partilhar uma característica comum adicional para pertencerem a esse grupo.

36      A título preliminar, resulta dos considerandos 4 e 12 da Diretiva 2011/95 que a Convenção de Genebra constitui a pedra basilar do regime jurídico internacional relativo à proteção dos refugiados e que esta diretiva foi adotada, nomeadamente, com o objetivo de que todos os Estados‑Membros apliquem critérios comuns de identificação das pessoas que tenham efetivamente necessidade de proteção internacional [Acórdão de 19 de novembro de 2020, Bundesamt für Migration und Flüchtlinge (Serviço militar e asilo), C‑238/19, EU:C:2020:945, n.o 19].

37      A interpretação das disposições da Diretiva 2011/95 deve, por isso, ser efetuada não apenas à luz da sistemática e da finalidade desta diretiva mas também no respeito da Convenção de Genebra e dos outros tratados pertinentes referidos no artigo 78.o, n.o 1, TFUE. Estes tratados incluem, como resulta do considerando 17 da referida diretiva, aqueles que proíbem a discriminação no que respeita ao tratamento de pessoas abrangidas pelo âmbito de aplicação da mesma diretiva [v., neste sentido, Acórdãos de 26 de fevereiro de 2015, Shepherd, C‑472/13, EU:C:2015:117, n.o 23, e de 19 de novembro de 2020, Bundesamt für Migration und Flüchtlinge (Serviço militar e asilo), C‑238/19, EU:C:2020:945, n.o 20].

38      Neste contexto, tendo em conta o papel confiado ao Alto Comissariado das Nações Unidas para os Refugiados (a seguir «ACNUR») pela Convenção de Genebra, os documentos por este emitidos beneficiam de uma relevância particular [v., neste sentido, Acórdãos de 23 de maio de 2019, Bilali, C‑720/17, EU:C:2019:448, n.o 57, e de 12 de janeiro de 2023, Migracijos departamentas (Motivos de perseguição baseados em opiniões políticas), C‑280/21, EU:C:2023:13, n.o 27].

39      Em conformidade com o artigo 2.o, alínea d), da Diretiva 2011/95, que retoma o artigo 1.o, ponto A, § 2, da Convenção de Genebra, entende‑se por «refugiado», nomeadamente, todo o nacional de um país terceiro que, receando com razão ser perseguido em virtude da sua raça, religião, nacionalidade, convicções políticas ou pertença a um determinado grupo social, se encontre fora do país de que é nacional e não possa ou, em virtude daquele receio, não queira pedir a proteção desse país. O artigo 10.o, n.o 1, desta diretiva enumera, para cada um dos cinco motivos de perseguição suscetíveis de conduzir ao reconhecimento do estatuto de refugiado, elementos que os Estados‑Membros devem ter em conta.

40      Em particular, no que se refere ao motivo de «pertença a um grupo social específico», resulta deste artigo 10.o, n.o 1, alínea d), primeiro parágrafo, que um grupo é considerado um «grupo social específico» quando se verifiquem os dois requisitos cumulativos. Primeiro, os membros do grupo em causa devem partilhar pelo menos uma das três características de identificação seguintes, a saber, uma «característica inata», «uma história comum que não pode ser alterada», ou «uma característica ou crença considerada tão fundamental para a identidade ou para a consciência dos membros do grupo que não se pode exigir que a ela renunciem». Segundo, este grupo deve ter uma «identidade distinta» no país de origem, porque é encarado como diferente pela sociedade que o rodeia.

41      Além disso, o segundo parágrafo do referido artigo 10.o, n.o 1, alínea d), especifica, entre outros, que «[p]ara efeitos da determinação da pertença a um grupo social específico ou da identificação de uma característica desse grupo, são tidos devidamente em conta os aspetos relacionados com o género, incluindo a identidade de género». Esta disposição deve ser lida à luz do considerando 30 da Diretiva 2011/95, segundo o qual a identidade de género pode estar relacionada com determinadas tradições jurídicas e costumes, conducentes, por exemplo, à mutilação genital, à esterilização forçada ou ao aborto forçado.

42      Por outro lado, o n.o 30 das Diretrizes sobre a Proteção Internacional n.o 1, do ACNUR, relativas à perseguição baseada no género, no contexto do artigo 1.o, ponto A, § 2, da Convenção de Genebra, clarifica que, relativamente ao conceito de «grupo social» abrangido por esta convenção e definido no artigo 10.o, n.o 1, alínea d), da Diretiva 2011/95, «o sexo pode ser adequadamente enquadrado na categoria do grupo social específico, sendo que as mulheres são um claro exemplo de conjunto social definido por uma característica inata e imutável, e que frequentemente são tratadas de maneira diferenciada em relação aos homens. […] As suas características também as identificam como um grupo na sociedade, submetendo‑as a um tratamento e normas diferenciadas em alguns países».

43      Feitos estes esclarecimentos prévios, há que responder às questões submetidas pelo órgão jurisdicional de reenvio.

44      Em primeiro lugar, atendendo às dúvidas expressas por este órgão jurisdicional quanto à relevância da CEDAW e da Convenção de Istambul para a interpretação do artigo 10.o, n.o 1, alínea d), da Diretiva 2011/95, há que esclarecer que, por um lado, ainda que a União não seja parte da primeira Convenção, esta foi, em contrapartida, ratificada por todos os Estados‑Membros. A CEDAW figura assim entre os Tratados relevantes que estão abrangidos pelo artigo 78.o, n.o 1, TFUE, em cuja observância esta diretiva, nomeadamente, o artigo 10.o, n.o 1, alínea d) desta, deve ser interpretada.

45      Além disso, segundo o considerando 17 da referida diretiva, no que respeita ao tratamento das pessoas abrangidas pelo âmbito de aplicação desta, os Estados‑Membros estão vinculados pelas obrigações que lhes incumbem por força dos instrumentos de direito internacional de que são partes, incluindo particularmente os que proíbem a discriminação, que abrange a CEDAW. O Comité para a Eliminação da Discriminação contra as Mulheres, encarregado de supervisionar a aplicação da CEDAW, especificou que esta convenção reforça e completa o regime internacional de proteção legal aplicável às mulheres e raparigas, incluindo no âmbito relativo aos refugiados.

46      Por outro lado, no que respeita à Convenção de Istambul, que vincula a União desde o dia 1 de outubro de 2023, há que sublinhar que esta convenção estabelece as obrigações abrangidas pelo âmbito de aplicação do artigo 78.o, n.o 2, TFUE, que habilita o legislador da União a adotar as medidas relativas a um sistema europeu comum de asilo, como a Diretiva 2011/95 [v., neste sentido, parecer 1/19 (Convenção de Istambul), de 6 de outubro de 2021, EU:C:2021:832, n.os 294, 302 e 303]. Assim, a referida convenção, uma vez que está relacionada com o asilo e a não repulsão, também faz parte dos tratados relevantes abrangidos pelo artigo 78.o, n.o 1, TFUE.

47      Nestas condições, a interpretação das disposições desta diretiva, nomeadamente, o artigo 10.o, n.o 1, alínea d) desta, tem de respeitar a Convenção de Istambul, ainda que alguns Estados‑Membros, entre os quais a República da Bulgária, não tenham ratificado esta Convenção.

48      A este respeito, há que salientar, por um lado, que o artigo 60.o, n.o 1, da Convenção de Istambul dispõe que a violência contra as mulheres baseada no género deve ser reconhecida como uma forma de perseguição, na aceção do artigo 1.o, ponto A, § 2, da Convenção de Genebra. Por outro, este artigo 60.o, n.o 2, impõe às partes garantir que uma interpretação sensível ao género seja aplicada a cada um dos fundamentos referidos na convenção e para que seja reconhecido aos requerentes de asilo o estatuto de refugiado nos casos em que se tenha estabelecido que o receio de perseguição se baseia num ou em vários destes fundamentos.

49      Em segundo lugar, no que respeita ao primeiro requisito de identificação de um «grupo social específico», previsto no artigo 10.o, n.o 1, alínea d), primeiro parágrafo, da Diretiva 2011/95 e mencionado no n.o 40 do presente acórdão, a saber, partilhar pelo menos um dos três traços distintivos referidos nesta disposição, importa recordar que o facto de ser do sexo feminino constitui uma característica inata e, como tal, é suficiente para que se verifique este pressuposto.

50      Tal não exclui que mulheres que partilhem um traço comum adicional, como, por exemplo, uma outra característica inata ou uma história comum que não pode ser alterada, como uma situação familiar particular ou, ainda, uma característica ou crença considerada tão fundamental para a identidade ou para a consciência dos membros do grupo que não se pode exigir que estas mulheres a ela renunciem, possam pertencer, também, a um «grupo social específico», na aceção do artigo 10.o, n.o 1, alínea d), da Diretiva 2011/95.

51      Com base nas informações constantes da decisão do órgão de reenvio, há que salientar, em particular, que o facto de certas mulheres terem escapado a um casamento forçado ou, de certas mulheres casadas terem abandonado os respetivos lares, pode ser considerado uma «história comum que não pode ser alterada», na aceção daquela disposição.

52      Em terceiro lugar, no que respeita ao segundo requisito de identificação de um «grupo social específico», relativo à «identidade distinta» do grupo no país de origem, cumpre referir que as mulheres podem ser vistas de maneira diferente pela sociedade que as rodeia e que lhes pode ser reconhecida uma identidade distinta nessa sociedade, em razão, nomeadamente, das normas sociais, morais ou jurídicas praticadas no respetivo país de origem.

53      Este segundo requisito de identificação também se verifica no caso de mulheres que partilhem uma característica comum adicional, como uma das mencionadas nos n.os 50 e 51 do presente acórdão, quando as normas sociais, morais ou jurídicas vigentes no respetivo país de origem impliquem que estas mulheres sejam vistas, em razão desta característica comum, de maneira diferente pela sociedade em redor.

54      Neste contexto, cumpre esclarecer que compete ao Estado‑Membro em causa determinar qual é a sociedade em redor que se deve considerar pertinente para efeitos da apreciação da existência deste grupo social. Esta sociedade pode coincidir com o país terceiro, globalmente considerado, de origem do requerente de proteção internacional, ou ser circunscrita, por exemplo, a uma parte do território ou da população desse país terceiro.

55      Em quarto lugar, uma vez que o órgão jurisdicional de reenvio questiona o Tribunal de Justiça sobre a questão de saber se os atos, como os que constam do considerando 30 da Diretiva 2011/95, podem ser considerados para determinar a identidade distinta de um «grupo social específico», na aceção do artigo 10.o, n.o 1, alínea d), desta diretiva, cabe esclarecer que a pertença a um grupo social específico deve ser determinada independentemente dos atos de perseguição, na aceção do artigo 9.o da referida diretiva, dos quais podem ser vítimas os membros desse grupo no país de origem.

56      Não deixa de ser certo que uma discriminação ou uma perseguição sofrida pelas pessoas que partilham uma característica comum pode constituir um fator pertinente quando, para confirmar se está preenchido o segundo requisito de identificação de um grupo social previsto no artigo 10.o, n.o 1, alínea d) da Diretiva 2011/95, se tenha que apreciar se o grupo em causa é distinto no que respeita às normas sociais, morais ou jurídicas no país de origem em causa. Esta interpretação é corroborada pelo n.o 14 das Diretrizes sobre a Proteção Internacional n.o 2, do ACNUR, relativas à «[pertença] a um grupo social específico», no contexto do artigo 1.o, ponto A, § 2, da Convenção de Genebra.

57      Portanto, pode considerar‑se que as mulheres, no seu conjunto, pertencem a um «grupo social específico», na aceção do artigo 10.o, n.o 1, alínea d), da Diretiva 2011/95, desde que se determine que, no seu país de origem, estas estão, em razão do sexo, sujeitas a violência física ou mental, incluindo a violência sexual e a violência doméstica.

58      Como o advogado‑geral salientou, no n.o 79 das suas conclusões, pode considerar‑se que mulheres que recusaram um casamento forçado, quando tal prática possa ser considerada uma norma social no seio da respetiva sociedade, ou que transgridem tal norma ao pôr fim a esse casamento, pertencem a um grupo social com uma identidade distinta no seu país de origem, se, em razão de tais comportamentos, estas se virem estigmatizadas e sujeitas à reprovação da sociedade que as rodeia conduzindo à sua excisão social ou a atos de violência.

59      Em quinto lugar, para efeitos da apreciação de um pedido de proteção internacional baseado na pertença a um grupo social específico, cabe ao Estado‑Membro em causa verificar se a pessoa que invoca um motivo de perseguição «rece[ie] com razão» ser perseguida no seu país de origem em virtude desta pertença, na aceção do artigo 2.o, alínea d), da Diretiva 2011/95.

60      A este respeito, em conformidade com o artigo 4.o, n.o 3, desta diretiva, a avaliação do caráter fundado do receio de um requerente ser perseguido deve revestir um caráter individual e ser efetuada casuisticamente com vigilância e prudência, baseando‑se unicamente numa avaliação concreta dos factos e das circunstâncias, em aplicação das regras estabelecidas não apenas neste n.o 3 mas também no n.o 4 deste artigo, para determinar se os factos e se as circunstâncias estabelecidas constituem ou não uma ameaça que se pode basear no receio da pessoa em questão, atendendo à sua situação individual, de ser efetivamente vítima de atos de perseguição caso deva voltar ao seu país de origem [v., neste sentido, Acórdão de 21 de setembro de 2023, Staatssecretaris van Veiligheid en Justitie (Opinião política no Estado‑Membro de acolhimento), C‑151/22, EU:C:2023:688, n.o 42 e jurisprudência referida].

61      Para o efeito, assim como indicado no n.o 36, alínea x), das Diretrizes sobre a Proteção Internacional n.o 1 do ACNUR, há que recolher as informações relevantes sobre o país de origem para a análise dos pedidos de concessão do estatuto de refugiado apresentados por mulheres, como, por exemplo, a situação da mulher face à lei, os seus direitos políticos, económicos e sociais, os costumes culturais e sociais no país e as consequências da não conformidade a estes últimos, a prevalência de práticas tradicionais violentas, a incidência e as formas de violência contra a mulher denunciadas, a proteção disponível para estas, as sanções impostas aos autores de tais atos de violência, e os riscos que uma mulher possa enfrentar se voltar ao seu país de origem após ter apresentado tal pedido.

62      Tendo em conta as razões anteriores, há que responder às três primeiras questões que o artigo 10.o, n.o 1, alínea d), da Diretiva 2011/95 deve ser interpretado no sentido de que, consoante as circunstâncias existentes no país de origem, se pode considerar que tanto as mulheres desse país, no seu conjunto como os grupos mais restritos de mulheres que partilham uma característica comum adicional, pertencem a um «grupo social específico», enquanto «motivo de perseguição» suscetível de conduzir ao reconhecimento do estatuto de refugiado.

 Quanto à quarta questão

63      Com a sua quarta questão, o órgão jurisdicional de reenvio pergunta, em substância, se o artigo 9.o, n.o 3, da Diretiva 2011/95 deve ser interpretado no sentido de que exige que, quando um requerente invoque o receio de ser perseguido no seu país de origem, por agentes não estatais, seja, em todos os casos, demonstrado que existe um nexo entre os atos de perseguição e, pelo menos, um dos motivos de perseguição a que se refere o artigo 10.o, n.o 1, desta diretiva.

64      Há que começar por referir que, nos termos do artigo 6.o, alínea c), da Diretiva 2011/95, para que agentes não estatais possam ser qualificados de «agentes da perseguição ou ofensa grave», deve ser demonstrado que os agentes da proteção, que constam no artigo 7.o desta diretiva, entre os quais, nomeadamente, o Estado, não possam ou não estejam dispostos a conceder proteção contra tais atos. Como o advogado‑geral sublinhou no n.o 87 das suas conclusões, resulta deste artigo 7.o, n.o 1, que os agentes da proteção têm de ter não apenas a capacidade mas também a vontade de proteger o requerente em causa contra essa perseguição ou ofensa grave, à qual está sujeito.

65      Esta proteção, em conformidade com o referido artigo 7.o, n.o 2, deve ser efetiva e de natureza não temporária. Tal é geralmente o caso quando os agentes da proteção, que constam do mesmo artigo 7.o, n.o 1, tomam medidas razoáveis para impedir a referida prática de atos de perseguição ou de ofensas graves e injustificadas, ativando nomeadamente um sistema jurídico eficaz, ao qual o recorrente da proteção internacional tenha acesso, para detetar, acionar judicialmente e sancionar tais atos.

66      Nos termos do artigo 9.o, n.o 3, da Diretiva 2011/95, lido em conjugação com o artigo 6.o, alínea c), e com o artigo 7.o, n.o 1, desta e à luz do considerando 29 da referida diretiva, o reconhecimento do estatuto de refugiado implica que se demonstre um nexo entre os motivos de perseguição a que se refere o artigo 10.o, n.o 1, da mesma diretiva e os atos de perseguição, na aceção do artigo 9.o, n.os 1 e 2, desta, ou, então, entre estes motivos de perseguição e a falta de proteção, por estes «agentes da proteção», em relação a tais atos de perseguição praticados pelos «agentes não estatais».

67      Assim, perante um ato de perseguição praticado por um agente não estatal, o pressuposto estabelecido no artigo 9.o, n.o 3, da Diretiva 2011/95 verifica‑se quando este ato assenta num dos motivos de perseguição a que se refere o artigo 10.o, n.o 1, desta diretiva, ainda que a falta de proteção não assente sobre estes motivos. Este pressuposto deve também ser considerado verificado quando a falta de proteção assenta num dos motivos de perseguição a que se refere esta última disposição, ainda que o ato de perseguição praticado por um agente não estatal não assente sobre estes motivos.

68      Esta interpretação é conforme com os objetivos da Diretiva 2011/95, enunciados nos considerandos 10 e 12 desta, destinados a garantir aos refugiados um nível de proteção elevado e a identificar todas as pessoas que tenham efetivamente necessidade de proteção internacional.

69      Tal interpretação também é corroborada pelo n.o 21 das Diretrizes sobre a Proteção Internacional n.o 1 do ACNUR, nos termos do qual «[n]os casos em que houver um risco de perseguição por parte de um agente não estatal [, por exemplo] um marido, companheiro ou outro agente não‑estatal[,] por razões relacionadas [com um dos motivos previstos pela] Convenção [de Genebra], o nexo causal [é estabelecido], ainda que a [ausência de proteção do] Estado […] esteja [ou não esteja] relacionada com a Convenção [de Genebra]. Além disso, o nexo causal [é, igualmente, estabelecido] quando, ainda que o risco de [ser perseguido/a] por uma agente não‑estatal não [esteja relacionado] com [um motivo previsto pela] Convenção [de Genebra], o Estado é incapaz ou não [tenha vontade de disponibilizar uma] proteção [que assente num dos motivos previstos pela] Convenção [de Genebra]».

70      Tendo em conta o exposto, há que responder à quarta questão prejudicial que o artigo 9.o, n.o 3, da Diretiva 2011/95 deve ser interpretado no sentido de que, quando um requerente invocar o receio de ser perseguido no seu país de origem por agentes não estatais, não é necessário demonstrar que existe um nexo entre um dos motivos de perseguição mencionados no artigo 10.o, n.o 1, desta diretiva, e tais atos de perseguição, se for possível demonstrar que existe esse nexo entre um desses motivos de perseguição e a falta de proteção contra estes atos pelos agentes da proteção, referidos no artigo 7.o, n.o 1, da referida diretiva.

 Quanto à quinta questão

71      Com a sua quinta questão, o órgão jurisdicional de reenvio pergunta, em substância, se o artigo 15.o, alíneas a) e b), da Diretiva 2011/95 deve ser interpretado no sentido de que o conceito de «ofensas graves» abrange a ameaça real, que recai sobre a requerente, de ser morta ou de sofrer atos de violência por parte de um membro da sua família ou da sua comunidade, em razão da pretensa transgressão de normas culturais, religiosas ou tradicionais, e que este conceito é assim suscetível de conduzir ao reconhecimento do estatuto conferido pela proteção subsidiária, na aceção do artigo 2.o, alínea g), desta diretiva.

72      A título preliminar, cumpre referir que esta questão só é relevante, para efeitos do litígio no processo principal, na hipótese de o órgão jurisdicional de reenvio chegar à conclusão de que WS não preenche os requisitos de concessão do estatuto de refugiado. Com efeito, uma vez que, em conformidade com o artigo 13.o da Diretiva 2011/95, os Estados‑Membros têm de reconhecer este estatuto ao requerente que reúna os pressupostos requeridos por esta diretiva, sem disporem de poder discricionário a este respeito [v., neste sentido, Acórdãos de 24 de junho de 2015, T., C‑373/13, EU:C:2015:413, n.o 63, bem como de 14 de maio de 2019, M e o. (Revogação do estatuto de refugiado), C‑391/16, C‑77/17 e C‑78/17, EU:C:2019:403, n.o 89], apenas seria necessário, nesse caso, verificar se WS deveria poder obter o estatuto conferido pela proteção subsidiária.

73      O artigo 2.o, alínea f), da Diretiva 2011/95, dispõe que é elegível para proteção subsidiária o nacional de um país terceiro que não possa ser considerado refugiado, mas em relação ao qual se verificou existirem motivos significativos para acreditar que, caso esse nacional voltasse para o seu país de origem, correria um risco real de sofrer ofensa grave na aceção do artigo 15.o desta diretiva e que não pode ou, em virtude dos referidos riscos, não quer pedir a proteção desse país.

74      O artigo 15.o, alíneas a) e b), da Diretiva 2011/95, lido à luz do considerando 34 da mesma, qualifica de «ofensa grave» «a pena de morte ou a execução» e «a tortura ou a pena ou tratamento desumano ou degradante do requerente no seu país de origem».

75      Este artigo 15.o, alínea a), refere a ofensa que implica a morte da vítima, enquanto o referido artigo 15.o, alínea b), menciona os atos de tortura, que podem ou não implicar a morte daquela. Em contrapartida, estas disposições não estabelecem nenhuma distinção caso a ofensa seja cometida por uma autoridade estatal ou por um agente não estatal.

76      Além disso, considerando o objetivo do artigo 15.o, alínea a), da Diretiva 2011/95 de assegurar uma proteção às pessoas cujo direito à vida seja ameaçado em caso de retorno ao seu país de origem, o termo «execução» que ali figura não pode ser interpretado no sentido de que exclui a ofensa à vida pelo simples facto de ser cometido por agentes não estatais. Assim, quando uma mulher corra um risco real de ser morta por um membro da sua família ou da sua comunidade em razão da alegada transgressão de normas culturais, religiosas ou tradicionais, tal ofensa grave deve ser qualificada de «execução», na aceção desta disposição.

77      Em contrapartida, quando os atos de violência, aos quais uma mulher é suscetível de ser sujeita em razão da alegada transgressão de normas culturais, religiosas ou tradicionais, não tenham por consequência provável a morte desta, estes atos deverão ser qualificados de tortura ou pena ou tratamento desumano ou degradante, na aceção do artigo 15.o, alínea b), da Diretiva 2011/95.

78      No que se refere, por outro lado, ao reconhecimento do estatuto conferido pela proteção subsidiária, na aceção do artigo 2.o, alínea g), da Diretiva 2011/95, o artigo 18.o desta impõe aos Estados‑Membros, após terem procedido a uma avaliação do pedido de proteção subsidiária em conformidade com as disposições do capítulo II desta diretiva, reconhecer este estatuto a um nacional de um país terceiro ou a um apátrida que reúna os pressupostos previstos no capítulo V da referida diretiva.

79      Quando as regras constantes deste capítulo II, aplicáveis à avaliação de um pedido de proteção subsidiária, sejam as mesmas que regem a avaliação de um pedido de reconhecimento do estatuto de refugiado, remete‑se para a interpretação destas regras enunciada nos n.os 60 e 61 do presente acórdão.

80      Atentos os fundamentos expostos, há que responder à quinta questão que o artigo 15.o, alíneas a) e b), da Diretiva 2011/95 deve ser interpretado no sentido de que o conceito de «ofensas graves» abrange a ameaça real, que recai sobre o requerente, de ser morto ou de sofrer atos de violência por um membro da sua família ou da sua comunidade, em razão da pretensa transgressão de normas culturais, religiosas ou tradicionais, e que este conceito é assim suscetível de conduzir ao reconhecimento do estatuto conferido pela proteção subsidiária, na aceção do artigo 2.o, alínea g), desta diretiva.

 Quanto às despesas

81      Revestindo o processo, quanto às partes na causa principal, a natureza de incidente suscitado perante o órgão jurisdicional de reenvio, compete a este decidir quanto às despesas. As despesas efetuadas pelas outras partes para a apresentação de observações ao Tribunal de Justiça não são reembolsáveis.

Pelos fundamentos expostos, o Tribunal de Justiça (Grande Secção) declara:

1)      O artigo 10.o, n.o 1, alínea d), da Diretiva 2011/95/UE do Parlamento Europeu e do Conselho, de 13 de dezembro de 2011, que estabelece normas relativas às condições a preencher pelos nacionais de países terceiros ou por apátridas para poderem beneficiar de proteção internacional, a um estatuto uniforme para refugiados ou pessoas elegíveis para proteção subsidiária e ao conteúdo da proteção concedida,

deve ser interpretado no sentido de que:

consoante as circunstâncias no país de origem, se pode considerar que tanto as mulheres desse país, no seu conjunto, como os grupos mais restritos de mulheres que partilham uma característica comum adicional, pertencem a um «grupo social específico», enquanto «motivo de perseguição» suscetível de conduzir ao reconhecimento do estatuto de refugiado.

2)      O artigo 9.o, n.o 3, da Diretiva 2011/95

deve ser interpretado no sentido de que:

quando um requerente invocar o receio de ser perseguido no seu país de origem por agentes não estatais, não é necessário demonstrar que existe um nexo entre um dos motivos de perseguição mencionados no artigo 10.o, n.o 1, desta diretiva e tais atos de perseguição, se for possível demonstrar que existe esse nexo entre um desses motivos de perseguição e a falta de proteção contra estes atos pelos agentes da proteção, referidos no artigo 7.o, n.o 1, da referida diretiva.

3)      O artigo 15.o, alíneas a) e b), da Diretiva 2011/95,

deve ser interpretado no sentido de que:

o conceito de «ofensas graves» abrange a ameaça real, que recai sobre o requerente, de ser morto ou de sofrer atos de violência por um membro da sua família ou da sua comunidade, em razão da pretensa transgressão de normas culturais, religiosas ou tradicionais, e que este conceito é assim suscetível de conduzir ao reconhecimento do estatuto conferido pela proteção subsidiária, na aceção do artigo 2.o, alínea g), desta diretiva.

Assinaturas


*      Língua do processo: búlgaro.