Language of document : ECLI:EU:T:2002:5

DESPACHO DO TRIBUNAL DE PRIMEIRA INSTÂNCIA (Segunda Secção)

14 de Janeiro de 2002 (1)

«Recurso de anulação - Directiva 2000/84/CE - Hora de Verão - Legitimidade - Associação - Inadmissibilidade»

No processo T-84/01,

Association contre l'heure d'été (ACHE), anteriormente Association contre l'horaire d'été (ACHE), com sede em Marly-le-Roy (França), representada por C. Lepage, advogado,

recorrente,

contra

Parlamento Europeu, representado por C. Pennera e M. Goméz-Leal, na qualidade de agentes, com domicílio escolhido no Luxemburgo,

e

Conselho da União Europeia, representado por A. Lopes Sabino, na qualidade de agente,

recorridos,

que tem por objecto um pedido de anulação da Directiva 2000/84/CE do Parlamento Europeu e do Conselho, de 19 de Janeiro de 2001, respeitante às disposições relativas à hora de Verão (JO L 31, p. 21),

O TRIBUNAL DE PRIMEIRA INSTÂNCIA

DAS COMUNIDADES EUROPEIAS (Segunda Secção),

composto por: R. M. Moura Ramos, presidente, J. Pirrung e A. W. H. Meij, juízes,

secretário: H. Jung,

profere o presente

Despacho

Enquadramento jurídico e tramitação processual

1.
    Por petição entrada na Secretaria do Tribunal de Primeira Instância em 1 de Abril de 2001, a recorrente, uma associação criada com o objectivo de chamar a atenção do público para os inconvenientes da mudança da hora e obter a supressão da hora de Verão, interpôs recurso, nos termos do artigo 230.°, quarto parágrafo, CE, em que pede a anulação da Directiva 2000/84/CE do Parlamento Europeu e do Conselho, de 19 de Janeiro de 2001, respeitante às disposições relativas à hora de Verão (JO L 31, p. 21).

2.
    Esta directiva tem por objectivo a harmonização das datas de início e de fim do período da hora de Verão nos Estados-Membros. Especifica, no seu segundo considerando, que, dado que os Estados-Membros aplicam disposições relativas à hora de Verão, é importante, para o funcionamento do mercado interno, continuar a fixar uma data e uma hora comuns para o início e o fim do período da hora de Verão, válidas no espaço comunitário.

3.
    Esta directiva especifica, no seu artigo 7.°, que «[o]s Estados-Membros devem pôr em vigor as disposições legislativas, regulamentares e administrativas necessárias para dar cumprimento à presente directiva até 31 de Dezembro de 2001 [...]».

4.
    Por requerimentos separados, entrados na Secretaria do Tribunal de Primeira Instância em 25 de Junho de 2001 e 13 de Julho de 2001, o Parlamento e o Conselho suscitaram, cada um, uma questão prévia de admissibilidade nos termos do artigo 114.°, n.° 1, do Regulamento de Processo.

5.
    Em 26 de Setembro de 2001, a recorrente apresentou na Secretaria do Tribunal de Primeira Instância a sua réplica contendo as suas observações quanto à questão prévia de admissibilidade.

Pedidos das partes

6.
    A recorrente conclui pedindo que o Tribunal de Primeira Instância se digne:

-    julgar improcedente a questão prévia de admissibilidade;

-    anular a Directiva 2000/84/CE;

-    condenar os recorridos nas despesas.

7.
    O Parlamento conclui pedindo que o Tribunal de Primeira Instância se digne:

-    declarar o recurso inadmissível, sem conhecer do mérito da causa;

-    condenar a recorrente nas despesas.

8.
    O Conselho conclui pedindo que o Tribunal de Primeira Instância se digne:

-    julgar o recurso inadmissível;

-    em caso de improcedência da questão prévia de admissibilidade, julgar igualmente o pedido improcedente;

-    condenar a recorrente nas despesas.

Questão de direito

9.
    Nos termos do artigo 114.°, n.° 1, do Regulamento de Processo, se uma parte o pedir, o Tribunal pode pronunciar-se sobre a inadmissibilidade, sem conhecer do mérito da causa. Nos termos do n.° 3 do mesmo artigo, salvo decisão em contrário do Tribunal, a tramitação ulterior do processo é oral. No caso vertente, o Tribunal de Primeira Instância considera-se suficientemente esclarecido pelo exame das peças processuais para decidir quanto ao pedido, sem dar início à fase oral.

Argumentos das partes

10.
    O Parlamento invoca, em primeiro lugar, em apoio da sua questão prévia de admissibilidade o facto de, no momento da interposição do recurso, a recorrente não ter nem legitimidade para estar em juízo, nem personalidade jurídica. Além disso, o Parlamento alega que nada indica que a situação da recorrente tenha sido regularizada no prazo de interposição do recurso, o que, de acordo com a jurisprudência, leva a julgar o recurso inadmissível (acórdão do Tribunal de Justiça de 27 de Novembro de 1984, Bensider e o./Comissão, 50/84, Recueil, p. 3991, n.° 8).

11.
    O Parlamento alega, seguidamente, que, aquando da adopção da Directiva 2000/84, a recorrente não tinha ainda personalidade jurídica, datando os seus estatutos de 31 de Março de 2001. Não existindo, à data da adopção da directiva, a recorrente não pode considerar-se como uma pessoa colectiva a quem a directiva diga directa e individualmente respeito.

12.
    Além disso, de acordo com o Parlamento, a recorrente não é, em qualquer hipótese, afectada directamente pela Directiva 2000/84, porque, mesmo que os Estados-Membros não disponham de uma margem de apreciação aquando da adopção das medidas nacionais de execução, tal não implica automaticamente que a recorrente seja directamente afectada por essas disposições. A directiva em causa limita-se a fixar uma data e uma hora comuns para o início e o fim do período da hora de Verão, não produzindo, por si só, efeitos na situação jurídica da recorrente. Esta directiva não impõe qualquer obrigação especial à recorrente nem atenta contra qualquer direito de que esta fosse titular antes da sua adopção.

13.
    O Parlamento argumenta, por último, que a recorrente não é afectada individualmente. Referindo-se ao despacho do Tribunal de Justiça de 23 de Novembro de 1995, Asocarne/Conselho (C-10/95 P, Colect., p. I-4149, n.° 41), e ao despacho do Tribunal de Primeira Instância de 26 de Março de 1999, Biscuiterie-confiserie LOR e Confiserie du Tech/Comissão (T-114/96, Colect., p. II-913, n.° 30), o Parlamento entende que um acto normativo só pode afectar individualmente a recorrente se atentar contra direitos específicos desta. Tratando-se da fixação das datas de início e de fim do período da hora de Verão, a recorrente não pode invocar a existência de um direito específico ou de circunstâncias particulares susceptíveis de justificar um interesse individual distinto do que pode ser invocado por qualquer outra pessoa.

14.
    O Conselho invoca, antes de mais, a natureza da Directiva 2000/84. Argumenta, a esse propósito, que esta directiva é um acto de alcance geral, dirigido a todos os Estados-Membros e que afecta de modo idêntico todas as pessoas singulares e colectivas em toda a Comunidade. Por conseguinte, a Directiva 2000/84 apresenta todas as características de uma directiva e não pode, por conseguinte, em princípio, ser contestada por um particular.

15.
    O Conselho alega, em seguida, que, em qualquer hipótese, só quando estejam reunidas as condições previstas no artigo 230.°, quarto parágrafo, CE, é que um particular pode contestar uma directiva. O Conselho sustenta que as disposições da Directiva 2000/84 não dizem directa nem individualmente respeito à recorrente.

16.
    Para demonstrar que a recorrente não é directamente afectada, o Conselho remete para o acórdão do Tribunal de Primeira Instância de 27 de Junho de 2000, Salamander e o./Parlamento e Conselho (T-172/98, T-175/98 a T-177/98, Colect., p. II-2487, n.° 52), nos termos do qual a condição de que o particular seja directamente afectado pela medida comunitária impugnada exige que esta produza efeitos directos na situação jurídica do particular e que não deixe qualquer poder de apreciação aos destinatários dessa medida encarregados da sua aplicação. De acordo com o Conselho, não impondo a Directiva 2000/84 qualquer obrigação à recorrente, não lhe diz directamente respeito.

17.
    O Conselho salienta, em seguida, que a recorrente não é individualmente afectada. A este respeito, observa que a Directiva 2000/84 não diz respeito à recorrente de um modo que a caracterize em relação a qualquer outra pessoa e a individualize de modo análogo ao do destinatário de uma medida. Esta directiva produz efeitos jurídicos gerais e abstractos e não diz nem mais nem menos respeito à recorrente que a qualquer outra pessoa singular ou colectiva. A circunstância de existir um alegado prejuízo sofrido ou a sofrer, não pode, por si só, ser suficiente para conferir legitimidade, a um recorrente, uma vez que esse prejuízo pode afectar, de modo geral e abstracto, um grande número de cidadãos que não podem ser determinados a priori, de modo a serem individualizados de modo análogo ao destinatário da decisão (despacho do Tribunal de Primeira Instância de 9 de Agosto de 1995, Greenpeace e o./Comissão, T-585/93, Colect., p. II-2205, n.° 51).

18.
    A recorrente alega que, contrariamente ao que o Parlamento afirma, foi constituída em 1983. A declaração de alteração, tal como publicada no Journal officiel de la République française de 26 de Maio de 2001, nos termos da qual resulta, entre outras coisas, que a denominação da recorrente foi alterada para «Association contre l'heure d'été» não tem qualquer efeito, nem na personalidade jurídica, nem na capacidade de agir da recorrente, dispondo esta quer de uma quer de outra desde a sua constituição em 1983.

19.
    A recorrente argumenta, que, de acordo com uma jurisprudência firmada e, designadamente, nos termos do despacho Greenpeace e o./Comissão, já referido,as associações têm legitimidade para estarem em juízo no Tribunal de Primeira Instância.

20.
    Entende, em seguida, que uma directiva é susceptível de ser invocada por um particular no âmbito de um recurso de anulação desde que a decisão tomada afecte directa e individualmente a recorrente (acórdãos do Tribunal de Justiça de 16 de Maio de 1991, Extramet Industrie/Conselho, C-358/89, Colect., p. I-2501, e de 18 de Maio de 1994, Codorniu/Conselho, C-309/89, Colect., p. I-1853, n.° 19; despacho do Tribunal de Primeira Instância de 11 de Janeiro de 1995, Cassa nazionale di previdenza ed assistenza a favore degli avvocati e procuratori/Conselho, T-116/94, Colect., p. II-1, n.° 26).

21.
    Para demonstrar que a Directiva 2000/84 lhe diz directamente respeito a recorrente salienta que os Estados-Membros não têm margem de apreciação, aquando da adopção das medidas nacionais de implementação dessa directiva. Ora, quando o acto impugnado não exige qualquer medida de execução estatal para a sua aplicação em direito interno, considera-se que diz directamente respeito aos particulares (acórdãos do Tribunal de 31 de Maio de 1977, Exportation des sucres/Comissão, 88/76, Recueil, p. 709, Colect., p. 249, e de 29 de Outubro de 1980, Roquette Frères/Conselho, 138/79, Recueil, p. 3333).

22.
    Para sustentar que a directiva lhe diz individualmente respeito, a recorrente alega, no essencial, ter sido constituída com o objectivo de lutar contra a instauração de um sistema de alteração da hora de Verão e que congrega todas as pessoas e associações profissionais que contestam à passagem à hora de Verão. Por esse simples facto, não pode deixar de ter um interesse directo e efectivo em actuar contra a Directiva 2000/84, que tem por objectivo alargar a mudança da hora.

Apreciação do Tribunal de Primeira Instância

23.
    Importa lembrar, antes de mais, que, embora o artigo 230.°, quarto parágrafo, CE não trate expressamente da admissibilidade dos recursos de anulação de uma directiva, resulta, contudo, da jurisprudência do Tribunal de Justiça que esta simples circunstância não basta para declarar inadmissíveis tais recursos. Assim, no seu despacho de 23 de Novembro de 1995, Asocarne/Conselho, já referido, o Tribunal de Justiça, após ter concluído que o acto impugnado era uma directiva, procurou saber se não se tratava, todavia, de uma decisão que dizia directa e individualmente respeito à recorrente, na acepção do artigo 230.°, quarto parágrafo, CE, mesmo que esta decisão tivesse sido adoptada sob a forma de uma directiva. Com efeito, as instituições comunitárias não podem excluir, pela simples escolha da forma do acto em causa, a protecção jurisdicional que esta disposição do Tratado oferece aos particulares (v., designadamente, despacho do Tribunal de Primeira Instância de 30 de Setembro de 1997, Federolio/Comissão, T-122/96, Colect., p. II-1559, n.° 50).

24.
    Nos termos de uma jurisprudência constante, qualquer pessoa que não seja o destinatário de uma decisão só pode pretender que ela lhe diz individualmente respeito, na acepção do artigo 230.°, quarto parágrafo, CE, se essa decisão a afectar em razão de determinadas qualidades que lhe são próprias ou de uma situação de facto que a caracteriza relativamente a qualquer outra pessoa e, por esse facto, a individualiza de um modo análogo ao do destinatário (v., designadamente, acórdão do Tribunal de Justiça de 15 de Julho de 1963, Plaumann/Comissão, 25/62, Colect. 1962-1964, p. 279, e acórdão do Tribunal de Primeira Instância de 17 de Junho de 1998, UEAPME/Conselho, T-135/96, Colect., p. II-2335, n.° 69).

25.
    Aliás, segundo a jurisprudência, uma associação constituída para promover os interesses colectivos de uma categoria de cidadãos não pode ser considerada individualmente atingida, na acepção do artigo 230.°, quarto parágrafo, CE, por um acto que afecta os interesses gerais dessa categoria e, por conseguinte, não pode interpor um recurso de anulação quando os seus membros o não possam fazer a título individual (v., designadamente, despacho Greenpeace e o./Comissão, já referido, n.° 59 e a jurisprudência aí citada). Contudo, a jurisprudência especificou que a existência de circunstâncias especiais, tais como o papel desempenhado por uma associação no âmbito de um processo que tenha conduzido à adopção de um acto na acepção do artigo 230.° CE, pode justificar a admissibilidade de um recurso interposto por uma associação cujos membros não são directa e individualmente abrangidos por esse acto (v., designadamente, acórdão do Tribunal de Justiça de 2 de Fevereiro de 1988, Van der Kooy e o./Comissão, 67/85, 68/85 e 70/85, Colect., p. 219, n.os 21 a 24).

26.
    No caso presente, a recorrente não demonstra nem alega que os seus membros são afectados pela Directiva 2000/84 em razão de determinadas qualidades que lhe são próprias ou de uma situação de facto que os caracteriza relativamente a qualquer outra pessoa e, por esse facto, os individualiza de um modo análogo ao do destinatário. Também não demonstra nem alega a existência de circunstâncias especiais que justifiquem a admissibilidade do seu recurso quando os seus membros nem sequer são directa e individualmente afectados por essa directiva.

27.
    Nessas circunstâncias, e sem ser necessário apreciar os outros argumentos utilizados pelo Parlamento e pelo Conselho, há que julgar o recurso inadmissível.

Quanto às despesas

28.
    Nos termos do artigo 87.°, n.° 2, do Regulamento de Processo, a parte vencida é condenada nas despesas, se a parte vencedora o tiver requerido. Tendo a recorrente sido vencida, há que condená-la nas despesas, conforme requerido pelo Parlamento e pelo Conselho.

Pelos fundamentos expostos,

O TRIBUNAL DE PRIMEIRA INSTÂNCIA (Segunda Secção)

decide:

1.
    O recurso é julgado inadmissível.

2.
    A recorrente é condenada nas despesas.

Proferido no Luxemburgo, em 14 de Janeiro de 2002.

O secretário

O presidente

H. Jung

R. M. Moura Ramos


1: Língua do processo: francês.